PORTUGUÊS



PORTUGUÊS

O texto abaixo, de Graciliano Ramos, foi publicado no livro Infância. Leia-o antes de resolver as primeiras 10 questões desta prova.

“LEITURA”

Achava-me empoleirado no balcão, abrindo caixas e pacotes, examinando as miudezas da prateleira. Meu pai, de bom humor, apontava-me objetos singulares e explicava o préstimo deles.

Demorei a atenção nuns cadernos de capa enfeitada por três faixas verticais, borrões, nódoas cobertas de riscos semelhantes aos dos jornais e dos livros. Tive a idéia infeliz de abrir um desses folhetos, percorri as páginas amarelas, de papel ordinário. Meu pai tentou avivar-me a curiosidade valorizando com energia as linhas mal impressas, falhadas, antipáticas. Afirmou que as pessoas familiarizadas com elas dispunham de armas terríveis. Isto me pareceu absurdo: os traços insignificantes não tinham feição perigosa de armas. Ouvi os louvores, incrédulo.

Aí meu pai me perguntou se eu não desejava inteirar-me daquelas maravilhas, tornar-me um sujeito sabido como Padre João Inácio e o advogado Bento Américo. Respondi que não. Padre João Inácio me fazia medo, e o advogado Bento Américo, notável na opinião do júri, residia longe da vila e não me interessava. Meu pai insistiu em considerar esses dois homens como padrões e relacionou-os com as cartilhas da prateleira. Largou pela segunda vez a interrogação pérfida. Não me sentia propenso a adivinhar os sinais pretos do papel amarelo?

(...)

Meu pai não tinha vocação para o ensino, mas quis meter-me o alfabeto na cabeça. Resisti, ele teimou – e o resultado foi um desastre. Cedo revelou impaciência e assustou-me. Atirava rápido meia dúzia de letras, ia jogar solo. À tarde pegava um côvado, levava-me para a sala de visitas – e a lição era tempestuosa. Se não visse o côvado, eu ainda poderia dizer qualquer coisa. Vendo-o, calava-me. Um pedaço de madeira, negro, pesado, da largura de quatro dedos.

Minha mãe e minha irmã natural me protegeram: arredaram-me da loja e, na prensa do copiar, forneceram-me as noções indispensáveis. Arrastava-me, desanimado. O folheto se puía e esfarelava, embebia-se de suor, e eu o esfregava para abreviar o extermínio.

(...)

Enfim consegui familiarizar-me com as letras quase todas. Aí me exibiram outras vinte e cinco, diferentes das primeiras e com os mesmo nomes delas. Atordoamento, preguiça, desespero, vontade de acabar-me. Veio o terceiro alfabeto, veio o quarto, e a confusão se estabeleceu, um horror de qüiproquós. Quatro sinais com uma só denominação. Se me habituassem às maiúsculas, deixando as minúsculas para mais tarde, talvez não me embrutecesse. Jogaram-me simultaneamente maldades grandes e pequenas, impressas e manuscritas. Um inferno. Resignei-me – e venci as malvadas. Duas, porém, se defenderam: as miseráveis dentais que ainda hoje me causam dissabores quando escrevo.

Sozinho não me embaraçava, mas na presença de meu pai emudecia. (...). Uma vez por dia o grito severo me chamava à lição. Levantava-me, com um baque por dentro, dirigia-me à sala, gelado. E emburrava: a língua fugia dos dentes, engrolava ruídos confusos. Livrara-me do aperto crismando as consoantes difíceis: o T era um boi, o D uma peruinha. Meu pai rira da inovação, mas retomara depressa a exigência e a gravidade. Impossível contentá-lo. E o côvado batia-me nas mãos. Ao avizinhar-me dos pontos perigosos, tinha o coração desarranjado num desmaio, a garganta seca, a vista escura, o no burburinho que me enchia os ouvidos a reclamação áspera avultava. Se as duas letras estivessem juntas, o martírio se reduziria, pois, libertando-me da primeira, a segunda acudia facilmente. Distanciavam-se, com certeza havia na colocação desígnio perverso – e os meus tormentos se duplicavam.

As pobres mãos inchavam, as palmas vermelhas, arroxeadas, os dedos grossos mal se movendo. Latejavam, como se funcionassem relógios dentro delas. Era preciso erguê-las. Finda a tortura, sentava-me num banco da sala de jantar, estirava os braços em cima da mesa, procurando esquecer as palpitações dolorosas. (...)

