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Apostila

Processo seletivo para professores temporários do Estado de São Paulo

2011

Profª Kelly

Índice

Pág.

5 __________________________________Parte Geral

6 __________________________________________Bibliografia

7 _______________________ M. N. Beaudoin e M. Taylor: Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola

9 ______________________ Maria Helena Guimarães de Castro: Sistemas Nacionais de Avaliação e de informações educacionais

16 ______________________ Álvaro Chrispino: Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação

22 _____________________ César Coll: O construtivismo na sala de aula

26 ______________________ José Contreras: A autonomia dos professores

28 ______________________ Jacques Delors: Educação: Um tesouro a descobrir

35 ______________________ Educar para crescer: Por dentro do IDEB: o que é o Índice de desenvolvimento da Educação Básica?

35 ______________________ Andy Hargreaves: Ensino na sociedade de conhecimento: Educação na era da insegurança

44 ______________________ Jussara Hoffmann: Avaliar para promover: As setas do caminho

46 ______________________ Délia Lerner: Ler e escrever na escola: O real, o possível e o necessário

49 _______________________ Robert J. Marzano, Debra J. Pickering e Jane Pollock: Ensino que funciona: Estratégias baseadas em evidências para melhorar o desempenho dos alunos

58________________________Philippe Perrenoud: Dez novas competências para ensinar

59 _______________________Terezinha Azerêdo Rios: Compreender e ensinar:Por uma docência de melhor qualidade

64 _______________________ Maurice Tardif: Saberes docentes e formação profissional

66 _______________________Celso dos Santos Vasconcelos: Avaliação da aprendizagem: práticas de mudança: Por uma práxis transformadora

72_____________________________________ Documentos

73________________________DCNs do Ensino Fundamental

80 ________________________DCNs do Ensino Médio

119_______________________Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio

130_______________________Matrizes de referências para avaliação: documento básico

137_______________________Programa de qualidade da escola: nota técnica.

142 ____________________________Legislação

143_______________________Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece Diretrizes e Bases da Educação Nacional

158_______________________Lei Complementar nº 1078, de 17 de dezembro de 2008 - Institui Bonificação por Resultado

161_______________________Lei Complementar nº 1097, de 27 de outubro de 2009 – Institui o Sistema de Promoção para os integrantes do Quadro do Magistério

165_______________________Deliberação CEE nº 8/97 – Institui no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, o Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental

170_______________________Parecer CEE nº 67/1998 – Normas Regimentais Básicas para es Escolas Estaduais

182_______________________Resolução SE nº 92/2009, de 8 de dezembro de 2009. Dispõe sobre estudos de recuperação aos alunos do ciclo I do ensino fundamental das escolas da rede pública estadual

183_______________________Instrução CENP nº 1/2010, de 11 de janeiro de 2010. Dispõe sobre o processo de recuperação de estudos de alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, nas escolas da rede estadual de ensino

186______________________Parte Específica

187_______________________________________Geografia

188________________________________________Bibliografia

189______________________Aziz Nacib Absaber: Os domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas

193 ______________________Manuel Castells: A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e sociedade

196 ______________________Antônio Carlos Castrogiovanni: Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano

197 ______________________Denise Elias: Globalização e agricultura

213 ______________________José Teixeira Guerra: Unidades de conservação: abordagens e características geográficas

216______________________Rogério Haesbaert: A nova desordem mundial

222______________________Demétrio Magnoli: Relações Internacionais: teoria e história

231 ______________________Maria Léa Salgado-Labouriau: História ecológica da Terra

233______________________Milton Santos: Por uma outra Globalização

243 _____________________ Maria Cristina Motta de Toledo: Decifrando a Terra

Parte

Geral

Bibliografia

Livros e artigos

M. N. Beaudoin e M. Taylor: Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola

O que é bullying e desrespeito? (significado do termo e características)

Os comportamentos agressivos, anti-sociais e a falta de respeito que ocorrem no interior da escola são considerados como violência; uma dessas formas de violência que atualmente tem merecido destaque tem sido bullying ou intimidação entre pares. A palavra bullying é derivada do verbo inglês bully, que significa usar a superioridade física para intimidar alguém. Também adota aspecto de adjetivo, referindo-se a “valentão”. Essa terminologia bullying tem sido adotada para explicar todo tipo de comportamento agressivo, cruel, intencional e repetitivo que envolve as relações interpessoais.

O fenômeno bullying se caracteriza como sendo um comportamento agressivo e/ou danoso que acontece de forma repetitiva num período prolongado de tempo contra uma mesma vítima e não tem motivos evidentes, porém a rejeição às diferenças é de grande importância na ocorrência desse fenômeno.

Segundo Pinheiro esse comportamento violento se divide em dois grupos: o primeiro grupo se refere as ações diretas físicas (chutar, empurrar, bater, tomar pertences) e verbais (apelidos e insultos); e o segundo, as ações indiretas/emocionais através de boatos. A ação verbal é a mais comum. O papel desempenhado na situação bullying pode ser alterado pelas características dos envolvidos, a pessoa não é necessariamente a vítima ou a agressora.

Conforme colocam Beaudoin & Taylor: ...os alunos vitimados tornam-se agressores, agressores passam a ser vitimados, e o desrespeito move-se furtivamente das relações entre alunos para as relações entre alunos e professores, e então para as interações entre professores e alunos.

Entre os autores de intimidação, que utilizam a força física, encontram-se os garotos. Um dos principais motivos é a influência da mídia que representa a masculinidade dos heróis através da força física. Já as meninas preferem formas mais sutis e indiretas para magoar e intimidar.

Um dos motivos do bullying e o desrespeito acontecerem com tanta freqüência se deve ao fato dos profissionais da educação, responsáveis pelas crianças, estarem ausentes dessa relação e, também, porque essas atitudes agressivas podem ocorrer de forma velada e em ambientes que estes não estão muito presentes (recreio, entrada e saída da escola).

Não se pode considerar ato de bullying algumas situações desrespeitosas, como apelidos sem fundo pejorativo, xingamentos ou brigas momentâneas (por não emprestar algo, por ter derrubado sem querer o material, etc). Esse comportamento se refere à falta de respeito, pois as crianças em determinada idade são bastante impulsivas, agem sem pensar nas conseqüências, xingam por estarem com raiva. Presencia-se nas escolas casos em que alunos brigam, de se xingar e bater, porém alguns minutos depois, voltam a conversar como se nada tivesse ocorrido, ou seja, toda aquela agressividade foi pelo problema do momento, mas não é uma rivalidade entre os alunos. Diariamente ocorrem brigas entre eles, porém nem sempre podem ser consideradas atos de bullying, mas mesmo assim, devem ter a intervenção do educador. Essa situação é diferente, pois o bullying acontece quando um ou mais alunos por nenhum motivo explícito implica(m) com outro(s) e tenta(m) por diversas formas (xingar de maneira que humilha, bater para machucar...) atormentar. Sendo assim, o ato de xingar e/ou bater tem uma intenção, ou seja, a intenção de irritar/ machucar o outro. Esse comportamento agressivo se repete diariamente sem ter um motivo que justifique o porquê começou e, com isso, nada garante quando irá terminar.

Quem são os protagonistas do bullying? (vítimas- alvos; agressores- autores; testemunhas – expectadores)

A escola é um espaço da diferença, da diversidade, e é, exatamente por isso, um espaço de conflitos. A comunidade escolar, assim como nossa sociedade, tem a presença de pessoas com suas singularidades: diferentes tamanhos, etnias, visões de mundo, histórias de vida, modos de ser, sentir, agir e sonhar. A riqueza cultural do nosso país, na maioria das vezes, não é levada em consideração no cotidiano da escola.

A escola, dependendo do contexto em que está inserida, pode propiciar um ambiente saudável e agradável para a aquisição de conhecimentos ou pode promover um ambiente com fatores de risco, gerando o fracasso escolar e a exclusão dos alunos tidos como “problemáticos”.

Segundo Pearce & Thompson a intimidação entre pares é mais freqüente em escolas com alta rotatividade de professores, padrões de comportamento não estabelecidos, métodos de disciplina inconsistentes, pouca organização, supervisão inadequada e falta de consciência das crianças como indivíduos. Se os indivíduos aceitam esse comportamento como normal ou o ignoram, isso faz com que se perpetue a violência na escola, acarretando um clima de tensão, maus relacionamentos, posturas agressivas e intolerantes em relação a toda comunidade escolar.

Os protagonistas (vítimas, agressores e testemunhas) deste tipo de atitude, pelo fato da escola não tratar desse assunto, não sabem o que podem fazer para modificar este quadro de violência. O tempo e a regularidade das agressões contribuem fortemente para o agravamento dos efeitos, o que faz com que a vítima aumente o conceito negativo de si mesmo.

As vítimas ou alvos, expostos às ações negativas que causam danos, ferem e incomodam, são os indivíduos considerados mais fracos, pouco sociáveis, que têm temperamentos mais quietos, tímidos, passivos, transformados em objeto de diversão por meio de “brincadeiras” que machucam (física e/ou emocionalmente), que podem causar desde simples problemas de aprendizagem até sérios transtornos de comportamento, interferindo em seu desenvolvimento social, acadêmico e emocional. O medo, a ansiedade, a depressão, a insegurança e a baixa auto-estima são alguns dos problemas emocionais que têm por conseqüência fazer com que as vítimas abandonem a escola e evitem as interações sociais.

Os alunos que são alvos de intimidação desconhecem que estão sendo vítimas de abuso e, por isso, não procuram ajuda e não sabem como se defender. Segundo Pinheiro, há dois tipos de vítima: a vítima passiva que não reage, nem procura ajuda, finge não ligar, porém sofre em silêncio e é o tipo mais comum, e a vítima-agressora, que reage com agressões verbais e/ou físicas quando são insultadas, o que piora a situação, pois o(s) agressor(es) aumenta(m) as provocações ou como forma de compensação, procuram uma outra vítima mais frágil para reproduzir os maus-tratos sofridos.

É pouco comum que a vítima revele espontaneamente o bullying sofrido, seja por vergonha, por medo das ameaças ou pelo fato de não ver como a escola pode ajudar.

O silêncio só é rompido quando os alvos sentem que serão ouvidos, respeitados e valorizados. Conscientizar as crianças e adolescentes de que o bullying é inaceitável e que não será tolerado permite o enfrentamento do problema com mais firmeza, transparência e liberdade.

Os agressores ou autores agem sozinhos ou em grupo, apresentam aversão às normas, não aceitam ser contrariados, têm uma visão positiva da violência, acreditando que essa é a melhor forma para resolver seus problemas, são fisicamente mais fortes do que as vítimas, possuem um bom nível de auto-estima e desejam status, poder e/ou objetos materiais. Esse tipo de comportamento tem por conseqüência o envolvimento em situações de violência doméstica, delinqüência e outros crimes. Geralmente são oriundos de família desestruturada, em que há parcial ou total ausência de afetividade e estão expostos à prática de maus-tratos físicos, o que favorece o desenvolvimento da agressividade nas crianças. É provável que os autores escolham e utilizem possíveis diferenças como motivação para as agressões, sem que elas sejam, efetivamente, as causas do assédio.

As testemunhas, mesmo que não tenham envolvimento direto, podem desenvolver sentimentos negativos em relação ao ambiente onde ocorre o bullying, por terem medo de vir a ser a próxima vítima e, por isso, podem preferir calar-se, o que faz com que os autores interpretem esse silêncio como sendo a afirmação de seu poder.

Quando as testemunhas interferem e tentam cessar o bullying, essas ações são efetivas, na maioria dos casos. Portanto, é importante incentivar o uso desse poder advindo do grupo, fazendo com que os autores se sintam sem o apoio social necessário.

Quando nos deparamos com uma cena em que um ou mais alunos provocam outros, através de apelidos e xingamentos, é comum termos a reação de ajudar a vítima, tentar acalmá-la e fazer com que ela não dê ouvidos ou reaja ao(s) agressor (es) e de punir o(s) agressor(es), quando este(s)

continuam com as provocações. Analisando essa reação, pode-se perceber que não surtirá nenhum efeito diante do que a vítima sofreu e do comportamento dos agressores.

Em relação à vítima faço algumas perguntas: Por que esta tem que se calar? Por que tem que ser humilhada e não pode fazer nada? Em relação ao(s) agressor (es), a punição pode ser considerada para este(s) como uma vitória, pois a vítima não conseguiu se defender sozinha e foi preciso a intervenção de um adulto (autoridade da instituição). Nesse sentido, o(s) autor (es) sabe(m) que terão outras oportunidades para continuar suas “brincadeiras” maldosas e, agora, tendo a motivação de se vingar por ter sido punido. E, com isso, o problema se agrava, as conseqüências e as marcas são mais difíceis de desaparecer. Depois da punição não mudar em nada a situação, a vítima desiste de procurar ajuda, isso quando tem coragem para fazê-lo, uma vez que sofre ameaças.

Consequências para o ambiente escolar e para os protagonistas

Segundo Egea, a presença de violência torna o ambiente escolar um lugar hostil, propiciando um clima de aula tenso e gerando maus relacionamentos entre os alunos e mesmo entre estes e os professores. Portanto, como consequências, quando se desconhece esse problema ou não há intervenções efetivas contra o bullying, tem-se um clima de insegurança, tensão e estresse, deixando o ambiente escolar totalmente inadequado, uma vez que todas as crianças são afetadas, passando a ter um comportamento de ansiedade, de medo e de agressividade.

Independente do quão envolvida a pessoa está em atitudes agressivas, tais ações deixam marcas profundas causando frustrações e comportamentos desajustados.

A vítima passiva é a mais prejudicada, pois os efeitos desse sofrimento, em silêncio, poderá se arrastar durante boa parte de sua vida. Sendo assim, poderá desenvolver ou reforçar a insegurança e a dificuldade de se relacionar, tornando-se uma pessoa retraída, com baixa auto-estima e com sérios problemas de comportamento na vida adulta. A superação dos traumas sofridos na escola poderão ser superados, parcial ou totalmente, dependendo das características individuais da vítima e de como se relaciona com os meios em que vive, especialmente a família.

Em relação ao agressor, o uso da violência não pode se consolidar como uma forma de resolução de conflitos, pois este irá reproduzir na vida adulta o modelo de relação anti-social que manteve na infância, adotando atitudes agressivas no meio familiar e/ou no ambiente de trabalho.

Pessoas que sofreram bullying quando crianças são mais propensas a sofrerem depressão e baixa auto-estima quando adultos. Da mesma forma, quanto mais jovem for a criança freqüentemente agressiva, maior será o risco de apresentar problemas associados a comportamentos anti-sociais em adultos e à perda de oportunidades, como a instabilidade no trabalho e relacionamentos afetivos pouco duradouros.

Com base nessas reflexões, pode-se concluir que de um modo geral atitudes desrespeitosas e bullying afetam toda a sociedade. O problema não começa ou termina dentro da sala de aula ou no interior da escola. A violência que vivenciamos todos os dias, em alguns casos ou na sua grande maioria, tem como responsáveis as vítimas ou os agressores desse tipo de comportamento. Ou seja, a escola reproduz o mundo lá fora e há reflexos das conseqüências vividas na escola na sociedade, sejam consequências físicas e emocionais, de curto ou longo prazo.

Maria Helena Guimarães de Castro: Sistemas Nacionais de Avaliação e de informações educacionais

A implementação de reformas educacionais em um país federativo, cujos sistemas de ensino caracterizam-se por extrema descentralização político-institucional como o Brasil, requer necessariamente a implantação de mecanismos de monitoramento e acompanhamento das ações e políticas em curso por diferentes razões.

Em primeiro lugar, estes instrumentos de gestão permitem observar como as reformas estão avançando e, mais importante, quais os acertos e correções em curso exigidos para sua real efetividade. Além disso, eles contribuem para assegurar a transparência das informações, cumprindo assim dois requisitos básicos da democracia: a ampla disseminação dos resultados obtidos nos levantamentos e avaliações realizados; e a permanente prestação de contas à sociedade. Por fim, e não menos importante, os sistemas de avaliação e informação educacional cumprem um papel estratégico para o planejamento e desenho prospectivo de cenários, auxiliando enormemente a formulação de novas políticas e programas que possam responder às tendências de mudanças observadas. Para cumprir estes múltiplos objetivos, os sistemas informacionais precisam estar assentados em bases de dados atualizadas e fidedignas, em instrumentos confiáveis de coleta, em metodologias uniformes e cientificamente embasadas, em mecanismos ágeis e concisos de divulgação.

Este artigo discute os avanços e limites dos sistemas de avaliação e informação educacional, implantados a partir de 1995, sob a coordenação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Embora recente, estes sistemas já contam hoje com razoável grau de organização e sofisticação, tanto por sua abrangência como por sua diversificação. Para tanto, descrevem-se a estrutura dos sistemas e seus principais componentes ( os censos escolares e as avaliações nacionais: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como “Provão”. Por fim, tendo em vista a importância da disseminação das informações, são apresentadas as bases complementares da informação, organizadas pelo Centro de Informações e Biblioteca em Educação (CIBEC).

A utilização dos indicadores e informações resultantes dos censos educacionais e das avaliações realizadas pelo Inep tem possibilitado a identificação de prioridades, além de fornecer parâmetros mais precisos para a formulação e o monitoramento das políticas.

O desenvolvimento de um eficiente sistema nacional de informações educacionais tem orientado a atuação do governo federal no que se refere à sua função supletiva, voltada para a superação das desigualdades regionais. Com os instrumentos criados, o MEC pode estruturar programas destinados, especificamente, a suprir deficiências do sistema.

Observadas em conjunto, as informações disponíveis permitem traçar um quadro abrangente da situação educacional do país e fornecer subsídios indispensáveis para o aprofundamento de análises e pesquisas críticas que possam enriquecer o debate sobre os rumos da educação brasileira. Sistema de informações educacionais

A produção de dados e informações estatístico-educacionais de forma ágil e fidedigna, que retrate a realidade do setor educacional, é o instrumento básico de avaliação, planejamento e auxílio ao processo decisório para o estabelecimento de políticas de melhoria da educação brasileira. É por meio dos censos educacionais que se busca garantir a utilização da informação estatística neste processo, gerando os indicadores necessários ao acompanhamento do setor educacional.

Os levantamentos abrangem todos os níveis e modalidades de ensino, subdividindo-se em três pesquisas distintas representadas pelo Censo Escolar, Censo do Ensino Superior e Levantamento sobre o Financiamento e Gasto da Educação, além dos censos especiais, realizados de forma não periódica, abrangendo temáticas específicas, como o caso do Censo do Professor.

Censo Escolar

O Censo Escolar, de âmbito nacional, realiza o levantamento de informações estatístico-educacionais relativas à Educação Básica, em seus diferentes níveis (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e modalidades (ensino regular, educação especial e educação de jovens e adultos).

O levantamento é feito junto a todos os estabelecimentos de ensino, das redes pública e particular, através do preenchimento de questionário padronizado. Por intermédio do Censo Escolar, o INEP atualiza anualmente o Cadastro Nacional de Escolas e as informações referentes à matrícula, ao movimento e ao rendimento dos alunos, incluindo dados sobre sexo, turnos, turmas, séries e períodos, condições físicas dos prédios escolares e equipamentos existentes, além de informações sobre o pessoal técnico e administrativo e pessoal docente, por nível de atuação e grau de formação.

Este levantamento abrange um universo de cerca de 52 milhões de alunos e 266 mil escolas públicas e privadas, distribuídas em mais de 5.500 municípios. A coleta dos dados e o processamento das informações são operacionalizados pelas Secretarias Estaduais de Educação, sob a coordenação-geral da Diretoria de Informações e Estatísticas Educacionais (SEEC), do INEP.

O Censo Escolar gera, assim, um conjunto de informações indispensáveis para a formulação, implementação e monitoramento das políticas educacionais e avaliação do desempenho dos sistemas de ensino.

Como toda pesquisa preocupada com a fidedignidade e validade dos seus resultados e dada a necessidade de cumprir os prazos legais, o Censo Escolar apresenta uma complexa sistemática de operacionalização, cuja viabilidade só é possível pela parceria estabelecida entre o Inep e as Secretarias de Educação dos 26 estados e do Distrito Federal, além da cooperação da comunidade escolar, responsável pelo preenchimento do questionário.

Entre as atividades permanentes realizadas para a execução do levantamento anual, merecem registro o acompanhamento das alterações do sistema educacional e a identificação de demandas das Secretarias de Educação das unidades da Federação, que podem gerar necessidade de incorporação de variáveis ou a supressão de quesitos no formulário do Censo Escolar.

O acompanhamento das alterações do sistema educacional tem sido objeto de grande preocupação, dado que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, além de conferir maior autonomia aos sistemas de ensino, sobretudo no que se refere à forma de organização da educação básica, incentivou ainda práticas inovadoras que valorizam e favorecem o processo de aprendizagem, como a progressão continuada e parcial, os conceitos de classificação e reclassificação de alunos, a possibilidade de aceleração de aprendizagem, entre outros. Os reflexos deste novo dispositivo legal apresentam-se nas reformulações dos sistemas de ensino de estados e municípios que, a partir de 1997, promoveram alterações na oferta de ensino dos diferentes níveis e modalidades e na organização de suas redes.

O processo de implantação de novas propostas de organização da educação básica mostra-se, no entanto, muito variado, exigindo assim um acompanhamento que permita verificar o impacto destas alterações e a necessidade de mudanças nos instrumentos de coleta utilizados pelo Censo Escolar. Da mesma forma, torna-se fundamental a realização de estudos que permitam um melhor detalhamento sobre as configurações adotadas em cada sistema de ensino, tanto para a melhoria da qualidade da informação a ser recebida quanto para maior aderência às necessidades dos implementadores de políticas educacionais.

Por outro lado, a redefinição do papel e da forma de atuação do MEC enfatizou a necessidade de fortalecer a área de produção e disseminação de estatísticas e informações educacionais na estrutura do ministério que se encontrava desprestigiada. Este objetivo inicia-se, em 1995, com a criação da Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Avaliação Educacional (SEDIAE) e se concretiza com a reestruturação do Inep que, em 1997, transformou-se em autarquia federal, constituindo-se em centro especializado em avaliação e informação educacional.

O recente grau de eficiência e credibilidade alcançado pelo Inep na organização das informações e estatísticas educacionais tem propiciado ampla utilização deste tipo de ferramenta aos formuladores e executores de políticas educacionais. De fato, os programas e projetos executados por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino (FNDE) apóiam-se nos diagnósticos decorrentes dos levantamentos estatísticos da educação básica e superior. Esta forte conexão entre o sistema de informações e a gestão de políticas é mais perceptível nos programas que envolvem transferências intergovernamentais de recursos.

O exemplo mais notório é o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que movimentou, no exercício de 1999, cerca de R$ 14,2 bilhões, dos quais R$ 675 milhões referentes à complementação da União. Conforme disposto pela legislação instituidora deste fundo, a distribuição dos recursos, no âmbito de cada unidade da Federação, é feita com base na proporção do número de alunos matriculados anualmente nas escolas cadastradas das respectivas redes de ensino, considerando-se para este fim os dados oficiais apurados pelo Censo Escolar.

Este mesmo critério de transparência foi adotado pelo MEC como princípio orientador dos principais programas de apoio ao desenvolvimento do ensino fundamental ( Merenda Escolar, Livro Didático e Dinheiro Direto na Escola. No seu conjunto, os programas e ações desenvolvidos pelo FNDE envolveram, em 1999, recursos da ordem de R$ 3,5 bilhões. Pode-se concluir, portanto, que as informações sobre a matrícula na educação básica produzidas pelo Censo Escolar tiveram repercussão imediata e direta sobre a distribuição de cerca de R$ 17,7 bilhões, no último exercício.

Censo do Ensino Superior

O Censo do Ensino Superior promove o levantamento de dados e informações estatístico-educacionais junto às instituições de ensino superior ( universidades, centros universitários, faculdades integradas e estabelecimentos isolados. A coleta abrange cerca de 1.100 instituições, 2.700.000 alunos, 7.200 cursos e 827 mantenedoras.

O levantamento é realizado diretamente pelo Inep, sendo que os dados apurados referem-se a número de matrículas e de concluintes, inscrições nos vestibulares, ingresso por curso e área de conhecimento, dados sobre os professores (por titulação e regime de trabalho e sobre os funcionários técnico-administrativos, entre outros. Anualmente, com os resultados do Censo, é publicada a Sinopse Estatística do Ensino Superior) Graduação. O instrumento de coleta do Censo 2000 passou por uma redefinição, adequando-se ao novo conceito de educação superior estabelecido pela LDB. O questionário foi ampliado, passando a abranger não só a graduação, mas também a pós-graduação. Todas as informações coletadas estarão vinculadas ao Sistema Integrado de Informações da Educação Superior (SIEDSUP), subsistema atualmente em desenvolvimento e que será abordado no próximo item.

O Cadastro Nacional das Instituições de Ensino Superior é atualizado com informações do Censo do Ensino Superior, do Diário Oficial da União, do Conselho Nacional de Educação e Conselhos Estaduais de Educação.

Censos Especiais

Com o objetivo de aprimorar as informações disponíveis sobre as diferentes modalidades de ensino e preencher as lacunas existentes, o Inep realiza levantamentos especiais, sempre em parceria com as instituições públicas e organizações não-governamentais diretamente envolvidas com as políticas públicas das respectivas áreas.

Em 1997, o Inep realizou o primeiro Censo do Professor, em âmbito nacional, com um retorno expressivo, alcançando mais de 90% dos professores das redes pública e particular de ensino básico.

Uma das razões pelas quais o MEC demandou a realização desse levantamento foi a necessidade de dispor de dados sobre o salário dos professores ( relacionado com o nível de escolarização e com o tempo de exercício do magistério ) para orientar a implantação do Fundef.

O Censo do Professor revelou um quadro de profundas desigualdades regionais em relação tanto à qualificação quanto aos níveis de remuneração dos professores, confirmando a necessidade de políticas que promovam melhor distribuição dos recursos e que garantam maior eqüidade na oferta do ensino público, objetivos que vêm sendo atendidos pelo Fundef. Além disso, a divulgação dos resultados permite à sociedade se informar sobre a real situação do magistério e participar da busca de alternativas para promover sua valorização.

Em 1999, foram realizados três censos especiais: o Censo da Educação Profissional; o Censo da Educação Escolar Indígena; e o Censo da Educação Especial. Os resultados destas pesquisas, com divulgação prevista para este ano, deverão proporcionar um quadro de referência mais preciso sobre a cobertura alcançada e as modalidades de atendimento oferecidas, bem como sobre o conjunto de instituições que atuam nestes segmentos, fornecendo, assim, subsídios para a revisão e o aperfeiçoamento das políticas de expansão da oferta e melhoria do atendimento. A realização destes levantamentos especiais, aos quais será acrescido, neste ano, o Censo da Educação Infantil, permitirá incorporar ao sistema de informações educacionais novas variáveis, completando o mapa da educação brasileira.

Levantamentos sobre Financiamento e Gasto da Educação

O levantamento de dados relativos aos recursos disponíveis e aplicados na educação abrange as três esferas de governo e envolve o exame e o acompanhamento dos orçamentos federal, estaduais e municipais, além dos repasses intergovernamentais e dos gastos efetivamente realizados. Trata-se de uma importante tarefa, que envolve, no entanto, grandes dificuldades operacionais.

De fato, a inexistência de um sistema adequado de execução orçamentária e de consolidação das contas da administração pública, principalmente no nível municipal, que permita a identificação dos programas de trabalho e do elemento da despesa efetivamente realizada, bem como a origem do seu recurso, apresentou-se como a principal dificuldade para a realização dos levantamentos. Nesse sentido, o Inep deu especial atenção para o aprimoramento da metodologia de apuração e de estimação das informações, em conjunto com o IPEA, o IBGE e a Unicamp. Como resultado, já se conseguiu produzir dados sobre gasto público para os exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997. Sistema integrado de informações sobre o ensino superior

O Sistema Integrado de Informações da Educação Superior (SIEDSUP), em fase de implantação, foi concebido para atender aos seguintes objetivos: criar uma base única de dados e indicadores da educação superior; eliminar sobreposição de competências e simplificar o processo de coleta de informações junto às instituições de ensino superior; garantir maior transparência e facilitar o acesso da sociedade às informações sobre o perfil e o desempenho das instituições; subsidiar os processos de autorização e reconhecimento de cursos e de credenciamento e recredenciamento das instituições; manter banco de dados atualizado e gerar informações que devem ser apresentadas anualmente pelas instituições por meio do Censo do Ensino Superior e Catálogo de Cursos.

Este novo sistema será coordenado pelo Inep e interligado em rede com a Secretaria de Ensino Superior (SESU), a Capes, o CNPQ, o Conselho Nacional de Educação (CNE) e os Conselhos Estaduais de Educação, podendo no futuro ampliar a sua rede de parceiros, incorporando outros produtores de informações e avaliações de interesse.

Ao Inep cabe a execução da coleta e manutenção de informações e tanto a SESU quanto o CNE e as instituições de ensino superior participarão da definição do que deve ser coletado e divulgado, das políticas de acesso aos dados e de disseminação de informações. Avaliações educacionais

No campo das avaliações educacionais podem ser destacados três grandes projetos: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB); o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como “Provão”; e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Por meio destes instrumentos, o MEC assume a responsabilidade atribuída pela LDB de “assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino” e de “assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino”. Exame Nacional do Ensino Médio

O Enem, iniciativa mais recente entre os três projetos nacionais de avaliação, procura aferir o desenvolvimento das competências e habilidades que se espera que o aluno apresente ao final da escolaridade básica. Oferece assim uma avaliação do desempenho individual, fornecendo parâmetros para o prosseguimento dos estudos ou para ingresso no mercado de trabalho.

Por isso, é um exame voluntário e seu público-alvo são os concluintes e egressos do ensino médio. A concepção do Enem está baseada nas orientações para a educação básica estabelecidas pela LDB e, sobretudo, nas novas diretrizes curriculares e nos parâmetros curriculares nacionais do ensino médio. Portanto, é um instrumento balizador e indutor da reforma deste nível de ensino que vem sendo implantada no país.

Em 1999, participaram do Enem mais de 315 mil alunos, representando cerca de 20% do total de concluintes do ensino médio, o que significa um crescimento extraordinário em relação ao primeiro exame, realizado em 1998, que contou com pouco mais de 115 mil participantes. Este aumento significativo está relacionado, sem dúvida, com a utilização dos resultados do exame por instituições de ensino superior, como critério complementar ou substitutivo aos seus processos seletivos. Atualmente 101 universidades brasileiras aceitam o ENEM como um dos critérios de acesso ao ensino superior.

Exame Nacional de Cursos

Implantado em 1996, o Provão já avaliou 2.151 cursos em 13 áreas de graduação1 e tem estimulado um debate intenso sobre as deficiências do ensino superior no país, levando as instituições a investirem na qualificação do corpo docente e na melhoria das instalações físicas, buscando elevar o padrão de qualidade dos cursos oferecidos. Este exame é obrigatório, por lei, para todos os estudantes que estão concluindo os cursos de graduação avaliados a cada ano. Em 1999, foi estabelecida uma vinculação mais efetiva entre o sistema de avaliação do ensino superior, do qual o “Provão” se constitui um importante instrumento, e os processos de renovação do reconhecimento dos cursos e de recredenciamento das instituições.

A partir da Portaria Ministerial nº 755, de 11 de maio de 1999, 101 cursos das áreas de Administração, Direito e Engenharia Civil que obtiveram conceitos baixos no Provão e na Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de Graduação, conduzidas pela SESU, foram submetidos ao longo de 1999 a nova visita das Comissões de Especialistas da SESU e, a partir de suas recomendações, o MEC encaminhou ao CNE pareceres sugerindo renovação do reconhecimento ou estabelecimento de prazo para o atendimento das exigências mínimas, sob pena de fechamento.

Como contraface da decisão administrativa de submeter ao processo de renovação o reconhecimento dos cursos com baixo desempenho, o MEC abriu caminho para a renovação automática do reconhecimento dos cursos bem conceituados em três avaliações consecutivas. Caminha-se, assim, para a substituição de controles processuais e burocráticos por avaliações externas sistemáticas.

Quanto à divulgação dos resultados, além da classificação de acordo com uma escala com cinco faixas de conceito (A, B, C, D e E), a partir de 1999, cada curso passou a receber a distribuição percentual das médias de seus alunos por faixa de desempenho. O novo formato revela não apenas a evolução da média padronizada de cada curso, como vinha sendo feito, mas também o percentual dessa evolução em comparação com o desempenho obtido no exame imediatamente anterior. Outra mudança refere-se à substituição dos conceitos pertinentes à titulação acadêmica e à jornada de trabalho do corpo docente, por uma apresentação da distribuição percentual por categoria, em relação ao número total de professores do curso.

Diante de sua principal finalidade (produzir referências objetivas para incentivar e orientar as instituições a corrigirem suas deficiências e a investirem na melhoria do ensino), o MEC realizou seminários nacionais com coordenadores de curso para discutir o impacto das avaliações sobre os cursos de graduação. Promovidos em parceria com conselhos de classe, organizações profissionais, associações nacionais de ensino e representações das instituições de ensino superior, os seminários geraram consensos como o fato de os resultados do Provão serem um instrumento importante para estimular e orientar a melhoria do ensino de graduação, principalmente no que diz respeito à atualização do currículo, reestruturação do projeto pedagógico dos cursos, prática docente e condições de oferta e de trabalho. O exame também está provocando alterações nas formas de avaliação curricular do desempenho dos alunos, com enfoque voltado para as habilidades e competências adquiridas ao longo da trajetória acadêmica. Sistema nacional de avaliação da educação básica

Iniciado em 1990, o SAEB foi estruturado no sentido de produzir informações sobre o desempenho da educação básica em todo o país, abrangendo as diferentes realidades dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Entre os principais objetivos do SAEB, podem ser destacados:

- monitorar a qualidade, a eqüidade e a efetividade do sistema de educação básica;

- oferecer às administrações públicas de educação informações técnicas e gerenciais que lhes permitam formular e avaliar programas de melhoria da qualidade de ensino;

- proporcionar aos agentes educacionais e à sociedade uma visão clara e concreta dos resultados dos processos de ensino e das condições em que são desenvolvidos e obtidos.

A cada dois anos, são levantados dados que, além de verificar o desempenho dos alunos, mediante aplicação de testes de rendimento, investigam fatores socioeconômicos e contextuais que interferem na aprendizagem. Estes fatores aparecem agrupados em quatro áreas de observação: escola, gestão escolar, professor e aluno.

Sua aplicação é feita em uma amostra nacional de alunos representativa do país e de cada uma das 27 unidades da Federação. No primeiro ciclo do SAEB, em 1990, aderiram 23 estados. Somente a partir de 1995, tornou-se de fato um sistema nacional, passando a abranger os ensinos fundamental e médio, com a adesão de todos os estados e todas as redes de ensino (estaduais, municipais e particulares). A participação continua sendo voluntária, o que revela que os dirigentes dos sistemas de ensino reconheceram a importância desta ferramenta para monitorar as políticas educacionais.

O SAEB procura aferir a proficiência do aluno, entendida como um conjunto de competências e habilidades evidenciadas pelo rendimento apresentado nas disciplinas avaliadas,3 abrangendo as três séries tradicionalmente associadas ao final de cada ciclo de escolaridade: a 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e a 3ª série do ensino médio. Também são aplicados questionários em uma amostra de professores e diretores, obedecendo ao mesmo critério estatístico que assegura a representatividade das redes de ensino de todos os estados e do Distrito Federal.

Para a avaliação dos alunos, utiliza-se uma grande quantidade de questões (cerca de 150 por série e disciplina), o que lhe confere maior validade curricular, pois contempla uma amplitude maior de conteúdos e habilidades, abrangendo grande parte daquilo que é proposto nos currículos estaduais.

Desde a sua criação, as características gerais do SAEB, em termos tanto de objetivos quanto de estrutura e concepção, mantiveram-se constantes. No entanto, a partir de 1995, foram implementadas importantes mudanças metodológicas, sobretudo com o objetivo de estabelecer escalas de proficiência por disciplina, englobando as três séries avaliadas, o que permite ordenar o desempenho dos alunos em um continuum. Isso é possibilitado pela aplicação de itens comuns entre as séries e a transformação das escalas de cada disciplina para a obtenção de uma escala comum.

O desempenho dos alunos, em cada uma das disciplinas avaliadas, é apresentado em uma escala de proficiência, que pode variar de 0 a 500 pontos. Cada disciplina tem uma escala específica, não sendo comparáveis as escalas de diferentes disciplinas. A média de proficiência obtida pelos alunos de cada uma das três séries avaliadas indica, portanto, o lugar que ocupam na escala de cada disciplina. A descrição dos níveis de proficiência nas escalas demonstra o que os alunos efetivamente sabem e foram capazes de fazer, isto é, o conhecimento, o nível de desenvolvimento cognitivo e as habilidades instrumentais adquiridas, na sua passagem pela escola. As escalas de proficiência mostram, portanto, uma síntese do desempenho dos alunos e, ao serem apresentadas em uma escala única, torna-se possível comparar o desempenho dos alunos, tanto entre os diversos anos de levantamento quanto entre as séries avaliadas.

Nesse sentido, pode-se comparar o que os parâmetros e os currículos oficiais propõem e aquilo que está sendo efetivamente desenvolvido em sala de aula. Ou seja, o SAEB releva a distância entre o currículo proposto e o currículo ensinado.

Os resultados do SAEB constituem assim um precioso subsídio para orientar a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental e da reforma curricular do Ensino Médio, pois permitem identificar as principais deficiências na aprendizagem dos alunos.

Uma das distorções que as novas diretrizes curriculares pretendem eliminar é precisamente o caráter enciclopédico dos currículos, que tem afetado negativamente a aprendizagem dos alunos. As reformas desencadeadas pelo MEC, consoantes com a nova LDB, induzem mudanças nos currículos propostos, de modo a reduzir a ênfase em conteúdos desnecessários para a formação geral na educação básica e incentivar uma abordagem pedagógica mais voltada para a solução de problemas e para o desenvolvimento das competências e habilidades gerais.

Os resultados do SAEB permitem ainda identificar as áreas e conteúdos nos quais os alunos apresentam maiores deficiências de aprendizagem, orientando programas de capacitação em serviço e formação continuada de professores. A utilização do SAEB como subsídio para planejar programas de capacitação docente vem sendo feita desde 1995. Por isso, tem sido fundamental a permanente articulação entre o Inep e as equipes estaduais do SAEB, permitindo aos dirigentes das redes públicas desenvolver um trabalho de formação continuada dos professores, com base nos resultados da avaliação da aprendizagem verificados em cada unidade da Federação. A disseminação de informações educacionais

Com a finalidade de tornar as informações produzidas acessíveis aos usuários, constituídos pelos diferentes atores da área educacional e pelos segmentos sociais interessados na questão, o Centro de Informações e Biblioteca em Educação (CIBEC) passou por uma completa reestruturação, transformando-se em núcleo difusor de informações educacionais, com ênfase na avaliação e estatísticas produzidas pelo próprio Inep e em informações gerais processadas por instituições nacionais e internacionais. O sistema de informações do CIBEC permite a disseminação virtual e local e apresenta os produtos descritos a seguir. Perfil Municipal da Educação Básica (PMBE)

O PMBE é um aplicativo que disponibiliza informações sobre a situação socioeconômica e educacional brasileira. Desenvolvido em parceria com a Fundação Seade, reúne, em um único programa, dados educacionais produzidos pelo Inep e dados estatísticos de diversas fontes oficiais, como o Ministério da Fazenda, a Fundação IBGE, a Fundação Seade, as Secretarias Estaduais da Fazenda e os Tribunais de Contas dos Estados.

O sistema dispõe de 252 variáveis sobre os 5.507 municípios instalados até 1996, dez regiões metropolitanas, os 26 estados e o Distrito Federal, as cinco grandes regiões e o Território Nacional.

Programa de Legislação Educacional Integrada (PROLEI)

O PROLEI é um aplicativo que reúne toda a legislação federal, indexando leis, medidas provisórias, decretos, portarias, resoluções, pareceres e instruções normativas, na área de políticas educacionais, publicadas a partir de 1996, após a aprovação da LDB. A legislação anterior à LDB também poderá, eventualmente, ser encontrada, desde que esteja relacionada com as normas em vigor.

O PROLEI permite uma pesquisa fácil e rápida usando a Internet. Desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), o PROLEI tem como principal característica a possibilidade de relacionar ou correlacionar duas ou mais normas, através de links, identificando a ligação entre as mesmas.

O CIBEC conta ainda com outros produtos como a Biblioteca Virtual da Educação (BVE), que é um catálogo com links para mais de 1.600 sites educacionais brasileiros e estrangeiros selecionados na Internet, sobretudo os que se referem à avaliação e estatísticas educacionais; a Bibliografia Brasileira de Educação (BBE), que reúne artigos, estudos, ensaios e livros nos diferentes temas educacionais, permitindo a realização de pesquisas por assunto, autor, título e ano; e o Thesaurus Brasileiro de Educação (Brased), que é uma ferramenta de linguagem documental, que utiliza vocabulário controlado e funciona como mecanismo de localização de documentos e indexação, podendo se constituir como ferramenta ideal para a organização de bibliotecas.

Álvaro Chrispino: Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação Álvaro Crispino, nos mostra a partir de um recente estudo, com jovens entre 14 e 18 anos, a importância que eles atribuem à educação, à escola e ao professor, ao mesmo tempo em que apresenta sua preocupação com a violência. Esse estudo mostra o quanto a escola e a educação povoam o seu imaginário, o quanto estes ainda vêem na escola e na educação instrumentos importantes para suas vidas e o quanto a violência na escola os afasta de seus sonhos ou os amedronta. O autor indica a mediação de conflito como alternativa potente e viável para a diminuição da violência escolar e, ao final, enumera questões que devem ser consideradas quando a escola se propõe a implantar um programa de mediação escolar do conflito. Introdução A sequência de episódios violentos envolvendo o espaço escolar não deixa dúvida quanto à necessidade de se trazer este tema à grande arena de debates da educação brasileira. Os acontecimentos de violência escolar expõem uma dificuldade brasileira pela qual já passaram outros países, levando a um convite para a reflexão de educadores e de gestores políticos para a necessidade de um conjunto de políticas públicas dirigidas ao complexo sistema que é o fenômeno violência escolar. Os estudos publicados em língua portuguesa disseminaram idéias, aclararam os problemas e listaram alternativas já testadas em sociedades distintas, permitindo que a comunidade educacional brasileira reunisse informações para enfrentar o problema de tirar a “diferença” causada por alguns anos de atraso na percepção do problema e na busca de soluções próprias. Tudo leva a crer que o tema tenha ocupado um lugar de destaque na sociedade, o que pode resultar na transferência da escola da editoria policial para a editoria de direitos sociais nos grandes veículos de mídia nacional. A educação – apesar da existência de programas importantes como o FUNDEF, vem sofrendo com a falta de políticas públicas de longo prazo e efetivas que atendam às necessidades da comunidade, vem sendo esvaziada pelo afastamento de bons docentes por conta do desprestígio e da perda significativa de salários, vem sendo “sucateada” pela ineficácia dos sistemas de gestão e por recursos cada vez mais reduzidos. O resultado da pesquisa citada mostra, por exemplo, que professores e escolas são instituições que os jovens confiam, mais do que a religião e os meios de comunicação, que o jovem identifica na violência o maior problema da sociedade atual, superando, inclusive, o desemprego; que a escola ocupa o segundo lugar entre as instituições importantes para o desenho de seu futuro, perdendo apenas para a família; professores e escolas são as duas “instituições” que encabeçam a lista de confiança com altos índices percentuais; os jovens, diferentemente do que diz o senso comum, solicitam os limites próprios à juventude e que o jovem julga que a disciplina rígida, juntamente com criatividade e diálogo, fazem parte da boa escola, para desespero de gestores e docentes que defendem o “vai-levando” ou o laissez-faire, certamente pela lei de menor esforço, já que o salário é o mesmo no final do mês. Apesar de todas as dificuldades, o jovem ainda crê na educação como alternativa e na escola como instrumento de mobilidade social e de diferenciação para o futuro. Motivado por isso, o autor se propõe a fazer uma, dentre as muitas leituras, para entender melhor o que pode estar causando a violência na escola. O conflito e o conflito na escola Conflito é toda opinião divergente ou maneira diferente de ver ou interpretar algum acontecimento. Todos os que vivem em sociedade tem a experiência do conflito. O conflito é parte integrante da vida e da atividade social. Para o autor, ele se origina da diferença de interesses, de desejos e de aspirações. Não existe aqui a noção estrita de erro e de acerto, mas de posições que são defendidas frente a outras, diferentes. Em geral, nas escolas e na vida, só percebemos o conflito quando este produz suas manifestações violentas. Daí, Chrispino, tira, pelo menos, duas conclusões: a primeira é que se ele se manifestou de forma violenta é porque já existia antes na forma de divergência ou antagonismo, e não soubemos ou não fomos preparados para identificá-lo; a segunda é que toda a vez que o conflito se manifesta, agimos para resolvê-lo, coibindo a manifestação violenta. E, neste caso, esquecemos que problemas mal resolvidos se repetem. Desse modo, devemos esperar que, no universo da escola, a divergência de opinião entre alunos e professores, entre alunos e entre os professores seja uma causa objetiva de conflitos. Uma segunda causa de conflitos é a dificuldade de comunicação, de assertividade das pessoas, de condições para estabelecer o diálogo. Para o autor, a massificação da educação garantiu o acesso dos alunos, mas por outro lado, expôs a escola a um contingente de alunos cujo perfil ela – a escola – não estava preparada para absorver. Antes, o aluno tinha um tipo padrão, com expectativas padrões, com passados semelhantes, com sonhos e limites aproximados, os perfis eram muito próximos. Com a massificação, no mesmo espaço escolar, temos alunos com diferentes vivências, diferentes expectativas, sonhos, valores, culturas hábitos [...], mas a escola permaneceu a mesma! É este conjunto de diferenças o causador de conflitos que, quando não trabalhados, provocam uma manifestação violenta. Essa é a causa primordial da violência escolar. Os problemas novos da violência escolar no Brasil são um problema antigo em outros países e para isso são necessárias políticas públicas dirigidas aos diversos atores. O conflito é a manifestação da ordem em que ele próprio se produz e da qual se derivam suas consequências principais. O conflito é a manifestação da ordem democrática, que o garante e o sustenta. A ordem e o conflito são resultado da interação entre os seres humanos. A ordem, em toda sociedade humana, não é outra coisa senão uma normatização do conflito. No espaço escolar, professores e alunos dão valores diferentes à mesma ação e reagem diferentemente ao mesmo ato: isso é conflito. Como a escola está acostumada historicamente a lidar com um tipo padrão de aluno, ela apresenta a regra e requer dos alunos enquadramento automático. Quanto mais diversificado for o perfil dos alunos (e dos professores), maior será a possibilidade de conflito ou de diferença de opinião. E isso numa comunidade que está treinada para inibir o conflito, pois este é visto como algo ruim, uma anomalia do controle social. Porém, o mito de que o conflito é ruim está ruindo. O conflito começa a ser visto como uma manifestação mais natural e, por conseguinte, necessária às relações entre pessoas, grupos sociais, organismos políticos e Estados. O conflito é inevitável e não se devem suprimir seus motivos, até porque ele possui inúmeras vantagens dificilmente percebidas por aqueles que vêem nele algo a ser evitado: Ajuda a regular as relações sociais; ensina a ver o mundo pela perspectiva do outro e permite o reconhecimento das diferenças, que não são ameaça, mas resultado natural de uma situação em que há recursos escassos. Tomemos como exemplo o conflito político: apesar de parecer ruptura da ordem anterior, há continuidade e regularidade em alguns aspectos tidos como indispensável pela sociedade, que exige a ordem e de onde emanam os conflitos. Somente estudo e compreensão das relações que existem dentro da ordem podem permitir o entendimento completo dos conflitos que nela se originam e que, por fim, são a sua razão. O conflito é inevitável e não se devem suprimir seus motivos, até porque ele possui inúmeras vantagens dificilmente percebidas por aqueles que vêem nele algo a ser evitado. O conflito está regulado de tal modo que nem sempre nos damos conta sequer de sua existência. Classificação dos conflitos Classificar é uma forma de dar sentido. A classificação costuma ser hierárquica e permite estabelecer relações de pertencimento. Ao classificar definimos, e ao defini-lo, tomamos uma decisão a respeito da essência de algo. Certamente, a característica da escola ou do sistema educacional favorecem este tipo de categorização, por se restringirem a um universo conhecido, com atores permanentes (alunos, professores, técnicos e comunidade) e com rotinas estabelecidas (temática, horários, espaços físicos etc). A maneira de lidar com o conflito escolar ou educacional é que irá variar de uma escola que veja o conflito como instrumento de crescimento ou que o interpreta como um grave problema que deva ser abafado. Na comunidade escolar existem pontos que contribuem para o surgimento dos conflitos e que, no mais das vezes, não são explícitos ou mesmo percebidos. A prioridade que se dá para os diferentes conflitos escolares é um primeiro ponto. Chrispino busca em outros autores a constatação de que os professores consideram que os conflitos mais frequentes e importantes se dão entre seus colegas e diretores, colocando em segundo lugar de importância os conflitos entre alunos. Os conflitos educacionais, para efeito de estudo, são aqueles provenientes de ações próprias dos sistemas escolares ou oriundos das relações que envolvem os atores da comunidade educacional mais ampla, ainda há os que derivam dos exercícios de poder, dos que se originam das diferenças pessoais, dos que resultam de intolerâncias de toda ordem, os que possuem fundo político ou ideológico, o que fugiria do foco principal do texto, voltado pela a escola e seu entorno. Saindo do universo geral dos conflitos educacionais, o autor passa a trabalhar com os conflitos escolares, por acontecerem no espaço próprio da escola /ou com seus atores diretos. Dentre as classificações possíveis, Chrispino adaptou a dede Martinez Zampa para ilustrar o texto. Os conflitos que ocorrem com maior freqüência se dão: Entre docentes, por: • falta de comunicação; • interesses pessoais; • questões de poder; • conflitos anteriores; • valores diferentes; • busca de “pontuação” (posição de destaque); • conceito anual entre docentes; • não-indicação para cargos de ascensão hierárquica; • divergência em posições políticas ou ideológicas. Entre alunos e docentes, por: • não entender o que explicam; • notas arbitrárias; • divergência sobre critério de avaliação; • avaliação inadequada (na visão do aluno); • descriminação; • falta de material didático; • não serem ouvidos (tanto alunos quanto docentes); • desinteresse pela matéria de estudo. Entre alunos, por: • mal entendidos; • brigas; • rivalidade entre grupos; • descriminação; • bullying; • uso de espaços e bens; • namoro; • assédio sexual; • perda ou dano de bens escolares; • eleições (de variadas espécies); • viagens e festas. Entre pais, docentes e gestores, por: • agressões ocorridas entre alunos e entre os professores; • perda de material de trabalho; • associação de pais e amigos; • cantina escolar ou similar; • falta ao serviço pelos professores; • falta de assistência pedagógica pelos professores; • critérios de avaliação, aprovação e reprovação; • uso de uniforme escolar; • não-atendimento a requisitos “burocráticos” e administrativos da gestão. Ele também se escorou em Nebot, para categorizar os conflitos escolares em organizacionais, culturais, pedagógicos e de atores: Organizacionais 1. Setoriais: são aqueles se produzem a partir da divisão de trabalho e do desenho hierárquico da instituição, que gera a rotina de tarefas e de funções (direção, técnico administrativos, professores, alunos, etc); 2. O salário e as formas como o dinheiro se distribui no coletivo, afetando a qualidade de vida dos funcionários e docentes, etc 3. Se são públicas ou privadas. Culturais 1. Comunitários: são aqueles que emanam de redes sociais de diferentes atores onde está situada a escola. Rompem-se as concepções rígidas dos muros da escola, ampliando-se as fronteiras (por exemplo, os bairros e suas características, as organizações sociais do bairro, as condições econômicas de seus habitantes, etc) 2. Raciais e identidades: são aqueles grupos sociais que possuem um pertencimento e afiliação que faz a sua condição de existência no mundo. Estes, com suas características culturais, folclóricas, ritualísticas, patrocinam uma série de práticas e hábitos que retroalimentam o estabelecimento de ensino (por exemplo, a presença de fortes componentes migratórios na região, etc) Pedagógicos São aqueles que derivam do desenho estratégico da formação e dos dispositivos de controle de qualidade e das formas de ensinar, seus ajustes ao currículo acadêmico e suas formas de produção (por exemplo, não é a mesma coisa ensinar matemática que literatura, e ambas possuem procedimentos similares, mas diferentes; a organização dos horários de das turmas e dos professores; as avaliações, etc). Atores São aqueles que denominamos “pessoas” e que devem ser distinguidos: 1. Em grupos e subgrupos, que ocorrem em qualquer âmbito (turma, corpo docente, direção etc) 2. Familiares, donde derivam as ações que caracterizam a dinâmica familiar que afeta diretamente a pessoa, podendo produzir o fenômeno de afastamento familiar que acarreta o “depósito” do aluno na escola. 3. Individuais, que são aqueles onde a “patologia” toma um membro da organização escolar. Neste caso, há sempre o risco da estigmatização do membro da comunidade que é o causador do conflito. No momento em que realçamos o conflito na escola, gostaríamos de chamar à atenção a capacidade da escola em perceber a existência do conflito e a sua capacidade de reagir positivamente a ele, transformando- o em ferramenta do que chamamos de tecnologia social, uma vez que o aprendizado de convivência e gestão do conflito são para sempre. Por que a mediação do conflito na escola O autor apresenta a tese onde o conflito surge da diferença de opiniões e divergência de interpretações. Logo, se a escola é o universo que reúne alunos diferentes, ela é o palco onde certamente o conflito se instalará. E, se o conflito é inevitável, devemos aprender o ofício da mediação de conflito para que esta técnica se aprimore facultando a cultura da mediação de conflito. Chamaremos de mediação de conflito o procedimento no qual os participantes, com a assistência de uma pessoa imparcial (o mediador), colocam as questões em disputa com o objetivo de desenvolver opções, considerar alternativas e chegar a um acordo que seja mutuamente aceitável. A mediação pode induzir a uma reorientação das relações sociais, a novas formas de cooperação, de confiança e de solidariedade; formas mais maduras, espontâneas e livres de resolver as diferenças pessoais ou grupais. A mediação induz atitudes de tolerância, responsabilidade e iniciativa individual que podem contribuir para uma nova ordem social. O primeiro ponto para a introdução da mediação de conflito no universo escolar é assumir que existem conflitos e que estes devem ser superados a fim de que a escola cumpra melhor as suas reais finalidades. Há, portanto, dois tipos de escola: aquela que assume a existência de conflito e o transforma em oportunidade e aquela que nega a existência do conflito e, com toda a certeza, terá que lidar com a manifestação violenta do conflito, que é a tão conhecida violência escolar. As escolas que valorizam o conflito e aprendem a trabalhar com essa realidade, são aquelas onde o diálogo é permanente, objetivando ouvir as diferenças para melhor decidirem; são aquelas onde o exercício da explicitação do pensamento é incentivado, objetivando o aprendizado da exposição madura das idéias por meio da assertividade e da comunicação eficaz; onde o currículo considera as oportunidades para discutir soluções alternativas para os diversos exemplos de conflito no campo das idéias, das ideologias, do poder, da posse, das diferenças de toda ordem; onde as regras e aquilo que é exigido do aluno nunca estão no campo do subjetivo ou do entendimento tácito: estão explícitos, falados e discutidos. Em síntese, devemos ser explícitos naquilo que esperamos dos estudantes e naquilo que nos propomos a fazer. Para pedir aos estudantes disciplina, é necessário provê- los das habilidades requeridas. Não podemos esperar que os estudantes se comportem de um modo disciplinado se não possuem as habilidades para fazê-lo. É possível, também pensar na introdução do tema mediação de conflito no currículo escolar, o que seria uma oportunidade para verbalizar a questão e tornar claro o que se espera dele. Cabe ressaltar que esse aprendizado e essa percepção social, quando ocorrem com o estudante, são para sempre. O uso de técnicas de mediação de conflitos pode melhorar a qualidade das relações entre os atores escolares e melhorar o “clima escolar” e terá conseqüências nos índices de violência contra pessoas, vandalismo, violência contra o patrimônio, incivilidades, etc.; melhora as relações entre alunos, facultando melhores condições para o bom desenvolvimento da aula; desenvolve o autoconhecimento e o pensamento crítico, uma vez que o aluno é chamado a fazer parte da solução do conflito; consolida a boa convivência entre diferentes e divergentes, permitindo o surgimento e o exercício da tolerância. Algumas questões norteadoras para o modelo de programa de mediação escolar É preciso tomar cuidado para não se trabalhar a partir de generalizações. O programa deve comportar-se de forma a amoldar-se a cada realidade. Ao apresentar um conjunto de distintas classificações de conflito, o autor pretende mostrar alternativas para identificação particularizada de cada contexto escolar. Não há receita na mediação de conflito que possa ser aplicada indistintamente a escolas diferentes. Cada escola é uma rede complexa de relações e de valores e, por tal, merecerá um diagnóstico específico de conflitos e um modelo próprio. Mas há eixos padrões de decisão que devem ser atendidos, ou não, no momento em que a escola debate a instalação de um programa de mediação. Identificado o tipo de conflito que existe em cada escola, a equipe deverá responder a uma série de itens que definirão o tipo de programa que irão implantar. Ele destaca dez itens para o exercício de provocação e reflexão: 1. Caráter da Mediação de Conflito: obrigatório ou voluntário? 2. Alcance da Mediação de Conflito: Todos os conflitos ou apenas alguns? 3. Ênfase da Mediação de Conflito: No produto ou no processo? 4. Atores da Mediação de Conflito: todos ou alguns membros do universo escolar? 5. Limites da Mediação de Conflito na Escola: sem limites de série, idade, turno, etc, ou com limites? 6. Relação da Mediação de Conflito com as Regras Disciplinares: sem relação ou com relação? 7. Relação da Mediação de Conflito com a Avaliação: sem relação ou com relação? 8. Identificação dos Mediadores de Conflito: mediação por pares ou outros mediadores? 9. Escolha dos Mediadores de Conflito: ação institucional ou escolha das partes? 10. Critérios para a Seleção dos Mediadores de Conflito: desempenho acadêmico ou “respeitabilidade” entre os pares? Conclusão: O autor aponta algumas reflexões de educadores, que estão no imaginário educacional, tais como: não foi para isso que estudei e me formei! Não foi para cuidar de problemas de aluno que fiz concurso público! Não sou pago para este tipo de trabalho! Isso é trabalho de orientador educacional! Estou perto de me aposentar!, etc. Ele não se contrapõe a esses pensamentos, mas apresenta grandes idéias que contemplam o “outro lado” e deixa que cada um reflita e decida, pois acredita que podemos pensar diferentemente e que isso faz parte das relações humanas. Conclui o trabalho citando 7 grandes motivos pra realizar o programa de mediação, segundo Porro: 1. A capacitação em resolver conflitos valoriza o tempo; 2. A capacitação em resolver conflitos ensina várias estratégias úteis; 3. A capacitação em resolver conflitos ensina aos alunos consideração e respeito para com os demais; 4. A capacitação em resolver conflitos reduz o estresse; 5. Possibilidade de aplicar as novas técnicas em casa, com familiares e amigos; 6. a capacitação em resolver conflitos que podem contribuir para a prevenção do uso do álcool e de drogas; 7. Possibilidade de sentir a satisfação de estar contribuindo com a paz do mundo.

César Coll: O construtivismo na sala de aula

1. Introdução Ao abordar-se aqui o relacionamento da fala de uma criança (do aluno) que após dificuldades de alfabetização na 1ª série veio a lograr êxito, sendo aprovado através da Concepção Construtivista da Aprendizagem e do Ensino, não se pode deixar de citar o nome de Jean Piaget. Sua teoria fornece dados para se compreender o sujeito que aprende. Nesta análise da frase da criança serão trabalhados os conceitos de Piaget, estudos de pesquisadores sobre o Construtivismo e o resultado de nossas observações do que está na fala e do que está subentendido nela. “Aprender é construir. A aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que aprender não é copiar ou reproduzir a realidade. Para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de apreendê-lo; não se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir das experiências, interesses e conhecimentos prévios que, presumivelmente, possam dar conta da novidade.” Sendo que, dentro da concepção construtivista da aprendizagem e do ensino, há um caráter ativo do qual participa não apenas o sujeito que aprende como também outros elementos a sua volta fica evidente, na frase do aluno, esse aspecto da aprendizagem escolar como um processo ativo no qual o aluno constrói, modifica, diversifica seus esquemas de conhecimento, reelabora, soma com outros para se chegar a um objetivo. Procurar-se-á aqui encontrar nessa frase conceitos do Construtivismo dentro de cada parte dela e de acordo com seu significado intrínseco também. O aluno, ao ser questionado sobre como conseguira se aprovado, dando uma definição bem abrangente, que envolve desde a elaboração do processo até como conseguiu chegar ao final, dentro de sua sabedoria ingênua e simples, respondeu: “É assim, Ó, eu fui fazendo, fazendo, Eu fui tentando e aí eu consegui. Tem que ir ajeitando na minha cabeça, Misturando com as outras coisas.” As implícitas referências ao ensino e à aprendizagem, na frase acima, são portadoras dos conceitos fundamentais de Piaget: “inteligência como adaptação, comportando mecanismos de assimilação (ajuste do objeto aos esquemas de compreensão do sujeito) e acomodação (ajuste do sujeito, transformação dos seus esquemas de compreensão em função do objeto) e conhecimento como resultado do ato cognitivo”. 2. A fala – relação com o Construtivismo a) “É assim, ó, eu fui fazendo, fazendo, ...” Primeiramente, o sujeito que aprende se põe frente ao objeto de sua aprendizagem. Depois, transfere essa experiência para a ação. No conceito de Piaget, o sujeito vai ajustando o objeto aos seus esquemas de compreensão. Vê-se aqui o aluno que foi formando seu próprio conhecimento por diversos meios: diferentes experiências no meio físico ou social, lendo, cantando, contando, observando, manipulando, construindo, etc. Nessa frase, pode-se imaginar que pela interjeição “ó” (olhe!), antecedendo o verbo fazer, o aluno mostra com as mãos como fez: “é assim”, com elas em movimentos circulares constantes, expressando corporalmente seu modo de fazer, agindo ativamente no processo de construção, “fazendo, fazendo,...” (acertando, errando) construindo aos poucos. Cabe aqui a citação que diz “o importante não é salientar o erro, mas resgatar sua positividade. Ele é encarado como indicador da etapa em que o aprendiz se encontra, uma espécie de saber relativo, com seus esquemas interpretativos possíveis àquele momento da constituição do conhecimento. Compreendê-lo abarca identificar como e por que se instala, ou seja, com que recursos conta o sujeito da aprendizagem para manifestá-la naquele momento e daquele modo”. O “fazendo” duplamente citado leva a crer que não se conseguiu na primeira vez, mas que o erro foi positivo, fez parte do processo para se chegar ao produto. Vai-se perceber que o aluno não cita o professor em sua fala. Entretanto, apesar de ser o aluno que realiza a sua própria construção (“fazendo...”), está intrínseco que esta foi orientada para que ele alcançasse o sucesso. Apesar da orientação recebida do professor, ele mostra-se autônomo na resolução de sua tarefa. b) “...Eu fui tentando...” Dentro de uma concepção dinâmica do conhecimento, ações físicas e mentais fazem parte do processo da criação. Muitas vezes é preciso fazer de outras maneiras para se conseguir, e vemos aqui que o aluno foi tentando estabelecer relações práticas e teóricas entre o que já conhecia e o novo apresentado. Às vezes, o novo só parecerá novo, mas poderemos interpretá-lo com os significados que já possuímos, entretanto, outras vezes, a fim de podermos dar conta do novo conteúdo ou situação, teremos a nossa frente um desafio ao qual tentamos responder modificando os significados pré-incorporados. Ainda bem dentro do Construtivismo estão os verbos da fala no gerúndio, como “fazendo”, “ajeitando”, “misturando” e, em especial nesta parte da frase, “tentando”, mostrando o aluno em plena atividade, numa ação continuada. Ele próprio observou a diferença das fases entre o “fazer”, e que não deu certo, com a fase seguinte, do tentar, no desenrolar da ação, “tentando” para conseguir. Raciocinou, assim, sobre a necessidade de correção no processo, de novas colocações que ele mesmo teria que realizar, técnica muito enfatizada no Construtivismo. É fundamental que a criança perceba a necessidade de determinada aprendizagem para envolver-se, realmente, com sua tarefa. Essa tarefa deve parecer atraente, interessante e, a partir do momento que se lhe é apresentada como algo que permite preencher suas necessidades (de aprender, de saber, de influir, de mudar), estamos proporcionando as condições para que ela lhe interesse e ele aprenda. Tendo sido internamente despertada sua necessidade de aprender pode-se aventar que o aluno deixou de sentir as grandes dificuldades que o impediam de ser promovido na 1ª série. Com “eu fui tentando”, o aluno mostra que não se deixou abater pelo fracasso anterior e buscou a aprendizagem, incessantemente, até conseguir. c) “...e aí eu consegui” O aluno chegou à etapa final de aprendizagem solicitada para que fosse promovido na 1ª série (consegui!).Conseguiu construir conhecimentos a partir da ajuda do professor, elemento não mencionado na frase, mas participante ativo nesse processo que trabalha o aluno como construtor ativo de conhecimentos, atuando sobre o conteúdo que deve aprender. Deixa transparecer alívio com “aí” (finalmente!) “consegui”. Percebe-se o “conseguir” como resultado da somatória de instrumentos utilizados: o professor (no processo de elaboração do conteúdo) o falar, cantar, escrever, ler, contar, dançar, etc. Uma aprendizagem contínua, de maneiras diversas, para que o aluno que aprende construindo consiga apropriar-se dos conteúdos escolares de natureza variada. O próprio aluno avalia-se positivamente neste final de frase. Contudo, colocou, antes, que custou muito chegar até aqui, como indica a repetição dos verbos no gerúndio, citados anteriormente, deixando implícitas as fases de construção pelas quais passou. Foi construindo, adquiriu o conhecimento como resultado de todo o processo que envolveu suas ações anteriores. Durante o processo ele aprendeu significativamente. Modificou o que já possuía, interpretou o novo, integrou-o e tornou-o seu. Conseguindo chegar ao resultado final através de uma aprendizagem adquirida de maneira significativa, ela será significativamente memorizada e será funcional, útil para ele continuar aprendendo. Em síntese, “A aprendizagem, entendida como construção de conhecimento, pressupõe entender tanto sua dimensão como produto quanto sua dimensão como processo, isto é, o caminho pelo qual os alunos elaboram pessoalmente os conhecimentos. Ao aprender, o que muda não é apenas a quantidade de informação que o aluno possui sobre um determinado tema, mas também sua competência, a qualidade do conhecimento que possui e as possibilidades pessoais de continuar aprendendo”. d) “tem que ir ajeitando na minha cabeça, ...” Aqui, o professor é visto ajudando o aluno a compreender como se organizar e atuar para aprender, segundo a concepção construtivista. Nessa frase percebe-se o professor durante o processo, fazendo com que o aluno chegue a dar seu próprio significado ao conteúdo da aprendizagem, auxiliando-o a “ir ajeitando na sua cabeça” esses conteúdos. Pode-se enfocar o aluno, dentro dos princípios do Construtivismo, percebendo-se que há um processo de elaboração pessoal do conteúdo – por parte dele, como também ver o aluno depondo como se ele fosse autônomo, o responsável por sua própria aprendizagem, já que foi “ajeitando na sua (própria) cabeça”. Segundo Piaget, os adultos incentivam o desenvolvimento da autonomia (significando ser governado por si mesmo, tomar decisões próprias) quando trocam pontos de vista com as crianças. Vê-se, então, nessa frase, o professor como o adulto, fazendo o seu papel e o aluno agindo como o autônomo. Sendo assim, neste trecho da fala “tem que ir ajeitando na minha cabeça”, tem-se outro conceito do Construtivismo que é considerar “o ensino como um processo conjunto, compartilhado, no qual o aluno, graças à ajuda que recebe do professor, pode mostrar-se progressivamente competente e autônomo na resolução de tarefas, na utilização de conceitos, na prática de determinadas atitudes e em numerosas questões”. Pode-se dizer que, neste final de análise da fala, aluno e professor se integraram perfeitamente. O aluno, quando apresentou disposição para ir a fundo em seus estudos; o professor, quando fez com que houvesse uma forte interação do conteúdo com conceitos do cotidiano (entre outras coisas) até que tudo se ajeitasse. Quanto às dificuldades iniciais na alfabetização, não se deve deixar de levar em conta que a elaboração do conhecimento requer tempo, esforço e envolvimento das partes envolvidas, incentivo e afeto. No final, o aluno aprende e o professor sente-se útil e gratificado. e) “... misturando com as outras coisas “ Com “misturando com as outras coisas”, o aluno deixa claro que houve, por parte dele, uma reorganização dos saberes adquiridos anteriormente e ele foi construindo aprendizagens. Como analisa César Coll, “quando o aluno enfrenta um novo conteúdo a ser aprendido, sempre o faz armado com uma série de conceitos, concepções, representações e conhecimentos adquiridos no decorrer de suas experiências anteriores, que utiliza como instrumentos de leitura e interpretação e que determinam em boa parte as informações que selecionará, como as organizará e que tipos de relações estabelecerá entre elas”. Complementando: “Os conhecimentos que o aluno possui não são um obstáculo para a aprendizagem, mas o requisito indispensável para ela (os alunos e alunas não aprendem apesar de seus conhecimentos prévios, mas por meio deles), e a compreensão da realidade é um processo gradual, que ocorre simultaneamente ao enriquecimento desses conhecimentos prévios, pois não se trata de suprimi-los, mas de usá-los, revisá-los e enriquecê-los progressivamente”. As “outras coisas” que o aluno menciona, então, são conhecimentos acumulados graças à integração, modificação, estabelecimento de relações, vinculados a cada aprendizagem previamente adquirida. Os professores, conscientes de que o conhecimento é uma construção, devem estar atentos para isso, saber quais são esses conhecimentos prévios dos alunos, compreendê-los, explorá-los com eles e relacioná-los com o novo objeto de aprendizagem. Pode-se dizer também que através do espaço definido como Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), graças à interação e ajuda de outros, o aluno pôde trabalhar e resolver um problema ou realizar uma tarefa de uma maneira e em um nível que não seria capaz de ter individualmente. 3. Conclusão O estudo mais aprofundado dessa frase foi motivado pela simpatia com a fala da criança, pelo que se captou do que havia subentendido nas entrelinhas (a explicação inicial, pausada, a confissão do procedimento até conseguir, a alegria do resultado, a percepção da abrangência de toda uma concepção em poucas palavras) e pela teoria que o subsidiaria. Tânia Ramos Fortuna foi feliz em seu questionamento ao aluno e ao coletar essa frase com conteúdo tão significativo. Entretanto, Jean Piaget já obtivera resultados tão fecundos e originais através do que ele batizou de “método clínico”. Um método de observação que consiste em deixar a criança falar e em anotar a maneira pela qual desenvolve o seu pensamento. Não é só registrar a resposta da criança à pergunta que lhe foi feita, mas, sim, deixá-la falar. “Seguindo a criança em cada uma de suas respostas e, depois, sempre guiados por ela, fazendo-a falar cada vez mais livremente, termina-se por obter, em cada um dos domínios da inteligência, um procedimento clínico de exame análogo ao que os psiquiatras adotaram como meio de diagnóstico dessa análise percebe-se que esta criança realmente conseguiu elaborar, de maneira ingênua e simples, uma frase onde é colocada toda uma sabedoria infantil e que consegue explicar toda uma concepção. Certo é que não se utilizou de um discurso lingüístico com diversidades de palavras que até pudessem fazer parte do seu vocabulário no cotidiano, mas, numa frase curta, ela englobou, de certo modo, toda uma visão da concepção construtivista. Percebe-se em sua fala, que o aluno demonstra um certo orgulho por ter conseguido ser aprovado na 1ª série após haver revelado dificuldades na alfabetização. Subentende-se que as tarefas do cotidiano durante o processo foram motivadoras e sua auto-determinação ao realizar, ao fazer, foram culminadas com a aprovação. Por conseqüência, tendo ele aprendido a aprender (fazendo, tentando, conseguindo), essa experiência fez com que seu auto-conceito fosse reforçado. O aluno passa assim a ter outra postura perante a vida, outra visão do mundo, influenciado que foi pelo resultado positivo obtido através de seu conjunto de atitudes positivas. Na escola, na concepção construtivista, os alunos aprendem e se desenvolvem na medida em que podem construir significados adequados em torno de conteúdos. Este e outros conceitos que fazem parte da Concepção Construtivista da Aprendizagem e do Ensino foram vistos neste estudo, que não apresenta uma exposição tão profunda dessa concepção, mas mostra alguns de seus conceitos fundamentais que estão intrinsecamente relacionados com a fala. Para concluir, cabe ainda aqui a questão de ver o aluno em construção, pois, ao construir significados, os saberes adquiridos por ele formarão outra rede de conhecimentos que, sempre associada ao conhecimento prévio, fará parte da sua memória construtiva ou compreensiva. Ao estar constantemente formando essa memória ele, como qualquer outra pessoa, pode ter condições de vir a utilizar o conhecimento adquirido quando for necessário, inclusive em contextos diferentes daqueles nos quais foi construído. Este aluno pôde assim, nesta série inicial, começar aprender a aprender, o que lhe dará maior disponibilidade para continuar aprendendo de forma cada vez mais progressiva e autônoma. De acordo com a proposta do psicólogo soviético Vygotsky, é através da ZDP que é possível entender que aquilo que a pessoa é capaz de fazer com a ajuda dessa Zona “em um dado momento, poderá realizar independentemente mais tarde: aquilo que primeiro pode ser realizado no plano social ou interpessoal poderá, mais tarde, ser dominado e realizado de maneira autônoma pelo participante inicialmente menos competente”. Após dificuldades enfrentadas, a avaliação positiva do aluno pelo professor foi ratificada pelo próprio aluno, foi substanciada de maneira inequívoca através de sua fala que demonstra que, através da construção do aprendizado elaborada por ele, houve apropriação do conhecimento e elevação de sua auto-estima. É da maior importância na concepção construtivista que a transformação consciente, por parte do aluno, ocorrida desde o processo ao produto final, implica na utilização do aprendizado adquirido num futuro processo de construção do saber, com maior facilidade e competência por parte do aluno.

José Contreras: A autonomia dos professores

A obra que ora resenhamos divide-se em três grandes partes compostas de oito capítulos que versam sobre a preocupação do autor com a apropriação indiscriminada, banalizada e generalizada dos termos profissionalização e autonomia de professores. Na primeira parte (A autonomia perdida: a proletarização dos professores), Contreras analisa o problema do profissionalismo no ensino, em especial o processo de proletarização pelo qual passa o professor, os vários significados do que é ser profissional e as ambigüidades e contradições que estão subjacentes na aspiração à profissionalidade. Na segunda parte (Modelos de professores: em busca da autonomia profissional do docente), são discutidos três modelos tradicionalmente aceitos com respeito à profissionalidade dos professores, a saber: o especialista técnico, o profissional reflexivo e o intelectual crítico. E por fim, na terceira e última parte (A autonomia e seu contexto) é estabelecida uma visão global do que se deve entender por autonomia de professores. Contreras toma como bases teóricas as idéias de Apple, Giroux, Smyth, Lawn, Ozga, Densmore, Jiménez Jaen, Derber, Schön, Habermas e Stenhouse, além do apoio e da experiência de pessoas próximas de seu ambiente profissional. Nesta obra o autor trabalha com as formas de caracterização que estão sendo difundidas com respeito aos professores e, por extensão, ao ensino escolar e sua relação com a sociedade. Nesse sentido, a autonomia dos professores, assim como também o profissionalismo docente são termos, digamos da moda, no discurso pedagógico. No entanto, tais termos deveriam ser considerados, segundo o autor, slogans, visto que, são termos utilizados que não vêm acompanhados de seus diversos conteúdos e significados para diferentes pessoas e diferentes posições ideológicas, o que acarreta uma forma de consenso social sem, no entanto, ter ido acompanhado de uma reflexão. Nas últimas décadas o trabalho docente sofreu e vem sofrendo, uma subtração progressiva de uma série de fatores que conduzem os professores à perda da autonomia, por isso, o termo proletarização, segundo o autor, é o que melhor explicita este processo. A insistente busca de um trabalho docente pautado na racionalização do ensino resulta em graves conseqüências para o trabalho do professor: a separação concepção-execução, a desqualificação (resultando numa insistente requalificação), a perda de controle do próprio trabalho (desorientação ideológica), a rotinização do trabalho, o impedimento do exercício reflexivo, a facilidade do isolamento e estímulo ao individualismo, enfim, a perda do sentido da finalidade do trabalho docente e, portanto a perda total da autonomia professoral. Ao sair das mãos dos professores, esta autonomia passa a ser exercida por uma supervisão externa ao seu trabalho, fazendo com que o professor comece a exercer um papel de consumidor de pacotes de processos educativos produzidos além dos muros da escola, por especialistas. Desta forma, o professor é destituído de seu papel ímpar do no processo educativo, passando a ser um mero consumidor daqueles pacotes. Contreras insiste em afirmar que o termo profissionalidade deve dar lugar ao termo profissionalismo, visto que este vem acompanhado de uma descrição presunçosa de status e privilégios sociais e trabalhistas aos quais se aspira, ao passo que àquele resgata o que de positivo tem a idéia de profissional no contexto das funções inerentes ao trabalho da docência. Outro fator importante é que o trabalho docente não pode ser compreendido às margens das condições sócio-políticas que dão credibilidade à instituição escolar, visto que a educação não é um problema da vida privada dos professores, mas uma ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente e, por isso, envolve a comunidade na participação nas decisões sobre o ensino. A autonomia nos remete a uma interpretação dos três aspectos presentes na profissionalidade docente: a obrigação moral, o compromisso com a comunidade e a competência profissional, pois estas concepções norteiam o trabalho dos professores caracterizando-os, enquanto modelos de exercício daqueles. A terceira parte do livro é considerada pelo autor como o núcleo fundamental, uma vez que, mostra o equilíbrio necessário entre as diferentes necessidades e condições de realização da prática docente e, mostrando também outras possibilidades de compreensão da autonomia do docente. O conceito de autonomia, para Contreras, está vinculado implicitamente na concepção (modelo) de professor. Assim o especialista técnico a considera como status ou como atributo; o profissional reflexivo como responsabilidade moral e individual; o intelectual crítico como autonomia e emancipação. Porém, ultrapassando estes limites, ele afirma que a autonomia no contexto da prática do ensino, deve ser entendida como um processo de construção permanente no qual devem se conjugar, se equilibrar e fazer sentido muitos elementos e, portanto, podendo ser descrita e justificada, mas não reduzida a uma definição auto-explicativa. Por isso, a autonomia não é um chamado à autocomplacência, nem tampouco ao individualismo competitivo, mas a convicção de que um desenvolvimento mais educativo dos professores e das escolas virá do processo democrático da educação, isto é, da tentativa de se construir a autonomia profissional juntamente com a autonomia social. Podemos, portanto, concluir que a autonomia assim como a profissionalidade docente é resultado de uma série de fatores, que ultrapassam um mero buscar de direitos trabalhistas ou um reconhecimento social. Fica-nos claro também, que elas só tornar- se-ão reais se acompanhadas de uma profissionalidade do ensino, ou seja, não existirá um progresso profissional se o ensino permanecer obsoleto e estático. Da mesma forma a descentralização dos currículos deve acontecer de uma forma realmente democrática e pedagógica, que vise à melhoria real do ensino e não uma simples troca de responsabilidades, que na maioria das vezes vem acompanhada de uma falsa autonomia dos professores. Buscar um professor competitivo para dar lugar a um professor eficiente é transformar o processo educativo em uma empresa, cuja prática é própria do processo neoliberal que ora se nos apresenta. A escola, porém, ao trabalhar com seres humanos não pode ser pautada em técnicas pré-determinada como se o resultado do processo educativo fosse mensurável e previsível. Por fim, o professor será autônomo quando a escola for autônoma, ou seja, quando tanto o professor quanto a escola forem realmente os idealizadores das práticas educativas e não apenas aplicadores de receitas mágicas prescritas fora dos muros da escola e sem o aval e a reflexão da comunidade na qual está inserida. Esta obra, portanto, destina-se a todos aqueles que procuram entender a autonomia professoral como forma de melhoria do processo educativo, no qual o professor tem um papel fundamental.

Jacques Delors: Educação: um tesouro a descobrir

Dado que oferecerá meios, nunca antes disponíveis, para circulação e armazenamento de informações e para a comunicação, o próximo século submeterá a educação a uma dura obrigação que pode parecer, à primeira vista, quase contraditória. A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficarem submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele. Nessa visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável a educação (uma bagagem escolar cada vez mais pesada) já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo de mudanças. Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras. Ora, a Comissão pensa que cada um dos "quatro pilares do conhecimento" deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade. Desde o início de seus trabalhos que os membros da Comissão compreenderam que seria indispensável, para enfrentar os desafios do próximo século, assinalar novos objetivos à educação e, portanto, mudar a idéia que se tem da sua utilidade. Uma nova concepção ampliada de educação devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo - revelar o tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão puramente instrumental da educação, considerada como a via obrigatória para obter certos resultados (saber fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordens econômicas), e se passe a considerá-la em toda sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade aprende a ser. Aprender a conhecer Este tipo de aprendizagem que visa nem tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como um meio e uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir. Apesar dos estudos sem utilidade imediata estarem desaparecendo, tal a importância dada atualmente aos saberes utilitários, a tendência para prolongar a escolaridade e o tempo livre deveria levar os adultos a apreciar cada vez mais, as alegrias do conhecimento e da pesquisa individual. O aumento dos saberes, que permite compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir. Deste ponto de vista, há que repeti-lo, é essencial que cada criança, esteja onde estiver, possa ter acesso, de forma adequada, às metodologias científicas de modo a tornar-se para toda a vida "amiga da ciência". Em nível do ensino secundário e superior, a formação inicial deve fornecer a todos os alunos instrumentos, conceitos e referências resultantes dos avanços das ciências e dos paradigmas do nosso tempo. Contudo, como o conhecimento é múltiplo e evolui infinitamente, torna-se cada vez mais inútil tentar conhecer tudo e, depois do ensino básico, a omnidisciplinaridade é um engodo. A especialização, porém, mesmo para futuros pesquisadores, não deve excluir a cultura geral. "Um espírito verdadeiramente formado, hoje em dia tem necessidade de uma cultura geral vasta e da possibilidade de trabalhar em profundidade determinado número de assuntos. Deve-se, do princípio ao fim do ensino, cultivar simultaneamente, estas duas tendências". A cultura geral, enquanto abertura de outras linguagens e outros conhecimentos permite, antes de tudo, comunicar-se. Fechado na sua própria ciência, o especialista corre o risco de se desinteressar pelo o que fazem os outros. Sentirá dificuldade em cooperar, quaisquer que sejam as circunstâncias. Por outro lado, a formação cultural, cimento das sociedades no tempo e no espaço, implica a abertura a outros campos do conhecimento, e deste modo, podem operar-se fecundas sinergias entre as disciplinas. Especialmente em matéria de pesquisa, determinados avanços do conhecimento dão-se nos pontos de interseção das diversas áreas disciplinares. Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento. Desde a infância, sobretudo nas sociedades dominadas pela imagem televisiva, o jovem deve aprender a prestar atenção às coisas e às pessoas. A sucessão muito rápida de informações mediatizadas, o "zapping" tão frequente, prejudicam de fato o processo de descoberta, que implica duração e aprofundamento de apreensão. Esta aprendizagem da atenção pode revestir formas diversas e tirar partido de várias ocasiões da vida (jogos, estágios em empresas, viagens, trabalhos práticos de ciências...). Por outro lado o exercício da memória é um antídoto necessário contra a submersão pelas informações instantâneas difundidas pelos meios de comunicação social. Seria perigoso imaginar que a memória pode vir a tornar-se inútil, devido a enorme capacidade de armazenamento e difusão das informações de que dispomos daqui em diante. É preciso ser, sem dúvida, seletivo na escolha dos dados a aprender "de cor", mas, propriamente, a faculdade humana de memorização associativa, que não é redutível a um automatismo, deve ser cultivada cuidadosamente. Todos os especialistas concordam em que a memória deve ser treinada desde a infância, e que é errado suprimir da prática escolar certos exercícios tradicionais, considerados como fastidiosos. Finalmente, o exercício do pensamento ao qual a criança é iniciada, em primeiro lugar, pelos pais e depois pelos professores, deve comportar avanços e recuos entre o concreto e o abstrato. Também se devem combinar, tanto no ensino como na pesquisa dois métodos apresentados, muitas vezes, como antagônicos: o método dedutivo por um lado e o indutivo por outro. De acordo com as disciplinas ensinadas, um pode ser mais pertinente do que o outro, mas na maior parte das vezes o encadeamento do pensamento necessita da combinação dos dois. O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. Neste sentido, liga-se cada vez mais à experiência do trabalho, à medida que este se torna menos rotineiro. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir às pessoas o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida, no trabalho, mas também fora dele. Aprender a fazer Aprender a conhecer e aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem esta mais estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em pratica os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução? É a esta última questão que a Comissão tentará dar resposta mais particularmente. Convém distinguir, a este propósito, o caso das economias industriais onde domina o trabalho assalariado do das outras economias onde domina, ainda em grande escala, o trabalho independente ou informal. De fato, nas sociedades assalariadas que se desenvolveram ao longo do século XX, a partir do modelo industrial, a substituição do trabalho humano pelas máquinas tornou-se cada vez mais imaterial e acentuou o caráter cognitivo das tarefas, mesmo nas indústria, assim como a importância dos serviços na atividade econômica. O futuro dessas economias depende, aliás, da sua capacidade de transformar o progresso dos conhecimentos em inovações geradoras de novas empresas e de novos empregos. Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo fabricar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as aprendizagens devem evoluir e não podem mais serem consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar. Da noção de qualificação à noção de competência Na indústria especialmente para operadores e os técnicos, o domínio do cognitivo e do informativo nos sistemas de produção, torna um pouco obsoleta a noção de qualificação profissional e leva a que se dê muita importância à competência pessoal. O progresso técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações exigidas pelos novos processos de produção. As tarefas puramente físicas são substituídas por tarefas de produção mais intelectuais, mais mentais, como o comando de máquinas, a sua manutenção e vigilância, ou por tarefas de concepção, de estudo, de organização à medida que as máquinas se tornam, também, mais "inteligentes" e que trabalho se "desmaterializa". Este aumento de exigências de matéria de qualificação, em todos os níveis, têm varias origens. No que se diz respeito ao pessoal de execução, a justa posição de trabalhos prescritos e parcelados deu lugar à organização em "coletivos de trabalho" ou "grupos de projeto", a exemplo do que se faz nas empresas japonesas: uma espécie de taylorismo ao contrário. Por outro lado a indiferenciação entre trabalhadores sucede a personalização das tarefas. Os empregadores substituem, cada vez mais, a exigência de uma qualificação ainda muito ligada, de seu ver, à idéia de competência material, pela exigência de uma competência que se apresenta como uma espécie de coquetel individual, combinando a qualificação, em sentido estrito, adquirida pela formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco. Se juntarmos a essas novas exigências a busca de um compromisso pessoal do trabalhador, considerando como agente de mudança torna-se evidente que as qualidades muito subjetivas, inatas ou adquiridas, muitas vezes denominadas "saber ser" pelos dirigentes empresariais, se juntam ao saber e ao saber fazer para compor a competência exigida - o que mostra bem a ligação que a educação deve manter, como, aliás, sublinhou a Comissão, entre os diversos aspectos da aprendizagem. Qualidades como a capacidade de comunicar, de trabalhar com os outros, de gerir e resolver conflitos tornam-se cada vez mais importantes. E esta tendência torna-se ainda mais forte, devido ao desenvolvimento do setor de serviços. A "desmaterialização" do trabalho e a importância dos serviços entre as atividades assalariadas As consequências sobre a aprendizagem da "desmaterialização" das economias avançadas são particularmente impressionantes se se observar a evolução quantitativa e qualitativa dos serviços. Este setor, muito diversificado, define-se sobretudo pela negativa, não são nem industriais nem agrícolas e que, apesar da sua diversidade, têm em comum o fato de não produzirem um bem material. Muitos serviços definem-se, sobretudo, em função da relação interpessoal a que dão origem. Podem encontrar-se exemplos disso tanto no setor mercantil que prolifera, alimentando-se da complexidade crescente das economias (especialidades muito variadas, serviços de acompanhamento e de aconselhamento tecnológico, serviços financeiros, contabilísticos ou de gestão), como no setor não comercial mais tradicional (serviços sociais, ensino, saúde, etc.). Em ambos os casos, as atividades de informação e comunicação são primordiais; dá-se prioridade à coleta e tratamento personalizado de informações específicas para determinado projeto. Neste tipo de serviços, a qualidade de relação entre prestador e usuário depende, também muito, deste último. Compreende-se, pois, que o trabalho em questão já não possa ser feito da mesma maneira que quando se trata de trabalhar a terra ou de fabricar um tecido. A relação com a matéria e a técnica deve ser completada com aptidão pra as relações interpessoais. O desenvolvimento dos serviços exige, pois, cultivar qualidades humanas que a formações tradicionais não transmitem, necessariamente e que correspondem à capacidade de estabelecer relações estáveis e eficazes entre as pessoas. Finalmente é provável que nas organizações ultratecnicistas do futuro os déficits relacionais possam criar graves disfunções exigindo qualificações de novo tipo, com base mais comportamental do que intelectual. O que pode ser uma oportunidade para os não diplomados, ou com deficiente preparação em nível superior. A intuição, o jeito, a capacidade de julgar, a capacidade de manter unida uma equipe não são de fato qualidades, necessariamente, reservadas as pessoas com altos estudos. Como e onde ensinar estas qualidades mais ou menos inatas? Não se podem deduzir simplesmente os conteúdos de formação, das capacidades ou aptidões requeridas. O mesmo problema põe-se, também, quanto à formação profissional, nos países em desenvolvimento. O trabalho na economia formal Nas economias em desenvolvimento, onde a atividade assalariada não é dominante, a natureza do trabalho é muito diferente. Em muitos países da África subsaariana e alguns países da América Latina e da Ásia, efetivamente, só uma pequena parte da população tem emprego e recebe salário, pois a grande maioria participa na economia nacional de subsistência. Não existe, rigorosamente falando, referencial de emprego; as competências são, muitas vezes, de tipo tradicional. Por outro lado, a aprendizagem não se destina, apenas, a um só trabalho mas tem como objetivo mais amplo preparar para uma participação formal ou informal no desenvolvimento. Trata-se, freqüentemente, mais de uma qualificação social do que uma qualificação profissional. Noutros países em desenvolvimento existe, ao lado da agricultura e de um reduzido setor formal, um setor de economia ao mesmo tempo moderno e informal, por vezes bastante dinâmico, à base de artesanato, de comercio e de finanças que revela a existência de uma capacidade empreendedora bem adaptada às condições locais. Em ambos os casos, após numerosas pesquisas levadas a cabo em países em desenvolvimento, apercebemos-nos que encaram o futuro como estando estreitamente ligado à aquisição da cultura científica que lhes dará acesso à tecnologia moderna, sem negligenciar com isso as capacidades específicas de inovação e criação ligadas ao contexto local. Existe uma questão comum aos países desenvolvidos e em desenvolvimento: como aprender a comportar-se, eficazmente, numa situação de incerteza, como participar na criação do futuro? Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros Sem dúvida, esta aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o problema e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no decorrer do século XX. A opinião pública, através dos meios de comunicação social, torna-se observadora impotente e até refém dos que criam ou mantém conflitos. Até agora, a educação não pôde fazer grande coisa para modificar esta situação real. Poderemos conceber uma educação capaz de evitar os conflitos, ou de resolvê-los de maneira pacífica, desenvolvendo o conhecimento dos outros, das suas culturas, da sua espiritualidade? É de louvar a idéia de ensinar a não-violência na escola, mesmo que apenas constitua um instrumento, entre outros, para lutar contra os preconceitos geradores de conflitos. A tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres humanos têm tendência a supervalorizar as suas qualidades e as do grupo que a pertencem, e a alimentar preconceitos desfavoráveis em relação aos outros. Por outro lado, o clima geral de concorrência que caracteriza, atualmente, a atividade econômica no interior de cada país, e, sobretudo em nível internacional, tem a tendência de dar prioridade ao espírito de competição e ao sucesso individual. De fato, esta competição resulta atualmente em uma guerra econômica implacável e numa tensão entre os mais favorecidos e os pobres, que divide as nações do mundo e exacerba as rivalidades históricas. É de lamentar que a educação contribua, por vezes, para alimentar este clima, devido a uma má interpretação da idéia de emulação. Que fazer para mudar a situação? A experiência mostra que, para reduzir o risco, não basta pôr em contato e em comunicação membros de grupos de diferentes (através de escolas comuns a várias etnias ou religiões, por exemplo). Se, no seu espaço comum, estes diferentes grupos já entram em competição ou se o seu estatuto é desigual, um contato deste gênero pode, pelo contrário, agravar ainda mais as tensões latentes e degenerar em conflitos. Pelo contrário, se este contato se fizer num contexto igualitário, e se existirem objetivos e projetos em comuns, os preconceitos e a hostilidade latente podem desaparecer e dar lugar a uma cooperação mais serena e até amizade. Parece, pois, que a educação deve utilizar duas vias complementares. Num primeiro nível, a descoberta progressiva do outro. Num segundo nível, e ao longo de toda vida, a participação em projetos comuns, que parece ser um método eficaz para evitar ou resolver conflitos latentes. A descoberta do outro A educação tem por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta. Desde tenra idade a escola deve, pois, aproveitar todas as ocasiões para esta dupla aprendizagem. Algumas disciplinas estão mais adaptadas a este fim, em particular a geografia humana a partir do ensino básico e as línguas e literaturas estrangeiras mais tarde. Passando à descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta de si mesmo, e por dar à criança e ao adolescente uma visão ajustada do mundo, a educação, seja ela dada pela família, pela comunidade ou pela a escola, deve antes de mais ajudá-los a descobrir a si mesmos. Só então poderão, verdadeiramente, pôr-se no lugar dos outros e compreender as suas reações. Desenvolver esta atitude de empatia, na escola é muito útil para os comportamentos sociais ao longo de toda a vida. Ensinando, por exemplo, aos jovens a adotar a perspectiva de outros grupos étnicos ou religiosos podem evitar incompreensões geradoras de ódio e violência entre adultos. Assim, o ensino das histórias das religiões ou dos costumes pode servir de referência útil para futuros comportamentos. Por fim os métodos de estudo não devem ir contra este reconhecimento do outro. Os professores que, por dogmatismo, matam a curiosidade ou o espírito crítico dos seus alunos, em vez de o desenvolver, podem ser mais prejudiciais do que úteis. Esquecendo que funcionam como modelos, como esta sua atitude, arriscam-se a enfraquecer por toda vida nos alunos a capacidade de abertura à alteridade e de enfrentar as inevitáveis tensões entre pessoas, grupos e nações. O confronto através do diálogo e da troca de argumentos é um dos instrumentos indispensáveis à educação do século XXI. Tender para objetivos comuns Quando se trabalha em conjunto sobre projetos motivadores e fora do habitual, as diferenças e até os conflitos inter-individuais tendem a reduzir-se, chegando a desaparecer em alguns casos. Uma nova forma de identificação nasce destes projetos que fazem com que ultrapassem as rotinas individuais, que valorizam aquilo que é comum e não as diferenças. Graças a prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através de experiência e do prazer do esforço comum! A educação formal deve, pois, reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas para iniciar os jovens em projetos de cooperação, logo desde a infância, no campo das atividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua participação em atividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos, ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações... As outras organizações educativas e associações devem, neste campo, continuar o trabalho iniciado pela escola. Por outro lado, na prática letiva diária, a participação de professores e alunos em projetos comuns podem dar origem à aprendizagem de métodos de resolução de conflitos e constituir uma referência para a vida futura dos alunos, enriquecendo a relação professor/alunos. Aprender a ser Desde a sua primeira reunião, a Comissão reafirmou, energicamente, um princípio fundamental: a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa - espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida. O relatório Aprender a ser (1972) exprimia, no preâmbulo, o temor da desumanização do mundo relacionada com a evolução técnica. A evolução das sociedades desde então e, sobretudo, o enorme desenvolvimento do poder mediático veio acentuar este temor e tornar mais legítima ainda a injunção que lhe serve de fundamento. É possível que no século XXI estes fenômenos adquiram ainda mais amplitude. Mais do que preparar as crianças para uma dada sociedade, o problema será, então, fornecer-lhes constantemente forças e referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que as rodeia e comportar-se nele como autores responsáveis e justos. Mais do que nunca a educação parece ter, como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu próprio destino. Este imperativo não é apenas a natureza individualista: a experiência recente mostra que o que poderia aparecer, somente, como uma forma de defesa do indivíduo perante um sistema alienante ou tido como hostil, é também por vezes, a melhor oportunidade de progresso para as sociedades. A diversidade das personalidades, a autonomia e o espírito de iniciativa, até mesmo o gosto pela provocação, são os suportes da criatividade e da inovação. Para reduzir a violência ou lutar contra os diferentes flagelos que afetam a sociedade os métodos inéditos retirados de experiências no terreno já deram prova da sua eficácia. Num mundo em mudança, de que um dos principais motores parece ser a inovação tanto social como econômica, deve ser dada a importância especial a imaginação e à criatividade; claras manifestações da liberdade humana elas podem vir a ser ameaçadas por certa estandardização dos comportamentos individuais. O século XXI necessita desta diversidade de talentos e de personalidades, mas ainda de pessoas excepcionais, igualmente essenciais em qualquer civilização. Convém, pois, oferecer às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e experimentação - estética, artística, desportiva, científica, cultural e social -, que venham completar a apresentação atraente daquilo que, nestes domínios, foram capazes de criar as gerações que os procederam ou suas contemporâneas. Na escola, a arte e a poesia deveriam ocupar um lugar mais importante do que aquele que lhes é concedido, em muitos países, por um ensino tornado mais utilitarista do que cultural. A preocupação em desenvolver a imaginação e a criatividade deveria, também, revalorizar a cultura oral e os conhecimentos retirados da experiência da criança ou do adulto. Assim, a Comissão adere plenamente ao postulado do relatório Aprender a ser. "O desenvolvimento tem por objeto a realização completa do homem, em volta a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos". Este desenvolvimento do ser humano, que se desenrola desde o nascimento até à morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Neste sentido, a educação é antes de mais nada uma viagem interior, cujas as etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade. Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso, a educação como meio para tal realização é, ao mesmo tempo, um processo individualizado e uma construção social interativa. É escusado dizer que os quatro pilares da educação, acabados de escrever, não se apóiam, exclusivamente, numa fase da vida ou num único lugar. Como se verá no capítulo seguinte, os tempos e as áreas da educação devem ser repensados, completar-se e interpenetrar-se de maneira a que cada pessoa, ao longo de toda a sua vida, possa tirar o melhor partido de um ambiente educativo em constante ampliação. Pistas e recomendações A educação ao longo de toda vida baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida. Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências (realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos) no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas.

Educar para crescer: Por dentro do IDEB: o que é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica?

O Ideb foi criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2007, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Ele é calculado com base na taxa de rendimento escolar (aprovação e evasão) e no desempenho dos alunos no SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e na Prova Brasil. Ou seja, quanto maior for a nota da instituição no teste e quanto menos repetências e desistências ela registrar, melhor será a sua classificação, numa escala de zero a dez. O mecanismo foi muito bem avaliado por especialistas justamente por unir esses fatores. Sendo assim, se uma escola passar seus alunos de ano sem que eles tenham realmente aprendido, por exemplo, isso ficará claro a partir da análise do desempenho dela no Ideb.

Andy Hargreaves: Ensino na sociedade de conhecimento: educação na era da insegurança

Introdução Vivemos em uma economia do conhecimento em uma sociedade do conhecimento. As economias do conhecimento são estimuladas e movidas pela criatividade e pela inventividade, e as escolas da sociedade do conhecimento precisam gerar essas qualidades, caso contrário, seus povos e suas nações ficarão para trás. As escolas de hoje servem e moldam um mundo no qual pode haver grandes oportunidades de melhorias econômicas se as pessoas puderem aprender a trabalhar de forma mais flexível, investir em sua segurança financeira futura, reciclar suas habilidades, ir reencontrando seu lugar enquanto a economia se transforma ao seu redor e valoriza o trabalho criativo e cooperativo. O mundo a que as escolas servem também se caracteriza por uma crescente instabilidade social. Mesmo assim, em lugar de estimular a criatividade e a inventividade, os sistemas educacionais se tornam cada vez mais obcecados com a imposição e a microgestão da uniformidade curricular. As escolas e os professores têm sido espremidos na visão estreita dos resultados de provas, das metas de desempenho e das linhas de classificação das escolas segundo os resultados de seus alunos. Em termos gerais, nossas escolas não estão preparando os jovens para bem trabalhar na economia do conhecimento nem para viver em uma sociedade civil fortalecida. Em vez de promover a criatividade econômica e a integração social, muitas escolas estão se enredando na regulamentação de rotinas da padronização insensível. Como alternativa, podemos promover um sistema educacional de alto investimento e alta capacidade, no qual professores extremamente qualificados sejam capazes de gerar criatividade e inventividade entre seus alunos, experimentando, eles próprios, essa criatividade e a flexibilidade na forma como são tratados e qualificados como profissionais da sociedade do conhecimento. Nesse segundo cenário, o ensino e os professores irão muito além das tarefas técnicas de produzir resultados aceitáveis nas provas, chegando a buscar o ensino como, mais uma vez, uma missão social que molda a vida e transforma o mundo. Neste novo sistema, os professores devem assumir novamente seu lugar entre os intelectuais mais respeitados da sociedade, indo além do âmbito da sala de aula, para tornarem-se, e preparar seus alunos para serem, cidadãos do mundo. Eles devem fazer o melhor que podem para garantir que os estudantes promovam bens privados da economia do conhecimento e que prosperem a partir deles. Também deverão ajudá-los a se comprometer com os bens públicos vitais, dos quais os interesses empresariais da economia do conhecimento não são capazes de tomar conta: uma sociedade civil fortalecida e vigorosa, desenvolvendo o caráter que promove o envolvimento da comunidade e o cultivo das disposições de simpatia e cuidado para com as pessoas de outras nações e culturas, as quais são o coração da identidade cosmopolita. Esses são os desafios enfrentados por professores na sociedade do conhecimento atual e que representam o foco deste livro, que trata do mundo em transformação, bem como do trabalho do ensino, também este em transformação. Desta forma, a expressão mais adequada para o título deste livro seria "sociedade de aprendizagem", entretanto, o título original se mantém em função de sua utilização ampla e aceitabilidade. Na sociedade do conhecimento, a riqueza e a prosperidade dependem da capacidade das pessoas de superar seus concorrentes em criação e astúcia, sintonizar-se com os desejos e demandas do mercado consumidor e mudar de emprego ou desenvolver novas habilidades à medida que as flutuações e os momentos de declínio econômico assim o exigirem. Desta forma, ensinar na sociedade do conhecimento envolve o cultivo dessas capacidades nos jovens, o desenvolvimento da aprendizagem cognitiva profunda, da criatividade e da inventividade entre os estudantes, a utilização da pesquisa, o trabalho em redes e equipes, a busca de aprendizagem profissional contínua como professores e a promoção da solução de problemas, da disposição de correr riscos, da confiança nos processos cooperativos, da capacidade de lidar com a mudança e do compromisso com a melhoria contínua das organizações. I-O ensino para a sociedade do conhecimento: educar para a inventividade a) A profissão paradoxal Ensinar é uma profissão paradoxal. Entre todos os trabalhos que são, ou aspiram a ser profissões, apenas do ensino se espera que gere as habilidades e as capacidades humanas que possibilitarão a indivíduos e organizações sobreviver e ter êxito na sociedade do conhecimento dos dias de hoje. Dos professores, mais do que de qualquer outra pessoa, espera-se que construam comunidades de aprendizagem, criem a sociedade do conhecimento e desenvolvam capacidades para a inovação, a flexibilidade e o compromisso com a transformação essenciais à prosperidade econômica. Ao mesmo tempo, os professores também devem e mitigar combater muitos dos imensos problemas criado pelas sociedades do conhecimento, tais como consumismo excessivo, a perda da comunidade e distanciamento crescente entre ricos e pobres; de alguma forma devem tentar atingir simultaneamente esses objetivos aparentemente contraditórios. Aí reside o paradoxo profissional. Enquanto isso, os gastos, bem como a educação e o bem-estar públicos, foram as primeiras baixas do Estado enxuto que as economias do conhecimento têm exigido. Os salários e as condições de trabalho dos professores têm estado entre os itens mais caros no topo da lista de baixas do serviço público. A profissão, classificada como importante para a sociedade do conhecimento, tem sido desvalorizada por tantos grupos, com mais e mais pessoas querendo deixá-la, cada vez menos querendo se juntar a ela, e muito poucas desejando assumir sua liderança. Isso, mais do que um paradoxo, representa uma crise de proporções perturbadoras. Sendo assim, os professores de hoje se encontram presos em um triângulo de interesses e imperativos conflitantes: ser catalizadores da sociedade do conhecimento e de toda a oportunidade e prosperidade que ela promete trazer; ser contraponto a ela e às suas ameaças à inclusão, à segurança e à vida pública; ser baixas dessa sociedade do conhecimento em um mundo onde as crescentes expectativas com relação à educação estão sendo respondidas com soluções padronizadas, fornecidas a custos mínimos. Essas três forças, suas interações e seus efeitos estão moldando a natureza do ensino, aquilo que significa ser um professor, e a própria viabilidade da atividade, como profissão, na sociedade do conhecimento. b) Antes da sociedade do conhecimento Desde o surgimento da educação escolar compulsória e de sua difusão pelo mundo, espera-se que a educação pública salve a sociedade. As expectativas em relação à educação pública sempre foram altas, mas nunca se expressaram da mesma forma. Nos 30 anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, a educação nas principais economias do mundo foi vista amplamente como um investimento em capital humano, no desenvolvimento científico e tecnológico, em um compromisso com o progresso. Mas em termos práticos, pouco foi feito para transformar a natureza fundamental da educação oferecida ou a forma como os professores lecionavam. Foram poucas as inovações que duraram por muito tempo, e a retórica da mudança em sala de aula geralmente sobrepujava a realidade. Para além de toda autonomia, tentativas de inovação e expansão educacional, permaneceram uma “gramática” básica de ensino e aprendizagem em que a maioria dos professores lecionava de forma como se havia feito por gerações, na frente da sala, por meio de aulas expositivas, trabalhos para serem realizados por alunos sentados e métodos de perguntas e resposta, com aulas separadas para crianças da mesma idade, avaliadas por métodos escritos padronizados. A crise do petróleo de 1973 e o colapso da economia keynesiana puseram fim aos pressupostos educacionais otimistas em muitas economias desenvolvidas do Ocidente. A educação passou subitamente a ser o problema, e não a solução. Nas economias altamente endividadas, os estados de bem-estar social começaram a entrar em colapso e, com eles, os recursos para a educação. As nações ocidentais se voltaram para dentro, e muitas delas perderam a confiança, visto que foram eclipsadas pelas economias dos "tigres" asiáticos. Nesse meio tempo, os perfis demográficos se inverteram, as populações dos alunos encolheram e os professores perderam sua atratividade no mercado e seu poder de barganha e grande parte da força de trabalho remanescente no ensino começou a envelhecer. No final da década de 80 os governos começaram a vincular mais intimamente a educação aos negócios, ao trabalho, à ciência e à tecnologia. As estruturas foram reorganizadas, os recursos restringidos novamente e as políticas de opção de mercado e competição entre escolas começaram a proliferar. O controle curricular foi muitas vezes enrijecido em alguns lugares, ligado à tarefa explícita de restabelecer o orgulho da nação. Os professores passaram a ser responsabilizados pela maior parte dos problemas, por governos e pela mídia e as recém-estabelecidas classificações de escola, segundo o desempenho escolar humilhavam os docentes por fracassarem com seus alunos. (geralmente os das comunidades mais pobres). Segundo alguns críticos, tais eventos foram medidas deliberadas, voltadas a tornar malvistos o ensino e as escolas públicas, estimular muitos pais a financiar de forma privada a educação de seus filhos e forçar à aposentadoria precoce de professores mais velhos e mais caros, que estavam impedindo a nova agenda da reforma. Um dos pretextos mais fortes para a reforma escolar nas nações ocidentais foi a introdução das comparações internacionais de exames. O milagre econômico dos "tigres" e do Japão levou os formuladores de políticas no Ocidente a supersimplificar e singularizar as contribuições dos sistemas educacionais dessas sociedades para seu sucesso econômico. Os resultados internacionais de exames de matemática e ciências provocaram ansiedade pública e deram munição para que muitos governos ocidentais reformulassem os sistemas educacionais, o que levou a maior padronização e microgestão do ensino e da aprendizagem por meio de sistemas mais rígidos de inspeção, pagamento de acordo com desempenho e reformas curriculares prescritas minuciosamente, que reduziram em muito a latitude das decisões pedagógicas dos professores. c) Lucrando a partir da sociedade do conhecimento Nessa sociedade em constante transformação e autocriação, o conhecimento é um recurso flexível, fluido, em processo de expansão e mudança incessante. Na economia do conhecimento, as pessoas não apenas evocam e utilizam o conhecimento “especializado” externo, das universidades e de outras fontes, mas conhecimento, criatividade e inventividade são intrínsecos a tudo o que elas fazem. O conhecimento não é apenas um apoio para o trabalho e a produção, mas sim a forma fundamental do próprio trabalho e da própria produção, visto que mais e mais pessoas instruídas trabalham nos campos das idéias, da comunicação, das vendas, do marketing, da assessoria, da consultoria, do turismo, da organização de eventos e assim por diante. Assim sendo, a sociedade do conhecimento tem três dimensões. Em primeiro lugar, engloba uma esfera científica, técnica e educacional ampliada; em segundo, envolve formas complexas de processamento e circulação de conhecimento e informações em uma economia baseada nos serviços; em terceiro lugar, implica transformações básicas da forma como as organizações empresariais funcionam de modo a poder promover a inovação contínua em produtos e serviços, criando sistemas, equipes e culturas que maximizem a oportunidade para a aprendizagem mútua e espontânea. O segundo e o terceiro aspectos dependem de se ter uma infra-estrutura sofisticada de tecnologia de informação e comunicação que torne toda essa aprendizagem naus rápida e mais facial. A chave para uma economia do conhecimento forte, entretanto, não é apenas as pessoas poderem acessar a informação, mas também o quão bem elas conseguem processar essa mesma informação. d) Desenvolvendo a sociedade do conhecimento A sociedade do conhecimento é uma sociedade de aprendizagem. O sucesso econômico e uma cultura de inovação contínua dependem da capacidade dos trabalhadores de se manter aprendendo acerca de si próprios e uns com os outros. Uma economia do conhecimento não funciona a partir da força das máquinas, mas a partir da força do cérebro, do poder de pensar, aprender e inovar. As escolas e os professores não podem e nem devem renunciar a suas responsabilidades de promover as oportunidades, o envolvimento e a inclusão dos jovens no mundo altamente especializado do conhecimento, da comunicação, da informação e da inovação. Todas as crianças devem ser preparadas para a sociedade do conhecimento e para a sua economia. Entretanto, a mudança não está em mais educação na forma atual. Salas de aula mais eficientes, que se concentrem no ensino e na aprendizagem, em vez de disciplina, mais tempo gasto em alfabetização e outros aspectos básicos, mais cursos de férias e aulas aos sábados para alunos que estão com dificuldades de aprendizagem, um dia de aula com mais horas, um ano escolar com mais dias: todas essas coisas ajudam a melhorar o desenvolvimento dos alunos, mas apenas aquele desempenho já existente. Elas não transformam esse desempenho ao sujeitá-los a mais quantidade das estratégias que já existem. e) O ensino para a sociedade do conhecimento Como catalizadores das sociedades do conhecimento bem-sucedidos, os professores devem ser capazes de construir um tipo especial de profissionalismo, do qual os principais componentes são: promover a aprendizagem cognitiva profunda; aprender a ensinar por meio de maneiras pelas quais não foram ensinados; comprometer-se com aprendizagem profissional contínua; trabalhar e aprender em equipes de colegas; tratar os pais como parceiros na aprendizagem; desenvolver e elaborar a partir da inteligência coletiva; construir uma capacidade para a mudança e o risco e estimular a confiança nos processos. O ensino para a sociedade do conhecimento atual tecnicamente mais complexo e mais abrangente do que jamais foi e tem como referência uma base de pesquisa e experiências sobre o ensino eficaz, que está mudando e se ampliando. Novas abordagens à aprendizagem demandam novas abordagens ao ensino. Entre elas estão um ensino que enfatize habilidades de raciocínio de ordem mais elevada, a metacognitação (a reflexão sobre o pensamento), abordagens construtivistas de aprendizagem e da compreensão, a aprendizagem baseada no cérebro, estratégias cooperativas de aprendizagem, inteligências múltiplas e diferentes “hábitos da mente”, empregando uma ampla gama de técnicas de avaliação e utilizando a informática e outras tecnologias de informação que capacitem os alunos para acessá-la de forma independente. Os professores de hoje, portanto, precisam estar comprometidos e permanentemente engajados na busca, no aprimoramento, no auto-acompanhamento, na análise de sua própria aprendizagem profissional e análise de seu relacionamento com os pais. Além de tais aspectos, cabe ao professor dessa nova sociedade um alto grau do que Daniel Goleman chamou de inteligência emocional. A inteligência emocional acrescenta valor à inteligência cognitiva, diferenciando líderes brilhantes daqueles que são simplesmente adequados. As cinco competências básicas que compõem a inteligência emocional são: conhecer e ser capaz de expressar as próprias emoções; ser capaz de criar empatia para as emoções de outros; conseguir monitorar e regular as próprias emoções de forma que elas não saiam de controle; ter capacidade de motivar a si e aos outros; ter as habilidades sociais para colocar em ação as quatro primeiras competências. Em síntese, ensinar para a sociedade do conhecimento estimula e floresce a partir de: criatividade, flexibilidade, solução de problemas, inventividade, inteligência coletiva, confiança profissional, disposição para o risco e aperfeiçoamento permanente. II - O ensino para além da sociedade do conhecimento: do valor do dinheiro aos valores do bem a) A bolha dos mares do sul O autor cita alguns exemplos de empreendimentos financeiros com excesso especulativo (South Sea Company - 1711; febre ferroviária do século a explosão imobiliária do final da década de XIX e a explosão imobiliária do final da década de 1980) e os compara à revolução do conhecimento informação do século XXI, afirmando que todos são "bolhas especulativas". b) A bolha do conhecimento e da informação Todas as bolhas de investimentos acabam por 0explodir, com conseqüências dramáticas e, por vezes, cataclísmicas. Quando falamos sobre o futuro da sociedade do conhecimento, se não tivermos em mente e aprendermos a partir do que aconteceu a bolhas anteriores, seremos condenados a repetir a mesma tragédia histórica. No final da década de 1990, as possibilidades da nova sociedade do conhecimento se apresentaram ilimitadas. A sociedade da informação e a economia do conhecimento pareciam representar uma nova era de otimismo e oportunidade. Todos os indicativos apontavam para uma expansão massiva na tecnologia da informação e do entretenimento. Contudo, com o passar dos anos, começaram a se instalar dúvidas de que o consumo galopante de novas tecnologias estivesse realmente melhorando as vidas ou os relacionamentos das pessoas. A sociedade do conhecimento ameaça cada vez mais nos levar para um mundo que não oferece solidão nem comunidade. A utilização excessiva de computadores e outras tecnologias também está sendo vinculada a taxas crescentes de obesidade infantil e outros transtornos. Nos meses do novo século, a bolha da economia do conhecimento começou a explodir. O ano de 2000 foi o primeiro na história em que a venda de computadores caíram no mundo todo. c) Da informação à insegurança O dia 11 de setembro: de 2001 foi uma data em que os norte-americanos compreenderam que nem todas as fronteiras de suas costas tampouco as ferramentas de vigilância tecnológica, ou seu poderio militar poderiam tornar seu país inexpugnável em face da globalização do terror. A "América" deixara de ser apenas o gerador de mercados qlobalizadores de conhecimento e informações; era agora o alvo de um outro tipo de globalização que levou o mundo, em alguns minutos, da era otimista da informação para uma era de insegurança, tomada pela ansiedade. Diferentemente da incerteza e da complexidade,a insegurança geral não é uma condição inevitável,mas uma opção política na sociedade do conhecimento. d) Fundamentos ou fundamentalismo O que está por detrás da violência de 11 de setembro é a "economia do lucro, sem sangue nas veias na qual apenas os interesses das pessoas como consumidores privados são tratados abertamente, ao passo que suas preocupações como cidadãos, como partes do bem público, são postas de lado. É o que Benjamin Barber chamou de McMundo. O paradoxo da globalização é o fato de que ela e a homogeneização levam muitos daqueles que não podem compartilhar seus benefícios a se voltar para dentro, para a cultura, a religião e a etnicidade como fontes alternativas de sentido e identidade. A expressão extrema dessa resposta é a jihad, termo islâmico que se refere à luta religiosa em nome da fé, contra os infiéis. Em sua manifestação política, significa a guerra sagrada em nome da identidade partidária metafisicamente definida e defendida de forma fanática. Ela surge no Islã, mas não é essencial a ele. Ainda assim, proporciona foco e direção àqueles que lutam contra o que consideram influências culturalmente corruptoras dos valores de mercado ocidentais, da modernização e da degradação moral. e) Comunidade e caráter A sociedade de alto risco de hoje em dia se caracteriza pelo perigo crescente da destruição terrorista e da devastação ambiental em grande escala. Esses riscos também se estendem a nossas vidas pessoais, nossas famílias e comunidades. Pais com sobrecarga de trabalho estão ocupados tentando se livrar da pobreza ou acompanhar o padrão dos vizinhos e concorrentes que têm pouco ou nenhum tempo para seus filhos. Cada vez mais esses pais têm terceirizado seus filhos para outros cuidadores, reduzindo seu próprio comprometimento de tempo e suas responsabilidades emocionais no processo. Nos sistemas escolares de nível médio que se baseiam nos resultados do desempenho à custa de relacionamentos, muitos adolescentes se encontram cada vez mais desligados da aprendizagem e alienados da sociedade conhecimento. A economia do conhecimento e o investimento que ela requer estão destruindo formas existentes de vida e de trabalho. Diante disso, um sistema forte de educação pública não só é parte integrante de uma economia do conhecimento próspera, como também é vital para a proteção e o fortalecimento da democracia que constrói comunidade e desenvolve caráter. Hoje em dia, mais do que nunca, os professores devem ser não apenas catalizadores da economia do conhecimento, como também seus contrapontos essenciais, construindo e preservando a democracia pública e comunitária que acompanha essa sociedade e também é ameaçada por ela. f) Cultivando o capital social Os professores que ensinam para além da sociedade do conhecimento desenvolvem o capital intelectual de seus alunos, mas também seu capital social, ou seja, a capacidade de estabelecer redes,forjar relacionamentos e contribuir fazendo uso dos recursos humanos da comunidade e da sociedade como um todo. Francis Fukuyama define o capital social como um conjunto de valores e normas informais compartilhados por membros de um grupo, que Ihes permite cooperar entre si e que estabelece uma base de confiança. O capital social dá suporte à aprendizagem, alimenta-a, encontra uma forma de lhe dar vazão e propósito. Se os professores, as escolas e as comunidades não o cultivarem, os alunos gerarão o seu próprio, de formas invertidas e pervertidas, nas subculturas dos banheiros e outros cantos escuros de suas turmas, onde a amizade consolida o fracasso e a oportunidade econômica é negada por meio de exclusão social e educacional compartilhada, O capital social está na base da prosperidade e da democracia, e seu desenvolvimento é essencial do ponto de vista educacional. g) Educando para a democracia Na arena internacional, organizações como a UNESCO mantêm vivo o discurso democrático na educação. O relatório Delors dessa instituição, chamado Educação, um tesouro a descobrir, identificou quatro pilares essenciais da aprendizagem. Dois deles são as bases da economia do conhecimento: aprender a conhecer e aprender a fazer. O aprender a ser e o aprender a viver juntos não são menos importantes. h) Ensinando para além as sociedade do conhecimento Os valores, a justiça social e a solidariedade devem ser centrais ao desenvolvimento profissional para professores, ao desenvolvimento comunitário para os pais e à agência da formulação de políticas em grande escala, se quisermos tornar as escolas melhores. Ensinar para além da sociedade do conhecimento significa servir-lhe de contraponto corajoso, com vistas a estimular os valores de comunidade, democracia, humanitarismo e identidade cosmopolita. III – O ensino apesar da sociedade do conhecimento I: o fim da inventividade a) O custo da sociedade do conhecimento Ensinar para a sociedade do conhecimento e ensinar para além dela não precisam ser incompatíveis. Reconciliar os objetivos econômicos e sociais da educação e preparar as pessoas para ganhar a vida e viver têm se revelado tarefas historicamente difíceis, levando a osculações intermináveis do pêndulo das políticas. Os professores e outros devem se dedicar a unir essas duas missões em uma só. b) O fundamentalismo de mercado No final do século XX, as políticas econômicas e públicas de muitas nações foram dominadas pela ideologia do fundamentalismo de mercado, no qual o interesse público seria melhor servido pelos efeitos acumulados da liberação das pessoas para que buscassem seus próprios interesses privados. Gerou-se a concorrência do setor privado com o setor público. Os resultados na educação pública se fizeram sentir nos cortes de custos e no enxugamento da abertura de escolas; no aumento dos incentivos ficais ou das campanhas para desacreditar o sistema público, que estimularam os pais a redirecionar seus investimentos para a educação privada. c) A educação descarrilada Os professores estão presos em um triângulo de pressões e expectativas contraditórias. Eles lutam para atingir um máximo de realização profissional, mas são continuamente arrastados pelas reações dos fundamentalistas de mercado aos custos da economia do conhecimento. No lugar de promover a aprendizagem profunda e o envolvimento emocional dos alunos com sua aprendizagem e uns com os outros, os professores se encontram cada vez mais preocupados em treinar crianças para exa d)Políticas padronizadas O enxugamento e a padronização desgastam a colaboração, esgotam professores que exercem cargos de coordenação e reduzem seu investimento na própria aprendizagem profissional. A padronização aumenta a exclusão das escolas e dos alunos dos níveis inferiores, que consideram os padrões para além do seu alcance. Diante da padronização os professores, exaustos e desmoralizados, recorrem à demissão e à aposentadoria precoce, criando imensos problemas de recrutamento e retenção nessa profissão baseada no conhecimento. IV - O ensino apesar da sociedade do conhecimento II: a perda da integridade Este capítulo apresenta os resultados de pesquisas realizadas pelo autor em escolas americanas e canadenses de nível médio. A análise observa a substância da reforma nas áreas de mudança de currículo e avaliação, examina o processo de implementação, o caráter da mudança e as alterações nas condições de trabalho que acompanharam essas transformações. Entre os principais aspectos apresentados pelos professores entrevistados estão: o pouco tempo destinado ao estudo, a ineficiência e inadequação do desenvolvimento profissional, o isolamento profissional, a perda da eficácia do trabalho docente, a pouca criatividade e inventividade, a ausência de integridade, a perda de propósito profissional, a desmoralização, a política de humilhação e a exaustão. Tais aspectos foram ocasionados pelo ritmo insustentável da reforma e atingiram a saúde dos professores. Lecionar tornou-se mais difícil e estressante, e muito menos agradável. Uma conclusão perturbadora é a de que não são apenas os professores mais velhos que estão se desiludindo com a profissão, mas também os mais jovens. Nessas condições, a profissão do ensino terá cada vez mais dificuldades de atrair candidatos de boa qualidade, com capacidade intelectual e, especialmente, quando outras ocupações com menos regulamentação e mais incentivo estão concorrendo por seu talento. V- A escola da sociedade do conhecimento: uma entidade em extinção Este capítulo apresenta a bem sucedida experiência de uma escola de nível médio canadense Blue Mountain, considerada a síntese de uma escola da sociedade do conhecimento. As escolas em sociedades complexas deveriam se tornar organizações de aprendizagem eficazes, desenvolvendo estruturas e processos que Ihes capacitem para aprender no interior de seus ambientes imprevisíveis e mutantes e responder a eles com rapidez. As escolas eficazes devem operar como sólidas comunidades de aprendizagem pro¬fissional a partir de três componentes: o trabalho cooperativo; o foco no ensino e na aprendizagem e avaliações permanentes para investigar avanços e problemas. Na escola analisada evitava-se a departamentalização a partir da idéia da aprendizagem organizacional e do pensamento sistêmico, segundo os quais todas as decisões da escola devem ser toma das de acordo com os interesses da comunidade organizacional. O entusiasmo e a empolgação de trabalhar se refletiam na postura inovadora e inventiva do currículo e no ensino de sala de aula, As avaliações eram diferenciadas (portfólios e apresentações), a informática não se limitava a labora tórios fechados, os alunos tinham liberdade para utilizar qualquer tecnologia disponível. Entretanto, as pressões econômicas também afetaram a rotina da escola que passou a conviver com os problemas apresentados anteriormente. Mesmo assim, nela ainda acontece muita interação profissional 'entre seus grupos, muito mais do que em quase todas as outras escolas, mas, como comunidade de aprendizagem, um exemplo de escola da sociedade do conhecimento, a Blue Mountain é, sem dúvida alguma, uma espécie em extinção. VI - Para além da padronização: comunidades de aprendizagem profissional ou seitas de treinamento para o desempenho? a) Rumo a uma profissão de aprendizagem Ensinar é um trabalho cada vez mais complexo, exigindo os padrões mais elevados de prática profissional para um desempenho adequado. É a profissão central, o agente fundamental da mudança na sociedade do conhecimento de nossos dias. Mesmo assim, o ensino está em crise. A rotatividade demográfica entre os professores, durante anos de desgaste e desilusão com as reformas amplas, está esgotando a profissão. A atração do ensino como carreira entre novos candidatos, reais e potenciais, está desaparecendo rapidamente. Felizmente, nos últimos anos, muitos começam a se dar conta de que o desenvolvimento profissional de alta qualidade para professores é indispensável à geração de mudanças profundas e dura douras na aquisição dos alunos. Em quase toda parte (Austrália, Estados Unidos, Inglaterra) os governos estão começando a elogiar os professores e o ensino, conferindo a honra e o respeito onde haviam prevalecido a acusação e o descaso no passado recente. Já é tempo de repensarmos como deveria ser o ensino e a aprendizagem para os alunos, e o ensino e o apoio profissional para os professores. A reforma educacional não pode mais ser construída nas costas dos professores. b) Futuros para o ensino na sociedade do conhecimento A OCDE projetou seis prováveis cenários para o futuro da educação pública na sociedade do conhecimento. Dois deles partem de um desdobramento de arranjos já existentes, que irá levar a uma burocracia mais arraigada nos sistemas escolares, ou ao aumento da ênfase no mercado e nas soluções baseadas nas opções, em função da difusão da in satisfação das pessoas com a educação pública. O segundo par de opções supõe um encolhimento da educação pública, seja por atrofia, à medida que a falta de professores e uma proliferação desespera da de inovações gerarem pânico e desagregação nas políticas educacionais, seja pelo incentivo em alternativas fora da escola, na aprendizagem eletrônica e não-formal. Apenas dois dos cenários, os quais a organização chama de re-schooling; ou "reescolarização", isto é, a transformação das características fundamentais da escola típica, presumem que a formação escolar pública possa ser salva e melhorada. Um deles vê a escola sendo reinventada na forma de uma organização de aprendizagem dirigida, que enfatize a aprendizagem para a sociedade do conhecimento. O outro visualiza as escolas como pontos focais para redes de relacionamentos comunitários mais amplos, desenvolvendo o capital social dos estudantes e Ihes possibilitando viver bem e trabalhar produtivamente na sociedade do conhecimento. c) Culturas, contratos e mudança A partir de vários subtítulos relacionados a culturas, contratos e mudança, o autor apresenta características indispensáveis à sociedade conhecimento. Entre elas destacam-se: a importância da combinação entre a confiança pessoal dos relacionarnentos com a confiança e a responsabilização profissional dos contratos de desempenhos (garantia de qualidade por meio da obrigação mútua), a substituição do individualismo profissional permissivo pelo trabalho cooperativo, o rompimento com o regime de contratos que mercantilizam a educação e a eliminação da cultura do individualismo competitivo entre as escolas. O autor também apresenta algumas maneiras pelas quais as políticas podem promover as comunidades de aprendizagem no interior e além das escolas: desenvolvimento de liderança; inspeção e credenciamento escolar; recertificação e gestão de desempenho; dinheiro para início de projetos de autoaprendizagem, auto-regulamentação profissional; redes profissionais; regionalização dos serviços de desenvolvimento de comunidade profissional VII - O futuro do ensino na sociedade do conhecimento: repensar o aprimoramento, eliminar o empobrecimento O futuro do ensino está em combinar os esforços das comunidades de aprendizagem e das seitas de treinamento (grupos que buscam a melhoria do desempenho - alfabetização e matemática - em testes padronizados), eliminando assim, o apartheid de desenvolvimento e aprimoramento escolar. Os primeiros, pautados em princípios amplos, na promoção da cooperação e no trabalho em rede, tendem a ser adotados por escolas de comunidades mais afluentes e os segundos, por sua vez, caracterizados por programas rigidamente definidos, estritamente monitorados e com treinamentos intensivos, tendem a ser adotados por escolas de localidades mais pobres, isto porque, diferentes escolas se beneficiam de abordagens - diferenciadas do aperfeiçoamento. Conclusão Este livro demonstrou que a reforma padronizada na educação prejudica a capacidade dos professores de lecionar para a sociedade do conhecimento e para além dela. A padronização expande a exclusão educacional. Estratégias diferenciadas de aprimoramento oferecem uma maneira de ir além das falhas da abordagem "tamanho único" da padronização insensível, mas a forma como a diferença está sendo definida tranca a pobreza e o fracasso juntos, dentro de uma linguagem neutra de "subdesenvolvimento" que é politicamente evasiva e enganadora, seja na política escolar, seja na política mundial. Nossa prosperidade depende dos atributos centrais da economia do conhecimento: a criatividade e inventividade, a cooperação, a flexibilidade, a capacidade de aproveitar e desenvolver a inteligência co letiva, de solucionar problemas de desenvolver redes, de lidar com a mudança e o compromisso com a aprendizagem por toda a vida. Logo, nosso futuro significa os professores reconquistarem status e sua dignidade entre os principais intelectuais da sociedade.

Jussara Hoffmann: Avaliar para promover: as setas do caminho

Neste livro, Hoffmann, aponta alguns percursos – para serem percorridos e não somente para serem conhecidos – que possibilitam atitudes educacionais não apenas acordadas com as instituições de ensino do presente, mas com as do futuro também. Ela diz que se avolumam as inquietudes em volta da avaliação educacional porque novos rumos para a educação se fazem necessários e esta realidade acaba por desvelar a caducidade dos atuais processos seletivos das escolas. Reportando-se a autores como Miguel Arroyo, Pedro Demo, Antoni Zabala e Cipriano Luckesi, a autora ressalta a preocupação dos teóricos quanto à necessidade de se superar os aspectos positivistas e classificatórios (estes aspectos descansam na competição, na arbitrariedade, no individualismo) das práticas avaliativas escolares. Para tal superação é fundamental que o professor assuma a tarefa de investigar, esclarecer e organizar as experiências de aprendizagem. Quando o professor atua de maneira reflexiva, esmerando-se por (re) criar escolhas pedagógicas apropriadas, sua docência se destaca positivamente por causa da promoção intelectiva e moral dos discentes, finalidade imprescindível e inevitável. A avaliação deve ser uma iniciativa promotora da facilitação da “evolução da trajetória do educando”. O aprender do aprendiz se dá longitudinalmente (gradativo e complementar). Isso significa que o professor deve se preocupar com uma ação avaliativa que volte o seu olhar para o futuro dos alunos, respeitando, presentemente, os ritmos, os interesses de cada um, buscando, evidentemente, a aquisição, ao máximo, da aprendizagem deles. Um ponto extremamente importante destacado pela autora é o que ressalta o fato de que é o aprendiz quem determina o seu próprio tempo de aprendizagem. Ela afirma que muito embora o planejamento do professor seja uma prática importante, o processo de aprendizagem do discente não obedece rigidamente a caminhos traçados apriorísticamente. A evolução do aprendiz e a edificação de novas representações mentais concernentes a toda a sua vivência no contexto escolar e extra-escolar é uma realidade que se dá de forma perene. Disto, faz-se obrigatório que o docente compreenda que o dar um passo de cada vez é uma gigantesca conquista. Agora, conforme a autora, “cada passo do aluno precisa ser observado em seu sentido próprio: de mobilização, de processo, de formulação de conceitos”. Hoffmann também diz que, estruturalmente, a escola atual não oferece tempo ao aluno para se manifestar, repensar conceitos e reformular hipóteses. Por conta disso, ela diz que o caminho percorrido pelo aluno, marcado por sucessos e obstáculos, é que estabelece o tempo da sua aprendizagem. E mais, ela afirma ser de suma importância acompanhar esse aluno passo a passo diante desse contexto. Sobre as múltiplas dimensões do olhar avaliativo a autora propõe uma reflexão. Ela diz que a vinte anos pergunta aos professores “porque avaliar na escola?”. As respostas que ela tem obtido não são satisfatórias porque os docentes estão à margem da compreensão da real finalidade do processo avaliativo. O destaque que eles dão costuma resumir-se à questão dos registros. Não há um pensar reflexivo sobre as concepções de educação e de sociedade. Outro ponto realçado no livro envolve o saber que a avaliação é um instrumento de controle e que isso não pode escapar ao conhecimento do professor. Pela avaliação educacional estabelece-se o controle da “qualidade da ação da sociedade, do poder público, do professor, do aluno, dos pais…”. Hoffmann também levanta a idéia da finalidade da avaliação sendo observada a partir de uma concepção polarizada: a do controle que cerceia e a do controle que acompanha. Esta última, marcada por um rigor terno e amoroso, ocupa-se em não amputar o crescimento, a experiência e a autonomia dos aprendizes, mas ela é exercitada em favor dos alunos. Ela objetiva auxiliá-los em todo o percurso estudantil identificando-se com as suas dificuldades, dialogando com eles e apontando-lhes diretrizes adequadas. A avaliação que controla acompanhando o sujeito e não o cerceando é notada quando se analisa a maneira como se dá a intervenção pedagógica. A autora afirma que toda incursão pedagógica precisa adequar-se ao processo de construção do aprendiz. Se não há situações pedagógicas que estimulem a superação de desafios e a busca pelo avanço do sujeito, está evidente que se tem à frente um caso de controle avaliativo que está preocupado somente com a sua utilidade burocrática. Dentro do processo avaliativo é essencial a criação de situações educativas que provoquem o aluno intelectualmente com vistas ao seu desenvolvimento. Para que esse crescimento se dê a autora diz que é mais efetiva a prática docente de perguntar do que responder. Também é esperado que isso se dê a partir do aluno para o educador. Na avaliação classificatória (modelo vigente) o comportamento é unilateral onde o professor ensina e depois faz perguntas. Hoffmann diz que avaliar é essencialmente questionar e com isso ela quer dizer que uma prática dialética deve permear a relação entre professor e aluno, a saber, um questionando o outro para construir conceitos que favoreçam o crescimento do aluno, e porque não dizer, do professor também. Na busca da conjugação entre a avaliação e a mediação o professor mediador avaliador deve portar-se de maneira tal que o aluno seja mobilizado para tornar-se um sujeito curioso quanto à possibilidade de aquisição de novos conhecimentos. Também deve ser compromisso do avaliador instigar o aluno à reflexão das representações mentais (as idéias) que estão em construção objetivando uma autonomia crescente do mesmo. Em síntese, para Hoffmann, o educador-avaliador deve desafiar, inquirir, confrontar, exigir constantemente soluções inéditas e melhores. No que tange à dinâmica do processo avaliativo, é dito pela autora que a aprendizagem se concretiza quando o sujeito atua sobre o objeto (pode ser tanto, o professor, bem como o colega ou um texto analisado) e quando ele interage com o meio sociocultural. Esta é uma perspectiva piagetiana e vygotskyana que exalta a mediação e a interação dentro do processo de construção do conhecimento. Cabe ao professor, além de compreender a forma como se dá a aprendizagem, entender que o aluno pode e deve ser o personagem principal da sua caminhada de construção do conhecimento. Um mecanismo que auxilia o docente no ato de franquear ao aluno a oportunidade de ser o agente de edificação de sua própria formação estudantil e que ajuda também o discente nessa ação necessária é a mobilização. A autora, valendo-se de Charlot2, ao usar a palavra mobilização (esta palavra traz a idéia de uma atitude que procede, antes de mais nada, de dentro) ensina que, primeiramente, o que o aluno precisa fazer para ser o sujeito protagonista de seu processo de aprender é mover-se. É claro que para tal movimento do aluno há a necessidade da criação, por parte dos professores, das condições que lhe desperte e encante. Quanto a questão dos registros na avaliação mediadora a autora diz que para os teóricos da avaliação não é mais concebível que se adote registros classificatórios, segregadores, excludentes, para a análise e para o acompanhamento do processo de aprendizagem. Da mesma maneira, eles questionam a simplificação na hora de se interpretar as idéias arquitetadas pelo discente por meio de provas objetivas corrigidas por meio de gabaritos. De acordo com autora, esses instrumentos classificatórios não se harmonizam com a complexidade do conhecimento. Hoffmann mostra-se atenta, também, ao risco que há em se fundamentar o acompanhamento de um aprendiz valendo-se somente do artifício da observação. Pela observação o professor apenas obtém uma visão holística. Segundo ela, é necessário muito mais do que impressões gerais para se acompanhar efetivamente à progressão das aprendizagens. É fundamental que existam anotações, conceitos ou notas. Somente assim os dados obtidos poderão ganhar características de instrumentos de avaliação um aluno. Ela ressalta que na perspectiva da avaliação mediadora não há uma preocupação com critérios exatos e definidos. A autora opõe-se à teoria de alguns teóricos que dizem ser necessário comunicar aos alunos quais os critérios avaliativos serão usados para aquilatar uma determinada tarefa. Para ela, a coerência de argumentos – entre outros – não pode ser adotada como um critério porque o aluno não aprende sobre coerência de argumentos simplesmente porque o professor o anuncia como um critério avaliativo, mas ele irá aprender a dar sentido às suas idéias escritas ou faladas pela ininterrupção de todo labor pedagógico. Em seu entendimento, o instrumento de avaliação serve como um questionamento a espera do imprevisível, do diferente, do novo, da reação de sujeitos diferentes com suas respostas diferentes à uma pergunta comum a todos. Por isso, a rigor, na tarefa avaliativa, segundo a visão mediadora, não existem critérios precisos (re) pensados de antemão.

Délia Lerner: Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário

1. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário O que se põe como necessário para nós é o enfrentamento do real no intuito de formar alunos praticantes da cultura escrita. Para tanto é necessário redimensionar o ensino das práticas de leitura e escrita como práticas sociais. Precisamos formar uma comunidade de leitores e escritores. Para esse redimensionamento é preciso olhar e analisar cinco questões presentes na escola: a) A escolarização das práticas de leitura e escrita e de escrita proporciona problemas intensos; Para trabalhar na escola as práticas sociais reais é necessária uma mudança no processo de democratização do conhecimento e da função implícita de reproduzir a ordem social estabelecida. b) Os fins que se notam na escola ao ler e escrever são diferentes dos que dirigem a leitura e a escrita fora dela – não há função social real; Para uma aprendizagem significativa é necessário aliar os propósitos didáticos e os propósitos comunicativos de ler e escrever. c) A inevitável distribuição dos conteúdos no tempo pode levar a parcelar o objeto de ensino; As práticas de leitura e escrita são totalmente indissociáveis que sobrevivem à divisão e à sequenciação dos conteúdos. d) A necessidade institucional de controlar a aprendizagem leva a pôr em primeiro lugar os aspectos mais compreensíveis da avaliação; e) A maneira como se distribuem os direitos e obrigações entre o professor e os alunos, determina quais são os conhecimentos e estratégias que as crianças têm ou não a oportunidade de exercer e, portanto quais poderão ou não aprender. Como o dever do professor é avaliar, o aluno tem poucas oportunidades de auto controlar o que compreende ao ler e de auto corrigir seus escritos. O possível a fazer é aliar os propósitos da instituição escolar aos propósitos educativos de formar leitores e escritores, criando condições didáticas favoráveis a uma versão escolar mais próxima da versão social dessas práticas. Para esse fim é necessário: a) A elaboração de um projeto curricular; b) Articulação dos objetivos didáticos com objetivos comunicativos, essa articulação pode efetivar-se através de uma modalidade organizativa sabida que são os projetos de produção-interpretação; c) Os projetos orientam as ações para a realização de um objetivo compartilhado. É imprescindível compartilhar a função avaliadora. 2. Para transformar o ensino da leitura e da escrita Para que a escola produza transformações substanciais com o objetivo de tornar as práticas de leitura e escrita significativas: Formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas decifradores do sistema de escrita. Formar seres humanos críticos aptos de ler entrelinhas e de adotar uma posição própria. Formar pessoas desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a leitura oferece, disposta a identificar com o semelhante ou solidarizar-se com o desigual e hábil de admirar a qualidade literária. Orientar ações para constituição de escritores, de pessoas que saibam informar-se por escrito com os demais e com elas mesmas. Atingir produções de língua escrita conscientes da pertinência e da importância de dar certo tipo de mensagem em determinado tipo de posição social. O desafio é que as crianças manejem com eficácia os diversos escritos que circulam na sociedade. Obter que a escrita aceite de ser na escola apenas um objeto de avaliação para se constituir num objeto de ensino. Gerar a descoberta do emprego da escrita como instrumento de raciocínio sobre o próprio pensamento, como recurso para organizar e reorganizar o próprio conhecimento. Resistir à discriminação que a escola age atualmente, não só quando cria fracasso explícito daqueles que não conseguem alfabetizar, como também quando impede aos outros que aparentemente não fracassam de chegar a ser leitores e produtores de textos competentes e independentes. O desafio é combater a discriminação unir esforços para alfabetizar todos os alunos assegurando a apropriação da leitura e escrita como ferramentas essenciais ao progresso cognoscitivo e de crescimento pessoal. É possível mudança na escola? A instituição sofre uma verdadeira tensão entre dois pólos contraditórios: A rotina repetitiva e a moda são obstáculos para a verdadeira mudança. As mudanças acima apontadas só serão possíveis através da capacitação qualitativa dos professores e da instituição escolar. Será preciso estudar os mecanismos ou fenômenos que ocorrem na escola e impedem que todas as crianças se apropriem dessas práticas sociais de leitura e escrita. Acerca do “contrato didático” O contrato didático serve para deixar claro aos professores e alunos suas parcelas de responsabilidades na escola e na relação ensino/aprendizagem. Estabelecer objetivo por ciclo para diminuir a fragmentação do conhecimento; Atribuir maior visibilidade aos objetivos gerais do que aos específicos; Evitar o estabelecimento de uma correspondência termo a termo entre os objetivos e atividades; Ultrapassar o tradicional isolamento entre a “apropriação do sistema de escrita” e “desenvolvimento da leitura e escrita”. Vale lembrar que as mudanças são possíveis se o coletivo escolar assim o fizer. A escola deve se tornar um ambiente de formação da comunidade leitora e escritora. No caso da alfabetização, duas questões são fundamentais: assegurar a formação de leitores e produtores de textos e considerar como eixo de formação o conhecimento didático 3. Apontamentos a partir da perspectiva curricular Os documentos curriculares devem aliar o objeto de ensino com as possibilidades do sujeito de atribuir um sentido pessoal a esse saber. Não devem se caracterizar documentos prescritivos. Os documentos curriculares devem ter como foco a adoção de decisões acerca de conteúdos que devem ser ensinados: importante decidir o que vai se ensinar com vistas no objeto social e com qual hierarquização, isto é, o que é prioritário. O que deve permear essas escolhas são os verdadeiros objetivos da educação: incorporar as crianças à comunidade de leitores e escritores, e formar cidadãos da cultura escrita. Lerner aponta que a leitura não deve ser sem um propósito específico. A leitura e a escrita nascem sempre interpoladas nas relações com as pessoas, supõem intercâmbios entre leitores acerca dos textos: interpretar, indicar, contestar, intercambiar e outros. Esse é o verdadeiro sentido social dessa prática. Os comportamentos do leitor e do escritor são conteúdos e não tarefas, porque são aspectos do que se espera que os alunos aprendam. Comportamento leitor: explanar, recomendar, repartir, confrontar, discutir, antecipar, reler, saltar, identificar, adaptar e outros. Comportamento do escritor: planejar, textualizar, revisar. A escola precisa permitir o acesso aos textos através da leitura em suas diferentes funções. 4. É possível ler na escola? Na escola é necessário trabalhar a leitura com duplo propósito: o propósito didático e o propósito comunicativo. O primeiro propósito corresponde a ensinar certos conteúdos constitutivos da prática social da leitura, com a finalidade de que o aluno possa utilizá-la no futuro, em situações não-didáticas. O segundo propósito é da perspectiva do aluno. Como trabalhar os dois propósitos: Através de projetos que aliam a aprendizagem a uma função real para os alunos. Ler para definir um problema prático; Ler para se informar de um tema interessante; Ler para escrever ou produzir um texto; Ler para buscar informações específicas; Ler para escolher, entre os contos, poemas ou romances. Gestão do tempo, apresentação de conteúdos e organização das atividades É fundamental para o trabalho com essa diferente visão produzir uma transformação qualitativa na utilização do tempo didático. Manejar com flexibilidade a duração das situações didáticas e tornar possível a retomada dos próprios conteúdos em diferentes ocasiões e a partir de perspectivas diversas. As práticas sociais de leitura e escrita tornam-se mais significativas e têm seus objetivos cumpridos ao organizar a rotina dentro das modalidades didáticas: Projetos: apresentam assuntos nos quais a leitura ganha sentido cujos múltipos aspectos se articulam para a elaboração de um produto tangível. Atividades Habituais: repetem-se de forma metódica previsível uma vez por semana ou por quinzena, durante vários meses ou ao longo de todo ano escolar. Sequências de atividades: são dirigidas para se ler com crianças diversos exemplares de um mesmo gênero de gêneros diferentes obras de um mesmo autor ou diferentes textos sobre um mesmo tema; incluem situações de leitura cujo único propósito explícito e compartilhado com as crianças, é ler. Situações independentes: estas se dividem em situações ocasionais e situações de sistematização. Acerca do controle: avaliar a leitura e ensinar a ler A avaliação é fundamental no processo escolar, pois possibilita verificar se os alunos aprenderam o que o professor se propôs ensinar. Para evitar que a pressão da avaliação se torne um obstáculo para a formação de leitores, é obrigatório, por um lado por em primeiro plano os propósitos referentes à aprendizagem de tal modo que não se subordinem ao controle e por outro lado criar modalidades de trabalho em o controle seja responsabilidade do aluno. O professor como um ator no papel de leitor O professor como leitor proficiente é um modelo fundamental para os alunos. É necessário que leia e informe aos alunos tudo que é pertinente à leitura: estratégias eficazes quando a leitura é compartilhada, como delegar a leitura, individual ou coletiva, às crianças, o professor está ensinando a ler. Ele é modelo de leitor das crianças. Neste capítulo a autora conclui: É possível sim ler na escola se: se consegue produzir uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, se se concilia a necessidade de avaliar com as prioridades do ensino e da aprendizagem, se se redistribuem as responsabilidades de professor e alunos em relação à leitura para tornar possível a formação de leitores autônomos, se se desenvolvem na sala de aula e na instituição projetos que dêem sentido à leitura, que promovam o funcionamento da escola como uma microssociedade de leitores e escritores em que participem crianças, pai e professores, então... sim é possível ler na escola. 5. O papel do conhecimento didático na formação do professor A conceitualização da especificidade do conhecimento didático e a reflexão sobre a prática são apontadas pela autora como dois fatores importantes no trabalho de capacitação de professores. O saber didático ainda que se apóie em saberes produzidos por outras ciências, não pode ser deduzido simplesmente deles é também o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre professor e aluno, os alunos e o objeto de ensino, é produto da análise das relações entre ensino e aprendizagem de cada conteúdo específico, é elaborado através da investigação rigorosa do funcionamento das situações didáticas. O registro realizado pelo professor é fundamental para dar vida ao conhecimento didático: quando se torna objeto de reflexão faz da prática do professor uma prática consciente e possível de mudança.

Robert J.; Marzano; Debra J. Pickering; Jane Pollock: Ensino que funciona: estratégias baseadas em evidências para melhorar o desempenho dos alunos

Aplicando a pesquisa ao ensino: é hora de utilizar essa idéia

Os educadores, encontra-se em um ponto especial no tempo. Não porque começaram uma nova década, um novo século ou um novo milênio, mas porque a arte do ensino está rapidamente se tornando a “ciência” do ensino, fenômeno relativamente novo.

Até cerca de 30 anos atrás, o ensino não era estudado de uma maneira científica. Isso não quer dizer que não havia estratégias de ensino eficientes. A partir do início da década de 1970, surgiram pesquisas visando o ensino na aprendizagem do aluno. A década anterior foi marcada pela crença de que a escola faz pouca diferença no desempenho dos alunos. Esta afirmação foi fruto de uma pesquisa denominada Relatório Coleman, publicado em 1966, em que se concluiu que a qualidade do ensino que um aluno recebe é responsável por apenas 10% na variação do desempenho dele. O Relatório aponta que ir para uma escola melhor, em oposição a uma pior vai alterar apenas em 10% para melhor no desempenho do aluno. Essa pesquisa foi corroborada pelo pesquisador de Harvard, Christopher Jencks (1972), destacando que a escola faz pouca diferença. Diz o pesquisador: “A maior parte das diferenças... nas notas dos testes deve-se a fatores que estão fora da alçada das escolas”. Coleman e Jencks apontavam dados sombrios sobre os educadores e a educação. Porém, vendo os dados anos depois de seus apontamentos, chega-se a dois dados otimistas. Primeiro, porque os dados concentravam-se nas porcentagens das diferenças. Segundo, porque os dados mostraram que o professor individualmente pode ter um efeito poderoso em seus alunos, mesmo que a escola não o tenha. Em uma mesma escola, há muita variação na qualidade do ensino de um professor para outro.

A primeira vez em que se chegou a essa conclusão foi na década de 1970, quando os pesquisadores Jere Brophy e Thomas Good (1986) comentaram: “Foi contestado o mito de que os professores não fazem diferença na aprendizagem do aluno”. Mais recentemente, William Sanders e seus colaboradores (1994) declararam que o professor tem efeito maior do que anteriormente se pensava no desempenho do aluno. O estudo concluiu:

1.O fator mais importante que afeta a aprendizagem do aluno é o professor;

2. Uma ampla variação na eficácia dos professores;

3. Mais coisas podem ser feitas para modificar a educação, melhorando a eficácia dos professores do que qualquer outra coisa.

4. Professores eficazes parecem ser eficazes com alunos de todos os níveis de desempenho.

Para preparar este livro, foram analisados estudos de pesquisa selecionados sobre estratégias de ensino, que poderiam ser usadas por professores, em sala de aula, da educação infantil ao ensino médio.

Nesta obra serão apresentadas as nove categorias de estratégias de ensino:

1. Identificar semelhanças e diferenças

Esta categoria é considerada o centro da aprendizagem e pode ser destacada em quatro generalizações:

I - Apresentar aos alunos uma orientação explícita, para a identificação das semelhanças e diferenças, melhora o seu entendimento e sua habilidade para usar o conhecimento;

II - Pedir aos alunos para identificarem, de forma independente, as semelhanças e diferenças melhora sua compreensão sobre estas e sua habilidade para usar o conhecimento;

III - Representar as semelhanças e diferenças, de forma gráfica ou simbólica, melhora o entendimento dos alunos e sua capacidade para usar o conhecimento;

IV - A identificação das semelhanças e diferenças pode ser realizada de várias maneiras. A identificação de semelhanças e diferenças é uma atividade extremamente vigorosa. Quatro diferentes “formas” dessa atividade são extremamente eficazes:

Comparação

Definição: identificação de semelhanças e diferenças entre coisas e idéias.

Essa atividade pode ser dirigida pelo professor, pela qual ele estabelece aos alunos o que e como deve ser feito, com base em parâmetros previamente definidos.

Também pode ser dirigida pelos próprios alunos, que estabelecem as regras de como e o que vai ser comparado. Para ilustrar essas atividades se faz o uso de dois gráficos de fácil visualização:

Criação de metáforas

Definição: identificação de um padrão geral ou básico de um tema específico e, em seguida, de descoberta de um outro tópico que parece ser bastante diferente daquele, mas que tem o mesmo padrão geral.

O fundamental para construir metáforas é entender que os dois itens da metáfora estão conectados por um relacionamento abstrato ou não-literal. Exemplo: “o amor é uma rosa” é uma metáfora. Aparentemente o amor e uma rosa não têm um relacionamento óbvio. Em um nível abstrato, no entanto, eles têm. É apenas no nível abstrato que amor e rosa parecem relacionados. As estratégias de ensino que envolvem metáforas devem sempre lidar com o relacionamento abstrato entre os elementos.

Metáforas dirigidas pelo professor são aquelas em que o professor proporciona o primeiro elemento da metáfora e do relacionamento abstrato. Exemplo: em ciências, a extinção do pássaro Dodô.

II. Algo que vive em um ambiente específico.

II. Essa coisa mudou com o tempo devido a mudanças no seu ambiente que o limitou de alguma maneira.

III. Outra influência surgiu e pôs fim ao que ele precisava para sobreviver e destruiu o local onde ele costumava viver. Devido às suas limitações, não conseguiu mudar para outro lugar.

IV. A coisa não existe mais.

Metáforas dirigidas pelos próprios alunos são aquelas pelas quais lhes é apresentado um elemento de uma metáfora e eles são solicitados a identificar o segundo elemento e descrever o relacionamento abstrato. O exemplo foi relacionar uma célula à nave Enterprise (de Jornada nas Estrelas)

Criação de analogias

Definição: identificação de relacionamento entre pares de conceitos, ou seja, identificar relações entre os relacionamentos.

As analogias nos ajudam a ver como as coisas aparentemente diferentes são semelhantes. Tipicamente as analogias assumem a forma A,B,C,D. Por exemplo: quente, frio, noite, dia - “quente está para frio assim como noite está para dia”.

2. Resumir e fazer anotações

Para resumir, efetivamente, os alunos precisam eliminar algumas informações, substituir algumas e manter outras. Em síntese: 1) eliminar coisas; 2) substituir coisas e 3) manter coisas.

Para isso, os alunos precisam analisar as informações profundamente, e estar conscientes de que a estrutura explícita da informação ajuda no resumo da informação.

Exercício de resumo:

A

O processo fotográfico

A palavra fotografia vem da palavra grega que significa “desenhar com luz”... A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. Quase todas as formas de fotografia são baseadas no fato de que alguns produtos químicos são fotossensíveis – ou seja, eles mudam de alguma maneira quando expostos à luz. Os materiais fotossensíveis são abundantes na natureza; as plantas que fecham suas flores à noite são exemplos. Os filmes usados na fotografia dependem de um número limitado de compostos químicos que escurecem quando expostos à luz. Os compostos mais usados hoje em dia são a prata e substâncias químicas chamadas halógenos (em geral bromo, cloro ou iodo)

B

Macro estrutura do processo fotográfico

A palavra fotografia vem da palavra grega que significa “desenhar com luz”... A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. Quase todas as formas de fotografia são baseadas no fato de que alguns produtos químicos são fotossensíveis – ou seja, eles mudam de alguma maneira quando expostos à luz. Os materiais fotossensíveis são abundantes na natureza; as plantas que fecham suas flores à noite são um exemplo. A fotografia depende de cristais químicos que Os filmes usados na fotografia dependem de um número limitado de compostos químicos que escurecem quando expostos à luz. Os compostos mais usados hoje em dia são a prata e substâncias químicas chamadas halógenos (em geral bromo, cloro ou iodo).

A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. A fotografia depende de cristais químicos que escurecem quando expostos à luz.

A estratégia do resumo deve seguir algumas regras:

- eliminar o material trivial desnecessário ao entendimento.

- eliminar material redundante.

- substituir termos mais abrangentes para termos mais definidos. Ex. “flores” por rosas ou tulipas.

- selecionar uma sentença principal, ou inventar uma, caso não exista no texto.

O professor deve mostrar como se faz um resumo para que seus alunos vejam como é feito. Pode-se trabalhar dentro de qualquer área.

O resumo apresenta estruturas que são aplicações diretas da generalização. Há seis tipos de estruturas de resumo:

I. A estrutura narrativa é encontrada na ficção e contém os seguintes elementos: personagens, ambiente, evento inicial, resposta interna, objetivo, conseqüência e resolução.

II. A estrutura tema-restrição-ilustração: encontrado em material expositivo e contém os seguintes elementos: Tema (T), Restrição (R) e Ilustração (I). O padrão T-R-I pode ter várias restrições e ilustrações adicionais.

III. A estrutura da definição: o propósito é descrever um conceito particular e identificar conceitos subordinados. Contém os seguintes elementos: Termo – o tema a ser definido,

Conjunto – a categoria a qual o termo pertence, características gerais e diferenças minúsculas – que estão imediatamente abaixo do termo.

IV. A estrutura da argumentação: contém informações destinadas a apoiar uma declaração. Elas contêm a evidência - informação que conduz a uma declaração; a declaração - a afirmação de que algo é verdade; apoio – exemplos e explicações e qualificador – uma restrição à declaração ou à evidência para a declaração;

V. A estrutura do problema e da solução: introduzem um problema e depois identificam uma ou mais soluções. Contém o problema – declaração que algo aconteceu; solução – uma solução possível; outra solução possível, uma terceira solução possível e a solução com maior chance de sucesso.

VI. A estrutura da conversa: intercâmbio verbal entre duas ou mais pessoas.

Elementos: Saudação – encontro após algum tempo; inquirição – pergunta sobre um tema geral ou específico e discussão – análise do tema.

O ensino recíproco também é uma estratégia interessante e disponível para os professores. Envolve quatro componentes:

a- Resumo: após leitura silenciosa, pedir para um aluno resumir o que foi lido e os demais podem fazer adições ao resumo e o professor pode indicar sugestões que ajudem na construção de bons resumos.

b- Questionamento: perguntas são feitas pelos alunos para identificar informações importantes no texto.

c- Esclarecimento: dos pontos confusos do texto.

d- Previsão: sobre o que vai acontecer durante a leitura do texto.

Fazer anotações está intimamente relacionado a resumir.

Generalizações que podem ser usadas para orientar sobre fazer anotações.

- Anotar palavra por palavra é a maneira menos eficiente de fazer anotações;

- As anotações devem ser consideradas trabalho em andamento;

- As anotações devem ser usadas como guia de estudo para testes;

- Quanto mais anotações são feitas, melhor é o desempenho do aluno.

A prática de fazer anotações em sala de aula pelo professor dá aos alunos uma clara

noção do que o professor considera importante e proporciona aos alunos um modelo de como fazer anotações.

Não há uma forma definida de fazer anotações. A mais comum é o esboço informal que é anotado nas margens do papel onde está o texto. A estratégia do entrelaçamento

consiste em fazer anotações em círculos de diferentes tamanhos para indicar a importância das idéias e das linhas para indicar relacionamentos. As idéias mais importantes estão nos círculos maiores e assim por diante do maior para o menor.

3. Reforçar o esforço e proporcionar reconhecimento

Esse conjunto de estratégias trata das atitudes e das crenças dos alunos.

Está subdividida em duas partes: reforçar o esforço e proporcionar reconhecimento.

Reforçar o esforço

A maioria das pessoas atribui alguns fenômenos ao sucesso: 1) capacidade; 2) esforço; 3) outras pessoas e 4) sorte.

Pesquisa sobre esse tema concluiu:

- Nem todos os alunos entendem a importância de acreditar no esforço. Daí a necessidade de exemplificar a crença no esforço;

- Os alunos podem aprender a mudar suas crenças para uma ênfase no esforço, partindo do princípio de que o esforço vai melhorar seu desempenho. Há uma relação importante entre esforço e desempenho, e que isso pode ser medido por meio de uma tabela criada

a partir dos dias da semana em que o aluno realizou, ou deixou de realizar, atividades, atribuindo ao esforço e ao desempenho um valor que pode variar de 0 a 100. Os testes realizados utilizando essa estratégia motivaram os alunos.

Proporcionar reconhecimento

Com uma das categorias pode ser a mais mal compreendida de todas. Pode ser chamada de “elogio” ou “recompensa”. Pesquisa realizada concluiu:

I - As recompensas não têm necessariamente um efeito negativo sobre a motivação intrínseca, depende das circunstâncias e da forma como se conduz a motivação.

II - A recompensa é mais eficaz quando depende de se atingir algum padrão de desempenho. Premiar um aluno pelo simples fato de ter feito uma atividade não melhora sua motivação intrínseca.

III. O reconhecimento simbólico abstrato é mais eficaz do que recompensas tangíveis.

Quanto mais abstratas e simbólicas forem as recompensas, maior será sua eficácia.

O reconhecimento deve ser personalizado, abstrato e concreto, dependendo da circunstância e da ocasião em que o trabalho está sendo ou foi realizado com sucesso.

4. Lição de casa e prática

Prática bastante comum e de largo conhecimento dos professores e que proporciona oportunidade de aprofundar seu entendimento e as habilidades relativas ao conteúdo apresentado. Quatro generalizações podem guiar os professores no uso da lição de casa:

I. A quantidade de lição de casa designada aos alunos, dos diferentes níveis do ensino fundamental e do ensino médio, deve ser diferente. Nas séries iniciais, o desempenho dos alunos é menor em relação aos alunos de ensino médio.

II. O envolvimento dos pais na lição de casa deve ser mantido no mínimo possível. Os pais não devem “facilitar” a lição de casa.

III. O propósito da lição de casa deve ser identificado e articulado. Dois propósitos são comuns:

- prática: quando tem por finalidade treinar uma atividade com a qual o aluno já tenha familiaridade;

- preparação ou elaboração: preparar o aluno para um novo conteúdo que será oportunamente apresentado e trabalhado.

IV. Se a lição de casa foi designada, ela deve ser comentada; deve ser medida em conceitos e anotada pelo professor. O grau de desempenho dos alunos aumenta nesta proporção. É baixa quando não comentada, alta quando lhe é dada uma nota, e é muito alta quando é comentada por escrito pelo professor.

O professor deve estabelecer uma política de comunicação de lição de casa para evitar tensão entre pais, alunos e professores. Deve também planejar lições de casa que articulem claramente o propósito e o resultado. Deve também variar as abordagens para

Da pesquisa e teoria relacionadas à prática foram extraídas duas generalizações:

I - Dominar uma habilidade requer uma boa quantidade de prática específica.

5. Representações não-linguísticas

Quanto mais usamos os dois sistemas de representação, mais somos capazes de pensar sobre e lembrar o conhecimento.

Duas generalizações ajudam o professor na sala de aula:

- Várias atividades produzem representações não-linguísticas: criar representações gráficas, fazer modelos físicos, gerar imagens mentais, fazer desenhos e pictografias e envolver-se em atividade sinestésica.

- As representações não-linguísticas devem elaborar sobre o conhecimento.

Criação de organizadores gráficos nos ajudam a compreender melhor esta estratégia de ensino.

6. Aprendizagem cooperativa

Cinco elementos definem a aprendizagem cooperativa:

- Interdependência positiva, a sensação de trabalho coletivo;

- Interação estimuladora face a face, quando ajuda e aplaude o sucesso;

- Responsabilidade individual e de grupo, a contribuição individual no sentido de melhorar o grupo.

- habilidades interpessoais e de pequeno grupo, comunicação, confiança, liderança, tomada de decisão e resolução de conflitos;

- Processamento em grupo, refletir sobre a competência e a possibilidade de melhorar;

Três generalizações para guiar o uso da aprendizagem cooperativa:

I- O organização de grupos com base nos níveis de competência deve ser feita com moderação por conta da homogeneidade ou da heterogeneidade que se reflete no desempenho individual e no do grupo;

II- Os grupos cooperativos devem ser mantidos em grupos pequenos, pois se revelaram mais eficazes.

III- Aprendizagem cooperativa deve ser aplicada consistente e sistematicamente, porém sem excesso.

Os grupos para aprendizagem cooperativa podem ser organizados por vários critérios: idade, habilidade, interesse, cores das roupas etc.

Os grupos podem ser informais, quando a formação dele é por pouco tempo; formal, quando são formados para durar mais tempo (uma semana, um mês etc.), e os grupos de base, quando são formados para um tempo bem maior (um semestre, um ano, a duração do curso etc.).

Os grupos podem ser manejados de acordo com a necessidade do trabalho a ser realizado a critério do professor. Pode também ser combinado com outras estratégias de ensino para evitar o excesso.

7. Estabelecer objetivos e fornecer feedback

O estabelecimento de objetivos é o processo de apontar uma direção para a aprendizagem a curto, médio e longo prazo. Os objetivos apresentam três generalizações importantes:

I- Os objetivos do ensino estreitam o foco dos alunos, pois induzem-no a focar no objetivo e deixar informações relacionadas de fora do processo;

II- Os objetivos do ensino não devem ser demasiadamente específicos, uma vez que seu formato não ajuda na condução das atividades relacionadas de uma atividade. Os objetivos devem ser elaborados num formato mais geral.

III- Os alunos devem ser encorajados a personalizar os objetivos do professor, dando um caráter pessoal a ele. Estudos têm demonstrado resultados positivos no desempenho dos alunos quando eles personalizam seus objetivos.

É importante estabelecer objetivos para os alunos, porém estes devem ser gerais o suficiente para proporcionar flexibilidade.

Quanto ao feedback, é o melhor meio de perceber o desempenho dos alunos e pesquisas apontam algumas generalizações para guiar seu uso:

I- O feedback de ser “corretivo” em sua natureza, isto é, deve proporcionar ao aluno uma explicação do que se está fazendo é correto ou não é correto;

II- O feedback deve ser oportuno, ou seja, o momento do feedback é fundamental para sua eficácia. O feedback, dado logo após uma atividade, é mais eficaz no desempenho do aluno do que dado após um tempo maior;

III- O feedback deve ser específico a um critério, isto é, deve ser referenciado pelo critério, com um nível específico de habilidade ou de conhecimento;

IV- Os alunos podem proporcionar, efetivamente, parte do seu próprio feedback monitorando seu próprio desempenho pelo acompanhamento enquanto ocorre a aprendizagem.

O feedback pode ser realizado através de roteiros genéricos que proporcionam formas de se prover uma resposta para determinada habilidade ou conhecimento.

8. Gerar e testar hipóteses

Por definição, o processo de gerar e testar hipóteses envolve a aplicação de conhecimento. É algo que fazemos muito naturalmente em muitas situações. Duas generalizações podem ajudar a guiar o uso da geração e o teste de hipóteses em sala de aula:

I- A geração e o teste de hipóteses podem ser abordados de uma maneira mais indutiva ou dedutiva. O pensamento dedutivo é o processo de uso de uma regra geral para fazer uma previsão sobre uma ação ou evento futuro. Já o pensamento indutivo é o processo de extrair novas conclusões baseadas em informações que conhecemos ou que nos são apresentadas. Pesquisas indicam o pensamento dedutivo como de maior uso.

II- Os professores devem pedir aos alunos para explicar claramente suas hipóteses e conclusões. Pesquisas indicam que pedir aos alunos que explicitem seus pensamentos,

de preferência em relatórios escritos, ajuda na compreensão do que estão fazendo ou pensando.

Os processos de gerar e testar hipóteses podem ser usados em todas as disciplinas.

As seis tarefas a seguir empregam a testagem de hipóteses:

I- Análise de sistemas (econômico, de transportes etc.):

Estrutura para análise:

1) O propósito do sistema;

2) Descrever como as partes afetam uma a outra;

3) Identificar uma parte do sistema, descrever uma mudança nessa parte e formular hipótese do que aconteceria como resultado dessa mudança.

4) Quando possível, testar sua hipótese.

II- Resolução de problemas:

Por definição, problemas envolvem obstáculos e restrições.

Estrutura para análise:

1) Identificar o objetivo que está se tentando atingir;

2) Descrever as barreiras ou restrições que estão impedindo de atingir seu objetivo;

3) Identificar diferentes soluções para superar as barreiras ou restrições e formular a hipótese de qual solução tem maior probabilidade de funcionar;

4) Experimentar uma solução – real ou através de uma simulação;

5) Explicar se sua hipótese estava correta ou testar outra hipótese usando uma solução diferente.

III- Investigação histórica:

Construção de eventos plausíveis para eventos do passado.

Estrutura para análise:

1) Descrever claramente o evento histórico a ser examinado;

2) Identificar o que é conhecido ou acordado a respeito e o que não é conhecido ou não há desacordo;

3) Apresentar um critério hipotético;

4) Buscar e analisar evidências para determinar se seu cenário hipotético é plausível.

IV- Invenção:

Geralmente para essa modalidade se exigem muitas testagens de hipóteses.

Estrutura:

1) Descrever uma situação ou necessidade que se quer satisfazer;

2) Identificar padrões específicos para a invenção que melhorem a situação ou satisfaçam a necessidade;

3) Pensar em uma série de idéias e formular hipóteses sobre a probabilidade de que elas funcionem;

4) Quando sua hipótese sugerir que uma idéia específica pode funcionar, crie a invenção;

5) Desenvolver sua invenção até o ponto de poder testar sua hipótese;

6) Reveja sua invenção até que ela atinja os padrões que você estabeleceu.

V- Investigação experimental:

Pode ser usada em todas as disciplinas.

Estratégia geral:

1) Observar algo de seu interesse e descrever o que observa;

2) Aplicar teorias e regras para explicar o que você observou;

3) Gerar uma hipótese para prever o que aconteceria se você aplicasse as teorias ou regras ao que você observou ou a uma situação relacionada com o que você observou;

4) Determine um experimento ou se envolva numa atividade para testar sua hipótese;

5) Explicar os resultados da sua experiência ou atividade. Decidir se sua hipótese estava correta e se você precisa conduzir experiências ou atividades adicionais ou se precisa gerar e testar uma hipótese alternativa.

VI- Tomada de decisão:

Ajuda na seleção do que tem de mais ou de menos de algo ou qual é o melhor ou pior exemplo de alguma coisa. Requer reflexão e uso de conhecimentos relacionados ao assunto exposto.

Estrutura:

1) Descrever a decisão e as alternativas que está considerando;

2) Identificar os critérios e a importância deles através de uma escala de valores (de 1 a 4; de 10 a 100 etc.).

3) Avaliar cada alternativa para indicar a satisfação de cada uma delas;

4) Para cada alternativa atribuir uma pontuação;

5) Determinar a alternativa de pontuação mais elevada;

6. Determinar se é necessário mudar as pontuações, acrescentar ou tirar algum critério.

Certifique-se de que seus alunos podem explicar suas hipóteses e suas conclusões.

Para isso o professor pode ajudar em vários aspectos:

- gabaritos para relato de trabalho;

- escrever inícios de frases, especialmente para os alunos menores;

- pedir registro de áudio ou vídeo em que explicam suas hipóteses e conclusões;

- desenvolver roteiros para que saibam os critérios pelos quais serão avaliados;

- proporcionar eventos para que os pais e a comunidade peçam aos alunos para que expliquem seu pensamento.

9. Pistas, perguntas e organizadores avançados

As pistas e perguntas são maneiras de um professor ajudar os alunos a usar o que já sabem sobre um tema. As pistas envolvem “dicas” sobre o que os alunos estão prestes a experimentar. As perguntas desempenham mais ou menos a mesma função. Dar pistas e questionar está no centro do trabalho em sala de aula. Quatro generalizações ajudam o professor no uso de pistas e perguntas:

1) As pistas e perguntas devem se concentrar no que é importante, em oposição ao que é incomum. O que mais interessa são as perguntas fundamentais para o entendimento de determinado tema;

2) Perguntas de “nível superior” produzem uma aprendizagem mais profunda do que perguntas de “nível inferior”.

3) “Esperar” um pouco antes de aceitar as respostas dos alunos tem o efeito de aumentar a profundidade de suas respostas. O “tempo de espera” é fundamental para uma boa aprendizagem, pois permite maior interação entre os alunos e mais elocução na sua exposição.

4) As perguntas são instrumentos de aprendizagem eficientes quando formuladas

antes de uma experiência de aprendizagem, pois ajudam na estrutura mental com que os alunos processam a experiência da aprendizagem.

As pistas são maneiras diretas de ativar o conhecimento prévio. São denominadas pistas explícitas porque vão direto ao tema que está sendo ou foi tratado.

As perguntas, por sua vez, são:

- as que suscitam inferências, isto é aquelas que irão ajudar no sentido de “completar”

as informações que estão faltando (coisas, pessoas, eventos, condições de vida e outras formas);

- perguntas analíticas, requerem análise e crítica das informações que lhe são apresentadas.

Para isso, convém ter uma lista de habilidades analíticas que são:

I- Analisando erros – identificar e articular erros na lógica das informações;

II- Construindo apoio – construir um sistema de apoio ou prova para uma afirmação;

III- Analisando perspectivas – identificar e articular perspectivas pessoais sobre as questões

Outra forma de ajudar os alunos a usar seu conhecimento prévio para aprender novas informações são os organizadores avançados que são, por definição, materiais introdutórios, adequadamente relevantes, apresentados antes da aprendizagem, destinados a suprir uma lacuna entre o que o aprendiz já sabe e o que ele precisa saber antes de aprender com sucesso.

As generalizações que se aplicam em pistas e perguntas, também se aplicam nos organizadores avançados. Assim temos:

1) As pistas e perguntas devem se concentrar no que é importante, em oposição ao que é incomum. O que mais interessa são as perguntas fundamentais para o entendimento de determinado tema;

2) Perguntas de “nível superior” produzem uma aprendizagem mais profunda do que perguntas de “nível inferior”.

3) Os organizadores avançados são mais úteis com informação que não está bem organizada;

4) Diferentes tipos de organizadores avançados produzem resultados distintos.

Há quatro tipos gerais de organizadores avançados:

- Organizadores avançados expositivos, são aqueles que simplesmente descrevem o novo conteúdo ao qual os alunos serão expostos.

- Organizadores avançados narrativos, são aqueles que apresentam informações aos alunos na forma de histórias;

- Skimming como uma forma de organizador avança –

“Skim” em inglês é deslizar à superfície, desnatar (daí skimmed milk = leite desnatado), passar os olhos por. A técnica de “skimming” nos leva a ler um texto superficialmente. Utilizar esta técnica significa que precisamos ler cada sentença, mas sim passarmos os olhos por sobre o texto, lendo algumas frases aqui e ali, procurando reconhecer certas palavras e expressões que sirvam como ‘dicas’ na obtenção de informações sobre o texto. Às vezes não é necessário ler o texto em detalhes.

- Organizadores avançados gráficos. Representação não-linguística também utilizada como organizadores avançados

Aplicações específicas

Ensinando tipos específicos de conhecimento

Sobre termos e expressões do vocabulário é forte o seu relacionamento com a inteligência, com a capacidade de compreender novas informações e o nível de renda.

Pode-se dizer que o ensino sistemático do vocabulário é aspecto fundamental do ensino em praticamente toda a escola.

As generalizações que seguem podem ser usadas para orientar o ensino:

1) Para aprender as palavras, os alunos devem encontrá-las mais de uma vez no contexto;

2) O ensino de novas palavras melhora a aprendizagem dessas palavras no contexto;

3) Uma das melhores maneiras de aprender uma palavra nova é associá-la a uma imagem.

4) O ensino direto do vocabulário funciona.

5) O ensino direto de palavras que são fundamentais para um novo conteúdo produz um ensino mais eficaz.

Um processo para ensinar novos termos e expressões:

Passo 1 – Dar aos alunos uma breve explicação ou descrição do novo termo ou expressão;

Passo 2 – Apresentar aos alunos uma representação não-linguística do novo termo ou expressão;

Passo 3 - Pedir aos alunos para gerarem suas próprias explicações ou descrições do termo ou expressão;

Passo 4 – Pedir aos alunos para criarem suas próprias representações não linguísticas do termo ou expressão;

Passo 5 – Pedir periodicamente aos alunos que revejam a precisão de suas explicações e representações.

Outro tipo específico de conhecimento são os detalhes. Duas generalizações podem ser usadas pelos professores:

I- Os alunos devem ter exposições sistemáticas e múltiplas aos detalhes;

II- Os detalhes são extremamente sensíveis ao ensino dramático.

Os alunos devem ser expostos a exposições múltiplas em tempo relativamente curto e também à representação dramática de detalhes fundamentais. Essa técnica deve ser planejada pelo professor e se espera um bom resultado no desempenho do aluno.

As organizações das ideias, juntamente com as generalizações e os princípios, são o tipo mais geral de conhecimento declarativo.

Duas generalizações podem ajudar no ensino da organização de ideias:

I- Inicialmente, os alunos em geral têm concepções equivocadas sobre a organização de ideias.

II - Devem ser dadas oportunidades aos alunos para aplicarem a organização de ideias.

Quanto às habilidades, elas aparecem de duas formas diferentes:

- Táticas: regras gerais que governam um fluxo geral de execução;

- Algoritmos: habilidades mentais que têm resultados e passos específicos.

Generalizações que ajudam a orientar o ensino de habilidades:

I- É difícil alcançar as habilidades por meio da aprendizagem pela descoberta;

II- Quando os professores usam a aprendizagem pela descoberta, eles devem organizar os exemplos em categorias que representem as diferentes abordagens da habilidade.

III- As habilidades são mais úteis quando aprendidas até o nível da automacidade.

Quanto aos processos, que são semelhantes às habilidades, duas generalizações que os professores podem usar para orientar o ensino com processos:

I- Os alunos devem praticar as partes de um processo no contexto do processo geral;

II- Os professores devem enfatizar o controle metacognitivo dos processos, ou seja, o aluno deve ter dominado as habilidades e ter controle das interações entre os elementos.

Philippe Perrenoud: Dez novas competências para ensinar

Competências e habilidades necessárias para o exercício docente nos anos iniciais do ensino fundamental O que são habilidades? São as capacidades técnicas para realizar determinadas tarefas, desenvolvidas a partir da teoria e prática. Exemplo: dirigir um automóvel. O que são competências? Jargão popular: competência = capacidade Empresa: competência = uma pessoa que não entrega o que se espera Jargão jurídico: competência = atribuição Conceito de competência “Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”. 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem Conhecer os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem; Trabalhar a partir das representações dos alunos; Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem; Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas; Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento. 2. Administrar a progressão das aprendizagens Conceber e administrar situações problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos; Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino; Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem; Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa; Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão. 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma; Abrir, ampliar a gestão de aula para um espaço mais vasto; Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades; Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo. 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de auto-avaliarão; Instituir um conselho de alunos e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos; Oferecer atividades opcionais de formação; Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno. 5. Trabalhar em equipe Elaborar um projeto em equipe, representações comuns; Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões; Formar e renovar uma equipe pedagógica; Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais; Administrar crises ou conflitos interpessoais. 6. Participar na administração da escola Elaborar, negociar um projeto da instituição; Administrar os recursos da escola; Coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros; Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos. 7. Informar e envolver os pais Dirigir reuniões de informação e de debate; Fazer entrevistas; Envolver os pais na construção dos saberes. 8. Utilizar novas tecnologias Utilizar editores de texto; Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos de ensino; Comunicar à distância por email; Utilizar as ferramentas multimídia no ensino. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão Prevenir a violência na escola e fora dela; Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais; Participar da criação de regras da vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta; Analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula. 10. Administrar a sua própria formação continuada Saber explicitar as próprias práticas; Estabelecer o seu próprio balanço de competências e o seu programa de formação; Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede); Envolver-se em tarefas numa escala mais ampla ou ao nível do Sistema Educativo; Acolher a formação dos colegas e participar dela.