Texto adaptado, para os propósitos desta avaliação, do original de: RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro, Record, 1994, p. 95-99.

QUESTÃO 31

Em todas as alternativas transcreveram-se fragmentos que indicam uma relação conflituosa do menino com a leitura, exceto:

A) “Isto me pareceu absurdo: os traços insignificantes não tinham feição perigosa de armas. Ouvi os louvores, incrédulo.”

B) “O folheto se puía e esfarelava, embebia-se de suor, e eu o esfregava para abreviar o extermínio.”

C) “Atordoamento, preguiça, desespero, vontade de acabar-me.”

D) “Jogaram-me simultaneamente maldades grandes e pequenas, impressas e manuscritas.”

QUESTÃO 32

“Livrara-me do aperto crismando as consoantes difíceis: o T era um boi, o D uma peruinha.”

Pode-se inferir do texto que a palavra destacada significa

A) descrevendo.

B) comparando.

C) domando.

D) nomeando.

QUESTÃO 33

Podem ser apontadas como características lingüísticas do texto, exceto:

A) Presença de verbos e outras expressões que sugerem esforço, luta.

B) Ausência de descrições pormenorizadas do cenário dos acontecimentos.

C) Predominância de adjetivos de conotação negativa.

D) Preferência por períodos longos, compostos por subordinação.

QUESTÃO 34

Considere as seguintes afirmações:

I) O conflito descrito no 6o parágrafo refere-se à confusão provocada pelo aprendizado dos alfabetos maiúsculo e minúsculo.

II) Após as dificuldades relatadas, o garoto finalmente venceu completamente os obstáculos do aprendizado das letras.

III) Com a expressão “Um inferno” – 6o parágrafo – o autor pretende exprimir o desespero do garoto relativo à utilização do côvado pelo pai.

IV) A aprendizagem do garoto era prejudicada pelo medo da correção aplicada pelo pai, a propósito de qualquer tropeço.

Está correto, em relação ao texto, apenas o que se afirma em:

A) II e IV.

B) II e III.

C) I e IV.

D) I, II, III.

QUESTÃO 35

Numere a segunda coluna de acordo com a primeira, considerando o desenvolvimento do conflito entre o pai e o garoto.

|(1) “Afirmou que as pessoas familiarizadas com elas | |( ) Evidências de que o processo de aprendizagem do |

|dispunham de armas terríveis.” | |alfabeto era penoso ao garoto. |

|(2) “Aí meu pai me perguntou se eu não desejava inteirar-me| |( ) Tentativa da imposição, pelo pai, do aprendizado |

|daquelas maravilhas, tornar-me um sujeito sabido como Padre| |das primeiras letras. |

|João Inácio e o advogado Bento Américo.” | | |

|(3) “Meu pai não tinha vocação para o ensino, mas quis | |( ) Apresentação de vantagens mais práticas que |

|meter-me o alfabeto na cabeça.” | |poderiam advir do aprendizado da leitura |

|(4) “Resisti, ele teimou – e o resultado foi um desastre.” | |( ) Tentativa de apresentar para o garoto as vantagens da |

| | |leitura, por meio de idéias mais abstratas. |

|(5) “O folheto se puía e esfarelava, embebia-se de suor, e | |( ) Instauração do conflito entre pai e filho. |

|eu o esfregava para abreviar o extermínio.” | | |

Marque a alternativa que apresenta a ordem correta.

A) 1, 2, 3, 4, 5.

B) 4, 3, 2, 1, 5.

C) 5, 4, 2, 1, 3.

D) 5, 1, 4, 2, 3.

QUESTÃO 36

Indicou-se corretamente nos parênteses o referente da palavra destacada, exceto em:

A) “Meu pai insistiu em considerar esses dois homens como padrões e relacionou-os com as cartilhas da prateleira.” (Padre João Inácio e o advogado Bento Américo)

B) “Meu pai, de bom humor, apontava-me objetos singulares e explicava o préstimo deles.” (cadernos de capa enfeitada)

C) “Afirmou que as pessoas familiarizadas com elas dispunham de armas terríveis.” (letras)

D) “Latejavam, como se funcionassem relógios dentro delas.” (mãos)

QUESTÃO 37

“Isto me pareceu absurdo: Os traços insignificantes não tinham feição perigosa e armas.”