Terezinha Azerêdo Rios: Compreender e ensinar: Por uma docência da melhor qualidade

A autora apresenta neste livro, sua tese de doutorado defendida em agosto de 2000 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo apreciada por Selma Garrido Pimenta, (sua orientadora), Mário Sergio Cortella e José Carlos Libâneo. Ensinar é o enfoque do livro, que a autora faz com muita propriedade, uma vez que " fazer aulas " e "ensinar" é a sua alegria. Fala de seus limites, o "largar tudo", mas retorna com esperança refletindo sua prática numa mistura de razão e paixão, é uma reflexão que empreende uma busca de compreensão da realidade através da Filosofia e da Didática, chamada de ciência do ensino. Compreender e ensinar no mundo contemporâneo - É a articulação entre Filosofia e Didática - saberes que contribuem para a construção contínua da competência do professor. Filosofia - é a reflexão e a compreensão da atuação dos seres humanos no mundo. Didática - é a preocupação com o ensino, a socialização, criação e recriação. Tanto a Filosofia como a Didática são saberes humanos historicamente situados e é preciso verificar as características do contexto, nos quais eles desempenham suas funções e quais as alternativas para que estes sujeitos possam "fazer acontecer". A responsabilidade pelo ensino está dispersa, mas há uma grande preocupação com ele e pode-se constatar que as demandas colocadas à Filosofia ainda são muito grandes. Assim sendo, encontra-se no campo da educação a perspectiva de uma ressignificação da ciência do ensinar. Nosso mundo, nosso tempo - precariedade e urgências – É necessário refletir sobre os possíveis caminhos através da Filosofia e da Didática Na passagem do novo milênio, do novo século, o que se afirma é que se enfrenta uma crise de significados da vida humana, das relações entre as pessoas, instituições e comunidades. A crise aponta para duas perspectivas - perigo e oportunidades. Quando consideramos o perigo, estamos envolvidos por uma atitude negativa, ignorando as alternativas de superação, e quando considera-se a perspectiva de oportunidade, estamos à mercê da crítica, da reflexão e a da reorientação da prática. Este mundo, definido como pós- moderno, tem a referência de uma modernidade antecedente. A modernidade caracterizou-se como um período em que a razão é como um elemento explicador e transformador do mundo. Ser moderno implicava em lançar-se à aventura da razão instrumental, tecnológica. Do ponto de vista político-econômico instalou-se o modelo liberal, a defesa do livre mercado, o incentivo à especialização, a discussão sobre os ideais de liberdade e igualdade. Globalização - fenômeno da expansão de inter-relações, principalmente de natureza econômica, em uma escala mundial, entre países e sociedades de todo o mundo, reflete o progresso tecnológico e o crescimento da pobreza em todas as regiões do mundo. É a convivência com a exclusão social. É um mundo desencantado que despreza alguns valores fundamentais na construção do mundo e do ser humano. Neste mundo complexo, também se tornam mais complexas as tarefas dos educadores. E neste contexto, qual será a atitude a se tomar no campo do trabalho docente, na perspectiva da educação e da filosofia? A autora ressalta algumas demandas que se configuram como desafios: * um mundo fragmentado exige para a superação da fragmentação, uma visão de totalidade, um olhar abrangente e, no que diz respeito ao ensino, a articulação estreita dos saberes e capacidades; * um mundo globalizado requer, para evitar a massificação e a homogeneidade redutora, o esforço de distinguir, para unir a percepção clara de diferenças e desigualdades e, no que diz respeito ao ensino, o reconhecimento de que é necessário um trabalho interdisciplinar que só ganhará sentido se partir de uma efetiva disciplinaridade; * num mundo em que se defronta a afirmação de uma razão instrumental e a de um irracionalismo é preciso encontrar o equilíbrio, fazendo a recuperação do significado da razão articulada ao sentimento e, no que diz respeito ao ensino, à reapropriação do afeto no espaço pedagógico. * Compreender o mundo - Através da Filosofia faz-se uma reflexão e objetiva-se um saber inteiro com clareza, abrangência e profundidade, orienta-se num esforço de compreensão que é o desvelamento da significação, o valor dos objetos sobre os quais se volta. Conceito de compreensão - uma referência a uma dimensão intelectual e a uma dimensão afetiva Faz-se necessária também uma atitude de admiração diante do conhecido. Aristóteles afirmava que a admiração é o primeiro estímulo que o ser humano tem para filosofar. Na prática, o que fascina e intriga? A resposta está na vivência das situações-limite, ou situações problemáticas. Quando se faz uma reflexão sobre o próprio trabalho, questiona-se a sua validade, o seu significado. As respostas são encontradas em dois espaços: na prática - na experiência cotidiana; na reflexão crítica - sobre os problemas que esta prática faz surgir como desafios. Ensinar o mundo Etimologicamente; didática em grego didaktika, derivado do verbo didasko - significado "relativo ao ensino". Para Coménio em "a arte de ensinar", a definição de Didática engloba duas perspectivas: uma ciência que tem um objeto próprio, como um saber, um ramo do conhecimento, e uma disciplina que compõe a grade curricular dos cursos de formação de professores. O ensino como objeto da Didática, é considerado como uma prática social que se dá no interior de um processo de educação e que ocorre informalmente, seja espontânea, ou formalmente, de maneira sistemática, intencional e organizada. De maneira organizada, se desenvolve na instituição escolar realizado a partir da definição de objetivos, conteúdos a serem explorados no processo educacional. A relação professor-aluno, por intermédio do gesto de ensinar, propicia um exercício de meditação, é o encontro com a realidade, considerando o saber já existente, e procura articular a novos saberes. Este processo possibilita aos alunos a formação e o desenvolvimento de capacidades, habilidades cognitivas e operativas. Logo, o ensino através da ação específica do docente caracteriza-se como uma ação que se articula à aprendizagem. Diante desta apresentação, a autora faz um alerta reflexivo na seguinte frase: "O professor afirma que ensinou e que infelizmente os alunos não aprenderam". A Didática é um elemento fundamental para o desenvolvimento do trabalho docente. "Um bom professor é reconhecido pela sua didática". Esse conceito é identificado como um "saber fazer". A Didática deve ser entendida em seu caráter prático de contribuição ao desenvolvimento do trabalho de ensino, realizado no dia- a- dia da escola. Didática e Filosofia da Educação: uma interlocução Na música de Gilberto Gil "Hoje o mundo é muito grande, porque a Terra é pequena" e no Vasto mundo de Drumond de Andrade. O mundo cuja extensão se torna maior em função da intervenção contínua dos seres humanos, construindo e modificando a cultura e a história. Como ser professor neste mundo? O que é ensinar? Como e de que modo os alunos aprendem? A fragmentação do conhecimento, da comunicação e das relações comprometem a prática educativa. Portanto, é preciso um novo olhar e uma articulação estreita de saberes e capacidades para que a Filosofia da Educação abranja o processo educativo em todos os aspectos. A Didática necessita dialogar com a diversidade dos saberes da docência, enfrentar os desafios e buscar alternativas para pensar e repensar o ensino. Este contexto implica a revisão de conteúdos, de métodos, do processo de avaliação, novas propostas e novas organizações curriculares. Ensinar - Muitas questões se apropriam da prática docente, com o objetivo de estabelecer vínculos entre o conhecimento e a formação cultural, o desenvolvimento de hábitos, atitudes e valores. A autora ressalta com base em Selma G. Pimenta em "O estágio na formação de professores"- 1994, que são necessárias novas questões para um novo cenário educacional e para o novo milênio. O fenômeno da globalização é uma percepção clara das diferenças e especificidades dos saberes, e das práticas para realizar um trabalho coletivo e interdisciplinar. Interdisciplina - ressalta "mistura de trabalhos" que é a maneira equivocada em que ocorre a interdisciplinaridade, em torno de um tema. Na verdade, a interdisciplinaridade é algo mais complexo, que só ocorre quando trata verdadeiramente de um diálogo ou de uma parceria, que é constituída exatamente na diferença, na especificidade da ação de grupos ou indivíduos que querem alcançar objetivos comuns. É preciso ter muita clareza do tipo de contribuição que cada grupo pode trazer, na especificidade desta contribuição, que é a disciplinaridade. Competência e qualidade na docência É uma reflexão sobre a articulação dos conceitos de competência e de qualidade no espaço da profissão docente. Estes termos são empregados com múltiplas significações, gerando equívocos e contradições. A idéia de ensino competente é um ensino de boa qualidade. É fazer a conexão estreita entre as dimensões: técnica, política, ética e estética da atividade docente. Trata-se de refletir sobre os saberes que se encontram em relação à formação e à prática dos professores. O conceito de qualidade é abrangente, é multidimensional. Na análise crítica da qualidade, devem ser considerados os aspectos que possam articular a ordem técnica e pedagógica aos de caráter político - ideológico. A reflexão sobre os conceitos de competência e qualidade têm o propósito de ir em busca de uma significação que se alterou exatamente em virtude de certas imposições ideológicas. Em busca da significação dos conceitos: o recurso à lógica A lógica formal permite analisar os conceitos em sua própria constituição. Para Aristóteles, a lógica foi chamada de organon, necessária em todos os campos do conhecimento. A compreensão dos termos tem sofrido modificações em virtude das características dos contextos em que são utilizados. Assim, o termo Competência, freqüentemente é usado para designar múltiplos conceitos como: capacidade, saber, habilidade, conjunto de habilidades, especificidade. Portanto, no que se refere à Qualidade observa-se: programa de computadores, qualidade de um atleta, o controle de qualidade de produtos industriais. O que realmente é importante não são as palavras, os termos, e sim os objetos da realidade que eles designam. No que diz respeito à educação de qualidade refere-se à história da educação brasileira. Recentemente, menciona-se com freqüência a necessidade de competência no trabalho do educador. Qualidade ou qualidades? Há uma multiplicidade de significados: educação de qualidade está se referindo a uma série de atributos que teria essa educação, ou seja, um conjunto de atributos que caracteriza a boa educação. Usando a palavra Qualidade com a maiúscula, é na verdade um conjunto de "qualidades". Conforme a citação da autora, para Aristóteles, "a qualidade é uma das categorias que se encontram em todos os seres e indicam o que eles são ou como estão. As categorias são: substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, ação, paixão, posição e estado". São breves referências no que diz respeito à noção de qualidade, e pode-se trabalhar no campo da educação. A educação é um processo de socialização da cultura, no qual se constroem, se mantêm e se transformam os conhecimentos e os valores. A esta definição chama-se categoria da "substância". Se este processo de socialização se faz com a imposição de conhecimentos e valores, ignorando as características dos educandos, diremos que é uma má educação. Toda educação tem qualidades. A boa educação pela qual desejamos e lutamos, é uma educação cujas qualidades carregam um valor positivo. Competência ou competências? Como se abriga qualidade no conceito de competência? O termo é recente e passa a ser uma referência constante. Perrenoud reconhece que "a noção de competência tem múltiplos sentidos" e segundo sua afirmação: (...) uma competência como uma capacidade de agir eficazmente em um tipo definido de situação, capacidade que se apóia em conhecimentos, mas não se reduz a eles. Para enfrentar da melhor maneira possível uma situação, devemos em geral colocar em jogo e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais os conhecimentos. As competências utilizam, integram, mobilizam conhecimentos para enfrentar um conjunto de situações complexas. "Como guia, um referencial de competências adotado em Genebra - 1996 para a formação contínua", (lista das 10 competências): 1 - Organizar e dirigir situações de aprendizagem; 2 - Administrar a progressão das aprendizagens; 3 - Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4 - Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; 5 - Trabalhar em equipe; 6 - Participar da administração da escola; 7 - Informar e envolver os pais; 8 - Utilizar novas tecnologias; 9 - Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão; 10- Administrar sua própria formação contínua. Com referência às 10 competências de Perrenoud, a autora ressalta: "competências são as capacidades que se apóiam em conhecimentos", é usado como sinônimo de outros termos como: capacidade, conhecimento, saber. Apresenta também, quatro tipos diferentes de competências: 1. competência intuitiva; 2 - competência intelectiva; 3 - competência prática; 4 - competência emocional. Completando este capítulo, é preciso trabalhar com a perspectiva coletiva presente nas noções de qualidade e competência que são ampliadas na construção coletiva. Dimensões de competência Uma definição de competência apresenta uma totalidade, ou seja, uma pluralidade de propriedades ( conjunto de qualidades de caráter positivo) mostrando suas dimensões: Técnica, Política, Ética, Estética e a estreita relação entre elas. A docência da melhor qualidade tem que se buscar, continuamente, e se afirmar na explicitação desta qualidade no que se refere a: o quê, por que, para que, para quem. Essa explicitação se dará em cada dimensão da docência: * dimensão técnica - a capacidade de lidar com os conteúdos, conceitos, comportamentos e atitudes, e a habilidade de construí-los e reconstruí-los com os alunos; * dimensão estética - diz respeito à presença da sensibilidade e sua orientação numa perspectiva criadora; * dimensão política - diz respeito à participação na construção coletiva da sociedade e ao exercício de direitos e deveres; * dimensão ética - diz respeito à orientação da ação fundada no princípio do respeito e da solidariedade, na direção da realização de um bem coletivo. Felicidadania Apresenta a re- significação da cidadania, como realização individual e coletiva. * Cidadania - Identifica-se com a participação eficiente e criativa no contexto social. * Democracia - A participação através do voto - "as decisões políticas". É necessário criar espaço para que se possa construir conjuntamente as regras e estabelecer os caminhos. * Felicidade - Na articulação entre cidadania e democracia retoma-se a articulação entre a ética e política. * Alteridade e autonomia - É no convívio que se estabelece a identidade de cada pessoa na sociedade. A ação docente e a construção da felicidadania : 1. Construir a felicidadania na ação docente - é reconhecer o outro; 2. Construir a felicidadania na ação docente - é tomar como referência o bem coletivo; 3. Construir a felicidadania na ação docente - é envolver-se na elaboração e desenvolvimento de um projeto coletivo de trabalho; 4. Construir a felicidadania na ação docente - é instalar na escola e na aula uma instância de comunicação criativa; 5. Construir a felicidadania na ação docente - é criar espaço no cotidiano da relação pedagógica para a afetividade e a alegria; 6. Construir a felicidadania na ação docente - é lutar pela criação e pelo aperfeiçoamento constante de condições viabilizadoras do trabalho de boa qualidade. Certezas provisórias Uma reflexão sobre a formação e a prática docente. Articular os conceitos de competência e de qualidade que visam à possibilidade de uma intervenção significativa no contexto social. A melhor qualidade se revela na escolha do melhor conteúdo, para poder reverter conceitos, comportamentos e atitudes. A melhor qualidade se revela na definição dos caminhos para se fazer a mediação entre o aluno e o conhecimento. O critério que orienta a escolha do melhor conteúdo é o que aponta para a possibilidade dos exercícios da cidadania e da inserção criativa na sociedade. A melhor metodologia é a que tem como referência as características do contexto em que se vive, no desejo de criar, superar limites e ampliar possibilidades. A melhor qualidade revela-se na sensibilidade do gesto docente na orientação de sua ação, para trazer o prazer e a alegria ao contexto de seu trabalho e da relação com os alunos. Alegria no melhor sentido, resultante do contato com o mundo e da ampliação do conhecimento sobre ele. O ensino da melhor qualidade é aquele que cria condições para a formação de alguém que sabe ler, escrever e contar. Ler não apenas as cartilhas, mas os sinais do mundo, a cultura de seu tempo. Escrever não apenas nos cadernos, mas no contexto de que participa, deixando seus sinais, seus símbolos. Contar não apenas números, mas sua história, espalhar sua palavra, falar de si e dos outros. Contar e cantar nas expressões artísticas, nas manifestações religiosas, nas múltiplas e diversificadas investigações científicas.

Maurice Tardif: Saberes docentes e formação profissional

O autor da obra é professor universitário no Canadá e suas pesquisas abrangem vários países, inclusive o Brasil, onde já realizou palestras e encontros com professores. É conhecedor da obra de Paulo Freire, enaltecendo a no que tange à valorização do papel do professor como agente de mudanças, como intelectual engajado. As bases teóricas de Tardif são várias, vão desde os filósofos gregos aos contemporâneos, buscando neles reflexões sobre a racionalidade. Recorre a sociólogos, como Weber e a questão da interação social como aprendizagem; a pesquisadores como Bourdieu, refletindo sobre os conteúdos curriculares e sua dependência com a história de uma sociedade e o educador americano Schön, que desenvolveu seu arcabouço teórico na formação do professor reflexivo. livro de Tardif é composto de oito ensaios subdivididos em duas partes: o saber dos professores em seu trabalho e o saber dos professores em sua formação. Os ensaios, frutos de pesquisa de doze anos, muito dos quais publicados anteriormente, buscam entender que saberes alicerçam o trabalho e a formação dos professores das escolas do Ensino Fundamental e Médio. A metodologia usada por Tardif é a pesquisa empírica realizada junto aos professores e às questões teóricas sobre a natureza dos saberes que são mobilizados e utilizados por estes em seu trabalho diário. Ele se baseia em pesquisas realizadas por outros autores como Dubar, refletindo sobre o trabalho, que não é exclusivamente transformar um objeto ou situação numa outra coisa, mas, é também transformar a si mesmo no e pelo trabalho, idéia que endossa a importância da aprendizagem através das experiências do professor. Baseiase também em Gauthier sobre a importância da incorporação das experiências dos professores nos programas de formação. Tardif defende que o saber não se reduz, exclusiva ou principalmente, a processos mentais, cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos, mas é também um saber social que se manifesta nas relações complexas entre professores e alunos. Há que “situar o saber do professor na interface entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua natureza social e individual como um todo”. Uma das inovações do trabalho e das pesquisas de Tardif é compreender o saber do professor como saberes que têm como objeto de trabalho seres humanos e advém de várias instâncias: da família, da escola que o formou, da cultura pessoal, da universidade, provêm dos pares, dos cursos da formação continuada; é plural, heterogêneo, é temporal pois se constrói durante a vida e o decurso da carreira, portanto, é personalizado, situado. Essa concepção da amplitude de saberes que forma o saber do professor é fundamental para entender a atuação de cada um no processo de trabalho coletivo desenvolvido pela escola. Cada professor insere sua individualidade na construção do projeto pedagógico, o que traz a diversidade de olhares contribuindo para a ampliação das possibilidades e construção de outros novos saberes. Refletindo sobre o processo de formação de professores, Tardif argumenta que se deve levar em conta o conhecimento do trabalho dos professores, seus saberes cotidianos. Tal postura desconstrói a idéia tradicional de que os professores são apenas transmissores de saberes produzidos por outros grupos. O autor convoca os educadores e os pesquisadores, o corpo docente e a comunidade científica a unir pesquisa e ensino. Sua proposta é que a pesquisa universitária pare de ver os professores de profissão como objetos de pesquisa e que passem a ser considerados como sujeitos do conhecimento, como colaboradores, como co-pesquisadores. Uma postura importante para as pesquisas a serem desenvolvidas pelas Universidades do Brasil, que possa valorizar os professores de profissão ao mesmo tempo que promova sua formação continuada, buscando a construção de conhecimentos e valorização de sua prática educativa; promova um repensar de caminhos engajados na realidade, conseqüentemente, um repensar da própria formação acadêmica. As escolas tornam-se, assim, lugares de formação, de inovação, de experiência e de desenvolvimento profissional, mas também, lugares de pesquisa e de reflexão crítica. Para Tardif, o saber docente é um saber plural, oriundo da formação profissional (o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores); de saberes disciplinares (saberes que correspondem ao diverso campo do conhecimento e emergem da tradição cultural); curriculares (programas escolares) e experienciais (do trabalho cotidiano). O que exige do professor capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condição para sua prática. A expressão utilizada por Tardif, ‘mobilização de saberes’, transmite uma idéia de movimento, de construção, de constante renovação, de valorização de todos os saberes e não somente do cognitivo; revela a intenção da visão da totalidade do ser professor. Outro posicionamento importante de Tardif é de ser contra a idéia tradicional da relação teoria e prática: o saber está somente do lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias preconcebidas. O autor é contra a idéia que o saber é produzido fora da prática e, portanto, sua relação com a prática só pode ser uma relação de aplicação. Afirma que hoje, sabemos que aquilo que chamamos de “teoria”, de “saber” ou de “conhecimentos” só existe em um sistema de práticas e de atores que as produzem e as assumem. Isso representa a afirmação da idéia de que pelo trabalho o homem modifica a si mesmo, as suas relações e busca transformação de sua própria situação e a do coletivo a que pertence. Uma ressalva está no ensaio três, em que Tardif afirma que uma boa maneira de compreender a natureza do trabalho dos professores é compará-lo com o trabalho industrial e, ao fazê-lo, apresenta quadros comparativos que setorizam a explanação e não permite uma visão de totalidade, colocando o trabalho como técnica, como atividade instrumental, apresentando uma visão conteudística da formação, sem direção no trabalho docente e com tarefas de acordo com o surgimento de necessidade. A indústria avalia como medida e não se compara com o processo educativo. Contudo, o livro de Tardif é de fundamental importância para os estudantes universitários dos cursos de formação de professores e pedagogos e também recomendado para os professores de profissão, denominação do próprio autor aos professores de Ensino Fundamental e Médio e igualmente importante para professores universitários, como apoio para rever suas linhas de pesquisa e atuar na formação continuada dos professores com o envolvimento e a colaboração de atores que atuam na prática cotidiana escolar.

Celso dos Santos Vasconcelos: Avaliação da aprendizagem – Práticas de mudança: por uma práxis transformadora

Avaliar aprendizagens é um sério problema educacional há muito tempo. Desde a década de 60, no entanto, a grande crítica são os enormes estragos da prática classificatória e excludente: os elevadíssimos índices de reprovação e evasão, aliados a um baixíssimo nível da qualidade da educação escolar, em termos de apropriação do conhecimento ou de formação de uma cidadania ativa e crítica. Recentemente, a avaliação está também em pauta como decorrência das várias iniciativas tomadas por mantenedoras, públicas ou privadas, no sentido de reverter este quadro de fracasso escolar. A discussão sobre avaliação não deve ser feita de forma isolada de um projeto político-pedagógico, inserido num projeto social mais amplo.

Ultimamente, tem se analisado o papel político da avaliação, tem se criticado muito as práticas avaliativas dos professores, tem se indicado uma alternativa mais instrumental, mas não se apontaram caminhos mais concretos na perspectiva crítica. Marcados pelo medo de cair no tecnicismo, deixamos para um plano secundário a dimensão técnica de nosso trabalho. O professor quer sugestões, propostas, orientações para tão desafiadora prática; muitos gostariam até de algumas “receitas”; sabemos que estas não existem, dada a dinâmica e complexidade da tarefa educativa. Nós temos clareza da não existência de “modelitos prontos e acabados”, entendemos que é necessário ao educador desenvolver um método de trabalho para não ficar apenas nos modismos.

Ao trabalharmos com a dimensão das mediações visamos, de um lado, a apresentar algumas possibilidades, tiradas da própria prática das instituições de ensino e dos educadores que estão buscando uma forma de superação da avaliação seletiva, e, de outro, refletir sobre possíveis equívocos que se incorre na tentativa de mudar ações tradicionais.

Fazendo uma análise das dificuldades observadas para a mudança da avaliação, parece que o que tem mais força na prática da escola são coisas que não estão escritas em lugar algum (currículo oculto), quase que uma espécie de tradição pedagógica disseminada em costumes, rituais, discursos, formas de organização; dá-se a impressão que isto determina mais a prática do que as infindáveis manifestações teóricas já feitas.

Ao indicar mudanças, remete-nos à necessidade de envolvimento de todos com tal processo; para haver mudança, é preciso compromisso com uma causa, que pede tanto a reflexão, a elaboração teórica, quanto a disposição afetiva, o querer. No entanto tão logo emerge esta compreensão, vem também a ponderação de que a mudança não depende apenas do indivíduo, dado que os sujeitos vivem em contextos históricos que limitam suas ações em vários aspectos.

Mudança é criar possibilidades: numa sociedade tão seletiva, num sistema educacional marcado pelo autoritarismo, seria possível avaliar de outra forma num contexto social assim contraditório e competitivo? A resposta a estas perguntas, antes de ser uma questão lógica ou teórica, é histórica: objetivamente, “apesar do sistema”, ou seja, constatamos que os educadores estão fazendo. Como veremos no decorrer deste trabalho, o que visamos não é simplesmente fazer uma ou outra mudança, mas construir uma autêntica práxis transformadora. A tarefa que se coloca, a partir disso, aponta para três direções:

- Fortalecimento: valorizar as práticas inovadoras existentes para que não sejam efêmeras.

- Avanço: criar novas práticas.

- Crítica: não baixar a guarda em relação à presença e influência da avaliação tradicional.

No cotidiano escolar, muitas vezes, nosso empenho se concentra na mudança das idéias (nossas e dos colegas) a respeito da avaliação. Esta estratégia, embora importante, é insuficiente se não atentarmos para as estruturas de percepção e de pensamento: pode haver simples mudança de conteúdos num arcabouço equivocado. Nossa grande preocupação é a mudança da prática do professor. Toda ação humana consciente, toda prática é pautada por algum nível de reflexão. As idéias que nos habitam – assim como a maneira como operamos com elas – têm conseqüências práticas; a forma corno agimos sobre o mundo, seja o mundo educacional, político ou econômico, é em parte determinada pela forma como o percebemos. Qualquer inovação, antes de existir na realidade, configura-se na imaginação do sujeito. Fica claro, pois, o desafio de sermos criativos para imaginar novas formas de arranjo da prática educativa em geral, e da avaliativa em particular, e delas tirarmos transformação, aliada à fruição e alegria.

As formas de mediação que traremos representam a sistematização de iniciativas que já vêm ocorrendo. Nossa contribuição vai no sentido de:

a) Aprender com as práticas de mudança, procurar tirar lições e princípios;

b) Ajudar a socializar, valorizar, validar práticas;

c) Criticar, superar contradições;

d) Explorar possibilidades ainda encobertas.

O que está em pauta não é a mera existência de um rol de sugestões ou opções de o que fazer. O caminho para se chegar a uma prática transformadora é bem mais complexo: é a criação de um novo plano de ação do sujeito, que é fruto tanto da percepção de uma necessidade quanto da clareza de uma finalidade (dialética necessidade – finalidade – plano de ação). O problema não é apenas “ter o que fazer”, “saber” o que deve ser feito, e sim, interiorizar, entrar no movimento conceitual e no movimento histórico da atividade educativa. Por isto enfatizamos a questão do método de trabalho para o professor.

Para mudar a avaliação, precisamos, obviamente, mudar seus elementos constituintes (exemplo: conteúdo e forma). Contudo,, embora necessário, isto não é suficiente, uma vez que a prática avaliativa não depende apenas dela mesma. Ora, no caso da avaliação, a partir do trabalho de análise sobre o material empírico, registrado dos discursos dos educadores e da observação da prática, nestas duas classes – Avaliação e Relações – emergem seis grandes categorias:

- Avaliação: intencionalidade; forma; conteúdo.

- Relações: prática pedagógica; instituição; sistema.

Isto significa que a mudança da avaliação, para ser efetiva, deverá estar atenta a estes seis vetores; para se criar uma nova ecologia avaliativa, um novo ambiente cultural no campo da avaliação será preciso se dar conta, em alguma medida, destas seis dimensões. 1) Avaliação como compromisso com a aprendizagem de todos – por uma nova intencionalidade

A avaliação, para assumir o caráter transformador, antes de tudo deve estar comprometida com a aprendizagem da totalidade dos alunos. Este é o seu sentido mais radical, é o que justifica sua existência no processo educativo. A observação mais atenta aponta que as mudanças na avaliação têm ocorrido, mas não no fundamental, que é a postura de compromisso em superar as dificuldades percebidas. A questão principal não é a mudança de técnicas, mas é a mudança de paradigma, posicionamento, visão de mundo e valores.

Neste primeiro capítulo, estaremos refletindo sobre esta mudança essencial no sentido da avaliação, analisada do ponto de vista de sua tradução em práticas concretas na escola. O que estará em pauta aqui é a intencionalidade que o professor atribui à avaliação no seu cotidiano.

Aprendemos que o homem é um ser racional. Todavia, quando analisamos o conjunto de sua obra, bate uma séria dúvida, face às enormes contradições por ele produzidas. Sucede que, se olharmos com mais cuidado, percebemos que é racional, não necessariamente no sentido do bom senso, do bem, do belo, mas por ter uma razão, um porquê para sua ação. A intencionalidade é a marca humana por excelência; no longo processo filogenético, tornamo-nos homo sapiens porque intencionados, porque projetamos não nos conformamos com as condições dadas. Notem que neste processo, naturalmente, a avaliação também teve um papel decisivo.

Muitas têm sido as tentativas de mudança da avaliação. No entanto, muda-se, muda-se, e não se consegue transformar a prática. Onde estaria o núcleo do problema da avaliação?

- No seu conteúdo (abrangência?).

- Na sua forma (exigência quantitativa?).

- Na sua intencionalidade (finalidade, objetivo?).

- Nas suas relações (com a metodologia, com as condições de trabalho, com o sistema de ensino, com a condição de vida dos alunos?).

O acompanhamento de processes de mudança da avaliação em escolas e redes de ensino têm demonstrado o seguinte:

1. A mudança em outros aspectos da avaliação (conteúdo, forma, relações) sem a mudança na sua intencionalidade não tem levado a alterações mais substanciais.

2. A mudança na intencionalidade da avaliação, mesmo sem maiores mudanças em outros aspectos num primeiro momento, tem possibilitado avanços significativos do trabalho.

Pode haver mudança no conteúdo e na forma de avaliar, pode haver mudança na metodologia de trabalho em sala de aula e até na estrutura da escola, e, no entanto, não se tocar no que é decisivo: intervir na realidade a fim de transformar. Se não houver um re-enfoque da própria intencionalidade da avaliação, de pouco adiantara. A intencionalidade é o problema nuclear da avaliação, portanto alguns cuidados devem ser reforçados:

- não tomá-la como absoluta, definitiva.

- não reduzi-la a um campo por demais particular ou especifico.

- não confundi-la com a realidade.

- não usá-la como refugio dos conflitos, para encobrir as contradições da prática.

- não deixar de perceber seu enraizamento na realidade.

A concretização de uma nova intencionalidade é, a nosso ver, o maior desafio contemporâneo da avaliação da aprendizagem. Ao analisarmos as condições para a mudança da intencionalidade da avaliação, encontramos muitos obstáculos; contudo, um dos maiores e a tradição avaliativa já existente: há a assimilação, por parte do professor, de uma verdadeira cultura da repetência, uma estranha indiferença para com a lógica classificatória, bem como para com os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar.

No processo de mudança, visamos à incorporação da nova intencionalidade; porém, não há como “garantir” em termos absolutos, não há uma atividade que seja intrinsecamente emancipatória; exige-se atenção, espírito crítico, reflexão o tempo todo. Contudo, a busca de sua tradução em práticas concretas, coerentes com o princípio, é imprescindível e ajuda o enraizamento da nova concepção nos sujeitos e, no limite, na própria instituição. É preciso ousar, investigar, procurar caminhos para assegurar a aprendizagem. Existem soluções relativamente simples, que estão no espaço da autonomia do professor e da escola (abertura a novos possíveis!).

A situação do professor, com muita frequência, está difícil; mas se internamente se fecha a possibilidade, se já não acredita que o aluno possa aprender, se já não tenta, com certeza ficará mais difícil ainda, tanto para ele quanto para o aluno. Esperar pouco do outro é uma forma de profundo desrespeito! O professor não pode desistir do aluno! Todo ser humano é capaz de aprender. 2) Conteúdo e forma da avaliação

Conteúdo e forma são duas dimensões essenciais na concretização da avaliação da aprendizagem. O conteúdo da avaliação diz respeito ao o que é tornado como objetivo de análise. A forma refere-se ao “como” esta avaliação ocorre. Muitos professores expressam a percepção da necessidade de mudança tanto na forma quanto no conteúdo da avaliação por eles praticada. Do ponto de vista do processo de mudança, isto é importante por tratar-se de algo que constitui o cotidiano mesmo da avaliação, sua realização na sala de aula e que, em grande medida, está ao seu alcance por não depender tanto de fatores externos.

Falar do conteúdo da avaliação e, antes de tudo, refletir sobre o campo sobre o qual irá incidir. A avaliação pode se dar sobre diferentes aspectos da realidade: indivíduo, sala de aula, instituição de ensino, sistema de ensino ou sociedade como um todo. Dependendo do foco, teremos suas varias modalidades: auto-avaliação, avaliação do processo de ensino-aprendizagem, avaliação institucional, avaliação do sistema educacional e avaliação do sistema social, que se articulam intrinsecamente. “Avaliar o aluno como um todo” é uma das representações mais fortes entre os professores quando tratam de suas práticas avaliativas: expressam isto tanto em relação ao que estão realizando, quanto ao que é idealizado.

Quando vamos discutir com os professores alguma questão concreta de um instrumento de avaliação, não raramente vem certa decepção ou um sério questionamento. Percebe-se que o problema não está no instrumento em si – que pode variar, naturalmente, de qualidade -, mas naquilo que está sendo ensinado. Um dos grandes problemas da educação escolar é a falta de articulação entre o que se quer e a prática pedagógica, a intenção declarada e a enraizada. Assim temos dois aspectos essenciais na elaboração da proposta de trabalho:

- O que o aluno precisa aprender (para definir o que ensinar)

- Como o aluno conhece (para saber o que ensinar)

A prática avaliativa, obviamente, se dará em cima disto, enquanto processo e enquanto produto:

- O que se está ensinando, até que ponto é relevante?

- Em que medida está se ensinando da forma adequada?

A avaliação reflete aquilo que o professor julga ser o fundamental, “o que vale”.

- mais ou menos consciente – Devemos atentar para o possível descompasso entre o que se pensa ser o mais importante e aquilo que efetivamente está se solicitando nas avaliações. A pergunta sobre o conteúdo da avaliação, sobre o que deve ser avaliado, resgata, pois, de imediato o questionamento: o que vale a pena ensinar?

A forma de avaliar diz respeito ao “como”, a maneira concreta com que a avaliação se dará no cotidiano das instituições de ensino; envolve os rituais, as rotinas, o desdobramento das diretrizes e normas, enfim, as maneiras de fazer e de expressar os resultados da avaliação da aprendizagem.

Quando interrogamos os professores sobre o como deve ser a avaliação, a perspectiva da avaliação como processo costuma ser outra representação das mais presentes e enfatizadas. Entendemos que avaliação processual, contínua, é essa atenção e ocupação permanente do professor com a apropriação efetiva do conhecimento por parte do aluno, com a interação aluno-objeto do conhecimento-realidade; é uma postura, um compromisso durante todo o processo de ensino-aprendizagem, e não o multiplicar “provinhas” – embora não prescinda de instrumentos e atividades variadas.

Nossa preocupação fundamental se centra em relação à avaliação e à mudança de postura, visando superar sua abominável ênfase seletiva. Até que ponto o instrumento influi? Entendemos que os instrumentos não são neutros, embora tenham uma autonomia relativa. É claro que o como avaliar, a qualidade do instrumento também é importante, pois a própria transformação da postura do professor pode ficar comprometida se ele se prender a instrumentos e formas de avaliar tradicionais. Ocorre que este como está ligado à concepção (arraigada) de educação que o professor/escola tem. Se não mudarem as finalidades, de nada adiantara sofisticar o instrumento. São, portanto, desafios que se implicam: a mudança de postura em relação às finalidades (da educação e da avaliação) e a busca de mediações adequadas (de ensinar e de avaliar).

O que vislumbramos é que os professores tenham uma tecnologia educacional incorporada, qual seja, que precisem cada vez menos de artefatos, mas que possam desenvolver mentefatos avaliativos (nele e nos alunos). Almeja-se que com o tempo o professor incorpore uma nova tecnologia de avaliação, de maneira que confie na sua experiência, na sua intuição e fique mais livre de instrumentos formais – embora estes não possam ser eliminados -. Como esta intuição não é nata, tem de ser trabalhada, construída, e constantemente criticada. Cabe lembrar, para que venham a se constituir em práxis transformadora, que as várias iniciativas avaliativas devem estar articuladas com a nova intencionalidade, bem como a outras dimensões do processo educativo. 3) Avaliação e vínculo pedagógico

Historicamente, a avaliação tendeu a se automatizar, a se tornar um fim em si mesma. Corrigir esta distorção implica reconhecer que a avaliação da aprendizagem se dá no campo pedagógico que, antes de mais nada, precisa ser resgatado, configurado e valorizado. Se a finalidade da escola pode ser assumida como a educação através do ensino, ao abordarmos o vínculo pedagógico, estamos diante do que é essencial na tarefa educativa escolar, sua atividade-fim. Todavia, esta finalidade não vem se realizando a contento, de tal forma que, na atualidade, o problema central da escola, do ponto de vista político, e a não totalidade dos alunos que por ela passa. Já da ótica pedagógica, compreendemos que o problema nuclear reside na proposta de trabalho equivocada.

O grande desafio pedagógico em sala de aula é a questão da formação humana através do trabalho com o conhecimento baseado no relacionamento interpessoal e na organização da coletividade. Quando nos referimos ao vínculo pedagógico, queremos abarcar o conjunto do trabalho que o docente desencadeia em sala de aula e, particularmente, seu elemento fulcral que é a gestão mesma do processo de conhecimento (necessidades, objetivos, conteúdos, metodologia, relacionamentos, recursos, interfaces, além da avaliação).

O trabalho de construção do conhecimento na escola está baseado no trabalho de gerações passadas e presentes; não realizar uma atividade significativa traz como consequência contribuir para a reprodução do sistema de alienação da organização social, na medida em que colabora para a formação de sujeitos passivos, acríticos.

A avaliação deveria ser uma mediação para a qualificação da prática escolar. No entanto, não é isto que vem ocorrendo, dado que, quando surgem dificuldades em sala, procura-se resolver pela pressão da nota, e as questões pedagógicas fundamentais não são devidamente enfocadas. A existência da reprovação desde as séries iniciais introduz a alienação na relação pedagógica: ao invés de o professor investir na mobilização do aluno para o estudo, para a proposta de trabalho, passa a usar a avaliação como arma. No fundo, a questão seria muito simples: o professor resgatar o seu papel essencial que é ensinar. Embora isto pareça elementar, com frequência, a preocupação maior do professor, como analisamos acima, não está sendo ensinar, mas “sobreviver”, seja pela sedução, seja pelo controle.

É necessário reconhecer que, no contexto da escola brasileira contemporânea, está muito difícil ser professor. Neste quadro, a avaliação tradicional tende a ser uma forma de alívio, uma vez que:

- Do ponto de vista subjetivo, canaliza a culpa para alguém (aluno/família);

- Do ponto de vista objetivo, das condições de trabalho (controle disciplinar).

Mas o que colocar no lugar da pressão da nota? Duas perspectivas são fundamentais: o sentido para o estudo para o trabalho pedagógico e a forma adequada de trabalho em sala de aula. Estes dois elementos se combinam no processo pedagógico, de maneira que quando falta um, e o outro está presente, há uma espécie de compensação, mas quando os dois estão em baixo nível, o trabalho em sala fica quase impossível. O que se vislumbra, pois, em termos de superação é o poder de o professor estar centrado na proposta pedagógica, e não mais na nota.

Os educadores, que estão inovando a prática pedagógica, apontam, como forma de superação do vínculo alienado, o resgate da significação do estudo e dos conteúdos, e a busca de uma metodologia participativa em sala, para que eles não precisem da nota a fim de controlar os alunos, ganhar o aluno pela proposta pedagógica e não pela “muleta” das ameaças. Por meio de novas atividades, professores e alunos redescobrem o gosto pelo conhecimento que vem da compreensão, do entendimento, da percepção do aumento da capacidade de intervir no mundo. Assim, a avaliação – como regulagem das aprendizagens – é tomada como base para reorientar a organização do trabalho pedagógico (replanejamento). O preparo adequado do curso, da segurança, firmeza, é que permite o melhor aproveitamento.

A atividade do professor numa perspectiva dialética implica basicamente: conhecer a realidade, ter clareza de objetivos e traçar mediações significativas, agir de acordo com o planejado e avaliar sua prática (Métodos). E a tarefa fundamental é, a partir de um Projeto político Libertador, construir um vínculo pedagógico coerente com o compromisso com a aprendizagem efetiva de todos os alunos. 4) Avaliação e mudanças institucionais e sociais

No processo de mudança, as manifestações dos educadores em relação à avaliação não se limitam a ela; muito pelo contrario, remetem a outros aspectos, inclusive a organização escolar e social. É importante percebermos este contexto maior e termos dele uma leitura crítica. A mudança avaliativa não pode ficar restrita à mudança de mentalidade e práticas dos professores; embora isto seja absolutamente fundamental, precisa ser articulada com mudanças estruturais da própria escola, do sistema educacional e da sociedade, sob pena de se comprometer qualquer esforço na direção de uma nova concepção dos atores sociais.

A transformação na avaliação não se restringe a um esforço isolado do professor, mas é fruto de um trabalho coletivo; por outro lado, objetiva-se em estruturas: construção de novas formas de organização, rotinas, rituais, regras etc., a fim de que não seja preciso, a cada instante, a tomada de consciência e a boa vontade de cada um. As estruturas sintetizam o desejo do grupo num determinado momento, e certo que devemos estar atentos ao risco de se fossilizarem; portanto, pedem abertura à superação, mas nem por isso são dispensáveis; ao contrário, é a sua explicação e concretização que fornecerá o patamar para novas mudanças.

A instituição deve ter uma forma de organização que seja inclusiva, que busque, de todas as maneiras, romper com qualquer subterfúgio que leve à exclusão. Este desejo, este comprometimento dos educadores, todavia, deve se traduzir em práticas concretas, em iniciativas, negociações, regras, leis, ritos, vale dizer, numa nova cultura institucional. O envolvimento da escola como um todo (também as estruturas administrativas e comunitárias) é condição para a consolidação da mudança da avaliação.

Uma queixa recorrente entre os educadores diz respeito à carga horária das disciplinas. Muitas vezes, ouve-se a pergunta: “Como posso conhecer melhor os alunos, se pouco convivo com eles?” Ora, antes de ser uma questão de avaliação da aprendizagem, trata-se de avaliação curricular. O que se espera é a adequação da carga horária à proposta de ensino: para quem não sabe o que quer, solicitar aumento de aulas semanais sugere mais oportunismo corporativo do que zelo pedagógico.

O individualismo está muito enraizado na sociedade e, em particular, no professor: são anos e anos de trabalho isolado; cada um busca a sua saída. Apesar de a participação individual ser fundamental, não podemos ficar limitados a isto. Uma coisa é um professor fazer algo inovador; isto tem seu valor. Mas quando a escola assume aquilo enquanto proposta coletiva, o significado é bem diferente em termos de processo de mudança.

Reside aí a importância do Projeto Político Pedagógico, que é o piano global da instituição. É entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se objetiva na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. Trata-se de um importante caminho para a construção da identidade da escola. É um instrumento teórico-metodológico de transformação da realidade. Visa ajudar a enfrentar os desafios cotidianos, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica, científica, e, o que é essencial, participativa. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação, na medida em que expressa o compromisso do grupo com uma caminhada. Tornar vivo o projeto, não deixar que fique engavetado, fazê-lo advir, incorporá-lo na prática, não é tarefa especifica de um ou outro membro da instituição, e sim de todos que o construíram. O processo de elaboração participativa do projeto é um espaço privilegiado de construção do coletivo escolar.

Uma das maiores tarefas colocadas para a sociedade no seu conjunto é conseguir articular uma efetiva visão de futuro positiva para a juventude. O ser humano gosta de desafios; a tarefa que está posta é a de superar sua formulação alienada – ser melhor, conseguir nota, passar de ano – e apontar novas tarefas para os alunos: aprender mais e melhor; não deixar ninguém pelo caminho, avançar juntos; refletir, desfrutar o prazer de conhecer; pensar com a própria cabeça; descobrir novas possibilidades de organização do real, ser capaz de intervir, abrir novos horizontes dentro e fora da escola.

Concluímos, enfatizando a importância absolutamente essencial da participação do professor no processo de mudança na condição de sujeito (e não de objeto), caminhando de uma prática imitativa (cultura da reprovação) ou reativa (mera aprovação) a práxis transformadora (ensino de qualidade democrática para todos).

Documentos

Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental

Durante a década de 1990, diversas iniciativas curriculares foram instituídas no Brasil. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental foram os primeiros a ser definidos pelo Ministério da Educação (MEC) e a virem a público no final de 1995, quando uma versão preliminar foi encaminhada para consulta e avaliação a professores e acadêmicos de várias instituições do país.

Paralelamente, no campo acadêmico, estudos e debates sobre o currículo escolar geravam um acervo importante de conhecimentos e serviam como referência para a elaboração de pereceres e para a análise de propostas curriculares.

Da consulta feita pelo MEC resultou uma série de pareceres, que foram discutidos pela Secretaria de Ensino Fundamental nas unidades federativas. De posse dos pareceres recebidos e das conclusões de encontros com especialistas, acadêmicos e professores, o MEC reelaborou a versão preliminar dos PCNs, considerando as observações, críticas e sugestões encaminhadas. A nova versão dos PCNs foi então apresentada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) em setembro de 1996, para que deliberasse sobre a proposta.

Esse simples ato permitiria a explicitação da perspectiva que nortearia as formas de colaboração entre o MEC e o CNE em torno da questão curricular e a definição de espaços e competências desses dois atores políticos responsáveis pela educação nacional.

Neste artigo, abordamos essa temática a partir de uma dupla perspectiva. Inicialmente, focalizamos como a questão curricular se colocou internamente ao plano político-institucional ou estatal.

Enfatizamos especificamente as relações que se estabeleceram entre o CNE e o MEC em torno tanto da proposta dos PCNs como da definição de diretrizes curriculares para o ensino fundamental. A segunda perspectiva diz respeito ao cotejamento das proposições mais gerais para o ensino fundamental das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) elaboradas pelo CNE e dos PCNs propostos pelo MEC.

O plano político-institucional e a questão curricular

Durante os anos de 1980, o retorno à democracia política levantou expectativas de desenvolvimento de processos correlatos no conjunto das instituições da sociedade. No plano educacional, e apesar dos limites impostos ao retorno à institucionalidade democrática pela persistência do autoritarismo, a abertura política levou vários prefeitos e governadores de oposição ao governo militar e seus secretários de educação a procurarem impelir modificações no sistema educativo, que incluíam reformas estruturais e curriculares focalizadas na ampliação e melhoria da escola pública.

Essa perspectiva democrática ecoou, inicialmente, nas propostas educacionais apresentadas durante a elaboração da nova Constituição Federal (CF) e, posteriormente, no processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e nas iniciativas de reorganização do espaço político-institucional responsável pela educação.

Na CF de 1988 é possível encontrar uma série de artigos referentes direta ou indiretamente a uma formação básica comum, dimensão esta garantida após intensa discussão entre atores políticos que, durante a Assembléia Nacional Constituinte, tinham polemizado sobre questões curriculares.

Por meio desses artigos, a CF fixa conteúdos mínimos para o ensino fundamental dentro dos princípios de igualdade e de diversidade, com vistas a assegurar uma formação básica comum e a coexistência de registros culturais diferenciados, em qualquer proposta curricular e nos diferentes níveis de governo e nas unidades escolares.

O prosseguimento da discussão curricular deu-se em torno da LDB que tramitava no Congresso desde 1988. A nova LDB reafirmou a CF ao considerar ser incumbência da União, em colaboração com estados, Distrito Federal e municípios, estabelecer diretrizes para nortear os currículos e seus conteúdos mínimos de forma que se assegure a formação básica comum (art. 9º, IV).

Por sua vez, no plano político-institucional ou estatal, a criação do Conselho Nacional de Educação (CNE) pela Lei nº 9.131/95 procurou caracterizá-lo como um órgão representativo da sociedade brasileira. Nessa perspectiva, segundo Lüdke caberia ao CNE um papel consultivo, e também deliberativo, de contraponto ao MEC, no sentido de “ajudá-lo a ver sob diferentes ângulos suas propostas para educação, possibilitando-lhe assim uma aproximação maior da realidade nacional”. No que respeita à questão curricular, de acordo com a o art. 9º, § 1º, alínea C, da lei que cria o CNE, compete a este órgão “deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto”.

Desse modo, no enquadramento legal fornecido pela CF, a nova LDB e a Lei nº 9.131/95, os currículos e conteúdos mínimos propostos pelo MEC teriam seu norte estabelecido pela mediação de diretrizes curriculares que deveriam ter como foro de deliberação a Câmara de Educação Básica (CEB) do CNE. No entanto, a divulgação da primeira versão dos PCNs pelo MEC, antes mesmo de os conselheiros do CNE iniciarem seu novo mandato em fevereiro de 1996, marcou um dos primeiros descompassos entre os dois órgãos de Estado.

A professora Menga Lüdke, participante do CNE por um mandato de dois anos, entre fevereiro de 1996 e fevereiro de 1998, oferece-nos elementos extremamente ricos para caracterizarmos o desencontro desses dois atores políticos. Lüdke mostra-nos que, já no início dos trabalhos na Câmara de Educação Básica do CNE, os conselheiros depararam-se com o problema da definição de competências. Se de acordo com a Lei nº 9.131/95 compete ao CNE deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo MEC, essas diretrizes tinham chegado aos conselheiros por via indireta e após terem passado por um processo longo de elaboração e de detalhamento.

Quem conhece os PCNs pode perceber claramente a distância existente entre o que poderia ser um conjunto de conteúdos mínimos e obrigatórios para o ensino fundamental, ou uma proposta de diretrizes curriculares, e uma complexa proposta curricular, que contém diretrizes axiológicas, orientações metodológicas, critérios de avaliação, conteúdos específicos de todas as áreas de ensino e conteúdos a serem trabalhados de modo transversal na escola.

Com essa abrangente proposta curricular em mãos, a CEB/CNE voltou-se para a tarefa de tentar divisar nos PCNs as diretrizes curriculares sobre as quais deveria deliberar e que deveriam fundamentar a fixação de conteúdos mínimos para o ensino fundamental.

A análise da forma de encaminhamento e do teor da proposta curricular enviada pelo MEC ao CNE deixa claro que se tratou de uma política construída num movimento invertido, no qual os PCNs, apesar de serem instrumentos normativos de caráter mais específico, deveriam reorientar um instrumento de caráter mais geral como as DCNs.

Esse movimento invertido está na raiz das duas lógicas diferentes que passaram a orientar a elaboração curricular do MEC e do CNE e a definição política das competências desses dois órgãos de Estado em relação ao currículo escolar. No entanto, se dimensões em comum podem ser encontradas nessas duas lógicas, elas dizem respeito ao fato de que as estratégias acionadas pelo CNE e pelo MEC em relação à elaboração curricular acabaram por condenar as possíveis formas de colaboração entre esses atores políticos à lógica da mútua omissão.

Na lógica do MEC, mais importante do que inscrever a discussão das diretrizes curriculares na agenda política do Estado ou no debate público, era ver rapidamente os PCNs aprovados pelo CNE e efetivados pelos professores nas redes de ensino.

Na lógica do CNE, o papel de órgão representativo da sociedade não lhe permitia ignorar que a comunidade científica educacional considerava imprescindível discutir a concepção geral dos PCNs e o conteúdo específico das diferentes áreas de conhecimento escolar, o processo de elaboração e divulgação dos parâmetros e as características das escolas e dos professores destinatários da posposta.

Aliás, o CNE já se tinha voltado para a tarefa de estabelecer os limites e as possibilidades de suas competências curriculares à luz dos dispositivos constitucionais e legais existentes. Em face dos

“ímpetos curriculares” dos PCNs e apoiada no contexto legal de referência que delegava ao CNE a competência de deliberar sobre as diretrizes curriculares do MEC, a Câmara de Educação Básica conseguiu chegar, na visão de Lüdke, “a uma solução razoável”, que reafirmava a importância da proposta pedagógica da escola e o caráter não-obrigatório dos PCNs.

Assim, no posicionamento político do CNE, a fixação de diretrizes curriculares nacionais, tendo em vista uma formação básica comum a ser observada nas propostas curriculares para o ensino fundamental municipal, estadual ou da própria unidade escolar, teve, como contrapartida, a não-obrigatoriedade dos PCNs.

Que lições podemos tirar sobre esses episódios? Na nossa interpretação, os desentendimentos entre o MEC e o CNE em torno das definições curriculares ilustram a lógica implícita à política educacional do governo, a partir da segunda metade dos anos de 1990: excessiva centralização das decisões no governo federal e escasso envolvimento das outras instâncias político-institucionais e da comunidade científica com a educação básica.

Como veremos nas próximas seções deste artigo, a ausência de colaboração em torno da questão curricular entre o MEC e o CNE e, portanto, a falta de diálogo entre a produção curricular desses dois atores políticos iriam permanecer como uma constante durante a elaboração, divulgação e implementação dos PCNs para o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (DCNs)

A análise das DCNs que apresentamos neste artigo está baseada em três documentos elaborados pela Câmara de Educação Básica do CNE em resposta aos PCNs: a Exposição de Motivos ao encaminhamento das DCNs (Brasil, 1997), a Resolução nº 2 de 7/4/1998 (Brasil, 1998a) e o Parecer da CEB nº 4/98 de 29/1/1998.

A Exposição de Motivos às DCNs começou a circular no CNE em maio de 1997. A análise desse documento revela que, para deliberar sobre as diretrizes e fixar os conteúdos considerados mínimos para a formação básica comum, a Câmara de Educação Básica do CNE apoiou-se numa série de referências que ultrapassam os PCNs e incluem tanto as atribuições fixadas pela CF, pela LDB e pela Lei nº 9.131/95 como as “orientações significativas” oferecidas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, Decreto nº 1.904/ 96 – e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069/90.

Por sua vez, em janeiro de 1998, foi divulgado o Parecer da CEB nº 4/98, preparatório à Resolução sobre as DCNs, aprovadas em abril do mesmo ano. Reforçando a crítica ao MEC realizada na Exposição de Motivos que acompanhou as DCNs, esse Parecer começa fazendo algumas afirmações doutrinárias relacionadas com a competência da Câmara de Educação Básica para definir as diretrizes para a educação em colaboração com os outros entes federativos.

Nos documentos citados, o federalismo constitui uma dimensão significativa. Esta perspectiva está presente no reconhecimento do CNE da competência da Câmara de Educação Básica para exercer função deliberativa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais, mas reservando para os entes federativos e para as escolas as tarefas de plenificação e implementação curriculares.

Complementarmente, o federalismo colaborativo consagrado na CF faz-se presente quando o CNE assume que suas funções normativas e de supervisão se apóiam na descentralização, na articulação entre União, Distrito Federal, estados e municípios e na flexibilidade teórico/metodológica das ações pedagógicas, considerando estas dimensões como sinônimo de responsabilidades compartilhadas em todos os níveis.

Na perspectiva federalista, o CNE considera também que a definição de Diretrizes Curriculares Nacionais pela Câmara de Educação Básica marca o início do processo de colaboração entre estados e municípios, em torno de esforços conjuntos e articulados de planejamento, desenvolvimento e avaliação dos processos educacionais.

As proposições doutrinárias presentes no Parecer completam-se com a afirmação da dimensão participativa. De acordo com as DCNs, o aperfeiçoamento do ensino fundamental depende de que as propostas pedagógicas elaboradas pelas escolas sejam capazes de refletir o projeto de sociedade local, regional e nacional desejado, a ser definido por cada equipe docente em colaboração com os usuários e outros membros da sociedade, que participam dos Conselhos/Escola-Comunidade e dos Grêmios Escolares.

Nossa análise das principais afirmações doutrinárias das DCNs nos permite perceber que elas se baseavam na defesa pelo CNE do federalismo colaborativo e das formas participativas de elaboração curricular. De acordo com nossa interpretação, essa afirmação de princípios e a posição tomada pelo CNE em face dos PCNs traduziram no âmbito político-institucional do Estado as críticas à lógica centralizadora que, nos âmbitos acadêmico e escolar, especialistas e professores vinham formulando ao processo de elaboração dos PCNs.

As diretrizes

Fazendo eco ao art. 210 da Constituição Federal de 1988, as diretrizes são entendidas pelo CNE como linhas gerais de ação, como proposição de caminhos abertos à tradução em diferentes programas de ensino.

Neste sentido, a Resolução nº 2, de abril de 1998, da Câmara de Educação Básica, apresenta as DCNs como o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. Por sua vez, o Parecer da CEB nº 4/98 e a Resolução nº 2 de 1998 propõem sete diretrizes como referência para a organização do currículo escolar. Segundo esses documentos, as escolas deverão fundamentar suas ações pedagógicas em princípios éticos, políticos e estéticos. São princípios complementares, relacionados com a autonomia, responsabilidade e solidariedade, com a cidadania e a vida democrática. Os documentos também consideram a existência de princípios estéticos da sensibilidade, que devem conduzir as ações pedagógicas escolares ao reconhecimento da sensibilidade e criatividade do comportamento humano e à valorização da diversidade de manifestações artísticas e culturais da realidade brasileira.

Uma segunda diretriz refere-se ao reconhecimento da identidade pessoal de alunos, professores e demais profissionais que atuam na educação escolar, bem como da identidade institucional das escolas e dos sistemas de ensino. Na dimensão pessoal, a diretriz aponta para a necessidade de acolhida democrática pela escola das diversidades e peculiaridades de gênero, étnicas, etárias, regionais, socioeconômicas, culturais, psicológicas e físicas das pessoas implicadas diretamente com a educação escolar.

Como a Exposição de Motivos faz questão de ressaltar, essa diretriz vai ao encontro de dispositivos constitucionais e do Programa Nacional de Direitos Humanos, que reconhecem a dignidade da pessoa humana (art. 1º, 2º e 3º da CF), a igualdade perante a lei (art. 5º da CF), a necessidade de repúdio e condenação a quaisquer formas de discriminação (art. 3º da CF) e a promoção dos direitos humanos (PNDH).

A terceira diretriz considera o processo educacional como uma relação indissociável entre conhecimentos, linguagem e afetos, constituinte dos atos de ensinar e aprender. Segundo as DCNs, a afirmação dessa perspectiva deve conduzir à valorização do diálogo e à adoção de metodologias diversificadas em sala de aula, isto é, de múltiplas interações alunos/alunos, professores/ alunos, alunos/livros, vídeos, mídia, materiais didáticos etc., que permitam a expressão de níveis diferenciados de compreensão, de conhecimentos e de valores éticos, políticos e estéticos. Nesse caso, mesmo tratando-se de uma diretriz que tem implicações claramente pedagógicas, não há nenhuma referência explícita à proposta dos PCNs.

A quarta diretriz apóia-se no art. 9º da LDB para estabelecer conteúdos curriculares mínimos para a chamada Base Nacional Comum, destinados a legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional. Para o Parecer: (...) a instituição de uma Base Nacional Comum com uma Parte Diversificada, a partir da LDB, supõe um novo paradigma curricular que articule a Educação Fundamental com a Vida Cidadã.

O significado que atribuímos à Vida Cidadã é do exercício de direitos e deveres de pessoas, grupos e instituições na sociedade, que em sinergia, em movimento cheio de energias que se trocam e se articulam, influem sobre múltiplos aspectos, podendo assim viver bem e transformar a convivência para melhor.

Nesta perspectiva integradora, a base comum e a parte diversificada devem articular cidadania e conhecimento nos currículos da educação fundamental. Trata-se de uma dupla integração, que deve movimentar-se no interior e entre temas adscritos à cidadania e ao conhecimento escolar. A “vida cidadã” diz respeito a aspectos relacionados com saúde, sexualidade, vida familiar e social, meio ambiente, trabalho, ciência e tecnologia, cultura e linguagens. Já as “áreas de conhecimento” se referem à Língua Portuguesa, Língua Materna (para populações indígenas e migrantes), Matemática, Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Educação Religiosa.

Curiosamente, esta diretriz estabelece uma estrutura curricular básica, na qual os aspectos mais inovadores estão relacionados à “vida cidadã” e evocam os Temas Transversais propostos pelos PCNs sem fazer, no entanto, qualquer referência explícita a eles. Nesta diretriz, fica evidente a lógica da mútua omissão que tomou conta dos atores políticos do CNE.

Complementarmente, a quinta diretriz, em consonância com o artigo 27 da LDB, orienta as escolas no sentido da condução de propostas curriculares e de processos de ensino capazes de articular os conhecimentos e valores da Base Nacional Comum e da Parte Diversificada ao contexto social.

A sexta diretriz enfatiza a autonomia escolar e fundamenta-se novamente na LDB para orientar as escolas no uso da Parte Diversificada do currículo no desenvolvimento de atividades e projetos de seu interesse específico.

Nessa perspectiva, a diretriz apóia-se na LDB (art. 9º, IV) para reafirmar a competência de estados, municípios e estabelecimentos escolares no sentido de complementarem os currículos mínimos com uma parte diversificada.

Finalmente, a sétima diretriz diz respeito a propostas pedagógicas capazes de zelar pela existência de um clima escolar de cooperação e de condições básicas para planejar os usos do espaço e do tempo escolar.

Essa diretriz diz respeito, assim, às condições de possibilidades da interdisciplinaridade e transdisciplinariedade, do sistema seriado ou por ciclos, do currículo, da relação de a escola com a sociedade serem objeto de planejamento e avaliação constantes da escola e de sua proposta pedagógica.

Em síntese, a análise do processo de elaboração das DCNs permitiu-nos perceber que as tensões provocadas pelas diferentes perspectivas político-institucionais, sustentadas pelo MEC e pelo

CNE a respeito do papel que cabe ao Estado em relação à elaboração curricular, levaram o CNE a afirmar o “caráter não-obrigatório” dos PCNs. Essa tomada de posição dos atores políticos do

CNE pode ser confirmada por meio da análise das DCNs, que evidenciou a exclusão dos PCNs das referências mediadoras da definição de princípios e diretrizes curriculares para o conjunto do ensino fundamental no âmbito da Câmara de Educação Básica.

A seguir, veremos como se colocam essas tensões e referências em relação aos PCNs elaborados pelo MEC para o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental

O extenso documento que explicita a proposta de reorientação curricular para os anos finais do ensino fundamental, elaborado pela Secretaria de Educação Fundamental do MEC, foi publicado em 1998. É composto por dez volumes, organizados da seguinte forma: um é introdutório, oito são referentes às diversas Áreas de Conhecimento do terceiro e do quarto ciclos do ensino fundamental (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências Naturais, Educação Física, Arte e Língua Estrangeira), e o último volume trata dos Temas Transversais, que envolvem questões sociais relativas à: Ética, Saúde, Orientação Sexual, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo e Pluralidade Cultural.

Dada a finalidade que perseguimos neste texto, analisaremos apenas o volume Introdução, especificamente a segunda parte que apresenta os princípios gerais norteadores dos PCNs e estabelece os fundamentos de base para a elaboração dos documentos das Áreas de Conhecimento e dos Temas Transversais.

A Introdução está dividida em cinco partes. A primeira traz uma análise da conjuntura nacional e mundial cujo corolário é a necessidade de se fortalecer a educação básica. A segunda parte está voltada para a apresentação dos PCNs. Na terceira, a Introdução aborda aspectos do projeto educativo da escola, ao passo que a quarta parte procura caracterizar os alunos das últimas séries do ensino fundamental. Finalmente, a quinta parte analisa o uso escolar de tecnologias de informação e comunicação.

A primeira parte tem como pano de fundo a questão da relação educação/cidadania. Inicia-se com reflexões amplas, que fazem referência a orientações produzidas por “documentos de órgãos internacionais” e apresentam “desafios” para os sistemas educacionais colocados pelas tensões global/local; universal/ singular; cultura local/modernização dos processos produtivos; instantâneo, efêmero/durável; espiritual/material. Nessa parte, o documento também registra uma série de “recomendações” destinadas à escola, fundamentadas em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser.

Inclui, ainda, uma análise da educação brasileira e da situação funcional e de formação profissional dos professores, que leva em conta uma série de estatísticas educacionais, bem como dados sobre o desempenho dos alunos produzidos pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

Apoiado nessas análises, o documento estabelece desafios para a educação brasileira, em termos da garantia de acesso e permanência dos alunos na escola, de formação continuada em serviço dos professores, de melhoria física da escola e de introdução de recursos tecnológicos, sempre contando com o envolvimento e a participação da comunidade.

A disputa de competências

Passemos à segunda parte da Introdução, que será aqui analisada mais detalhadamente porque trata especificamente do Referencial Curricular Nacional para o Ensino Fundamental.

A análise dessa parte mostra que, na elaboração da proposta curricular para o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental, a Secretaria de Ensino Fundamental do MEC apoiou-se numa série de documentos que incluem as atribuições fixadas pela Constituição Federal e pela LDB e orientações fornecidas pelo Plano Nacional de Educação para Todos.

Para delimitar suas competências em matéria curricular, o MEC reafirma, à luz da Constituição de 1988, “(...) a necessidade e a obrigação do Estado de elaborar parâmetros claros, no campo curricular, capazes de orientar o ensino fundamental de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras”.

Por sua vez, para delimitar suas responsabilidades curriculares, o MEC toma como referência o artigo 9º da LDB que determina como “competência da União estabelecer, em colaboração com os estados, Distrito Federal e Municípios, diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum”.

Nesse ponto, o que chama a atenção do leitor é o fato de os mesmos dispositivos constitucionais e legais serem utilizados pelo MEC e pelo CNE para justificar suas responsabilidades e competências específicas em matéria curricular. Com efeito, em 1997, o CNE já tinha assumido o processo de elaboração de diretrizes curriculares para o ensino fundamental como parte de suas atribuições legais diretas, e tinha procurado imprimir a elas uma perspectiva descentralizada e colaborativa. Curiosamente, entretanto, o MEC invoca, no mesmo período, os mesmos artigos da CF e da LDB para justificar o fato de ter tomado para si a tarefa de fixar centralmente as diretrizes e os conteúdos mínimos para o ensino fundamental.

Os princípios e a organização curricular

A segunda parte da Introdução explicita que o termo “parâmetro” “visa comunicar a idéia de que, ao mesmo tempo em que se pressupõem e se respeitam as diversidades regionais, culturais, políticas, existentes no país, se constroem referências nacionais que possam dizer quais os ‘pontos comuns’ que caracterizam o fenômeno educativo em todas as regiões brasileiras”. Neste sentido, o documento frisa que a “abrangência nacional” do currículo visa a garantir a toda criança ou jovem brasileiro “o conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania para deles poder usufruir”.

Apesar da ênfase que os PCNs colocam na formação comum, a definição adotada para o currículo permite uma abertura da proposta à diversidade, na medida em que é considerado como “expressão de princípios e metas do projeto educativo, que precisam ser flexíveis para promover discussões e reelaborações quando realizado em sala de aula, pois é o professor que traduz os princípios elencados em prática didática”.

Princípios relacionados à articulação aluno/escola/cidadania e que reafirmam a abertura dos PCNs para a diversidade aparecem também na proposta de estrutura curricular.

De acordo com o documento, as principais referências utilizadas na definição das Áreas de Conhecimento e dos Temas Transversais encontram-se nos Objetivos Gerais do Ensino Fundamental, entendidos como aqueles que indicam “capacidades relativas aos aspectos cognitivo, afetivo, físico, ético, estético, de atuação e de inserção social, de forma a expressar a formação básica necessária para o exercício da cidadania e nortear a seleção de conteúdos”. O documento reitera que esses objetivos estão “formulados de modo a respeitar a diversidade social e cultural e são suficientemente amplos e abrangentes para que possam permitir a inclusão das características locais”.

No entanto, os PCNs também reafirmam sua opção pela educação comum. Considerando a existência de diferenças sociais e culturais marcantes, que determinam diferentes necessidades de aprendizagem, os PCNs aludem àquilo que é comum a todos, que um aluno de qualquer lugar do Brasil, do interior ou do litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, deve ter o direito de aprender, reafirmando que esse direito deve ser garantido pelo Estado.

Nessa perspectiva, o documento afirma o princípio da unidade na diversidade, visto que o estabelecimento de parâmetros curriculares comuns para todo o país, ao mesmo tempo em que visa a contribuir para a construção da unidade, busca garantir o respeito à diversidade, que é a marca cultural do país, por meio de adaptações que integrem as diferentes dimensões da prática educacional.

A organização do ensino em ciclos é outro dos postulados da proposta. Com o intuito de evitar “a excessiva fragmentação de objetivos e conteúdos” assim como uma visão “parcelada dos conhecimentos”, os PCNs propõem uma distribuição de objetivos e conteúdos em ciclos, o que permite trabalhar com dimensões de tempo mais amplas e flexíveis.

O documento apresenta ainda a estrutura básica e a concepção geral das diferentes áreas de conhecimento e os objetivos gerais de cada área em termos de capacidades que os alunos devem desenvolver ao longo da escolaridade obrigatória. Junto da apresentação dos conteúdos de cada área de conhecimento, o documento faz referência a conceitos, procedimentos, valores, normas e atitudes e indica critérios de avaliação da aprendizagem e orientações didáticas, inclusive para os Temas Transversais.

Dessa forma, embora o texto rejeite explicitamente qualquer viés de “modelo curricular homogêneo e impositivo”, o que encontramos nos PCNs são conteúdos e metodologias significativamente detalhadas em cada uma das “áreas” disciplinares propostas.

Como explicar essa aparente contradição?

Para entender essa situação, é preciso não esquecer que, apesar da insistência do texto no respeito dos referenciais curriculares às diversidades regionais, culturais e políticas existentes no país, o que

se percebe é uma ênfase significativa no princípio de igualdade, traduzido na preocupação com uma proposta curricular de caráter universal para o ensino de conteúdos comuns a todos, ainda que no interior de instituições diferenciadas.

Neste sentido, a análise do texto introdutório mostrou-nos que, apesar de a noção de parâmetro assumir no documento o caráter de referência, os PCNs colocam o ensino fundamental em face de um conjunto complexo e detalhado de concepções e orientações didáticas e metodológicas, conteúdos disciplinares e transversais, na perspectiva da formação básica comum.

No entanto, se pudemos constatar no documento introdutório aos PCNs para o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental uma ênfase maior no currículo comum, também foi possível encontrar uma preocupação explícita com a diversidade sociocultural e com a cidadania.

O fato mais relevante e que mais chamou nossa atenção durante a leitura dos PCNs é que, apesar da existência de documentos do CNE que tratam das diretrizes curriculares para a educação nacional, como a Exposição de Motivos que fundamentam as DCNs e das próprias DCNs, o MEC optou por ignorar essas referências, preferindo basear-se em documentos legais de caráter mais geral.

As evidências mais fortes da omissão do MEC em relação à elaboração curricular do CNE podem ser encontradas na seção Bibliografia, da Introdução aos PCNs. Na Bibliografia, com mais de 260 títulos, uma nota de pé de página esclarece que “Em todos os documentos que compõem os Parâmetros Curriculares, a bibliografia apresentada inclui apenas os títulos de obras que foram consultadas no seu processo de elaboração (...)”.

Nenhum documento elaborado pelo CNE, no entanto, figura entre as obras consultadas.

Considerações Finais

A análise das DCNS e dos PCNs para o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental levou-nos a questionar a forma de encaminhamento e o teor da proposta curricular do MEC. Percebemos que se tratava de uma política construída num movimento invertido, no qual os PCNs, apesar de serem instrumentos normativos de caráter mais específico, foram construídos e encaminhados de forma a reorientar um instrumento de caráter mais geral como as DCNs.

Esse fato levou a que se configurasse um tipo de relação entre o MEC e o CNE em que as tensões que perpassaram a definição de espaços e competências sobre a questão curricular acabaram por condenar as possíveis formas de colaboração entre esses dois atores políticos à lógica da mútua omissão.

No caso do CNE, foi estabelecida uma metodologia para a elaboração das DCNs que declarou os PCNs não-obrigatórios, ao mesmo tempo em que buscava basear-se apenas na Constituição e na legislação educacional precedente.

No caso do MEC, as referências para a elaboração dos PCNs foram buscadas na legislação e em agentes externos ao sistema público de ensino fundamental, e sua estratégia consistiu em ignorar as DCNs sob responsabilidade do CNE.

Esta mútua omissão não impediu, entretanto, que as duas elaborações curriculares – a do MEC e a do CNE – compartilhassem alguns princípios básicos, como o compromisso com a formação básica comum, a construção da cidadania e o respeito à diversidade cultural.

A elaboração dos PCNs criou um novo foco de resistência política no interior do CNE, que se somou às resistências enfrentadas pelo MEC no âmbito acadêmico e escolar. No entanto, essas resistências tiveram uma raiz comum assentada no fato de a competência e autonomia dos atores atuantes nesses âmbitos serem preteridas em favor de outros interlocutores e referenciais externos que foram privilegiados pelo MEC em sua elaboração curricular. Na tensão posta pela dimensão política da elaboração curricular, o CNE e o MEC acabaram por entrar num círculo vicioso de omissão mútua.

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

1. Introdução

Pelo Aviso nº 307, de 07/07/97, o Ministro da Educação e do Desporto encaminhou, para apreciação e deliberação da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), o documento que apresenta propostas de regulamentação da base curricular nacional e de organização do ensino médio. A iniciativa do Senhor Ministro, ao enviar o referido documento, não visou apenas cumprir a lei, que determina ao MEC elaborar a proposta de diretrizes curriculares para deliberação do Conselho, mas também estimular o debate em torno do tema no âmbito deste colegiado e da comunidade educacional aqui representada.

No esforço para responder à iniciativa do Ministério da Educação e do Desporto (MEC), a CEB/CNE viu-se assim convocada a ir além do cumprimento estrito de sua função legal. Procurou, dessa forma, recolher e elaborar as visões, experiências, expectativas e inquietudes em relação ao ensino médio que hoje estão presentes na sociedade brasileira, especialmente entre seus educadores, a maior parte das quais coincidem com os pressupostos, idéias e propostas do documento ministerial.

O presente parecer é fruto, portanto, da consulta a muitas e variadas vertentes. A primeira delas foram, desde logo, os estudos procedidos pelo próprio MEC, por intermédio da Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico (SEMTEC), que respondem pela qualidade técnica da proposta encaminhada ao Conselho Nacional de Educação. Esses estudos, bem como os especialistas que os realizaram, foram colocados à disposição da CEB, propiciando uma rica fonte de referências.

Os princípios pedagógicos discutidos na quarta parte visam traduzir o que já estava presente na proposta ministerial, dando indicações mais detalhadas do tratamento a ser adotado para os conteúdos curriculares. Da mesma forma, as áreas apresentadas para a organização curricular não diferem substancialmente daquelas constantes do documento original, ainda que antecedidas por considerações psicopedagógicas de maior fôlego.

O resultado do trabalho da CEB consubstanciado neste parecer está assim em sintonia com o documento encaminhado pelo MEC e integra-se, como parte normativa, às orientações constantes dos documentos técnicos preparados pela SEMTEC. Estes últimos, com recomendações sobre os conteúdos que dão suporte às competências descritas nas áreas de conhecimento estabelecidas no parecer, bem como sobre suas metodologias, deverão complementar a parte normativa para melhor subsidiar o planejamento curricular dos sistemas e de suas escolas de ensino médio.

Quando iniciou o exame sistemático das questões do ensino médio, a pauta da CEB já contabilizava avançado grau de amadurecimento em torno do tema das diretrizes curriculares para o ensino fundamental (DCNNF), elaboradas ao longo de 1997. Estas últimas, por sua vez, iniciaram-se quando da apreciação, pela CEB, dos Parâmetros Curriculares Nacionais recomendados pelo MEC para as quatro primeiras séries da escolaridade obrigatória.

Esta relatoria beneficiou-se, dessa forma, do trabalho realizado pela CEB para formular as DCNs, no tocante a três aspectos que são detidamente examinados no texto: o conceito de diretrizes adotado pela legislação e seu significado no momento atual; o papel do Conselho Nacional de Educação (CNE) na regulamentação dessa matéria; e os princípios estéticos, políticos e éticos que inspiram a LDB e, por conseqüência, devem inspirar o currículo. A decisão da CEB quanto a deter-se mais longamente neste terceiro aspecto deve-se, em grande medida, ao consenso construído durante a discussão das DCNs em torno desses princípios, que, por serem seu produto, nelas aparecem menos desenvolvidos.

Os temas específicos do ensino médio, a maioria deles polêmicos, foram exaustivamente escrutinados pela CEB nas sucessivas versões deste parecer. Esse trabalho coletivo materializou-se em contribuições escritas, comentários, sugestões, indicações bibliográficas, que foram incorporados ao longo de todo o parecer. A riqueza da contribuição dos conselheiros, que, em muitos casos, trouxeram visões e experiências de seus próprios espaços de atuação, foi inestimável para esclarecer a todos – sobretudo a esta relatoria – a complexidade e importância das normas que o parecer deve fundamentar.

Outra vertente importante do presente parecer foram as contribuições brasileiras e estrangeiras, no Seminário Internacional de Políticas de Ensino Médio, organizado pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED), em colaboração com a Secretaria de Educação de São Paulo, em 1996. Essa iniciativa ampliou a compreensão da problemática da etapa final de nossa educação básica, examinada à luz do que vem se passando com a educação secundária na Europa, América Latina e Estados Unidos da América do Norte. Sua importância foi tanto maior quanto mais débil é a tradição brasileira de ensino médio universalizado.

Finalmente, é preciso mencionar as contribuições, críticas e sugestões da comunidade educacional brasileira. Estas foram apresentadas nas duas audiências públicas organizadas pelo CNE, na reunião de trabalho com representantes dos órgãos normativos e executivos dos sistemas de ensino estaduais, e nas várias reuniões, seminários e debates em que as versões do texto em discussão foram apresentadas e apreciadas.

Em todas essas oportunidades, a participação solidária de muitas entidades educacionais foi decisiva para aprofundar a fundamentação teórica dos pressupostos e princípios presentes tanto no documento original do MEC, quanto no presente parecer. Entre essas entidades, situam-se a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED), a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), o CONSED, o Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação,

a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação, as universidades públicas e privadas, as associações de escolas particulares de ensino médio, as instituições do Sistema S (SENAI, SENAC, SENAR), a SEMTEC, as escolas técnicas federais.

À presença qualificada de tantas instituições da comunidade educacional no debate que antecedeu este parecer, deve ser acrescida a contribuição individual e anônima de inúmeros educadores brasileiros cujos trabalhos escritos, sugestões, críticas e questionamentos ajudaram no esforço de realizar a maior aproximação possível entre as recomendações normativas e as expectativas daqueles que, em última instância, serão responsáveis pela sua implementação.

Além de reconhecer a todos quantos contribuíram para a formulação da nova organização curricular para o ensino médio brasileiro, estas menções visam indicar o processo de consultas que, com a amplitude permitida pelas condições do país e as circunstâncias da Câmara de Ensino Básico do Conselho Nacional de Educação, recolheu o esforço e o consenso possíveis deste período tão decisivo para nosso desenvolvimento educacional.

2. Diretrizes Curriculares: O Papel do Conselho Nacional de Educação

Assim, ninguém discutiria que o legislador deve ocupar-se, sobretudo da educação dos jovens. De fato, nas cidades onde não ocorre assim, isso provoca danos aos regimes, uma vez que a educação deve adaptar-se a cada um deles: pois o caráter particular a cada regime não apenas o preserva, como também o estabelece em sua origem; por exemplo, o caráter democrático engendra a democracia e o oligárquico a oligarquia, e sempre o caráter melhor é causante de um regime melhor.

Fica claro, portanto que a legislação deve regular a educação e que esta deve ser obra da cidade. Não se deve deixar no esquecimento qual deve ser a educação e como se há de educar. Nos tempos modernos as opiniões sobre este tema diferem. Não há acordo sobre o que os jovens devem aprender, nem no que se refere à virtude nem quanto ao necessário para uma vida melhor. Tampouco está claro se a educação deveria preocupar-se mais com a formação do intelecto ou do caráter. Do ponto de vista do sistema educativo atual a investigação é confusa, e não há certeza alguma sobre se devem ser praticadas as disciplinas úteis para a vida ou as que tendem à virtude, ou as que se sobressaem do ordinário (pois todas elas têm seus partidários). No que diz respeito aos meios que conduzem à virtude não há acordo nenhum (de fato não honram, todos, a mesma virtude, de modo que diferem logicamente também sobre seu exercício).

a) Obrigatoriedade Legal e Consenso Político

A Lei nº 9.394/96, que Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), prevê em seu artigo 9º inciso IV, entre as incumbências da União, estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.

Essa incumbência que a lei maior da educação atribui à União reafirma dispositivos legais anteriores, uma vez que, já em 1995, a Lei nº 9.131, que trata do Conselho Nacional de Educação (CNE), define em seu artigo 9º alínea c, entre as atribuições da Câmara de Educação Básica (CEB) desse colegiado, deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto. A mencionada incumbência da União estabelecida pela LDB deve efetuar-se, assim, por meio de uma divisão de tarefas entre o MEC e o CNE.

No entanto, apesar de delegar ao executivo federal e ao CNE o estabelecimento de diretrizes curriculares, a LDB não quis deixar passar a oportunidade de ser, ela mesma, afirmativa na matéria. Além daquelas indicadas para a educação básica como um todo no artigo 27, diretrizes específicas para os currículos do ensino médio constam do artigo 36 e seus incisos e parágrafos.

A este Conselho cabe tomar decisões sobre matéria que já está explicitamente indicada no diploma legal mais abrangente da educação brasileira, o que imprime às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), objeto do presente Parecer e Deliberação, significado e magnitude específicos.

“Diretriz” refere-se tanto a direções físicas quanto a indicações para a ação. Linha reguladora do traçado de um caminho ou de uma estrada, no primeiro caso, conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio, etc., no segundo caso. Enquanto linha que dirige o traçado da estrada a diretriz é mais perene. Enquanto indicação para a ação ela é objeto de um trato ou acordo entre as partes e está sujeita a revisões mais freqüentes.

Utilizando a analogia, pode-se dizer que as diretrizes da educação nacional e de seus currículos, estabelecidas na LDB, correspondem à linha reguladora do traçado que indica a direção, e devem ser mais duradouras. Sua revisão, ainda que possível, exige a convocação de toda a sociedade, representada no Congresso Nacional. Por tudo isso são mais gerais, refletindo a concepção prevalecente na Constituição sobre o papel do Estado Nacional na educação. As diretrizes deliberadas pelo CNE estarão mais próximas da ação pedagógica, são indicações para um acordo de ações e requerem revisão mais frequente.

A expressão “diretrizes e bases” foi objeto de várias interpretações ao longo da evolução da educação nacional. Segundo Horta, a interpretação dos educadores liberais para a expressão “diretrizes e bases”, durante os embates da década de 40, contrapunha-se à idéia autoritária e centralizadora de que a União deveria traçar valores universais e “preceitos diretores”, na expressão de Gustavo Capanema. Segundo o autor, para os liberais: “Diretriz” é a linha de orientação, norma de conduta. “Base” é superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só preceitos genéricos e fundamentais.

Na Constituição de 1988, a introdução de competência de legislação concorrente em matéria educacional para estados e municípios, reforça o caráter de “preceitos genéricos” das normas nacionais de educação. Fortalece-se, assim, o federalismo pela ampliação da competência dos entes federados, promovida pela descentralização.

Oito anos, depois a LDB confirma e dá maior conseqüência a esse sentido descentralizador, quando afirma, no parágrafo 2º de seu artigo 8º: Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei. Mais ainda, adotando a flexibilidade como um de seus eixos ordenadores3, a LDB cria condições para que a descentralização seja acompanhada de uma desconcentração de decisões que, a médio e longo prazo, permita às próprias escolas construírem “edifícios” diversificados sobre a mesma “base”.

A lei indica explicitamente essa desconcentração em pelo menos dois momentos: no artigo 12, quando inclui a elaboração da proposta pedagógica e a administração de seus recursos humanos e financeiros entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino; e no artigo 15, quando afirma: Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.

Mas ao mesmo tempo, a Constituição e a legislação que a seguiu, permanecem reafirmando que é preciso garantir uma base comum nacional de formação. A preocupação constitucional é indicada no artigo 210 da Carta Magna: Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

A Lei nº 9.131/95 e a LDB ampliam essa tarefa para toda a educação básica e delegam, em caráter propositivo ao MEC e deliberativo ao CNE, a responsabilidade de trazer as diretrizes curriculares da LDB para um plano mais próximo da ação pedagógica, para dar maior garantia à formação nacional comum.

É, portanto, no âmago da tensão entre o papel mais centralizador ou mais descentralizador do Estado Nacional que se situa a tarefa da Câmara de Educação Básica do CNE ao estabelecer as diretrizes curriculares para o ensino médio. Cumprindo seu papel de colocar as diferentes instâncias em sintonia, estas terão de administrar aquela tensão para lograr equilíbrio entre diretrizes nacionais e proposta pedagógica da escola, mediada pela ação executiva, coordenadora e potencializadora dos sistemas de ensino.

Essa concepção resgata a interpretação federalista que foi dada ao termo “diretriz” na

Constituinte de 1946. Não deixa sem acabamento o papel da União, mas o redefine como iniciativa de um acordo negociado sob dois pressupostos. O primeiro diz respeito à natureza da doutrina pedagógica, sempre sujeita a questionamentos e revisões. O segundo refere-se à legitimidade do CNE como organismo de representação específica do setor educacional e apto a interagir com a comunidade que representa.

É esse o sentido que Cury4 dá às diretrizes curriculares para a educação básica deliberadas pela CEB do CNE: Nascidas do dissenso, unificadas pelo diálogo, elas não são uniformes, não são toda a verdade, podem ser traduzidas em diferentes programas de ensino e, como toda e qualquer realidade, não são uma forma acabada de ser.

Vale dizer que a legitimidade do CNE quando, ao fixar diretrizes curriculares, intervém na organização das escolas, se está respaldada nas funções que a lei lhe atribui, subordina-se aos princípios das competências federativas e da autonomia. Por outro lado, a competência dos entes federados e a autonomia pedagógica dos sistemas de ensino e suas escolas serão exercidas de acordo com as diretrizes curriculares nacionais.

Nessa perspectiva, a tarefa do CNE no tocante às DCNEM, se exerce visando a três objetivos principais:

· sistematizar os princípios e diretrizes gerais contidos na LDB;

· explicitar os desdobramentos desses princípios no plano pedagógico e traduzi-los em diretrizes que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional;

· dispor sobre a organização curricular da formação básica nacional e suas relações com

a parte diversificada, e a formação para o trabalho.

Estas DCNEM não pretendem, portanto, ser as últimas, porque no âmbito pedagógico nada encerra toda a verdade, tudo comporta e exige contínua atualização. Enquanto expressão das diretrizes e bases da educação nacional serão obrigatórias uma vez aprovadas e homologadas. Enquanto contribuição de um organismo colegiado, de representação convocada, sua obrigatoriedade não se dissocia da eficácia que tenham como orientadoras da prática pedagógica e subordina-se à vontade das partes envolvidas no acordo que representam.

A título de conclusão, e usando de licença poética incomum nos documentos deste Conselho, as DCNEM poderiam ser comparadas a certo objeto efêmero cantado pelo poeta: não podem ser imortais porque nascidas da chama indispensável a qualquer afirmação pedagógica.

Mas espera-se que sejam infinitas enquanto durem.

b) Educação Pós-Obrigatória no Brasil: exclusão a ser superada

Até o presente, a organização curricular do ensino médio brasileiro teve como referência mais importante os requerimentos do exame de ingresso à educação superior.

A razão disso, fartamente conhecida e documentada, pode ser resumida muito simplesmente: num sistema educacional em que poucos conseguem vencer a barreira da escola obrigatória, os que chegam ao ensino médio destinam-se, em sua maioria, aos estudos superiores para terminar sua formação pessoal e profissional. Mas essa situação está mudando e vai mudar ainda mais significativamente nos próximos anos.

A demanda por ascender a patamares mais avançados do sistema de ensino é visível na sociedade brasileira. Essa ampliação de aspirações decorre não apenas da urbanização e modernização conseqüentes do crescimento econômico, mas também de uma crescente valorização da educação como estratégia de melhoria de vida e empregabilidade. Dessa forma, aquilo que no plano legal foi durante décadas estabelecido como obrigação, passa a integrar, no plano político, o conjunto de direitos da cidadania.

O aumento ainda lento, porém contínuo, dos que conseguem concluir a escola obrigatória, associado à tendência para diminuir a idade dos concluintes, vai permitir a um número crescente de jovens ambicionar uma carreira educacional mais longa. Por outro lado, a demanda por ensino médio vai também partir de segmentos já inseridos no mercado de trabalho que aspiram a melhoria salarial e social e precisam dominar habilidades que permitam assimilar e utilizar produtivamente recursos tecnológicos novos e em acelerada transformação.

No primeiro caso, são jovens que aspiram a melhores padrões de vida e de emprego. No segundo são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens e jovens adultos originários de grupos sociais, até o presente, sub-representados nessa etapa da escolaridade.

As estatísticas recentes confirmam essa tendência. Desde meados dos anos 80 foi no ensino médio que se observou o maior crescimento de matrículas no país. De 1985 a 1994, esse crescimento foi em média de mais de 100%, enquanto no ensino fundamental foi de 30%.

A hipótese de que a expansão quantitativa vem ocorrendo pela incorporação de grupos sociais até então excluídos da continuidade de estudos após o fundamental, fica reforçada quando se observa o padrão de crescimento da matrícula: concentrado nas redes públicas, e, nestas, predominantemente nos turnos noturnos, que representaram 68% do aumento total. No mesmo período (85 a 94) a matrícula privada, que na década anterior havia crescido 33%, apresentou um aumento de apenas 21%.

Se o aumento observado da matrícula já preocupa os sistemas de ensino, a situação é muito mais grave quando se considera a demanda potencial. O Brasil continua apresentando a insignificante taxa líquida de 25% de escolaridade da população de 15 a 17/18 anos no ensino médio. Outros tantos dessa faixa etária, embora no sistema educacional, ainda estão presos na armadilha da repetência e do atraso escolar do ensino fundamental.

Considerando que o egresso do ensino fundamental tem permanecido em média, onze e não oito anos na escola, a correção do fluxo de alunos desse nível, se bem sucedida, vai colocar às portas do ensino médio um grande número de jovens cuja expectativa de permanência no sistema já ultrapassa os oito anos de escolaridade obrigatória.

A expectativa de crescimento do ensino médio é ainda reforçada pelo fenômeno chamado

“onda de adolescentes”, identificado em recentes estudos demográficos: De fato, enquanto a geração dos adolescentes de 1990 era numericamente superior à geração de adolescentes de 1980 em 1 milhão de pessoas, as gerações de adolescentes em 1995 e 2000 serão maiores do que as gerações de 1985 e 1990 em 2.3 e 2.8 milhões de pessoas, respectivamente. No ano 2005, este incremento cairá para o nível de 500 mil pessoas, caracterizando o fim desta onda de adolescentes.

Mesmo considerando o gradativo declínio do número de adolescentes, caracterizado pela mencionada “onda”, os números absolutos são enormes e dão uma idéia mais precisa do desafio educacional que o país enfrentará. Pela contagem da população realizada em 1996 (IBGE), em 1999 o Brasil terá 14.300.448 pessoas com idade entre 15 e 18 anos. Esse número cairá para a casa dos 13 milhões a partir de 2001, e para a casa dos 12 milhões a partir de 2007. No início da segunda década do próximo milênio (2012), depois do fenômeno da onda de adolescentes, o país ainda terá 12.079.520 jovens nessa faixa etária.

Contam-se, portanto em números de oito dígitos os cidadãos e cidadãs brasileiros a quem será preciso oferecer alternativas de educação e preparação profissional para facilitar suas escolhas de trabalho, de normas de convivência, de formas de participação na sociedade. E quanto mais melhorar o desempenho do ensino fundamental, mais esse desafio se concentrará no ensino médio.

Essa tendência já pode ser observada, conforme prossegue o estudo da Fundação SEADE: Em 1992, cerca de 64% dos adolescentes já estavam fora da escola; em 1995, apenas três anos depois, este percentual já havia decrescido para algo em torno de 42%. Como consequência da maior permanência no sistema escolar, cresce de forma expressiva a proporção de adolescentes que avançam além dos quatro primeiros anos. O mesmo se dá, de alguma maneira, em relação à conclusão do primeiro grau e do segundo grau.

Finalmente, como mostra o mencionado estudo, a onda de adolescentes acontece num momento de escassas oportunidades de trabalho e crescente competitividade pelos postos existentes. Na verdade, os dois fenômenos somados – escassez de emprego e aumento geracional de jovens – respondem pela expressiva diminuição, na população de adolescentes, da porcentagem dos que já fazem parte da população economicamente ativa. Este é um indicador a mais de que essa população vai tentar permanecer mais tempo no sistema de ensino, na expectativa de receber o preparo necessário para conseguir um emprego.

A capacidade do país para atender essa demanda é muito limitada. Menos de 50% de toda a população de 15 a 17 anos está matriculada na escola, e destes, metade ainda está no ensino fundamental. Segundo os dados da UNESCO8, o Brasil tem uma das mais baixas taxas de matrícula bruta nessa faixa etária, comparada à de vários países da América Latina, para não dizer da Europa, América do Norte ou Ásia.

No continente latino-americano, os países que têm uma taxa bruta de matrícula da população de 14 a 17 anos menor que a brasileira concentram-se na América Central: Costa Rica, Nicarágua, República Dominicana, Honduras, Haiti, El Salvador e Guatemala. Entre os que, desde 95, ultrapassavam os 50% estão Peru, Colômbia, México e Equador. Dos parceiros do MERCOSUL apenas Paraguai e Bolívia têm situação pior: 37% e 40%, respectivamente. Argentina (76%), Chile (73%) e Uruguai (81%) estão melhores que os “tigres asiáticos” (72%) e caminham para alcançar a média dos países desenvolvidos (90%).

Não é apenas em virtude de seu tamanho e complexidade, nem mesmo dos muitos equívocos educacionais cometidos no passado, que um país, cuja economia concorre em tamanho com o Canadá, apresenta indicadores de cobertura do ensino médio inferiores aos da Argentina, Colômbia, Chile, Uruguai, México, Equador e Peru.

Esse desequilíbrio se explica também por décadas de crescimento econômico excludente,

que aprofundou a fratura social e produziu a pior distribuição de renda do mundo. A esse padrão de crescimento associa-se uma desigualdade educacional que transformou em privilégio o acesso a um nível de ensino cuja universalização é hoje considerada estratégica para a competitividade econômica e o exercício da cidadania.

Até meados deste século o ponto de ruptura do sistema educacional brasileiro situou-se, na zona rural, no acesso à escola obrigatória, e, nas zonas urbanas, na passagem entre o antigo primário e o secundário, ritualizada pelo exame de admissão. Com a quase universalização do ensino fundamental de oito anos, a ruptura passou a expressar-se de outras formas: por diferenciação de qualidade, dentro do ensino fundamental, atestada pelas altíssimas taxas de repetência e evasão; e, mais recentemente, pela existência de uma nova barreira de acesso, agora no limiar e dentro do ensino médio. A falta de vagas no ensino médio público; a segmentação por qualidade, aguda no setor privado, mas presente também no público; o aumento da repetência e da evasão que estão acompanhando o crescimento da matrícula gratuita do ensino médio alertam para o fato de que a extensão desse ensino a um número maior e muito mais diversificado de alunos será uma tarefa tecnicamente complexa e politicamente conflitiva.

Pelo caráter que assumiu na historia educacional de quase todos os países, a educação média é particularmente vulnerável à desigualdade social. Enquanto a finalidade do ensino fundamental nunca está em questão, no ensino médio se dá uma disputa permanente entre orientações mais profissionalizantes ou mais acadêmicas, entre objetivos humanistas e econômicos. Essa tensão de finalidades se expressa em privilégios e exclusões quando, como ocorre no caso brasileiro, a origem social é o fator mais forte na determinação de quais têm acesso à educação média e à qual modalidade se destinam.

Analisando essa questão, Cury afirma sobre esse nível de ensino: Expressando um momento em que se cruzariam idade, competência, mercado de trabalho e proximidade da maioridade civil, expõe um nó das relações sociais no Brasil manifestando seu caráter dual e elitista, através mesmo das funções que lhe são historicamente atribuídas: a função formativa, a propedêutica e a profissionalizante.

E prossegue: a propedêutica de elites cuja extração se dá nos estratos superiores de uma sociedade agrária e hierarquizada, incontestavelmente deixou seqüelas (talvez mais do que isso) até hoje. A função propedêutica, dentro deste modelo, tem um nítido sentido elitista e de privilégio, com destinação social explícita. E esta associação entre propedêutica e elite ganhará sua expressão doutrinária máxima tanto na Constituição de 1937 como na Exposição de Motivos que acompanha a reforma do ensino secundário do Decreto-Lei nº 4.244/42.

A Constituição de 1937 é clara no seu artigo 129, cita o autor: O ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado.

Já a exposição de motivos de Capanema em 1942, ainda segundo Cury, é conseqüente com este princípio discriminatório ao dizer que, “além da formação da consciência patriótica o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo”.

É, portanto, do ensino médio que se vem cobrando uma definição sobre o destino social dos alunos, cobrança esta que ficou clara com a política, afinal fracassada, de profissionalização universal criada pela Lei nº 5.692/7111. E nunca é demais lembrar que os concluintes da escola obrigatória ainda constituem uma minoria selecionada de sobreviventes do ensino fundamental.

Com a melhoria deste último, espera-se que a maioria consiga cumprir as oito séries da escola obrigatória. A universalização do ensino médio, além de mandamento legal, será assim uma demanda social concreta. É tempo de pensar na escola média a ser oferecida a essa população.

Os finais dos anos 90 inspiram momentos de rara lucidez, como o que teve Ítalo Calvino quando afirmou que só aquilo que formos capazes de construir neste milênio poderemos levar para o próximo. O Brasil não tem para legar ao século XXI uma tradição consolidada de educação média democrática de qualidade. Mas tem o legado valioso da lição aprendida com a expansão do ensino fundamental: não é possível oferecer a todos uma escola programada para excluir a maioria, sem aprofundar a desigualdade, porque, em educação escolar, a superação de exclusões seculares requer ir além do “fazer mais do mesmo”.

Neste sentido, vale a pena citar a mensagem que o mencionado estudo demográfico da

Fundação SEADE envia aos que labutam na educação, após analisar dados etários e de trabalho e escolaridade na população adolescente:

Já na antevéspera do ano 2000 – após sofrida trajetória que, certamente, inclui mais de uma repetência e períodos intermitentes fora da escola – os filhos das famílias mais pobres deste país estão finalmente descobrindo a importância da escola, indo para além dos quatro primeiros anos iniciais, mesmo nos Estados mais atrasados, e já batendo nas portas do ensino secundário nos Estados do sul. Não temos mais o direito de repetir erros agora, quando estamos repensando a educação deste país e nos preparando para a árdua luta da competição internacional. É fundamental criar todo tipo de incentivo e retirar todo tipo de obstáculo para que os jovens permaneçam no sistema escolar. As questões que envolvem o adolescente de hoje não podem mais ser pensadas fora das relações mais ou menos tensas com o mundo do trabalho, fora de sua condição de grande consumidor potencial de bens e serviços em uma sociedade de massas, onde a escolarização não se limita mais aos jovens e o trabalho não é só de adultos, ou fora de suas relações de autonomia ou dependência para com a ordem jurídica e política.

O momento que vive a educação brasileira nunca foi tão propício para pensar a situação de nossa juventude numa perspectiva mais ampla do que a de um destino dual. A nação anseia por superar privilégios, entre eles os educacionais, a economia demanda recursos humanos mais qualificados. Esta é uma oportunidade histórica para mobilizar recursos, inventividade e compromisso na criação de formas de organização institucional, curricular e pedagógica que superem o status de privilégio que o ensino médio ainda tem no Brasil, para atender, com qualidade, clientelas de origens, destinos sociais e aspirações muito diferenciadas.

c) As Bases Legais do Ensino Médio Brasileiro

O marco desse momento histórico está dado pela LDB, que aponta o caminho político para o novo ensino médio brasileiro. Em primeiro lugar destaca-se a afirmação do seu caráter de formação geral, superando no plano legal a histórica dualidade dessa etapa de educação:

Artigo 21 – A educação escolar compõe-se de:

I. Educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II. Educação superior.

Como bem afirma o documento do MEC que encaminha ao CNE a proposta de organização curricular do ensino médio, ao incluir este último na educação básica, a LDB transforma em norma legal o que já estava anunciado no texto constitucional: Na verdade, a Constituição de 1988 já prenunciava isto quando, no inciso II do artigo 208, garantia como dever do Estado a “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio”.

Posteriormente, a emenda Constitucional nº 14/96 altera a redação desse inciso, sem que se altere neste aspecto o espírito da redação original, inscrevendo no texto constitucional a

“progressiva universalização do ensino médio gratuito”. A Constituição, portanto confere a este nível de ensino o estatuto de direito de todo o cidadão. O ensino médio passa, pois a integrar a etapa do processo educacional que a nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, inclusive para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação, e para o desenvolvimento pessoal.

O caráter de educação básica do ensino médio ganha conteúdo concreto quando, em seus artigos 35 e 36, a LDB estabelece suas finalidades, traça as diretrizes gerais para a organização curricular e define o perfil de saída do educando:

Artigo 35 – O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I. A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II. A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III. O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV. A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Artigo 36 – O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

I. Destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

II. Adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;

III. Será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo dentro das disponibilidades da instituição.

Parágrafo primeiro – Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I. Domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II. Conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III. Domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.

Parágrafo segundo – O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.

Parágrafo terceiro – Os cursos de ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.

Parágrafo quarto – A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional. A lei sinaliza, pois, que mesmo a preparação para o prosseguimento de estudos terá como conteúdo não o acúmulo de informações, mas a continuação do desenvolvimento da capacidade de aprender e a compreensão do mundo físico, social e cultural, tal como prevê o artigo 32 para o ensino fundamental, do qual o nível médio é a consolidação e o aprofundamento.

A concepção da preparação para o trabalho, que fundamenta o artigo 35, aponta para a superação da dualidade do ensino médio: essa preparação será básica, ou seja, aquela que deve ser base para a formação de todos e para todos os tipos de trabalho. Por ser básica, terá como referência as mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a importância da capacidade de continuar aprendendo; não se destina apenas àqueles que já estão no mercado de trabalho ou que nele ingressarão a curto prazo; nem será preparação para o exercício de profissões específicas ou para a ocupação de postos de trabalho determinados.

Assim entendida, a preparação para o trabalho – fortemente dependente da capacidade de aprendizagem – destacará a relação da teoria com a prática e a compreensão dos processos produtivos enquanto aplicações das ciências, em todos os conteúdos curriculares. A preparação básica para o trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular em particular, pois o trabalho deixa de ser obrigação – ou privilégio – de conteúdos determinados para integrar-se ao currículo como um todo. Finalmente, no artigo 36, as diretrizes para a organização do currículo do ensino médio, a fim de que o aluno apresente o perfil de saída preconizado pela lei, estabelecem o conhecimento dos princípios científicos e tecnológicos da produção no nível do domínio, reforçando a importância do trabalho no currículo.

Destaca-se a importância que o artigo 36 atribui às linguagens: à língua portuguesa, não apenas enquanto expressão e comunicação, mas como forma de acessar conhecimentos e exercer a cidadania; às linguagens contemporâneas, entre as quais é possível identificar suportes decisivos para os conhecimentos tecnológicos a serem dominados.

Entendida a preparação para o trabalho no contexto da educação básica, da qual o ensino médio passa a fazer parte inseparável, o artigo 36 prevê a possibilidade de sua articulação com cursos ou programas diretamente vinculados à preparação para o exercício de uma profissão, não sem antes: reiterar a importância da formação geral a ser assegurada; e definir a equivalência de todos os cursos de ensino médio para efeito de continuidade de estudos. Neste sentido, e coerente com o princípio da flexibilidade, a LDB abre aos sistemas e escolas muitas possibilidades de colaboração e articulação institucional a fim de que os tempos e espaços da formação geral fiquem preservados e a experiência de instituições especializadas em educação profissional seja aproveitada, de modo a responder às necessidades heterogêneas dos jovens brasileiros.

d) O Ensino Médio no Mundo: Uma transformação acelerada

O desafio de ampliar a cobertura do ensino médio ocorre no Brasil ao mesmo tempo em

que, no mundo todo, a educação posterior à primária passa por revisões radicais nas suas formas de organização institucional e nos seus conteúdos curriculares.

Etapa da escolaridade que tradicionalmente acumula as funções propedêuticas e de terminalidade, ela tem sido a mais afetada pelas mudanças nas formas de conviver, de exercer a cidadania e de organizar o trabalho, impostas pela nova geografia política do planeta, pela globalização econômica e pela revolução tecnológica.

A facilidade de acessar, selecionar e processar informações está permitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este se revela cada vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilidades requeridas por uma organização da produção na qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais importantes, comparadas à repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca, há um forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça de fragmentação e segmentação. Essa mudança de paradigmas – no conhecimento, na produção e no exercício da cidadania – colocou em questão a dualidade, mais ou menos rígida dependendo do país, que presidiu a oferta de educação pós obrigatória.

Inicia-se, assim, em meados dos anos 80 e primeira metade dos 90 um processo, ainda em curso, de revisão das funções tradicionalmente duais da educação secundária, buscando um perfil de formação do aluno mais condizente com as características da produção pós-industrial. O esforço de reforma teve com forte motivação inicial as mudanças econômicas e tecnológicas.

Descontadas as peculiaridades dos sistemas educacionais dos diferentes países e até mesmo o grau de sucesso até hoje alcançado pelos esforços de reforma, destacam-se duas características comuns a todas elas: progressiva integração curricular e institucional entre as várias modalidades da etapa de escolaridade média; e visível desespecialização das modalidades profissionalizantes.

Numa velocidade nunca antes experimentada, esse processo de reforma, que poderia ter evoluído para o reforço – apenas mais otimista – da subordinação do ensino médio às necessidades da economia, rapidamente incorpora outros elementos. No bojo das iniciativas que começaram em meados dos 80, a segunda metade dos anos 90 assiste ao surgimento de uma nova geração de reformas.

Estas já não pretendem apenas a desespecialização da formação profissional. Tampouco se limitam a tornar menos “acadêmica” e mais “prática” a formação geral. O que se busca agora é uma redefinição radical e de conjunto do segmento de educação pós-obrigatoriedade. À forte referência às necessidades produtivas e à ênfase na unificação, características da primeira fase de reformas, agregam-se agora os ideais do humanismo e da diversidade.

Segundo Azevedo: Neste conflito de finalidades parece, por vezes, emergir a oportunidade “histórica”, segundo Tedesco, de aproximar ambas as finalidades, numa nova tensão, esta agora mais potenciadora do desenvolvimento humano. E prossegue: não é tanto o ensino técnico e a formação profissional que carecem de reformas mais ou menos desespecializadoras e unificadoras, é também o ensino geral que precisa de profunda revisão, ou seja, todas as vias e modalidades de ensino, desde as mais profissionais até às mais “liberais, são chamadas a contribuir de outro modo para um desenvolvimento mais equilibrado da personalidade dos indivíduo.

A União Européia manifestou-se de forma contundente a favor da unificação do ensino médio, mas alerta para a exigência de considerar outras necessidades, além das que são sinalizadas pela organização do trabalho. E busca sustentação para sua posição no pensamento do próprio empresariado europeu: a missão fundamental da educação consiste em ajudar cada indivíduo a desenvolver todo o seu potencial e a tornar-se um ser humano completo, e não um mero instrumento da economia; a aquisição de conhecimentos e competências deve ser acompanhada pela educação do caráter, a abertura cultural e o despertar da responsabilidade social.

A mesma orientação segue a UNESCO no relatório da Reunião Internacional sobre

Educação para o século XXI. Esse documento apresenta as quatro grandes necessidades de aprendizagem dos cidadãos do próximo milênio às quais a educação deve responder: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. E insiste em que nenhuma delas deve ser negligenciada.

É sintomático que, diante do desafio que representam essas aprendizagens, se assista a uma revalorização das teorias que destacam a importância dos afetos e da criatividade no ato de aprender. A integração das cognições com as demais dimensões da personalidade é o desafio que as tarefas de vida na sociedade da informação e do conhecimento estão (re) pondo à educação e à escola.

A reposição do humanismo nas reformas do ensino médio deve ser entendida então como busca de saídas para possíveis efeitos negativos do pós industrialismo. Diante da fragmentação gerada pela quantidade e velocidade da informação, é para a educação que se voltam as esperanças de preservar a integridade pessoal e estimular a solidariedade.

Espera-se que a escola contribua para a constituição de uma cidadania de qualidade nova, cujo exercício reúna conhecimentos e informações a um protagonismo responsável, para exercer direitos que vão muito além da representação política tradicional: emprego, qualidade de vida, meio ambiente saudável, igualdade de homens e mulheres, enfim, ideais afirmativos para a vida pessoal e para a convivência.

Diante da violência, do desemprego e da vertiginosa substituição tecnológica, revigoram-se as aspirações de que a escola, especialmente a média, contribua para a aprendizagem de competências de caráter geral, visando a constituição de pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças, pratiquem a solidariedade e superem a segmentação social.

Nos países de economia emergente, a essas preocupações somam-se ainda aquelas geradas pela necessidade de promover um desenvolvimento que seja sustentável a longo prazo e menos vulnerável à instabilidade causada pela globalização econômica. A sustentabilidade do desenvolvimento, até os anos 70 considerada apenas em termos de acumulação de capital físico e financeiro, revelou-se a partir dos 80 fortemente associada à qualidade dos recursos humanos e à adoção de formas menos predatórias de utilização dos recursos naturais. Mais uma vez é sobre a educação média, ou sobre a sua ausência em quantidade e qualidade satisfatórias, que converge o centro de gravidade do sistema educacional.

Nas condições contemporâneas de produção de bens, serviços e conhecimentos, a preparação de recursos humanos para um desenvolvimento sustentável supõe desenvolver a capacidade de assimilar mudanças tecnológicas e adaptar-se a novas formas de organização do trabalho. Esse tipo de preparação faz necessário o prolongamento da escolaridade e a ampliação das oportunidades de continuar aprendendo. Formas equilibradas de gestão dos recursos naturais, por seu lado, exigem políticas de longo prazo, geridas ou induzidas pelo Estado e sustentadas de modo contínuo e regular por toda a população, na forma de hábitos preservacionistas racionais e bem informados.

Contextualizada no cenário mundial, e vista sob o prisma da extrema desigualdade que marca seu sistema de ensino, a situação do Brasil é verdadeiramente alarmante. O ensino médio de maioria é ainda um ideal a ser colocado em prática. Para isso será necessário sair do século XIX e chegar ao XXI suprimindo etapas nas quais, ao longo do século XX, muitos países ousaram experimentar e aprender.

No entanto, vista sob o prisma da vontade nacional expressa na LDB, a situação brasileira

é rica de possibilidades. O projeto de ensino médio do país está definido, nas suas diretrizes e bases, em admirável sintonia com a última geração de reformas do ensino médio no mundo. O exercício de aproximação dos séculos poderá ser feito de forma inteligente se tivermos presente a experiência de outros países para evitar os equívocos que eles não puderam evitar.

e) Respostas a uma convocação

Sintonizada com as demandas educacionais mais contemporâneas e com as iniciativas mais recentes que os sistemas de ensino do mundo todo vêm articulando para respondê-las, a LDB busca conciliar humanismo e tecnologia, conhecimento dos princípios científicos que presidem a produção moderna e exercício da cidadania plena, formação ética e autonomia intelectual. Esse equilíbrio entre as finalidades “personalistas” e “produtivistas” requer uma visão unificadora, um esforço tanto para superar os dualismos, quanto diversificar as oportunidades de formação.

Tornar realidade esse ensino médio ao mesmo tempo unificado e diversificado vai exigir muito mais do que traçar grades curriculares que mesclam ou justapõem disciplinas científicas e humanidades com pitadas de tecnologia. Tampouco será solução dissimular a formação básica sob o rótulo de disciplinas pseudoprofissionalizantes, como ocorreu após a Lei nº 5.692/71, ou, ao revés, oferecer habilitação profissional disfarçada de “educação básica” só porque agora assim mandam as novas diretrizes e bases da educação.

Mais que um conjunto de regras a ser obedecido, ou burlado, a LDB é uma convocação que oferece à criatividade e ao empenho dos sistemas e suas escolas a possibilidade de múltiplos arranjos institucionais e curriculares inovadores. É da exploração dessa possibilidade, muito mais que do cumprimento burocrático dos mandamentos legais, que deverão nascer as diferentes formas de organização do ensino médio, integradas internamente, diversificadas nas suas formas de inserção no meio sociocultural, para atender um segmento jovem e jovem adulto cujos itinerários de vida serão cada vez mais imprevisíveis, mas que temos por responsabilidade balizar em marcos de maior justiça, igualdade, fraternidade e felicidade.

A resposta a uma convocação dessa natureza exige o diálogo e a busca de consensos sobre os valores, atitudes, padrões de conduta e diretrizes pedagógicas que a mesma LDB propõe como orientadores da jornada, que será longa e cheia de obstáculos. Deter-se sobre o plano axiológico e tentar traduzi-lo em uma doutrina pedagógica coerente não significa ignorar o operativo, a falta de professores preparados, a precariedade de financiamento. Ao contrário, o esforço doutrinário se justifica porque a superação desse estado crônico de carências requer clareza de finalidades, conjugação de esforços e boa vontade para superar conflitos, que só a comunhão de valores pode propiciar.

3. Fundamentos Estéticos, Políticos e Éticos do Novo Ensino Médio Brasileiro

Houve tempo em que os deuses existiam, mas não as espécies mortais. Quando chegou o momento assinalado pelo destino para sua criação, os deuses formaram-nas nas entranhas da terra, com uma mistura de terra, de fogo e dos elementos associados ao fogo e à terra. Quando chegou a ocasião de trazê-las à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu de provê-las de qualidades apropriadas. Mas Epimeteu pediu a Prometeu que lhe deixasse fazer sozinho a partilha. “Quando acabar, disse ele, tu virás examiná-la”. Satisfeito o pedido, procedeu à partilha, atribuindo a uns a força sem a velocidade, aos outros a velocidade sem a força; deu armas a estes, recusou-as àqueles, mas concedeu-lhes outros meios de conservação; aos que tinham pequena corpulência deu asas para fugirem ou refúgio subterrâneo; aos que tinham a vantagem da corpulência esta bastava para conservá-los; e aplicou este processo de compensação a todos os animais. Estas medidas de precaução eram destinadas a evitar o desaparecimento das raças. Então, quando lhes havia fornecido os meios de escapar à mútua destruição, quis ajudá-los a suportar as estações de Zeus; para isso, lembrou-se de revesti-los de pêlos espessos e peles fortes, suficientes para abrigá-los do frio, capazes também de protegê-los do calor e destinados, finalmente a servir, durante o sono, de coberturas naturais, próprias de cada um deles; deu-lhes, além disso, como calçado, sapatos de corno ou peles calosas e desprovidas de sangue; em seguida deu-lhes alimentos variados, segundo as espécies: a uns, ervas do chão, a outros frutos das árvores, a outras raízes; a alguns deu outros animais a comer, mas limitou sua fecundidade e multiplicou a das vítimas, para assegurar a preservação da raça.

Todavia, Epimeteu, pouco refletido, tinha esgotado as qualidades a distribuir, mas faltava-lhe ainda prover a espécie humana e não sabia como resolver o caso. Então Prometeu veio examinar a partilha; viu os animais bem providos de tudo, mas o homem nu descalço, sem cobertura nem armas, e aproximava-se o dia fixado em que ele devia sair do seio da terra para a luz. Então Prometeu, não sabendo que inventar para dar ao homem um meio de conservação, roubou a Hefaisto e a Atenéia o conhecimento das artes com o fogo, pois sem o fogo o conhecimento das artes é impossível e inútil, e presenteou com isto o homem. O homem ficou assim com ciência para conservar a vida, mas faltava-lhe a ciência política; esta possuía-a Zeus, e Prometeu já não tinha tempo de entrar na acrópole que Zeus habita e onde velam, aliás, temíveis guardas. Introduziu-se, pois, furtivamente na oficina comum em que Atenéia e Hefaisto cultivavam o seu amor às artes, furtou ao Deus a sua arte de manejar o fogo e à Deusa a arte que lhe é própria, e ofereceu tudo ao homem, tornando-o apto a procurar recursos para viver. Diz-se que Prometeu foi depois punido pelo roubo que tinha cometido, por culpa de Epimeteu.

Quando o homem entrou na posse do seu quinhão divino, a princípio, por causa da sua afinidade com os deuses, acreditou na existência deles, privilégio só a ele atribuído, entre todos os animais, e começou a erguer-lhes altares e estátuas; seguidamente, graças à ciência que possuía, conseguiu articular a voz e formar os nomes das coisas, inventar as casas, o vestuário, o calçado, os leitos e tirar alimentos da terra. Com estes recursos, os homens, na sua origem, viviam isolados e as cidades não existiam; por isso morriam sob os ataques dos animais selvagens, mais fortes do que eles; bastavam as artes mecânicas, para fazê-los viver; mas tinham insuficientes recursos na guerra contra os animais, porque não possuíam ainda a ciência política de que a arte militar faz parte. Por conseqüência procuraram reunir-se e pôr-se em segurança, fundando cidades; mas, quando se reuniam, faziam mal uns aos outros, porque lhes faltava a ciência política, de modo que se separavam novamente e morriam.

Então Zeus, receando que a nossa raça se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens o respeito e a justiça para servirem de normas às cidades e unir os homens pelos laços da amizade. Então Hermes perguntou a Zeus de que maneira devia dar aos homens a justiça e o respeito. “Devo distribuí-los, como se distribuíram as artes? Ora as artes foram divididas de maneira que um único homem, especializado na arte médica, basta para um grande número de profanos e o mesmo quanto aos outros artistas. Devo repartir assim a justiça e o respeito pelos homens, ou fazer que pertençam a todos?” – “Que pertençam a todos, respondeu Zeus; que todos tenham a sua parte, porque as cidades não poderiam existir se estas virtudes fossem, como as artes, quinhão exclusivo de alguns; estabelece, além disso, em meu nome, esta lei: que todo homem incapaz de respeito e de justiça seja exterminado como o flagelo da sociedade”. Eis como e por que Sócrates, os atenienses e outros povos, quando se trata de arquitetura ou de qualquer arte profissional, entendem que só um pequeno número pode dar conselhos, e se qualquer outra pessoa, fora deste pequeno número, se atreve a emitir opinião, eles não o toleram, como acabo de dizer, e têm razão, ao que me parece. Mas, quando se delibera sobre política, em que tudo se assenta na justiça e no respeito, têm razão de admitir toda a gente, porque é necessário que todos tenhamos parte na juventude cívica. Doutra forma, não pode existir a cidade.

A prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de políticas, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de aprendizagem, os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com os valores estéticos, políticos e éticos que inspiram a Constituição e a LDB, organizados sob três consignas: sensibilidade, igualdade e identidade.

a) A Estética da Sensibilidade

Como expressão do tempo contemporâneo, a estética da sensibilidade vem substituir a da repetição e padronização, hegemônica na era das revoluções industriais. Ela estimula a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, a afetividade, para facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto, o imprevisível e o diferente.

Diferentemente da estética estruturada, própria de um tempo em que os fatores físicos e

mecânicos são determinantes do modo de produzir e conviver, a estética da sensibilidade valoriza a leveza, a delicadeza e a sutileza. Estas, por estimularem a compreensão não apenas do explicitado mas também, e principalmente, do insinuado, são mais contemporâneas de uma era em que a informação caminha pelo vácuo, de um tempo no qual o conhecimento concentrado no micro circuito do computador vai se impondo sobre o valor das matérias-primas e da força física, presentes nas estruturas mecânicas.

A estética da sensibilidade realiza um esforço permanente para devolver ao âmbito do trabalho e da produção a criação e a beleza, daí banidas pela moralidade industrial taylorista. Por esta razão procura não limitar o lúdico a espaços e tempos exclusivos, mas integrar diversão, alegria e senso de humor a dimensões de vida muitas vezes consideradas afetivamente austeras, como a escola, o trabalho, os deveres, a rotina cotidiana. Mas a estética da sensibilidade quer também educar pessoas que saibam transformar o uso do tempo livre num exercício produtivo porque criador. E que aprendam a fazer do prazer, do entretenimento, da sexualidade, um exercício de liberdade responsável.

Como expressão de identidade nacional, a estética da sensibilidade facilitará o reconhecimento e valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade próprias dos gêneros, das etnias, e das muitas regiões e grupos sociais do país. Assim entendida a estética da sensibilidade é um substrato indispensável para uma pedagogia que se quer brasileira, portadora da riqueza de cores, sons e sabores deste país, aberta à diversidade dos nossos alunos e professores, mas que não abdica da responsabilidade de constituir cidadania para um mundo que se globaliza, e de dar significado universal aos conteúdos da aprendizagem.

Nos produtos da atividade humana, sejam eles bens, serviços ou conhecimentos, a estética da sensibilidade valoriza a qualidade. Nas práticas e processos, a busca de aprimoramento permanente. Ambos, qualidade e aprimoramento, associam-se ao prazer de fazer bem feito e à insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o bom, e com este, quando o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o ensino de má qualidade é, em sua feiúra, uma agressão à sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético.

A estética da sensibilidade não é um princípio inspirador apenas do ensino de conteúdos ou atividades expressivas, mas uma atitude diante de todas as formas de expressão, que deve estar presente no desenvolvimento do currículo e na gestão escolar. Ela não se dissocia das dimensões éticas e políticas da educação porque quer promover a crítica à vulgarização da pessoa; às formas estereotipadas e reducionistas de expressar a realidade; às manifestações que banalizam os afetos e brutalizam as relações pessoais.

Numa escola inspirada na estética da sensibilidade, o espaço e o tempo são planejados para acolher e expressar a diversidade dos alunos e oportunizar trocas de significados. Nessa escola, a descontinuidade, a dispersão caótica, a padronização, o ruído, cederão lugar à continuidade, à diversidade expressiva, ao ordenamento e à permanente estimulação pelas palavras, imagens, sons, gestos e expressões de pessoas que buscam incansavelmente superar a fragmentação dos significados e o isolamento que ela provoca.

Finalmente, a estética da sensibilidade não exclui outras estéticas, próprias de outros tempos e lugares. Como forma mais avançada de expressão ela as subassume, explica, entende, critica, contextualiza porque não convive com a exclusão, a intolerância e a intransigência.

b) A Política da Igualdade

A política da igualdade incorpora a igualdade formal, conquista do período de constituição dos grandes estados nacionais. Seu ponto de partida é o reconhecimento dos direitos humanos e o exercício dos direitos e deveres da cidadania, como fundamento da preparação do educando para a vida civil.

Mas a igualdade formal não basta a uma sociedade na qual a emissão e recepção da informação em tempo real estão ampliando, de modo antes inimaginável o acesso às pessoas e aos lugares, permitindo comparar e avaliar qualidade de vida, hábitos, formas de convivência, oportunidades de trabalho e de lazer.

Para essa sociedade, a política da igualdade vai se expressar também na busca da equidade no acesso à educação, ao emprego, à saúde, ao meio ambiente saudável e a outros benefícios sociais, e no combate a todas as formas de preconceito e discriminação por motivo de raça, sexo, religião, cultura, condição econômica, aparência ou condição física.

A política da igualdade se traduz pela compreensão e respeito ao Estado de Direito e a seus princípios constitutivos abrigados na Constituição: o sistema federativo e o regime republicano e democrático. Mas contextualiza a igualdade na sociedade da informação, como valor que é público por ser do interesse de todos, não exclusivamente do Estado, muito menos do governo.

Nessa perspectiva, a política da igualdade deverá fortalecer uma forma contemporânea de lidar com o público e o privado. E aqui ela associa-se à ética, ao valorizar atitudes e condutas responsáveis em relação aos bens e serviços tradicionalmente entendidos como “públicos”, no sentido estatal, e afirmativas na demanda de transparência e democratização no tratamento dos assuntos públicos.

E o faz por reconhecer que uma das descobertas importantes deste final de século é a deque motivação, criatividade, iniciativa, capacidade de aprendizagem, todas essas coisas ocorrem no nível dos indivíduos e das comunidades de dimensões humanas, nas quais eles vivem o seu dia-a-dia um tipo de sociedade extremamente complexa, onde os custos da comunicação e da informação se aproximam cada vez mais a zero, e onde as distinções antigas entre o local, o nacional e o internacional, o pequeno e o grande, o centralizado e o descentralizado, tendem o tempo todo a se confundir, desaparecer e reaparecer sob novas formas. Essa visão implica um esforço para superar a antiga contradição entre a realidade da grande estrutura de poder e o ideal da comunidade perdida, que ocorrerá pela incorporação do protagonismo ao ideal de respeito ao bem comum. Respeito ao bem comum com protagonismo constitui assim uma das finalidades mais importantes da política da igualdade e se expressa por condutas de participação e solidariedade, respeito e senso de responsabilidade, pelo outro e pelo público. Em uma de suas direções, esse movimento leva o ideal de igualdade para o âmbito das relações pessoais na família e no trabalho, no qual questões como a igualdade entre homens e mulheres, os direitos da criança, a eliminação da violência passam a ser decisivas para a convivência integradora. Mas há também uma direção contrária, provocando o envolvimento crescente de pessoas e instituições não governamentais nas decisões antes reservadas ao “poder público”: empresas, sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas, cidadãos e cidadãs comuns começam a incorporar as políticas públicas, as decisões econômicas, as questões ambientais, como itens prioritários em sua agenda.

Um dos fundamentos da política da igualdade é a estética da sensibilidade. É desta que lança mão quando denuncia os estereótipos que alimentam as discriminações e quando, reconhecendo a diversidade, afirma que oportunidades iguais são necessárias, mas não suficientes, para oportunizar tratamento diferenciado visando promover igualdade entre desiguais.

A política da igualdade, inspiradora do ensino de todos os conteúdos curriculares, é ela mesma, um conteúdo de ensino, sempre que nas ciências, nas artes, nas linguagens estiverem presentes os temas dos direitos da pessoa humana, do respeito, da responsabilidade e da solidariedade, e sempre que os significados dos conteúdos curriculares se contextualizarem nas relações pessoais e práticas sociais convocatórias da igualdade.

Na gestão e nas normas e padrões que regulam a convivência escolar a política da igualdade incide com grande poder educativo, pois é, sobretudo nesse âmbito que as trocas entre educador e educando, entre escola e meio social, entre grupos de idade favorecem a formação de hábitos democráticos e responsáveis de vida civil. Destaca-se aqui a responsabilidade da liderança dos adultos, da qual depende, em grande parte, a coesão da escola em torno de objetivos compartilhados, condição básica para a prática da política da igualdade.

Mas, acima de tudo, a política da igualdade deve ser praticada na garantia de igualdade de oportunidades e de diversidade de tratamentos dos alunos e dos professores para aprender e aprender a ensinar os conteúdos curriculares. Para isso, os sistemas e escolas deverão observar um direito pelo qual o próprio Estado se faz responsável, no caso da educação pública: garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino tais como definidos pela LDB no inciso IX de seu artigo 4.

A garantia desses padrões passa por um compromisso permanente de usar o tempo e o espaço pedagógicos, as instalações e os equipamentos, os materiais didáticos e os recursos humanos no interesse dos alunos. E em cada decisão administrativa ou pedagógica, o compromisso de priorizar o interesse da maioria dos alunos.

c) A Ética da Identidade

A ética da identidade substitui a moralidade dos valores abstratos da era industrialista e busca a finalidade ambiciosa de reconciliar no coração humano aquilo que o dividiu desde os primórdios da idade moderna: o mundo da moral e o mundo da matéria, o privado e o público, enfim, a contradição expressa pela divisão entre a “igreja” e o “estado”. Essa ética se constitui a partir da estética e da política e não por negação delas. Seu ideal é o humanismo de um tempo de transição.

Expressão de seres divididos, mas que se negam a assim permanecer, a ética da identidade ainda não se apresenta de forma acabada. O drama desse novo humanismo, permanentemente ameaçado pela violência e pela segmentação social, é análogo ao da crisálida.

Ignorando que será uma borboleta, pode ser devorada pelo pássaro antes de descobrir-se transformada. O mundo vive um momento em que muitos apostam no pássaro. O educador não tem escolha: aposta na borboleta ou não é educador. Como princípio educativo, a ética só é eficaz quando desiste de formar pessoas “honestas”, “caridosas” ou “leais” e reconhece que a educação é um processo de construção de identidades. Educar sob inspiração da ética não é transmitir valores morais, mas criar as condições para que as identidades se constituam pelo desenvolvimento da sensibilidade e pelo reconhecimento do direito à igualdade a fim de que orientem suas condutas por valores que respondam às exigências do seu tempo.

Uma das formas pelas quais a identidade se constitui é a convivência e, nesta, pela mediação de todas as linguagens que os seres humanos usam para compartilhar significados.

Destes, os mais importantes são os que carregam informações e valores sobre as próprias pessoas. Vale dizer que a ética da identidade se expressa por um permanente reconhecimento da identidade própria e do outro. É assim simples. Ao mesmo tempo é muito importante, porque no reconhecimento reside talvez a grande responsabilidade da escola como lugar de conviver, e, na escola, a do adulto educador para a formação da identidade das futuras gerações.

Âmbito privilegiado do aprender a ser, como a estética é o âmbito do aprender a fazer e a política do aprender a conhecer e conviver, a ética da identidade tem como fim mais importante a autonomia. Esta condição indispensável para os juízos de valor e as escolhas inevitáveis à realização de um projeto próprio de vida, requer uma avaliação permanente, e a mais realista possível, das capacidades próprias e dos recursos que o meio oferece.

Por essa razão, a ética da identidade é tão importante na educação escolar. É aqui, embora não exclusivamente, que a criança e o jovem vivem de forma sistemática os desafios de suas capacidades. Situações de aprendizagem programadas para produzir o fracasso, como acontece tantas vezes nas escolas brasileiras, são, neste sentido, profundamente antiéticas.

Abalam a auto-estima de seres que estão constituindo suas identidades, contribuindo para que estas incorporem o fracasso, às vezes irremediavelmente. Auto-imagens prejudicadas quase sempre reprimem a sensibilidade e desacreditam da igualdade.

Situações antiéticas também ocorrem no ambiente escolar quando a responsabilidade, o esforço e a qualidade não são praticados e recompensados. Contextos nos quais o sucesso resulta da astúcia e não da qualidade do trabalho realizado, que recompensam o “levar vantagem em tudo” em lugar do “esforçar-se”, não favorecem nos alunos identidades constituídas com sensibilidade estética e igualdade política.

Autonomia e reconhecimento da identidade do outro se associam para construir identidades mais aptas a incorporar a responsabilidade e a solidariedade. Neste sentido, a ética da identidade supõe uma racionalidade diferente daquela que preside à dos valores abstratos, porque visa formar pessoas solidárias e responsáveis por serem autônomas.

Essa racionalidade supõe que, num mundo em que a tecnologia revoluciona todos os âmbitos de vida, e, ao disseminar informação amplia as possibilidades de escolha mas também a incerteza, a identidade autônoma se constitui a partir da ética, da estética e da política, mas precisa estar ancorada em conhecimentos e competências intelectuais que dêem acesso a significados verdadeiros sobre o mundo físico e social. Esses conhecimentos e competências é que dão sustentação à análise, à prospecção e à solução de problemas, à capacidade de tomar decisões, à adaptabilidade a situações novas, à arte de dar sentido a um mundo em mutação.

Não é por acaso que essas mesmas competências estão entre as mais valorizadas pelas novas formas de produção pós-industrial que se instalam nas economias contemporâneas. Essa é a esperança e a promessa que o novo humanismo traz para a educação, em especial a média: a possibilidade de integrar a formação para o trabalho num projeto mais ambicioso de desenvolvimento da pessoa humana. Uma chance real, talvez pela primeira vez na história, de ganhar a aposta na borboleta.

Os conhecimentos e competências cognitivas e sociais que se quer desenvolver nos jovens alunos do ensino médio remetem assim à educação como constituição de identidades comprometidas com a busca da verdade. Mas, para fazê-lo com autonomia, precisam desenvolver a capacidade de aprender, tantas vezes reiterada na LDB. Essa é a única maneira de alcançar os significados verdadeiros com autonomia. Com razão, portanto, o inciso III do artigo 35 da lei inclui, no aprimoramento do educando como pessoa humana a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

No texto de Platão, Sócrates e Protágoras procuram responder à pergunta: “É possível ensinar a virtude?” Protágoras argumenta, narrando a partilha que Prometeu e Epimeteu fizeram dos talentos divinos entre as criaturas mortais. E prova que, se não for possível ensinar a virtude, a “cidade” não é viável, pois, apenas com o domínio das “artes”, os humanos não sobreviveriam porque exterminariam uns aos outros. Na continuidade do diálogo fica claro que Sócrates também acha que a virtude pode ser ensinada. Mas, por meio de suas perguntas, leva Protágoras a reconhecer que ela não é outra coisa senão a sabedoria, que busca permanentemente a verdade, e exatamente nisso reside a possibilidade de seu ensino.

A pedagogia, como as demais “artes”, situa-se no domínio da estética e se exerce deliberadamente no espaço da escola. A sensibilidade da prática pedagógica para a qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos será a contribuição específica e decisiva da educação escolar para a igualdade, a justiça, a solidariedade, a responsabilidade. Dela poderá depender a capacidade dos jovens cidadãos do próximo milênio para aprender significados verdadeiros do mundo físico e social, registrá-los, comunicá-los e aplicá-los no trabalho, no exercício da cidadania, no projeto de vida pessoal.

4. Diretrizes para uma pedagogia de qualidade

De acordo com os princípios estéticos, políticos e éticos da LDB, sistematizados anteriormente, as escolas de ensino médio observarão, na gestão, na organização curricular e na prática pedagógica e didática, as diretrizes expostas a seguir.

a) Identidade, Diversidade, Autonomia

O Brasil possui diferentes modalidades ou formas de organização institucional e curricular de ensino médio. Como em outros países, essas diferenças são modos de resolver a tensão de finalidades desse nível de ensino. Respondem mais à sua dualidade histórica do que à heterogeneidade de alunados, e associam-se a um padrão excludente: cursar o ensino médio ainda é um privilégio de poucos, e, dentre estes, poucos têm acesso à qualidade.

Em virtude dessa situação, as escolas públicas que conseguiram forjar identidades próprias de instituições dedicadas à formação do jovem ou do jovem adulto, e que por isso mesmo se tornaram alternativas de prestígio, atendem a um número muito pequeno de alunos. Em alguns casos, essas escolas de prestígio terminaram mesmo por perder parte de sua identidade de instituições formativas, pois se viram, como as particulares de excelência, reféns do exame vestibular por causa do alunado selecionado que a elas tem acesso.

Aos demais restou a alternativa de estudar em classes esparsas de ensino médio, instaladas em períodos ociosos, em geral noturnos, de escolas públicas de ensino fundamental. Ou ainda em escolas privadas de má qualidade, muitas delas também noturnas, cujos custos cobrados a alunos trabalhadores não são muito maiores dos que os das escolas públicas também desqualificadas.

Essa situação gerou uma padronização desqualificada que se quer substituir por uma diversificação com qualidade. Escolas de identidade débil só podem ser iguais, pois levam apenas a marca das normas centrais e uniformes. Identidade supõe uma inserção no meio social que leva à definição de vocações próprias, que se diversificam ao incorporar as necessidades locais e as características dos alunos e a participação dos professores e das famílias no desenho institucional considerado adequado para cada escola.

É necessário que as escolas tenham identidade como instituições de educação de jovens e que essa identidade seja diversificada em função das características do meio social e da clientela.

Diversidade, no entanto, não se confunde com fragmentação, muito ao contrário. Inspirada nos ideais da justiça, a diversidade reconhece que para alcançar a igualdade, não bastam oportunidades iguais. É necessário também tratamento diferenciado. Dessa forma, a diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada.

Será indispensável, portanto, que existam mecanismos de avaliação dos resultados para aferir se os pontos de chegada estão sendo comuns. E para que tais mecanismos funcionem como sinalizadores eficazes, deverão ter como referência as competências de caráter geral que se quer constituir em todos os alunos e um corpo básico de conteúdos, cujo ensino e aprendizagem, se bem sucedidos, propiciam a constituição de tais competências. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e, mais recentemente, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), operados pelo MEC; os sistemas de avaliação já existentes em alguns estados e que tendem a ser criados nas demais unidades da federação; e os sistemas de estatísticas e indicadores educacionais constituem importantes mecanismos para promover a eficiência e a igualdade.

A análise dos resultados das avaliações e dos indicadores de desempenho deverá permitir às escolas, com o apoio das demais instâncias dos sistemas de ensino, avaliar seus processos, verificar suas debilidades e qualidades, e planejar a melhoria do processo educativo. Da mesma forma, deverá permitir aos organismos responsáveis pela política educacional desenvolver mecanismos de compensação que superem gradativamente as desigualdades educacionais.

Os sistemas e os estabelecimentos de ensino médio deverão criar e desenvolver, com a participação da equipe docente e da comunidade, alternativas institucionais com identidade própria, baseadas na missão de educação do jovem, usando ampla e destemidamente as várias possibilidades de organização pedagógica, espacial e temporal, e de articulações e parcerias com instituições públicas ou privadas, abertas pela LDB, para formular políticas de ensino focalizadas nessa faixa etária, que contemplem a formação básica e a preparação geral para o trabalho, inclusive, se necessário e oportuno, integrando as séries finais do ensino fundamental com o ensino médio, em virtude da proximidade de faixa etária do alunado e das características comuns de especialização disciplinar que esses segmentos do sistema de ensino guardam entre si.

Os sistemas deverão fomentar no conjunto dos estabelecimentos de ensino médio, e cada um deles, sempre que possível, na sua organização curricular, uma ampla diversificação dos tipos de estudos disponíveis, estimulando alternativas que a partir de uma base comum, ofereçam opções de acordo com as características de seus alunos e as demandas do meio social: dos estudos mais abstratos e conceituais aos programas que alternam formação escolar e experiência profissional; dos currículos mais humanísticos aos mais científicos ou artísticos, sem negligenciar em todos os casos os mecanismos de mobilidade para corrigir erros de decisão cometidos pelos alunos ou determinados por desigualdade na oferta de alternativas.

A diversificação deverá ser acompanhada de sistemas de avaliação que permitam o acompanhamento permanente dos resultados, tomando como referência as competências básicas a serem alcançadas por todos os alunos, de acordo com a LDB, as presentes diretrizes e as propostas pedagógicas das escolas.

A eficácia dessas diretrizes supõe a existência de autonomia das instâncias regionais dos sistemas de ensino público e, sobretudo dos estabelecimentos. A autonomia das escolas é, mais que uma diretriz, um mandamento da LDB24. As diretrizes, neste caso, buscam indicar alguns atributos para evitar dois riscos: o primeiro seria burocratizá-la, transformando-a em mais um mecanismo de controle prévio, tão ao gosto das burocracias centrais da educação; o segundo seria transformar a autonomia em outra forma de criar privilégios que produzem exclusão.

Em relação ao risco de burocratização é preciso destacar que a LDB vincula autonomia e proposta pedagógica. Na verdade, a proposta pedagógica é a forma pela qual a autonomia se exerce. E a proposta pedagógica não é uma “norma”, nem um documento ou formulário a ser preenchido. Não obedece a prazos formais nem deve seguir especificações padronizadas. Sua eficácia depende de conseguir pôr em prática um processo permanente de mobilização de “corações e mentes” para alcançar objetivos compartilhados.

As instâncias centrais dos sistemas de ensino precisam entender que existe um espaço de decisão privativo da escola e do professor em sala de aula que resiste aos controles formais. A legitimidade e eficácia de qualquer intervenção externa nesse espaço privativo depende de convencer a todos do seu valor para a ação pedagógica. Vale dizer que a proposta pedagógica não existe sem um forte protagonismo do professor e sem que este dela se aproprie.

Seria desastroso, nesse sentido, transformar em obrigação a incumbência que a LDB atribui à escola de decidir sobre sua proposta pedagógica, porque isto ativaria os sempre presentes anticorpos da resistência ou da ritualização. Contrariamente, a proposta pedagógica para cuja decisão a escola exerce sua autonomia, deve expressar um acordo no qual as instâncias centrais serão parceiras facilitadoras do árduo exercício de explicitar, debater e formar consenso sobre objetivos, visando potencializar recursos. A autonomia escolar, portanto não implica na omissão do Estado. Mudam-se os papéis. Os órgãos centrais passam a exercer funções de formulação das diretrizes da política educacional e assessoramento à implementação dessas políticas.

Já se disse que, salvo exceções das grandes escolas de elite, acadêmicas ou técnicas, o ensino público médio no Brasil não tem identidade institucional própria. Expandiu-se às custas de espaços físicos e recursos financeiros e pedagógicos do ensino fundamental, qual passageiro clandestino de um navio de carências. Contraditoriamente essa distorção pode agora ser uma vantagem.

A autonomia é um dos princípios da lei que incidem sobre a organização da escola. O futuro está aberto para o aparecimento de muitas formas de organização do ensino médio, sob o princípio da flexibilidade e da autonomia consagrados pela LDB. Teremos de usar essa vantagem para estimular identidades escolares mais libertas da padronização burocrática, que formulem e implementem propostas pedagógicas próprias, inclusive de articulação do ensino médio com a educação profissional.

O segundo risco potencial é o de que a autonomia venha a reforçar privilégios e exclusões.

Sobre este se deve observar que a autonomia subordina-se aos princípios e diretrizes indicados na lei e apresentados nesta deliberação em seus desdobramentos pedagógicos, com destaque para o acolhimento da diversidade de alunos e professores, para os ideais da política da igualdade e para a solidariedade como elemento constitutivo das identidades. Como alerta Azanha, a autonomia escolar, desligada dos pressupostos éticos da tarefa educativa poderá até favorecer a emergência e o reforço de sentimentos e atitudes contrários à convivência democrática.

A competência dos sistemas para definir e implementar políticas de educação média legitima-se na observação de prioridades e formas de financiamento que contemplem o interesse da maioria. No âmbito escolar a autonomia deve refletir o compromisso da proposta pedagógica com a aprendizagem dos alunos pelo uso equânime do tempo, do espaço físico, das instalações e equipamentos, dos recursos financeiros, didáticos e humanos.

Na sala de aula, a autonomia tem como pressuposto, além da capacidade didática do professor, seu compromisso e, por que não dizer, cumplicidade com os alunos, que fazem do trabalho cotidiano de ensinar um permanente voto de confiança na capacidade de todos para aprender. O professor como profissional construirá sua identidade com ética e autonomia se, inspirado na estética da sensibilidade, buscar a qualidade e o aprimoramento da aprendizagem dos alunos, e, inspirado na política da igualdade, desenvolver um esforço continuado para garantir a todos oportunidades iguais de aprendizagem e tratamento adequado às suas características pessoais.

Por essa razão, a autonomia depende de qualificação permanente dos que trabalham na escola, em especial dos professores. Sem a garantia de condições para que os professores aprendam a aprender e continuem aprendendo, a proposta pedagógica corre o risco de tornar-se mais um ritual. E como toda prática ritualizada terminará servindo de artifício para dissimular a falta de conhecimento e capacitação no fazer didático.

A melhor forma de verificar esses compromissos é instituir mecanismos de prestação de contas que facilitem a “responsabilização” dos envolvidos. Alguém já disse que precisamos traduzir para o português o termo "accountability" com o pleno significado que tem: processo pelo qual uma pessoa, organismo ou instituição presta contas e assume a responsabilidade por seus resultados para seus constituintes, financiadores, usuários ou clientes.

Mesmo não dispondo de correspondência lingüística precisa, é disto que trata esta diretriz:

“responsabilização”, avaliação de processos e de resultados, participação dos interessados, divulgação de informações, que imprimam transparência às ações dos gestores, diretores, professores, para que a sociedade em geral e os alunos e suas famílias em particular participem e acompanhem as decisões sobre objetivos, prioridades e uso dos recursos.

Mais uma vez, portanto, destaca-se a importância dos sistemas de avaliação de resultados e de indicadores educacionais que já estão sendo operados, ou os que venham a se instituir. Para a identidade e a diversidade, a informação é indispensável na garantia da igualdade de resultados. Para a autonomia, ela é condição de transparência da gestão educacional e clareza da responsabilidade pelos resultados.

Mas os sistemas de avaliação e indicadores educacionais só cumprirão satisfatoriamente essas duas funções complementares, se todas as informações por eles produzidas – resultados de provas de rendimento, estatísticas e outras – forem públicas, no sentido de serem apropriadas pelos interessados, dos membros da comunidade escolar à opinião pública em geral.

O exercício pleno da autonomia se manifesta na formulação de uma proposta pedagógica própria, direito de toda instituição escolar. Essa vinculação deve ser permanentemente reforçada, buscando evitar que as instâncias centrais do sistema educacional burocratizem e ritualizem aquilo que no espírito da lei deve ser, antes de mais nada, expressão de liberdade e iniciativa, e que por essa razão não pode prescindir do protagonismo de todos os elementos da escola, em especial dos professores.

A proposta pedagógica deve refletir o melhor equacionamento possível entre recursos humanos, financeiros, técnicos, didáticos e físicos, para garantir tempos, espaços, situações de interação, formas de organização da aprendizagem e de inserção da escola no seu ambiente social, que promovam a aquisição dos conhecimentos, competências e valores previstos na lei, apresentados nestas diretrizes, e constantes da sua proposta pedagógica.

A proposta pedagógica antes de tudo deve ser simples: O projeto pedagógico da escola é apenas uma oportunidade para que algumas coisas aconteçam e dentre elas o seguinte: tomada de consciência dos principais problemas da escola, das possibilidades de solução e definição das responsabilidades coletivas e pessoais para eliminar ou atenuar as falhas detectadas. Nada mais, porém isso é muito e muito difícil.

A proposta pedagógica deve ser acompanhada por procedimentos de avaliação de processos e produtos, divulgação dos resultados e mecanismos de prestação de contas.

b) Um Currículo voltado para as competências básicas

Do ponto de vista legal não há mais duas funções difíceis de conciliar para o ensino médio, nos termos em que estabelecia a Lei nº 5.692/71: preparar para a continuidade de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão. A duplicidade de demanda continuará existindo porque a idade de conclusão do ensino fundamental coincide com a definição de um projeto de vida, fortemente determinado pelas condições econômicas da família e, em menor grau, pelas características pessoais. Entre os que podem custear uma carreira educacional mais longa esse projeto abrigará um percurso que posterga o desafio da sobrevivência material para depois do curso superior. Entre aqueles que precisam arcar com sua subsistência precocemente ele demandará a inserção no mercado de trabalho logo após a conclusão do ensino obrigatório, durante o ensino médio ou imediatamente depois deste último.

Vale lembrar, no entanto, que, mesmo nesses casos, o percurso educacional pode não excluir, necessariamente, a continuidade dos estudos. Ao contrário, para muitos, o trabalho se situa no projeto de vida como uma estratégia para tornar sustentável financeiramente um percurso educacional mais ambicioso. E em qualquer de suas variantes, o futuro do jovem e da jovem deste final de século será sempre um projeto em aberto, podendo incluir períodos de aprendizagem – de nível superior ou não – intercalados com experiências de trabalho produtivo de diferente natureza, além das escolhas relacionadas à sua vida pessoal: constituir família, participar da comunidade, eleger princípios de consumo, de cultura e lazer, de orientação política, entre outros. A condução autônoma desse projeto de vida reclama uma escola média de sólida formação geral.

Mas o significado de educação geral no nível médio, segundo o espírito da LDB, nada tem a ver com o ensino enciclopedista e academicista dos currículos de ensino médio tradicionais, reféns do exame vestibular. Enquanto aprofundamento dos conhecimentos já adquiridos, o perfil pedagógico do ensino médio tem como ponto de partida o que a LDB estabelece em seu artigo 32 como objetivo do ensino fundamental. Deverá, assim, continuar o processo de desenvolvimento da capacidade de aprender, com destaque para o aperfeiçoamento do uso das linguagens como meios de constituição dos conhecimentos, da compreensão e da formação de atitudes e valores.

O trabalho e a cidadania são previstos como os principais contextos nos quais a capacidade de continuar aprendendo deve se aplicar, a fim de que o educando possa adaptar-se às condições em mudança na sociedade, especificamente no mundo das ocupações. A LDB, nesse sentido, é clara: em lugar de estabelecer disciplinas ou conteúdos específicos, destaca competências de caráter geral, dentre as quais a capacidade de aprender é decisiva. O aprimoramento do educando como pessoa humana destaca a ética, a autonomia intelectual e o pensamento crítico. Em outras palavras, convoca a constituição de uma identidade autônoma.

Ao propor a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos do processo produtivo, a LDB insere a experiência cotidiana e o trabalho no currículo do ensino médio como um todo e não apenas na sua base comum, como elementos que facilitarão a tarefa educativa de explicitar a relação entre teoria e prática. Sobre este último aspecto, dada sua importância para as presentes diretrizes, vale a pena deter-se.

Os processos produtivos dizem respeito a todos os bens, serviços e conhecimentos com os quais o aluno se relaciona no seu dia-a-dia, bem como àqueles processos com os quais se relacionará mais sistematicamente na sua formação profissional. Para fazer a ponte entre teoria e prática, de modo a entender como a prática (processo produtivo) está ancorada na teoria (fundamentos científico-tecnológicos), é preciso que a escola seja uma experiência permanente de estabelecer relações entre o aprendido e o observado, seja espontaneamente, no cotidiano em geral, seja sistematicamente no contexto específico de um trabalho e suas tarefas laborais.

Castro, ao analisar o ensino médio de formação geral, observa: Não se trata nem de profissionalizar nem de deitar água para fazer mais rala a teoria. Trata-se, isso sim, de ensinar melhor a teoria – qualquer que seja – de forma bem ancorada na prática. As pontes entre a teoria e a prática têm que ser construídas cuidadosamente e de forma explícita. Para Castro essas pontes implicam em fazer a relação, por exemplo, entre o que se aprendeu na aula de matemática na segunda-feira com a lição sobre atrito na aula de física da terça e com a sua observação de um automóvel cantando pneus na tarde da quarta. E conclui afirmando que para a maioria dos alunos, infelizmente, ou a escola o ajuda a fazer estas pontes ou elas permanecerão sem ser feitas, perdendo-se assim a essência do que é uma boa educação.

Para dar conta desse mandato, a organização curricular do ensino médio deve ser orientada por alguns pressupostos indicados a seguir.

* Visão orgânica do conhecimento, afinada com as mutações surpreendentes que o acesso à informação está causando no modo de abordar, analisar, explicar e prever a realidade, tão bem ilustradas no hipertexto que cada vez mais entremeia o texto dos discursos, das falas e das construções conceituais.

* Disposição para perseguir essa visão organizando e tratando os conteúdos do ensino e as situações de aprendizagem, de modo a destacar as múltiplas interações entre as disciplinas do currículo.

*Abertura e sensibilidade para identificar as relações que existem entre os conteúdos do ensino e das situações de aprendizagem e os muitos contextos de vida social e pessoal, de modo a estabelecer uma relação ativa entre o aluno e o objeto do conhecimento e a desenvolver a capacidade de relacionar o aprendido com o observado, a teoria com suas conseqüências e aplicações práticas.

* Reconhecimento das linguagens como formas de constituição dos conhecimentos e das identidades, portanto como o elemento-chave para constituir os significados, conceitos, relações, condutas e valores que a escola deseja transmitir.

* Reconhecimento e aceitação de que o conhecimento é uma construção coletiva, forjada sociointerativamente na sala de aula, no trabalho, na família e em todas as demais formas de convivência.

* Reconhecimento de que a aprendizagem mobiliza afetos, emoções e relações com seus pares, além das cognições e habilidades intelectuais.

Com essa leitura, a formação básica a ser buscada no ensino médio se realizará mais pela constituição de competências, habilidades e disposições de condutas do que pela quantidade de informação. Aprender a aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta.

Uma organização curricular que responda a esses desafios requer:

* desbastar o currículo enciclopédico, congestionado de informações, priorizando conhecimentos e competências de tipo geral, que são pré-requisito tanto para a inserção profissional mais precoce quanto para a continuidade de estudos, entre as quais se destaca a capacidade de continuar aprendendo; * (re) significar os conteúdos curriculares como meios para constituição de competências e valores, e não como objetivos do ensino em si mesmos;

* trabalhar as linguagens não apenas como formas de expressão e comunicação, mas como constituidoras de significados, conhecimentos e valores;

* adotar estratégias de ensino diversificadas, que mobilizem menos a memória e mais o raciocínio e outras competências cognitivas superiores, bem como potencializem a interação entre aluno-professor e aluno-aluno para a permanente negociação dos significados dos conteúdos curriculares, de forma a propiciar formas coletivas de construção do conhecimento;

“reinventar” o conhecimento didaticamente transposto para a sala de aula, entre eles a experimentação, a execução de projetos, o protagonismo em situações sociais;

* organizar os conteúdos de ensino em estudos ou áreas interdisciplinares e projetos que melhor abriguem a visão orgânica do conhecimento e o diálogo permanente entre as diferentes áreas do saber;

* tratar os conteúdos de ensino de modo contextualizado, aproveitando sempre as relações entre conteúdos e contexto para dar significado ao aprendido, estimular o protagonismo do aluno e estimulá-lo a ter autonomia intelectual;

* lidar com os sentimentos associados às situações de aprendizagem para facilitar a relação do aluno com o conhecimento.

A doutrina de currículo que sustenta a proposta de organização e tratamento dos conteúdos com essas características envolve os conceitos de interdisciplinaridade e contextualização que requerem exame mais detido.

c) Interdisciplinaridade

A interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição de disciplinas e, ao mesmo tempo, evitar a diluição delas em generalidades. De fato, será principalmente na possibilidade de relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática adequada aos objetivos do ensino médio.

O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.

Tendo presente esse fato, é fácil constatar que algumas disciplinas se identificam e aproximam, outras se diferenciam e distanciam, em vários aspectos: pelos métodos e procedimentos que envolvem, pelo objeto que pretendem conhecer, ou ainda pelo tipo de habilidades que mobilizam naquele que a investiga, conhece, ensina ou aprende.

A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que conhecem, ensinam

e aprendem, sentem necessidade de procedimentos que, numa única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas fazem sentido quando chamados a dar conta de temas complexos. Se alguns procedimentos artísticos podem parecer profecias na perspectiva científica, também é verdade que a foto do cogumelo resultante da explosão nuclear também explica, de um modo diferente da física, o significado da bomba atômica.

Nesta multiplicidade de interações e negações recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples comunicação de idéias até a integração mútua de conceitos diretores, da epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta e análise de dados. Ou pode efetuar-se, mais singelamente, pela constatação de como são diversas as várias formas de conhecer. Pois até mesmo essa “interdisciplinaridade singela” é importante para que os alunos aprendam a olhar o mesmo objeto sob perspectivas diferentes.

É importante enfatizar que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem um conhecimento que vai além da descrição da realidade e mobiliza competências cognitivas para deduzir, tirar inferências ou fazer previsões a partir do fato observado.

A partir do problema gerador do projeto, que pode ser um experimento, um plano de ação para intervir na realidade ou uma atividade, são identificados os conceitos de cada disciplina que podem contribuir para descrevê-lo, explicá-lo e prever soluções. Dessa forma o projeto é interdisciplinar na sua concepção, execução e avaliação, e os conceitos utilizados podem ser formalizados, sistematizados e registrados no âmbito das disciplinas que contribuem para o seu desenvolvimento. O exemplo do projeto é interessante para mostrar que a interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático de resultados.

Essa integração entre as disciplinas para buscar compreender, prever e transformar a realidade aproxima-se daquilo que Piaget chama de estruturas subjacentes. O autor destaca um aspecto importante nesse caso: a compreensão dessas estruturas subjacentes não dispensa o conhecimento especializado, ao contrário. Somente o domínio de uma dada área permite superar o conhecimento meramente descritivo para captar suas conexões com outras áreas do saber na busca de explicações.

Segundo Piaget, a excessiva “disciplinarização” se explica, com efeito, pelos preconceitos positivistas. Em uma perspectiva onde apenas contam os observáveis, que cumpre simplesmente descrever e analisar para então daí extrair as leis funcionais, é inevitável que as diferentes disciplinas pareçam separadas por fronteiras mais ou menos definidas ou mesmo fixas, já que estas se relacionam com a diversidade das categorias de observáveis que, por sua vez, estão relacionadas com nossos instrumentos subjetivos e objetivos de registro (percepções e aparelhos) . Por outro lado, logo que, ao violar as regras positivistas, se procura explicar os fenômenos e suas leis, ao invés de apenas descrevê-los, forçosamente se estará ultrapassando as fronteiras do observável, já que toda causalidade decorre da necessidade inferencial, isto é, de deduções e estruturas operatórias irredutíveis à simples constatação. Nesse caso, a realidade fundamental não é mais o fenômeno observável, e sim a estrutura subjacente, reconstituída por dedução e que fornece uma explicação para os dados observados. Mas, por isso mesmo, tendem a desaparecer as fronteiras entre as disciplinas, pois as estruturas ou são comuns (tal como entre a Física e a Química) ou solidárias umas com as outras (como sem dúvida haverá de ser o caso entre a Biologia e a Físico-Química).

A interdisciplinaridade pode ser também compreendida se considerarmos a relação entre o pensamento e a linguagem, descoberta pelos estudos socio-interacionistas do desenvolvimento e da aprendizagem. Esses estudos revelam que, seja nas situações de aprendizagem espontânea, seja naquelas estruturadas ou escolares, há uma relação sempre presente entre os conceitos e as palavras (ou linguagens) que os expressam, de tal forma que uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece na sombra. Todas as linguagens trabalhadas pela escola, portanto, são por natureza “interdisciplinares” com as demais áreas do currículo: é pela linguagem – verbal, visual, sonora, matemática, corporal ou outra – que os conteúdos curriculares se constituem em conhecimentos, isto é, significados que, ao serem formalizados por alguma linguagem, tornam-se conscientes de si mesmos e deliberados.

Sem a pretensão de esgotar o amplo campo de possibilidades que a interação entre linguagem e pensamento abre para a pedagogia da interdisciplinaridade, alguns exemplos poderiam ser lembrados: a linguagem verbal como um dos processos de constituição de conhecimento das ciências humanas e o exercício destas últimas como forma de aperfeiçoar o emprego da linguagem verbal formal; a matemática como um dos recursos constitutivos dos conceitos das ciências naturais e a explicação das leis naturais como exercício que desenvolve o pensamento matemático; a informática como recurso que pode contribuir para reorganizar e estabelecer novas relações entre conceitos científicos e estes como elementos explicativos dos princípios da informática; as artes como constitutivas do pensamento simbólico, metafórico e criativo, indispensáveis no exercício de análise, síntese e solução de problemas, competências que se busca desenvolver em todas as disciplinas.

Outra observação feita pelos estudos de Vygotsky refere-se à existência de uma interdependência entre e a aprendizagem dos conteúdos curriculares e o desenvolvimento cognitivo. Embora já não se aceitem as idéias herbatianas da disciplina formal, que supunha um associação linear entre cada disciplina escolar e um tipo específico de capacidade mental, também não é razoável supor que o desenvolvimento cognitivo se dá de forma independente da aprendizagem em geral e, em particular, da aprendizagem sistemática organizada pela escola.

Investigações sobre a aprendizagem de conceitos científicos em crianças e adolescentes indicam que a aprendizagem funciona como antecipação do desenvolvimento de capacidades intelectuais. Isso ocorre porque os pré-requisitos psicológicos para o aprendizado de diferentes matérias escolares são, em grande parte, os mesmos; o aprendizado de uma matéria influencia o desenvolvimento de funções superiores para além dos limites dessa matéria específica; as principais funções psíquicas envolvidas no estudo de várias matérias são interdependentes – suas bases comuns são a consciência e o domínio deliberado, as contribuições principais dos anos escolares. A partir dessas descobertas, conclui-se que todas as matérias escolares básicas atuam como uma disciplina formal, cada uma facilitando o aprendizado das outras. Essa “solidariedade didática” foi encontrada por Chervel37 no estudo que realizou da história dos “ensinos” ou das disciplinas escolares, no sistema de ensino francês. Um dado interessante encontrado por esse autor foi o significado diferente que as disciplinas vão adquirindo no decorrer de dois séculos, mesmo mantendo o mesmo nome nas grades curriculares. Nesse período, várias foram criadas, outras desapareceram, embora os conteúdos de seu ensino e as capacidades intelectuais que visavam constituir tenham continuado a ser desenvolvidos por meio de outros conteúdos com nomes idênticos ou por meio de conteúdos idênticos sob nomes diferentes.

Foi assim que durante quase um século a disciplina “sistema de pesos e medidas” fez parte do currículo da escola primária e secundária francesa, até que se consolidasse o sistema métrico decimal imposto à França no início do século XIX. Uma vez cumprido seu papel, desapareceu como disciplina escolar e os conteúdos e habilidades envolvidos na aprendizagem do sistema de medidas foram incorporados ao ensino da matemática de onde não mais se separaram. Da mesma forma a disciplina “redação” apareceu, desapareceu, incorporada a outras, e reapareceu por diversas vezes no currículo. Essa transitoriedade das disciplinas escolares mostra como é epistemologicamente frágil a sua demarcação rígida nos planos curriculares e argumenta em favor de uma postura mais flexível e integradora.

Contextualização

As múltiplas formas de interação que se podem prever entre as disciplinas tal como tradicionalmente arroladas nas "grades curriculares", fazem com que toda proposição de áreas ou agrupamento das mesmas seja resultado de um corte que carrega certo grau de arbitrariedade.

Não há paradigma curricular capaz de abarcar a todas. Nesse sentido seria desastroso entender uma proposta de organização por áreas como fechada ou definitiva. Mais ainda seria submeter uma área interdisciplinar ao mesmo amordaçamento estanque a que hoje estão sujeitas as disciplinas tradicionais isoladamente, quando o importante é ampliar as possibilidades de interação não apenas entre as disciplinas nucleadas em uma área como entre as próprias áreas de nucleação. A contextualização pode ser um recurso para conseguir esse objetivo.

Contextualizar o conteúdo que se quer aprendido significa, em primeiro lugar, assumir que todo conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto. Na escola fundamental ou média o conhecimento é quase sempre reproduzido das situações originais nas quais acontece sua produção. Por esta razão quase sempre o conhecimento escolar se vale de uma transposição didática, na qual a linguagem joga papel decisivo.

O tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já adquiridas. As dimensões de vida ou contextos valorizados explicitamente pela LDB são o trabalho e a cidadania. As competências estão indicadas quando a lei prevê um ensino que facilite a ponte entre a teoria e a prática. É isto também que propõe Piaget, quando analisa o papel da atividade na aprendizagem: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.

Alguns exemplos podem ilustrar essa noção. Um deles refere-se ao uso da língua portuguesa no contexto das diferentes práticas humanas. O melhor domínio da língua e seus códigos se alcança quando se entende como ela é utilizada no contexto da produção do conhecimento científico, da convivência, do trabalho ou das práticas sociais: nas relações familiares ou entre companheiros, na política ou no jornalismo, no contrato de aluguel ou na poesia, na física ou na filosofia. O mesmo pode acontecer com a matemática. Uma das formas significativas para dominar a matemática é entendê-la aplicada na análise de índices econômicos e estatísticos, nas projeções políticas ou na estimativa da taxa de juros, associada a todos os significados pessoais, políticos e sociais que números dessa natureza carregam.

Outro exemplo refere-se ao conhecimento científico. Conhecer o corpo humano não é apenas saber como funcionam os muitos aparelhos do organismo, mas também entender como funciona o próprio corpo e que conseqüências isso tem em decisões pessoais da maior importância tais como fazer dieta, usar drogas, consumir gorduras ou exercer a sexualidade. A adolescente que aprendeu tudo sobre aparelho reprodutivo, mas não entende o que se passa com seu corpo a cada ciclo mensal não aprendeu de modo significativo. O mesmo acontece com o jovem que se equilibra na prancha de surfe em movimento, mas não relaciona isso com as leis da física aprendidas na escola.

Pesquisa recente com jovens de ensino médio revelou que estes não vêem nenhuma relação da química com suas vidas nem com a sociedade, como se o iogurte, os produtos de higiene pessoal e limpeza, os agrotóxicos ou as fibras sintéticas de suas roupas fossem questões de outra esfera de conhecimento, divorciadas da química que estudam na escola. No caso desses jovens, a química aprendida na escola foi transposta do contexto de sua produção original, sem que pontes tivessem sido feitas para contextos que são próximos e significativos. É provável que, por motivo semelhante, muitas pessoas que estudaram física na escola não consigam entender como funciona o telefone celular. Ou se desconcertem quando têm de estabelecer a relação entre o tamanho de um ambiente e a potência em “btus” do aparelho de ar-condicionado que estão por adquirir.

O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular no ensino médio, de acordo com as diretrizes traçadas pela LDB em seus artigos 35 e 36. O significado desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda inteiramente a noção tradicional de educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independentemente de sua origem ou destino socioprofissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho enquanto uma das principais atividades humanas, enquanto campo de preparação para escolhas profissionais futuras, enquanto espaço de exercício de cidadania, enquanto processo de produção de bens, serviços e conhecimentos com as tarefas laborais que lhes são próprias.

A riqueza do contexto do trabalho para dar significado às aprendizagens da escola média é incomensurável. Desde logo na experiência da própria aprendizagem como um trabalho de constituição de conhecimentos, dando à vida escolar um significado de maior protagonismo e responsabilidade. Da mesma forma o trabalho é um contexto importante das ciências humanas e sociais, visando compreendê-lo enquanto produção de riqueza e forma de interação do ser humano com a natureza e o mundo social. Mas a contextualização no mundo do trabalho permite focalizar muito mais todos os demais conteúdos do ensino médio.

A produção de serviços de saúde pode ser o contexto para tratar os conteúdos de biologia, significando que os conteúdos dessas disciplinas poderão ser tratados de modo a serem, posteriormente, significativos e úteis a alunos que se destinem a essas ocupações. A produção de bens nas áreas de mecânica e eletricidade contextualiza conteúdos de física com aproveitamento na formação profissional de técnicos dessas áreas. Do mesmo modo as competências desenvolvidas nas áreas de linguagens podem ser contextualizadas na produção de serviços pessoais ou comunicação e, mais especificamente, no exercício de atividades tais como tradução, associação de Escolas Particulares, avaliação do curso de segundo grau.

Pesquisa com alunos concluintes de cursos de segundo grau de escolas particulares de turismo ou produção de vídeos, serviços de escritório, ou ainda os estudos sobre a sociedade e o indivíduo podem ser contextualizados nas questões que dizem respeito à organização, à gestão, ao trabalho de equipe, à liderança, no contexto de produção de serviços tais como relações públicas, administração, publicidade.

Conhecimentos e competências constituídos de forma assim contextualizada compõem a educação básica, são necessários para a continuidade de estudos acadêmicos e aproveitáveis em programas de preparação profissional sequenciais ou concomitantes com o ensino médio, sejam eles cursos formais, seja a capacitação em serviço. Na verdade, constituem o que a LDB refere como preparação básica para o trabalho, tema que será retomado mais adiante.

O contexto do trabalho é também imprescindível para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos a que se refere o artigo 35 da LDB. Por sua própria natureza de conhecimento aplicado, as tecnologias, sejam elas das linguagens e comunicação, da informação, planejamento e gestão, ou as mais tradicionais, nascidas no âmbito das ciências da natureza, só podem ser entendidas de forma significativa se contextualizadas no trabalho. A esse respeito é significativo o fato de que as estratégias de aprendizagem contextualizada ou “situada”, como é designada na literatura de língua inglesa, tenham nascido nos programas de preparação profissional, dos quais se transferiram depois para as salas de aula tradicionais. Suas características, tal como descritas pela literatura e resumidas por Stein, indicam que a contextualização do conteúdo de ensino é o que efetivamente ocorre no ensino profissional de boa qualidade: Na aprendizagem situada os alunos aprendem o conteúdo por meio de atividades em lugar de adquirirem informação em unidades específicas organizadas pelos instrutores. O conteúdo é inerente ao processo de fazer uma tarefa e não se apresenta separado do barulho, da confusão e das interações humanas que prevalecem nos ambientes reais de trabalho.

Outro contexto relevante indicado pela LDB é o do exercício da cidadania. Desde logo é preciso que a proposta pedagógica assuma o fato trivial de que a cidadania não é dever nem privilégio de uma área específica do currículo nem deve ficar restrita a um projeto determinado.

Exercício de cidadania é testemunho que se inicia na convivência cotidiana e deve contaminar toda a organização curricular. As práticas sociais e políticas e as práticas culturais e de comunicação são parte integrante do exercício cidadão, mas a vida pessoal, o cotidiano e a convivência e as questões ligadas ao meio ambiente, corpo e saúde também. Trabalhar os conteúdos das ciências naturais no contexto da cidadania pode significar um projeto de tratamento da água ou do lixo da escola ou a participação numa campanha de vacinação, ou a compreensão de por que as construções despencam quando os materiais utilizados não têm a resistência devida. E de quais são os aspectos técnicos, políticos e éticos envolvidos no trabalho da construção civil.

Objetivo semelhante pode ser alcançado se a eleição do grêmio estudantil for uma oportunidade para conhecer melhor os sistemas políticos, ou para entender como a matemática traduz a tendência de voto por meio de um gráfico de barras, ou para discutir questões éticas relacionadas à prática eleitoral. Da mesma forma as competências da área de linguagens podem ser trabalhadas no contexto da comunicação na sala de aula, da análise da novela da televisão, dos diferentes usos da língua dependendo das situações de trabalho, da comunicação coloquial.

O contexto que é mais próximo do aluno e mais facilmente explorável para dar significado aos conteúdos da aprendizagem é o da vida pessoal, cotidiano e convivência. O aluno vive num mundo de fatos regidos pelas leis naturais e está imerso num universo de relações sociais. Está exposto a informações cada vez mais acessíveis e rodeado por bens cada vez mais diversificados, produzidos com materiais sempre novos. Está exposto também a vários tipos de comunicação pessoal e de massa.

O cotidiano e as relações estabelecidas com o ambiente físico e social devem permitir dar significado a qualquer conteúdo curricular, fazendo a ponte entre o que se aprende na escola e o que se faz, vive e observa no dia-a-dia. Aprender sobre a sociedade, o indivíduo e a cultura e não compreender ou reconhecer as relações existentes entre adultos e jovens na própria família é perder a oportunidade de descobrir que as ciências também contribuem para a convivência e a troca afetiva. O respeito ao outro e ao público, essencial à cidadania, também se inicia nas relações de convivência cotidiana, na família, na escola, no grupo de amigos.

Na vida pessoal há um contexto importante o suficiente para merecer consideração específica, que é o do meio ambiente, corpo e saúde. Condutas ambientalistas responsáveis subentendem um protagonismo forte no presente, no meio ambiente imediato da escola, da vizinhança, do lugar onde se vive. Para desenvolvê-las é importante que os conhecimentos das ciências, da matemática e das linguagens sejam relevantes na compreensão das questões ambientais mais próximas e estimulem a ação para resolvê-las.

As visões, fantasias e decisões sobre o próprio corpo e saúde, base para um desenvolvimento autônomo, poderão ser mais bem orientadas se as aprendizagens da escola estiverem significativamente relacionadas com as preocupações comuns na vida de todo jovem: aparência, sexualidade e reprodução, consumo de drogas, hábitos de alimentação, limite e capacidade física, repouso, atividade, lazer.

Examinados os exemplos dados, é possível generalizar a contextualização como recurso para tornar a aprendizagem significativa ao associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos adquiridos espontaneamente. É preciso, no entanto, cuidar para que essa generalização não induza à banalização, com o risco de perder o essencial da aprendizagem escolar que é seu caráter sistemático, consciente e deliberado. Em outras palavras: contextualizar os conteúdos escolares não é liberá-los do plano abstrato da transposição didática para aprisioná-los no espontaneísmo e na cotidianidade. Para que fique claro o papel da contextualização, é necessário considerar, como no caso da interdisciplinaridade, seu fundamento epistemológico e psicológico.

O jovem não inicia a aprendizagem escolar partindo do zero, mas com uma bagagem formada por conceitos já adquiridos espontaneamente, em geral mais carregados de afetos e valores por resultarem de experiências pessoais. Ao longo do desenvolvimento aprende-se a abstrair e generalizar conhecimentos aprendidos espontaneamente, mas é bem mais difícil formalizá-los ou explicá-los em palavras porque, diferentemente da experiência escolar, não são conscientes nem deliberados.

É possível assim afirmar, reiterando premissas das teorias interacionistas do desenvolvimento e da aprendizagem, que o desenvolvimento intelectual baseado na aprendizagem espontânea é ascendente, isto é, inicia-se de modo inconsciente e até caótico, de acordo com uma experiência que não é controlada, e encaminha-se para níveis mais abstratos, formais e conscientes. Ao iniciar uma determinada experiência de aprendizagem escolar, portanto, um aluno pode até saber os conceitos nela envolvidos, mas não sabe que os tem porque nesse caso vale a afirmação de que a análise da realidade com a ajuda de conceitos precede a análise dos próprios conceitos.

Na escola, os conteúdos curriculares já são apresentados ao aluno na sua forma mais abstrata, formulados em graus crescentes de generalidade. A sua relação com esse conhecimento é, portanto, mais longínqua, mais fortemente mediada pela linguagem externa, menos pessoal.

Nessas circunstâncias, ainda que aprendido e satisfatoriamente formulado em nível de abstração aceitável, o conhecimento tem muita dificuldade para aplicar-se a novas situações concretas que devem ser entendidas nos mesmos termos abstratos pelos quais o conceito é formulado.

Da mesma forma como foi longo o processo pelo qual os conceitos espontâneos ganharam níveis de generalidade até serem entendidos e formulados de modo abstrato, é longo e árduo o processo inverso, de transição do abstrato para o concreto e particular. Isso sugere que o processo de aquisição do conhecimento sistemático escolar tem uma direção oposta à do conhecimento espontâneo: descendente, de níveis formais e abstratos para aplicações particulares.

Ambos os processos de desenvolvimento, do conhecimento espontâneo ao conhecimento abstrato e deliberado e deste último para a compreensão e aplicação a situações particulares concretas, não são independentes. Já porque a realidade à qual se referem é a mesma – o mundo físico, o mundo social, as relações pessoais – já porque em ambos os casos a linguagem joga papel decisivo como elemento constituidor. Na prática, o conhecimento espontâneo auxilia a dar significado ao conhecimento escolar. Este último, por sua vez, reorganiza o conhecimento espontâneo e estimula o processo de sua abstração.

Quando se recomenda a contextualização como princípio de organização curricular, o que se pretende é facilitar a aplicação da experiência escolar para a compreensão da experiência pessoal em níveis mais sistemáticos e abstratos e o aproveitamento da experiência pessoal para facilitar o processo de concreção dos conhecimentos abstratos que a escola trabalha. Isso significa que a ponte entre teoria e prática, recomendada pela LDB e comentada por Castro, deve ser de mão dupla. Em ambas as direções estão em jogo competências cognitivas básicas: raciocínio abstrato, capacidade de compreensão de situações novas, que é a base da solução de problemas, para mencionar apenas duas.

Não se entendam, portanto, a contextualização como banalização do conteúdo das disciplinas, numa perspectiva espontaneísta. Mas como recurso pedagógico para tornar a constituição de conhecimentos um processo permanente de formação de capacidades intelectuais superiores. Capacidades que permitam transitar inteligentemente do mundo da experiência imediata e espontânea para o plano das abstrações e deste para a reorganização da experiência imediata, de forma a aprender que situações particulares e concretas podem ter uma estrutura geral.

De outra coisa não trata Piaget quando, a propósito do ensino da matemática, observa que muitas operações lógico-matemáticas já estão presentes na criança antes da idade escolar sob formas elementares ou triviais, mas não menos significativas. Mas acrescenta, em seguida: Uma coisa é aprender na ação e assim aplicar praticamente certas operações, outra é tomar consciência das mesmas para delas extrair um conhecimento reflexivo e teórico, de tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas naturais.

Para concluir estas considerações sobre a contextualização, é interessante citar a síntese apresentada por Stein sobre as características da aprendizagem contextualizada: em relação ao conteúdo, busca desenvolver o pensamento de ordem superior em lugar da aquisição de fatos independentes da vida real; preocupa-se mais com a aplicação do que com a memorização; sobre o processo assume que a aprendizagem é sócio-interativa, envolve necessariamente os valores, as relações de poder, a negociação permanente do próprio significado do conteúdo entre os alunos envolvidos; em relação ao contexto, propõe não apenas trazer a vida real para a sala de aula, mas criar as condições para que os alunos (re) experienciem os eventos da vida real a partir de múltiplas perspectivas.

A reorganização da experiência cotidiana e espontânea tem assim um resultado importante para a educação, pois é principalmente nela que intervêm os afetos e valores. É com base nela, embora não exclusivamente, que se constroem as visões do outro e do mundo, pois uma parte relevante da experiência espontânea é feita de interação com os outros, de influencia dos meios de comunicação, de convivência social, pelos quais os significados são negociados, para usar o termo de Stein.

Na medida em que a contextualização facilita o significado da experiência de aprendizagem escolar e a (re) significação da aprendizagem baseada na experiência espontânea, ela pode – e deve – questionar os dados desta última: os problemas ambientais, os preconceitos e estereótipos, os conteúdos da mídia, a violência nas relações pessoais, os conceitos de verdadeiro e falso na política, e assim por diante. Dessa forma, voltando a alguns exemplos dados, se a aprendizagem do sistema reprodutivo não leva a questionar os mitos da feminilidade e da masculinidade, além de não ser significativa essa aprendizagem em nada colaborou para reorganizar o aprendido espontaneamente. Se a aprendizagem das ciências não facilitar o esforço para distinguir entre o fato e a interpretação ou para identificar as falhas da observação cotidiana, se não facilitar a reprodução de situações nas quais o emprego da ciência depende da participação e interação entre as pessoas e destas com um conjunto de equipamentos e materiais, pode-se dizer que não criou competências para abstrair de forma inteligente o mundo da experiência imediata.

A Importância da Escola

Interdisciplinaridade e Contextualização são recursos complementares para ampliar as inúmeras possibilidades de interação entre disciplinas e entre as áreas nas quais disciplinas venham a ser agrupadas. Juntas, elas se comparam a um trançado cujos fios estão dados, mas cujo resultado final pode ter infinitos padrões de entrelaçamento e muitas alternativas para combinar cores e texturas. De forma alguma se espera que uma escola esgote todas as possibilidades. Mas se recomenda com veemência que ela exerça o direito de escolher um desenho para o seu trançado e que, por mais simples que venha a ser, ele expresse suas próprias decisões e resulte num cesto generoso para acolher aquilo que a LDB recomenda em seu artigo 26: as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

Os ensinamentos da psicologia de Piaget e Vygotsky foram convocados para explicar a interdisciplinaridade e a contextualização porque ambas as perspectivas teóricas se complementam naquilo que, para estas DCNEM, é o mais importante: a importância da aprendizagem sistemática, portanto da escola, para o desenvolvimento do adolescente.

A escola é a agência que especificamente está dedicada à tarefa de organizar o conhecimento e apresentá-lo aos alunos pela mediação das linguagens, de modo a que seja aprendido. Ao professor – pela linguagem que fala ou que manipula nos recursos didáticos – cabe uma função insubstituível no domínio mais avançado do conhecimento que o aluno vai constituindo. Este, por sua vez, estimula o próprio desenvolvimento a patamares superiores. Se a constituição de conhecimentos com significado deliberado, que caracteriza a aprendizagem escolar é antecipação do desenvolvimento de capacidades mentais superiores – premissa cara a Vygotsky – o trabalho que a escola realiza, ou deve realizar, é insubstituível na aquisição de competências cognitivas complexas, cuja importância vem sendo cada vez mais enfatizada: autonomia intelectual, criatividade, solução de problemas, análise e prospecção, entre outras. Essa afirmação é ainda mais verdadeira para jovens provenientes de ambientes culturais e sociais em que o uso da linguagem é restrito e a sistematização do conhecimento espontâneo raramente acontece.