Nesse fragmento, os dois pontos introduzem uma ___________ e poderiam ser substituídos por _______________.

Assinale a alternativa cujas palavras ou expressões preencham corretamente os espaços em branco da afirmativa acima.

A) explicação / pois

B) comparação / bem como

C) adversidade / todavia

D) concessão / embora

QUESTÃO 38

Em todas as alternativas abaixo, o termo destacado foi usado para ligar orações, exceto:

A) “Distanciavam-se, com certeza havia na colocação desígnio perverso – e os meus tormentos se duplicavam.”

B) “Padre João Inácio me fazia medo, e o advogado Bento Américo, notável na opinião do júri, residia longe da vila e não me interessava”.

C) “À tarde pegava um côvado, levava-me para a sala de visitas – e a lição era tempestuosa.”

D) “Aí me exibiram outras vinte e cinco, diferentes das primeiras e com os mesmo nomes delas.”

QUESTÃO 39

Assinale a alternativa em que não se transcreveu uma oração.

A) “Um pedaço de madeira, negro, pesado, da largura de quatro dedos.”

B) “Meu pai não tinha vocação para o ensino, mas quis meter-me o alfabeto na cabeça.”

C) “Não me sentia propenso a adivinhar os sinais pretos do papel amarelo?”

D) “Tive a idéia infeliz de abrir um desses folhetos, percorri as páginas amarelas, de papel ordinário.”

QUESTÃO 40

Leia atentamente os fragmentos abaixo, considerando os termos destacados; em seguida, assinale a alternativa correta.

I) “Aí meu pai me perguntou se eu não desejava inteirar-me daquelas maravilhas...”

II) “Se não visse o côvado, eu ainda poderia dizer qualquer coisa.”

III) “O folheto se puía e esfarelava, embebia-se de suor e eu o esfregava...”

IV) “Duas, porém, se defenderam: as miseráveis dentais que ainda hoje me causam dissabores...”

Os termos destacados têm valor e função semelhantes apenas nos fragmentos

A) I e II.

B) II e III.

C) III e IV.

D) I e IV.

QUESTÃO 41

Existe na mitologia oral gaúcha uma imagem que é uma espécie de súmula de todos os heróis da sua história e do seu folclore, mista de bravura e fanfarronice, generosidade e pensamento libertário.

Assinale a alternativa em que ações e características do personagem Rodrigo Cambará, em Um certo Capitão Rodrigo de Érico Veríssimo, não estão de acordo com a mitologia oral gaúcha:

A) A exemplo dos heróis das epopéias gregas, Rodrigo Cambará acredita que só a ação guerreira dá sentido à vida dos homens, que só encontram felicidade nas batalhas e conquistas.

B) Na novelística moderna, Cambará representa o arquétipo do gaúcho ideal, de certo modo, o símbolo duma rude estirpe e de uma era próspera.

C) Na cena do duelo, o protagonista mostra caráter sólido e respeito ao código de honra, apesar de sua paixão instintiva pela vida e pelos prazeres.

D) A letra R, inacabada no rosto do adversário, é a prova de que Rodrigo Cambará não venceu a disputa na qual a personagem Bibiana era o centro do triângulo amoroso.

QUESTÃO 42

Em Um certo Capitão Rodrigo, o autor relaciona fatos históricos a acontecimentos ficcionais. De acordo com essa afirmação, todas as alternativas são corretas, exceto:

A) O poder econômico e político local são disputados por duas famílias: os Amaral e os Terra Cambará: os primeiros, fundadores do lugar; os segundos, descendentes de Ana Terra.

B) Transformada em grande personagem, a cidade de Santa Fé é o palco onde se dá o desenrolar dos fatos e das situações conflituosas inventadas.

C) Do ponto de vista cronológico, a narrativa conta, de modo completo, toda a saga da formação socioeconômica e política do Rio Grande do Sul.

D) Do ponto de vista ficcional, o Capitão Rodrigo junta-se às tropas de Bento Gonçalves da Silva e os Amarais permanecem fiéis ao império e dominam Santa Fé.

QUESTÃO 43

Leia o comentário do crítico Afrânio Coutinho sobre a narrativa Um certo Capitão Rodrigo:

“Tudo parte de Santa Fé e a ela volta. O ter mantido o romance na cidade gaúcha, sem perder de vista o que ocorria no resto do país e do mundo, constitui uma das qualidades de Érico Veríssimo como narrador. Foi às vezes obrigado a concentrar em diálogos todos os assuntos do momento do romance, porque este era o seu meio de colocar o leitor dentro do espírito da narrativa”.