Outra coisa não diz Piaget interpretando os mandamentos da Declaração Universal dos

Direitos Humanos no capítulo da educação: Todo ser humano tem o direito de ser colocado, durante sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível chegar ao ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica. E vai mais longe o mestre de Genebra, ao relacionar a autonomia moral com a autonomia intelectual, que implica o pleno desenvolvimento das operações da lógica.

Mesmo sem que a escola se dê conta, sua proposta pedagógica tem uma resposta para a pergunta que tanto Sócrates quanto Protágoras procuram responder: É possível educar pessoas que, além das “artes” – único talento que Prometeu conseguiu roubar aos deuses para repartir à humanidade –, dominem também a justiça e o respeito, que Zeus decidiu acrescentar àquele talento por serem a base da amizade, a fim de que os homens pudessem conviver para sobreviver.

Vygotsky, com as capacidades intelectuais superiores, Piaget com as operações da lógica, Sócrates com a sabedoria afirmam que sim e dão grande alento para aqueles que teimosamente continuam apostando na borboleta.

Base Nacional Comum e Parte Diversificada

Interdisciplinaridade e Contextualização formam o eixo organizador da doutrina curricular expressa na LDB. Elas abrigam uma visão do conhecimento e das formas de tratá-lo para ensinar e para aprender que permite dar significado integrador a duas outras dimensões do currículo, de forma a evitar transformá-las em novas dualidades ou reforçar as já existentes: base nacional comum/parte diversificada, e formação geral/preparação básica para o trabalho.

A primeira dimensão é explicitada no artigo 26 da LDB, que afirma: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. À luz das diretrizes pedagógicas apresentadas, cabe observar a esse respeito:

* tudo o que se disse até aqui sobre a nova missão do ensino médio, seus fundamentos axiológicos e suas diretrizes pedagógicas se aplica para ambas as «partes», tanto a “nacional comum” como a “diversificada”, pois numa perspectiva de organicidade, integração e contextualização do conhecimento não faz sentido que elas estejam divorciadas;

* a LDB buscou preservar, no seu artigo 26, a autonomia da proposta pedagógica dos sistemas e das unidades escolares para contextualizar os conteúdos curriculares de acordo com as características regionais, locais e da vida dos seus alunos; assim entendida, a parte diversificada é uma dimensão do currículo, e a contextualização pode ser a forma de organizá-la sem criar divórcio ou dualidade com a base nacional comum;

* a parte diversificada deverá, portanto, ser organicamente integrada à base nacional comum para que o currículo faça sentido como um todo e essa integração ocorrerá, entre outras formas, por enriquecimento, ampliação, diversificação, desdobramento, podendo incluir todos os conteúdos da base nacional comum ou apenas parte deles, selecionados, nucleados em áreas ou não, sempre de acordo com a proposta pedagógica do estabelecimento;

* a parte diversificada poderá ser desenvolvida por meio de projetos e estudos focalizados em problemas selecionados pela equipe escolar, de forma que eles sejam organicamente integrados ao currículo, superando definitivamente a concepção do projeto como atividade “extra” curricular;

* entendida nesses termos, a parte diversificada será decisiva na construção da identidade de cada escola, ou seja, pode ser aquilo que identificará as “vocações” das escolas e as diferenciará entre si, na busca de organizações curriculares que efetivamente respondam à heterogeneidade dos alunos e às necessidades do meio social e econômico; * sempre que assim permitirem os recursos humanos e materiais dos estabelecimentos escolares, os alunos deverão ter a possibilidade de escolher os estudos, projetos, cursos ou atividades da parte diversificada, de modo a incentivar a inserção do educando na construção de seu próprio currículo;

* os sistemas de ensino e escolas estabelecerão os critérios para que a diversificação de opções curriculares por parte dos alunos seja possível pedagogicamente e sustentável financeiramente;

* se a parte diversificada deve ter nome específico e carga identificável no horário escolar é uma questão a ser resolvida no âmbito de cada sistema e escola de acordo com sua organização curricular e proposta pedagógica;

* em qualquer caso, a base nacional comum, objeto destas DCNEM, deverá ocupar, no mínimo, 75% do tempo legalmente estabelecido como carga horária mínima do ensino médio.

Formação Geral e Preparação Básica para o Trabalho

Sobre esse aspecto é preciso destacar que a letra e o espírito da lei não identificam a preparação para o trabalho ou a habilitação profissional com a parte diversificada do currículo. Em outras palavras, não existe nenhuma relação biunívoca que faça sentido, nem pela lei nem pela doutrina curricular que ela adota, identificando a base nacional comum com a formação geral do educando e a parte diversificada com a preparação geral para o trabalho ou, facultativamente, com a habilitação profissional. Na dinâmica da organização curricular descrita anteriormente elas podem ser combinadas de muitas e diferentes maneiras para resultar numa organização de estudos adequada a uma escola determinada.

A segunda observação importante diz respeito ao uso, pelos sistemas e pelas escolas, da possibilidade de preparar para o exercício de profissões técnicas (parágrafo 2o do artigo 36) ou da faculdade de oferecer habilitação profissional (Parágrafo 4o artigo 36). Essa questão implica considerar vários aspectos e deve ser examinada com cuidado, pois toca o princípio de autonomia da escola:

* o primeiro aspecto refere-se à finalidade de educação básica do ensino médio que não está em questão, pois a LDB é clara a respeito;

* o segundo refere-se à duração do ensino médio, que também não deixa dúvidas quanto ao mínimo de 2.400 horas, distribuídas em 3 anos de 800 horas, distribuídas em pelo menos 200 dias letivos;

* o terceiro aspecto a considerar é que a LDB presume uma diferença entre “preparação geral para o trabalho” e “habilitação profissional”.

Essa diferença presumida deve ser explicitada. Por opção doutrinária a lei não dissocia a preparação geral para o trabalho da formação geral do educando, e isso vale tanto para a “base nacional comum” como para a “parte diversificada” do currículo e é por essa razão que se dá ênfase neste parecer ao tratamento de os conteúdos curriculares no contexto do trabalho.

Essa preparação geral para o trabalho abarca, portanto, os conteúdos e competências de caráter geral para a inserção no mundo do trabalho e aqueles que são relevantes ou indispensáveis para cursar uma habilitação profissional e exercer uma profissão técnica. No primeiro caso estariam as noções gerais sobre o papel e o valor do trabalho, os produtos do trabalho, as condições de produção, entre outras.

No caso dos estudos que são necessários para o preparo profissional quer seja em curso formal, quer seja no ambiente de trabalho, estariam, por exemplo, conhecimentos de biologia e bioquímica para as áreas profissionais da saúde, a química para algumas profissões técnicas, industriais, a física para as atividades profissionais ligadas à mecânica ou eletroeletrônica, as línguas para as habilitações ligadas a comunicações e serviços, as ciências humanas e sociais para as áreas de administração, relações públicas, mercadologia, entre outras. Dependendo do caso, essa vinculação pode ser mais estreita e específica, como seria, por exemplo, o conhecimento de história para técnico de turismo ou de redação de textos e cartas comerciais para alunos que farão secretariado e contabilidade.

Enquanto a duração da formação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, é inegociável, a duração da formação profissional específica será variável. Um dos fatores que afetará a quantidade de tempo a ser alocado à formação profissional será a maior ou menor proximidade desta última com a preparação básica para o trabalho que o aluno adquiriu no ensino médio. Quanto maior a proximidade, mais os estudos de formação geral poderão propiciar a aprendizagem de conhecimentos e competências que são essenciais para o exercício profissional em uma profissão ou área ocupacional determinada. Esses estudos podem, portanto, ser aproveitados para a obtenção de uma habilitação profissional em cursos complementares, desenvolvidos concomitante ou seqüencialmente ao ensino médio.

Essa é a interpretação a ser dada ao parágrafo único do artigo 5º do Decreto 2.208/97: a expressão caráter profissionalizante, utilizada para adjetivar as disciplinas cursadas no ensino médio que podem ser aproveitadas, até o limite de 25%, no currículo de habilitação profissional, só pode referir-se às disciplinas de formação básica ou geral que, ao mesmo tempo, são fundamentais para a formação profissional e por isso mesmo podem ser aproveitadas em cursos específicos para obtenção de habilitações específicas. Não é relevante, para estas DCNEM, indicar se tais disciplinas seriam cursadas na parte diversificada ou no cumprimento da base nacional comum, se aceito o pressuposto de que ambas devem estar organicamente articuladas.

Quando o mesmo Decreto 2.208/97 afirma em seu artigo 2º: A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular, e depois, no já citado artigo 5º, reafirma que: A educação profissional terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este, estabelece as regras da articulação, sem que nenhuma das duas modalidades de educação, a básica, do ensino médio, e a profissional de nível técnico, abram mão da especificidade de suas finalidades.

Esse tipo de articulação entre formação geral e profissional já foi considerada por vários educadores dedicados à educação técnica, entre eles Castro, que aponta ocupações para as quais o preparo é mais próximo da formação geral. Este é o caso, entre outros, de algumas ocupações nas áreas de serviços, como as de escritório, por exemplo. Outras ocupações, diz esse autor, requerem uma maior quantidade de conhecimentos e habilidades que não são de formação geral. Entre estas últimas estariam as profissões ligadas à produção industrial, cujo tempo de duração dos cursos técnicos será provavelmente mais longo por envolverem estudos mais especializados e, portanto, mais distantes da educação geral.

Assim, a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, se dará por uma via de mão dupla e pode gerar inúmeras formas de preparação básica para o trabalho no caso do primeiro, e aproveitamento de estudos no caso do segundo, respeitadas as normas relativas à duração mínima da educação básica de nível médio, que inclui – repita-se – a formação geral e a preparação para o trabalho:

* às escolas de ensino médio cabe contemplar, em sua proposta pedagógica e de acordo com as características regionais e de sua clientela, aqueles conhecimentos, competências e habilidades de formação geral e de preparação básica para o trabalho que, sendo essenciais para uma habilitação profissional específica, poderão ter os conteúdos que lhe deram suporte igualmente aproveitados no respectivo curso dessa habilitação profissional;

* às escolas ou programas dedicados à formação profissional cabe identificar que conhecimentos, competências e habilidades essenciais para cursar uma habilitação profissional específica já foram adquiridos pelo aluno no ensino médio, e considerar as disciplinas ou estudos que lhes deram suporte como de caráter profissionalizante para essa habilitação e, portanto, passíveis de serem aproveitados;

* como a articulação não se dá por sobreposição, os estudos de formação geral e de preparação básica para o trabalho que sejam ao mesmo tempo essenciais para uma habilitação profissional, podem ser incluídos na duração mínima prevista para o ensino médio e aproveitados na formação profissional;

* estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma ou em outra instituição, concomitante ou posteriormente ao ensino médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 previstas pela LDB como mínimas;

* as várias habilitações profissionais terão duração diferente para diferentes alunos, dependendo do perfil do profissional a ser habilitado, dos estudos que cada um deles esteja realizando ou tenha realizado no ensino médio e dos critérios de aproveitamento contemplados nas suas propostas pedagógicas.

As fronteiras entre estudos de preparação básica para o trabalho e educação profissional no sentido restrito nem sempre são fáceis de estabelecer. Além disso, como já se observou, depende do perfil ocupacional a maior ou menor afinidade entre as competências exigidas para o exercício profissional e aquelas de formação geral.

É sabido, no entanto, que em cada habilitação profissional ou profissão técnica existem conteúdos, competências e mesmo atitudes, que são próprios e específicos. Apenas a título de exemplo seria possível mencionar: o domínio da operação de um torno mecânico, ou do processo de instalação de circuitos elétricos para os técnicos dessas áreas; a operação de uma agência de viagens para o técnico de turismo; o uso de aparelhagem de tradução simultânea para o tradutor; a manipulação de equipamentos para diagnóstico especializado no caso do técnico de laboratório; o domínio das técnicas de esterilização no caso do enfermeiro.

Conhecimentos e competências específicos tais como os exemplificados não devem fazer parte da formação geral do educando e da preparação geral para o trabalho. Caracterizam uma habilitação profissional ou o preparo para o exercício de profissão técnica. Considerando que a LDB prioriza a formação geral quando define os mínimos de duração do ensino médio e apenas faculta o oferecimento da habilitação profissional, garantida a formação geral, aquela só pode ser oferecida como carga adicional dos mínimos estabelecidos, podendo essa adição ser em horas diárias, dias da semana ou períodos letivos.

Caberá aos sistemas de ensino, às escolas médias e às profissionais definir e tomar decisões, em cada caso, sobre quais estudos são de formação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, e quais são de formação profissional específica. Não há como estabelecer critérios a priori. Este é mais um aspecto no qual nenhum controle prévio ou formal substitui o exercício da autonomia responsável.

Em resumo:

* os conteúdos curriculares da base nacional comum e da parte diversificada devem ser tratados também, embora não exclusivamente, no contexto do trabalho, como meio de produção de bens, de serviços e de conhecimentos;

* de acordo com as necessidades da clientela e as características da região, contempladas na proposta pedagógica da escola média, os estudos de formação geral e preparação básica para o trabalho, tanto da base nacional comum como da parte diversificada, podem ser tratados no contexto do trabalho em uma ou mais áreas ocupacionais;

* segundo esses princípios, a preparação básica para o trabalho é, portanto, parte integrante da educação básica de nível médio e pode incluir, dentro da duração mínima estabelecida pela LDB, estudos que são também necessários para cursar uma habilitação profissional e que, por essa razão, podem ser aproveitados em cursos ou programas de habilitação ou formação profissional;

* em outras palavras, as disciplinas pelas quais se realizam os estudos mencionados no item anterior são aquelas disciplinas de formação geral ou de preparação básica para o trabalho necessárias para cursos profissionais com os quais mantêm afinidade e, portanto, são de caráter profissionalizante para esses cursos profissionais, ainda que cursadas dentro da carga horária mínima prevista para o ensino médio;

* os estudos realizados em disciplinas de caráter profissionalizante, assim entendidas, podem ser aproveitados, até o limite de 25% da carga horária total, para eventual habilitação profissional, somando-se aos estudos específicos necessários para obter a certificação exigida para o exercício profissional;

* esses estudos específicos, que propiciam preparo para postos de trabalho determinados ou são especializados para o exercício de profissões técnicas, só podem ser oferecidos se e quando atendida a formação geral do educando, e mesmo assim facultativamente;

* em virtude da prioridade da formação geral, a eventual oferta desses estudos específicos de habilitação profissional, ou de preparo para profissões técnicas, não poderá ocupar o tempo de duração mínima do ensino médio previsto pela LDB, sem prejuízo do eventual aproveitamento de estudos já referido;

* o sistema ou escola que decida oferecer formação para uma profissão técnica, usando a faculdade que a lei outorga, deverá acrescentar aos mínimos previstos, o número de horas diárias, dias da semana, meses, semestres, períodos ou anos letivos necessários para desenvolver os estudos específicos correspondentes.

É interessante observar que essa diretriz já vem sendo colocada em prática por sistemas ou escolas de ensino médio que oferecem também habilitação profissional. Nesses casos, ainda poucos, os cursos já são mais longos, seja em termos de horas anuais, distribuídas por cargas horárias diárias maiores, seja em termos do número de anos ou semestres letivos, dependendo da conveniência em fazer os estudos especificamente profissionalizantes em concomitância ou em seqüência ao ensino médio. Esse fato é indicativo da adequação desta diretriz e da convicção que vem ganhando terreno quanto à necessidade de dedicar mais tempo, esforços e recursos para a finalidade de educação básica no ensino médio.

Nos termos deste parecer, portanto, não há dualidade entre formação geral e preparação básica para o trabalho. Mas há uma clara prioridade de ambas em relação a estudos específicos que habilitem para uma profissão técnica ou preparem para postos de trabalho definidos. Tais estudos devem ser realizados em cursos ou programas complementares, posteriores ou concomitantes ao ensino médio. Finalmente, é preciso deixar bem claro que a desvinculação entre o ensino médio e o ensino técnico introduzida pela LDB é totalmente coerente com a concepção de educação básica adotada na lei. Exatamente porque a base para inserir-se no mercado de trabalho passa a ser parte integrante da etapa final da educação básica como um todo, sem dualidades, torna-se possível separar o ensino técnico. Este passa a assumir mais plenamente sua identidade e sua missão específicas de oferecer habilitação profissional, a qual poderá aproveitar os conhecimentos, competências e habilidades de formação geral obtidos no ensino médio.

5. A Organização Curricular da Base Nacional Comum do Ensino Médio

A construção da Base Nacional Comum passa pela constituição dos saberes integrados à ciência e à tecnologia, criados pela inteligência humana. Por mais instituinte e ousado, o saber terminará por fundar uma tradição, por criar uma referência. A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas,desfiguramos memórias e identidades, perdemos vínculo com a nossa história,quebramos os espelhos que desenham nossas formas. A modernidade, por mais crítica que tenha sido da tradição, arquitetou-se a partir de referências e paradigmas seculares. A relação com o passado deve ser cultivada, desde que se exerça uma compreensão do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente linear e seqüencial. A articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes, sem retirá-los da sua historicidade e, no caso do Brasil, de interação entre nossas diversas etnias, com as raízes africanas, indígenas, européias e orientais.

A produção e a constituição do conhecimento, no processo de aprendizagem, dá muitas vezes a ilusão de que podemos seguir sozinhos com o saber que acumulamos. A natureza coletiva do conhecimento termina sendo ocultada ou dissimulada, negando-se o fazer social. Nada mais significativo e importante, para a construção da cidadania, do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da história. Além disso, a existência dos saberes associados aos conhecimentos científicos e tecnológicos nos ajuda a caminhar pelos percursos da história, mas sua existência não significa que o real é esgotável e transparente.

Por outro lado, costuma-se reduzir a produção e a constituição do conhecimento no processo de aprendizagem, à dimensão de uma razão objetiva, desvalorizando-se outros tipos de experiências ou mesmo expressões de outras sensibilidades.

Assim, o modelo que despreza as possibilidades afetivas, lúdicas e estéticas de entender o mundo tornou-se hegemônico, submergindo no utilitarismo que transforma tudo em mercadoria. Em nome da velocidade e do tipo de mercadoria, criaram-se critérios para eleger valores que devem ser aceitos como indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade. O ponto de encontro tem sido a acumulação e não a reflexão e a interação, visando à transformação da vida, para melhor. O núcleo da aprendizagem terminaria sendo apenas a criação de rituais de passagem e de hierarquia, contrapondo-se, inclusive, à concepção abrangente de educação explicitada nos artigos 205 e 206 da Constituição Federal.

Organização Curricular e Proposta Pedagógica

Se toda proposição de áreas ou critérios de agrupamento dos conteúdos curriculares carrega certa dose de arbítrio, todo projeto ou proposta pedagógica traduz um esforço para superar esse arbítrio e adaptar um desenho curricular de base, mandatório e comum, às características de seus alunos e de seu ambiente socioeconômico recorrendo, entre outros recursos, à interdisciplinaridade e à contextualização como recursos para lograr esse objetivo.

Será, portanto, na proposta pedagógica e na qualidade do protagonismo docente que a interdisciplinaridade e contextualização ganharão significado prático pois, por homologia, deve-se dizer que o conhecimento desses dois conceitos é necessário mas não suficiente. Eles só ganharão sentido pleno se forem aplicados para reorganizar a experiência espontaneamente acumulada por professores e outros profissionais da educação que trabalham na escola, de modo que os leve a rever sua prática sobre o que e como ensinar seus alunos.

A organização curricular apresentada a seguir pertence, pois, ao âmbito do currículo proposto. Contraditório que possa ser chamar as presentes diretrizes curriculares, obrigatórias por lei, de currículo proposto, essa é a forma de reconhecer que o desenvolvimento curricular real será feito na escola e pela escola. O projeto ou proposta pedagógica será o plano básico desse desenvolvimento pelo qual o currículo proposto se transforma em currículo em ação. O currículo ensinado será o trabalho do professor em sala de aula. Para que ele esteja em sintonia com os demais níveis – o da proposição e o da ação – é indispensável que os professores se apropriem, não só dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais importante.

Entre o currículo proposto e o ensino na sala de aula, situam-se ainda as instâncias normativas e executivas estaduais, legítimas formuladoras e implementadoras das políticas educacionais em seus respectivos âmbitos. O edifício do ensino médio se constrói, assim, em diferentes níveis nos quais há que estabelecer prioridades, identificar recursos e estabelecer consensos sobre o que e como ensinar.

Uma proposta nacional de organização curricular, portanto, considerando a realidade federativa e diversa do Brasil, há que ser flexível, expressa em nível de generalidade capaz de abarcar propostas pedagógicas diversificadas, mas também com certo grau de precisão, capaz de sinalizar ao país as competências que se quer alcançar nos alunos do ensino médio, deixando grande margem de flexibilidade quanto aos conteúdos e métodos de ensino que melhor potencializem esses resultados. O roteiro de base para tal proposta será a LDB. Para introduzir a organização curricular da base nacional, é preciso recuperar o caminho percorrido por este parecer.

Os princípios axiológicos que devem inspirar o currículo foram propostos para atender o que a lei demanda quanto a:

* fortalecimento dos laços de solidariedade e de tolerância recíproca;

* formação de valores;

* aprimoramento como pessoa humana;

* formação ética;

* exercício da cidadania.

A interdisciplinaridade e contextualização foram propostas como princípios pedagógicos estruturadores do currículo para atender o que a lei estabelece quanto às competências de:

* vincular a educação ao mundo do trabalho e à prática social;

* compreender os significados;

* ser capaz de continuar aprendendo;

* preparar-se para o trabalho e o exercício da cidadania;

* ter autonomia intelectual e pensamento crítico;

* ter flexibilidade para adaptar-se a novas condições de ocupação;

* compreender os fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos;

* relacionar a teoria com a prática.

A proposta pedagógica da escola será a aplicação de ambos, princípios axiológicos e pedagógicos, no tratamento de conteúdos de ensino que facilitem a constituição das competências e habilidades valorizadas pela LDB. As áreas que seguem, resultam do esforço de traduzir essas habilidades e competências em termos mais próximos do fazer pedagógico, mas não tão específicos que eliminem o trabalho de identificação mais precisa e de escolha dos conteúdos de cada área e das disciplinas às quais eles se referem em virtude de seu objeto e método de conhecimento. Essa sintonia fina, que, se espera, resulte de consensos estabelecidos em instâncias dos sistemas de ensino cada vez mais próximas da sala de aula, será o espaço no qual a identidade de cada escola se revelará como expressão de sua autonomia e como resposta à diversidade.

Os Saberes das Áreas Curriculares

Na área de linguagens e códigos estão destacadas as competências que dizem respeito à constituição de significados que serão de grande valia para a aquisição e formalização de todos os conteúdos curriculares, para a constituição da identidade e o exercício da cidadania.

As escolas certamente identificarão nesta área as disciplinas, atividades e conteúdos relacionados às diferentes formas de expressão, das quais a língua portuguesa é imprescindível. Mas é importante destacar que o agrupamento das linguagens busca estabelecer correspondência não apenas entre as formas de comunicação – das quais as artes, as atividades físicas e a informática fazem parte inseparável – como evidenciar a importância de todas as linguagens enquanto constituintes dos conhecimentos e das identidades dos alunos, de modo a contemplar as possibilidades artísticas, lúdicas e motoras de conhecer o mundo. A utilização dos códigos que dão suporte às linguagens não visa apenas ao domínio técnico, mas principalmente à competência de desempenho, o saber usar as linguagens em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os interlocutores ou públicos.

Na área das ciências da natureza e matemática incluem-se as competências relacionadas à apropriação de conhecimentos da física, da química, da biologia e suas interações ou desdobramentos como formas indispensáveis de entender e significar o mundo de modo organizado e racional, e também de participar do encantamento que os mistérios da natureza exercem sobre o espírito que aprende a ser curioso, a indagar e descobrir. O agrupamento das ciências da natureza tem ainda o objetivo de contribuir para a compreensão do significado da ciência e da tecnologia na vida humana e social, de modo a gerar protagonismo diante das inúmeras questões políticas e sociais para cujo entendimento e solução as ciências da natureza são uma referência relevante. A presença da matemática nessa área se justifica pelo que de ciência tem a matemática, por sua afinidade com as ciências da natureza, na medida em que é um dos principais recursos de constituição e expressão dos conhecimentos destas últimas, e finalmente pela importância de integrar a matemática com os conhecimentos que lhe são mais afins. Esta última justificativa é, sem dúvida, mais pedagógica que epistemológica, e pretende retirar a matemática do isolamento didático em que tradicionalmente se confina no contexto escolar.

Na área das ciências humanas, da mesma forma, destacam-se as competências relacionadas à apropriação dos conhecimentos dessas ciências com suas particularidades metodológicas, nas quais o exercício da indução é indispensável. Pela constituição dos significados de seus objetos e métodos, o ensino das ciências humanas e sociais deverá desenvolver a compreensão do significado da identidade, da sociedade e da cultura, que configuram os campos de conhecimentos de história, geografia, sociologia, antropologia, psicologia, direito, entre outros. Nesta área se incluirão também os estudos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania, para cumprimento do que manda a letra da lei.

No entanto, é indispensável lembrar que o espírito da LDB é muito mais generoso com a constituição da cidadania e não a confina a nenhuma disciplina específica, como poderia dar a entender uma interpretação literal da recomendação do inciso III do parágrafo primeiro do artigo 36. Neste sentido, todos os conteúdos curriculares desta área, embora não exclusivamente dela, deverão contribuir para a constituição da identidade dos alunos e para o desenvolvimento de um protagonismo social solidário, responsável e pautado na igualdade política.

A presença das tecnologias em cada uma das áreas merece um comentário mais longo. A opção por integrar os campos ou atividades de aplicação, isto é, os processos tecnológicos próprios de cada área de conhecimento, resulta da importância que ela adquire na educação geral – e não mais apenas na profissional –, em especial no nível do ensino médio.

Neste, a tecnologia é o tema por excelência que permite contextualizar os conhecimentos de todas as áreas e disciplinas no mundo do trabalho.

Como analisa Menezes, no ensino fundamental, a tecnologia comparece como

“alfabetização científico-tecnológica”, compreendida como a familiarização com o manuseio e com a nomenclatura das tecnologias de uso universalizado, como, por exemplo, os cartões magnéticos.

No ensino médio, a presença da tecnologia responde a objetivos mais ambiciosos. Ela comparece integrada às ciências da natureza uma vez que uma compreensão contemporânea do universo físico, da vida planetária e da vida humana não pode prescindir do entendimento dos instrumentos pelos quais o ser humano maneja e investiga o mundo natural. Com isso se dá continuidade à compreensão do significado da tecnologia enquanto produto, num sentido amplo.

Mas a tecnologia na educação contemporânea do jovem deverá ser contemplada também como processo. Em outras palavras, não se tratará apenas de apreciar ou dar significado ao uso da tecnologia, mas de conectar os inúmeros conhecimentos com suas aplicações tecnológicas, recurso que só pode ser bem explorado em cada nucleação de conteúdos, e que transcende a área das ciências da natureza. A este respeito é significativa a observação de Menezes: A familiarização com as modernas técnicas de edição, de uso democratizado pelo computador, é só um exemplo das vivências reais que é preciso garantir. Ultrapassando assim o “discurso sobre as tecnologias”, de utilidade duvidosa, é preciso identificar nas matemáticas, nas ciências naturais, nas ciências humanas, na comunicação e nas artes, os elementos de tecnologia que lhes são essenciais e desenvolvê-los como conteúdos vivos, como objetivos da educação e, ao mesmo tempo, meio para tanto. Dessa maneira, a presença da tecnologia no ensino médio remete diretamente às atividades relacionadas à aplicação dos conhecimentos e habilidades constituídos ao longo da educação básica, dando expressão concreta à preparação básica para o trabalho prevista na LDB.

Apenas para enriquecer os exemplos citados, é interessante lembrar do uso de recursos de comunicação como vídeos e infográficos e todo o mundo da multimídia; das técnicas de trabalho em equipe; do uso de sistemas de indicadores sociais e tecnologias de planejamento e gestão.

Para não mencionar a incorporação das tecnologias e de materiais os mais diferenciados na arquitetura, escultura, pintura, teatro e outras expressões artísticas. Se muitas dessas aplicações, como produto, têm afinidade com as ciências naturais, como processos identificam-se com as linguagens e as ciências humanas e sociais.

Estas e muitas outras facetas do múltiplo fenômeno que é a tecnologia no mundo contemporâneo, constituem campos de aplicação – portanto, de conhecimento e uso de produtos tecnológicos – ainda inexplorados pelos planos curriculares e projetos pedagógicos. No entanto, além de sua intensa presença na vida cotidiana, essas tecnologias são as que mais se identificam com os setores nos quais a demanda de recursos humanos tende a crescer. Sem abrir mão do “discurso sobre as tecnologias”, as linguagens e as ciências humanas e sociais só se enriquecerão se atentarem mais para as aplicações dos conhecimentos e capacidades que querem constituir nos alunos do ensino médio.

Descrição das Áreas

As três áreas descritas a seguir devem estar presentes na base nacional comum dos currículos das escolas de ensino médio, cujas propostas pedagógicas estabelecerão:

· as proporções de cada área no conjunto do currículo;

· os conteúdos a serem incluídos em cada uma delas, tomando como referência as competências descritas;

· os conteúdos e competências a serem incluídos na parte diversificada, os quais poderão ser selecionados em uma ou mais áreas, reagrupados e organizados de acordo com critérios que satisfaçam as necessidades da clientela e da região.

Linguagens, códigos e suas tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:

· Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de: organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.

· Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.

· Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização e estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.

· Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.

· Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais.

· Entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhe dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar.

· Entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes meios de comunicação, linguagens e códigos, bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias.

· Entender o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

· Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Objetivando a constituição de habilidades e competências que permitam ao educando: · Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade.

· Entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das ciências naturais.

· Identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários para produção, análise e interpretação de resultados de processos ou experimentos científicos e tecnológicos.

· Apropriar-se dos conhecimentos da física, da química e da biologia, e aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo natural, planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade natural.

· Compreender o caráter aleatório e não-determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas, determinação de amostras e cálculo de probabilidades.

· Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações, e interpretações.

· Analisar qualitativamente dados quantitativos, representados gráfica ou algebricamente, relacionados a contextos socioeconômicos, científicos ou cotidianos.

· Identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a realidade.

· Entender a relação entre o desenvolvimento das ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico, e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar.

· Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

· Aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

· Compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas, e aplicá-las a situações diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das atividades cotidianas.

Ciências humanas e suas tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:

· Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que constituem a identidade própria e a dos outros.

· Compreender a sociedade, sua gênese e transformação, e os múltiplos fatores que nela intervêm, como produtos da ação humana; a si mesmo como agente social; e os processos sociais como orientadores da dinâmica dos diferentes grupos de indivíduos.

· Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a paisagem, em seus desdobramentos político-sociais, culturais, econômicos e humanos.

· Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios econômicos.

· Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais em condutas de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural.

· Entender os princípios das tecnologias associadas ao conhecimento do indivíduo, da sociedade e da cultura, entre as quais as de planejamento, organização, gestão, trabalho de equipe, e associá-las aos problemas que se propõem resolver.

· Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências humanas sobre sua vida pessoal, os processos de produção, o desenvolvimento do conhecimento e a vida social.

· Entender a importância das tecnologias contemporâneas de comunicação e informação para planejamento, gestão, organização, fortalecimento do trabalho de equipe.

· Aplicar as tecnologias das ciências humanas e sociais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

6. A Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Transição e Ruptura

Em nosso modo de ver, uma implicação que vale a pena destacar, derivada desta visão problemática, incerta e imprevisível das mudanças em educação, deveria afetar nosso modo de nos posicionarmos frente às mesmas. Não procede esperar soluções salvadoras de reformas em grande escala, nem tampouco extrair conclusões precipitadas de seus primeiros fracassos, para escudar atitudes derrotistas e desencantadas, fatalistas ou elusivas. Uma reforma não é boa ou má pelos problemas e dificuldades que possam surgir em seu desenvolvimento. Estes não só são naturais, como necessários. Só encarando as mudanças educacionais numa perspectiva de conflito, evitaremos a tentação de considerá-las más só por terem vindo da administração ou de um grupo de especialistas sisudos, e poderemos esquadrinhá-las pessoal e coletivamente em seus valores e propósitos, em suas políticas concretas e decisões, em suas incidências positivas ou naquelas outras que não o sejam tanto, e que servirão para manter uma atitude permanente de crítica e reflexão, de compromisso e responsabilidade com a tarefa de educar. Esta é, em última instância, a postura mais responsável que nós, profissionais da educação, podemos e devemos adotar diante das mudanças, sejam as propostas desde fora, sejam aquelas outras que somos capazes de orquestrar desde dentro: pensar e refletir, criticar e valorar o que está sendo e o que deve ser a educação que nos ocupa em nossos respectivos âmbitos escolares nos tempos em que vivemos e naqueles que estão por vir, e não iludir as responsabilidades inescapáveis que nos tocam, a partir de uma profissionalidade eticamente construída, que há de perseguir a transformação e melhoria da sociedade por meio da educação.

O real não está nem na chegada nem na saída. Ele se dispõe prá gente no meio da travessia.

A implementação destas DCNEM será ao mesmo tempo um processo de ruptura e de transição. Ruptura porque sinaliza para um ensino médio significativamente diferente do atual, cuja construção vai requerer mudanças de concepções, valores e práticas, mas cuja concepção fundante está na LDB.

No entanto seria ignorar a natureza das mudanças sociais, entre elas as educacionais, supor que o novo ensino médio deverá surgir do vácuo ou da negação radical da experiência até agora acumulada, com suas qualidades e limitações. De fato, como já se manifestou esta Câmara a respeito das diretrizes curriculares para o ensino fundamental, os saberes e práticas já instituídos constituem referência dos novos, que operam como instituintes num dado momento histórico: A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos o vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas.

Dessa dinâmica entre transição e ruptura vai surgir a aprendizagem com os acertos e erros do passado e a incorporação dessa aprendizagem para construir modelos, práticas e alternativas curriculares novas, mais adequadas à uma população que, pela primeira vez, chegará ao ensino médio. Esse processo que se inicia formalmente, neste final de milênio, com a homologação e publicação destas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, não tem data marcada para terminar. Como toda reforma educacional, terá etapas de desequilíbrios, seguidas por ajustes e reequilíbrios.

Por mais que as burocracias e os meios de comunicação esperem a tradução destas diretrizes curriculares com lógica e racionalidade cartesianas, de preferência por meio de uma tabela de dupla entrada que diga exatamente “como está” e “como fica” o ensino médio brasileiro, nem mesmo com a ajuda de um martelo a realidade do futuro próximo caberia num modelo desse tipo. O resultado de uma reforma educacional tem componentes imprevisíveis, que não permitem dizer com exatidão como vai ficar o ensino médio no momento em que estas diretrizes estiverem implementadas.

O produto mais importante de um processo de mudança curricular não é um novo currículo materializado em papel, tabelas ou gráficos. O currículo não se traduz em uma realidade pronta e tangível, mas na aprendizagem permanente de seus agentes, que leva a um aperfeiçoamento contínuo da ação educativa. Nesse sentido, uma reforma como a que aqui se propõe será tanto mais eficaz quanto mais provocar os sistemas, escolas e professores para a reflexão, análise, avaliação e revisão de suas práticas, tendo em vista encontrar respostas cada vez mais adequadas às necessidades de aprendizagem de nossos alunos. Em suma, o ensino médio brasileiro vai ser aquilo que nossos esforços, talentos e circunstâncias forem capazes de realizar.

Papel decisivo caberá aos órgãos estaduais formuladores e executores das políticas de apoio à implementação dos novos currículos de ensino médio. E aqui é imprescindível lembrar dois eixos norteadores da Lei nº 9.394/97, que deverão orientar a ação executiva e normativa tanto dos sistemas como dos próprios estabelecimentos de ensino médio:

· o eixo da flexibilidade, em torno do qual se articulam os processos de descentralização, desconcentração, desregulamentação e colaboração entre os atores, culminando com a autonomia dos estabelecimentos escolares na definição de sua proposta pedagógica;

· o eixo da avaliação, em torno do qual se articulam os processos de monitoramento de resultados e coordenação, culminando com as ações de compensação e apoio às escolas e regiões que maiores desequilíbrios apresentem, e de responsabilização pelos resultados em todos os níveis.

Esses papéis, complementares na permanente tensão que mantêm entre si, desenham um novo perfil de gestão educacional no nível dos sistemas estaduais. O aprendizado desse novo perfil de gestão será talvez mais importante do que aquele que as escolas deverão viver para converter suas práticas pedagógicas, porque a autonomia escolar é, ainda, mais visão que realidade. Depende, portanto, do fomento e do apoio das instancias centrais, executivas e normativas.

Tal como estão formuladas, a implementação destas DCNEM, mais do que outras normas nacionais, requer esse fomento e apoio às escolas para estimulá-las, fortalecê-las e qualificá-las a exercer uma autonomia responsável por seu próprio desenvolvimento curricular e pedagógico. Em outras palavras, o paradigma de currículo proposto não resiste ao enrijecimento e à regulamentação que compõem o estilo dominante de gestão até o presente.

Do comportamento das universidades e outras instituições de ensino superior dependerá também, em larga medida, o êxito da concretização destas diretrizes curriculares para o ensino médio, com o qual elas mantêm dois tipos de articulação importantes: como nível educacional que receberá os alunos egressos e como responsável pela formação dos professores.

No primeiro tipo de articulação está colocada toda a problemática do exame de ingresso no ensino superior, que, até o presente, tem sido a referência da organização curricular do ensino médio. A continuidade de estudos é e continuará sendo – com atalhos exigidos pela inserção precoce no mercado de trabalho, ou de modo mais direto – um percurso desejado por muitos jovens que concluem a educação básica. E possível, com diferentes graus de dificuldades, para uma parte deles.

O ensino superior está, assim, convocado a examinar sua missão e seus procedimentos de seleção, na perspectiva de um ensino médio que deverá ser mais unificado quanto às competências dos alunos e mais diversificado quanto aos conhecimentos específicos que darão suporte à constituição dessas competências. E deverão fazê-lo com a ética de quem reconhece o poder que as exigências para ingresso no ensino superior exercem, e continuarão exercendo, sobre a prática curricular e pedagógica das escolas médias.

A preparação de professores, pela qual o ensino superior mantém articulação decisiva com a educação básica, foi insistente e reiteradamente apontada como a maior dificuldade para a implementação destas DCNEM, por todos os participantes, em todos os encontros mantidos durante a preparação deste parecer. Maior mesmo que os condicionantes financeiros. Uma unanimidade de tal ordem possui peso tão expressivo que dispensa maiores comentários ou análises. Um peso que deve ser transferido às instituições de ensino superior, para que o considerem quando, no exercício de sua autonomia, assumirem as responsabilidades com o país e com a educação básica que considerem procedentes.

É preciso lembrar, no entanto, que a deficiência quantitativa e qualitativa de recursos docentes para o ensino fundamental e médio há muito se converteu num problema crônico. Essa deficiência afetará qualquer medida de melhoria ou reforma da educação que o país se proponha adotar. Resolver esse problema, portanto, não é condição para a implementação destas DCNEM. É questão de sobrevivência educacional, cuja dimensão vai muito além dos limites deste parecer, embora se inclua entre os desafios, felizmente não exclusivos, do Conselho Nacional de Educação.

Das instituições de ensino superior se espera que sejam parceiras no enfrentamento do desafio e na solução, não apenas na denúncia do problema.

O próximo Plano Nacional de Educação será uma oportunidade para discutir questões como a formação de professores, entre outras a serem equacionadas durante a implementação destas DCNEM. Mas a negociação de metas entre atores políticos para um plano dessa natureza não o torna necessariamente eficaz. Mais importante será a negociação que essas metas terão de fazer com próprias as realidades diversas do país nas quais se incluem os gestores dos sistemas e os agentes educativos que estão em cada escola.

Para finalizar, reconhecendo a limitação de inovações curriculares no nível de sua proposição, mas também convencida do imperativo de orientações propositivas num país diverso socialmente e federativo politicamente, a Câmara de Educação Básica do CNE reitera, a propósito destas DCNEM, aquilo que já afirmou: As medidas legais representam, no entanto, passos preparatórios para as mudanças reais na educação brasileira, em sintonia com as novas demandas de uma economia aberta e de uma sociedade democrática. Estará nas mãos das instituições escolares e respectivas comunidades a construção coletiva e permanente de propostas e práticas pedagógicas inovadoras que possam dar resposta às novas demandas.

Proposta curricular do Estado de São Paulo para o Ensino Fundamental (Ciclo II) e Ensino Médio

1. Uma educação à altura dos desafios contemporâneos A sociedade do século XXI é cada vez mais caracterizada pelo uso intensivo do conhecimento, seja para trabalhar, conviver, exercer a cidadania seja para cuidar do ambiente em que se vive. Essa sociedade, produto da revolução tecnológica que se acelerou na segunda metade do século passado e dos processos políticos que redesenharam as relações mundiais, já está gerando um novo tipo de desigualdade ou exclusão, ligada ao uso das tecnologias de comunicação que hoje mediam o acesso ao conhecimento e aos bens culturais. Na sociedade de hoje, são indesejáveis tanto a exclusão pela falta de acesso a bens materiais quanto a exclusão pela falta de acesso ao conhecimento e aos bens culturais. No Brasil essa tendência caminha paralelamente à democratização do acesso a níveis educacionais além do ensino obrigatório. Com mais gente estudando, a posse de um diploma de nível superior deixa de ser um diferencial suficiente e características cognitivas e afetivas são cada vez mais valorizadas, como as capacidades de resolver problemas, trabalhar em grupo, continuar aprendendo e agir de modo cooperativo, pertinente em situações complexas. Em um mundo no qual o conhecimento é usado de forma intensiva, o diferencial será marcado pela qualidade da educação recebida. A qualidade do convívio, assim como dos conhecimentos e das competências constituídas na vida escolar, será o fator determinante para a participação do indivíduo em seu próprio grupo social e para que tome parte de processos de crítica e renovação. Nesse quadro ganha importância redobrada a qualidade da educação oferecida nas escolas públicas, pois é para elas que estão acorrendo, em número cada vez mais expressivo, as camadas mais pobres da sociedade brasileira, que antes não tinham acesso à escola. A relevância e a pertinência das aprendizagens escolares nessas instituições são decisivas para que o acesso a elas proporcione uma oportunidade real de aprendizado para inserção no mundo de modo produtivo e solidário. Outro fenômeno relevante diz respeito à precocidade da adolescência, ao mesmo tempo em que o ingresso no trabalho se torna cada vez mais tardio. Tais fenômenos ampliam o tempo e a importância da permanência na escola, tornando-a um lugar privilegiado para o desenvolvimento do pensamento autônomo, que é condição para uma cidadania responsável. Ser estudante, nesse mundo que expõe o jovem desde muito cedo às práticas da vida adulta – e, ao mesmo tempo, posterga a sua inserção profissional –, é fazer da experiência escolar uma oportunidade para aprender a ser livre e ao mesmo tempo respeitar as diferenças e as regras de convivência. Hoje, mais do que nunca, aprender na escola é o “ofício de aluno”, a partir do qual ele vai fazer o trânsito para a autonomia da vida adulta e profissional. Para que a democratização do acesso à educação tenha uma função realmente inclusiva não é suficiente universalizar a escola. É indispensável a universalização da relevância da aprendizagem. Criamos uma civilização que reduz distâncias, que tem instrumentos capazes de aproximar as pessoas ou de distanciá- las, que aumenta o acesso à informação e ao conhecimento, mas que também acentua diferenças culturais, sociais e econômicas. Só uma educação de qualidade para todos pode evitar que essas diferenças constituam mais um fator de exclusão. O desenvolvimento pessoal é um processo de aprimoramento das capacidades de agir, pensar, atuar sobre o mundo e lidar com a influência do mundo sobre cada um, bem como atribuir significados e ser percebido e significado pelos outros, apreender a diversidade e ser compreendido por ela, situar-se e pertencer. A educação precisa estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide com a construção da identidade, da autonomia e da liberdade. Não há liberdade sem possibilidade de escolhas. Elas pressupõem um quadro de referências, um repertório que só pode ser garantido se houver acesso a um amplo conhecimento, dado por uma educação geral, articuladora, que transite entre o local e o mundial. Esse tipo de educação constrói, de forma cooperativa e solidária, uma síntese dos saberes produzidos pela humanidade, ao longo de sua história e de sua geografia,e dos saberes locais. Tal síntese é uma das condições para acessar o conhecimento necessário ao exercício da cidadania em dimensão mundial. A autonomia para gerenciar a própria aprendizagem (aprender a aprender) e o resultado dela em intervenções solidárias (aprender a fazer e a conviver) deve ser a base da educação das crianças, dos jovens e dos adultos, que têm em suas mãos a continuidade da produção cultural e das práticas sociais. Construir identidade, agir com autonomia e em relação com o outro, e incorporar a diversidade são as bases para a construção de valores de pertencimento e responsabilidade, essenciais para a inserção cidadã nas dimensões sociais e produtivas. Preparar indivíduos para manter o equilíbrio da produção cultural, num tempo em que a duração se caracteriza não pela permanência, mas pela constante mudança – quando o inusitado, o incerto e o urgente constituem a regra e não a exceção –, é mais um desafio contemporâneo para a educação escolar. Outro elemento relevante hoje para pensarmos o conteúdo e o sentido da escola é a complexidade da ambiência cultural, das dimensões sociais, econômicas e políticas, a presença maciça de produtos científicos e tecnológicos e a multiplicidade de linguagens e códigos no cotidiano. Apropriar-se ou não desses conhecimentos pode ser um instrumento da ampliação das liberdades ou mais um fator de exclusão. O currículo que dá conteúdo e sentido à escola precisa levar em conta esses elementos. Por isso, esta Proposta Curricular tem como princípios centrais: a escola que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo de aprendizagem, a prioridade da competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender e a contextualização no mundo do trabalho. 2. Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo a) Uma escola que também aprende A tecnologia imprime um ritmo sem precedentes no acúmulo de conhecimentos e gera uma transformação profunda na sua estrutura e nas suas formas de organização e distribuição. Nesse contexto, a capacidade de aprender terá de ser trabalhada não apenas nos alunos, mas na própria escola, enquanto instituição educativa: tanto as instituições como os docentes terão de aprender. Isso muda radicalmente nossa concepção da escola como instituição que ensina para posicioná-la como instituição que também aprende a ensinar. As interações entre os responsáveis pela aprendizagem dos alunos têm caráter de ações formadoras, mesmo que os envolvidos não se dêem conta disso. Neste sentido, cabe lembrar a responsabilidade da equipe gestora como formadora de professores e a responsabilidade dos docentes, entre si e com o grupo gestor, na problematização e na significação dos conhecimentos sobre sua prática. De acordo com essa concepção, a escola deve aprender parte do princípio de que ninguém conhece tudo e de que o conhecimento coletivo é maior que a soma dos conhecimentos individuais, além de ser qualitativamente diferente. Esse é o ponto de partida para o trabalho colaborativo, para a formação de uma “comunidade aprendente”, nova terminologia para um dos mais antigos ideais educativos. A vantagem é que hoje a tecnologia facilita a viabilização prática desse ideal. Ações como a construção coletiva da Proposta Pedagógica, por meio da reflexão e da prática compartilhadas, e o uso intencional da convivência como situação de aprendizagem fazem parte da constituição de uma escola à altura dos tempos atuais. Observar que as regras da boa pedagogia também se aplicam àqueles que estão aprendendo a ensinar é uma das chaves para o sucesso das lideranças escolares. Os gestores como agentes formadores, devem aplicar com os professores tudo àquilo que recomendam a eles que apliquem com seus alunos. b) O currículo como espaço de cultura No cotidiano escolar, a cultura é muitas vezes associada ao que é local, pitoresco, folclórico, bem como ao divertimento ou lazer, enquanto o conhecimento é freqüentemente associado a um inalcançável saber. Essa dicotomia não cabe em nossos tempos: a informação está disponível a qualquer instante, em tempo real, ao toque de um dedo, e o conhecimento constitui-se como uma ferramenta para articular teoria e prática, o mundial e o local, o abstrato e seu contexto físico. Currículo é a expressão de tudo o que existe na cultura científica, artística e humanista, transposto para uma situação de aprendizagem e ensino. Precisamos entender que as atividades extraclasse não são “extracurriculares” quando se deseja articular a cultura e o conhecimento. Neste sentido todas as atividades da escola são curriculares ou não serão justificáveis no contexto escolar. Se não rompermos essa dissociação entre cultura e conhecimento não conseguiremos conectar o currículo à vida – e seguiremos alojando na escola uma miríade de atividades “culturais” que mais dispersam e confundem do que promovem aprendizagens curriculares relevantes para os alunos. O conhecimento tomado como instrumento, mobilizado em competências, reforça o sentido cultural da aprendizagem. Tomado como valor de conteúdo lúdico, de caráter ético ou de fruição estética, numa escola, com vida cultural ativa, o conhecimento torna-se um prazer que pode ser aprendido, ao se aprender a aprender. Nessa escola, o professor não se limita a suprir o aluno de saberes, mas é o parceiro de fazeres culturais, aquele que promove de muitas formas o desejo de aprender, sobretudo com o exemplo de seu próprio entusiasmo pela cultura humanista, científica, artística e literária. Quando o projeto pedagógico da escola tem entre suas prioridades essa cidadania cultural, o currículo é a referência para ampliar, localizar e contextualizar os conhecimentos que a humanidade acumulou ao longo do tempo. Então, o fato de uma informação ou um conhecimento ser de outro lugar, ou de todos os lugares na grande rede de informação, não será obstáculo à prática cultural resultante da mobilização desse conhecimento nas ciências, nas artes e nas humanidades. c) As competências como referência Um currículo que promove competências tem o compromisso de articular as disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos anos. Logo, a atuação do professor, os conteúdos, as metodologias disciplinares e a aprendizagem requerida dos alunos são aspectos indissociáveis: compõem um sistema ou rede cujas partes têm características e funções específicas que se complementam para formar um todo, sempre maior do que elas. Maior porque se compromete em formar crianças e jovens para que se tornem adultos preparados para exercer suas responsabilidades (trabalho, família, autonomia etc.) e para atuar em uma sociedade que muito precisa deles. Um currículo referido a competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios de cada disciplina articuladamente às competências e habilidades do aluno. É com essas competências e habilidades que ele contará para fazer sua leitura crítica do mundo, para compreendê-lo e propor explicações, para defender suas idéias e compartilhar novas e melhores formas de ser, na complexidade em que hoje isso é requerido. É com elas que, em síntese, ele poderá enfrentar problemas e agir de modo coerente em favor das múltiplas possibilidades de solução ou gestão. Tais competências e habilidades podem ser consideradas em uma perspectiva geral, isto é, no que têm de comum com as disciplinas e tarefas escolares, ou então no que têm de específico. Competências, neste sentido, caracterizam modos de ser, raciocinar e interagir que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em contextos de problemas, tarefas ou atividades. Graças a elas podemos inferir se a escola como instituição está cumprindo bem o papel que se espera dela no mundo de hoje. Os alunos considerados nesta proposta têm, de modo geral, de 11 a 18 anos de idade. Valorizar o desenvolvimento de competências nesta fase da vida implica em ponderar, além de aspectos curriculares e docentes, os recursos cognitivos, afetivos e sociais de que os alunos dispõem. Implica, pois, em analisar como o professor mobiliza conteúdos, metodologias e saberes próprios de sua disciplina ou área de conhecimento, visando desenvolver competências em adolescentes, bem como instigar desdobramentos para a vida adulta. Paralelamente a essa conduta, é preciso considerar quem são esses alunos. Ter entre 11 e 18 anos significa estar em uma fase peculiar da vida, localizada entre a infância e a idade adulta. Neste sentido, o jovem é aquele que deixou de ser criança e se prepara para tornar se adulto. Trata-se de um momento complexo e contraditório, que deve orientar nossa proposta sobre o papel da escola nessa fase de vida. Nessa etapa curricular, a tríade sobre a qual competências e habilidades são desenvolvidas pode ser assim caracterizada: a) o adolescente e as características de suas ações e pensamentos; b) o professor, suas características pessoais e profissionais e a qualidade de suas mediações; c) os conteúdos das disciplinas e as metodologias para seu ensino e aprendizagem. Houve um tempo em que a educação escolar era referenciada no ensino – o plano de trabalho da escola indicava o que seria ensinado ao aluno. Essa foi uma das razões pelas quais o currículo escolar foi confundido com um rol de conteúdos disciplinares. A Lei de Diretrizes e Bases – LDB (lei 9394/1996) deslocou o foco do ensino para o da aprendizagem, e não é por acaso que sua filosofia não é mais a da liberdade de ensino, mas a do direito de aprender. O conceito de competências também é fundamental na LDB e nas Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação. O currículo referenciado em competências é uma concepção que requer que a escola e o plano do professor indiquem o que aluno vai aprender. Uma das razões para se optar por uma educação centrada em competências diz respeito à democratização da escola. No momento em que se conclui o processo de universalização do Ensino Fundamental e se incorpora toda a heterogeneidade que caracteriza o povo brasileiro, a escola, para ser democrática, tem de ser igualmente acessível a todos, diversa no tratamento de cada um e unitária nos resultados. Dificilmente essa unidade seria obtida com ênfase no ensino, porque é quase impossível, em um país como o Brasil, estabelecer o que deve ser ensinado a todos, sem exceção. Por isso optou-se por construir a unidade com ênfase no que é indispensável que todos tenham aprendido ao final do processo, considerando a diversidade. Todos têm direito de construir, ao longo de sua escolaridade, um conjunto básico de competências, definido pela lei. Este é o direito básico, mas a escola deverá ser tão diversa quanto são os pontos de partida das crianças que recebe. Assim, será possível garantir igualdade de oportunidades, diversidade de tratamento e unidade de resultados. Quando os pontos de partida são diferentes, é preciso tratar diferentemente os desiguais para garantir a todos uma base comum. Pensar o currículo no tempo atual é viver uma transição, na qual, como em toda transição, traços do velho e do novo se mesclam nas práticas cotidianas. É comum que o professor, quando formula o seu plano de trabalho, indique o que vai ensinar e não o que o aluno vai aprender. E é compreensível nesse caso que, ao final do ano, tendo cumprido seu plano, ele afirme, diante do fracasso do aluno, que fez sua parte, ensinando, e que foi o aluno que não aprendeu. A transição da cultura do ensino para a da aprendizagem não é individual. A escola deve fazê-la coletivamente, tendo à frente seus gestores para capacitar os professores em seu dia-a-dia, a fim de que todos se apropriem dessa mudança de foco. Cabe às instâncias condutoras da política educacional nos estados e nos municípios elaborar, a partir das Diretrizes e dos Parâmetros Nacionais, Propostas Curriculares próprias e específicas, provendo os recursos humanos, técnicos e didáticos para que as escolas, em seu projeto pedagógico, estabeleçam os planos de trabalho que, por sua vez, farão das propostas currículos em ação – como no presente esforço desta Secretaria. d) Prioridade para a competência da leitura e da escrita A humanidade criou a palavra, que é constitutiva do humano, seu traço distintivo. O ser humano constitui-se assim um ser de linguagem e disso decorre todo o restante, tudo o que transformou a humanidade naquilo que é. Ao associar palavras e sinais, criando a escrita, o homem construiu um instrumental que ampliou exponencialmente sua capacidade de comunicar-se, incluindo pessoas que estão longe no tempo e no espaço. Representar, comunicar e expressar são atividades de construção de significado relacionadas a vivências que se incorporam ao repertório de saberes de cada indivíduo. Os sentidos são construídos na relação entre a linguagem e o universo natural e cultural em que nos situamos. E é na adolescência, como vimos que a linguagem adquire essa qualidade de instrumento para compreender e agir sobre o mundo real. A ampliação das capacidades de representação, comunicação e expressão está articulada ao domínio não apenas da língua, mas de todas as outras linguagens e, principalmente, ao repertório cultural de cada indivíduo e de seu grupo social, que a elas dá sentido. A escola é o espaço em que ocorre a transmissão, entre as gerações, do ativo cultural da humanidade, seja artístico e literário, histórico e social seja científico e tecnológico. Em cada uma dessas áreas, as linguagens são essenciais. As linguagens são sistemas simbólicos, com os quais recortamos e representamos o que está no nosso exterior, no nosso interior e na relação entre esses âmbitos; é com eles também que nos comunicamos com os nossos iguais e expressamos nossa articulação com o mundo. Em nossa sociedade, as linguagens e os códigos se multiplicam: os meios de comunicação estão repletos de gráficos, esquemas, diagramas, infográficos, fotografias e desenhos. O design diferencia produtos equivalentes quanto ao desempenho ou à qualidade. A publicidade circunda nossas vidas, exigindo permanentes tomadas de decisão e fazendo uso de linguagens sedutoras e até enigmáticas. Códigos sonoros e visuais estabelecem a comunicação nos diferentes espaços. As ciências construíram suas próprias linguagens, plenas de símbolos e códigos. A produção de bens e serviços foi em grande parte automatizada e cabe a nós programar as máquinas, utilizando linguagens específicas. As manifestações artísticas e de entretenimento utilizam, cada vez mais, diversas linguagens que se articulam. Para acompanhar tal contexto, a competência de leitura e de escrita contemplada nesta proposta vai além da linguagem verbal, vernácula – ainda que esta tenha papel fundamental – e refere-se a sistemas simbólicos como os citados, pois essas múltiplas linguagens estão presentes no mundo contemporâneo, na vida cultural e política, bem como nas designações e nos conceitos científicos e tecnológicos usados atualmente. A constituição dessa competência tem como base o desenvolvimento do pensamento antecipatório, combinatório e probabilístico que permite estabelecer hipóteses, algo que caracteriza o período da adolescência. A prioridade das linguagens no currículo da educação básica tem como fundamento a centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e do adolescente. Nas crianças a linguagem, em suas diversas expressões, é apenas um recurso simbólico, ou seja, permite representar ou comunicar conteúdos cujas formas, elas mesmas, não podem ser estruturadas como linguagem. Nessa fase, tais formas são as próprias ações e os pensamentos, organizados como esquemas de procedimentos, representações e compreensões. Ou seja, as crianças realizam e compreendem ao falar, pensar ou sentir, mas não sabem ainda tratar o próprio agir, pensar ou sentir como uma forma de linguagem. É só na adolescência que isso se tornará possível e transformará o ser humano em um ser de linguagem, em sua expressão mais radical. A linguagem não é apenas uma forma de representação, como expressam, por seus limites, as crianças. Mais do que isso, ela é uma forma de compreensão e ação sobre o mundo. É isso o que os adolescentes, com todos os seus exageros, manifestam. Graças à linguagem, o pensamento pode se tornar antecipatório em sua manifestação mais completa: é possível calcular as conseqüências de uma ação sem precisar realizá-la. Pode-se ainda fazer combinações e analisar hipóteses sem precisar conferi- las de antemão, na prática, pois algumas de suas conseqüências podem ser deduzidas apenas pelo âmbito da linguagem. Pode-se estabelecer relações de relações, isto é, imaginar um objeto e agir sobre ele, decidindo se vale a pena ou não interagir com ele em outro plano. Em outras palavras, graças à linguagem, agora constituída como forma de pensar e agir, o adolescente pode raciocinar em um contexto de proposições ou possibilidades, pode ter um pensamento combinatório, pode aprender as disciplinas escolares em sua versão mais exigente, pode refletir sobre os valores e fundamentos das coisas. Do ponto de vista social e afetivo, a centralidade da linguagem nos processos de desenvolvimento possibilita ao adolescente aprender, pouco a pouco, a considerar suas escolhas em uma escala de valores. Viabiliza lhe aprender a enfrentar as conseqüências das próprias ações, a propor e alterar contratos, a respeitar e criticar normas, a formular seu próprio projeto de vida e a tecer seus sonhos de transformação do mundo. É, portanto, em virtude da centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e do adolescente que esta Proposta Curricular prioriza a competência leitora e escritora. Só por meio dela será possível concretizar a constituição das demais competências, tanto as gerais como aquelas associadas a disciplinas ou temas específicos. Para desenvolvê-la é indispensável que seja objetivo de aprendizagem de todas as disciplinas do currículo, ao longo de toda a escolaridade básica. Por esse caráter essencial da competência de leitura e escrita para a aprendizagem dos conteúdos curriculares de todas as áreas e disciplinas, a responsabilidade por sua aprendizagem e avaliação cabe a todos os professores, que devem transformar seu trabalho em oportunidades nas quais os alunos possam aprender e consolidar o uso da Língua Portuguesa e das outras linguagens e códigos que fazem parte da cultura, bem como das formas de comunicação em cada uma delas. Tal radicalismo na centralidade da competência leitora e escritora, que leva a colocá-la como objetivo de todas as séries e todas as disciplinas, coloca aos gestores (a quem cabe a educação continuada dos professores na escola) a necessidade de criar oportunidades para que os docentes também desenvolvam essa competência – por cuja constituição, nos alunos, são responsáveis. Por fim, é importante destacar que o domínio das linguagens representa um primordial elemento para a conquista da autonomia, sendo a chave para o acesso a informações e permitindo a comunicação de idéias, a expressão de sentimentos e o diálogo, necessários à negociação dos significados e à aprendizagem continuada. V. Articulação das competências para aprender A aprendizagem é o centro da atividade escolar. Por extensão, o professor caracteriza-se como um profissional da aprendizagem, e não tanto do ensino. Isto é, ele apresenta e explica conteúdos, organiza situações para a aprendizagem de conceitos, métodos, formas de agir e pensar, em suma, promove conhecimento que possam ser mobilizados em competências e habilidades, as quais, por sua vez, instrumentalizam os alunos para enfrentar os problemas do mundo real. Dessa forma, a expressão “educar para a vida” pode ganhar seu sentido mais nobre e verdadeiro na prática do ensino. Se a educação básica é para a vida, a quantidade e a qualidade do conhecimento têm de ser determinadas por sua relevância para a vida de hoje e do futuro, além dos limites da escola. Portanto, mais que os conteúdos isolados, as competências são guias eficazes para educar para a vida. As competências são mais gerais e constantes, e os conteúdos, mais específicos e variáveis. É exatamente a possibilidade de variar os conteúdos no tempo e no espaço que legitima a iniciativa dos diferentes sistemas públicos de ensino para selecionar, organizar e ordenar os saberes disciplinares que servirão como base para a constituição de competências, cuja referência são as diretrizes e orientações nacionais, de um lado, e as demandas do mundo contemporâneo, de outro. As novas tecnologias da informação produziram uma mudança na produção, na organização, no acesso e na disseminação do conhecimento. A escola hoje já não é mais a única detentora da informação e do conhecimento, mas cabe a ela preparar seu aluno para viver em uma sociedade em que a informação é disseminada em grande velocidade. Vale insistir que essa preparação não exige maior quantidade de ensino e sim melhor qualidade de aprendizagem. É preciso deixar claro que isso não significa que os conteúdos do ensino não sejam importantes; ao contrário, são tão importantes que a eles está dedicado este trabalho de elaboração da proposta curricular do ensino oficial do Estado de São Paulo. São tão decisivos que é indispensável aprender a continuar aprendendo os conteúdos escolares, mesmo fora da escola ou depois dela. Continuar aprendendo é amais vital das competências que a educação deste século precisa desenvolver. Não só os conhecimentos com os quais a escola trabalha podem mudar, como a vida de cada um trará novas ênfases e necessidades, que precisarão ser continuamente supridas. Preparar-se para acompanhar esse movimento torna-se o grande desafio das novas gerações. Esta Proposta Curricular adota, como competências para aprender, aquelas que foram formuladas no referencial teórico do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio. Entendidas como desdobramentos da competência leitora e escritora, para cada uma das cinco competências do Enem transcritas a seguir apresenta-se a articulação com a competência de ler e escrever. I. “Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica.” A constituição da competência de leitura e escrita é também o domínio das normas e dos códigos que tornam as linguagens instrumentos eficientes de registro e expressão, que podem ser compartilhados. Ler e escrever, hoje, são competências fundamentais a qualquer disciplina ou profissão. Ler, entre outras coisas, é interpretar (atribuir sentido ou significado), e escrever, igualmente, é assumir uma autoria individual ou coletiva (tornar-se responsável por uma ação e suas consequências). II. “Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica das manifestações artísticas.” É o desenvolvimento da linguagem que possibilita o raciocínio hipotético-dedutivo, indispensável à compreensão de fenômenos. Ler, nesse sentido, é um modo de compreender, isto é, de assimilar experiências ou conteúdos disciplinares (e modos de sua produção); escrever é expressar sua construção ou reconstrução com sentido, aluno por aluno. III. “Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema”. Ler implica também – além de empregar o raciocínio hipotético-dedutivo, que possibilita a compreensão de fenômenos – antecipar, de forma comprometida, a ação para intervir no fenômeno e resolver os problemas decorrentes dele. Escrever, por sua vez, significa dominar os muitos formatos que a solução do problema comporta. IV. “Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.” A leitura, aqui, sintetiza a capacidade de escutar, supor, informar-se, relacionar, comparar etc. A escrita permite dominar os códigos que expressam a defesa ou a, reconstrução de argumentos – com liberdade, mas observando regras e assumindo responsabilidades. V. “Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaborar propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.” Ler, aqui, além de implicar em descrever e compreender, bem como em argumentar a respeito de um fenômeno, requer a antecipação de uma intervenção sobre ele, com tomada de decisões a partir de uma escala de valores. Escrever é formular um plano para essa intervenção, levantar hipóteses sobre os meios mais eficientes para garantir resultados, a partir da escala de valores adotada. É no contexto da realização de projetos escolares que os alunos aprendem a criticar, respeitar e propor projetos valiosos para toda a sociedade; por intermédio deles, aprendem a ler e escrever as coisas do mundo atual, relacionando ações locais com visão global, por meio de atuação solidária. VI. Articulação com o mundo do trabalho A contextualização tem como norte os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases, as normas das Diretrizes Curriculares Nacionais, que são obrigatórias, e as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que foram elaborados para o Ensino Médio mas são pertinentes para a educação básica como um todo, sobretudo para o segmento da 5ª série em diante. Para isso é preciso recuperar alguns tópicos desse conjunto legal e normativo. Compreensão do significado da ciência, das letras e das artes Compreender o sentido é reconhecer, apreender e partilhar a cultura que envolve as áreas de conhecimento, um conjunto de conceitos, posturas, condutas, valores, enfoques, estilos de trabalho e modos de fazer que caracterizam as várias ciências – exatas, sociais e humanas –, as artes – visuais, musicais, do movimento e outras –, a matemática, as línguas e outras áreas de expressão não-verbal. Quando a LDB dispõe sobre esse objetivo de compreensão do sentido está indicando que não se trata de formar especialistas nem profissionais. Especialistas e profissionais devem, além de compreender o sentido, dominar a estrutura conceitual e o estatuto epistemológico de suas especialidades – não é esse o caso dos alunos da educação básica. Como estão na escola, preparando-se para assumir plenamente sua cidadania, todos devem passar pela alfabetização científica, humanista, lingüística, artística e técnica, para que sua cidadania, além de ser um direito, tenha qualidade. O aluno precisa constituir as competências para reconhecer, identificar e ter visão crítica daquilo que é próprio de uma área de conhecimento, e, a partir desse conhecimento, avaliar a importância dessa área ou disciplina em sua vida e em seu trabalho. A lei dá um prazo generoso para que os alunos aprendam o “significado das ciências, das artes e das letras”: começa na educação infantil, prossegue nos anos do Ensino Fundamental e tem mais três anos no Ensino Médio. Durante mais de doze anos deverá haver tempo suficiente para alfabetizar-se nas ciências, nas humanidades e nas técnicas, entendendo seus enfoques e métodos mais importantes, seus pontos fortes e fracos, suas polêmicas, seus conceitos e, sobretudo, o modo como suas descobertas influenciam a vida das pessoas e o desenvolvimento social e econômico. Para isso, é importante abordar, em cada ano ou nível da escola básica, a maneira como as diferentes áreas do currículo articulam a realidade e seus objetos de conhecimento específicos, a partir de questões como as exemplificadas a seguir. • Que limitações e potenciais têm os enfoques próprios das áreas? • Que práticas humanas, das mais simples às mais complexas, têm fundamento ou inspiração nessa ciência, arte ou área de conhecimento? • Quais as grandes polêmicas nas várias disciplinas ou áreas de conhecimento? A relação entre teoria e prática em cada disciplina do currículo A relação entre teoria e prática não envolve necessariamente algo observável ou manipulável, como um experimento de laboratório ou a construção de um objeto. Tal relação pode acontecer ao se compreender como a teoria se aplica em contextos reais ou simulados. Uma possibilidade de transposição didática é reproduzir a indagação de origem, a questão ou necessidade que levou à construção de um conhecimento – que já está dado e precisa ser apropriado e aplicado, não obrigatoriamente ser “descoberto” de novo. A lei determina corretamente que a relação teoria e prática se dê em cada disciplina do currículo, uma vez que boa parte dos problemas de qualidade do ensino decorre da dificuldade em destacar a dimensão prática do onhecimento, tornando-o verbalista e abstrato. Por exemplo, a disciplina História é por vezes considerada teórica, mas nada é tão prático quanto entender a origem de uma cidade e as razões da configuração urbana. A Química é erroneamente considerada mais prática por envolver atividades de laboratório, manipulação de substâncias e outras idiossincrasias, no entanto não existe nada mais teórico do que o estudo da tabela de elementos químicos. A mesma Química que emprega o nome dos elementos precisa ser um instrumento cognitivo para nos ajudar a entender e, se preciso, decidir o uso de alimentos com agrotóxicos ou conservantes. Tais questões não se restringem a especialistas ou cientistas. Não é preciso ser químico para ter de escolher o que se vai comer. A fim de sermos cidadãos plenos, devemos adquirir discernimento e conhecimentos pertinentes para tomar decisões em diversos momentos, em relação à escolha de alimentos, uso da eletricidade, consumo de água, seleção dos programas de TV ou a escolha do candidato a um cargo político. As relações entre educação e tecnologia A educação tecnológica básica é uma das diretrizes que a LDB estabelece para orientar o currículo do Ensino Médio. A lei ainda associa a “compreensão dos fundamentos científicos dos processos produtivos” com o relacionamento entre teoria e prática em cada disciplina do currículo. E insiste quando detalha, entre as competências que o aluno deve demonstrar ao final da educação básica, o “domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna”. A tecnologia comparece, portanto, no currículo da educação básica com duas acepções complementares: a) como educação tecnológica básica; b) como compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos da produção. A primeira acepção refere-se à alfabetização tecnológica, que inclui aprender a lidar com computadores, mas vai além. Alfabetizar-se tecnologicamente é entender as tecnologias da história humana como elementos da cultura, como parte das práticas sociais, culturais e produtivas, que por sua vez são inseparáveis dos conhecimentos científicos, artísticos e lingüísticos que as fundamentam. A educação tecnológica básica tem o sentido de nos preparar para viver e conviver em um mundo no qual a tecnologia está cada vez mais presente; no qual a tarja magnética, o celular, o código de barras e muitos recursos digitais se incorporam velozmente à vida das pessoas, qualquer que seja a sua condição socioeconômica. A segunda acepção, ou seja, a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos da produção, faz da tecnologia a chave para relacionar o currículo ao mundo da produção de bens e serviços, ou seja, aos processos pelos quais a humanidade – e cada um de nós – produz os bens e serviços de que necessita para viver. Foi para manter-se fiel ao espírito da lei que as DCNs introduziram a tecnologia em todas as áreas, tanto das DCNs como dos PCNs para o Ensino Médio, evitando a existência de disciplinas “tecnológicas” isoladas e separadas dos conhecimentos que lhe servem de fundamento. A prioridade para o contexto do trabalho Se examinarmos o conjunto das recomendações já analisadas, o trabalho enquanto produção de bens e serviços revela-se como a prática humana mais importante para conectar os conteúdos do currículo com a realidade. Desde sua abertura, a LDB faz referência ao trabalho, juntamente com as práticas sociais, como elemento que vincula a educação básica à realidade, da educação infantil até o final do Ensino Médio. O vínculo com o trabalho carrega vários sentidos, que é preciso explicitar. Do ponto de vista filosófico, expressa o valor e a importância do trabalho. À parte de qualquer implicação pedagógica relativa a currículos e definição de conteúdos, o valor do trabalho incide em toda a vida escolar: desde a valorização dos trabalhadores da escola e da família, até o respeito aos trabalhadores da comunidade, o conhecimento do trabalho como produtor da riqueza e o reconhecimento de que um dos fundamentos da desigualdade social é a remuneração injusta do trabalho. A valorização do trabalho é também uma crítica ao bacharelismo ilustrado, que por muito tempo predominou nas escolas voltadas para as classes sociais privilegiadas. A implicação pedagógica desse princípio atribui um lugar de destaque para o trabalho humano, contextualizando os conteúdos curriculares sempre que for pertinente, com os tratamentos adequados a cada caso. Nesse sentido, a relação entre teoria e prática em cada disciplina do currículo, como exige a lei, não pode deixar de incluir os tipos de trabalho e as carreiras profissionais aos quais se aplicam os conhecimentos das áreas ou disciplinas curriculares. Em síntese, a prioridade do trabalho na educação básica assume dois sentidos complementares: como valor, que imprime importância ao trabalho e cultiva o respeito que lhe é devido na sociedade, e como tema que perpassa os conteúdos curriculares, atribuindo sentido aos conhecimentos específicos das disciplinas. O contexto do trabalho no Ensino Médio A tradição de ensino academicista, desvinculado de qualquer preocupação com a prática, separou a formação geral e a formação profissional no Brasil. Durante décadas elas foram modalidades excludentes de ensino. A tentativa da Lei 5692/1971 de unir as duas modalidades, profissionalizando todo o Ensino Médio, apenas descaracterizou a formação geral, sem ganhos significativos para a profissional. Nos dias de hoje, essa separação já não se dá nos mesmos moldes, , porque o mundo do trabalho passa por transformações profundas. À medida que a tecnologia vai substituindo os trabalhadores por autômatos na linha de montagem e nas tarefas de rotina, as competências para trabalhar em ilhas de produção, associar concepção e execução, resolver problemas e tomar decisões tornam-se mais importantes do que conhecimentos e habilidades voltados para postos específicos de trabalho. A LDB adota uma perspectiva sintonizada com essas mudanças na organização do trabalho ao recomendar a articulação entre educação básica e profissional, quando afirma, entre as finalidades do Ensino Médio: “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (grifo nosso). A lei não recupera a formação profissional para postos ou áreas específicas dentro da carga horária geral do Ensino Médio, como tentou fazer a legislação anterior. Mas também não chancela o caráter inteiramente propedêutico que esse ensino tem assumido na educação básica brasileira. Trata-se, portanto, de entender o que vem a ser a preparação básica para o trabalho. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio interpretaram essa perspectiva como uma preparação básica para o trabalho, abrindo a possibilidade de que os sistemas de ensino ou as escolas tenham ênfases curriculares diferentes, com autonomia para eleger as disciplinas específicas e suas respectivas cargas horárias dentro das três grandes áreas instituídas pelas DCNs, desde que garantida a presença das três áreas. Essa abertura permite que escolas de Ensino Médio, a partir de um projeto pedagógico integrado com cursos de educação profissional de nível técnico, atribuam mais tempo e atenção a disciplinas ou áreas disciplinares cujo estudo possa ser aproveitado na educação profissional. Para as DCNs, o que a lei denomina de preparação básica para o trabalho pode ser a aprendizagem de conteúdos disciplinares constituintes de competências básicas que sejam também pré-requisitos de formação profissional. Em muitos casos essa opção pouparia tempo de estudo para o jovem que precisa ingressar precocemente no mercado de trabalho. Para facilitar essa abertura, as Diretrizes Curriculares da Educação Profissional de Nível Técnico flexibilizaram a duração dos cursos profissionais desse nível, possibilitando o aproveitamento de estudos já realizados ou mesmo exercício profissional prévio. Essas duas peças normativas criaram os mecanismos pedagógicos que podem viabilizar o que foi estabelecido na LDB (lei 9394/1996) e decretos posteriores. A preparação básica para o trabalho em determinada área profissional, portanto, pode ser realizada em disciplinas de formação básica do Ensino Médio. As escolas, nesse caso, atribuiriam carga horária suficiente e tratamento pedagógico adequado às áreas ou disciplinas que melhor preparassem seus alunos para o curso de educação profissional de nível técnico escolhido. Essa possibilidade fundamenta-se no pressuposto de que ênfases curriculares diferenciadas são equivalentes para a constituição das competências previstas na LDB, nas DCNs para o Ensino Médio e na matriz de competências do Enem. Isso supõe um outro tipo de articulação entre currículos de formação geral e currículos de formação profissional, em que o primeiro encarrega-se das competências básicas, fundamentando a constituição das mesmas em conteúdos, áreas ou disciplinas afinadas com a formação profissional nesse ou em outro nível de escolarização. E supõe também que o tratamento oferecido às disciplinas do currículo do Ensino Médio não seja apenas propedêutico nem tampouco Competências gerais Habilidades gerais e específicas • Representar. • Comunicar-se. • Conviver. • Ler e se expressar com textos, ícones, cifras, gráficos, tabelas e fórmulas. • Converter uma linguagem em outra. • Registrar medidas e observações. • Descrever situações. • Planejar e fazer entrevistas. • Sistematizar dados. • Elaborar relatórios. • Participar de reuniões. • Argumentar. • Trabalhar em grupo. A área de Ciências Humanas e suas Tecnologias A expressão “Ciências Humanas e suas Tecnologias” leva-nos a uma reflexão inicial sobre sua inserção no campo dos conhecimentos a serem oferecidos, atualmente, no conjunto da educação básica. Embora toda ciência seja indiscutivelmente humana, por resultar da acumulação cultural gerada por diferentes sociedades, em diferentes tempos e espaços, o estudo das denominadas “humanidades” remonta às artes liberais antigas, notadamente ao estudo das artes, línguas e literaturas clássicas. Na Idade Média, a tradição cristã acentuou a distinção entre a literatura sacra e a profana, evidenciando o caráter laico das humanidades, e em seguida o Renascimento perpetuou esta condição, enfatizando a necessidade de um arcabouço de conhecimentos acerca dos estudos sobre o humano e sua condição moral. Para Chervel & Compère, esta tradição formou um indivíduo que, do homem honesto das idades clássicas ao homem cultivado da época contemporânea, adquiriu gosto, senso crítico, capacidade de julgamento pessoal e desenvolveu a arte de se exprimir oralmente ou por escrito. Portanto, o estudo das Humanidades, até o século XIX, foi responsável pela formação do “cristão dos colégios jesuítas, do cidadão das Luzes e do republicano dos liceus modernos”. Na primeira metade do século XX, as Ciências Humanas consolidaram-se como conhecimento científico, a partir das contribuições da fenomenologia, do estruturalismo e do marxismo; porém, o ensino das Humanidades, como corpo curricular tradicional e enciclopedista, dirigido à formação das elites, somente apresentou mudanças significativas nas três últimas décadas do século passado, como resultado das grandes transformações socioeconômicas, políticas e tecnológicas. Para Mello, na área de Ciências Humanas, destacam-se as competências relacionadas à apropriação dos conhecimentos dessas ciências com suas particularidades metodológicas, nas quais o exercício da indução é de importância crucial. A autora propõe, também, que o ensino de Ciências Humanas deve desenvolver a compreensão do significado de identidade, da sociedade e da cultura, que configuram os campos de conhecimentos das Ciências Humanas, incluindo, de modo significativo, os estudos necessários ao exercício da cidadania. Na atualidade, a área de Ciências Humanas compreende conhecimentos produzidos por vários campos de pesquisa: História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Psicologia, além de outros como Política, Antropologia e Economia, que têm por objetivo o estudo dos seres humanos em suas múltiplas relações, fundamentado por meio da articulação entre estes diversos saberes. Neste sentido, a produção científica, acelerada pela sociedade tecnológica, tem colocado em debate uma gama variada de novas questões de natureza ética, cultural e política, que necessitam emergir como objeto de análise das disciplinas que compõem as Ciências Humanas. Portanto, o caráter interdisciplinar desta área corrobora a necessidade de se utilizar o seu acervo de conhecimentos para auxiliar os jovens estudantes a compreender as questões que os afetam, bem como a tomar as decisões neste início de século. Desta forma, ao integrar os campos disciplinares, o conjunto dessas ciências contribui para uma formação que permita ao jovem estudante compreender as relações entre sociedades diferentes; analisar os inúmeros problemas da sociedade em que vive e as diversas formas de relação entre homem e natureza, refletindo sobre as inúmeras ações e contradições da sociedade em relação a si própria e ao ambiente.

Matrizes de Referência para a Avaliação: documento básico

Em busca da construção de referências para orientar a estruturação das Matrizes, especialistas em avaliação organizaram as respectivas propostas iniciais das áreas curriculares a serem avaliadas no Saresp, tendo por base a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, considerando também os documentos que balizam as avaliações nacionais e internacionais.

A primeira versão dessas Matrizes foi apresentada aos autores da Proposta Curricular para a realização da primeira leitura crítica. A seguir, especialistas da CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da SEE/SP realizaram nova leitura crítica e fizeram sugestões que impuseram inúmeros ajustes, após o que as Matrizes foram discutidas em reuniões técnicas, em formato de oficinas, com professores coordenadores das Oficinas Pedagógicas das áreas envolvidas na avaliação, representando todas as Diretorias Regionais, convocados oficialmente.

Nessas oficinas, professores coordenadores analisaram as Matrizes propostas e efetivaram também uma leitura crítica, com sugestões de ajustes. Puderam também sugerir o ano/ciclo mais adequado para a avaliação das habilidades propostas nas Matrizes, bem como opinar sobre a retirada ou a inclusão de habilidades não contempladas inicialmente.

Desse cuidadoso trabalho realizado por diferentes grupos é que resultou a proposta final das Matrizes de Referência do Saresp.

As referências da avaliação

Quando se utilizam Matrizes em situações de avaliação torna-se necessário responder a algumas perguntas:

Como definir uma matriz de referência? Como, a partir dela, propor questões em cada disciplina?

Como ajustar as questões propostas para determinada prova à matriz que lhe serve de referência? Como interpretar resultados das provas a partir das referências de sua construção? Por que essa matriz e não outra? Como justificar teoricamente o valor de suas proposições?

Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o termo “matriz” refere-se ao “lugar onde algo é gerado e/ou criado”. Na Álgebra, corresponde ao “arranjo de m.n elementos matemáticos dispostos num quadro retangular ou quadrado que comporta m linhas e n colunas”. Matriz “representa a fonte ou a origem (de outras coisas)”, “está na base (de algo) ou que tem grande relevância”.

No campo da Educação, é fundamental definir uma matriz de referência em situações de aprendizagem e ensino. Por esse intermédio pode-se avaliar, mesmo que de modo indireto e inferencial, a ocorrência de efetiva aprendizagem. Pode-se, ainda, estabelecer correspondências entre uma situação (o ensino e a aprendizagem em sala de aula) e outra (o que é legítimo de ser avaliado em uma prova, por exemplo). Quanto ao instrumento de avaliação em si mesmo, pode-se comparar a matriz de referência proposta (em sua perspectiva geral) com as habilidades aferidas nesse instrumento específico.

Uma matriz de referência de avaliação pode ter muitas finalidades. A mais importante delas é o seu poder de sinalização das estruturas básicas de conhecimentos a serem construídas por crianças e jovens por meio dos diferentes componentes curriculares em cada etapa da escolaridade básica.

Na avaliação em processo ou formativa, aquela que o professor realiza no dia a dia com a classe por meio do uso de múltiplos instrumentos e registros, a especificação das habilidades na matriz apresenta importantes mecanismos para que ele possa acompanhar o desenvolvimento dos alunos de sua turma em relação a sua proposta de trabalho, tendo em vista o cumprimento da proposta curricular no ano letivo.

Por um lado, numa avaliação em larga escala como é o Saresp, em que se avalia a evolução da qualidade do sistema público de ensino de São Paulo, com a indicação das competências e habilidades básicas a serem desenvolvidas pelos alunos, em cada etapa da escolarização, a todos os atores internos do sistema de ensino e a toda a comunidade externa, reafirma-se o compromisso da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo de monitorar o desenvolvimento do plano de metas vinculado à melhoria da qualidade da educação de maneira clara e objetiva, de tal forma a promover os ajustes necessários para que os alunos tenham acesso à construção dos conhecimentos a que têm direito.

Por outro, a indicação das habilidades a serem avaliadas em cada etapa da escolarização orienta a elaboração das questões das provas para que os instrumentos possam estar a serviço do que realmente se quer avaliar. No caso do Saresp, a matriz foi elaborada a partir da nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo. Os conteúdos, competências e habilidades apontados na Proposta, para cada série e disciplina do currículo, indicam as bases conceituais da matriz proposta para avaliação.

Com isso, configuram-se as referências que possibilitam, de um lado, a construção das provas por seus elaboradores, e de outro, a posição (segundo níveis de desempenho) dos alunos que as realizarem.

Os indicadores relativos a esta posição são obtidos por uma Escala de Proficiência, por intermédio da qual se define o quanto e o quê cada aluno ou escola realizaram no contexto desse exame.

A Escala de Proficiência do Saresp, a partir de 2007, está na mesma métrica utilizada pelo Saeb, que é o exame nacional de referência para a Educação Básica do Brasil desde 1996. A partir de 2007, portanto, os resultados obtidos pelos alunos paulistas nos dois exames ao longo dos anos tornaram-se passíveis de comparação.

Observemos a Figura 1, a seguir:

Conteúdos

Escala de Proficiência Níveis de desempenho

Avaliação

Habilidades Competências

Matemática

Língua Portuguesa

Ciências Humanas

Ciências da Natureza

Os vértices da Figura 1 contêm os três aspectos fundamentais da Matriz. Ela se refere à verificação de conteúdos disciplinares, por intermédio da utilização de habilidades, graças às quais se poderá inferir o grau de proficiência das competências cognitivas desenvolvidas pelos alunos em seu processo de escolarização. A avaliação de competências, por intermédio destes dois indicadores (habilidades associadas a conteúdos em uma situação de prova) justifica-se pelo compromisso assumido no currículo, em fase de implementação, das escolas públicas do Estado de São Paulo. Trata-se do propósito de caracterizar a missão da escola, entendida como um lugar e um tempo em que competências fundamentais ao conhecimento humano são aprendidas e valorizadas. Essas competências expressam a função emancipadora da escola, ao assumir que dominar competências é uma forma de garantir que houve aprendizagem efetiva dos alunos.

O lado esquerdo da Figura 1 representa a Escala de Proficiência, que sintetiza o domínio dos conteúdos e habilidades alcançados, o que permite inferir o nível de domínio das competências avaliadas.

O lado direito da Figura 1 relaciona conteúdos e competências cuja função é o objetivo do Saresp, isto é, verificar se os professores estão ensinando (os conteúdos esperados para os anos escolares avaliados) e os alunos aprendendo (isto é, com que nível de proficiência dominam as competências avaliadas).

Tal função supõe considerar as habilidades expressas para resolver as questões ou tarefas propostas nas provas. O lado inferior da Figura 1 relaciona habilidades e competências avaliadas em relação aos conteúdos disciplinares. No centro do triângulo encontra-se a avaliação, ela mesma, e sua função de observar e promover o cumprimento do compromisso social da escola com a aprendizagem efetiva de seus alunos.

Considerando-se que esta avaliação é efetuada em todo o Estado de São Paulo, e que as condições do exame, a estrutura e o funcionamento das escolas são equivalentes, ao menos na maioria dos casos, pode-se assim comparar, por um desempenho individual, um esforço coletivo, o que possibilita verificar o quanto cada escola está podendo cumprir sua função social. A estrutura da matriz de referência do Saresp está resumida nas Figuras 1, anterior, e 2, um pouco mais à frente, compostas por dois triângulos.

Na Figura 1, os vértices indicam os elementos valorizados na matriz e por seus lados (esquerdo, direito e inferior), os objetivos (domínio de conteúdos básicos e estruturantes relativos a Matemática, Língua Portuguesa, Ciências da Natureza e Ciências Humanas) e as modalidades de expressão de seus resultados (níveis de desempenho).

Habilidades

As habilidades possibilitam inferir, pela Escala de Proficiência adotada, o nível em que os alunos dominam as competências cognitivas, avaliadas relativamente aos conteúdos das disciplinas e em cada série ou ano escolares. Os conteúdos e as competências (formas de raciocinar e tomar decisões) correspondem, assim, às diferentes habilidades a serem consideradas nas respostas às diferentes questões ou tarefas das provas.

Elas funcionam como indicadores ou descritores das aprendizagens que se espera os alunos terem realizado no período avaliado.

Possibilitam, igualmente, pelo nível alcançado, ordenar posições e localizar cada escola, por intermédio do desempenho de seus alunos, no conjunto das escolas ou sistema educacional do Estado de São Paulo.

Por essa razão, as habilidades devem ser caracterizadas de modo objetivo, mensurável e observável. Elas possibilitam saber o que é necessário que o aluno faça para dar conta e bem do que foi solicitado em cada questão ou tarefa.

Além disso, a indicação das habilidades é útil na elaboração dos itens das provas. Graças a elas, os elaboradores podem adequar os conteúdos de cada disciplina à competência que se quer valorizar naquela questão ou tarefa. Elas são, portanto, indicadores preciosos para a produção e análise posterior dos dados, que justificam os objetivos da avaliação do rendimento escolar dos alunos.

Conteúdos

A Matriz representa um recorte dos conteúdos do currículo e também privilegia algumas competências e habilidades a eles associadas. Ela não faz uma varredura de todas as aprendizagens que o currículo possibilita. Retrata as estruturas conceituais mais gerais das disciplinas e também as competências mais gerais dos alunos (como sujeitos do conhecimento), que se traduzem em habilidades específicas, estas sim responsáveis pelas aprendizagens.

As expectativas de aprendizagens representam o que se objetiva que os alunos desenvolvam em relação à proposta curricular.

As habilidades indicadas na Matriz de Referência para a Avaliação em larga escala, como é a do Saresp, descrevem as estruturas mais gerais da inteligência que, se bem avaliadas, evidenciarão o quadro real do efetivo desenvolvimento dos alunos ao tempo de realização da prova.

Competências Cognitivas

Competências cognitivas são modalidades estruturais da inteligência. Modalidades, pois expressam o que é necessário para compreender ou resolver um problema. Ou seja, valem por aquilo que integram, articulam ou configuram como resposta a uma pergunta. Ao mesmo tempo, são modalidades porque representam diferentes formas ou caminhos de se conhecer. Um mesmo problema pode ser resolvido de diversos modos.

Há igualmente muitos caminhos para se validar ou justificar uma resposta ou argumento.

Além de estruturais, as modalidades da inteligência admitem níveis de desenvolvimento. Cada nível expressa um modo particular (relativo ao processo de desenvolvimento). O nível seguinte incorpora

o anterior, isto é, conserva seus conteúdos, mas os transforma em uma forma mais complexa de realização, compreensão ou observação.

Entende-se por competências cognitivas as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, o conjunto de ações e operações mentais que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os objetos, situações, fenômenos e pessoas que deseja conhecer.

Elas expressam o melhor que um aluno pôde fazer em uma situação de prova ou avaliação, no contexto em que isso se deu. Como é próprio ao conceito de competência, o que se verifica é o quanto as habilidades dos alunos, desenvolvidas ao longo do ano letivo, no cotidiano da classe e segundo as diversas situações propostas pelo professor, puderam aplicar-se na situação de exame. Sobretudo no caso de uma avaliação externa, em que tantos outros fatores estão presentes, favorecendo ou prejudicando o desempenho do aluno. Trata-se de uma situação de comparação, em condições equivalentes, e que, por isso mesmo, põe em jogo um conjunto de saberes, nos quais o aspecto cognitivo (que está sendo avaliado) deve considerar tantos outros (tempo, expectativas, habilidades de leitura e cálculo, atenção, concentração etc.).

Por isso, a concepção de competência implica uma visão ou compreensão da inteligência humana que realiza ou compreende, no nível em que o faz como estrutura de conjunto. São vários os aspectos cognitivos em jogo: saber inferir, atribuir sentido, articular partes e todo, excluir, comparar, observar, identificar, tomar decisões, reconhecer, fazer correspondências.

Do ponto de vista afetivo, ocorre o mesmo: saber prestar atenção, sustentar um foco, ter calma, não ser impulsivo, ser determinado, confiante, otimizar recursos internos etc.

Igualmente, do ponto de vista social, verifica-se se o aluno é capaz de seguir regras, ser avaliado em uma situação coletiva que envolva cooperação e competição (limites de tempo, definição das respostas, número de questões, entre outros), respeito mútuo etc.

As competências que estruturam a avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo, possibilitam verificar o quanto o jovem que conclui sua educação básica pôde levar consigo em termos de linguagem, compreensão de conceitos científicos, enfrentamento de situações-problema, argumentação e condição de compartilhar e contribuir, como jovem, para a sociedade da qual faz parte. O mesmo se aplica ao Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Nessa proposta, alunos de quinze anos são avaliados em um conjunto de operações mentais ou competências sobre sua capacidade de reproduzir, compreender e refletir sobre conteúdos ou operações em Leitura, Matemática e Ciências.

Na Figura 2, a seguir, apresentamos uma síntese das competências cognitivas avaliadas no exame do Saresp.

Grupo III

Esquemas Operatórios

Realizar Competências Compreender

Observar

Grupo II Grupo I

Esquemas Procedimentais Esquemas Presentativos

Os vértices do triângulo indicam os grupos de competências avaliadas e os esquemas cognitivos que lhes correspondem. No lado esquerdo, apresenta-se a função realizar, proceder bem em face de um objetivo ou problema, que implica a relação entre os esquemas dos Grupos III e II. No lado direito, apresenta-se a função – compreender – que implica a relação entre os esquemas dos Grupos III e I. No lado inferior, apresenta-se a função observar, que implica a relação entre os esquemas dos Grupos I e II. A seguir, propõe-se uma análise destas competências.

Grupo I: Competências para observar O Grupo I refere-se aos esquemas presentativos ou representativos, propostos por Jean Piaget. Graças a eles, os alunos podem ler a prova, em sua dupla condição: registrar perceptivamente o que está proposto nos textos, imagens, tabelas ou quadros e interpretar este registro como informação que torna possível assimilar a questão e decidir sobre a alternativa que julgam mais correta.

A leitura do objeto (a prova) supõe, como mínimo, o domínio e, portanto, o uso das seguintes habilidades: observar, identificar, descrever, localizar, diferenciar ou discriminar, constatar, reconhecer, indicar, apontar.

Graças a elas pode-se avaliar o nível de desenvolvimento de uma forma de abstração fundamental aos processos de conhecimento.

Esta forma compõe o Grupo I de habilidades, pois ela é, de fato, a condição primeira para a produção de uma resposta em face de um problema ou questão. As habilidades que lhe correspondem possibilitam verificar o quanto e o como o aluno pôde considerar, antes de decidir por uma melhor resposta, as informações propostas na pergunta.

Todas elas, com efeito, sugerem o interesse primeiro pela boa leitura ou interpretação do problema, observando, isto é, guardando este momento tão importante em um processo de tomada de decisão.

Observar, ler para reproduzir não significa apenas reagir perceptivamente, mas sim identificar, reconhecer, indicar, apontar semelhanças e diferenças, definir posições ou relações entre as coisas, envolvê-las entre si, isto é, definir suas diversas possibilidades de relação, fazer constatações, enfim, estabelecer correspondências entre aquilo que está escrito ou proposto como problema no objeto (questões da prova) e aquilo que o aluno que vai decidir por uma reposta pôde assimilar (isto é, ler, interpretar):

Habilidades do grupo I

• Observar para levantar dados, descobrir informações nos objetos, acontecimentos, situações etc. e suas representações.

• Identificar, reconhecer, indicar, apontar, dentre diversos objetos, aquele que corresponde a um conceito ou a uma descrição.

• Identificar uma descrição que corresponde a um conceito ou às características típicas de objetos, da fala, de diferentes tipos de texto.

• Localizar um objeto, descrevendo sua posição ou interpretando a descrição de sua localização, ou localizar uma informação em um texto.

• Descrever objetos, situações, fenômenos, acontecimentos etc. e interpretar as descrições correspondentes.

• Discriminar, estabelecer diferenciações entre objetos, situações e fenômenos com diferentes níveis de semelhança.

• Constatar alguma relação entre aspectos observáveis do objeto, semelhanças e diferenças, constâncias em situações, fenômenos, palavras, tipos de texto etc.

• Representar graficamente (por gestos, palavras, objetos, desenhos, gráficos etc.) os objetos, situações, sequências, fenômenos, acontecimentos etc.

• Representar quantidades por meio de estratégias pessoais, de números e de palavras.

Grupo II: Competências para realizar As habilidades relativas às competências do Grupo II caracterizam- se pelas capacidades de o aluno realizar os procedimentos necessários às suas tomadas de decisão em relação às questões ou tarefas propostas na prova. Ou seja, saber observar, identificar, diferenciar e, portanto, considerar todas as habilidades relativas às competências para representar que, na prática, implicam traduzir estas ações em procedimentos relativos ao conteúdo e ao contexto de cada questão em sua singularidade.

O problema é que na prática não basta decidir por um procedimento, mas é necessário fazê-lo bem. As habilidades relativas às competências do Grupo I estão focadas nas informações ou características das questões ou temas propostos, ou seja, nos observáveis relativos aos objetos (conteúdos avaliados). As habilidades relativas às competências, no Grupo II, estão focadas nas atividades dos alunos, no quê e como fazem. Estas habilidades implicam procedimentos de classificar, seriar, ordenar, conservar, compor, decompor, fazer antecipações, calcular, medir, interpretar. As habilidades relativas ao Grupo II referem-se, portanto, a transformações.

Procedimentos são modos de estabelecer relações que transformam os conteúdos relacionados, dando a eles uma configuração diferente de acordo com essas relações:

Habilidades do grupo II

• Classificar – organizar (separando) objetos, fatos, fenômenos, acontecimentos e suas representações, de acordo com um critério único, incluindo subclasses em classes de maior extensão.

• Seriar – organizar objetos de acordo com suas diferenças, incluindo as relações de transitividade.

• Ordenar objetos, fatos, acontecimentos, representações, de acordo com um critério.

• Conservar algumas propriedades de objetos, figuras etc. quando o todo se modifica.

• Compor e decompor figuras, objetos, palavras, fenômenos ou acontecimentos em seus fatores, elementos ou fases etc.

• Fazer antecipações sobre o resultado de experiências, sobre a continuidade de acontecimentos e sobre o produto de experiências.

• Calcular por estimativa a grandeza ou a quantidade de objetos, o resultado de operações aritméticas etc.

• Medir, utilizando procedimentos pessoais ou convencionais.

• Interpretar, explicar o sentido que têm para nós acontecimentos, resultados de experiências, dados, gráficos, tabelas, figuras, desenhos, mapas, textos, descrições, poemas etc. e apreender este sentido para utilizá-lo na solução de problemas.

Grupo III: Competências para compreender Estas competências implicam o uso de esquemas operatórios.

As competências relativas a esse Grupo III devem ser analisadas em duas perspectivas. Primeiro, estão presentes e são mesmo essenciais às competências cognitivas ou às operações mentais destacadas nos Grupos I e II. Porém, quando referidas a eles, têm um lugar de meio ou condição, mas não de fim. Ou seja, atuam de modo a possibilitar realizações via esquemas procedimentais (Grupo II) ou leituras via esquemas de representação (Grupo I).

Como Grupo III, estes esquemas ou competências expressam-se de modo consciente e permitem compreensões próprias a este nível de elaboração cognitiva.

razão possibilitam, por suas coordenações, planejamento e escolha de estratégias para resolver problemas ou realizar tarefas pouco prováveis, ou mesmo impossíveis nos níveis anteriores.

Referem-se, assim, a operações mentais mais complexas, que envolvem pensamento proposicional ou combinatório, graças ao qual o raciocínio pode ser agora hipotético-dedutivo.

As habilidades que permitem inferir o domínio destas operações de nível superior são as seguintes: analisar fatos, acontecimentos ou possibilidades na perspectiva de seus princípios, padrões e valores; aplicar relações conhecidas em situações novas, que requerem tomadas de decisão, prognósticos ou antecipações hipotéticas; formular julgamentos de valor sobre proposições; criticar, analisar e julgar em situações relativas a temas não redutíveis à experiência estrito senso; formular ou compreender explicações causais que envolvem relações e situações complexas; apresentar conclusões, fazer proposições ou compartilhar projetos em grande escala ou domínio abrangente; argumentar ou fazer suposições que envolvem grande número de relações ou perspectivas; fazer prognósticos que implicam interpretações não redutíveis a casos conhecidos; fazer generalizações ou deduções que implicam bom domínio da lógica; apresentar justificativas ou explicações sobre acontecimentos, experiências ou proposições.

Habilidades do grupo III

• Analisar objetos, fatos, acontecimentos, situações, com base em princípios, padrões e valores.

• Aplicar relações já estabelecidas anteriormente ou conhecimentos já construídos a contextos e situações diferentes; aplicar fatos e princípios a novas situações, para tomar decisões, solucionar problemas, fazer prognósticos etc.

• Avaliar, isto é, emitir julgamentos de valor referentes a acontecimentos, decisões, situações, grandezas, objetos, textos etc.

• Criticar, analisar e julgar, com base em padrões e valores, opiniões, textos, situações, resultados de experiências, soluções para situações-problema, diferentes posições assumidas diante de uma situação etc.

• Explicar causas e efeitos de uma determinada sequência de acontecimentos.

• Apresentar conclusões a respeito de ideias, textos, acontecimentos, situações etc.

• Levantar suposições sobre as causas e efeitos de fenômenos, acontecimentos etc.

• Fazer prognósticos com base em dados já obtidos sobre transformações em objetos, situações, acontecimentos, fenômenos etc.

• Fazer generalizações (indutivas) a partir de leis ou de relações descobertas ou estabelecidas em situações diferentes, isto é, estender de alguns para todos os casos semelhantes.

• Fazer generalizações (construtivas) fundamentadas ou referentes às operações do sujeito, com produção de novas formas e de novos conteúdos.

• Justificar acontecimentos, resultados de experiências, opiniões, interpretações, decisões etc.

É necessário destacar ainda que muitas competências e habilidades indicadas na Proposta Curricular, embora importantes para o desenvolvimento dos alunos e para o trabalho em sala de aula, não foram incluídas nas Matrizes, pois não são passíveis de ser avaliadas em instrumentos formais de provas realizadas em larga escala, como é o Saresp. Devem, entretanto, fazer parte do trabalho de avaliação formativa contínua, realizado pelos professores.

Programa de Qualidade da Escola: Nota Técnica

1. O Programa de Qualidade da Escola (PQE)

Lançado em maio de 2008 pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, o Programa de Qualidade da Escola tem como objetivo promover a melhoria da qualidade e a eqüidade do sistema de ensino na rede estadual paulista, com ênfase no direito que todos os alunos da rede pública têm: o direito de aprender com qualidade.

Para realizar esta tarefa, o Programa de Qualidade da Escola avalia anualmente cada escola estadual paulista de maneira objetiva, a fim de acompanhar a qualidade do serviço educacional prestado, e propõe metas para o aprimoramento da qualidade do ensino que oferecem, a partir do IDESP - indicador que mede a qualidade das escolas. Assim, o programa cumpre o papel de apoiar o trabalho das equipes escolares no esforço da melhoria da educação e de permitir que os pais de alunos e a comunidade possam acompanhar a evolução da escola pública paulista.

Em 2008, a SEE-SP divulgou o IDESP de 2007 da 4ª e 8ª séries do EF e da 3ª série do EM para cada escola estadual paulista, bem como as metas de qualidade para o ano de 2008. Além disso, a SEE-SP desenvolveu um programa especial de acompanhamento e apoio às escolas com os menores IDESPs na 4ª e 8ª séries do EF e na 3ª série do EM.

Este relatório apresenta os resultados do IDESP de 2008 e avalia a evolução das escolas no cumprimento das metas de qualidade da educação para este ano.

2. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

a) O que é o IDESP?

O IDESP é um indicador que avalia a qualidade da escola. Nesta avaliação, considera-se que uma boa escola é aquela em que a maior parte dos alunos apreende as competências e habilidades requeridas para a sua série, num período de tempo ideal – o ano letivo. Por este motivo, o IDESP é composto por dois critérios: o desempenho dos alunos nos exames de proficiência do SARESP (o quanto aprenderam) e o fluxo escolar (em quanto tempo aprenderam).

Estes dois critérios se complementam na avaliação da qualidade da escola. Isto porque não é desejável para o sistema educacional que, para que os alunos aprendam, eles precisem repetir várias vezes a mesma série. Por outro lado, também não é desejável que os alunos sejam promovidos de uma série para a outra com deficiências de aprendizado.

O IDESP avalia a qualidade do ensino nas séries iniciais (1ª a 4ª séries) e finais (5ª a 8ª séries) do Ensino Fundamental (EF) e no Ensino Médio (EM) em cada escola estadual paulista. A metodologia utilizada no cálculo do IDESP permite que a escola acompanhe sua evolução de ano para ano. Assim, o IDESP tem o papel de dialogar com a escola, fornecendo-lhe ao mesmo tempo um diagnóstico que aponte suas fragilidades e potencialidades e um norte que permita sua melhoria constante.

b) Como o IDESP é calculado?

O IDESP corresponde à multiplicação de dois indicadores - o indicador de desempenho (ID), que avalia o quanto os alunos aprenderam, e o indicador de fluxo (IF), que avalia quanto tempo os alunos levam para aprender. O IDESP é calculado para cada etapa da escolarização (s):

IDESPs = IDs x IFs

Indicador de desempenho (ID):

O desempenho dos alunos é medido pelos resultados dos exames de Língua Portuguesa (LP) e Matemática (Mat) do SARESP, na 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio1. De acordo com as notas obtidas pelos alunos, é possível agrupá-los em quatro níveis de proficiência, definidos a partir das expectativas de aprendizagem da Proposta Pedagógica do Estado de São Paulo:

- Abaixo do básico: os alunos neste nível demonstram domínio insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades requeridos para a série escolar em que se encontram.

- Básico: os alunos neste nível demonstram desenvolvimento parcial dos conteúdos, competências e habilidades requeridos para a série escolar em que se encontram.

- Adequado: os alunos neste nível demonstram conhecimentos e domínio dos conteúdos, competências e habilidades requeridos para a série escolar em que se encontram.

- Avançado: os alunos neste nível demonstram conhecimentos e domínio dos conteúdos, competências e habilidades além do requerido para a série escolar em que se encontram.

Os valores de referência para a definição dos níveis de proficiência encontram-se na tabela a seguir:

|VALORES DE REFERÊNCIA NA ESCALA DO SARESP PARA A DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS NOS |

|NÍVEIS DE DESEMPENHO |

|LÍNGUA PORTUGUESA |

|NÍVEIS |4ª SÉRIE EF |8ª SÉRIE EF |3ª SÉRIE EM |

|ABAIXO DO BÁSICO |< 150 |< 200 |< 250 |

|BÁSICO |ENTRE 150 E 200 |ENTRE 200 E 275 |ENTRE 250 E 300 |

|ADEQUADO |ENTRE 200 E 250 |ENTRE 275 E 325 |ENTRE 300 E 375 |

|AVANÇADO |> 250 |> 325 |> 375 |

|MATEMÁTICA |

|NÍVEIS |4ª SÉRIE EF |8ª SÉRIE EF |3ª SÉRIE EM |

|ABAIXO DO BÁSICO |< 175 |< 225 |< 275 |

|BÁSICO |ENTRE 175 E 225 |ENTRE 225 E 300 |ENTRE 275 E 350 |

|ADEQUADO |ENTRE 225 E 275 |ENTRE 300 E 350 |ENTRE 350 E 400 |

|AVANÇADO |> 275 |> 350 |> 400 |

A distribuição dos alunos em níveis de proficiência indica a defasagem da escola (def) em relação às expectativas de aprendizagem de cada componente curricular, a partir da seguinte função:

def js = (3xAB+2xB+1xAd+0xAv)

100

em que AB, B, Ad e Av são as porcentagens de alunos da escola que se encontram nos níveis de proficiência Abaixo do Básico, Básico, Adequado e Avançado, respectivamente, j é o componente curricular e s é a etapa de escolarização.

A defasagem da escola é crescente com o grau de atraso escolar dos alunos, em termos de proficiência e varia entre zero (quando todos os alunos encontram-se no nível Avançado) e três (se todos os alunos encontram-se no nível Abaixo do Básico).

O indicador de desempenho (ID) sintetiza o resultado da escola nos exames do SARESP. O ID é crescente com o bom desempenho da escola e varia numa escala entre zero (quando a defasagem da escola é máxima, igual a três) e dez (quando a defasagem da escola é mínima, igual a zero).

Indicador de fluxo (IF):

O fluxo escolar é medido pela taxa média de aprovação em cada etapa da escolarização (séries iniciais e séries finais do EF e EM), coletadas pelo Censo Escolar. O indicador de fluxo (IF) é uma medida sintética da promoção dos alunos e varia entre zero e um.

|LÍNGUA PORTUGUESA |

|NÍVEIS |ESCOLA A |ESCOLA B |ESCOLA C |

|ABAIXO DO BÁSICO |56,3% |33,3% |14,1% |

|BÁSICO |37,5% |34,6% |32,1% |

|ADEQUADO |6,3% |29,3% |43,9% |

|AVANÇADO |0% |2,8% |9,8% |

|MATEMÁTICA |

|NÍVEIS |ESCOLA A |ESCOLA B |ESCOLA C |

|ABAIXO DO BÁSICO |68,6% |31,0% |17,3% |

|BÁSICO |31,4% |40,8% |39,6% |

|ADEQUADO |0% |26,8% |37,9% |

|AVANÇADO |0% |1,4% |5,2% |

|TAXAS DE APROVAÇÃO NAS SÉRIES INICIAIS DO EF |

| |ESCOLA A |ESCOLA B |ESCOLA C |

|1ª SÉRIE |67,0% |84,3% |98,3% |

|2ª SÉRIE |59,6% |83,9% |97,1% |

|3ª SÉRIE |63,6% |83,7% |98,5% |

|4ª SÉRIE |70,0% |84,4% |99,1% |

O cálculo do IDESP de 2008 segue a mesma metodologia, utilizando as informações do SARESP 2008 e do Censo Escolar 2008. A partir do cálculo do IDESP de 2008, é possível avaliar a evolução da escola em relação a 2007 e apurar o quanto a escola conseguiu atingir das metas estabelecidas, apresentadas às escolas no ano passado no boletim do IDESP 2007. A próxima seção apresenta as metas das Escolas A, B e C e salienta diferenças entre as metas de escolas com desempenhos diferentes.

3. As Metas de Qualidade

a) A importância das metas de qualidade para a educação

Atualmente, uma das maiores demandas sociais é a melhoria da qualidade da educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Governo Federal, o Programa de Qualidade das Escolas (PQE) do Governo do Estado de São Paulo e o movimento da sociedade civil “Compromisso Todos Pela Educação” (TPE) se constituem em mobilizações que buscam atender a essa demanda essencial.

O “Compromisso Todos pela Educação” estabelece cinco metas que visam garantir Educação Básica de qualidade para todos os Estados brasileiros em 2021, bicentenário da Independência do Brasil. O PQE está alinhado com este Compromisso, na medida em que estabelece metas claras e transparentes para a melhoria da qualidade do ensino para cada escola da rede estadual paulista.

A grande inovação do PQE em 2008 foi propor metas de longo prazo para a melhoria de toda a rede estadual de ensino e, junto com elas, estabelecer metas anuais específicas para cada escola, com o objetivo de garantir que todas elas atinjam as metas de longo prazo. As metas anuais servem como um guia da trajetória que as escolas devem seguir fornecendo subsídios para a tomada de decisões dos gestores e demais profissionais ligados ao sistema educacional da rede estadual paulista.

Assim, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo espera que a cada ano possam ser verificadas melhorias significativas na qualidade das escolas estaduais paulistas, que se reflitam principalmente em esforços pedagógicos capazes de elevar o desempenho dos estudantes, garantindo que uma proporção cada vez maior de alunos domine um sólido conhecimento dos conteúdos e habilidades esperados para a etapa de escolarização em que se encontram.

b) Como as metas foram estabelecidas?

As metas de qualidade foram estabelecidas a partir de critérios objetivos e transparentes. Em primeiro lugar, estabeleceram-se metas de longo prazo para os IDESPs das séries iniciais e finais do EF e do EM. As metas para 2030 são:

Metas de longo prazo

4ª série EF 8ª série EF 3ª série EM

Meta 2030 7,0 6,0 5,0

Com as metas de longo prazo pretende-se que as escolas públicas do Estado de São Paulo estaduais paulistas atinjam índices comparáveis aos dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que são os mais bem colocados do mundo em termos de qualidade da educação.

Para que o Estado possa cumprir tais metas, foram atribuídas metas anuais para cada escola, considerando sua distância da meta de longo prazo2. Deste modo, cada escola possui uma meta própria, ou seja, as metas anuais consideram as peculiaridades da escola e estabelecem passos para a melhoria da qualidade de acordo com aquilo que é possível a escola atingir e do esforço que precisam realizar. Por um lado, escolas com baixos IDESPs têm um caminho mais longo a percorrer em relação àquelas escolas com IDESPs mais elevados. Por outro lado, pequenas iniciativas ou mudanças na rotina das escolas com baixos IDESPs geram avanços muito maiores do que para escolas que já têm

IDESPs elevados. Desta forma, todas as escolas têm as mesmas condições de cumprir as metas que foram estabelecidas. Estas diferenças são ilustradas na tabela e no gráfico abaixo:

|METAS PARA A 4ª SÉRIE 2008 |

| |ESCOLA A |ESCOLA B |ESCOLA C |

|IDESP 2007 |0,88 |2,82 |4,61 |

|META 2008 |1,01 |3,04 |4,72 |

|VARIAÇÃO |15% |8% |2% |

Metas anuais – 2008 a 2030

c) Como se apura o cumprimento das metas?

A escola pode analisar sua evolução no IDESP de 2007 para 2008 em cada etapa da escolarização e comparar esta evolução com a meta estabelecida para este ano. No boletim do IDESP 2008, encontram-se calculados os índices de cumprimento das metas para a 4ª e 8ª séries do EF e para a 3ª série do EM para cada escola. O índice de cumprimento de metas refere-se à parcela da meta que a escola conseguiu cumprir em cada etapa da escolarização, ou seja, o quanto escola evoluiu em relação àquilo que se esperava que ela evoluísse.

O índice de cumprimento de metas é limitado ao intervalo de 0% a 120%, ou seja, se a parcela cumprida da meta for negativa, considera-se que a escola cumpriu 0% da meta estabelecida. Por outro lado, se a parcela cumprida da meta for maior do que 120%, considera-se que a escola cumpriu 120% da meta. Para ilustrar o cálculo do índice de cumprimento de metas, tomemos como exemplo a Escola D, que oferece as séries iniciais e finais do EF e o EM. A tabela abaixo mostra seus IDESPs em 2007 e 2008, bem como suas metas para 2008:

IDESP

Escola A Escola B Escola C

|ESCOLA D |

| |IDESP 2007 |

| |Nº ALUNOS |PROPORÇÃO DE |PARCELA |

| |AVALIADOS NO |ALUNOS |CUMPRIDA |

| |SARESP |AVALIADOS NO |DA META |

| | |SARESP |NA |

| | | |ESCOLA |

|4ª SÉRIE EF |120 |20,9% | |

|8ª SÉRIE EF |107 |18,6% | |

|3ª SÉRIE EM |348 |60,5% |83,8% |

|TOTAL |575 |100,0% | |

Em média, a escola cumpriu 83,8% das metas estabelecidas para o ano de 2008.

Legislação

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996

Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Título I

Da Educação

Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,

na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

§ 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§ 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

Título II

Dos princípios e fins da Educação Nacional

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Título III

Do direito à Educação e do dever de educar

Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;

VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;

IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Art. 5º. O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi- lo.

§ 1º. Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União:

I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso;

II - fazer- lhes a chamada pública;

III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

§ 2º. Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.

§ 3º. Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.

§ 4º. Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.

§ 5º. Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.

Art. 6º. É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental.

Art. 7º. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino;

II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;

III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal.

Título IV

Da organização da Educação Nacional

Art. 8º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de

colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

§ 1º. Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.

§ 2º. Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.

Art. 9º. A União incumbir-se-á de:

I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos Territórios;

III - prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva;

IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;

V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;

VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;

VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;

VIII - assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino;

IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.

§ 1º. Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei.

§ 2° Para o cumprimento do disposto nos incisos V a IX, a União terá acesso a todos os dados e informações necessários de todos os estabelecimentos e órgãos educacionais.

§ 3º. As atribuições constantes do inciso IX poderão ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior.

Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:

I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino;

II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;

III - elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios;

IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino;

V - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;

VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio.

Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e aos Municípios.

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:

I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;

II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;

III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;

IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;

V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema

estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;

II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;

III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;

IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;

V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;

VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;

VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar

integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.

Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:

I - as instituições de ensino mantidas pela União;

II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada;

III - os órgãos federais de educação.

Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:

I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;

II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;

III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada;

IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.

Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino.

Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:

I - as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;

II - as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;

III – os órgãos municipais de educação.

Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias administrativas:

I - públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público;

II - privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:

I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo;

II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;

III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;

IV - filantrópicas, na forma da lei.

Título V

Dos níveis e das modalidades de Educação e Ensino

Capítulo I

Da composição dos níveis escolares

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II - educação superior.

Capítulo II

Da Educação Básica

Seção I

Das disposições gerais

Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar- lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais,

ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

§ 1º. A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.

§ 2º. O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei.

Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;

II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:

a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;

b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;

c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;

III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;

IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares;

V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;

c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;

d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;

VI - o controle de freqüência fica a cargo da escola, conforme o disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a freqüência mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovação;

VII - cabe a cada instituição de ensino expedir históricos escolares, declarações de conclusão de série e diplomas ou certificados de conclusão de cursos, com as especificações cabíveis.

Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento.

Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo.

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

§ 1º. Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.

§ 2º. O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

§ 3º. A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.

§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia.

§ 5º. Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.

Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes:

I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;

II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento;

III - orientação para o trabalho;

IV - promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais.

Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Seção II

Da Educação Infantil

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

Art. 31. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

Seção III

Do Ensino Fundamental

Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

§ 1º. É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.

§ 2º. Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.

§ 3º. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

§ 4º. O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa.

Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola.

§ 1º. São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.

§ 2º. O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino.

Seção IV

Do Ensino Médio

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;

III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.

§ 1º. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.

§ 2º. O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.

§ 3º. Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.

§ 4º. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.

Seção V

Da Educação de Jovens e Adultos

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.

§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

§ 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.

§ 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:

I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos;

II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.

§ 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

Capítulo III

Da Educação Profissional

Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à

ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.

Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional.

Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.

Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.

Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados, terão validade nacional.

Art. 42. As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade.

Capítulo IV

Da Educação Superior

Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamentoreflexivo;

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;

III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;

IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.

Art. 45. A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.

Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.

§ 1º. Após um prazo para saneamento de deficiências eventualmente identificadas pela avaliação a que se refere este artigo, haverá reavaliação, que poderá resultar, conforme o caso, em desativação de cursos e habilitações, em intervenção na instituição, em suspensão temporária de prerrogativas da autonomia, ou em descredenciamento.

§ 2º. No caso de instituição pública, o Poder Executivo responsável por sua manutenção acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessários, para a superação das deficiências.

Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.

§ 1º. As instituições informarão aos interessados, antes de cada período letivo, os programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições.

§ 2º. Os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino.

§ 3º. É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância.

§ 4º. As instituições de educação superior oferecerão, no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, garantida a necessária previsão orçamentária.

Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.

§ 1º. Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação.

§ 2º. Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.

§ 3º. Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.

Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares,

para cursos afins, na hipótese de existência de vagas, e mediante processo seletivo.

Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão na forma da lei.

Art. 50. As instituições de educação superior, quando da ocorrência de vagas, abrirão matrícula nas disciplinas de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem capacidade de cursá-las com proveito, mediante processo seletivo prévio.

Art. 51. As instituições de educação superior credenciadas como universidades, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos normativos dos sistemas de ensino.

Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por:

I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;

II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;

III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral.

Parágrafo único. É facultada a criação de universidades especializadas por campo do saber.

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;

II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;

III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica,

produção artística e atividades de extensão;

IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio;

V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;

VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;

VII - firmar contratos, acordos e convênios;

VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais;

IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;

X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.

Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos;

II - ampliação e diminuição de vagas;

III - elaboração da programação dos cursos;

IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão;

V - contratação e dispensa de professores;

VI - planos de carreira docente.

Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto

jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.

§ 1º. No exercício da sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo artigo anterior, as universidades públicas poderão:

I - propor o seu quadro de pessoal docente, técnico e administrativo, assim como um plano de cargos e salários, atendidas as normas gerais pertinentes e os recursos disponíveis;

II - elaborar o regulamento de seu pessoal em conformidade com as normas gerais concernentes;

III - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo Poder mantenedor;

IV - elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais;

V - adotar regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento;

VI - realizar operações de crédito ou de financiamento, com aprovação do Poder competente, para aquisição de bens imóveis, instalações e equipamentos;

VII - efetuar transferências, quitações e tomar outras providências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial necessárias ao seu bom desempenho. § 2º. Atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público.

Art. 55. Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas.

Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.

Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.

Art. 57. Nas instituições públicas de educação superior, o professor ficará obrigado ao mínimo de oito horas semanais de aulas.

Capítulo V

Da Educação Especial

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.

§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços

especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

§ 3º. A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:

I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;

II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;

V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.

Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.

Título VI

Dos Profissionais da Educação

Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;

II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,

em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de

educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão:

I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;

II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica;

III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.

Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.

Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas.

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando- lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:

I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;

III - piso salarial profissional;

IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;

V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;

VI - condições adequadas de trabalho.

Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada

sistema de ensino.

Título VII

Dos recursos financeiros

Art. 68. Serão recursos públicos destinados à educação os originários de:

I - receita de impostos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - receita de transferências constitucionais e outras transferências;

III - receita do salário-educação e de outras contribuições sociais;

IV - receita de incentivos fiscais;

V - outros recursos previstos em lei.

Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.

§ 1º. A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não será considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.

§ 2º. Serão consideradas excluídas das receitas de impostos mencionadas neste artigo as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária de impostos.

§ 3º. Para fixação inicial dos valores correspondentes aos mínimos estatuídos neste artigo, será considerada a receita estimada na lei do orçamento anual, ajustada, quando for o caso, por lei que autorizar a abertura de créditos adicionais, com base no eventual excesso de arrecadação.

§ 4º. As diferenças entre a receita e a despesa previstas e as efetivamente realizadas, que resultem no não atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apuradas e corrigidas a cada trimestre do exercício financeiro.

§ 5º. O repasse dos valores referidos neste artigo do caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ocorrerá imediatamente ao órgão responsável pela educação, observados os seguintes prazos:

I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês, até o vigésimo dia;

II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês, até o trigésimo dia;

III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês, até o décimo dia do mês subsequente.

§ 6º. O atraso da liberação sujeitará os recursos a correção monetária e à responsabilização civil e criminal das autoridades competentes.

Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;

II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;

III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;

V - realização de atividades- meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;

VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;

VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:

I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;

II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;

III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;

IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;

VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Art. 72. As receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino serão apuradas e publicadas nos balanços do Poder Público, assim como nos relatórios a que se refere o § 3º do art. 165 da Constituição Federal.

Art. 73. Os órgãos fiscalizadores examinarão, prioritariamente, na prestação de contas de recursos públicos, o cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Federal, no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na legislação concernente.

Art. 74. A União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mínimo de oportunidades educacionais para o ensino fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade.

Parágrafo único. O custo mínimo de que trata este artigo será calculado pela União ao final de cada ano, com validade para o ano subseqüente, considerando variações regionais no custo dos insumos e as diversas modalidades de ensino.

Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino.

§ 1º. A ação a que se refere este artigo obedecerá a fórmula de domínio público que inclua a capacidade de atendimento e a medida do esforço fiscal do respectivo Estado, do Distrito Federal ou do Município em favor da manutenção e do desenvolvimento do ensino.

§ 2º. A capacidade de atendimento de cada governo será definida pela razão entre os recursos de uso constitucionalmente obrigatório na manutenção e desenvolvimento do ensino e o custo anual do aluno, relativo ao padrão mínimo de qualidade.

§ 3º. Com base nos critérios estabelecidos nos §§ 1º e 2º, a União poderá fazer a transferência direta de recursos a cada estabelecimento de ensino, considerado o número de alunos que efetivamente freqüentam a escola.

§ 4º. A ação supletiva e redistributiva não poderá ser exercida em favor do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios se estes oferecerem vagas, na área de ensino de sua responsabilidade, conforme o inciso VI do art. 10 e o inciso V do art. 11 desta Lei, em número inferior à sua capacidade de atendimento.

Art. 76. A ação supletiva e redistributiva prevista no artigo anterior ficará condicionada ao efetivo cumprimento pelos Estados, Distrito Federal e Municípios do disposto nesta Lei, sem prejuízo de outras prescrições legais.

Art. 77. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que:

I - comprovem finalidade não- lucrativa e não distribuam resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto;

II - apliquem seus excedentes financeiros em educação;

III - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades;

IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos recebidos.

§ 1º. Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para a educação básica, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública de domicílio do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão da sua rede local.

§ 2º. As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público, inclusive mediante bolsas de estudo.

Título VIII

Das disposições gerais

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não- índias.

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º. Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.

§ 2º. Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:

I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.

§ 1º. A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será

oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.

§ 2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância.

§ 3º. As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas.

§ 4º. A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá:

I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas;

III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais.

Art. 81. É permitida a organização de cursos ou instituições de ensino experimentais, desde que obedecidas as disposições desta Lei.

Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas para realização dos estágios dos alunos regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua jurisdição.

Parágrafo único. O estágio realizado nas condições deste artigo não estabelecem vínculo empregatício, podendo o estagiário receber bolsa de estágio, estar segurado contra acidentes e ter a cobertura previdenciária prevista na legislação específica.

Art. 83. O ensino militar é regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino.

Art. 84. Os discentes da educação superior poderão ser aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas respectivas instituições, exercendo funções de monitoria, de acordo com seu rendimento e seu plano de estudos.

Art. 85. Qualquer cidadão habilitado com a titulação própria poderá exigir a abertura de concurso público de provas e títulos para cargo de docente de instituição pública de ensino que estiver sendo ocupado por professor não concursado, por mais de seis anos, ressalvados os direitos assegurados pelos arts. 41 da Constituição Federal e 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 86. As instituições de educação superior constituídas como universidades integrar-seão,

também, na sua condição de instituições de pesquisa, ao Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, nos termos da legislação específica.

Título IX

Das disposições transitórias

Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.

§ 1º. A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

§ 2º. O Poder Público deverá recensear os educandos no ensino fundamental, com especial atenção para os grupos de sete a quatorze e de quinze a dezesseis anos de idade.

§ 3º. Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá:

I - matricular todos os educandos a partir dos sete anos de idade e, facultativamente, a partir dos seis anos, no ensino fundamental;

II - prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados;

III - realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância;

IV - integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar.

§ 4º. Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.

§ 5º. Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral.

§ 6º. A assistência financeira da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a dos Estados aos seus Municípios, ficam condicionadas ao cumprimento do art. 212 da Constituição Federal e dispositivos legais pertinentes pelos governos beneficiados.

Art. 88. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adaptarão sua legislação educacional e de ensino às disposições desta Le i no prazo máximo de um ano, a partir da data de sua publicação.

§ 1º. As instituições educacionais adaptarão seus estatutos e regimentos aos dispositivos desta Lei e às normas dos respectivos sistemas de ensino, nos prazos por estes estabelecidos.

§ 2º. O prazo para que as universidades cumpram o disposto nos incisos II e III do art. 52 é de oito anos.

Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino.

Art. 90. As questões suscitadas na transição entre o regime anterior e o que se institui nesta

Lei serão resolvidas pelo Conselho Nacional de Educação ou, mediante delegação deste, pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino, preservada a autonomia universitária.

Art. 91. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 92. Revogam-se as disposições das Leis nºs 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e 5.540, de 28 de novembro de 1968, não alteradas pelas Leis nºs 9.131, de 24 de novembro de 1995 e 9.192, de 21 de dezembro de 1995 e, ainda, as Leis nºs 5.692, de 11 de agosto de 1971 e 7.044, de 18 de outubro de 1982, e as demais leis e decretos- lei que as modificaram e quaisquer outras disposições em contrário.

Lei Complementar nº 1.078, de 17 de dezembro de 2008

Institui Bonificação por Resultados - BR, no âmbito da Secretaria da Educação, e dá providências correlatas

O governador do estado de São Paulo:

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei complementar:

Artigo 1º - Fica instituída, nos termos desta lei complementar, Bonificação por Resultados - BR, a ser paga aos servidores em efetivo exercício na Secretaria da Educação, decorrente do cumprimento de metas previamente estabelecidas, visando à melhoria e ao aprimoramento da qualidade do ensino público.

Artigo 2º - A Bonificação por Resultados - BR constitui, nos termos desta lei complementar, prestação pecuniária eventual, desvinculada dos vencimentos ou do salário do servidor, que a perceberá de acordo com o cumprimento de metas fixadas pela Administração.

§ 1º - A Bonificação por Resultados - BR não integra nem se incorpora aos vencimentos, salários, proventos ou pensões para nenhum efeito e não será considerada para cálculo de qualquer vantagem pecuniária ou benefício, não incidindo sobre a mesma os descontos previdenciários e de assistência médica.

§ 2º - A Bonificação por Resultados - BR não será considerada para fins de determinação do limite a que se refere o inciso XII do artigo 115 da Constituição Estadual.

Artigo 3º - A Bonificação por Resultados - BR será paga na proporção direta do cumprimento das metas definidas para a unidade de ensino ou administrativa onde o servidor estiver desempenhando suas funções, observados os artigos 8º, 9º e 10 desta lei complementar.

§ 1º - Para os fins do disposto no “caput” deste artigo, as unidades de ensino e administrativas serão submetidas à avaliação destinada a apurar os resultados obtidos em cada período, de acordo com os indicadores e metas referidos nos artigos 4º a 7º desta lei complementar.

§ 2º - As metas deverão evoluir positivamente em relação aos mesmos indicadores do período imediatamente anterior ao de sua definição, excluídas alterações de ordem conjuntural que independam da ação do Estado, na forma a ser disciplinada em resolução do Secretário da Educação.

Artigo 4º - Para fins de aplicação do disposto nesta lei complementar, considera-se:

I - indicador:

a) global: índice utilizado para definir e medir o desempenho de toda a Secretaria da Educação;

b) específico: índice utilizado para definir e medir o desempenho de uma ou mais unidades de ensino ou administrativas;

II - meta: valor a ser alcançado em cada um dos indicadores, globais ou específicos, em determinado período de tempo; III - índice de cumprimento de metas: a relação percentual estabelecida entre o valor efetivamente alcançado no processo de avaliação e a meta fixada;

IV - índice agregado de cumprimento de metas: a consolidação dos índices de que trata o inciso III deste artigo, conforme critérios a serem estabelecidos por comissão intersecretarial, na forma do artigo 6º desta lei complementar, podendo ser adotados pesos diferentes para as diversas metas;

V - retribuição mensal: a retribuição pecuniária mensal efetivamente percebida e em caráter permanente pelo servidor, durante o período de avaliação, excetuados os valores referentes ao abono de permanência, acréscimo de um terço de férias, décimo terceiro salário, salário-família, salário-esposa, adicional de insalubridade e periculosidade, adicional noturno, auxílio-transporte, adicional de transporte, diárias, diária de alimentação, ajuda de custo para alimentação, reembolso de regime de quilometragem, gratificação pela participação em órgãos de deliberação coletiva, prestação de serviço extraordinário, vantagens pecuniárias de caráter indenizatório, Bonificação por Resultados - BR e outras vantagens de mesma natureza, bem como os valores referentes ao atraso no pagamento de qualquer das verbas referidas neste inciso, do exercício corrente e de anteriores;

VI - dias de efetivo exercício: os dias do período de avaliação em que o servidor tenha exercido regularmente suas funções, desconsiderada toda e qualquer ausência, à exceção das que se verificarem em virtude de férias, licença à gestante, licença-paternidade e licença por adoção;

VII - índice de dias de efetivo exercício: a relação percentual estabelecida entre os dias de efetivo exercício a que se refere o inciso VI deste artigo e o total de dias do período de avaliação em que o servidor deveria ter exercido regularmente suas funções.

Artigo 5º - A avaliação de resultados a que se refere o § 1º do artigo 3º desta lei complementar será baseada em indicadores que deverão refletir o desempenho institucional no sentido da melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, podendo considerar, quando for o caso, indicadores de desenvolvimento gerencial e de absenteísmo.

Parágrafo único - Os indicadores a que se refere o “caput” deste artigo serão definidos para períodos determinados, observados os critérios de:

1 - alinhamento com os objetivos estratégicos da Secretaria da Educação;

2 - comparabilidade ao longo do tempo;

3 - mensuração objetiva e apuração a partir de informações previamente existentes;

4 - publicidade e transparência na apuração.

Artigo 6º - Os indicadores globais e seus critérios de apuração e avaliação, bem como as metas de toda a Secretaria da Educação, serão definidos mediante proposta do Secretário da Educação, por comissão intersecretarial, a ser constituída em decreto, integrada pelos Titulares das seguintes Pastas:

I - Secretaria da Casa Civil, que presidirá a comissão;

II - Secretaria da Fazenda;

III - Secretaria de Economia e Planejamento;

IV - Secretaria de Gestão Pública.

Artigo 7º - Cabe ao Secretário da Educação a definição de indicadores específicos e seus critérios de apuração e avaliação, bem como as metas de cada unidade de ensino e administrativa.

§ 1º - Os indicadores, critérios e metas das unidades de ensino e administrativas deverão estar alinhados com os definidos para toda a Secretaria da Educação.

§ 2º - Dar-se-á ampla publicidade às informações utilizadas para a definição e apuração das metas referidas no “caput” deste artigo. Artigo 8º - A avaliação de que trata o § 1º do artigo 3º desta lei complementar será realizada em periodicidade não superior a um ano, sendo facultada a sua realização em períodos menores e distintos entre as unidades de ensino e administrativas, quando for o caso.

§ 1º - O período de avaliação será definido pelo Secretário da Educação.

§ 2º - As regras para a interposição de recursos sobre os resultados obtidos pela unidade de ensino ou administrativa no processo de avaliação, seu julgamento e demais providências serão estabelecidas por resolução do Secretário da Educação. § 3º - Independente da periodicidade da avaliação relativa à Bonificação por Resultados - BR, o Secretário da Educação poderá determinar avaliações de acompanhamento em períodos inferiores, para fins de ajuste ou correção de trajetória institucional. Artigo 9º - O valor da Bonificação por Resultados - BR, a ser pago anualmente, será calculado sobre até 20% (vinte por cento) do somatório da retribuição mensal do servidor relativo ao período de avaliação, multiplicado pelo:

I - índice agregado de cumprimento de metas específicas obtido pela unidade de ensino ou administrativa; e

II - índice de dias de efetivo exercício.

§ 1º - O montante total a ser despendido com o pagamento da Bonificação por Resultados - BR poderá superar o limite a que se refere o “caput” deste artigo, respeitada a dotação orçamentária, conforme resolução conjunta a ser editada por comissão intersecretarial, na forma do artigo 6º desta lei complementar, em função dos resultados globais obtidos nos períodos de avaliação, devendo o valor a ser pago ao servidor obedecer ao disposto nos incisos I e II deste artigo.

§ 2º - Os servidores de unidades de ensino ou administrativas cujo índice de cumprimento de metas específicas for superior às metas definidas poderão receber um adicional de até 20% (vinte por cento) do valor da Bonificação por Resultados - BR, conforme resolução conjunta a ser editada por comissão intersecretarial, na forma do artigo 6º desta lei complementar.

§ 3º - A Bonificação por Resultados - BR será paga em até 2 (duas) parcelas, durante o ano seguinte ao do término do período de avaliação.

Artigo 10 - A Bonificação por Resultados - BR será paga ao servidor que tenha participado do processo para cumprimento das metas em pelo menos 2/3 (dois terços) do período de avaliação.

§ 1º - Os servidores transferidos ou afastados durante o período de avaliação farão jus à Bonificação por Resultados - BR, proporcionalmente aos dias de efetivo exercício na Secretaria da Educação, desde que cumprido o tempo mínimo de participação previsto no “caput” deste artigo.

§ 2º - Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo aos servidores que passarem a ter efetivo exercício na Secretaria da Educação durante o período de avaliação, inclusive na hipótese de afastamento de órgãos, entidades ou Poderes, de qualquer dos entes federativos.

§ 3º - O servidor afastado com fundamento na Lei Complementar nº 343, de 6 de janeiro de 1984, fará jus à Bonificação por Resultados - BR, de que trata esta lei complementar, nos termos a serem definidos em decreto.

Artigo 11 - Os servidores pertencentes aos quadros de pessoal da Secretaria da Educação afastados para os fins do Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município farão jus à Bonificação por Resultados - BR, desde que as escolas ou os municípios destinatários do afastamento participem do sistema de avaliação, nos termos desta lei complementar e de sua regulamentação.

Parágrafo único - Até a adesão das escolas ou municípios ao sistema de avaliação, os servidores de que trata o “caput” deste artigo poderão receber a Bonificação por Resultados - BR, conforme definido em decreto.

Artigo 12 - É vedado o pagamento da Bonificação por Resultados - BR, nos termos desta lei complementar, aos:

I - servidores que percebam vantagens de mesma natureza;

II - servidores da Secretaria de Educação afastados para outros órgãos, entidades ou Poderes, de qualquer dos entes federativos, salvo nas hipóteses previstas nesta lei complementar;

III - aposentados e pensionistas.

Artigo 13 - O Poder Executivo poderá destinar recursos orçamentários adicionais às unidades de ensino e administrativas da Secretaria da Educação que apresentarem maior índice de cumprimento de metas, nos termos desta lei complementar, conforme os resultados obtidos no período de 1 (um) ano de avaliação, como estímulo à contínua melhoria do desempenho institucional.

Parágrafo único - Os recursos orçamentários adicionais de que trata o “caput” deste artigo não poderão ser utilizados para o pagamento de despesas consideradas como de pessoal e encargos sociais.

Artigo 14 - A manipulação de dados e informações com o propósito de alterar o resultado das avaliações previstas nesta lei complementar caracteriza procedimento irregular de natureza grave, a ser apurado mediante procedimento disciplinar, assegurados o direito à ampla defesa e ao contraditório, na forma da lei.

Artigo 15 - As despesas decorrentes da aplicação desta lei complementar correrão à conta das dotações próprias consignadas no orçamento vigente, ficando o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares, se necessário, mediante a utilização de recursos nos termos do artigo 43 da Lei federal nº 4.320, de 17 de março de 1964.

Artigo 16 - Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio dos Bandeirantes, 17 de dezembro de 2008.

Lei Complementar nº 1097, de 27 de outubro de 2009

Institui o sistema de promoção para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências

 

O governador do Estado de São Paulo:

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei complementar:

 Artigo 1º - Fica instituído, nos termos desta lei complementar, o sistema de promoção para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação.

 Artigo 2º - Promoção é a passagem do titular de cargo das classes de docentes, de suporte pedagógico e de suporte pedagógico em extinção, para faixa imediatamente superior da que estiver enquadrado, mediante aprovação em processo de avaliação teórica, prática ou teórica e prática, de conhecimentos específicos, observados os interstícios, os requisitos, a periodicidade e as demais condições previstas nesta lei complementar.

 § 1º - O interstício mínimo para fins de promoção de trata o "caput" deste artigo, computado sempre o tempo de efetivo exercício do servidor, é de 4 (quatro) anos na faixa inicial e de 3 (três) anos nas faixas subsequentes.

 § 2º - Os interstícios serão computados a partir da data:

 1 - do início do exercício no cargo, na faixa inicial;

 2 - da última promoção, nas demais faixas.

 § 3º - Interromper-se-á o interstício a que se refere o § 1º deste artigo quando o servidor estiver em uma das situações previstas nos incisos I a VI do artigo 23 da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997.

 Artigo 3º - Para participar do processo de avaliação de que trata o "caput" do artigo 2º desta lei complementar, o servidor deverá estar classificado na unidade de ensino ou administrativa há pelo menos 80% (oitenta por cento) do tempo fixado como interstício para a promoção a que concorre e somar pelo menos 80% (oitenta por cento) do máximo de pontos possível da tabela de frequência, de acordo com sua assiduidade ao trabalho.

 § 1º - Observado o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 2º desta lei complementar, os critérios para a contagem do tempo de permanência na unidade de ensino ou administrativa e a tabela de frequência serão estabelecidos em decreto, mediante proposta da Secretaria da Educação.

 § 2º - A tabela de frequência estabelecerá pontuação especial para os servidores que não usufruírem de abonos de faltas, a qualquer título, previstos na legislação.

 Artigo 4º - A promoção de que trata esta lei complementar será processada anualmente, produzindo seus efeitos a partir do dia 1º de julho do ano a que corresponder a promoção, salvo no processo de promoção previsto no artigo 2º de suas Disposições Transitórias, cujos efeitos retroagirão a 1º de janeiro de 2010.

 § 1º - Poderá concorrer à promoção o servidor que, no dia 31 de março do ano a que corresponder a promoção:

 1 - esteja em efetivo exercício;

 2 - tenha cumprido o interstício de que trata o §1º do artigo 2º desta lei complementar;

 3 - comprove atender os requisitos de que trata o artigo 3º desta lei complementar.

 § 2º - A abertura do concurso de promoção dar-se-á no mês de maio de cada ano.

 § 3º - O processo de avaliação previsto no "caput" do artigo 2º deverá ser realizado em julho de cada ano.

 § 4º - Observadas as condições estabelecidas nesta lei complementar, poderão ser beneficiados com a promoção até 20% (vinte por cento) do contingente total de integrantes de cada uma das faixas das classes de docentes, suporte pedagógico e suporte pedagógico em extinção, existente na data da abertura de cada processo de promoção. § 5º - Quando o contingente total de integrantes de cada uma das faixas das classes de docentes, suporte pedagógico e suporte pedagógico em extinção for igual ou inferior a 4 (quatro), poderá ser beneficiado com a promoção 1 (um) servidor, desde que atendidas as exigências legais.

 Artigo 5º - Em cada processo de avaliação a que se refere o "caput" do artigo 2º desta lei complementar, observada escala de 0 (zero) a 10 (dez) pontos, será exigido desempenho mínimo para promoção, na seguinte conformidade:

 I - da faixa 1 para faixa 2: 6 (seis) pontos;

II - da faixa 2 para faixa 3: 7 (sete) pontos;

 III - da faixa 3 para faixa 4: 8 (oito) pontos;

 IV - da faixa 4 para faixa 5: 9 (nove) pontos.

 Artigo 6º - Os servidores que atingirem o desempenho mínimo previsto no artigo 5º serão classificados de acordo com os seguintes critérios:

 I - maior pontuação no processo de avaliação;

 II - maior tempo de permanência na unidade de ensino ou administrativa de classificação, considerada a faixa em que concorrer à promoção;

 III - maior pontuação na tabela de frequência de que trata o artigo 3º desta lei complementar.

 § 1º - O servidor que não obtiver classificação suficiente para ser promovido, em relação ao limite fixado no § 4º do artigo 4º desta lei complementar, poderá concorrer às subsequentes promoções para a mesma faixa assegurada:

 1 - a pontuação obtida, sem participar de novas avaliações;

 2 - a maior das pontuações obtidas, caso opte por participar de novas avaliações.

 § 2º - Com a promoção, perdem a validade todos os resultados obtidos pelo servidor em avaliações anteriores.

 Artigo 7º - Na vacância, os cargos pertencentes às classes de docentes e de suporte pedagógico, do Quadro do Magistério, retornarão à faixa e nível iniciais da respectiva classe.

 Artigo 8º - Passam a vigorar com a seguinte redação os dispositivos adiante indicados:

 I - o artigo 3º da Lei Complementar nº 669, de 20 de dezembro de 1991, alterado pelo artigo 1º da Lei Complementar nº 688, de 13 de outubro de 1992:

 "Artigo 3º - O adicional de local de exercício será computado no cálculo do décimo terceiro salário, nos termos do § 2º do artigo 1º da Lei Complementar nº 644, de 26 de dezembro de 1989, das férias, de 1/3 (um terço) de férias e dos proventos de aposentadoria.

 § 1º - Para fins de proventos, o adicional de local de exercício será calculado proporcionalmente, à razão do tempo de contribuição previdenciária sobre a referida vantagem e do tempo de contribuição para aposentadoria.

§ 2º - Sobre o valor do adicional de local de exercício a que se refere esta lei complementar incidirão os descontos previdenciários e de assistência médica devidos." (NR)

 II - o artigo 3º da Lei Complementar nº 679, de 22 de julho de 1992, alterado pelo artigo 43 da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997:

 "Artigo 3º - O adicional de transporte corresponderá:  I - para o Supervisor de Ensino, 20% (vinte por cento) do valor do Nível I, da Faixa 1, da Estrutura II, da Escala de Vencimentos - Classes Suporte Pedagógico;

 II - para o Diretor de Escola, 10% (dez por cento) do valor do Nível I, da Faixa 1, da Estrutura I, da Escala de Vencimentos - Classes Suporte Pedagógico." (NR)

III - o artigo 3º da Lei Complementar nº 687, de 7 de outubro de 1992:

"Artigo 3º - O adicional de local de exercício será computado no cálculo do décimo terceiro salário, nos termos do § 2º do artigo 1º da Lei Complementar nº 644, de 26 de dezembro de 1989, das férias, de 1/3 (um terço) de férias e dos proventos de aposentadoria.

§ 1º - Para fins de proventos, o adicional de local de exercício será calculado proporcionalmente, à razão do tempo de contribuição previdenciária sobre a referida vantagem e do tempo de contribuição para fins de aposentadoria.

§ 2º - Sobre o valor do adicional de local de exercício a que se refere esta lei complementar incidirão os descontos previdenciários e de assistência médica devidos." (NR)

 IV - da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997:

 a) o "caput" do parágrafo único do artigo 20:  "Artigo 20 - .............................................................. Parágrafo único - Fica assegurada a evolução funcional pela via acadêmica por enquadramento automático em níveis retribuitórios superiores da respectiva classe, na faixa em que estiver enquadrado, dispensados quaisquer interstícios, na seguinte conformidade:" (NR)

 b) os artigos 27, 28, 29 e 30:

 "Artigo 27 - O integrante do Quadro do Magistério, quando nomeado para cargo de outra classe da mesma carreira, será enquadrado, na data do exercício, no mesmo nível do seu cargo ou função-atividade de origem e na faixa inicial do novo cargo.

§ 1º - Na aplicação do disposto no "caput" deste artigo, não serão considerados os níveis decorrentes da aplicação da Evolução Funcional de que tratam os artigos 18 a 26 desta lei complementar, quando coincidir o requisito para a evolução obtida e para o provimento do novo cargo.

§ 2º - Na hipótese de o enquadramento do novo cargo resultar em vencimento inferior ao anteriormente percebido, a diferença será paga em código específico a título de vantagem pessoal, com os adicionais temporais e os reajustes gerais devidos.

§ 3º - Nos casos de designação para cargo ou função de outra classe, o integrante da carreira do magistério perceberá o vencimento correspondente à faixa e nível retribuitório inicial da nova classe.

§ 4º - O integrante das classes de docentes, ocupante de função-atividade, que for nomeado para cargo de mesma denominação, será enquadrado no mesmo nível e faixa da função-atividade de origem.

Artigo 28 - Os portadores de curso de nível superior com licenciatura curta serão contratados como Professor Educação Básica I e remunerados pela carga horária cumprida, com base no valor referente ao Nível IV, da Faixa 1, Estrutura I, da Escala de Vencimentos - Classes Docentes, na conformidade do disposto no artigo 35 desta lei complementar.

Artigo 29 - Os portadores de curso de nível superior com licenciatura plena, que atuarem em componente curricular diverso de sua habilitação, e os portadores de diploma de Bacharel, serão contratados como Professor Educação Básica I e remunerados pela carga horária cumprida, com base no valor referente ao Nível IV, da Faixa 1, da Estrutura I, da Escala de Vencimentos - Classes Docentes, na conformidade do disposto no artigo 35 desta lei complementar.

Artigo 30 - Os não portadores de curso de nível superior, que atuarem no ensino fundamental de 5ª a 8ª séries ou no ensino médio, poderão ser admitidos como Professor Educação Básica I e remunerados pela carga horária cumprida, com base no valor referente ao Nível I, da Faixa 1, da Estrutura I, da Escala de Vencimentos - Classes Docentes, na conformidade do disposto no artigo 35 desta lei complementar." (NR)

c) os incisos I e II e parágrafo único do artigo 32:

"Artigo 32 - .............................................................

I - Escala de Vencimentos - Classes Docentes - EV-CD, composta de 2 (duas) Estruturas de Vencimentos, compreendendo:

a) Estrutura I, constituída de 5 (cinco) faixas e 5 (cinco) níveis, aplicável à classe de Professor Educação Básica I;

b) Estrutura II, constituída de 5 (cinco) faixas e 5 (cinco) níveis, aplicável à classe de Professor Educação Básica II;

II - Escala de Vencimentos - Classes Suporte Pedagógico - EV-CSP, composta de 2 (duas) Estruturas de Vencimentos, compreendendo:

a) Estrutura I, constituída de 5 (cinco) faixas e 5 (cinco) níveis, aplicável à classe de Diretor de Escola;

b) Estrutura II, constituída de 5 (cinco) faixas e 5 (cinco) níveis, aplicável à classe de Supervisor de Ensino.

Parágrafo único - Cada classe de docente e de suporte pedagógico é composta de 5 (cinco) níveis e 5 (cinco) faixas de vencimentos, correspondendo o primeiro nível e faixa ao vencimento inicial das classes e os demais níveis e faixas decorrem, respectivamente, de Evolução Funcional e de Promoção." (NR)

d) o artigo 37:

"Artigo 37 - O Professor Educação Básica I que ministrar aulas nas 5ª a 8ª séries do ensino fundamental, na forma prevista no parágrafo único do artigo 6º desta lei complementar, terá a retribuição referente a essas aulas calculada com base no Nível I, Faixa 1, da Estrutura I, da Escala de Vencimentos - Classes Docentes." (NR)

e) os incisos I e II do artigo 2º das Disposições Transitórias:

"Artigo 2º -................................................................

I - Escala de Vencimentos - Classe Docente em Extinção-EV-CDE, constituída de 5 (cinco) faixas e 5 (cinco) níveis, aplicável à classe de Professor II;

 II - Escala de Vencimentos - Classes Suporte Pedagógico em Extinção-EV-CSPE, composta de 2 (duas) Estruturas de Vencimentos, compreendendo:

 a) Estrutura I, constituída de 5 (cinco) faixas e 5 (cinco) níveis, aplicável às classes de Assistente de Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico e Orientador Educacional;

 b) Estrutura II, constituída de 1 (uma) faixa e 5 (cinco) níveis, aplicável à classe de Delegado de Ensino." (NR)

 V - o "caput" do artigo 2º da Lei Complementar nº 1.018, de 15 de outubro de 2007:

 "Artigo 2º - A Gratificação de Função corresponde à importância resultante da aplicação do percentual de 15% (quinze por cento) sobre o Nível I, da Faixa 1, da Estrutura I, da Escala de Vencimentos-Classes de Suporte Pedagógico-EV-CSP, de que trata o artigo 32 da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997, alterada pelo inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 1.053, de 4 de julho de 2008, para jornada de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho e proporcional nos demais casos." (NR)

 Artigo 9º - O enquadramento das classes constantes dos Anexos I e II a que se refere o artigo 1º da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997, fica alterado, respectivamente, na conformidade dos Anexos I e II desta lei complementar.

 Artigo 10 - As Escalas de Vencimentos de que trata o artigo 32 e o artigo 2º das Disposições Transitórias da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997, com alterações posteriores, em decorrência da instituição da promoção de que trata esta lei complementar, ficam fixadas na conformidade do Anexo III que a integra.

 Artigo 11 - O disposto nesta lei complementar aplica-se aos ocupantes de funções-atividades docentes, desde que devidamente habilitados, abrangidos pelo disposto no § 2º do artigo 2º da Lei Complementar nº 1.010, de 1º de junho de 2007, cujo interstício será contado a partir da primeira vinculação à Secretaria de Estado da Educação.

 Artigo 12 - O Poder Executivo regulamentará esta lei complementar.

 Artigo 13 - As despesas decorrentes da aplicação desta lei complementar correrão à conta das dotações próprias consignadas no orçamento da Secretaria da Educação, suplementadas se necessário.

 Artigo 14 - Esta lei complementar e suas disposições transitórias entram em vigor na data de sua publicação, ficando revogados:

 I - o inciso III do artigo 2º das Disposições Transitórias da Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997;

 II - os incisos II e III do artigo 1º da Lei Complementar nº 958, de 13 de setembro de 2004;

 III - o artigo 4º da Lei Complementar nº 1.094, de 16 de julho de 2009.

 Disposições transitórias

 Artigo 1º - Em decorrência do disposto no artigo 9º desta lei complementar ficam os cargos e funções-atividades dos servidores pertencentes ao Quadro do Magistério enquadrados nas faixas estabelecidas nos Anexos I e II desta lei complementar, mantidos os respectivos níveis.

 Parágrafo único - Os títulos dos ocupantes de cargo ou de função-atividade serão apostilados pelas autoridades competentes.

 Artigo 2º - Excepcionalmente, no processo de promoção relativo ao ano de 2010, poderá concorrer à promoção o servidor que, no dia 30 de novembro de 2009, esteja em efetivo exercício e cumpra os interstícios e demais condições estabelecidas nesta lei complementar.

 Parágrafo único - A abertura do concurso de promoção, de que trata o "caput" deste artigo, dar-se-á no mês de janeiro de 2010 e deverá ser homologado até o dia 31 de março de 2010.

Palácio dos Bandeirantes, aos 27 de outubro de 2009.

Deliberação CEE nº 9/97 e indicação CEE nº 8/97

Institui, no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, o regime de progressão

continuada no ensino fundamental

O Conselho Estadual de Educação, com fundamento no artigo 32 da Lei federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no artigo 2º da Lei estadual nº 10.403, de 6 de julho de 1971, e na Indicação CEE nº 8/97,

Delibera:

Artigo 1º - Fica instituído no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo o regime de progressão continuada, no ensino fundamental, com duração de oito anos.

§ 1º - O regime de que trata este artigo pode ser organizado em um ou mais ciclos.

§ 2º - No caso de opção por mais de um ciclo, devem ser adotadas providências para que a transição de um ciclo para outro se faça de forma a garantir a progressão continuada.

§ 3º - O regime de progressão continuada deve garantir a avaliação do processo de ensino-aprendizagem, o qual deve ser objeto de recuperação contínua e paralela, a partir de resultados periódicos parciais e, se necessário, no final de cada período letivo.

Artigo 2º - A idade referencial para matrícula inicial no ensino fundamental será a de sete anos.

(*) Homologada pela Resolução SE de 4.8.97. 821

§ 1º - O mesmo referencial será adaptado para matrícula nas etapas subseqüentes à inicial.

§ 2º - A matrícula do aluno transferido ou oriundo de fora do sistema estadual de ensino será feita tendo como referência a idade, bem como a avaliação de competências, com fundamento nos conteúdos mínimos obrigatórios, nas diretrizes curriculares nacionais e na base nacional comum do currículo, realizada por professor designado pela direção da escola, a qual indicará a necessidade de eventuais estudos de aceleração ou de adaptação, mantida preferencialmente a matrícula no período adequado, em função da idade.

§ 3º - A avaliação de competências poderá indicar, ainda, a necessidade de educação especial, que deverá ser obrigatoriamente proporcionada pelas redes públicas de ensino fundamental.

Artigo 3º - O projeto educacional de implantação do regime de progressão continuada deverá especificar, entre outros aspectos, mecanismos que assegurem:

I - avaliação institucional interna e externa;

II - avaliações da aprendizagem ao longo do processo, conduzindo a uma avaliação contínua e cumulativa da aprendizagem do aluno, de modo a permitir a apreciação de seu desempenho em todo o ciclo;

III - atividades de reforço e de recuperação paralelas e contínuas ao longo do processo e, se necessárias, ao final de ciclo ou nível;

IV - meios alternativos de adaptação, de reforço, de reclassificação, de avanço, de reconhecimento, de aproveitamento e de aceleração de estudos;

V - indicadores de desempenho;

VI - controle da freqüência dos alunos;

VII - contínua melhoria do ensino;

VIII - forma de implantação, implementação e avaliação do projeto;

IX - dispositivos regimentais adequados;

X - articulação com as famílias no acompanhamento do aluno ao longo do processo, fornecendo-lhes informações sistemáticas sobre freqüência e aproveitamento escolar.

§ 1º - Os projetos educacionais da Secretaria Estadual de Educação e das instituições de ensino que contem com supervisão delegada serão apreciados pelo Conselho Estadual de Educação.

§ 2º - Os projetos educacionais dos estabelecimentos particulares de ensino serão apreciados pela respectiva Delegacia de Ensino.

§ 3º - Os estabelecimentos de ensino de municípios que tenham organizado seu sistema de ensino terão seu projeto educacional apreciado pelo respectivo Conselho de Educação, devendo os demais encaminhar seus projetos à apreciação da respectiva Delegacia de Ensino do Estado.

Artigo 4º - Com o fim de garantir a freqüência mínima de 75% por parte de todos os alunos, as escolas de ensino fundamental devem, além daquelas a serem adotadas no âmbito do próprio estabelecimento de ensino, tomar as seguintes providências:

I - alertar e manter informados os pais quanto às suas responsabilidades no tocante à educação dos filhos, inclusive no que se refere à frequência dos mesmos;

II - tomar as providências cabíveis, no âmbito da escola, junto aos alunos faltosos e respectivos professores; III - encaminhar a relação dos alunos que excederem o limite de 25% de faltas às respectivas Delegacias de Ensino, para que estas solicitem a devida colaboração do Ministério Público, dos Conselhos Tutelares e do CONDECA.

Artigo 5º - Cabe à supervisão de ensino do sistema orientar e acompanhar a elaboração e a execução da proposta educacional dos estabelecimentos de ensino, verificando periodicamente os casos especiais previstos nos parágrafos 2º e 3º do artigo 2º.

Artigo 6º - Esta Deliberação entra em vigor na data de sua homologação e publicação, revogadas as disposições em contrário.

Deliberação plenária

O Conselho Estadual de Educação aprova, por unanimidade, a presente Deliberação.

ANEXO:

Indicação CEE Nº 8/97 - Conselho Pleno - Aprovada em 30.7.97

Assunto: Regime de progressão continuada

Interessado: Conselho Estadual de Educação

Relatores: Conselheiros: Francisco Aparecido Cordão e Nacim Walter Chieco

Processo CEE Nº: 119/97

I - relatório

Estamos todos, ainda, analisando as possíveis mudanças e impactos no sistema educacional brasileiro em decorrência da nova Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), promulgada sob o nº 9.394 em 20 de dezembro de 1996. Trata-se de uma lei geral com relativo grau de complexidade, pois, além de fixar princípios gerais, dispõe sobre aspectos da estrutura e do funcionamento da educação escolar no Brasil. Interpenetram-se, portanto, no mesmo texto legal elementos da substância e aspectos do processo educacional. Como qualquer norma legal, a nova LDB está impregnada dos atuais anseios e aspirações da sociedade. O objetivo da nova lei é regular relações na área da educação. Nesse sentido, pode-se dizer que, em relação à situação atual, apresenta três tipos de dispositivos:

- os que estão sendo simplesmente reafirmados, eventualmente com pequenas alterações, constantes de leis anteriores;

- os reguladores de situações de fato ainda não regulamentadas;

- os referentes a inovações, alguns de aplicação obrigatória outros de caráter facultativo.

Entre as inovações preconizadas na LDB, destacam-se as que se referem a ciclos e a regime de progressão continuada, respectivamente nos parágrafos 1º e 2º do artigo 32, na seção que trata do ensino fundamental no capítulo dedicado à educação básica, que dispõem:

§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.

§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema. (g.n.)

Não se trata, obviamente, de novidade na educação brasileira. As redes públicas de ensino do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo têm uma significativa e positiva experiência de organização do ensino fundamental em ciclos. A nova LDB reconhece legalmente e estimula essa forma de organização que tem relação direta com as questões da avaliação do rendimento escolar e da produtividade dos sistemas de ensino. Trata-se, na verdade, de uma estratégia que contribui para a viabilização da universalização da educação básica, da garantia de acesso e permanência das crianças em idade própria na escola, da regularização do fluxo dos alunos no que se refere à relação idade/série e da melhoria geral da qualidade do ensino. A experiência recente demonstra que é perfeitamente viável uma mudança mais profunda e radical na concepção da avaliação da aprendizagem. A exemplo de outros países parece que já contamos com condições objetivas para a introdução de mecanismo de progressão continuada dos alunos ao longo dos oito anos do ensino fundamental. O atual ciclo básico, formado pelos dois anos iniciais do ensino fundamental, já adotado na rede estadual e a estruturação de todo o ensino fundamental em ciclos experimentada pela Prefeitura de São Paulo constituem sinais evidentes de que tal mecanismo tem condições de ser assimilado e implantado em todo o sistema de ensino do Estado de São Paulo. É óbvio que, com o objetivo de assegurar a qualidade desejada de ensino, é essencial que se realizem contínuas avaliações parciais da aprendizagem e recuperações paralelas durante todos os períodos letivos, e ao final do ensino fundamental para fins de certificação. Trata-se de uma mudança profunda, inovadora e absolutamente urgente e necessária. Um ponto de resistência a uma mudança dessa magnitude poderia ser creditado aos profissionais da educação e às famílias diretamente envolvidas. Mas, as experiências já apontadas da organização em ciclos, demonstram que, atualmente, não é tão presente e forte esse tipo de resistência. De fato, professores, supervisores, administradores e demais especialistas da educação têm demonstrado um elevado grau de compreensão e maturidade quanto aos graves problemas educacionais que nos afligem, entre eles o da repetência e a consequente defasagem idade/série escolar. Este assunto tem sido objeto de manifestações por parte de várias entidades ligadas ao magistério.

A APASE (Sindicato de Supervisores de Ensino do Magistério Oficial no Estado de São Paulo), em documento de 28 de julho de 1997, encaminhado a este Colegiado, manifesta-se sobre o assunto nos seguintes termos:

“No nosso entender, o ‘nó’ da educação está na avaliação ou na verificação do rendimento escolar. A avaliação contínua e cumulativa é o ideal a atingir e, a nosso ver, não seria producente colocarmos obstáculos que impeçam a consecução desse ideal.

Consideramos que o regimento e a proposta pedagógica da escola, de natureza estrutural, devem contemplar todas as formas possíveis de garantia de sucesso aos alunos, através de aprendizagem eficiente e inibidora de retenções. O cumprimento pelos sistemas de ensino, em especial pelos estabelecimentos, da nova LDB, já possibilitará a consecução desse objetivo, se a recuperação contínua e cumulativa for efetivada periodicamente.

No Estado de São Paulo e no Município de São Paulo já foram dados passos tímidos com relação à criação dos ciclos. Ampliar os ciclos para duas etapas no ensino fundamental (1ª a 4ª e 5ª a 8ª séries) é nossa sugestão. No final de cada ciclo a avaliação é necessária. No entanto, que essa avaliação no final de cada ciclo não seja a oportunidade esperada de punição e penalização do aluno, bem como, de restabelecimento de antigos mecanismos de exclusão, como por exemplo, os exames de admissão”.

O que Sérgio da Costa Ribeiro denominou, com muita propriedade, “pedagogia da repetência” não é compatível com a almejada democratização e universalização do ensino fundamental. É preciso erradicar de vez essa perversa distorção da educação brasileira, ou seja, é preciso substituir uma concepção de avaliação escolar punitiva e excludente por uma concepção de avaliação de progresso e de desenvolvimento da aprendizagem. A experiência dos ciclos, tanto na rede estadual quanto na rede municipal de São Paulo, tem demonstrado que a progressão continuada contribui positivamente para a melhoria do processo de ensino e para a obtenção de melhores resultados de aprendizagem.

Uma mudança dessa natureza deve trazer, sem dúvida alguma, benefícios tanto do ponto de vista pedagógico como econômico. Por um lado, o sistema escolar deixará de contribuir para o rebaixamento da auto-estima de elevado contingente de alunos reprovados. Reprovações muitas vezes reincidentes na mesma criança ou jovem, com graves conseqüências para a formação da pessoa, do trabalhador e do cidadão. Por outro lado, a eliminação da retenção escolar e decorrente redução da evasão deve representar uma sensível otimização dos recursos para um maior e melhor atendimento de toda a população. A repetência constitui um pernicioso “ralo” por onde são desperdiçados preciosos recursos financeiros da educação. O custo correspondente a um ano de escolaridade de um aluno reprovado é simplesmente um dinheiro perdido. Desperdício financeiro que, sem dúvida, afeta os investimentos em educação, seja na base física (prédios, salas de aula e equipamentos), seja, principalmente, nos salários dos trabalhadores do ensino. Sem falar do custo material e psicológico por parte do próprio aluno e de sua família.

Ainda da perspectiva de política educacional e social, é sabido que o Brasil precisa, com a maior rapidez possível, elevar os níveis médios de escolaridade dos seus trabalhadores. A educação básica e a qualificação profissional constituem requisitos fundamentais para o crescimento econômico, para a competitividade internacional e, como meta principal, para a melhoria da qualidade de vida da população. Significa dizer que é preciso alterar, com urgência, o perfil do desempenho da educação brasileira representado, graficamente, pela tradicional pirâmide com uma larga base, correspondente à entrada no ensino fundamental, e um progressivo e acentuado estreitamento ao longo dos anos de escolaridade regular. É preciso fazer com que o número de entrada se aproxime o máximo possível do de saída no ensino fundamental, garantindo-se, assim, o princípio contido no inciso I do artigo 3º da LDB: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.

Somente assim estaremos viabilizando o que dispõe a nossa Constituição Federal no seu artigo 208:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

Essa disposição recebe respaldo financeiro com a vinculação constitucional de recursos e é reafirmada no artigo 60, do Ato das disposições constitucionais transitórias, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério.

É sabido, também, que a escala temporal de mudanças mais profundas em educação tem como referência mínima uma década. Aliás, essa é a referência utilizada na LDB no artigo 87 ao instituir a Década da Educação. As mudanças, portanto, precisam ser iniciadas imediatamente para que os resultados venham a ser mais palpáveis, pelo menos, ao final da primeira década do próximo milênio.

A adoção do regime de progressão continuada em ciclo único no ensino fundamental pode vir a representar a inovação mais relevante e positiva na história recente da educação no Estado de São Paulo. Trata-se de uma mudança radical. Em lugar de se procurar os culpados da não aprendizagem nos próprios alunos, ou em suas famílias, ou nos professores, define-se uma via de solução que não seja a pessoal, mas sim a institucional. A escola deve ser chamada a assumir institucionalmente suas responsabilidades pela não aprendizagem dos alunos, em cooperação com outras instituições da sociedade, como, por exemplo, o Ministério Público, os Conselhos Tutelares e o CONDECA - Conselho Estadual (ou Nacional, ou Municipal) dos Direitos da Criança e do Adolescente. Por isso mesmo essa mudança precisará ser muito bem planejada e discutida quanto a sua forma de implantação com toda a comunidade, tanto a educacional quanto a usuária dos serviços educativos.

Todos precisarão estar conscientes de que, no fundo, será uma revisão da concepção e prática atuais do ensino fundamental e da avaliação do rendimento escolar nesse nível de ensino. O ensino fundamental, de acordo com a Constituição Federal e a LDB, é obrigatório, gratuito e constitui direito público subjetivo. Deve ser assegurado pelo Poder Público a quem cumpre oferecê-lo a toda a população, proporcionando as condições necessárias para a sua integralização, sem qualquer embaraço ou obstáculo, ao longo de oito anos ininterruptos. A avaliação deixa de ser um procedimento decisório quanto à aprovação ou reprovação do aluno. A avaliação é o fato pedagógico pelo qual se verifica continuamente o progresso da aprendizagem e se decide se necessário, quanto aos meios alternativos de recuperação ou reforço. A reprovação, como vem ocorrendo até hoje no ensino fundamental, constitui um flagrante desrespeito à pessoa humana, à cidadania e a um direito fundamental de uma sociedade democrática. É preciso varrer da nossa realidade a “pedagogia da repetência” e da exclusão e instaurar definitivamente uma pedagogia da promoção humana e da inclusão. O conceito de reprovação deve ser substituído pelo conceito de aprendizagem progressiva e contínua.

Cumpre assinalar que essa mudança está em perfeita sintonia com o espírito geral da nova LDB assentado em dois grandes eixos: a flexibilidade e a avaliação. A flexibilidade está muito clara nas amplas e ilimitadas possibilidades de organização da educação básica nos termos do artigo 23. Flexíveis, também, são os mecanismos de classificação e reclassificação de alunos, até mesmo “independentemente de escolarização anterior” (§1º do artigo 23 e alínea “c” do inciso II do artigo 24). Pode-se deduzir que a referência básica para a classificação de um aluno, por exemplo na hipótese de transferência, passa a ser a idade. É óbvio que outros mecanismos de avaliação do nível de competência efetiva do aluno e, se necessário, de atendimento especial para adaptação ou recuperação, devem estar associados à referência básica da faixa etária. O que importa realmente é que a conclusão do ensino fundamental torne-se uma regra para todos os jovens aos 14 ou 15 anos de idade, o que significa concretizar a política educacional de proporcionar educação fundamental em oito anos a toda a população paulista na idade própria. Essa mesma política deve estar permanentemente articulada ao compromisso com a contínua melhoria da qualidade do ensino.

O outro eixo da LDB é a avaliação e está presente em inúmeros dispositivos da Lei. Refere-se, fundamentalmente, à avaliação externa de cursos, de instituições de ensino e de sistemas. Tanto o Governo federal como o estadual, através dos respectivos órgãos responsáveis, têm implementado projetos nessa área. Os resultados começam a se fazer sentir, na medida em que são promovidos ajustes e melhorias nos pontos em que foram detectadas deficiências. A rigor, a avaliação externa, como do SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) e do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), sendo permanente e bem estruturada, conduzida com total isenção pelo Poder Público, proporciona à população a transparência necessária quanto à qualidade dos serviços educacionais. A avaliação institucional, interna e externa, deve ser instituída em caráter permanente e deve constituir valioso instrumento para a constante melhoria do ensino no regime de progressão continuada em ciclo único no ensino fundamental. O processo de avaliação em sala de aula deve receber cuidados específicos por parte de professores, diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores de ensino, pois esta avaliação contínua em processo é o eixo que sustenta a eficácia da progressão continuada nas escolas. A equipe escolar deverá ter claros os padrões mínimos de aprendizagem esperada para os seus alunos. Além disso, a proposta deverá também prever e assegurar participação das famílias no acompanhamento do aluno, dentro do regime de progressão continuada, fornecendo-lhes informações sistemáticas sobre sua freqüência e aproveitamento, conforme determinam os incisos VI e VII do artigo 12 da LDB.

É importante registrar que a mudança pretendida conta com a adesão e apoio de amplos setores da comunidade educacional. Não há que se iludir, entretanto, de que não haverá resistências sob a alegação apressada e sem fundamento de que se estará implantando a promoção automática, ou a abolição da reprovação, com consequente rebaixamento da qualidade do ensino. Para minimizar os efeitos perturbadores desse tipo de reação será necessária, antes de mais nada, a formulação de um projeto muito bem estruturado, com ampla participação da comunidade e amplo esclarecimento a toda a população.

À vista dos dados da atual realidade educacional, da experiência positiva dos ciclos e das novas disposições legais na área da educação, cabe ao Conselho Estadual de Educação, como órgão responsável pela formulação de políticas e diretrizes para o sistema de ensino do Estado de São Paulo, propor e articular esforços e ações para a implantação do regime de progressão continuada em ciclo único no ensino fundamental.

A Secretaria de Estado da Educação (SEE), como órgão responsável pela execução das políticas de educação básica e pelo papel de oferta de ensino fundamental em articulação com os Municípios, deve estudar e elaborar projeto para a adoção e implantação da citada proposta na rede pública estadual. Um projeto da SEE com esse teor transcende e, ao mesmo tempo, não deve cercear os projetos pedagógicos específicos de cada escola. Seguramente, a SEE atuará como indutora e estimuladora de mudanças semelhantes nas redes municipais e na rede privada de ensino.

O ciclo único de oito anos pode ser desmembrado, segundo as necessidades e conveniências de cada Município ou escola, em ciclos parciais, como por exemplo, da 1ª à 4ª série e da 5ª à 8ª do ensino fundamental, em consonância com o projeto em curso de reorganização da rede pública estadual. Com as devidas cautelas, porém, para que na transição de um ciclo parcial para o seguinte não se instale um novo “gargalo” ou ponto de exclusão.

Para tanto, ante o exposto, cabe instituir, no sistema de ensino do Estado de São Paulo, o regime de progressão continuada em ciclo único no ensino fundamental na rede pública estadual. Poderá ser contemplada a hipótese de adoção de ciclos parciais, sem descaracterizar o regime de progressão continuada ou de progressão parcial, segundo necessidades e conveniências de cada Município ou escola.

Considerando que, de acordo com o preceito constitucional expresso no artigo 205 da Constituição Federal e reafirmado no artigo 2º da LDB, a educação é dever compartilhado pela família e pelo Estado, recomenda-se que, quanto à freqüência, sempre que necessário, as escolas tomem, em primeiro lugar, providências junto aos alunos faltosos e respectivos professores, bem como junto aos pais ou responsáveis. Em seguida, nos casos não solucionados, a escola deverá recorrer às instâncias superiores, que deverão tomar outras medidas legais previstas no “Estatuto da Criança e do Adolescente”. As escolas deverão encaminhar periodicamente às Delegacias de Ensino relação dos alunos que estejam excedendo o limite de 25% de faltas, para que estas solicitem a colaboração do Ministério Público, dos Conselhos Tutelares e do CONDECA, visando restabelecer e regularizar a frequência. Antes, porém, é fundamental que as escolas alertem as famílias quanto a suas responsabilidades em relação à educação de seus filhos, em especial quanto à observância dos limites de freqüência no ensino fundamental.

No seu âmbito a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo deverá desenvolver ações objetivando a elaboração de projeto para implantação do regime de progressão continuada, devendo nele especificar a forma de implantação e, entre outros aspectos, os mecanismos que assegurem:

• avaliação institucional interna e externa;

• avaliações da aprendizagem ao longo do processo, conduzindo a uma avaliação contínua e cumulativa da aprendizagem do aluno, de modo a permitir a apreciação de seu desempenho em todo o ciclo;

• atividades de reforço e de recuperação paralelas e contínuas ao longo do processo e, se necessárias, ao final de ciclo ou nível;

• meios alternativos de adaptação, de reforço, de reclassificação, de avanço, de reconhecimento, de aproveitamento e de aceleração de estudos;

• indicadores de desempenho;

• controle da frequência dos alunos;

• contínua melhoria do ensino.

• dispositivos regimentais adequados;

• forma de implantação, implementação e avaliação do projeto;

• articulação com as famílias no acompanhamento do aluno ao longo do processo, fornecendo-lhes informações sistemáticas sobre freqüência e aproveitamento escolar.

Os estabelecimentos municipais e os estabelecimentos particulares de ensino, vinculados ao sistema estadual, para adoção do regime de progressão continuada, deverão submeter seus projetos de implantação desse regime à apreciação da respectiva Delegacia de Ensino. As instituições e os estabelecimentos de ensino que contem com supervisão delegada da Secretaria da Educação encaminharão seus projetos ao Conselho Estadual de Educação.