Todos os trechos da obra Um certo Capitão Rodrigo exemplificam o comentário do crítico, exceto:

A) – A Igreja não é revolucionária, exclamou o vigário. _ A Igreja não é lugar de conspirações. Ela representa o poder espiritual, que está acima, muito acima do temporal.

_ Não me venha com essas palavras difíceis, padre, que eu não entendo. Fale claro. Temporal pra mim é mau tempo. Mas, falando sério, amigo Lara, cá pra nós no maior segredo, Vosmecês nunca se arriscaram a ir contra o governo, não é mesmo?

B) Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o cap. Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo, ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida , e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo temo fascinava as pessoas.

_ Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou talho!

C) _ Que foi que vosmecê disse?

_ Eu disse que tem havido muitos combates.

_ Ah!

_ No primeiro os revolucionários foram mal! _ contou o vigário com alguma relutância, temendo afligir Bibiana. _ As forças de Silva Tavares e de Manoel Marques de Souza derrotaram os farrapos.

D) _ E um anoitecer, vendo a família de Hans Schultz passar em fila indiana, de volta do trabalho a cantar uma cantiga alemã, ele refletiu:

_ Esses sim é que são felizes. Não sabem o que está se passando e, se vier a guerra, não terão nada a ver com ela, porque são estrangeiros.

QUESTÃO 44

Em Patativa de Assaré uma voz do Nordeste, todas as características relacionadas aos versos dizem respeito à oralidade, traço marcante em sua poesia, exceto:

A) Presença do elemento efêmero e circunstancial associado aos acontecimentos sociais e religiosos.

Na cidade de Bagdá

Quando ela antigamente

Era a cidade mais rica

Das terras do Oriente

Deu-se um caso fabuloso

Que apavorou muita gente.

B) Emprego de uma língua falada que retoma o estilo e a pronúncia popular.

Nos meus singelos versinhos

O leitor vai encontrar

Em vez de rosas e espinhos

Na minha penosa lida

Conheço do mar da vida

As temerosas tormentas

C) Caráter sertanejo do universo descrito, com vocabulário original e regional.

Sem a virtude da chuva

O povo fica a vagar

Como a formiga saúva

Sem folha para cortar

E com a dor que o consome

Obrigado pela fome

D) Presença forte de interpelação do ouvinte, através de interrogações, saudações, destinações.

Meu caro leitor desculpe

Esta falta que cometo,

Me desviando do assunto

Da história que lhe remeto,

O caso do padre Henrique,

Motivo deste folheto.

QUESTÃO 45

Considere a relação entre as afirmações sobre os poemas de Patativa de Assaré e os exemplos selecionados.

(I) Mesmo não sendo função da poesia popular, encontra-se, na poesia de Patativa de Assaré, o ideal clássico de “agradar e instruir”, comprovado no poema “História de Aladim e a lâmpada maravilhosa”:

Porque a negra ambição

Atrasa sem compaixão

Traz consigo a maldição

Amamentando a desgraça

Tira o dinheiro do nobre

Ilude a ganha do pobre

Vê do indigente o cobre

A ambição onde passa.

(II) A poesia de Patativa de Assaré propõe uma visão dicotômica da vida no plano espacial (sertão “versus” cidade, Nordeste “versus” Sul), comprovada na poesia “Emigração e as conseqüências”:

Leitor, veja o grande azar

Do nordestino emigrante

Que anda atrás de melhorar

Da sua terra distante

Nos centros desconhecidos

Depressa vê corrompidos

Os seus filhos inocentes

Na populosa cidade

De tanta imoralidade

E costumes diferentes

(III) Patativa de Assaré é fiel à tradição dos poetas de cordel, fazendo uma poesia essencialmente narrativa que permite compreender os valores fundamentais do sertanejo através das personagens encenadas em “Brosogó, Militão e o diabo”:

Em um dos nossos estados

Do nordeste brasileiros

Nasceu Chico Brosogó

Era ele um miçangueiro

Que é o mesmo camelô

Lá no Rio de Janeiro

Marque a alternativa que apresenta relação correta entre as afirmativas e os exemplos.

A) Apenas I.

B) I e II.

C) II e III.

D) I, II,e III.

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