Os Municípios que contem com sistema de ensino devidamente organizado poderão, se assim desejarem, seguir a orientação da presente Indicação.

| |

| |

|Parecer CEE nº 67/1998 |

|Normas regimentais básicas para as escolas estaduais |

| |

|TITULO I |

|Das disposições preliminares |

| |

|Capítulo I |

|Da Caracterização |

|Artigo 1º - As escolas mantidas pelo Poder Público Estadual e administradas pela Secretaria de Estado da Educação, com base nos dispositivos |

|constitucionais vigentes, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitadas as normas |

|regimentais básicas aqui estabelecidas, reger-se-ão por regimento próprio a ser elaborado pela unidade escolar. |

|§ 1º - As unidades escolares ministram ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação profissional, e denominam-se |

|Escolas Estaduais, acrescidas do nome do seu patronímico. |

|§ 2º - Ficam mantidas as denominações dos Centros Estaduais de Educação Supletiva, dos Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do |

|Magistério e dos Centros de Estudos de Línguas. |

|§ 3º - Os níveis, cursos e modalidades de ensino ministrados pela escola deverão ser identificados, em local visível, para conhecimento da |

|população. Artigo 2º - O regimento de cada unidade escolar |

|deverá ser submetido à apreciação do Conselho de Escola e à aprovação da Delegacia de Ensino. |

|Parágrafo único - Em seu regimento, a unidade escolar dará tratamento diferenciado a aspectos administrativos e didáticos que assegurem e preservem |

|o atendimento às suas características e especificidades. |

|Capítulo II |

|Dos Objetivos da Educação Escolar |

|Artigo 3º - A educação escolar, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno |

|desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. |

|Artigo 4º - Os objetivos do ensino devem convergir para os fins mais amplos da educação nacional, expressos na Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de |

|1996. Parágrafo único - Os objetivos |

|da escola, atendendo as suas características e peculiaridades locais, devem constar de seu regimento escolar. |

|Capítulo III |

|Da Organização e Funcionamento da Escola |

|Artigo 5º - As escolas deverão estar organizadas para atender às necessidades sócio-educacionais e de aprendizagem dos alunos em prédios e salas com|

|mobiliário, equipamentos e material didático-pedagógico adequados às diferentes faixas etárias, aos níveis de ensino e aos cursos ministrados. |

|§ 1º - As escolas funcionarão em dois turnos diurnos e um noturno, admitindo-se um terceiro turno diurno apenas aos casos em que o atendimento à |

|demanda escolar assim o exigir. § 2º - Os cursos que funcionam no período noturno terão organização |

|adequada às condições dos alunos. |

|Artigo 6º - Cada escola deverá se organizar de forma a oferecer, no ensino fundamental e médio, carga horária mínima de 800 horas anuais, |

|ministradas em, no mínimo, 200 dias de efetivo trabalho escolar, respeitada a correspondência, quando for adotada a organização semestral. |

|§ 1º - Consideram-se de efetivo trabalho escolar os dias em que forem desenvolvidas atividades regulares de aula ou outras programações |

|didático-pedagógicas planejadas pela escola, desde que contem com a presença de professores e freqüência controlada dos alunos. |

|§ 2º - Para cumprimento da carga horária prevista em lei, o tempo de intervalo entre uma aula e outra, assim como o destinado ao recreio, serão |

|considerados como de atividades escolares e computados na carga horária diária da classe ou, proporcionalmente, na duração da aula de cada |

|disciplina. |

|TÍTULO II |

|Da gestão democrática |

| |

|Capítulo I |

|Dos Princípios  |

|Artigo 7º - A gestão democrática tem por finalidade possibilitar à escola maior grau de autonomia, de forma a garantir o pluralismo de idéias e de |

|concepções pedagógicas, assegurando padrão adequado de qualidade do ensino ministrado. |

|Artigo 8º - O processo de construção da gestão democrática na escola será fortalecido por meio de medidas e ações dos órgãos centrais e locais |

|responsáveis pela administração e supervisão da rede estadual de ensino, mantidos os princípios de coerência, equidade e co-responsabilidade da |

|comunidade escolar na organização e prestação dos serviços educacionais. Artigo 9º - Para melhor |

|consecução de sua finalidade, a gestão democrática na escola far-se-á mediante a: |

|I - participação dos profissionais da escola na elaboração da proposta pedagógica; |

|II - participação dos diferentes segmentos da comunidade escolar- direção, professores, pais, alunos e funcionários- nos processos consultivos e |

|decisórios, através do Conselho de Escola e da associação de pais e mestres: |

|III - autonomia da gestão pedagógica, administrativa e financeira, respeitadas as diretrizes e normas vigentes; |

|IV - transparência nos procedimentos pedagógicos, administrativos e financeiros, garantindo-se a responsabilidade e o zelo comum na manutenção e |

|otimização do uso, aplicação e distribuição adequada dos recursos públicos; |

|V - valorização da escola enquanto espaço privilegiado de execução do processo educacional. Artigo 10 - A autonomia da escola, em seus aspectos |

|administrativos, financeiros e pedagógicos, entendidos como mecanismos de fortalecimento da gestão a serviço da comunidade, será assegurada mediante|

|a: |

|I - capacidade de cada escola, coletivamente, formular, implementar e avaliar sua proposta pedagógica e seu plano de gestão; |

|II - constituição e funcionamento do Conselho de Escola, dos Conselhos de Classe e Série, da Associação de Pais e Mestres e do Grêmio Estudantil; |

|III - participação da comunidade escolar, através do Conselho de Escola, nos processos de escolha ou indicação de profissionais para o exercício de |

|funções, respeitada a legislação vigente; |

|IV - administração dos recursos financeiros, através da elaboração, execução e avaliação do respectivo plano de aplicação, devidamente aprovado |

|pelos órgãos ou instituições escolares competentes, obedecida a legislação específica para gastos e prestação de contas de recursos públicos. |

|Capítulo II |

|Das Instituições Escolares |

|Artigo 11 - As instituições escolares terão a função de aprimorar o processo de construção da autonomia da escola e as relações de convivência intra|

|e extra-escolar. Artigo 12 - A escola contará, no mínimo, com as seguintes instituições escolares |

|criadas por lei específica:  |

|I - Associação de Pais e Mestres; |

|II - Grêmio Estudantil. |

|Parágrafo único - Cabe à direção da escola garantir a articulação da Associação de Pais e Mestres com o Conselho de Escola e criar condições para |

|organização dos alunos no Grêmio Estudantil. Artigo 13 - Todos os bens da escola e de suas instituições juridicamente constituídas serão |

|patrimoniados, sistematicamente atualizados, e cópia de seus registros encaminhados anualmente ao órgão de administração local. |

|Artigo 14 - Outras instituições e associações poderão ser criadas, desde que aprovadas pelo Conselho de Escola e explicitadas no plano de gestão. |

| |

|Capítulo III |

|Dos Colegiados |

|Artigo 15 - As escolas contarão com os seguintes colegiados: |

|I - Conselho de Escola, constituído nos termos da legislação; |

|II - Conselhos de Classe e Série, constituídos nos termos regimentais. |

|Seção I |

|Do Conselho de Escola |

|Artigo 16 - O Conselho de Escola, articulado ao núcleo de direção, constitui-se em colegiado de natureza consultiva e deliberativa, formado por |

|representantes de todos os segmentos da comunidade escolar. |

|Artigo 17 - O Conselho de Escola tomará suas decisões respeitando os princípios e diretrizes da política educacional, da proposta pedagógica da |

|escola e a legislação vigente. Artigo 18 - O Conselho de Escola poderá elaborar seu próprio estatuto e |

|delegar atribuições a comissões e subcomissões, com a finalidade de dinamizar sua atuação e facilitar sua organização. |

|Artigo 19 - A composição e as atribuições do Conselho de Escola estão definidas em legislação específica. |

|Seção II |

|Dos Conselhos de Classe e Série |

|Artigo 20 - Os Conselhos de Classe e Série, enquanto colegiados responsáveis pelo processo coletivo de acompanhamento e avaliação do ensino e da |

|aprendizagem organizar-se-ão de forma a: |

|I - possibilitar a inter-relação entre profissionais e alunos, entre turnos e entre séries e turmas; |

|II - propiciar o debate permanente sobre o processo de ensino e de aprendizagem; |

|III - favorecer a integração e a sequência dos conteúdos curriculares de cada série/classe; |

|IV - orientar o processo de gestão do ensino. Artigo 21 - Os |

|Conselhos de Classe e Série serão constituídos por todos os professores da mesma classe ou série e contarão com a participação de alunos de cada |

|classe, independentemente de sua idade. |

|Artigo 22 - Os Conselhos de Classe e Série deverão se reunir, ordinariamente, uma vez por bimestre, ou quando convocados pelo diretor. |

|Artigo 23 - O regimento escolar disporá sobre a composição, a natureza e as atribuições dos Conselhos de Classe e Série. |

|Capítulo IV |

|Das Normas de Gestão e Convivência  |

|Artigo 24 - As normas de gestão e convivência visam orientar as relações profissionais e interpessoais que ocorrem no âmbito da escola e se |

|fundamentarão em princípios de solidariedade, ética, pluralidade cultural, autonomia e gestão democrática. |

|Artigo 25 - As normas de gestão e convivência, elaboradas com a participação representativa dos envolvidos no processo educativo- pais, alunos, |

|professores e funcionários -, contemplarão, no mínimo: |

|I - os princípios que regem as relações profissionais e interpessoais; |

|II - os direitos e deveres dos participantes do processo educativo; |

|III - as formas de acesso e utilização coletiva dos diferentes ambientes escolares; |

|IV - a responsabilidade individual e coletiva na manutenção de equipamentos, materiais, salas de aula e demais ambientes. |

|Parágrafo único - E escola não poderá fazer solicitações que impeçam a frequência de alunos às atividades escolares ou venham a sujeitá-los à |

|discriminação ou constrangimento de qualquer ordem. |

|Artigo 26 - Nos casos graves de descumprimento de normas será ouvido o Conselho de Escola para aplicação de penalidade, ou para encaminhamento às |

|autoridades competentes. Artigo 27 - Nenhuma penalidade poderá ferir as normas que regulamentam o servidor |

|público, no caso de funcionário, ou o Estatuto da Criança e do Adolescente, no caso de aluno, salvaguardados: |

|I - o direito à ampla defesa e recurso a órgãos superiores, quando for o caso; |

|II - assistência dos pais ou do responsável, no caso de aluno com idade inferior a 18 anos; |

|III - o direito do aluno à continuidade de estudos, no mesmo ou em outro estabelecimento público. |

|Artigo 28 - O regimento da escola explicitará as normas de gestão e convivência entre os diferentes segmentos escolares, bem como as sanções e os |

|recursos cabíveis. |

|Capítulo V |

|Do Plano de Gestão da Escola |

|Artigo 29 - O plano de gestão é o documento traça o perfil da escola, conferindo-lhe identidade própria, na medida em que contempla as intenções |

|comuns de todos os envolvidos, norteia o gerenciamento das ações intra-escolares e operacionaliza a proposta pedagógica. |

|§ 1º - O plano de gestão terá duração quadrienal e contemplará, no mínimo: |

|I - identificação e caracterização da unidade escolar, de sua clientela, de seus recursos físicos, materiais e humanos, bem como dos recursos |

|disponíveis na comunidade local; |

|II - objetivos da escola; |

|III - definição das metas a serem atingidas e das ações a serem desencadeadas; |

|IV - planos dos cursos mantidos pela escola; |

|V - planos de trabalho dos diferentes núcleos que compõem a organização técnico-administrativa da escola; |

|VI - critérios para acompanhamento, controle e avaliação da execução do trabalho realizado pelos diferentes atores do processo educacional. |

|§ 2º -  Anualmente, serão incorporados ao plano de gestão anexos com: |

|I - agrupamento de alunos e sua distribuição por turno, curso, série e turma; |

|II - quadro curricular por curso e série; |

|III - organização das horas de trabalho pedagógica coletivo, explicitando o temário e o cronograma; |

|IV - calendário escolar e demais eventos da escola; |

|V - horário de trabalho e escala de férias dos funcionários; |

|VI - plano de aplicação dos recursos financeiros; |

|VII - projetos especiais. |

|Artigo 30 - O plano de cada curso tem por finalidade garantir a organicidade e a continuidade do curso, e conterá: |

|I - objetivos; |

|II - integração e seqüência dos componentes curriculares; |

|III - síntese dos conteúdos programáticos, como subsídio à elaboração dos planos de ensino; |

|IV - carga horária mínima do curso e dos componentes curriculares; |

|V - plano de estágio profissional, quando for o caso. § 1º - |

|Em se tratando de curso de educação profissional será explicitado o perfil do profissional que se pretende formar. |

|§ 2º - O plano de ensino, elaborado em consonância com o plano de curso, constitui documento da escola e do professor, devendo ser mantido à |

|disposição da direção e supervisão de ensino. Artigo 31 - O plano de gestão será aprovado pelo Conselho de Escola e homologado pelo |

|órgão próprio de supervisão. |

|TÍTULO III |

|Do processo de avaliação |

|Capítulo I |

|Dos Princípios |

|Artigo 32 - A avaliação da escola, no que concerne a sua estrutura, organização, funcionamento e impacto sobre a situação do ensino e da |

|aprendizagem, constitui um dos elementos para reflexão e transformação da prática escolar e terá como princípio o aprimoramento da qualidade do |

|ensino. |

|Artigo 33 - A avaliação interna, processo a ser organizado pela escola, e a avaliação externa, pelos órgãos locais e centrais da administração, |

|serão subsidiadas por procedimentos de observações e registros contínuos e terão por objetivo permitir o acompanhamento: |

|I - sistemático e contínuo do processo de ensino e de aprendizagem, de acordo com os objetivos e metas propostos; |

|II - do desempenho da direção, dos professores, dos alunos e dos demais funcionários nos diferentes momentos do processo educacional; |

|III - da participação efetiva da comunidade escolar nas mais diversas atividades proposta pela escola; |

|IV - da execução do planejamento curricular. |

|Capítulo II |

|Da Avaliação Institucional |

|Artigo 34 - A avaliação institucional será realizada, através de procedimentos internos e externos, objetivando a análise, a orientação e a |

|correção, quando for o caso, dos procedimentos pedagógicos, administrativos e financeiros da escola. |

|Artigo 35 - Os objetivos e procedimentos da avaliação interna serão definidos pelo Conselho de Escola. |

|Artigo 36 - A avaliação externa será realizada pelos diferentes níveis da Administração, de forma contínua e sistemática e em momentos específicos. |

|Artigo 37 - A síntese dos resultados das diferentes avaliações institucionais será consubstanciada em relatórios , a serem apreciados pelo Conselho |

|de Escola e anexados ao plano de gestão escolar, norteando os momentos de planejamento e replanejamento da escola. |

|Capítulo III |

|Da Avaliação do Ensino e da Aprendizagem |

|Artigo 38 - O processo de avaliação do ensino e da aprendizagem será realizado através de procedimentos externos e internos. |

|Artigo 39 - A avaliação externa do rendimento escolar, a ser implantada pela administração, tem por objetivo oferecer indicadores comparativos de |

|desempenho para a tomada de decisões no âmbito da própria escola e nas diferentes esferas do sistema central e local. |

|Artigo 40 - A avaliação interna do processo de ensino e de aprendizagem, responsabilidade da escola, será realizada de forma contínua, cumulativa e |

|sistemática, tendo como um dos seus objetivos o diagnóstico da situação de aprendizagem de cada aluno, em relação à programação curricular prevista |

|e desenvolvida em cada nível e etapa da escolaridade. Artigo 41 - |

|A avaliação interna do processo de ensino e de aprendizagem tem por objetivos: |

|I - diagnosticar e registrar os progressos do aluno e suas dificuldades; |

|II - possibilitar que os alunos auto-avaliem sua aprendizagem; |

|III - orientar o aluno quanto aos esforços necessários para superar as dificuldades; |

|IV - fundamentar as decisões do Conselho de Classe quanto á necessidade de procedimentos paralelos ou intensivos de reforço e recuperação da |

|aprendizagem, de classificação e reclassificação de alunos: |

|V - orientar as atividades de planejamento e replanejamento dos conteúdos curriculares. Artigo 42 - No regimento deverá |

|estar definida a sistemática de avaliação do rendimento do aluno, incluindo a escala adotada pela unidade escolar para expressar os resultados em |

|todos os níveis, cursos e modalidades de ensino. |

|§ 1º - Os registros serão realizados por meio de sínteses bimestrais e finais em cada disciplina e deverão identificar os alunos com rendimento |

|satisfatório ou insatisfatório, qualquer que seja a escala de avaliação adotada pela escola. |

|§ 2º - No calendário escolar deverão estar previstas reuniões bimestrais dos Conselhos de Classe e Série, dos professores, alunos e pais para |

|conhecimento, análise e reflexão sobre os procedimentos de ensino adotados e os resultados de aprendizagem alcançados. |

|TÍTULO IV |

|Da organização e do desenvolvimento do ensino |

|Capítulo I |

|Da Caracterização |

|Artigo 43 - A organização e o desenvolvimento do ensino compreendem o conjunto de medidas voltadas para a consecução dos objetivos estabelecidos na |

|proposta pedagógica da escola, abrangendo: |

|I - níveis, cursos e modalidades de ensino; |

|II - currículos; |

|III - progressão continuada; |

|IV - progressão parcial; |

|V - projetos especiais; |

|VI - estágio profissional. |

|Capítulo II |

|Dos Níveis, Cursos e Modalidades de Ensino |

|Artigo 44 - A escola, em conformidade com seu modelo de organização ministrará: |

|I - ensino fundamental, em regime de progressão continuada, com duração de oito anos, organizado em dois ciclos, sendo que o ciclo I corresponderá |

|ao ensino das quatro primeiras séries e o ciclo II, ao ensino das quatro últimas séries; |

|II - ensino médio, com duração de três anos, sendo que, a critério da escola, poderá ser organizado um ciclo básico correspondente às duas primeiras|

|séries; |

|III - curso normal, de nível médio, destinado à formação de professores de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamental, |

|será organizado em quatro séries anuais ou em duas, após o ensino médio; |

|IV - educação profissional, com cursos de duração prevista em normas específicas, destinados à qualificação profissional ou à formação de técnico em|

|nível médio; |

|V - educação de jovens e adultos, realizada em curso supletivo correspondentes ao ciclo II do ensino fundamental, em regime de progressão |

|continuada, com duração mínima de dois anos, e curso supletivo correspondente ao ensino médio, com duração mínima de um ano letivo e meio ou três |

|semestres letivos; |

|VI - educação especial, para alunos portadores de necessidades especiais de aprendizagem, a ser ministrada a partir de princípios da educação |

|inclusiva e em turmas específicas, quando for o caso. Artigo 45 - A escola poderá adotar, nas quatro últimas séries do ensino fundamental e no |

|ensino médio a organização semestral e, na educação profissional, a modular, desde que o regimento escolar contemple as medidas didáticas e |

|administrativas que assegurem a continuidade de estudos aos alunos. Artigo 46 - A escola poderá instalar outros cursos com a finalidade de atender |

|aos interesses da comunidade local, dentro de suas possibilidades físicas, humanas e financeiras, ou em regime de parceria, desde que não haja |

|prejuízo do atendimento à demanda escolar do ensino fundamental e médio: |

|I - módulos de cursos de educação profissional básica, de organização livre e com duração prevista na proposta da escola, destinados à qualificação |

|para profissões de menor complexidade, com ou sem exigência de estudos anteriores ou concomitantes; |

|II - cursos de educação continuada para treinamento ou capacitação de professores e funcionários, sem prejuízo para as demais atividades escolares. |

|§ 1º - Para cumprimento do disposto neste artigo, a escola poderá firmar ou propor termos de cooperação ou acordos com entidades públicas ou |

|privadas, desde que mantidos os seus objetivos educacionais. |

|§ 2º - Os termos de cooperação ou acordos poderão ser firmados pela direção da escola, ou através de suas instituições jurídicas, ou ainda, pelos |

|órgãos próprios do sistema escolar, sendo que, em qualquer dos casos, deverão ser submetidos à apreciação do Conselho de Escola e à aprovação do |

|órgão competente do sistema. |

|Artigo 47 - A instalação de novos cursos está sujeita à competente autorização dos órgãos centrais ou locais da administração. |

|Artigo 48 - O regimento da unidade escolar disporá sobre os níveis, cursos e modalidades de ensino mantidos. |

|Capítulo III |

|Dos Currículos |

|Artigo 49 - O currículo dos cursos dos diferentes níveis e modalidades de ensino terá uma base nacional comum e uma parte diversificada, observada a|

|legislação específica. Parágrafo único - Excetuam-se os cursos de educação profissional, os cursos supletivos e |

|outros autorizados a partir de proposta do estabelecimento. |

|Capítulo IV |

|Da Progressão Continuada Parte superior do formulário |

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| |

|Artigo 50 - A escola adotará o regime de progressão continuada com a finalidade de garantir a todos o direito público subjetivo de acesso, |

|permanência e sucesso no ensino fundamental. Artigo 51 - A organização do ensino fundamental em dois ciclos favorecerá |

|a progressão bem-sucedida, garantindo atividades de reforço e recuperação aos alunos com dificuldades de aprendizagem, através de novas e |

|diversificadas oportunidades para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de habilidades básicas. |

|Capítulo V |

|Da Progressão Parcial |

|Artigo 52 - A escola adotará o regime de progressão parcial de estudos para alunos do ensino médio, regular ou supletivo, que, após estudos de |

|reforço e recuperação, não apresentarem rendimento escolar satisfatório. |

|§ 1º - O aluno, com rendimento insatisfatório em até 3 componentes curriculares, será classificado na série subsequente , devendo cursar, |

|concomitantemente ou não, esses componentes curriculares; § 2º - O aluno, com rendimento insatisfatório em mais de 3 componentes |

|curriculares será classificado na mesma série, ficando dispensado de cursar os componentes curriculares concluídos com êxito no período letivo |

|anterior. Artigo |

|53- Será admitida a progressão parcial de estudos para alunos da 8ª série do ensino fundamental, regular ou supletivo, desde que sejam asseguradas |

|as condições necessárias à conclusão do ensino fundamental. |

|Artigo 54 - a progressão parcial de estudos poderá ser adotada em cursos de educação profissional, respeitadas as normas específicas de cada curso. |

|Artigo 55 - Os procedimentos adotados para o regime de progressão parcial de estudos serão disciplinados no regimento da escola. |

|Capítulo VI |

|Dos Projetos Especiais |

|Artigo 56 - As escolas poderão desenvolver projetos especiais abrangendo: |

|I - atividades de reforço e recuperação da aprendizagem e orientação de estudos; |

|II - programas especiais de aceleração de estudos para alunos com defasagem idade/série; |

|III - organização e utilização de salas ambiente, de multimeios, de multimídia, de leitura e laboratórios; |

|IV - grupos de estudo e pesquisa; |

|V - cultura e lazer; |

|VI - outros de interesse da comunidade. |

|Parágrafo único - Os projetos especiais, integrados aos objetivos da escola, serão planejados e desenvolvidos por profissionais da escola e |

|aprovados nos termos das normas vigentes. |

|Capítulo VII |

|Do Estágio Profissional |

|Artigo 57 - O estágio profissional, realizado em ambientes específicos, junto a instituições de direito público ou privado, com profissionais |

|devidamente credenciados, será supervisionado por docente e visa assegurar ao aluno as condições necessárias a sua integração no mundo do trabalho. |

|§ 1º- O estágio abrangerá atividades de prática profissional orientada, vivenciadas em situações reais de trabalho e de ensino-aprendizagem com |

|acompanhamento direto de docentes. § 2º - Em se tratando do curso normal, as atividades de prática de ensino |

|abrangerão a aprendizagem de conhecimentos teóricos e experiências docentes, através da execução de projetos de estágio em escolas previamente |

|envolvidas. Artigo 58 - As |

|atividades de prática profissional ou de ensino e de estágio supervisionado poderão ser desenvolvidas no próprio ambiente escolar, desde que a |

|escola, comprovadamente , disponha das condições necessárias ao desenvolvimento das experiências teórico-práticas programadas para a formação |

|profissional pretendida. Artigo 59 - |

|A carga horária, a sistemática, as formas de execução e os procedimentos avaliatórios da prática profissional e do estágio supervisionado serão |

|definidos nos planos de curso. |

|TÍTULO V |

|Da organização técnico-administrativa |

|Capítulo I |

|Da Caracterização  |

|Artigo 60 - A organização técnico-administrativa da escola é de responsabilidade de cada estabelecimento e deverá constar de seu regimento. |

|Parágrafo único - O modelo de organização adotado deverá preservar a flexibilidade necessária para o seu bom funcionamento e estar adequado às |

|características de cada escola, envolvendo a participação de toda comunidade escolar nas tomadas de decisão, no acompanhamento e na avaliação do |

|processo educacional. |

|Artigo 61 - A organização técnico-administrativa da escola abrange: |

|I - Núcleo de Direção; |

|II - Núcleo Técnico-Pedagógico; |

|III - Núcleo Administrativo; |

|IV - Núcleo Operacional; |

|V - Corpo Docente; |

|VI - Corpo Discente. |

|Parágrafo único - Os cargos e funções previstos para as escolas, bem como as atribuições e competências, estão regulamentados em legislação |

|específica. |

|Capítulo II |

|Do Núcleo de Direção |

|Artigo 62 - O núcleo de direção da escola é o centro executivo de planejamento, organização, coordenação, avaliação e integração de todas as |

|atividades desenvolvidas no âmbito da unidade escolar. |

|Parágrafo único - Integram o núcleo de direção o diretor de escola e o vice-diretor. Artigo 63 - A direção da escola |

|exercerá suas funções objetivando garantir: |

|I - a elaboração e a execução da proposta pedagógica; |

|II - a administração do pessoal e dos recursos materiais e financeiros; |

|III - o cumprimento dos dias letivos e horas de aula estabelecidos; |

|IV - a legalidade, a regularidade e a autenticidade da vida escolar dos alunos; |

|V - os meios para o reforço e a recuperação da aprendizagem de alunos; |

|VI - a articulação e integração da escola com as famílias e a comunidade; |

|VII - as informações aos pais ou ao responsável sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica; |

|VIII - a comunicação ao Conselho Tutelar dos casos de maus-tratos envolvendo alunos, assim como de casos de evasão escolar e de reiteradas faltas, |

|antes que estas atinjam o limite de 25% das aulas previstas e dadas. |

|Artigo 64 - Cabe ainda à direção subsidiar os profissionais da escola, em especial os representantes dos diferentes colegiados, no tocante às normas|

|vigentes, e representar aos órgãos superiores da administração, sempre que houver decisão em desacordo com a legislação. |

|Capítulo III |

|Do Núcleo Técnico-Pedagógico |

|Artigo 65 - O núcleo técnico- pedagógico terá a função de proporcionar apoio técnico aos docentes e discentes, relativo a: |

|I - elaboração, desenvolvimento e avaliação da proposta pedagógica: |

|II - coordenação pedagógica; |

|III - supervisão do estágio profissional |

|Capítulo IV |

|Do Núcleo Administrativo |

|Artigo 66 - O núcleo administrativo terá a função de dar apoio ao processo educacional, auxiliando a direção nas atividades relativas a: |

|I - documentação e escrituração escolar e de pessoal; |

|II - organização e atualização de arquivos |

|III - expedição, registro e controle de expedientes; |

|IV - registro e controle de bens patrimoniais, bem como de aquisição, conservação de materiais e de gêneros alimentícios; |

|V - registro e controle de recursos financeiros. |

|Capítulo V |

|Do Núcleo Operacional |

|Artigo 67 - O núcleo operacional terá a função de proporcionar apoio ao conjunto de ações complementares de natureza administrativa e curricular, |

|relativas às atividades de: |

|I - zeladoria, vigilância e atendimento de alunos; |

|II - limpeza, manutenção e conservação das áreas interna e externa do prédio escolar; |

|III - controle, manutenção e conservação de mobiliários, equipamentos e materiais didático-pedagógicos; |

|IV - controle, manutenção, conservação e preparo da merenda escolar. |

|Capítulo VI |

|Do Corpo Docente |

|Artigo 68 - Integram o corpo docente todos os professores da escola, que exercerão suas funções incumbindo-se de: |

|I - participar da elaboração da proposta pedagógica da escola; |

|II - elaborar e cumprir plano de trabalho; |

|III - zelar pela aprendizagem dos alunos; |

|IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; |

|V - cumprir os dias letivos e carga horária de efetivo trabalho escolar, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à |

|avaliação e ao desenvolvimento profissional; |

|VI - colaborar com as atividade de articulação da escola com as famílias e a comunidade. |

|Capítulo VII |

|Do Corpo Discente |

|Artigo 69 - Integram o corpo discente todos os alunos da escola, a quem se garantirá o livre acesso às informações necessárias à sua educação, ao |

|seu desenvolvimento como pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o mundo do trabalho. |

|Título VI |

|Da organização da vida escolar |

|Capítulo I |

|Da caracterização |

|Artigo 70 - A organização da vida escolar implica um conjunto de normas que visam garantir o acesso, a permanência e a progressão nos estudos, bem |

|como a regularidade da vida escolar do aluno, abrangendo, no mínimo, os seguintes aspectos: |

|I - formas de ingresso, classificação e reclassificação; |

|II - frequência e compensação de ausências; |

|III - promoção e recuperação; |

|IV - expedição de documentos de vida escolar. |

|Capítulo II |

|Das formas de ingresso, classificação e reclassificação |

|Artigo 71 - A matrícula na escola será efetuada pelo pai ou responsável ou pelo próprio aluno, quando for o caso, observadas as diretrizes para |

|atendimento da demanda escolar e os seguintes critérios: |

|I - por ingresso, na 1ª série do ensino fundamental , com base apenas na idade; |

|II - por classificação ou reclassificação, a partir da 2ª série do ensino fundamental. Artigo 72 - A classificação |

|ocorrerá : |

|I - por progressão continuada, no ensino fundamental, ao final de cada série durante os ciclos; |

|II - por promoção, ao final do Ciclo I e do Ciclo II do ensino fundamental, e, ao final de cada série ou etapa escolar, para alunos do ensino médio |

|e demais cursos, observadas as normas específicas para cada curso; |

|III - por transferência, para candidatos de outras escolas do País ou do exterior; |

|IV - mediante avaliação feita pela escola para alunos sem comprovação de estudos anteriores, observados o critério de idade e outras exigências |

|específicas do curso. Artigo 73 - A reclassificação do aluno, em série mais avançada, tendo como |

|referência a correspondência idade/série e a avaliação de competências nas matérias da base nacional comum do currículo, em consonância com a |

|proposta pedagógica da escola, ocorrerá a partir de : |

|I - proposta apresentada pelo professor ou professores do aluno, com base nos resultados de avaliação diagnóstica ou da recuperação intensiva; |

|II - solicitação do próprio aluno ou seu responsável mediante requerimento dirigido ao diretor da escola. |

|Artigo 74 - Para o aluno da própria escola, a reclassificação ocorrerá até o final do primeiro bimestre letivo, e para aluno recebido por |

|transferência ou oriundo de país estrangeiro, em qualquer época do período letivo. |

|Artigo 75 - O aluno poderá ser reclassificado, em série mais avançada, com defasagem de conhecimentos ou lacuna curricular de séries anteriores, |

|suprindo-se a defasagem através de atividades de reforço e recuperação, de adaptação de estudos ou pela adoção do regime de progressão parcial, |

|quando se tratar de aluno do ensino médio. |

|Artigo 76 - Em seu regimento, a escola deverá estabelecer os procedimentos para: |

|I - matrícula, classificação e reclassificação de alunos; |

|II - adaptação de estudos; |

|III - avaliação de competências; |

|IV - aproveitamento de estudos. |

|Capítulo III |

|Da frequência e compensação de ausências |

|Artigo 77 - A escola fará controle sistemático de frequência dos alunos às suas atividades escolares e, bimestralmente, adotará as medidas |

|necessárias para que os alunos possam compensar ausências que ultrapassem o limite de 20% do total das aulas dadas ao longo de cada mês letivo. |

|§1º - As atividades de compensação de ausências serão programadas, orientadas e registradas pelo professor da classe ou das disciplinas, com a |

|finalidade de sanar as dificuldades de aprendizagem provocadas por frequência irregular às aulas. |

|§2º - A compensação de ausências não exime a escola de adotar as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, e nem a família e o |

|próprio aluno de justificar suas faltas. Artigo 78 - O controle de frequência será efetuado sobre o total de horas letivas,|

|exigida a frequência mínima de 75% para promoção. |

|Parágrafo único - Poderá ser reclassificado o aluno que, no período letivo anterior, não atingiu a freqüência mínima exigida. |

|Artigo 79 - Os critérios e procedimentos para o controle da frequência e para a compensação de ausências serão disciplinados no regimento da escola.|

| |

|Capítulo IV |

|Da promoção e da recuperação  |

|Artigo 80 - Os critérios para promoção e encaminhamento para atividades de reforço e recuperação, inclusive as intensivas programadas para o período|

|de férias ou recesso escolar, serão disciplinados no regimento da escola. |

|§1º - Todos os alunos terão direito a estudos de reforço e recuperação em todas as disciplinas em que o aproveitamento for considerado |

|insatisfatório. §2º - As atividades de reforço e |

|recuperação serão realizadas, de forma contínua e paralela, ao longo do período letivo, e de forma intensiva, nos recessos ou férias escolares, |

|independentemente do número de disciplinas. |

|§3º - Excepcionalmente, ao término de cada ciclo, admitir-se-á um ano de programação específica de recuperação do ciclo I ou de componentes |

|curriculares do ciclo II, para os alunos que demonstrarem impossibilidade de prosseguir estudos nos ciclo ou nível subsequente. |

|Capítulo V |

|Da expedição de documentos de vida escolar |

|Artigo 81 - Cabe à unidade escolar expedir históricos escolares, declarações de conclusão de série, ciclo ou módulo, diplomas ou certificados de |

|conclusão de curso, com especificações que assegurem a clareza, a regularidade e a autenticidade da vida escolar dos alunos, em conformidade com a |

|legislação vigente. |

|Parágrafo único - A escola poderá, de acordo som sua proposta pedagógica e a organização curricular adotada, expedir declaração ou certificado de |

|competências em áreas específicas do conhecimento. |

|Título VII |

|Das disposições gerais |

|Artigo 82 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas e será ministrado, no ensino |

|fundamental, de acordo com as normas do sistema, assegurando-se o respeito à diversidade cultural religiosa, vedadas quaisquer que formas de |

|proselitismo. Artigo 83 - A escola manterá à disposição dos pais e alunos cópia do regimento escolar aprovado. Parágrafo único|

|- No ato da matrícula, a escola fornecerá documento síntese de sua proposta pedagógica, cópia de parte de seu regimento referentes às normas de |

|gestão e convivência, sistemática de avaliação, reforço e recuperação, para conhecimento das famílias. |

|Artigo 84 - Incorporam-se a estas Normas Regimentais Básicas e ao regimento de cada escola estadual as determinações supervenientes oriundas de |

|disposições legais ou de normas baixadas pelos órgãos competentes. |

|Artigo 85 - As presentes normas regimentais básicas entrarão em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos ao início do ano letivo de|

|1998. |

|Título VIII |

|Das disposições transitórias |

|Artigo 86 - Durante o ano letivo de 1998 os resultados da avaliação do rendimento escolar dos alunos serão traduzidos em síntese bimestrais e |

|finais, através das menções A, B, C, expressando rendimento satisfatório, e D e E, rendimento insatisfatório. |

|Artigo 87 - Após a formulação de sua proposta pedagógica, as escolas deverão elaborar o seu regimento escolar e encaminhá-lo para aprovação da |

|Delegacia de Ensino. |

RESOLUÇÃO SE N.º 92/2009, de 8 de dezembro de 2009

Dispõe sobre estudos de recuperação aos alunos do ciclo I do ensino fundamental das escolas da rede pública estadual

O Secretário da Educação, à vista do que lhe representou a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas e considerando: - O respeito à pluralidade dos ritmos e características dos alunos no processo de aprendizagem; - A necessidade de diagnósticos precisos e claros das dificuldades dos alunos no processo de aprendizagem; - A responsabilidade da escola de compartilhar os diagnósticos, atender a pluralidade de demandas e garantir a oferta de diversas oportunidades de aprendizagem; e - A comprovação do aumento das oportunidades de recuperação da aprendizagem quando esta ocorre sob a responsabilidade direta do professor da classe, resolve: Artigo 1º - a partir de 2010, todos os professores do ciclo I, 1º ao 5º ano do ensino fundamental, farão jus a seis horas de trabalho pedagógico, para garantir, de forma continua e imediata, oportunidades de estudos de recuperação, objetivando superar as dificuldades encontradas pelos alunos no processo de escolarização. § 1º - a carga horária de trabalho pedagógico de que trata o caput deste artigo destina-se: a) à atuação direta dos professores em intervenções pedagógicas que superem as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos nas aulas regulares; b) ao acesso a subsídios pedagógicos que auxiliem o professor em sala de aula, propiciando situações didáticas adequadas aos alunos com dificuldades de aprendizagem; c) à avaliação sistemática e regular do processo de recuperação contínua; d) à atuação direta e diversificada dos professores no atendimento das necessidades de aprendizagem dos alunos, individualmente ou em grupos previamente constituídos. § 2º - o atendimento, na forma prevista na alínea “d”, poderá ocorrer com agrupamento de alunos por série, nível de conhecimento, ou por qualquer outra forma pedagogicamente recomendável. Artigo 2º - para atendimento à recuperação contínua, a unidade escolar deverá se reorganizar continuamente de modo a assegurar o desenvolvimento de todos os recursos disponíveis para a recuperação previstos nesta resolução. Artigo 3º - Todo trabalho de recuperação desenvolvido pelos professores, nas aulas a esse fim destinadas, deverá ser programado, documentado e previamente divulgado aos pais. Parágrafo único - Deverão ser lançados, ao final de cada bimestre, nos registros de avaliação dos alunos, os resultados alcançados nos estudos de recuperação. Artigo 4º - Continua vigendo o Projeto Intensivo no Ciclo - PIC. Artigo 5º - Na viabilização das atividades de recuperação dos alunos, caberá ao Diretor e ao Professor Coordenador: a) elaborar, em conjunto com os professores envolvidos, as respectivas propostas, encaminhando-as à Diretoria de Ensino para aprovação, após a devida análise do Supervisor de Ensino e do Professor Coordenador da Oficina Pedagógica responsável pelo Programa “Ler e Escrever”; b) definir, juntamente com o professor responsável pela recuperação, os critérios de agrupamentos de alunos e ou de formação de grupos, a definição do local, período e horário de realização e o encaminhamento de informações aos pais ou responsáveis; c) coordenar, implementar e acompanhar as propostas aprovadas, providenciando as reformulações, quando necessárias; d) disponibilizar ambientes pedagógicos e materiais didáticos que favoreçam o desenvolvimento das atividades propostas; e) informar aos pais as dificuldades apresentadas pelos alunos, bem como a necessidade e objetivo da recuperação, os critérios de encaminhamento e a forma de realização; f) avaliar os resultados alcançados nas propostas implementadas, justificando a necessidade de sua continuidade, quando necessário; g) promover condições que assegurem a participação dos professores responsáveis pela recuperação em ações de orientação técnica desenvolvidas pela Diretoria de Ensino. Artigo 6º - As turmas e as matrículas dos alunos encaminhadas para recuperação paralela serão cadastradas em opção específica no Sistema de Cadastro de Alunos do Estado de São Paulo. Parágrafo único - As unidades escolares deverão realizar a manutenção sistemática dos registros dos alunos encaminhados à recuperação e lançar, ao final do semestre, o resultado alcançado ao longo dos estudos de recuperação. Artigo 7º - o processo de recuperação contínua criado e implantado pela presente resolução será acompanhado e avaliado pela Diretoria de Ensino, Coordenadorias e Equipe do Ciclo I da CENP. Parágrafo único - a continuidade da presente proposta para os anos seguintes dependerá dos resultados obtidos na avaliação a que está sujeita a proposta, no ano de 2010. Artigo 8º - Os casos omissos na operacionalização das diretrizes estabelecidas pela presente resolução, quando devidamente apresentados e justificados pela Direção e Supervisão de Ensino, serão decididos pelo Dirigente Regional de Ensino, consultada previamente a equipe do Ciclo I da CENP. Artigo 9º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

Instrução Cenp nº 1/2010, de 11 de janeiro de 2010

Dispõe sobre o processo de recuperação de estudos de alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, nas escolas da rede estadual de ensino

1 - da atribuição das aulas: 1.1 - a Resolução SE nº 93/2009 possibilitou que cada escola tenha um ou mais professores de Língua Portuguesa e de Matemática com carga horária específica para apoiar a alunos com dificuldades de aprendizagem e sob diferentes formas de atendimento 1.2 - a carga horária destinada às atividades de recuperação paralela, conforme o que determina o artigo 3º da Resolução SE nº 93/2009, será atribuída, respeitada a classificação no processo de atribuição de aulas em nível de Unidade Escolar e ou de Diretoria de Ensino: 1.2.1 - ao titular de cargo, como carga suplementar, ficando vedada a atribuição para constituição ou ampliação de jornada de trabalho docente. 1.2.2 - ao docente ocupante de função-atividade como carga horária de trabalho; 1.3 - Quando da atribuição das aulas de recuperação os docentes deverão ser alertados sobre as diferentes formas de atendimento aos alunos e que podem exigir um horário distribuído em todos os turnos de funcionamento da escola. 2 - dos critérios de atendimento individual e de grupos de alunos: 2.1- o atendimento individualizado de estudos de recuperação paralela, por se revestir de caráter pontual, transitório e circunstancial somente deverá ocorrer quando a especificidade das dificuldades/necessidades apresentadas pelo aluno o impossibilita de compor, de imediato, os respectivos grupos de estudos, caracterizando-se como um caso especial, que poderá comportar, inclusive, a participação concomitante do aluno nas duas formas de atendimento; 2.2 - o atendimento em grupos deve reunir alunos com dificuldades semelhantes, por classe/série, por ciclo ou por outros critérios; 2.3- em havendo necessidade das aulas de recuperação paralela virem a ser desenvolvidas em local estranho ao âmbito escolar, o atendimento às dificuldades de aprendizagem individualizado somente poderá ocorrer em espaço da própria unidade escolar. 3- do horário de realização das aulas: 3.1- as aulas deverão ser desenvolvidas em horário não coincidente com a frequência do aluno às aulas regulares da classe a que pertence, podendo ser realizadas na pré ou pós aulas, no contra turno ou aos sábados; 3.2 - devido às diferentes formas de atendimento aos alunos o horário das aulas e por consequência do(s) professor (es), deve ser flexível, na medida em que a composição dos grupos ou o trabalho individualizado, pode ou deve ser alterado; 3.3 - em havendo disponibilidade de horário o professor responsável pela recuperação paralela poderá auxiliar o professor da classe nas atividades de recuperação contínua. 4 - da organização, acompanhamento e avaliação da proposta semestral de recuperação paralela 4.1- a proposta de recuperação paralela deve ser feita semestralmente, dadas as características do atendimento, a ser elaborada nos termos do inciso do artigo 8º da Resolução SE nº 93/2009 e encaminhada à Diretoria de Ensino para análise e aprovação; 4.2 - a proposta deverá conter os critérios, requisitos ou procedimentos mínimos que serão observados em todos os atendimentos programados pela escola – individualizados ou em grupos, a serem desenvolvidos ao longo do bimestre, em especial, aqueles relativos: o ao diagnóstico dos alunos encaminhados para recuperação; o ao encaminhamento do aluno para atendimento individualizado e ou para formação de grupos de alunos; o ao processo de acompanhamento da frequência e do aproveitamento do(s) aluno(s) nas aulas de recuperação; o à permanência do aluno nas atividades de recuperação; o à melhoria alcançada pelo aluno demonstrada em sua atuação nas aulas da classe regular; o à metodologia e materiais didáticos e tecnológicos a serem utilizados nas aulas de recuperação; o aos locais e períodos e de realização de aulas de recuperação; o às formas de acompanhamento, pela equipe gestora, do trabalho desenvolvido pelos professores ao longo do semestre, o às formas de divulgação e informação aos pais dos resultados alcançados pelos alunos nos estudos de recuperação; 5. –Das competências e atribuições dos docentes responsáveis pela recuperação 5.1. O docente responsável pela recuperação paralela deverá rotineiramente: * realizar uma avaliação diagnóstica dos alunos encaminhados para recuperação, com vistas a um maior detalhamento das dificuldades apresentadas preliminarmente pelo professor da classe, * utilizar estratégias diversificadas propondo as atividades a serem vivenciadas pelos alunos, sugeridas no material de apoio, como também usar os materiais disponíveis na Sala Ambiente de Informática da escola; * encaminhar, ao final do período em que o aluno esteve submetido a estudos de recuperação, os resultados alcançados; * cuidar dos registros das atividades desenvolvidas com os alunos, em especial, apresentando relatório circunstanciado quando se tratar de atendimento individualizado; * participar do Conselho de Classe apresentando os avanços conquistados pelos alunos nas atividades de recuperação paralela 5.2. Independentemente do período e número de classes ou alunos encaminhados para recuperação, o horário das aulas de recuperação deverá ser elaborado de forma a contemplar no, caso de escolas com até 15 (quinze) classes, o mínimo três dias por semana, desde que assegurado o atendimento aos alunos.

Parte

específica

Geografia

Bibliografia

Livros e artigos

Aziz Absaber: Os domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas

Potencialidades: paisagens brasileiras A paisagem é a herança (de processos fisiográficos e biológicos) e patrimônio coletivo dos povos que as herdam. É o território de atuação das suas comunidades. 1. Os grandes domínios paisagísticos brasileiros O território brasileiro apresenta um mostruário complexo de paisagens ecológicas do mundo tropical. Existem seis grandes domínios paisagísticos. Quatro são intertropicais e dois subtropicais: 1) Terras baixas florestadas da Amazônia. 2) As depressões interplanálticas. 3) Os 'mares de morros". 4) Os chapadões cobertos por cerrados e penetrados por florestas galerias. 5) Os planaltos das Araucárias. 6) Domínios das pradarias mistas. 2. "Mares de monros", cerrados e caatingas: Geomorfologia comparada Existem, grosso modo, três imensos domínios morfocIimáticos. São recobertos por três das principais províncias fitogeográficas do mundo tropical: 1) Domínio das regiões serranas, de morros mame/anares do Sudeste: Uma área de climas tropicais e subtropicais úmidos. Inclui a zona da mata, atingindo o sul e a parte oriental do Brasil. 2) Domínio dos chapadões tropicais do Brasil Central: Área sub-quente. de regime pluviométrico e duas estações (verões chuvosos e invernos secos). Presente na zona dos cerrados e florestas galerias. 3) Domínios das depressões intermontanas e interplanálticas do Nordeste semi-árido: É a área subequatorial e tropical semi-árida. Abrange a zona das caatingas. 3. Nos vastos espaços dos cerrados Nas áreas de cerrados (muito destruídas, atualmente, pela ação antrópica), existiam florestas baixas, de troncos finos e esguios. As principais regiões que sofreram as alterações foram: Triângulo Mineiro, Mato Grosso (sentido leste-oeste e sul-norte) e o centro de Goiás. Os cerrados, também chamados de campos cerrados, formam um conjunto semelhante aos cerradões. Os climas apresentam o mesmo regime: as temperaturas apresentam médias anuais mínimas entre 20 e 22"C e máximas entre 24 a 26OC. A umidade do ar atinge níveis muito baixos no inverno e muito elevados no verão. A aparência xeromórfica de muitas espécies do cerrado é falsa: trata-se de um pseudoxeromorfismo. A combinação de fatores físicos, ecológicos e bióticos que caracterizam o cerrado é, na aparência, homogênea, extensível a grandes espaços. É uma área formada não apenas por chapadões, mas trata-se de um domínio morfoclimático onde ocorre a maior extensividade de formas homogêneas relativas de todo o Planalto Brasileiro (Planalto Central). Durante um longo período geológico (de 12 a 18 mil anos), as principais mudan­ças ocorridas foram: - O conjunto de cerrados, no Planalto Central, era menor e menos continuo. - Chapadas areníticas, de Urucaia, tiveram climas secos. cerrados degradados, estepes ou manchas de caatingas. - Catingas predominavam no norte das bordas acidentadas (região de Brasília). - No extremo sul de Mato Grosso, onde existem campos de vacaria, ocorriam sub-estepes e campos limpos, com climas mais frios e secos. - Onde ocorrem as Matas de Dourados, deveriam ocorrer bosques subtropicais. - Os cerradões formam um patrimônio biológico arcaico. Quando degredados por ações antrópicas, não se refazem facilmente e não se recompõe. Os cerrados, por sua vez, foram deles originados e resistem às ações antrópicas. 4. Domínio Tropical Atlântico No conjunto do território intertropical e subtropical brasileiro destaca-se o contí­nuo norte-sul das Matas Atlânticas, na categoria de segundo complexo principal. Originalmente, cobria o sudeste do Rio Grande do Norte e o sudeste de Santa Catarina, incluindo três enclaves: as matas biodiversas da Serra Gaúcha, as florestas de Iguaçu e as do extremo oeste dos planaltos paranaenses. As florestas tropicais costeiras formam áreas de transição com as áreas de caa­tingas, cerrados, cerradões campestres e planaltos de araucárias. Uma das mais famosas áreas de transição entre a zona da mata e os sertões é conhecida corno 'agreste'. As matas tropicais estão associadas às altas temperaturas e forte umidade (exemplo: Serra do ltapanhaú, em Bertioga, com índices pluviométricos superiores a 4.500 mm anuais Atingem a linha da costa, cobrindo tabuleiros no Nordeste, esporões e costões na Serra do Mar (pães-de-açúcar, penedos e pontões rochosos). Entre as matas tropicais e o litoral, destacam-se formações de restingas (faixas arenosas com cobertura floristica). Minas Gerais (Vale do Rio Doce, Serra do Mar e Mantiqueira - área típica de mares de morro) recebe a denominação de Zona da Mata Mineira. Em São Paulo, às matas tropicais penetram o interior dos planaltos, onde for­mam mosaicos e matas em solos calcários e de terras roxas. Apare­cem penetrações de araucárias nas grandes altitudes da Serra da Mantiqueira e no Planalto da Bocaina. Na Serra do Jardim (em Valinhas, Vinhedo) nos altos da Serra do Japi (em Jundiaí), nos campos e matacões (em Salto e ltu) e na Serra de São Francisco (em Rio Claro), ocorrem mini-redutos de cactáceas e bromélias. Por fim, é necessário registrar as matas tropicais densas do norte do Paraná em dois trechos: no Pontal do Paranapanema e no litoral, com penetrações na faixa ocidental de Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, há a ocorrência de planaltos no norte gaúcho e na Serra Gaúcha (Aparados). O domínio dos mares de morros constitui um fator para o conhecimento rnoriogenético das áreas intertropicais. 5. Amazônia brasileira: um macrodomínio A Amazônia destaca-se pela continuidade de suas florestas, pela ordem de gran­deza de sua principal rede hidrográfica e pela variação de seus ecossistemas; tanto em nível regional corno de altitude. Trata-se do cinturão de maior diversidade biológica do planeta. Tem um domínio permanente da massa de ar úmido, de grande nebulosidade, de baixa amplitude térmica e de ausência de pronunciadas estações secas em quase todos os seis subespaços regionais. Nas áreas periféricas, observa-se forte sazonalidade incluindo a 'triagem, que vai desde o oeste de Rondônia até o Acre. Essa quantidade de água, na Amazô­nia, é resultado direto da excepcional pluviosidade: a bacia Amazônia corresponde a 20% da água doce do planeta. Os critérios populares para a classificação da malha hidrográfica têm valor cien­tífico: as cores dos rios, a ordem de grandeza dos cursos d'água, sua largura, volume e posição fisiográfica, assim como o sentido, continuidade e duplicidade da correnteza. As imagens de satélites apontam uma visualização mais completa e integrada do caótico quadro de produção de espaços antrópicos sobre a natureza da região. Várias atividades são responsáveis pela devastação da Amazônia: fracas­sos agropecuários, rodovias, loteamentos de espaços silvestres com ausência administrativa, derrubadas e queimadas. 6. Caatinga: o domínio dos sertões secos O domínio das caatingas é um dos três espaços semi-áridos da América do Sul. A caatinga é a área seca mais homogênea do ponto de vista fisiográfico, ecológico e social. As razões da existência de um grande espaço semi-árido, insulado num quadrante de um continente predominantemente úmido, são complexas. Os rios do Nordeste chegam ao mar (são exorreicos); são intermitentes, periódi­cos, com solos salinizados (Rio Grande do Norte: estuários assoreados para a produção de sal) e depende das condições climáticas. Poucos rios são perenes (rios que vêm de longe) como o São Francisco ("Velho Chico", "Nilo Caboclo. ou 'Brasileiro') e o Parnaíba (entre o Maranhão e Piauí). A população se concentra nas áreas de maior umidade: entre o sertão, uma área de criação extensiva de gado, e o agreste, terras para a criação de caprinos (produção de leite) e sequeiros, plantas forrageiras como milho, feijão e mandioca. Essa região teve fortes fluxos de migração entre 1950, 1960 e 1970. Tem um comércio intenso no interior, representado por grandes feiras: Caruaru, Feira de Santa na, Juazeiro do Norte e outras. A iniciativa estatal foi de grande importância para a economia e sociedade nor­destinas. Houve a construção de grandes usinas hidrelétricas, estímulos à in­dustrialização, programas de açudagem, irrigação, perfuração de poços, irriga­ção das áreas de sequeiros e revisão dos lençóis d'água. 7. Planaltos de Araucárias e pradarias mistas O Brasil Meridional é uma área onde a tropicalidade se perde. Área de cobertura vegetal, com bosques de araucárias e climas temperados e úmidos, principalmente nas grandes altitudes planálticas. Tem rios perenes com dois períodos de cheias. Ao lado dessa cobertura vegetal, aparecem formações de cerrados, matas tropicais e pradarias mistas. Para entender a geologia e a geomorfologia do sul do Brasil, é necessário partir do perfil leste-oeste dos três estados do sul do Brasil: 1) Primeiro Planalto: Área cristalina que acompanha o Atlântico (Planalto do Paraná, Serra Geral e Aparados). 2) Segundo Planalto: .Área sedimentar com depressões e chapadões. Possui áreas carboníferas em Santa Catarina, Uruçanga, Criciúma, Lauro Múller e coli­nas do baixo Jacui (no Rio Grande do Sul). Formações uniformes, como é o caso de Vila Velha, no Paraná. 3) Terceiro Planalto: Área de solos sedimentares (arenito) e vulcânicos (basaltos); região de cuestas e solos de terra roxa. No Rio Grande do Sul, aparecem colinas onduladas conhecidas como coxilhas, formando a Campanha Gaúcha. O povoamento do sul do país compõe um capitulo á parte:- Colonização alemã: desde o Vale dos Rios dos Sinos até os sopés das serranias, rincões de Nova Petrópolis, Canela e Gramado. Em Santa Catarina, no Vale do rio ltajaí-Açu. - Colonização italiana: região dos vinhedos (Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Farroupilha), dirigindo-se também para o oeste e norte do Rio Grande do Sul e para o oeste de Santa Catarina e do Paraná (Luso-brasileiros), de Laguna até a região costeira, indo também para a barra da Lagoa dos Patos (Colônia de Sacramento). Açorianos colonizaram as coxilhas da depressão de Porto Alegre até o rio Pardo e Santa Maria, destaque para a região metropolitana de Porto Alegre (Porto dos Casais), importante centro cultural universitário, industrial e porto fluvial 8. O Domínio dos cerrados Paisagem que domina grande parte do Brasil Central, também ocorre em Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Piauí, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Pará. Apresenta uma vegetação típica e um clima tropical úmido e seco. É o segundo maior bioma do Brasil. Possui vários aspectos fisionômicos: árvores (cerradões), cerrados e campos sujos (vegetação arbustiva e herbácea). Vegetação com variedade de espécies: árvores de troncos finos, retorcidos e de cascas grossas (cortiça). A densidade da drenagem nessa região é baixa (o Planalto Central é o divisar d'água). Os rios são perenes, do tipo fluvial tropical (cheias de verão e vazantes de inverno). Os componentes de relevo na área central dos cerrados são produtos de condicionantes climáticos. Quanto ao relevo, o Planalto Central é a principal unidade geomorfológica, com­posto por terrenos cristalinos (erodidos) e sedimentares (chapadas e chapadões). Nesse domínio, em função da existência de solos ácidos, sempre prevalece a prática da pecuária extensiva para o corte, o que determina um grande desmatamento para a formação de pastagens. Recentemente, verifica-se a correção dos solos ácidos (calagem) e o inicio de uma atividade agrícola mais intensa (soja, milho, tomate, laranja). Ao sul desse domínio, observa-se a existência de solos mais férteis (terra roxa), com intensa atividade agrícola (região de Dourados e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul). Além das atividades agrárias e da pecuária extensiva, a expansão urbana e a construção de rodovias e ferrovias contribuem para a ocupação irregular dos cerrados. É necessário observar três diretrizes básicas para conciliar desenvolvimento e proteção dos patrimônios genéticos: 1) Exigir a preservação dos cerrados e cerradões localizados nas áreas eleva­das dos interflúvios (bancos genéticos). 2) Preservação de faixas de cerrados e campestres nas baixas vertentes dos chapadões. 3) Congelamento total do uso dos solos que se encontram nas faixas de matas de galeria, com vistas á preservação múltipla das faixas aluviais florestadas, as­sim como das veredas existentes á sua margem. 9. Domínio da natureza e famílias de ecossistemas O conceito de ecossistema foi introduzido na Ciência por Arthur Tansley, em 1935. É o sistema ecológico de uma região, que envolve fatores abióticos e bióticos do local. O termo "bioma" passou a ser utilizado por biólogos de vários países, ás vezes se confundindo com o termo ecossistema. Começou a ser usado com superficialidade e se desdobrou em conceitos de maior aplicabilidade e versatilidade: Bioma, zonobioma, psamobioma, helobioma e rupreste bioma. No Brasil, os biólogos deram preferência ao termo bioma, notadamente rupestre bioma. Em 1968, George Bertrand publicou uma tipologia de espaços naturais, desdobrada em zonas de paisagens ecológicas, domínios (macro) regionais de natureza e regiões diferenciadas (intradomínios). Agregam-se três termos na tentativa de substituir os termos ecossistemas / biomas: geossitemas, geofáceis e geótipo. Anexos I. Relictos, Redutos e Refúgios (os caprichos da natureza e a capacidade evocadora da terminologia cientifica) Em linguagem simbólica usamos expressões conceituais para designar "ilhas" de vegetação: relictos, enclaves, redutos e refúgios. - Relictos: Aplicada para designar qualquer espécie vegetal. Encontrada em uma localidade específica e circundada por vários trechos de outros ecossistemas. - Enclave, redutos e refúgios: Manchas de ecossistemas típicos de outras pro­víncias, encravadas no interior de um domínio de natureza diferente - refletem a dinâmica de mudanças climáticas e paleoecológicas. II. Cerrados e Mandacarus Área de Salto-Itu e referência para investigações envolvendo condições climáticas do passado. Essa região e seus arredores apresentam uma das mais importantes paisagens fitogeográficas e geológicas do Brasil. Encontra-se grande cobertura vegetal, ecossistemas de cerrados cactáceos residuais (mandacarus), matas de fundo de vales e encostas baixas. A presença de caatingas na região é anterior à presença dos cerrados, das manchas florestais biodiversas do fundo dos vales regionais e dos setores das serra­nias de São Roque (Jundiaí). Inclui as laterais da Serra do Jardim (Valinhos­Vinhedo) e da Serra do Japi (Jundiaí). Provavelmente, a região apresentava, em um passado geológico, períodos semi­áridos. III. Paisagens de exceção e cânions brasileiros Paisagens de exceção constituem fatos isolados, de diferentes aspectos físicos e ecológicos inseridos no corpo das paisagens naturais. Destacam-se: 1) Exemplos de topografia reniformes: - Piauí: Sete Cidades de Piracuruca e Serra da Capivara. - Sudeste de Goiás: Torres do Rio Bonito. - Norte de Tocantins: Segundo Planalto do Paraná (Vila Velha). - Mato Groso: Chapada dos Guimarães. - Pontões rochosos do tipo pão-de-açúcar. - Peóedos ou "Dedos de Deus", no Rio de Janeiro, Teresópolis, Vitória e pontos da Serra do Mar. 2) Icebergs, sob a forma de montes e ilhas rochosas, pontilham nos domínios das caatingas: em Milagres (Bahia), Quixadá, Jaguaribe e Sobral (Ceará) e região de Patos, no alto do sertão da Paraíba. 3) Maciços elevados (900-1000 m), voltados para ventos úmidos do leste e su­deste nos sertões secos, apresentam florestas tropicais de encostas e "pé-de­serra". 4) Cânions brasileiros envolvendo grandes variedades de nomes: gargantas, rasgões, boqueirões, grutas largas, sovacães, itambés, passos fundos, desfila­deiros e estreitos. Estão no Piauí, Paraná e sudeste de Goiás. 5) O maciço de ltatiaia (RJ) e a alta meseta do Pico de Roraima são exceções nos altiplanos do Brasil. 6) No caso das planícies, a exceção vai para a Planície do Pantanal.

Manuel Castells: A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade.

Nascido na Espanha em 1942, Manuel Castells lecionou durante 12 anos na Universidade de Paris, ingressando, em 1979, na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde é professor de Sociologia e Planejamento Regional. Em A galáxia da Internet, Castells analisa as mudanças no mundo empresarial, as inovações na Economia e na Política a partir da utilização da Internet como sistema de comunicação global, traçando uma geografia da sociedade em rede. A Internet aparece como tema central do livro que é composto por nove capítulos, nos quais o autor reflete sobre a história e a cultura da Internet, as transformações dos modos de interação social, a multimídia, além de questões relacionadas ao planejamento urbanístico e ao acesso à rede mundial de computadores. No primeiro capítulo, Castells retoma a história da Internet desde a formação da Arpanet no final de 1960, mostrando como ela surge de um projeto do Departamento de Defesa norte-americano que, com o objetivo de superar a tecnologia soviética, criou, em 1958, a Advanced Research Projects Agency (ARPA) para desenvolver uma rede interativa de computadores. Pesquisas realizadas conjuntamente por órgãos governamentais, universidades e centros de pesquisa resultaram na interconexão de computadores em rede. Dispondo de uma arquitetura de protocolos abertos, a rede permitia que os usuários participassem do aperfeiçoamento de softwares para a Internet. A partir do software Enquire, desenvolvido por Berners-Lee, foi produzida a World Wide Web, um sistema de hipertexto no qual informações poderiam ser acrescentadas pelos usuários e acessadas por computadores que estivessem conectados à rede. Introduzindo novas versões do software de navegação da web, a Netscape Communications disponibilizou, em 1994, o Netscape Navigator. Posteriormente, a Microsoft lançou o Windows 95 com o Internet Explorer, um navegador para a web. A Internet surge na metade da década de 1990 como um sistema de comunicação flexível e descentralizado. A arquitetura aberta proporcionava a cooperação dos usuários. Assim, a flexibilidade e a liberdade foram valores importantes para o desenvolvimento da Internet. Liberdade, solidariedade e cooperação são concepções que compõem a cultura de cientistas, engenheiros, estudantes de pós-graduação e dos primeiros usuários da rede que participaram conjuntamente da criação da Internet. Castells analisa a cultura da Internet no segundo capítulo do livro, ressaltando a importância da abertura do código-fonte para o aperfeiçoamento dos softwares da Internet, além de tratar da cultura hacker, evidenciando que, apesar de ter influenciado valores e hábitos da cultura da Internet, a tradição acadêmica – baseada na busca por prestígio e reconhecimento dos pares – foi aliada aos valores dos hackers, especialistas na programação e interconexão de computadores que desempenharam um papel relevante no desenvolvimento da Internet. De acordo com Castells, "a cultura hacker [...] diz respeito ao conjunto de valores e crenças que emergiu das redes de programadores de computador que interagiam online [...]" na modificação do software, aprimorando o sistema operacional da Internet. A cultura hacker tem como base uma concepção "tecnomeritocrática" fundada na busca por excelência e melhoria do desempenho tecnológico. É preciso ter liberdade para criar, se apropriar do conhecimento e redistribuí-lo na rede. Sendo assim, a liberdade constitui um valor fundamental para a cultura hacker. A formação de redes tornar-se-ia um padrão de comportamento habitual na Internet, e que vem sendo disseminado em diversos setores da sociedade. Há ainda uma análise acerca da cultura empresarial que se difunde na Internet, na qual idéias inovadoras e criatividade aparecem como valores essenciais. Reflexões sobre questões relacionadas com o comércio eletrônico, a formação e a estrutura organizacional de empresas em rede, as mudanças nos mercados financeiros, a flexibilidade do trabalho e a produtividade compõem o terceiro capítulo do livro. O aparecimento de empresas ".com" alterou o comércio. Empresas passaram a utilizar a Internet para comunicação e processamento de informações, dispondo de uma estruturação organizacional baseada na rede. O comércio eletrônico e as empresas online também modificaram as relações econômicas. Em algumas firmas, atividades dos setores de produção e distribuição são realizadas através da Internet. Além disso, redes de computadores integraram os mercados financeiros, formando um mercado global interdependente e transnacional. No âmbito do trabalho, há uma exigência de maior qualificação profissional, além da necessidade de alto nível educacional. A flexibilidade vem direcionando as relações de trabalho no contexto da nova economia global que apresenta ainda um crescimento significativo da produtividade. O quarto capítulo tem como enfoque a sociabilidade. Novas formas de interação social que apareceram com o uso da Internet são analisadas. Castells expõe questões concernentes à formação de identidades e representação de papéis sociais na Internet e discute, também, a problemática do individualismo na rede. Tomando como referência o uso da Internet, o quinto e o sexto capítulo trazem uma reflexão sobre a relação entre sociedade civil e Estado, questão que envolve discussões concernentes à privacidade dos usuários da rede e ao problema da liberdade no sistema de comunicação global. No quinto capítulo, Castells menciona os movimentos sociais que adotaram a Internet para a defesa de suas propostas. Valores culturais aparecem como base dos movimentos sociais que se articulam na rede para alterar "códigos de significado nas instituições e na prática [...]" social. Com a Internet, a participação política dos cidadãos através da rede pode redefinir a democracia. Castells cita a Cidade Digital de Amsterdã como um exemplo de revitalização da esfera pública. Informações sobre ações do governo e a possibilidade de interatividade com os cidadãos podem ser viabilizadas pela Internet. No entanto, com a Internet também surgem novas estratégias de guerra que ameaçam a soberania dos Estados. A invasão de hackers a computadores de órgãos governamentais, ou ainda, a utilização da rede por criminosos e terroristas, preocupam as lideranças políticas. Se, por um lado, há um interesse de governos em desenvolver tecnologias de controle da Internet, por outro viés, a rede de computadores tem potencialidade para a difusão de valores humanistas e a democratização. As tecnologias de controle e vigilância, mencionadas no sexto capítulo do livro, restringem a liberdade e a privacidade dos usuários da Internet que podem ter seus e-mails registrados e controlados por governos. O Estado tem sua soberania abalada pelo fluxo de informações. Castells ressalta que para revigorar o poder, o G-8 adotou medidas para controle e policiamento dos provedores da Internet. Entretanto, a soberania continua oscilante já que, para o exercício do controle, os Estados têm que dividir o poder, constituindo, por fim, um Estado em rede. Castells discute as noções de multimídia e hipertexto no sétimo capítulo do livro, demonstrando que há uma convergência ainda restrita entre a Internet e a multimídia, apesar da difusão da televisão digital por todo o mundo. Por outro lado, a multimídia permitiu a divulgação de músicas pela Internet por intermédio do formato MP3. Videogames online, vídeos pornográficos, revistas eletrônicas comercializadas por serviços de assinatura e rádios virtuais também aparecem com destaque na Internet. Castells sustenta que não é possível afirmar que há um hipertexto entendido como sistema interativo de expressão de culturas presentes, passadas e futuras devido à falta de interesse comercial na formação de um hipertexto. O oitavo capítulo apresenta uma geografia da Internet a partir da determinação de sua estrutura técnica, da distribuição espacial dos usuários, bem como da configuração econômica e urbanística das cidades na Era da Informação. Castells salienta o modo fragmentário de difusão do uso da Internet, baseado em padrões de riqueza, tecnologia e poder. Pesquisas reforçam a constatação de que a Internet vem sendo bem mais difundida em áreas urbanas do que em áreas rurais. Há também uma concentração da provisão de conteúdo da Internet em regiões metropolitanas, onde as atividades que geram renda e oportunidades de emprego se encontram. As metrópoles continuam absorvendo a população urbana. O trabalho em casa não é uma realidade na Era da Informação. De acordo com Castells, nos EUA, país que apresenta maior flexibilização do trabalho, estatísticas de 1997 mostravam que somente o percentual de 6,43% da mão-de-obra trabalhava em casa. Castells ainda se refere às tendências de modelos arquitetônicos e planejamento urbanístico que surgirão com a incorporação de sistemas eletrônicos de rede na construção de "ambientes inteligentes". O acesso à Internet e o problema da exclusão social são tratados no nono capítulo do livro. A renda e o nível educacional das pessoas constituem a base para o acesso à Internet; além disso, há uma divisão dos usuários por etnia. Nos EUA, por exemplo, a maioria dos usuários é composta por brancos e a minoria por afro-americanos e hispânicos. A deficiência física também constitui uma barreira para o acesso à Internet. Ademais, a difusão da Internet no mundo ocorre de modo desigual, concentrando-se na América do Norte, na Europa Ocidental e na Ásia, enquanto América Latina, Europa Oriental, Oriente Médio e África apresentam os índices mais baixos de acesso à Internet. Castells conclui que a Era da Internet traz novos desafios para a humanidade. Tais desafios estão correlacionados com a instabilidade no emprego, a deterioração do meio ambiente, a necessidade de regulação dos mercados e direcionamento da tecnologia, as desigualdades, a exclusão social e a educação. Castells critica o sistema educacional atual, sustentando que, na sociedade em rede, seria preciso instituir uma nova pedagogia, fundada na interatividade e no aprimoramento da capacidade de aprender e pensar. Contudo, apesar de ser visualizada como um desafio para a sociedade em rede, a questão da educação não é um tema central do livro, como o próprio autor reconhece na introdução. Esta lacuna não chega a atingir a riqueza de dados históricos e informações acerca da Era da Internet, fundamentais para as áreas da Sociologia, da Economia, da Administração, da Política e das Ciências da Computação. Castells ainda propõe uma reflexão sobre a nossa responsabilidade, enquanto seres humanos, no controle da tecnologia, sugerindo que para direcionar os artefatos tecnológicos será necessário nos conscientizarmos de que a democracia participativa e a mudança política são imprescindíveis para o enfrentamento dos desafios da sociedade em rede na Era da Informação.

Antonio Carlos Castrogiovanni: Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano

O autor traz à tona, discussões pertinentes à apreensão e compreensão do espaço geográfico. Tendo como referência o trabalho pedagógico e as teorias de aprendizagem em relação à formação de conceitos, sugere uma ação pedagógica redimensionada. Inicia seus estudos mostrando o resultado de pesquisas que comprovam que muitos dos professores que atuam nas séries iniciais não foram alfabetizados em Geografia, matéria esta que vem inserida, nos chamados Estudos Sociais, formados, entre outras ciências, pela História e a Sociologia. Devido à pouca aproximação da escola com a vida ou cotidiano dos alunos, esta não se manifesta de forma atraente frente ao mundo contemporâneo. Torna-se, portanto, necessário trabalhar nos primeiros anos de escolarização, a valorização do espaço e do tempo vivenciados. Piaget e Inhelder distinguem a partir da geometria contemporânea, três tipos de relações espaciais - que devem ser trabalhadas com diferentes características visuais e com a discriminação visual (tamanho, cor, forma, espessura). São elas: topológicas, projetivas e euclidianas. As relações topológicas são as mais importantes e as primeiras a serem construídas, pois delas derivam as projetivas e as euclidianas, e estão sendo sempre aplicadas ao cotidiano. A percepção e a manipulação ativa das relações de vizinhança, separação, ordem ou sucessão, envolvimento ou fechamento e continuidade ou contínuo, servem de ponto de partida para as noções representativas. As relações projetivas vêm acrescentar ao topológico, a necessidade de se situar os objetos ou os elementos de um mesmo objeto, um em relação ao outro, isto é, inicialmente, o ponto de referencia está centrado no corpo da própria criança, aos poucos é transferido para outras referências, ocorrendo a descentralização (compreensão da posição dos objetos exteriores não mais em relação a si própria como observadora, mas com relação a outros objetos). A construção de projetividade apresenta-se em três fases: na primeira (de 5 a 8anos), a criança dá a posição do objeto a partir do seu ponto de vista; na segunda (8 a 11 anos), é a partir do ponto de vista do outro colocado a sua frente; e por fim, na terceira (12 anos), colocando-se no lugar dos objetos distintos, quando solicitado a situá-los entre eles. Já o espaço euclidiano, coordena os próprios objetos entre si e em relação a um quadro de conjuntos ou sistemas de referência estável que exige como ponto de partida a conservação das superfícies e das distâncias. A evolução da forma de apreensão do espaço pela criança segue três fases. A primeira é a do espaço físico vivido. Em seguida, através do movimento, ela começa a etapa da apreensão do espaço, onde ele passa a ser percebido, e começa aí a haver um distanciamento com o espaço vivido. Daí, ela começa a analisá-lo não apenas através do movimento, mas também da observação, ou seja, passa do conhecimento espacial corporal para o formado pelos sentidos, construído pela reflexão. A construção, a conservação de símbolos e o trabalho com as relações espaciais (representação de trajetos), devem ser iniciados na educação infantil e continuados nos primeiros ciclos, onde o trabalho será operatório para a construção das relações topológicas, projetivas, euclidianas e o desenvolvimento da função simbólica se a criança observar e classificar os elementos do espaço e posteriormente codificar o conteúdo para a representação quer da sala de aula ou fora desta. O autor vem exemplificar inúmeras atividades que podem ser seguidas por professores, neste sentido. A posição relativa dos subespaços (limites e fronteiras) é enfatizada pela noção topológica de interioridade espacial. Esta atividade vem auxiliar na construção de estruturas lógicas que possibilitem a compreensão na localização dos territórios delimitados politicamente. A construção das noções espaciais está relacionada com o processo de descentralização, a partir da liberação do espaço egocêntrico. Através da tomada de consciência do corpo (mapa corporal), a criança permite aí transposições para outros espaços, construindo as noções de lateralidade e hemisférios, aonde a tranqüilidade sócio-afetiva vem colaborar de modo positivo para o sucesso deste processo. Também nesse caso, como no de outrora citado, o autor nos deixa inúmeros exemplos a serem trabalhados pelo professor em relação à criança. Utilizando essas construções acima citadas, (lateralidade, hemisférios, orientação e direção, distanciamento, etc) o aluno já pode ser preparado para fazer uma leitura crítica das representações cartográficas, onde a carta é a formalização do espaço, ou o domínio deste. E é através do sentido de orientação, que se estabelece pontos diferenciais, para que os elementos formadores do espaço possam ser situados e encontrados num mapa, por exemplo, que oferece uma visão da síntese das relações espaciais e da distribuição dos diferentes elementos que compõem o espaço. Igualmente, vem o autor propor aqui também, trabalhos ou exercícios que na maioria das vezes, estão fora do livro didático, tornando assim, a apreensão e a compreensão mais dinâmica. Em suma, o autor procura nos mostrar as várias formas de se apresentar à criança a definição de espaço geográfico (através da análise de mapas, cartas, construção de maquetes, etc). Estimula o uso de ferramentas pouco exploradas, como a leitura crítica de jornais e os chamados estudos do meio. A descoberta da rua, do bairro e da cidade pode ser transposta para conjuntos mais amplos, como o país e o mundo. Do mesmo modo, a compreensão da realidade global facilita a percepção do microcosmo local.

Denise Elias: Globalização e agricultura

Globalização e fragmentação do espaço agrícola do Brasil A globalização da economia provocou uma reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, marcada pela territorialização do capital e pela oligopolização do espaço agrícola, culminando na organização de um novo modelo econômico, técnico e social de produção. Como este se processa de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva, acentuando as históricas desigualdades sociais e territoriais do país, além de criar muitas novas desigualdades, paralelamente à difusão do agronegócio, ocorre uma nova divisão territorial e social do trabalho agropecuário. Desse modo, amplia-se a dialética da produção do espaço agrícola, cada vez mais fragmentado, caracterizando-se arranjos territoriais produtivos agrícolas. Este artigo tem por objetivo tratar das principais características da consecução do agronegócio no Brasil; da fragmentação do espaço agrícola e do incremento da urbanização no Brasil agrícola moderno, resultando numa nova tipologia de cidade: a cidade do agronegócio.

Reestruturação Produtiva da Agropecuária No Brasil, nas últimas quatro décadas, os setores econômicos vêm passando por intensa reestruturação produtiva. Com a globalização da economia verificaram-se profundas transformações no processo produtivo associado à agropecuária e reestruturaram seus sistemas de ação e de objetos mediante introdução da ciência, da tecnologia e da informação. Resultou, então, um novo modelo técnico, econômico e social de produção agropecuária, ao qual aqui chamaremos, conforme Santos, de agricultura científica, oferecendo novas possibilidades para a acumulação ampliada do capital. Segundo o mesmo autor, e em nossa opinião, com a globalização se instala uma agricultura propriamente científica, responsável por intensas mudanças quanto à produção agrícola e à vida de relações. Para Santos, podemos falar de uma agricultura científica globalizada quando a produção agrícola tem uma referência planetária, e recebe influência das mesmas leis que regem os outros aspectos da produção econômica. A competitividade, característica das atividades de caráter planetário, leva a um aprofundamento da tendência à instalação de uma agricultura científica. Especialmente exigente de ciência, técnica e informação, esta induz ao aumento exponencial das quantidades produzidas em relação às superfícies plantadas. Por sua natureza global, conduz a uma demanda extrema de comércio na qual o dinheiro passa a ser uma “informação” indispensável. Embora desde o início do comércio em grande escala a agropecuária comercial se desenvolva no país, caracterizando a história econômica e a ocupação do território, somente quatro séculos mais tarde ela apresenta mudanças radicais. Isto se deve ao fato de a revolução tecnológica também ter atingido essa atividade, que passa a incorporar os principais paradigmas da produção e do consumo globalizados, em consonância com as transformações gerais do restante da sociedade. A partir da década de 1980, a reestruturação produtiva da agropecuária intensificou-se, mas privilegiou áreas, produtos segmentos sociais. Isto acarretou profundos impactos sociais, territoriais e ambientais que culminaram na elevação da histórica concentração da propriedade da terra; num processo de oligopolização do setor agropecuário; em transformações das relações sociais de produção; na fragmentação do espaço agrícola e no incremento da urbanização. Neste contexto, a aplicação dos procedimentos e métodos científicos para a realização da agropecuária, com vistas ao aumento de produtividade e à redução de custos, aperfeiçoou e expandiu seu processo produtivo, imprimindo complexas inovações às forças produtivas do setor. Com a pesquisa tecnológica pôde-se reestruturar a base técnica empregada nesse conjunto de atividades, e, ao mesmo tempo, transformar os sistemas técnicos agrícolas, abrindo um grande número de novas possibilidades para a realização da mais-valia mundializada, por meio da fusão de capitais com os demais setores econômicos. Conforme observado, o aumento da extensão da área cultivada deixou de ser o fator exclusivo de crescimento da produção agrícola, uma vez que as inovações tecnológicas elevaram a produtividade do trabalho e da terra, que avançava muito lentamente até essa época. Verificou-se, então, a reestruturação da agropecuária mediante amplo emprego de máquinas, insumos químicos e biotecnológicos fornecidos pela atividade industrial, com notáveis metamorfoses nas relações de produção, ocorridas, também, na divisão social e territorial do trabalho agropecuário. A rentabilidade do capital, exigida pela economia globalizada, induziu a existência de formas mais eficazes de produção. Desse modo, transformou radicalmente as forças produtivas da agropecuária, porquanto seus sistemas técnicos anteriormente hegemônicos não condiziam com a racionalidade vigente no período tecnológico. A impossibilidade de controle do processo produtivo da agropecuária, com uma estrutura extremamente dependente dos fatores naturais (clima, relevo, solo, temperatura, topografia etc.) e do ciclo biológico das plantas e dos animais, sempre representou um limite para a acumulação ampliada no setor, uma vez que o tempo de produção é comumente superior ao tempo de trabalho. No intuito de superar estas dificuldades, as instituições de pesquisa têm-se empenhado decisivamente e gerado resultados significativos. Entre os principais objetivos das pesquisas agropecuárias desenvolvidas, inclui-se o da geração de insumos artificiais produzidos em escala industrial, capazes de substituir parte dos insumos naturais e ter maior controle sobre o ciclo biológico das plantas e dos animais, por torná-lo um pouco menos vulnerável às forças da natureza e, em conseqüência, capaz de responder mais positivamente às novas formas de produção, distribuição e consumo. Inúmeras pesquisas voltadas para o setor desenvolveram ampla gama de novos produtos químicos, mecânicos e biotecnológicos, na tentativa de modificar as características do solo, prevenir as doenças das plantas, fabricar no laboratório sementes mais produtivas, aumentar a produtividade e o ritmo do trabalho com a utilização de máquinas para semear, cultivar, colher etc. Com a difusão desse conjunto de inovações, configurando novos sistemas técnicos agrícolas, a agropecuária tornou-se crescentemente dependente do processo científico-técnico de base industrial, e minimiza a anterior vantagem relativa representada pela produção localizada nos melhores solos, nas topografias mais adequadas, entre outros. Além disso, aumentou a possibilidade de aproveitamento dos solos menos férteis e de ocupação intensiva de territórios desprezados para tal atividade, relativizando-se as questões locacionais, antes imprescindíveis. Para Graziano da Silva, a produção agropecuária deixou de ser uma esperança ao sabor das forças da natureza para se converter numa certeza sob o comando do capital, perdendo a autonomia que manteve, durante séculos, em relação aos outros setores da economia. A nosso ver, devemos ser cuidadosos com a simples reprodução de afirmações como esta. Mas não há dúvida quanto às reestruturações advindas, uma vez que parte da agropecuária brasileira passou a ser um empreendimento totalmente associado à racionalidade do período técnico-científico-informacional, com algumas possibilidades semelhantes às dos demais setores econômicos para a aplicação de capital e para a obtenção de alta lucratividade, tornando-se mais competitiva e permitindo maior valorização dos capitais nela investidos. Nesse sentido, um dos principais signos da agricultura científica no Brasil é uma crescente interdependência com os demais setores da economia. A partir desta interdependência ocorrem processos freqüentes de fusão com capitais dos setores industriais, comerciais e de serviços. Tais fusões se dão juntamente com o aumento de sua presença no circuito superior da economia. Outra característica da agricultura científica é seu funcionamento cada vez mais regulado pela economia de mercado, em razão das demandas urbanas e industriais. As relações entre os setores agrícola e industrial merecem destaque, por propiciarem o desenvolvimento de muitos ramos industriais, notadamente dos que fornecem os insumos e bens de capital para a agricultura, assim como das indústrias que processam os produtos agropecuários – agroindústrias -, transformando-os em mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado. Tudo isto leva à multiplicação dos espaços da produção e das trocas agrícolas globalizadas, e induz os espaços agrícolas a inúmeras transformações, os quais se mostram extremamente suscetíveis de aceitação do capital do agronegócio. Isto se deve, em parte, ao fato de possuírem pequena quantidade de pedaços de tempo materializados, o que permite imediata difusão do capital novo e possibilidade de responder mais rapidamente aos interesses das empresas hegemônicas dos setores agropecuário e agroindustrial. Quando do início da aceleração contemporânea, o campo era um espaço com menos rugosidades, e com flexibilidade muito superior à apresentada pelas cidades, repletas de capitais mortos, mostrando-se um dos lócus preferenciais de introdução dos capitais industriais e financeiros. Desta forma, nas áreas onde se expande a agricultura científica, o meio natural e o meio técnico são rapidamente substituídos pelo meio técnico-científico-informacional, aumentando a proporção da natureza social sobre a natural. Em seu livro “O espaço dividido”, Santos chama a atenção para o fato de que devemos considerar as modernizações como o modo de levar em conta as implicações temporais da organização do espaço, especialmente nos países em situação desfavorável na Divisão Internacional do Trabalho. Por modernização entende-se a generalização de uma inovação vinda de um período anterior ou da fase imediatamente precedente. Como cada período é caracterizado pela existência de um conjunto coerente de elementos de ordem econômica, social, política e moral, que constituem um verdadeiro sistema, segundo sugere o autor, devemos realizar uma divisão do tempo em períodos para reconhecer a existência da sucessão de modernizações, que seria a própria história das modernizações. Ao se utilizar o recurso da periodização como componente fundamental de método, com vistas à consecução da agricultura científica no Brasil e à reorganização do seu espaço agrícola, vislumbramos três momentos principais. Entretanto, lembremos a periodização sempre guarda conformidade com os objetivos específicos do autor que a está processando num determinado momento de evolução de seus estudos. O primeiro seria o da mudança da base técnica, a partir da década de 1950, com o emprego de uma gama de insumos artificiais, em detrimento dos naturais, com a difusão de inovações químicas (fertilizantes, agrotóxicos, corretivos etc.) e mecânicas (tratores, arados, colheitadeiras etc.). Nesse primeiro momento da reestruturação produtiva da agropecuária, os insumos eram na sua grande maioria importados, uma vez que o Brasil não fabricava tais produtos. Como sabemos, a implantação da primeira grande indústria de bens de produção para a agropecuária dá-se em 1959, com a instalação de uma multinacional fabricante de tratores. O segundo momento se concretiza em meados da década de 1960, quando os interesses das grandes corporações se apropriam do processo de produção agropecuária brasileira. Nas palavras de Graziano da Silva, configura-se, então, o processo de industrialização da agricultura, com ampla implantação de indústrias dos ramos a montante da agropecuária, fornecedores de insumos modernos (fertilizantes, máquinas, sementes etc.), e a jusante, transformadores dos produtos agropecuários (agroindústrias), com um intenso processo de instalação de indústrias, que assumem o comando das transformações no setor. A dinâmica da agricultura passa a ser determinada pelo padrão de acumulação industrial, centrado no desenvolvimento dos complexos agroindustriais (CAIs) ou sistemas agroindustriais (SAGs). A agropecuária moderna passa a ser o núcleo dos CAIs ou SAGs emergentes. Sua produção destina-se prioritariamente à geração de commodities e de matérias-primas para as agroindústrias em franca expansão, da mesma forma que demanda uma gama importante de produtos industriais. Caracteriza-se uma nova organização econômica e social da agropecuária, que acompanha a unificação da economia pelo movimento do capital industrial e financeiro. Para Graziano da Silva, esse movimento de mudança da agropecuária brasileira caracteriza-se pela desarticulação do chamado complexo rural com a constituição dos complexos agroindustriais, a ocorrer mediante a substituição da economia natural por atividades agrícolas integradas à indústria, pela intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais e com a especialização da produção agropecuária. Podemos identificar a terceira fase da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira em meados da década de 1970. Nesse período, dá-se um processo de integração de capitais a partir da centralização de capitais industriais, bancários, agrários etc., expansão de sociedades anônimas, cooperativas agrícolas, empresas integradas verticalmente (agroindustriais ou agrocomerciais), assim como a organização de conglomerados empresariais por meio de fusões, organização de holdings, cartéis e trustes, com atuação direta nos CAIs. Na década de 1970, difunde-se, em grande escala, a biotecnologia, uma das mais revolucionárias e controvertidas tecnologias já desenvolvidas pelo homem. Diferentemente dos dois grupos de inovações citados anteriormente (químicas e mecânicas), que modificam as condições naturais do solo e a intensidade e o ritmo da jornada de trabalho, a biotecnologia afeta a velocidade de rotação do capital adiantado no processo produtivo, por meio da redução do período de produção e da potencialização dos efeitos das inovações químicas e mecânicas. No entanto, a biotecnologia não representa uma simples inovação, mas sim um novo paradigma para a própria existência da humanidade. Com a biotecnologia acirra-se a utilização da ciência para a acumulação ampliada em vários setores econômicos (farmacêutico, químico, agroindustrial etc.), inclusive na agropecuária, e completam-se as bases da chamada revolução verde, fundamentada na utilização e difusão internacional de um conjunto de práticas tecnológicas de pesquisa e produção agropecuárias, vendidas ideologicamente como a resolução do problema da fome no mundo. Se a expansão dos CAIs constituiu um dos principais vetores da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, acreditamos que compreender os fixos e os fluxos dos principais CAIs atuantes no Brasil (da soja, do suco de laranja, do leite, do trigo, da cana, do milho etc.), em especial a partir de seus circuitos espaciais de produção, seria um importante exercício de análise da agricultura científica e do território resultante dessa produção. Da mesma forma, captar seus círculos de cooperação e seus sistemas de ação é identificar, no tempo e no espaço, a forma de agir das grandes corporações globalizadas que dominam a produção agropecuária e agroindustrial brasileira, revelando suas alianças com o Estado e suas ingerências na reestruturação do espaço agrícola. O estudo dos CAIs da cana e da laranja é um bom exemplo da formação de espaços corporativos resultantes dessa evolução. Como observado, a reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil se dá calcada na conquista de mercados internacionais de produtos alimentares industrializados, semi-industrializados ou mesmo in natura, como é o caso da fruticultura. Dessa maneira, transformam-se também as tradicionais formas de distribuição e consumo de produtos agropecuários. Cada vez mais, a produção para o autoconsumo e a produção simples de mercadorias são substituídas pela economia de mercado, em razão das demandas urbanas e industriais, com vistas à produção de mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado, sendo as multinacionais os agentes mais poderosos desse processo. Reforçam-se as determinações exógenas ao lugar de produção, especialmente no tocante aos mercados cada vez mais longínquos e competitivos. Fato semelhante ocorre em relação aos preços, internacionais e nacionais, comandados pelas principais bolsas de mercadorias do mundo, sobre os quais não há controle local. Da mesma forma, aumentam as distâncias entre os produtores e os centros de decisão e de pesquisa. A predominância dos interesses exógenos verifica-se em outros componentes do cotidiano, tais como a difusão de um padrão estandardizado de consumo alimentar, com a criação de novas mercadorias de alto valor agregado: alimentos semiprontos, congelados, enlatados, iogurtes, margarinas, maioneses, produtos derivados do açúcar, bebidas lácteas, óleo de soja, produtos diet, light, desnatados, bebidas isotônicas, refrigerantes, legumes pré-cozidos etc. Uma parcela cada vez maior dos produtos agropecuários sofre beneficiamento industrial antes de chegar à mesa do consumidor. A carne de frango, por exemplo, é introduzida no mercado muito fortemente, em substituição à carne vermelha, e muda hábitos alimentares, tornando-se uma opção de alimentação mais acessível para amplas parcelas da população, pois compete com vantagem, em matéria de preço, com a carne bovina. Essas novas mercadorias passam a ocupar as prateleiras das grandes redes de supermercados, transformados nos principais centros de comercialização varejistas dos produtos alimentares industrializados, difundindo novos hábitos de consumo que buscam homogeneizar o padrão de consumo alimentar, violando identidades locais baseadas em saberes e fazeres historicamente construídos. Outras atividades econômicas associadas ao terciário se desenvolvem e ajudam a reforçar o novo padrão de consumo alimentar, tais como redes de fast foods (Habib’s, Pizza Hut, McDonald’s etc.), de serviços de catering para hotéis e linhas aéreas etc. Essas mudanças caracterizam uma agricultura científica globalizada, que funciona, em alguns aspectos, quase como uma linha de montagem. Dessa forma, a reestruturação produtiva da agropecuária tem profundos impactos sobre os espaços agrícolas, que passam, desde então, por um processo acelerado de reorganização, mostrando-se extremamente abertos à expansão da tecnosfera e da psicoesfera, características do período técnico-científico-informacional. Organizam-se verdadeiras redes técnicas (de eletrificação, de armazenagem, de irrigação, de transportes, de telecomunicações etc.) voltadas para o objetivo de dotar o espaço agrícola de fluidez para as empresas hegemônicas do setor. Isto induz à mecanização dos espaços agrícolas e onde a atividade agropecuária se dá baseada na utilização intensiva de capital, tecnologia e informação, é visível a expansão do meio técnico-científico-informacional, revelando o dinamismo da produção do espaço resultante da reestruturação produtiva da agropecuária. Uma vez que a reestruturação produtiva da agropecuária privilegia áreas, produtos e segmentos sociais têm acarretado profundos impactos sociais, territoriais e ambientais a culminar na territorialização do capital no campo e na oligopolização do espaço agrário. Desse modo, agrava-se a histórica concentração fundiária e impõe-se uma nova dinâmica ao mercado de terras, com forte intensificação do valor de troca em detrimento do valor de uso, contrariando ainda mais as aspirações pela Reforma Agrária, que se mercantilizou na última década (com a substituição da desapropriação pela compra da terra). Tudo isto promove decisivas transformações nas formas de trabalho agrícola, no espaço agrícola e no incremento da urbanização da sociedade e do território. Geopolítica dos Transgênicos O Brasil acaba de dar mais um passo rumo à insustentabilidade de seu desenvolvimento, com grandes prejuízos à soberania tecnológica, à economia, ao ecossistema e, principalmente, à construção de uma sociedade mais justa. Referimo-nos ao início do pagamento de royalties por parte dos produtores de soja transgênica do Rio Grande do Sul à multinacional Monsanto, empresa detentora dos direitos de patente da soja transgênica plantada neste estado. A partir do início de março de 2005, oficializou-se a cobrança de R$ 0,60 por saca de sessenta quilos de soja transgênica entregue às cooperativas de produtores, e, no contrato firmado entre estas e a multinacional, está prevista a possibilidade de realização de auditorias por parte da Monsanto, para averiguação dos repasses. Concretiza-se, entre outros, uma tendência já evidenciada nos últimos anos, qual seja, a cobrança pelo uso das sementes transgênicas. Lamentavelmente, tal cobrança se faz respaldada em medidas provisórias e em outras leis, entre as quais a Lei de Patentes, aprovada em 1996, após tramitar durante cerca de uma década no Congresso Nacional. Esta reconhece como legal, por exemplo, a propriedade intelectual das empresas que atuam na área de engenharia genética voltada à produção e comercialização de transgênicos, e autoriza a cobrança de royalties por parte destas empresas. Embora apenas recentemente a polêmica sobre os transgênicos tenha chegado ao grande público, sendo mais comumente associada à resistência de ambientalistas e movimentos ecológicos, em face da insuficiência de estudos científicos sobre os reais impactos à saúde do homem e do meio ambiente, o âmago do problema é mais antigo e revela muitas outras faces, tão ou mais temíveis. Uma delas é a luta pelo monopólio da produção e comercialização das sementes geneticamente modificadas, ora travada entre algumas importantes holdings multinacionais, à frente a Monsanto, poderosíssima holding que mantém diversas atividades ligadas ao setor químico, de medicamentos, de agroquímicos e é uma das mais destacadas em pesquisa de transgênicos. Como a guerra está longe de terminar, parece-nos oportuno contextualizar minimamente a discussão, com objetivo de qualificá-la para um maior número de pessoas. Desde meados da década de 1970, difunde-se, com grande velocidade, a engenharia genética, uma das mais revolucionárias e controvertidas tecnologias já desenvolvidas. Sua principal força é conferir ao homem o poder de transformar, em laboratório, as características dos seres vivos, principalmente animais e vegetais, a partir da identificação, isolamento e clonagem de genes. Dadas suas inúmeras possibilidades, desde sua descoberta, a engenharia genética vem sendo utilizada em larga escala como força produtiva em várias atividades econômicas, particularmente na indústria farmacêutica, química, alimentícia, assim como na agropecuária, entre outros. Entre as utilizações mais polêmicas, mencionamos as processadas na agropecuária, especialmente as associadas às mudanças genéticas de plantas e de animais, por possibilitarem a criação de novas espécies com características não encontradas na natureza, tais como plantas mais resistentes às intempéries, a certos tipos de pragas e doenças, plantas e animais mais produtivos etc. Além disso, o uso da engenharia genética viabilizou um maior número de safras anuais e de crias por animal reprodutor, multiplicando a produtividade do setor. Propiciou, assim, a diminuição do ciclo biológico vegetal e animal, ou seja, a diminuição do tempo de produção, até então sempre muito superior ao tempo de trabalho aplicado. Dado que, quanto menor a diferença entre tempo de produção e tempo de trabalho, maior a taxa de lucro, conforme observado, o uso da engenharia genética tem propiciado um aumento exponencial das taxas de lucro na agropecuária. Desde então, acirra-se sobremaneira a inserção da lógica industrial ao ciclo biológico animal e vegetal, a qual se torna cada vez mais atrativa para conglomerados nacionais e multinacionais. Como é notório, o modo de produção vigente tem como uma de suas principais características a produção de mercadorias destinadas ao mercado, no qual se realiza o valor de troca destas, via mediação da mercadoria dinheiro. O que queremos destacar aqui é que a oficialização do pagamento de royalties é mais uma batalha ganha pelas multinacionais hegemônicas do modelo empresarial de agricultura, via patenteamento das sementes geneticamente modificadas, as sementes transgênicas. Desse modo, as sementes, de patrimônio da humanidade, se transformaram em mercadoria, pois são patenteáveis como outra mercadoria qualquer, tornando-se exclusividade de poucas empresas, seja quanto a sua produção, seja quanto a sua comercialização. Isto aumenta ainda mais a dependência dos produtores agrícolas, que, além de ter de recorrer anualmente ao mercado extremamente oligopolizado para a aquisição desse insumo imprescindível à agricultura, já que as sementes transgênicas são estéreis, têm agora de pagar royalties pela utilização destas. Com o patenteamento e pagamento de royalties pelo uso dos transgênicos, alguns grandes grupos completaram o domínio do pacote tecnológico imposto à agropecuária. As holdings, multinacionais associadas ao agronegócio estão entre as líderes em pesquisa biotecnológica, evidenciada como uma nova fronteira para a concentração econômica e de poder. No Brasil, a luta pelo pagamento dos royalties pelas sementes modificadas tem alguns anos, vencida agora pela Monsanto, concretizada pelo acordo firmado entre a multinacional e os produtores gaúchos. Em nossa opinião, as polêmicas em relação aos transgênicos deverão se multiplicar nos próximos anos, porquanto os usos da engenharia genética estão somente numa fase preliminar de suas potencialidades. A dimensão do problema é ainda maior quando lembramos a unanimidade entre os pesquisadores do setor ao afirmarem que a exploração dos recursos biológicos deverá constituir-se num dos principais vetores de crescimento econômico no século XXI. Vale lembrar que a quase totalidade do material genético usado como matéria-prima para as pesquisas biotecnológicas, da qual a engenharia genética é a parte mais moderna, está nos países da Ásia, África e América Latina, sendo a Amazônia um dos principais centros de biodiversidade do mundo. Isto explica, em parte, por que os Estados Unidos se recusaram a assinar o Tratado da Biodiversidade, na Eco-92, ocorrida no Estado do Rio de Janeiro. Arranjos Territoriais Produtivos Agrícolas A reestruturação da agropecuária brasileira processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva, mantendo intocáveis algumas estruturas sociais, territoriais e políticas incompatíveis com os fundamentos do desenvolvimento. Isso significa que privile­giou determinados segmentos sociais, econômicos e os ­espaços mais rapidamente suscetíveis de uma reestruturação sustentada pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção e consumo. Acirrou-se a expansão das relações capitalistas de produção no campo, conduzida de forma extremamente prejudicial à maioria da população rural, à organização do território e ao meio ambiente. Desse modo, promoveu um crescimento econômico cada vez mais desigual, gerador de desequilíbrios, exclusão e pobreza, e acentuou as históricas desigualdades socioeconômicas e territoriais brasileiras. No período técnico-científico-informacional, a divisão territorial do trabalho agropecuário se redefine. As regiões Sudeste e Sul foram as mais intensamente atingidas pelos processos de modernização em geral e formam, no dizer de Milton Santos, a Região Concentrada. É nessa região que o espaço agrícola recebeu mais fixos, tornando mais complexos os sistemas de objetos e mais intensos os fluxos de commodities, capital financeiro e informação especializada, entre outros, renovando permanentemente o território. É a Região Concentrada que, desde o início da reestruturação da agropecuária, se adapta progressiva e eficientemente aos interesses do capital hegemônico, reconstituindo-se à imagem do presente técnico-científico-informacional e transformando-se na área com maior expansão da agricultura científica e do agronegócio. A Região Concentrada é a mais mecanizada para a produção agropecuária moderna e aquela onde o meio técnico-científico-informacional se dá como contigüidade. Expandida com maior dinamismo e complexidade, possui a maior composição técnica e orgânica do espaço agrícola, constituída com o conjunto técnico inerente ao novo ciclo de expansão capitalista. É também na Região Concentrada que se encontra o maior número de empresas agropecuárias e agroindustriais hegemônicas do setor. No entanto, nem mesmo a Região Concentrada se apresenta homogênea. O Estado de São Paulo é o núcleo do padrão agrário moderno. Mas também neste Estado a reestruturação produtiva da agropecuária não se processa de forma homogênea, tanto que algumas áreas são mais intensamente beneficiadas pelas inovações. É o caso da região de Ribeirão Preto, a nordeste do Estado, um dos principais exemplos do Brasil agrícola moderno, na qual se formaram os CAIs da cana-de-açúcar e da laranja. Em difusão do agronegócio e da reorganização do espaço agrícola, após a Região Concentrada, vem a Centro-Oeste. Considerando a divisão territorial do trabalho agropecuário resultante do processo de reestruturação produtiva do setor, podemos distinguir, ainda, outras duas regiões: a Amazônia, que compõe a fronteira agrícola, incorporada mais recentemente e de forma parcial à modernização, e a região Nordeste, que permaneceu como a área mais resistente às transformações no conjunto de sua agropecuária. Entretanto, se o meio técnico-científico-informacional se dá como contigüidade nos espaços agrícolas da Região Concentrada e em parte do Centro-Oeste, ele aparece como manchas e pontos nestas outras regiões. Alguns autores quando analisam as transformações da agropecuária brasileira, apresentam a região Nordeste como um subsetor arcaico da agropecuária no país, baseada numa estrutura fundiária extremamente concentrada, na grande propriedade e na pequena exploração; no uso extensivo da terra e da mão-de-obra; na baixa capitalização, tanto por trabalhador quanto por unidade de área, com a predominância de não-assalariados e semi-assalariados, sujeitos a várias formas de dependência, com alta utilização por unidade de produto e baixo grau de integração técnica com os setores industriais componentes dos complexos agroindustriais. Gostaríamos de destacar, no entanto, que tais estudos foram realizados antes das novas dinâmicas socioeconômicas em processo e não puderam, portanto, considerá-las para análise. Não são poucos os autores segundo os quais, hoje, não existe apenas um Nordeste, mas vários, com profundas diferenciações entre si, como já mostraram, entre outros, Gilberto Freire, Djacir de Meneses, Manuel Correia de Andrade, Mário Lacerda de Melo e, mais recentemente, Tânia Bacelar de Araújo. Com o processo de reestruturação econômica e territorial das últimas décadas reforça-se a realidade dialética, denotando-se alguns subespaços dinâmicos, conforme esta última autora. Se até a década de 1980, o conjunto da agropecuária nordestina permaneceu quase inalterado, a partir de então, se vislumbra a ocupação de novas fronteiras pelo agronegócio globalizado, tomando alguns lugares específicos dessa região, que passam a receber vultosos investimentos de algumas importantes empresas do setor, difundindo-se a agricultura científica e o agronegócio. Nesse contexto, o semi-árido, notadamente alguns de seus vales úmidos, assim como os cerrados nordestinos, que até então compunham o exército de lugares de reserva para o agronegócio, tornam-se atrativos e são incorporados aos circuitos produtivos globalizados de empresas nacionais e multinacionais hegemônicas do setor. Isto significa que tais áreas assumem novos papéis na divisão internacional do trabalho agrícola. Consoante temos defendido, hoje existe no Nordeste, assim como de resto em todo o país, uma dicotomia entre uma agricultura tradicional e uma agricultura científica, apresentando-se esta em algumas partes bem delimitadas do território nordestino, constituindo verdadeiros pontos luminosos em pleno semi-árido, especialmente em alguns de seus vales úmidos (submédio São Francisco e baixo curso dos rios Açu e Jaguaribe), assim como nos seus cerrados, particularmente no oeste da Bahia, no sul do Maranhão e no sul do Piauí. Nas últimas duas décadas, estes espaços agrícolas do Nordeste vêm sendo afetados pela intensificação das relações de produção tipicamente capitalistas. Isso significa que as transformações da agropecuária se dão de forma seletiva, e atingem intensamente algumas áreas, as quais se especializam em determinadas culturas, corroborando para o avanço do capitalismo no campo. Ainda nos anos 1980, o submédio do rio São Francisco foi o primeiro a viver esse processo de difusão da agricultura científica e do agronegócio e hoje possui importante região produtora de frutas, voltadas especialmente para a exportação, notadamente seu trecho polarizado pelos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Da mesma forma, o oeste da Bahia, polarizado pelo município de Barreiras, foi a primeira área do Nordeste a se associar aos processos de difusão da produção intensiva de soja. Nestas áreas são visíveis as reestruturações da produção, do território, com inúmeras conseqüências sobre os elementos sociais e técnicos da estrutura agrária. Em meados da mesma década, a produção intensiva de frutas tropicais passou a ocupar o baixo curso do rio Açu, no Rio Grande do Norte, polarizada pelo município de Açu. Praticamente no mesmo período, a produção intensiva de frutas tropicais ocupa o baixo curso do rio Jaguaribe, no Ceará, região polarizada pelo município de Limoeiro do Norte. No final da década de 1980 e início dos anos 1990, o agronegócio globalizado passou a ocupar outras áreas do exército de lugares de reserva no Nordeste. Destacaríamos o sul dos Estados do Maranhão e do Piauí, que sofre uma ocupação intensiva pela produção de grãos, especialmente a soja. Todas estas áreas passam, desde então, por importantes transformações socioespaciais. A difusão da agricultura científica e do agronegócio pelas diferentes regiões do Brasil, com a territorialização do capital no espaço agrícola brasileiro, inclusive de destacadas multinacionais, passa a dominar parte significativa da produção, da comercialização, da difusão de um pacote tecnológico e, em alguns casos, do próprio “financiamento” da produção, como no caso da soja, uma vez que as mais poderosas esmagadoras (Bunge e Cargill) adiantam o pagamento da compra da colheita na época do plantio. Entre os resultados destes processos, ocorre o acirramento da dialética na organização do espaço agrícola brasileiro. Formam-se vários diferentes arranjos territoriais produtivos, a culminar num espaço agrícola extremamente fragmentado. A fragmentação dos espaços agrícolas aumenta a diferenciação na lógica de sua organização, na qual se denota a seletividade de distribuição das políticas públicas e dos sistemas de objetos. Desse modo, reforçam-se as diferenças, cada vez mais complexas e devastadoras. Isto significa que os lugares escolhidos para receber investimentos transformam-se em pontos de modernização da economia e do território enquanto todo o restante fica à margem desse processo. Intensifica-se, portanto, a existência de grandes diferenciações do espaço agrícola, que apresenta distintas densidades técnicas e normativas. Grosso modo, há duas lógicas principais na organização do espaço agrícola brasileiro: uma conservadora, que ainda funciona fortemente alicerçada nas especificidades das condições naturais e dos ciclos biológicos das plantas e dos animais; e outra modernizadora, que articula a escala local com a internacional, organizando o espaço a partir de imposições de caráter ideológico e de mercado. A nosso ver, é possível, a partir das novas dinâmicas hegemônicas difundidas por vários lugares até então de reserva para o agronegócio, detalhar alguns dos elementos para análise deste espaço agrícola fragmentado. Tal fragmentação é muito mais devastadora do que as preexistentes, em virtude de acirrarem a refuncionalização do espaço agrícola brasileiro como um todo, e se difundirem especializações territoriais produtivas, denotando-se inúmeras seletividades, seja da organização da produção, seja da dinâmica do próprio espaço agrícola, a resultar numa nova divisão territorial do trabalho agropecuário. Devemos, porém, ressaltar a existência de vários circuitos produtivos associados à economia agrícola, assim como inúmeras superposições particulares de divisões territoriais do trabalho. Enquanto cada produção agropecuária ou agroindustrial estabelece um conjunto específico de circuitos espaciais de produção de diferentes naturezas e magnitudes, formam-se diferentes arranjos territoriais produtivos, os quais se sobrepõem, muitas vezes. Entre os agentes sociais ou econômicos associados à agropecuária que promovem circuitos produtivos com características específicas e produzem diferentes arranjos territoriais, poderíamos citar pelo menos quatro principais. Um primeiro associa-se à agricultura familiar, à agricultura camponesa, não integrada ao agronegócio, que vive da agricultura de subsistência ou da produção simples de mercadorias e que, apesar da difusão do capitalismo no campo, continua a se reproduzir, conforme já provaram alguns estudos, como os de Oliveira e Martins. Um segundo grupo seria o composto pela pequena produção integrada ao agronegócio, o qual, a despeito de suas especificidades, pode ser observado em vários segmentos do agronegócio, como na produção de frutas nos vales úmidos da região Nordeste (Petrolina/Juazeiro - PE/BA, baixo Açu - RN e baixo Jaguaribe – CE), na avicultura no Sul e Centro-Oeste, no fumo no Sul etc. Os médios e grandes empresários agrícolas, integrados ou não à agroindústria, comporiam um terceiro grupo. Entre os empresários integrados, o caso da soja nos cerrados e o da laranja no Estado de São Paulo são exemplos notórios. Nestas duas situações, o principal elo de dependência entre empresários e agroindústria dá-se pelo adiantamento de capital promovido pelas agroindústrias por ocasião da compra antecipada da colheita. Ou seja, as agroindústrias adiantam o capital da aquisição da matéria-prima em fases do ciclo produtivo anteriores à colheita. Assim, funcionam, por vezes, como substitutas das instituições financeiras no fornecimento de capital de custeio. Com a compra antecipada da produção, praticamente tornam os empresários agrícolas, aos quais chamam de “clientes”, seus fornecedores exclusivos. Em face de determinados sistemas agroindustriais, parece-nos que este tipo de relação entre produtores agrícolas e agroindústria tem contribuído para a acumulação de capital também entre os primeiros. Neste particular, o setor de suco concentrado de laranja mostra-se um caso exemplar. Por ocasião do início da atividade no Brasil, em meados da década de 1960, quando se deu a instalação da primeira agroindústria de suco concentrado de laranja de grande porte (Citrosuco), na região de Ribeirão Preto (SP), era recorrente o uso de tal forma de negociação da compra e pagamento da produção por ocasião da florada dos pomares. Embora o sistema agroindustrial associado à citricultura passe por uma reestruturação desde meados da década de 1990, e já apresente como resultado um processo de concentração, tornando inviável a permanência de vários pequenos e médios citricultores neste ramo do agronegócio, o processo de adiantamento de capital por ocasião da estimativa da safra efetivamente possibilitou a muitos pequenos agricultores se transformarem em empresários agrícolas. Estes são signos, entre tantas outras coisas, da formação de uma classe média agrícola, cuja residência passa a ser a cidade local próxima ao espaço agrícola no qual realiza sua atividade produtiva, na grande parte das vezes em cidades que estamos classificando de cidades do agronegócio. Um quarto segmento seria formado pelas grandes holdings que dominam parte significativa dos segmentos da cadeia produtiva de determinados sistemas agroindustriais, do plantio ao processamento agroindustrial, como ocorre no sistema agroindustrial sucroalcooleiro, entre os mais concentrados no Brasil. A difusão da estrutura monopolista e oligopolista de mercado propiciou tanto a centralização de capitais como a acumulação de capitais de magnitude superior. Entre os fatores preponderantes para o processo de concentração verificado no sistema agroindustrial sucroalcooleiro encontra-se a existência de vultosas quantias de crédito, especialmente na década de 1970, que ganhou novos contornos com a promulgação do Proálcool, em 1975. Esta acumulação ampliada de capital proporcionou a concentração da riqueza nas mãos de empresas capitalistas que cresceram significativamente, e possibilitaram a produção em larga escala, associada ao circuito superior da economia. Desse modo, tornaram mais complexos os circuitos espaciais de produção e os círculos de cooperação das atividades econômicas por elas desenvolvidas. O domínio das duas principais holdings associadas ao setor sucroalcooleiro estende-se da posse da terra para a produção de matéria-prima até a fabricação do maquinário para sua transformação industrial. Conforme observado, as horizontalidades e verticalidades construídas a partir das demandas do principal grupo do setor, localizado na região de Ribeirão Preto (SP), foram capazes de promover a urbanização e o crescimento urbano de algumas cidades da região, como Sertãozinho. Outros agentes cuja produção resultam em circuitos produtivos agrícolas significativos para a reorganização do espaço agrícola e urbano no Brasil poderiam ainda ser lembrados. Mas, ante a complexidade e as especificidades dos diferentes sistemas agroindustriais atuantes no país, a nosso ver o importante é destacar que, a partir da dialética na organização dos espaços agrícolas incorporados à produção agropecuária intensiva e utilizando para análise a categoria dos circuitos espaciais da produção proposta por Santos, é possível vislumbrar vários circuitos produtivos associados à economia agrícola, a compor diferentes arranjos territoriais produtivos, cada qual com sua especificidade no tocante às relações de produção, às formas de armazenamento e transporte, às relações com o mercado etc. Entre estes arranjos territoriais produtivos, alguns compõem pontos das redes de fluxos rápidos, que conectam as áreas com a qual interagem diretamente com os centros de poder em nível mundial, ou seja, a escala local está articulada com a internacional. Desse modo, organiza-se o território a partir de imposições de caráter ideológico e de mercado. Estes comporiam o circuito superior da economia agrícola brasileira, os pontos luminosos do espaço agrícola brasileiro, no tocante à agricultura científica. Além disso, enfatizamos o circuito superior da economia agrícola só se realiza em uníssono com as cidades, próximas e distantes, e incrementa a economia urbana e a urbanização, resultando num tipo específico de cidade que estamos classificando de cidade do agronegócio. Pela diversidade dos sistemas agroindustriais existentes no Brasil, em nossa opinião, compreender os fixos e os fluxos, os sistemas de objetos e os sistemas de ação das principais empresas territorializadas nos pontos luminosos do espaço agrícola brasileiro principalmente as associadas ao circuito superior da economia, e, ao mesmo tempo, compreender seus circuitos espaciais de produção e seus círculos de cooperação é um exercício de análise. Tal exercício poderá nos permitir a síntese das estratégias de ação dos grandes conglomerados e das empresas agrícolas em geral que atuam no agronegócio, assim como do território resultante destes processos, ou seja, das novas especializações produtivas inerentes ao agronegócio, que culminam nos diferentes arranjos territoriais produtivos. Conforme acreditamos, o estudo da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, que culmina com a racionalização do espaço agrícola, com a expansão do meio técnico-científico-informacional no campo, nos ajuda a revelar tanto inúmeras redefinições regionais ocorridas no Brasil nas últimas décadas, como parte da dinâmica, formação e crescimento de várias das cidades locais e algumas das cidades médias hoje existentes no país, especialmente no Brasil agrícola com áreas urbanas, as quais estamos aqui denominando de cidades do agronegócio. As Cidades do Agronegócio No Brasil, a territorialização do capital e a oligopolização do espaço agrícola têm promovido profundos impactos socioespaciais, quer no campo quer nas cidades. Isto explica em parte a reestruturação do território e a organização de um novo sistema urbano, muito mais complexo, resultado da difusão da agricultura científica e do agronegócio globalizados, que têm poder de impor especializações produtivas ao território. É possível identificar várias áreas nas quais a urbanização se deve diretamente à consecução do agronegócio globalizado. Como é notório, a modernização e expansão destas atividades promovem o processo de urbanização e de crescimento das áreas urbanas, cujos vínculos principais se devem às inter-relações cada vez maiores entre campo e cidade. Estas se desenvolvem atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produção e consumo se dão de forma globalizada. Representam um papel fundamental para a expansão da urbanização e para o crescimento de cidades intermediárias e locais, fortalecendo-as, seja em termos demográficos ou econômicos. Os elementos estruturantes destas novas relações são encontrados na expansão das novas relações de trabalho agropecuário, promovendo o êxodo rural (migração ascendente) e a migração descendente de profissionais especializados no agronegócio; na difusão do consumo produtivo agrícola. Ao mesmo tempo, dinamizam o terciário e, conseqüentemente, a economia urbana, e evidenciam que é na cidade que se realiza a regulação, a gestão e a normatização das transformações verificadas nos pontos luminosos do espaço agrícola. A racionalização deste espaço imposta pela difusão do agronegócio e da agricultura científica deriva do modelo de produção e consumo agropecuário estandardizado de alimentos. Este resulta na formação de redes de produção agropecuária globalizadas que associam: empresas agropecuárias, fornecedores de insumos químicos e implementos mecânicos, laboratórios de pesquisa biotecnológica, prestadores de serviços, agroindústrias, empresas de distribuição comercial, empresas de pesquisa agropecuária, empresas de marketing, cadeias de supermercados, empresas de fast food etc. Como resultado temos a intensificação da divisão do trabalho, das trocas intersetoriais, da especialização da produção e a formação de diferentes arranjos territoriais produtivos agrícolas, assim como na reestruturação das cidades nas suas adjacências, a mostrar o aprofundamento da territorialização do capital no campo e da monopolização do espaço agrícola. Conforme defendemos, é possível identificar no Brasil agrícola moderno vários municípios cuja urbanização se deve diretamente à consecução e expansão do agronegócio, e formam-se cidades cuja função principal claramente se associa às demandas produtivas dos setores relacionados à modernização da agricultura. Como observado, nestas cidades se realiza a materialização das condições gerais de reprodução do capital do agronegócio. No período técnico-científico-informacional, as cidades do agronegócio se multiplicam no país e passam a desempenhar muitas novas funções. Transformam-se, então, em lugares de todas as formas de cooperação erigidas pelo agronegócio globalizado, e resultam em muitas novas territorialidades. Se a cidade é a materialização das condições gerais de reprodução do capital, a cidade do agronegócio é aquela cujas funções de atendimento às demandas do agronegócio globalizado são hegemônicas sobre as demais funções. Segundo Santos, a adição de produtos químicos, a utilização da biotecnologia, o uso intensivo de máquinas agrícolas, entre outros, além de mudar a composição técnica e orgânica da terra, fizeram expandir no campo o meio técnico-científico-informacional, o que explica em parte a interiori­zação da urbanização, pois afora o fenômeno da fábrica moderna dispersa dá-se também o fenômeno da fazenda moderna dispersa. Associados à consecução do agronegócio globalizado, originaram-se intensos movimentos de êxodo rural, fator determinante para a compreensão do processo de urbanização acelerada e caótica em curso no Brasil nos últimos quarenta anos. Este processo acarretou profunda crise urbana hoje extensiva a brasileiros de todas as partes do país, fazendo eclodir, desde a década de 1980, inúmeros movimentos sociais, tanto no campo como na cidade. Destes, destacamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) como o movimento social mais importante e organizado de toda a história do país. Paralelamente à difusão da agricultura científica e do agronegócio, processou-se um crescimento de áreas urbanizadas também no campo, notadamente nas áreas que se modernizam, porquanto, entre outras coisas, a gestão da agropecuária moderna necessita da sociabilidade e dos espaços urbanos. Tal fato colabora para o Brasil chegar ao século XXI com uma generalização do fenômeno da urbanização da sociedade e do território. Os antigos esquemas utilizados para classificar a sua rede urbana, as divisões regionais, as regiões metropolitanas, até hoje empregados pelos institutos oficiais de pesquisa do país, estão, em parte, já bastante ultrapassados. Requerem, portanto, urgente revisão, capaz de dar conta da complexidade e da dinâmica da realidade atual. Ao lado da metropolização, principal característica da urbanização brasileira nas décadas de 1960 e 1970, Milton Santos adverte para o fato de, o Brasil ter passado por verdadeira revolução urbana, a partir da década de 1980, com a expansão do fenômeno da involução metropolitana, quando crescem também as cidades médias e locais. Daí concordarmos com sua afirmação de ser impossível continuar simplesmente dividindo o Brasil entre urbano e rural. Para ele, uma divisão entre um Brasil urbano com áreas agrícolas e um Brasil agrícola com áreas urbanas refletiria melhor a realidade contemporânea do país. Uma das conseqüências da reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil é o processo acelerado de urbanização e crescimento urbano, promovidos, entre outros, pelas novas relações entre o campo e a cidade, desencadeadas pelas novas necessidades do consumo produtivo, o qual cresce mais rapidamente do que o consumo consumptivo. Isto denota o que Santos chamou de cidade do campo, conceito que utilizamos por cerca de uma década, embora atualmente prefiramos substituí-lo pelo de cidade do agronegócio. Sem dúvida, o impacto de todas essas transformações técnicas, econômicas e sociais na dinâmica populacional e na estrutura demográfica foi intenso. Concomitantemente a uma verdadeira revolução tecnológica da produção agropecuária e agroindustrial, às transformações nas relações de trabalho, ocorreu uma revolução demográfica e urbana, marcada por grande crescimento populacional, particularmente urbano. Dessa forma, o Brasil tem apresentado acelerado processo de urbanização e notável crescimento urbano. Como observado, uma das características do processo de modernização das atividades agropecuárias no Brasil é o desenvolvimento de uma gama muito extensa de novas relações entre o campo e as cidades. Isto se deve à crescente integração dessas atividades ao circuito da economia urbana. Tal situação se dá tanto pelo fato de seus produtos serem cada vez mais entregues aos mercados urbanos para serem processados e consumidos como, principalmente, porque a agropecuária moderna tem o poder de impor especializações territoriais cada vez mais profundas. As demandas das produções agrícolas e agroindustriais intensivas têm o poder de adaptar as cidades próximas às suas principais demandas, convertendo-as no seu laboratório, em virtude de fornecerem a grande maioria dos aportes técnicos, financeiros, jurídicos, de mão-de-obra e de todos os demais produtos e serviços necessários à sua realização. Quanto mais modernas se tornam essas atividades, mais urbana se torna a sua regulação. A cada renovação das forças produtivas agrícolas e agroindustriais, a cada renovação dos sistemas técnicos agrícolas e dos sistemas de ação que lhe dão suporte, as cidades das áreas adjacentes aos espaços agrícolas de produção intensiva se tornam responsáveis pelas demandas crescentes de uma série de novos produtos e serviços, das sementes transgênicas à mão-de-obra especializada. Isto faz crescer a urbanização, o tamanho e o número das cidades do agronegócio. As casas de comércio de implementos agrícolas, sementes, grãos, fertilizantes; os escritórios de marketing, de consultoria contábil; os centros de pesquisa biotecnológica; as empresas de assistência técnica, de transportes; os serviços do especialista em engenharia genética, veterinária, administração, meteorologia, agronomia, economia, administração pública, entre tantas outras coisas, difundem-se por todas as partes do Brasil agrícola moderno. Com isso, a modernização agropecuária não apenas ampliou e reorganizou a produção material, agrícola e industrial, como foi determinante para a expansão quantitativa e qualitativa da produção não-material, aumentando a terceirização das economias próximas às áreas de realização do agronegócio, especialmente os ramos associados ao circuito superior da economia. O resultado é uma grande metamorfose e crescimento da economia urbana das cidades próximas das produções agropecuárias modernas, paralelamente ao desenvolvimento de um novo patamar das relações entre cidade e campo, vislumbrável nos diferentes circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação estabelecidos entre esses dois espaços. O crescimento da produção não-material se deve ainda ao crescimento populacional e à revolução do consumo, esta última erigida sob os auspícios do consumo de massa, que impõe numerosas necessidades aparentemente naturais associadas à existência individual e das famílias. Nas condições brasileiras, existem vários exemplos segundo os quais os lugares que mais rapidamente respondem aos apelos de uma produção científica estão entre os que mais fizeram surgir inúmeras atividades não classificáveis entre as mais tradicionais atividades econômicas, particularmente do terciário. Nessas áreas, para melhor entender a urbanização, temos de nos preocupar com a existência das novas atividades comerciais e de serviços, nem sempre disponíveis em forma de estatísticas, mas fundamentais para o reconhecimento da realidade contemporânea. Os anos 1970 foram de radicais transformações para inúmeras atividades terciárias, com a instalação de muitos novos fixos e, conseqüentemente, a constituição de muitos novos fluxos, de matéria e de informação, seja intra-urbanos, interurbanos ou entre a cidade e o campo. A intensificação e a especialização da produção aumentam as trocas, da mesma forma que as possibilidades de fluxos. Isto promove maior integração do território nacional. Com a fluidez possível graças à construção dos modernos sistemas de engenharia dos transportes e das comunicações, intensificam-se as trocas de toda natureza, com grandes impactos na vida social e no território, reformulando o sistema urbano antigo. A expansão dos complexos agroindustriais não apenas repercutiu na estrutura técnica das suas respectivas atividades econômicas como causou profundos impactos nas relações de trabalho, transformando o conjunto de normas e padrões que regulavam tais relações. Como resultado, ocorre uma nova divisão social e territorial do trabalho, com grandes impactos na estrutura demográfica e do emprego, que culminam com acelerado processo de urbanização. O aprofundamento da divisão social e territorial do trabalho agrícola, possível a partir das condições de instantaneidade e de simultaneidade, verificadas com a revolução tecnológica, induziu à transformação das relações entre as cidades, e aumentou as diferenças entre elas, as quais se tornam cada vez mais distintas umas das outras, a despeito de existirem inúmeras características similares, decorrentes do processo uníssono que as rege. Em virtude de se organizarem para atender às demandas das atividades econômicas, o resultado é uma total remodelação do território e a organização de um novo sistema urbano, hoje muito mais complexo do que há trinta anos, com uma veloz e incessante substituição do meio natural e do meio técnico pelo meio técnico-científico-informacional. Cada vez que o território brasileiro é reelaborado para atender à produção dos complexos agroindustriais, novos fixos artificiais se sobrepõem à natureza, e, desse modo, amplia-se a complexidade dos seus sistemas técnicos. Diante disto, o território torna-se cada vez mais rígido, mais rugoso, promovendo uma urbanização corporativa, ou seja, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas. Dessa forma o conhecimento do processo de expansão do meio técnico-científico-informacional no campo parece ser a partir da análise do fenômeno espacial, uma das vias de reconhecimento da sociedade e do território brasileiros atuais. Nas áreas mais modernas do Brasil agrícola é intenso o desenvolvimento de áreas urbanas cujos nexos essenciais se devem às inter-relações cada vez maiores criadas no contexto da globalização da produção e do consumo de produtos agrícolas e agroindustriais. A modernização da atividade agrícola e agroindustrial, em especial, redefine o consumo do campo, que deixou de ser apenas consumptivo para se tornar cada vez mais produtivo, e criou demandas até então inexistentes, ampliando o processo de urbanização. As cidades do agronegócio do Brasil agrícola moderno têm-se desenvolvido atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produção e consumo se dão, em grande parte, de forma globalizada. No período técnico-científico-informacional as cidades se multiplicaram no país e passaram a desempenhar muitas novas funções, transformando-se em lugares de todas as formas de cooperação erigidas pela produção agrícola e industrial, associadas aos complexos agroindustriais. Não é apenas a cidade que tem força para receber e emitir numerosos e variados fluxos. Hoje, muitas das atividades realizadas no campo são não necessariamente agrícolas, mas industriais, visto que uma parte considerável das agroindústrias se localiza no campo, junto à produção de suas matérias-primas. Essas agroindústrias têm o poder de criar muitas novas relações, próximas e distantes, cujos circuitos espaciais da produção e círculos de cooperação buscam nexos distantes. Conseqüentemente, criam uma gama de novas relações sobre o território, transformam radicalmente as tradicionais relações campo-cidade, e fazem com que esses dois espaços passem a emitir e a receber larga quantidade de fluxos de matéria e de informação. O resultado é uma total reorganização do território brasileiro, urbano e agrícola, onde se destaca a expansão do meio técnico-científico-informacional não só nas cidades, mas também no campo. Tudo isso fez da urbanização um fenômeno bastante complexo, dada a multiplicidade de variáveis que nela passam a interferir, como, por exemplo, a modernização agropecuária associada ao setor industrial, com a conseqüente especialização dessas produções; o crescimento da produção não-material, seja associada ao consumo produtivo ou ao consumo consumptivo; o aumento da quantidade e da qualidade de trabalho intelectual; o intenso processo de êxodo rural; a existência do agrícola não-rural; a migração descendente etc. Tudo isso torna inviável considerar apenas as antigas relações cidade-campo, pois até mesmo o urbano é diferente do que era trinta anos atrás. Quanto mais se aprofunda a divisão do trabalho agrícola, mais intenso e complexo se torna o processo de urbanização. Em todo o Brasil agrícola com áreas urbanas é possível a existência de cidades facilmente identificáveis como cidades do agronegócio: Rio Verde (GO); Sorriso, Primavera do Leste e Rondonópolis (MT); Sertãozinho, Matão e Bebedouro (SP); Petrolina (PE); Limoeiro do Norte (CE); Balsas (MA); Uruçuí (PI); Barreiras e Luís Eduardo Magalhães (BA), entre outras. Em todas é visível a desestruturação da formação socioespacial anterior e a promoção de novas dinâmicas territoriais, políticas, sociais e culturais. Considerações finais No início de um novo milênio vive-se uma quebra dos principais paradigmas da relação homem-natureza e reforçam-se os questionamentos sobre a viabilidade do modelo de agricultura adotado no Brasil com o advento da globalização. Nenhum outro modelo promoveu tanta pobreza, desigualdades e degradação ambiental em tão pouco tempo; nenhum provocou uma crise de tantas magnitudes, no campo e nas cidades, a evidenciar a associação entre crescimento econômico e deterioração da situação social e ambiental, com o agravamento das contradições. As transformações da produção agropecuária e do espaço agrícola brasileiros se processaram de forma socialmente e espacialmente seletivas, ao preço de pesados custos sociais e que só vingou pelo amplo amparo do Estado, o qual manteve intocável algumas estruturas sociais, territoriais e políticas incompatíveis com os fundamentos do crescimento econômico voltado para a eqüidade social e territorial, acentuando as históricas desigualdades sociais e territoriais brasileiras. Com o acirramento da economia globalizada e a reestruturação do sistema produtivo, há uma eclosão de movimentos sociais, e criam-se novas solidariedades orgânicas (Santos, 1988, 2000), em contraposição aos instrumentos de administração internacional da agropecuária científica globalizada. No Brasil, neste sentido, o MST é, indiscutivelmente, a maior referência. Na efervescência dos movimentos em prol de uma sociedade mais justa e das discussões sobre a implementação de novos modelos gerenciais para a condução da economia brasileira, disseminam-se as discussões sobre um modelo alternativo de produção agropecuária. Destacaríamos, entre os já amplamente estudados impactos exercidos pelo modelo tecnológico adotado na agropecuária sobre o meio ambiente, a erosão genética, que deverá intensificar-se com a disputa das multinacionais pela oligopolização da produção e distribuição das sementes para a agricultura. Para incorporar os excluídos do modelo de modernização em curso, urge o exercício de uma política de desenvolvimento agrícola baseada em interesses endógenos, pautados pela viabilidade econômica, pela sustentabilidade ecológica, pela qualidade estética e pela igualdade social. Além disso, a ideologia do consumo e o neoliberalismo, que impedem a convivência realmente solidária, devem ser substituídos pelas noções básicas de eqüidade social e de cidadania, só absorvidas mediante mudanças estruturais culturais e sociais, cada vez mais indispensáveis à sustentabilidade do desenvolvimento. Caso contrário, todos os programas e projetos não passarão de retórica e terão um caráter paliativo, no intuito de arrefecer o descontentamento popular. A expansão da agricultura científica e do agronegócio, a artificialização da agropecuária, a expansão de algumas poucas culturas, a substituição de matas nativas por culturas comerciais, a difusão do uso dos transgênicos etc., estão entre os vetores que têm afetado profundamente o território brasileiro, com acentuada diminuição de variedades vegetais e animais, com profundos impactos nos seus ecossistemas. Resta-nos, diante das questões supracitadas, aprofundar os caminhos para construir os elos da sustentabilidade na agropecuária brasileira, em busca de uma outra globalização.

José Teixeira Guerra: Unidades de conservação: abordagens e características geográficas

A criação de Unidades de Conservação (UCs), no Brasil, tem-se constituído em uma das principais formas de intervenção do Estado na proteção de áreas representativas dos biomas naturais do país, frente ao acelerado processo de exploração e dilapidação do meio ambiente, imposto pelo sistema capitalista. Paradoxalmente, tem sido esse mesmo Estado que há tempos vem agindo de modo a fomentar a expansão desse sistema. Portanto, as UCs podem constituir objeto privilegiado de investigação sobre as relações entre Estado, Sociedade e Meio Ambiente nesse país. O livro Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas, composto por sete capítulos, contando com a participação de dezoito geógrafos oriundos do Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRJ, publicado pela Editora Bertrand Brasil, vem complementar uma seqüência de publicações fruto de pesquisas desse mesmo grupo que merecem ser consultadas, inclusive, pelos historiadores afeitos à questão ambiental, particularmente, aqueles dedicados às políticas públicas de proteção do patrimônio ambiental, urbano ou não. As UCs constituem um novo objeto de investigação no campo das Ciências Humanas de modo geral, ainda pouco trabalhado por historiadores. Outras áreas como a Antropologia, a Sociologia e a Geografia têm dedicado maiores esforços na incorporação desse novo tema às suas análises. No campo daquela última disciplina, as relações entre natureza e sociedade têm pautado grande número de trabalhos. Particularmente, sobre as UCs, a obra em foco propõe a perspectiva de uma análise integrada da chamada geografia física e humana como ponto de partida para o conjunto das investigações, teóricas e aplicadas a estudos de caso. Na Apresentação do volume, os organizadores reafirmam as possibilidades reservadas pelo estudo dessas Unidades a partir das realidades físicas e das construções sociais, culturais e políticas em torno dessas áreas protegidas, encontrando-se, invariavelmente, inseridas em problemáticas tanto locais como globais, as quais deveriam estar comprometidas com “os ditames do desenvolvimento sustentável, que pressupõe redes de interdependência, mais densas e eficazes, e equilíbrio dinâmico nas relações entre crescimento econômico, contingente populacional e a preservação normativa dos recursos para além da duração das demandas presentes”. O prefácio escrito pela geógrafa Bertha Becker segue a mesma linha e enfatiza que o estudo das UCs deve contribuir para um questionamento sobre o modo como a sociedade e o Estado brasileiro vêm por muito tempo tratando a natureza, “seja via mera extração predatória de recursos para atender a mercados globais, seja apenas via preservação generalizada, que pouco ou nada beneficia a população”. Uma das questões de fundo apresentadas nesse volume é justamente a dificuldade e a importância da gestão dessas áreas para que se tornem indutores de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável local e equidade social. De modo geral, os autores dessa obra advogam pela leitura das Unidades de Conservação como espaços de diferentes territorialidades. Em nossa opinião, a consideração dessas múltiplas territorialidades pode ser melhor operacionalizada se vista sob a perspectiva diacrônica, pois as diferentes temporalidades expressas nessas territorialidades podem informar sobre as diversas racionalidades e identidades culturais das distintas organizações sociais estabelecidas ao longo da história com esses espaços. O que deve contribuir para uma renovada interpretação sobre as mudanças ambientais para além da insuficiente visão do ser humano essencialmente destruidor e da idealização da natureza em estado puro dotada de uma organização e racionalidade intrínseca. Sobre o tema das UCs, encontramos referências dispersas em várias disciplinas e em uma série de estudos de caso. Para uma visão panorâmica, destacamos o trabalho de Maria Cecília Wey de Brito, resultado de pesquisa de mestrado em Ciência Ambiental na USP, defendido em 1995, editada em livro no ano de 20002, e a obra de Carla Morsello, Áreas Protegidas Públicas e Privadas: seleção e manejo, ambas publicadas pela editora Annablume. A obra em questão é de significativa importância no rol dessas publicações por transitar entre propostas teórico-metodológicas consistentes e estudos de caso de significativa relevância. Pelo caráter de obra coletiva, as contribuições acabam sendo desiguais. Destacamos os esforços de sistematização das políticas de proteção e gestão da biodiversidade, articuladas entre as demandas nacionais (Brasil) e internacionais (propostas emergidas das reuniões e conferências organizadas pela ONU, por exemplo), apresentados no primeiro Capítulo “Gestão da Biodiversidade e Áreas Protegidas”, redigido pelos geógrafos Evaristo de Castro Jr., Bruno H. Coutinho e Leonardo E. de Freitas. Esses autores chamam a atenção para situar o conceito de biodiversidade como uma produção social, construído historicamente. Na atualidade, a biodiversidade adquire sentido de força mediadora dos sistemas ecológicos e sociais – a natureza apresentando valor intrínseco – e resvala no senso comum, como natureza em estado puro, com destaque para a crescente necessidade de serem negociados acordos, em diferentes escalas, entre instituições e grupos sociais para o estabelecimento de novos compromissos sobre a sua proteção e utilização sustentável. No Brasil, o Estado sempre foi o condutor da política de implantação de áreas protegidas, mesmo quando marcadas por processos de mobilização popular. Segundo esses autores, até fins da década de 1980, “esse papel era fruto de uma visão de apropriação de recursos naturais e controle territorial”. Desde então, a perspectiva do Estado brasileiro viria se alterando ao incorporar a “noção estratégica de meio ambiente”, na qual a biodiversidade passa a ser o conceito central na política de conservação. Contudo, subjacente aos modelos de desenvolvimento atuantes, não tem conseguido equacionar justiça social, proteção e conservação dessa biodiversidade, sendo o desafio posto neste novo século “a construção social de modelos que expressem outra racionalidade produtiva que não a da instrumentalização da natureza pelo capital”. O Capítulo 2, redigido por Maria Cecília N. Coelho, Luis H. Cunha e Maurílio de A. Monteiro, “Unidades de Conservação: populações, recursos e territórios –abordagens da geografia e da ecologia política”, apresenta uma rigorosa discussão teórica da qual sobressai elementos analíticos para interpretar as dificuldades de gestão de UCs na Amazônia brasileira. A importância da relação das populações com o meio é ressaltada de forma a advertir a racionalidade e estratégia das ações de populações locais, evidenciando relações conflituosas estabelecidas por vários indivíduos ou grupos, econômicos ou não. A abordagem proposta por esses autores busca referencial teórico na chamada ecologia política, considerada síntese teórica entre economia política e ecologia cultural. “Em linhas gerais, a economia política contextualiza um determinado grupo ou processo social em relação a uma região, nação ou até mesmo ao sistema mundial. Já a ecologia cultural examina as adaptações dos grupos sociais ao ambiente local e aos fatores demográficos”. Ora, uma perspectiva que não é, de modo algum, estranha aos historiadores. Particularmente, destacamos a História empreendida em torno do movimento historiográfico conhecido por “escola dos Annales”, ou mais precisamente pelo modelo desenvolvido por Fernand Braudel, conhecido como geohistória e atualmente, as abordagens advindas da emergente História Ambiental. Particularmente, quanto ao Capítulo em questão, outro mérito a ser destacado é chamar a atenção para o fato de que as UCs são também projetos territoriais que não podem ser totalmente compreendidos apenas no contexto das políticas públicas voltadas para proteção da natureza. Ou seja, a criação desses espaços pode estar ligada a diversos interesses que não o da estrita conservação ambiental, conforme demonstrado nas analises de casos específicos de Unidades criadas na Amazônia brasileira, onde as dinâmicas da territorialização puderam ser interpretadas “tanto em termos de estratégias de permanência/sobrevivência das populações locais quanto das formas de acomodação/adaptação de novas populações que se dirigem para a região, mediadas por interesses econômicos, científicos, conservacionistas, entre outros”. Segundo esses autores, considerar as relações de poder e as dinâmicas territoriais como foco analítico permitiria a adoção de uma visão menos “romântica” tanto das populações tradicionais/locais quanto das políticas públicas destinadas à criação dessas Unidades no Brasil. Depois de um Capítulo instigante, do ponto de vista teórico-metodológico, e das análises empíricas dos estudos de caso, os Capítulos seguintes versarão sobre áreas protegidas próximas ou em meio a espaços urbanos. Uma problemática importantíssima, devido ao grau de urbanização atual do Brasil como um todo, mas principalmente das metrópoles, e ao crescimento dessas áreas sem efetivo planejamento, o que coloca essa obra em fina sintonia com a publicação Impactos Ambientais Urbanos no Brasil, já citada. Nesse sentido, o Capítulo 3 “APA de Petrópolis: um estudo das características geográficas” escrito pelos geógrafos Antonio José T. Guerra e Patrícia Batista M. Lopes, apresenta grande ênfase na descrição do meio físico e levanta questões importantes de uma Área de Proteção Ambiental (APA) que sofre diretamente os impactos da expansão das áreas urbanas, não apenas a da cidade de Petrópolis, mas das demais do seu entorno, envolvendo desde especulação imobiliária para construção de luxuosos condomínios até os avanços das favelas em direção àquela área, principalmente, as de encostas, dentre outros agravantes. A questão posta é equacionar o desenvolvimento das áreas urbanas sem afetar as condições ambientais da APA e produzir condições de vida para grande número de famílias que habitam as áreas indevidas e de risco. A gestão do território urbano deveria estar em sintonia com programas voltados à conservação e manejo dessa área, mas parece haver um recorrente descompasso entre os interesses assentados no crescimento urbano regidos pelo capitalismo e ações de conservação ambiental e qualidade de vida para populações postas à margem pelo mesmo sistema. Na mesma linha de estudo de UCs em áreas urbanas, no Capítulo 4 “O Parque Nacional no Maciço da Tijuca: uma Unidade de Conservação na Metrópole do Rio de Janeiro”, as autoras Ana Luiza C. Netto Lia O. Machado e Rita de Cássia M. Montezuma apresentam uma perspectiva histórica da ocupação do maciço da Tijuca para justificar em seguida a heterogeneidade das formações vegetais oriundas de sucessões naturais ou induzidas, encontradas no momento de criação daquela Unidade, em 1961. Sob essa perspectiva fez-se sensível a ausência do trabalho da historiadora Claudia Heynemann sobre a região que viria a ser a Floresta da Tijuca. Essa pesquisadora colocou em evidência o papel da natureza no processo de constituição de um ideal de civilização almejado pela classe dirigente imperial. Com o reflorestamento de tal área, a partir de 1861, a elite política refletia sua proposta de organização do Estado Imperial a partir do próprio ordenamento da natureza. Sobressai da análise das autoras desse Capítulo, a urgência de não apenas constatar as degradações internas à mencionada Unidade, mas também de estabelecer um plano de gestão integrada desta com os espaços urbanos. O Capítulo seguinte, “Legislação Ambiental e a Gestão de Unidades de Conservação: o caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba-RJ”, escrito pelas geógrafas Claudia B. de Dios e Mônica dos S. Marçal, defende a idéia de que a proteção legal não tem sido suficiente para manter a integridade das UCs. Para tal afirmação, as autoras cotejam o arcabouço legal que incide sobre a referida Unidade juntamente com a realidade local e os problemas enfrentados para gestão daquele espaço. Constatam que a criação de tal UCs influiu diretamente no ritmo de vida local, particularmente na economia, pela vinculação história daquelas comunidades com a extração de recursos naturais daquela área. O governo local via nas restingas o atrativo turístico que propiciaria, ainda, a expansão imobiliária de condomínios de alta classe. Sob esses aspectos, ressaltam as autoras que os conflitos gerados pela criação de UCs não devem ser tratados como meros entraves técnicos, mas como problemas socioeconômicos decorrentes do histórico de ocupação dessas áreas. No Capítulo 6, intitulado “Caracterização e análise de situações ambientais relevantes no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e áreas vizinhas”, os pesquisadores Jorge Hamilton S. dos Santos, Jorge X. da Silva e Nádja Furtado B. dos Santos apresentam o texto menos crítico e mais descritivo do volume, com grande ênfase nos aspectos do meio físico da região. A proposta foi subsidiar a tomada de decisões quanto à gestão daquela, mas o que traz evidente é a completa insuficiência das normas estabelecidas no Plano de Manejo daquela Unidade. As considerações apresentadas pouco trazem de referências aos contextos sociais locais e às questões políticas. O Capitulo final “Parque Estadual da Pedra Branca: o desafio da gestão de uma Unidade de Conservação em área urbana”, das autoras Josilda Rodrigues da S. Moura e Vivian Castilho da Costa, retoma os estudos de áreas protegias em espaço fluminense. Ressalta da análise que práticas consideradas “tradicionais” para comunidades da região, como o plantio de banana e criação de gado, acabavam sendo utilizados como instrumentos para delimitação de propriedades irregulares invadindo os limites do referido Parque, mascarando o verdadeiro uso que se fazia: ocupação e retirada de madeira nativa. Essas ocupações irregulares são favorecidas pelas dificuldades de regularização fundiária do Parque, e por outro lado, da falta de política pública de habitação para a cidade do Rio de Janeiro, que lança grande contingente populacional para as zonas periféricas. Fato relevante dos estudos de caso que tiveram como foco áreas situadas no Estado do Rio de Janeiro é que tais áreas naturais protegidas encontram-se sob a chamada Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, categoria internacional criada pela UNESCO, a partir do Programa Man and Biosphere, que propõe a conservação dos recursos naturais e melhoria da qualidade de vida das populações localizadas nesses espaços, disponibilizando meios de acesso a financiamentos internacionais para ações nessas áreas visando tais objetivos. Contudo, uma perspectiva pouco explorada pelos autores, restringido-se apenas à menção ao fato. Em termos de editoração, o volume apresenta-se muito bem acabado, contudo, o livro apresenta uma série de imagens (fotografias, mapas e imagens de satélite) presentes nos Capítulos 3 ao 7, todas em preto e branco, aparecendo em caráter meramente ilustrativo e deficitárias em resolução e tamanho. A apresentação das múltiplas possibilidades de estudo sobre as UCs parece evidente ao final da leitura da obra em questão. De maneira ampla, os Capítulos demonstram as dificuldades de gestão dessas áreas, particularmente, emergidas de problemas fundiárias: não reconhecimento das sociedades do entorno e conflitos com os interesses locais e/ou regionais. O mérito do volume, de modo geral, é apresentar uma discussão abrangente das dificuldades em torno da criação e, principalmente, a implantação e gestão das UCs no Brasil. Panorama atual de grande relevância para o estado da questão das insuficiências das políticas públicas de proteção ao patrimônio ambiental no país. Constatação que deveria ter maior atenção dos historiadores. As questões abordadas nesse livro apresentam congêneres em outras partes do país, como a região metropolitana de São Paulo e as áreas naturais protegidas localizadas nesse espaço e entorno dele. Da leitura dessa obra de geógrafos, mas não circunscrita a geógrafos, devemos destacar o leque de abordagens possível para o tema das UCs e sua inquestionável relevância para compreensão e possibilidade de intervenção crítica na realidade de questões cruciais da atualidade, como a formulação de políticas públicas que dêem conta da conservação do patrimônio ambiental do país com justiça social.

Rogério Haesbaert : A nova desordem mundial

O olhar do ser humano sobre a natureza alterou-se nas últimas décadas. Após décadas de destruição e descaso com os recursos hídricos, os minerais e dos mais diversos crimes ambientais, favorecendo os grandes industriais e empresários. A população despertou para esse tipo de abuso e hoje cobra medidas de proteção e preservação para áreas que antes eram locais para depósito de resíduos e/ou obtenção de recursos. Os ambientes mais afetados com essa degradação foram as matas naturais, hoje chamadas de “relíquias”, e as macro e micro bacias hidrográficas, que foram arrasadas sem qualquer planejamento que visasse seu desenvolvimento futuro. Essas se encontram hoje em uma situação que merece nossa atenção, pois muitas nascentes estão sendo abafadas por construções ou secadas para o plantio de monoculturas. A fim de mudar essa visão desoladora da paisagem, o planejamento ambiental vem como uma das várias ferramentas de auxilio para ajudar na gestão de recursos naturais, ainda existentes. Este se trata de um excelente recurso para o poder público e também para ONGs preocupadas com o futuro dos recursos naturais. Os pesquisadores, neste sentido, são os responsáveis por apontar os problemas existentes no espaço e propor soluções para resolvê-los. Pensando em longo prazo, é possível enxergar no ensino o caminho mais curto para uma conscientização em massa, a fim de conseguirmos alterações na concepção de natureza e a importância de preservação desta. Levar conceitos que reforçam a pratica ambiental para dentro da escola, pode fazer com que as crianças adquiram ainda mais o amor pelo meio ambiente e comecem desde já, de forma consciente, a despertar o valor da terra e do verde para eles e assim, ajudá-las a crescer ecologicamente. Para tratar de um problema ambiental que conjuntamente está atrelado a um problema social, esse projeto de iniciação científica tem como objetivo geral à realização de explanações sobre os diferentes conceitos da Educação ambiental criando subsídios para escola e para criança nas quais estes possam ser um instrumento de cooperação e conscientização da relação homem-natureza. Assim como, desenvolver na criança uma percepção ambiental já esquecida, devido a antropização de suas relações para com o meio ambiente, devolvendo a esta a oportunidade de encarar as relações sociedade-meio ambiente de uma maneira coerente, e não somente com o olhar do homem sobre o recurso. Com essas características em mentes é possível o desenvolvimento de um trabalho educacional ambiental, orientado por características que levarão os alunos e a comunidade local, ao questionamento de seus atos com o meio ambiente e relacionem interesses públicos e privados em determinadas áreas de exploração. Sendo o município de Ourinhos/SP/Brasil uma cidade na qual muitos dos interesses capitalistas prevalecem aonde o projeto de canalização de quase todos os córregos chegou a ser cogitado e a população fechou os olhos para isso, talvez esse despertar nas crianças possa vir a modificar algumas situações futuras como apoio a ONGs ambientais e projetos ecológicos. Sendo assim, este projeto tem por objetivo geral um trabalho de educação ambiental com comunidades, escolas públicas e/ou outras organizações que possuam uma identidade com os recursos hídricos locais e também o médio Paranapanema. Como visto o trabalho de conscientização e educação ambiental é ponto fundamental para assegurar a sobrevivência das pequenas e médias bacias do estado de São Paulo, e é preciso que essas continuem com vida para um futuro próximo. A construção e desenvolvimento do projeto se darão através da elaboração de material em educação ambiental, visando atingir alunos da quinta série do ensino fundamental da rede pública do município de Ourinhos/SP. O projeto consistirá também em atividades extra-sala, que possibilite a disponibilização dos conteúdos vistos através da construção de um website do grupo assim toda a sociedade pode fazer uso desse material construído e utilizado pelas crianças. O trabalho a ser realizado depende de muita atenção aos alunos e também grande cooperação da escola e mesmo das crianças envolvidas. Sendo a Educação ambiental garantida por lei, pouco tem se visto de trabalho dentro da escola e mesmo nas regiões próximas dos córregos e rios que abastecem o Paranapanema. Se as micro bacias vierem a se extinguir, aos poucos o rio principal vai perder vazão e os animais próximos sofreram as conseqüências e na pior das hipóteses morreram. Tomar uma medida que possa amenizar esses impactos e divulgar a toda a sociedade como se evitar que um recurso tão rico como a bacia do médio Paranapanema sofra as conseqüências dessa antropização desenfreada, é dever nosso como geógrafo e como cidadão que almeja um futuro com muitos espaços de lazer e integração consciente com o meio ambiente. Desta forma, cabe ao pesquisador desenvolver trabalhos que atinjam o ideal social e a mobilização do ambiente escolar, pois quase sempre garante resultados prósperos. Ao investir na escola, ou seja, na base da sociedade podemos garantir uma interação sustentável entre homem e natureza, levando a conscientização deste para com o meio ambiente local. Introdução e justificativa O homem é uma das espécies na terra de mais nova ascensão. Enquanto repteis e aves e outros mamíferos passaram por longas datas de evolução a espécies do Homo Sapiens quebrou o protocolo e impera dominante sobre as demais espécies animais do planeta. Esse domínio é amplamente expressado pelas diversas maneiras de imposição física e material da espécie, assim muito pouco os outros animais podem fazer a respeito. No inicio de sua peregrinação até os dias atuais a espécie humana utilizava-se, e muito, dos elementos naturais para conseguir vantagem e desenvolvimento para estes. Astronomia e navegação além da agricultura são frutos da observação do ambiente primitivo e interpretação correta e uso de meios necessários para um uso desses elementos do qual nenhum outro animal foi capaz de utilizar a seu favor. Se pensarmos que um de nossos ancestrais comuns tinha como principal objetivo o ato de colher bananas, é impressionante que nossas mentes sejam capazes de interpretar o distanciamento de um universo infinito ou a solução de um diagrama matemático complexo. Esse desenvolvimento garantiu ao Homem o maior elemento de todos: O poder. Destinado a fazer do planeta em que habita o auge de sua civilização ou de sua expressão de superioridade, nossa espécie passou por ciclos que deixou grandes marcas em pouco tempo em um planeta que levou bilhões de anos para se harmonizar. Não limites para o homem moderno. Esse já provou dos mais variados meios que a sua capacidade de engenharia e manipulação impera sobre as perspectivas naturais. Pontes, prédios, tecnologias, conquistas espaciais, tudo isso garante ao Homo sapiens sapiens a sua supremacia. Mas toda essa inteligência foi capaz de cegar a mais primitiva das conquistas de nossos ancestrais: A de vida em harmonia com os bens naturais. Nossa espécie passa a ver a natureza como um empecilho ao desenvolvimento da raça, tratando-a como dispensável e fazendo pouco caso com a vida silvestre. Indefesos e sem ambientes para migrar muitos animais acabaram sendo extintos pela ganância humana de cada vez expandir mais e consumir mais. Entretanto depois de décadas de destruição e exploração dos recursos minerais desse planeta as pessoas acabam por despertar sobre a importância de se preservar o pouco que restou. Mas seria para o planeta que deveríamos olhar? Os grandes capitalistas dizem-se produtores de algo, como petróleo carvão e ainda diamantes, mas na verdade eles não são produtores e sim grandes exploradores. “Nenhuma sociedade e nenhum país do mundo produz carvão, gás ou qualquer outro minério, inclusive água, mas simplesmente os extrai.” Essa perspectiva das grandes empresas pela proteção ao verde acaba mudando o foco de analise do meio ambiente. Mas logicamente algum interesse estaria por vir. As chamadas medidas metigatórias, nunca foram tão presentes como nos últimos 5 anos. O grande capital despertou para os recursos que a natureza pode nos provir e isso, se não fiscalizado, pode ser um alto preço que nossas futuras gerações venham a pagar. Isso devido ao fato de a biodiversidade ser instrumento de poder e moeda de troca de alguns países e capitalistas e em 60 anos o homem descobriu mais 60 elementos químicos da natureza e ainda produziu mais 26. A natureza passou de pouco notada a um meio explícito de se ganhar dinheiro através dos elementos que dispõe para o auxilio a vida e a qualidade de vida. Cosméticos e remédios de cunho natural nunca venderam tanto como nos dias atuais e por trás de tudo isso existe o grande mau da biopirataria. Principalmente os países mais ricos que não detém mais nenhuma reserva natural, são os que mais produzem esse tipo de medicamento. Mas como isso é possível se os elementos naturais desses países não existem mais devido ao ato desenfreado de expansão? A resposta é dolorosa e difícil de entender. A biopirataria é um dos crimes mais covardes que se pode cometer, e muitas vezes as autoridades sabem o que esta se passando e não conseguem impedir o inevitável. Estão retirando nossas riquezas naturais, industralizando-as e revendendo para nós a um preço muito alto, o problema não é o valor material, mas sim sentimental de um elemento natural nosso, explorado por outros e utilizados por nós. E se isso não bastasse retiram os conhecimentos de nossos povos primitivos e utilizam sua sabedoria para produzir os remédios que eles fazer a séculos e revendem em uma embalagem comerciam para que as pessoas gastem seu dinheiro com algo que esta a vosso alcance. É necessário uma mudança de atitude e também de perspectivas e uma conscientização das atrocidades que estão fazendo com o nosso meio ambiente. Esse chamado da mídia de despertar o interesse populacional sobre os cuidados com o meio ambiente, entretanto pouco se fala da maneira correta de se fazer ou ainda só cita como fazer. A sociedade carece de pessoas que levem as informações necessários para um amadurecimento de idéias desse conteúdo. É necessária uma postura correta frente aos problemas encontrados, sejam estes de qualquer amplitude. Ao ser informado corretamente o cidadão esta mais suscetível a preservar, por isso é chegada a hora de fazer-se pelos meios corretos. A pensar a longo prazo, é possível enxergar no ensino o caminho mais curto para uma conscientização em massa, afim de conquistarmos pequenas vitórias mas que a longo prazo possam a se tornar um grande movimento dentro da sociedade. Levar conceitos que reforçam a pratica ambiental para dentro da escola, pode fazer com que as crianças adquiram ainda mais o amor pelo meio ambiente e comecem desde já, de forma consciente, a despertar o valor da terra e do verde para eles e assim ajudá-los a crescer ecologicamente. A interdisciplinaridade muitas vezes é esquecida e a criança acaba por muitas vezes separar o loco ambiental em biologia e geografia, sendo que na verdade se tratam da mesma coisa. A importância ecológica não pode ser dividida e muito menos esquecida é preciso atrair na criança a curiosidade de se estudar o ambiente, e interagir com ele de uma maneira fácil e descontraída. O ano de 2008 eleito a ano da preservação do planeta e muito desse tema foi divulgando na mídia, a idéia de colaborar com a conservação do planeta agrada o aluno e desperta o interesse de ajudar e aliar medidas simples no dia-a-dia que muito podem favorecer a preservação local das áreas degradadas. Trabalhar a essa situação as condições que os nossos recursos hídricos estão passando como: falta de mata ciliar, erosão, lixo acumulado na várzea, e o pior deles, o risco da canalização desnecessária. Seria de grande ajuda na revitalização dessas áreas se conseguíssemos o apoio popular e principalmente das crianças, mostrando a conscientização que muitos adultos não detêm. Ao trabalhar com os estágios realizados na graduação, e realizando intervenções dentro da sala de aula, pude notar que existe uma receptividade dos alunos e dos professores ao se tratar o problema ambiental. Atrelado ao dia-a-dia das crianças e levando até eles sua própria realidade e o despertar para o recurso hídrico presente na região escolar ou domiciliar, é possível garantir um melhor relacionamento homem-meio e alertar para o problema da não preservação do mesmo. Muitas vezes nos deparamos com um conceito de meio ambiente errado, na qual para as crianças o meio ambiente seria o verde o belo. Despertando-os para uma conceituação correta e integrando a educação ambiental em seu caminhar diário, sem duvido a percepção das mesmas mudará em pouco tempo Na região sudeste, a maioria das escolas publica e privadas é possível encontrar disponível para uso dos alunos, um laboratório de informática, onde é possível um contato maior e interativo com o computador, a própria Vunesp envia senha para os alunos do terceiro colegial para o mesmo faça a inscrição do vestibular pela internet, dessa forma os meios são diversos só necessitamos saber como utilizá-los. O uso dessa tecnologia pode vir a demonstrar que a interdisciplinaridade das matérias é muito possível, muitos materiais estão disponíveis só precisam ser agrupados e usados com uma correta orientação. Atrair a criança para o uso de novas tecnologias a torna mais apta a aprendizagem, e a interação com softwares adequados possibilita à criança e ao adolescente explorar um mundo que não seria possível somente no papel. O trabalho com a informática e uma abordagem ambiental pode render frutos durante toda uma vida de brincadeiras e responsabilidades. A rede mundial de computadores vem sendo o maior portal de conhecimento que as novas gerações conhecem, muito mais que livros, revistas e tele-jornais. Entretanto é preciso cuidado para a seleção do material, por isso o auxilio na seleção desse é fundamental para o andamento do projeto e o acompanhamento da turma em sua utilização é indispensável. A mobilização da mídia despertou um interesse demasiado nos professores da rede publica e privada para o tema ambiental. Entretanto a educação ambiental é garantida por lei federal desde 27 de abril 1999. Essa lei fui uma batalha longa e dolorosa e só conseguiu ser aprovada devido a muita insistência e luta de inúmeros ambientalistas e educadores. Assim é possível ressaltar alguns artigos, garantidos por lei que serão utilizados ao longo da pesquisa e levados aos alunos com seus valores e o suporte necessário que a lei nos permite: Cap. I - Artigo 1º - entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o individuo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimento, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Cap. I - Artigo 3º parágrafo I - Ao poder publico, nos termos dos artigos 205 e 225 da constituição federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente. Cap. I - Artigo 4º - São Princípios da educação ambiental: I - O enfoque humanista, holístico, democrático e participativo III - O pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinariedade. VIII - O reconhecimento e o respeito à Pluralidade e à diversidade individual e cultural Mesmo a Educação ambiental sendo provida dos recursos constitucionais, pouco tem se visto o trabalho dentro da escola e mesmo nas regiões próximas dos córregos e rios que abastecem o Paranapanema. Se as micro bacias vierem a se extinguir, aos poucos o rio principal vai perder vazão e os animais próximos sofreram as conseqüências e na pior das hipóteses morreram. Tomar uma medida que possa amenizar esses impactos e divulgar a toda a sociedade como se evitar que um recurso tão rico como a bacia do médio Paranapanema sofra as conseqüências dessa antropização desenfreada, é dever nosso como geógrafo e como cidadão que almeja um futuro com muitos espaços de lazer e integração consciente com o meio ambiente. São em pontos como este que devemos trabalhar e carregar valores educacionais ambientais para uma melhor qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. É dever do Estado promover a Educação ambiental, mais é dever de todo cidadão zelar pelo meio ambiente natural e cuidar para que o mesmo seja visto por gerações futuras. Com essas características em mentes é possível o desenvolvimento de um trabalho educacional ambiental, orientado por características que levarão os alunos e a comunidade local, ao questionamento de seus atos com o meio ambiente e relacionar interesses públicos e privados em determinadas áreas de exploração. Sendo Ourinhos uma cidade na qual muitos dos interesses capitalistas prevalecem, onde o projeto de canalização de quase todos os córregos chegou a ser cogitado e a população fecha os olhos para isso, talvez esse despertar nas crianças possa vir a modificar algumas situações futuras como apoio as manifestações populares ocorridas em praça pública. A água é um bem publico garantido por lei, mas ultimamente vem sendo pouco valorizado quando esta corre por meio de rios poluídos e que trazem “transtornos” à população. Esses transtornos são citados pela mesma como aparecimento de insetos, mato acumulado, mau cheiro entre outros. Trabalhar os alunos as devidas potencialidades naturais ao entorno do ambiente escolar pode trazer conhecimento e adequações a consciência local e um novo olhar sobre os recursos hídricos. Escolas como a Jandira Ramalho no bairro do Itamaraty em Ourinhos expressam uma excelente oportunidade de trabalho em educação ambiental visto que um córrego passa a poucos metros da escola. Levando-se em conta que é um bairro afastado da região e acarreta uma segregação populacional de cunho histórico, pode ser feito um resgate ambiental de como começou a degradação daquele ambiente. E o ponto mais forte dessa escola trata-se na disposição de professores e diretores em colaborar com essa mudança de realidade. Por muitas vezes a situação de canalização acabo por esbarrar em inúmeras perguntas que não conseguimos chegar a uma resposta exata, a principal delas seria o mau cheiro provocado pelos córregos próximos .A indagação seria qual a razão dessa situação ocorrer com as pessoas de casas próximas. Não seriam essas casas construídas de maneira irregular? Aonde estaria o mato alto, não era para ter mata ciliar protegendo o solo e garantindo um meio ambiente equilibrado com presa e predador? A canalização é tentar remediar o que não foi cultivado, e quem garante que depois dessa atitude tão destrutiva ao meio ambiente, essa “revitalização” seja mantida? Tocar a comunidade com os verdadeiros problemas é algo plausível e mostrar pra eles uma realidade, da qual eles não conhecem que são as margens dos rios em harmonia, é algo digno de se buscar como cidadão e pesquisador. Realizar o papel de educador é um trabalho gratificante mais nem sempre fácil. As dificuldades são inúmeras e algumas já constatadas durante o período de estagio que realizei na escola estadual. Entretanto não realizar o papel de educador ambiental e principalmente de geógrafo, é como deixar de completar a busca do estudante em geografia que é realizar medidas concretas que possam voltar de maneira gratificante para a sociedade. Presenciar o dia-a-dia das crianças, escutar seus anseios, debater com eles suas preocupações e ainda trabalhar o ensino ambiental é mais do que um objetivo, é dever de cidadão. Levar a verdade através deles para seus pais ou mesmo trabalhar o conjunto os dois podem dar frutos no futuro, lógico que leva tempo, mas a necessidade é justificativa de trabalho árduo. Todos os dias crianças vão para as escolas com necessidades alimentares, e só chegam até ali, muitas vezes, para suprir essa necessidade. Essa não é uma realidade exclusiva de metrópoles, é uma realidade presente em toda a cidade onde existe miséria e descaso com os mais necessitados. Intervir de maneira a colaborar para um melhor rendimento na educação estadual e servir de instrumento para formar cidadãos mais responsáveis ambientalmente é um desejo que pretendo contemplar.

Demétrio Magnoli: Relações internacionais: teoria e história

As Relações Internacionais (RI ou ainda chamada de Relações Exteriores) visam ao estudo sistemático das relações políticas, econômicas e sociais entre diferentes países, cujos reflexos transcendam as fronteiras de um Estado, isto é, tenham como foco o sistema internacional. Entre os atores internacionais com influência nas RI, destacam-se os Estados, as empresas transnacionais, as organizações internacionais e as organizações não-governamentais. As RI podem ser focadas tanto na política externa de determinado Estado, quanto no conjunto estrutural das interações entre os atores internacionais. As Relações Internacionais surgem como um domínio teórico da Ciência Política no pós 1ª Guerra Mundial. Escolas para o estudo exclusivo dessa disciplina são criadas no Reino Unido e nos EUA, refletindo o interesse desses países no entendimento das causas da guerra e em sua prevenção. Posteriormente, desenvolver-se-iam estudos focados na ação estratégica dos Estados, no intuito de conservarem e ampliarem seu poder, tendo como elemento empírico de análise a ação diplomática e bélica. Esses fatores ganham relevância devido ao contexto histórico vivido durante a Guerra Fria. Os teóricos mais eminentes no período são os norte-americanos. As teorias políticas clássicas concentraram seu interesse sobre as relações internas dos Estados, estabelecidas entre governantes e a sociedade em geral. O estudo das relações internacionais, ou seja, das relações estabelecidas entre os Estados, é muito mais recente. A preocupação com sistema internacional de Estados foi estimulada pela constituição progressiva de uma economia integrada, de âmbito mundial. As transformações na produção e na circulação de mercadorias típicas do século XVIII e XIX – época da Revolução Industrial – aumentaram a relevância desses estudos. O vasto campo de estudo das relações internacionais não é definido de forma consensual. Diferentes autores encaram de modo divergente – e muitas vezes conflitante – o objeto das relações internacionais. 1. Escola idealista ou liberalista Oriunda do pensamento iluminista, a escola idealista enfatiza a comunidade de normas, regras e ideias que sustenta o sistema de Estados. Sua fonte é a noção de direito natural que aplicada ao sistema internacional e implica na definição da justiça como arcabouço das relações entre os Estados. De certa forma, os ecos da visão rousseauniana do contrato social ressurgem aqui em um contexto específico. Essa tradição, que se desenvolveu e se reforçou no mundo anglo-saxão como uma reação moral aos horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), forneceu os parâmetros para a escola idealista. Ainda hoje, a escola idealista assenta-se sobre a ideia iluminista ancestral da possibilidade de uma sociedade perfeita. Essa meta moral condiciona o caráter francamente reformista dos autores, que se preocuparam em adaptar o sistema internacional às exigências do direito e da justiça. Os célebres "Quatorze Pontos", do presidente americano Woodrow Wilson – a proposta de uma paz sem vencidos ou vencedores ao final da Primeira Guerra Mundial, bem como nos princípios fundadores da Liga das Nações, de 1920, inscreveram-se como exemplos da influência idealista na diplomacia de século XX. Até certo ponto a "política do apaziguamento" de Chamberlain e Deladier – que multiplicou as concessões na vã esperança de acalmar o belicismo de Hitler – foi tributária dessa corrente de ideias. 2. Escola realista A segunda tradição enfatiza não a comunidade ideológica do sistema internacional, mas seu potencial conflitivo. As raízes desse estilo encontram-se essencialmente em Maquiavel e Hobbes. Maquiavel sublinhou a importância da força na prática política liberta de constrangimentos morais e conferiu legitimidade aos interesses do soberano. Em seu Maquiavel, nutria profundo pessimismo em relação à natureza humana. Ele realça uma ideia que se tornou a fonte da argumentação básica da escola realista: a ausência de um poder soberano e imperativo nas relações internacionais. No plano acadêmico, a escola realista desenvolveu-se como reação aos melancólicos e trágicos fracassos da "política do apaziguamento" conduzida na Europa do entreguerras. Substituindo a meta moral do sistema internacional pela análise das condições objetivas que determinam o comportamento dos Estados, os pensadores realistas ancoraram sua argumentação nas noções de anarquia inerente ao sistema e da tendência ao equilíbrio de poder como contraponto a essa anarquia. Entenda-se anarquia não como caos, mas a ausência de uma autoridade política central acima dos Estados, pois a nenhum Estado cabe o direito de ordenar, bem como os demais não têm obrigação de obedecer. As divergências entre os autores realistas a respeito dos condicionantes do comportamento dos Estados originaram a corrente neo-realista, também conhecida como realismo estrutural. Contrariamente aos realistas que tentam definir o comportamento dos Estados pela ânsia de poder, os neo-realistas preferiram identificar a busca da segurança como causa última da prática política no sistema internacional. 3. Escola radical A terceira tradição tem raízes mais recentes, situadas no pensamento marxista. Karl Marx não produziu uma teoria do sistema internacional, mas da história da revolução social. Ao contrário das tradições citadas anteriormente, não é a cooperação ou o conflito entre os Estados o seu objeto, mas o conflito entre as classes sociais. O Estado é um elemento marginal no pensamento marxista, e o comportamento dos Estados, quando enfocado, surge apenas como veículo para interesses econômicos, políticos ou ideológicos de outros atores (classes sócio-econômicas, corporações industriais e financeiras etc.). Contudo, principalmente por meio de Lênin, a tradição marxista forjou um pensamento sobre as relações internacionais, classificado como escola radical ou neomarxista. O Liberalismo/Idealismo e o Realismo consolidaram-se ao longo das décadas do sec. XX, como as principais correntes teóricas nos estudos internacionais. Ambas as correntes derivariam novos debates, a partir da revisão de seus conceitos em novos quadros analíticos. Nos anos 1980, originar-se-iam dessas discussões as correntes neorrealista e neoliberal. 4. Sistema internacional e o equilíbrio de poder A política externa consiste no conjunto de posturas, práticas e iniciativas do Estado relacionadas com o ambiente político que o envolve: o sistema internacional de Estados. Raymond Aron, em Paz e Guerra entre as Nações, define o sistema internacional como "o conjunto constituído pelas unidades políticas que mantêm relações regulares entre si e que são suscetíveis de entrar numa guerra geral". Os sistemas internacionais são constituídos, portando, de unidades separadas - isto é, Estados soberanos - que se encontram integradas pelas relações de independência. Tomando como ponto de partida o esquema das relações internacionais, podemos dizer que as unidades políticas são rivais por que são autônomas – em última análise, elas só podem contar consigo mesmas. No ambiente de anarquia do sistema internacional, cada uma das unidades políticas componentes almeja sua segurança particular e, para incrementá-la, acumula meios e recursos de poder. O resultado da atitude de cada unidade política é o aprofundamento da sensação de insegurança das demais que reagem, no sentido de recobrar sua segurança, ampliando seu próprio poder. O equilíbrio de poder não se constitui o alvo da atividade de qualquer componente do sistema, mas emerge eventualmente da combinação das suas iniciativas particulares. Essa anarquia fornece certo grau de estabilidade provisória para o próprio sistema internacional. A estabilidade é assegurada pelo equilíbrio de poder entre as principais potências. Em primeiro lugar, a estrutura do sistema envolve a consideração dos seus limites. Por muito tempo a distância geográfica funcionou como fator determinante na delimitação dos sistemas: entidades políticas muito distantes não podiam manter relações interativas regulares. O sistema das cidades gregas na antiguidade – ancorado na rivalidade entre Atenas e Esparta, chegou a abranger, no máximo, o império persa. Contudo, o domínio macedônio ampliou a unidade política e acumulou recursos econômicos e militares que permitiram empreendimentos distantes, dilatando os limites do sistema. A premissa de interdependência política das entidades também funcionou como fator de delimitação espacial. As relações estabelecidas entre as potências mercantis européias e as colônias no Novo Mundo, ou as relações entre as potências industriais do século XIX e suas colônias asiáticas e africanas, embora regulares e constantes, não exprimem um sistema mundial, em função da ausência de soberania dos territórios subordinados. Em segundo lugar, a estrutura do sistema depende da configuração da relação de forças. Os sistemas organizam-se em torno das grandes potências, ou seja, dos Estados que dispõem dos meios para exercer uma influência significativa sobre todos os demais. Apenas as entidades políticas cujo poder é levado em conta pelas principais são participantes integrais de um sistema de Estados. A configuração da relação de forças dos sistemas influi decisivamente sobre os padrões de aliança, tensão e conflito que dinamizam. No século XIX, após a derrota de Napoleão Bonaparte, constituiu-se um sistema europeu baseado na convivência de cinco potências: Grã-Bretanha, França, Prússia, Rússia e Áustria-Hungria. O Congresso de Viena, de 1815, estabilizou as relações entre elas pela constituição da chamada Santa Aliança. O Sistema de Metternich, como ficou conhecido, refletia o equilíbrio de poder entre as potências do Velho Mundo. O sistema de Estados europeus do século XIX representa um exemplo clássico de sistema multipolar ou pluripolar. Esse equilíbrio, que perdurou por praticamente um século, começou a ser erodido pela unificação alemã de 1871, que gerou novas tensões em função do aumento do poderio da Alemanha e da insegurança que ele provocou entre as demais potências do sistema. Além disso, no final do século, a emergência dos Estados Unidos e do Japão como potências internacionais começou a provocar o alargamento dos limites do sistema, que tendia a se globalizar. A Primeira Guerra Mundial e as crises do entre guerras destruíram definitivamente o sistema multipolar europeu do século XIX. A Segunda Guerra Mundial (1939-45) originou um sistema internacional de características completamente diferentes. A expressão Guerra Fria referencia-se nesse novo sistema, de abrangência mundial, alicerçado sobre o equilíbrio entre as duas superpotências termonucleares. Na segunda metade do século XX, a bipolaridade de poder estruturou as relações entre os Estados e definiu os padrões de conflito e cooperação em escala global. A partir do fim da Guerra Fria, podemos destacar que a complexidade da agenda internacional nos coloca diante de questionamentos sobre a permanência do Estado e da permanência da hierarquia atual na ordem internacional. O surgimento de novos atores capazes de contrariar a consolidada noção de soberania estatal e os problemas sistêmicos relacionados a temas como meio ambiente, ONGs, blocos econômicos regionais, empresas multinacionais, crise econômica global, terrorismo, crime organizado, fontes energéticas, alimento e água, desarmamento nuclear, entre outros – todos eles permeando a estrutura estatal e fugindo do controle dos governos, nos levam a incertezas quanto à definição e à antecipação do ambiente futuro das relações internacionais. 5. O mundo bipolar e o fim da velha ordem mundial O arranjo de poder na relação entre os países mudou completamente com o fim da 2ª Guerra Mundial. As tradicionais potências imperialistas européias, Alemanha, França e Inglaterra, estavam combalidas ao final do conflito. O esforço de guerra causara uma redução na produção de alimentos e bens de consumo. Os setores estratégicos de seus parques industriais e redes de infra-estrutura estavam parcialmente destruídos. A maneira como ocorreu o desfecho do conflito também não favoreceu as potências da Europa Ocidental. Ao final, Estados Unidos e União Soviética se afirmaram como novas potências emergentes que viriam a se tornar os dois grandes pólos de poder das relações internacionais no pós-2ª Guerra. Logo, as rivalidades e conflitos de interesse surgidos entre ambas dariam início à chamada Guerra Fria, um conflito de fundo ideológico, político e econômico entre as duas superpotências, que disputavam áreas de influência com o intuito de alcançar a hegemonia planetária. A Guerra Fria durou pouco mais de 40 anos, nos quais foram deflagrados inúmeros conflitos e guerras em nome das disputas ideológicas entre capitalistas e socialistas. Com o objetivo de dissuadir seu oponente, ambas superpotências protagonizaram uma corrida armamentista sem proporções na história, que teve como desdobramentos a expansão do arsenal nuclear e a corrida aeroespacial. Conflitos como a Guerra da Coréia, a Revolução Cubana, a crise dos mísseis em Cuba, a Guerra do Vietnã e a boa parte das guerras civis relacionadas à descolonização africana e asiática são consequências da estrutura de relações delineadas na Guerra Fria, a maioria com desdobramentos até os dias atuais. Os arranjos de poder nas relações entre Estados que se configuraram nesse período constituíram o que se denominou uma ordem mundial bipolar, pois as duas superpotências comandavam seus respectivos blocos de poder e disputavam áreas para serem incorporadas. Este ordenamento de poder chegou ao fim em 1991, com o desmembramento da URSS e a crise total do socialismo real. São muitos os fatores que contribuíram para o fim da União Soviética. Internamente, dentre outros, destacam-se: 1) A estrutura burocrática estabelecida desde os tempos de Stalin, que criou uma classe política privilegiada; 2) A produção insuficiente de bens de consumo; 3) As questões políticas e étnicas internas, já que não havia democracia e a própria constituição do país se dera a partir da imposição do domínio russo sobre os demais povos integrantes das repúblicas. Relacionados à situação externa e à estagnação da economia nos anos 70 e 80 ocorreram: 1) A dificuldade de incentivar a inovação na maioria dos setores da economia; 2) A incapacidade de produzir com padrões razoáveis de eficiência, fazendo com que o país não acompanhasse os avanços capitalistas da 3ª Revolução Industrial; 3) Os elevados gastos militares decorrentes da corrida armamentista. 6. O debate sobre as novas polaridades Sob certos aspectos, a velha ordem mundial apresentava estrutura claramente definida. Havia dois grandes blocos de poder, associados às ideologias antagônicas. Os diversos países podiam se posicionar em três campos: bloco capitalista, bloco socialista ou não-alinhados. Portanto, apesar de toda a tensão vivida no período, a maior parte dos analistas classifica a Guerra Fria como um momento de relativa estabilidade na estrutura das relações internacionais. A nova ordem mundial, que se configura a partir da derrocada da URSS, se constitui um arranjo recente, em definição. Um período de transição a um ordenamento que ainda se constrói. Contudo, algumas afirmações já se consolidam nas análises acerca do tema. Por exemplo, as comparações entre velha e nova ordem tendem a situar esta última como um momento de maior instabilidade na estruturação das relações de poder entre países. Um dos principais temas das análises acerca da nova ordem é a definição da distribuição do poder planetário a partir da noção de pólos. Que mecanismo substitui a bipolaridade predominante na Guerra Fria? Diferentes versões têm sido elaboradas com o intuito de responder a esta questão, o que impossibilita a existência de um consenso sobre o assunto. Identificar os pólos de poder significa analisar quais países têm a capacidade de influência nas práticas políticas e econômicas em escala global. Porém, tão importante quanto definir as polaridades que se impõem na atualidade é compreender os principais processos que se delineiam na conjuntura vigente. Uma das principais características da nova ordem é a substituição do domínio das questões ideológicas e militares pela hegemonia das questões econômicas, mesmo que outros temas difusos ganhem relevância no momento atual. Enquanto na Guerra Fria a definição das potências se dava, sobretudo pelo vigor de seu poderio bélico, na nova ordem, a economia é o principal alicerce das tentativas de definição das novas polaridades. Assim, o grau de desenvolvimento econômico, tecnológico e social assume um papel importante na definição dos novos pólos de poder. Um exemplo da preponderância de fatores econômicos na determinação das polaridades atuais está nas definições que identificam a existência de uma tríade composta por EUA, Japão e Alemanha. Estes dois últimos apresentaram um grande crescimento econômico até a recessão dos anos 1990, em boa parte devido aos planos norte-americanos de reconstrução econômica. A quantidade de capital injetado e a presença das empresas norte-americanas contribuíram para elevar novamente a economia de ambos, e também para a manutenção do crescimento estadunidense. Estes dois países eram, até 2008, respectivamente, a segunda e a terceira maior economia do mundo. Ambos possuem um grande poder de influência em suas respectivas regiões. A Alemanha exerce um papel de liderança política e econômica na União Européia – ainda que não o faça de forma isolada, o mesmo ocorrendo com o Japão, em relação à Ásia. Contudo, nenhum dos dois países, ao contrário dos EUA, apresenta um destacado poder político ou militar em escala mundial – vide o fato de nenhum dos dois possuir assento no Conselho de Segurança da ONU e até pouco tempo não possuírem o direito de consolidar uma estrutura militar a altura de seu potencial econômico. Com a saída de cena do debate ideológico, abriu-se um espaço para que novas questões fossem colocadas nas disputas de poder nas relações internacionais. Temas como direitos humanos, democracia, meio ambiente, geração de energia, segurança e comércio internacional adquirem grande relevância na atual agenda e passam a influenciar com maior vigor o jogo de poder das relações entre Estados. A globalização e o crescimento dos países emergentes alteram a geografia da produção de bens capitalista e exigem um rearranjo da dinâmica da produção e distribuição de energia. Igualmente, o alto crescimento do volume de produção em um mundo de matriz energética calcada em recursos não-renováveis, torna a disputa pelo controle destes recursos mais intensa. Neste contexto, a segurança energética assume um papel relevante na agenda internacional e se relaciona a conflitos recentes como os do Afeganistão, da Geórgia e a Guerra do Iraque. A noção de ordem mundial se refere às estruturas de relações internacionais, e sabe-se que o processo de globalização vem afetando o modo como se posiciona o Estado na sociedade capitalista. Observa-se a elevação do poder de organismos internacionais, ONGs e grandes corporações multinacionais, estas últimas sendo consideradas os principais atores da globalização. A própria expansão da circulação dos fluxos por redes que se dispersam pelos mais variados cantos do globo relativiza o poder de controle e determinação do Estado sobre o seu território. Embora seja primordial identificar o papel dos referidos processos e atores no jogo de poder que se configura na atualidade, não se pode cair no alarmismo de que estes substituem os Estados em seu protagonismo na dinâmica das relações internacionais. Uma característica marcante do atual período é a existência de apenas uma grande potência de presença e influência efetivamente global. Os Estados Unidos são considerados por muitos analistas o maior império da história, por ter alcançado uma supremacia incomparável nos campos econômico, militar, político e mesmo cultural. Hoje, os Estados Unidos controlam bases militares ao redor do mundo e possuem um orçamento militar que beira a metade de todo gasto mundial com o setor. O país possui as principais universidades e o que mais registram patentes, é sede da maior parte das grandes multinacionais, exerce enorme influência sobre o sistema financeiro e o comércio de commodities. A indústria cultural norte-americana complementa a estrutura de dominação aqui delineada, sendo responsável por uma alta fatia da produção de filmes, programas de televisão, produção musical etc. Considerados em conjunto, estes aspectos traduzem uma hábil estratégia de controle hegemônico que ocorre por meio das armas, da inovação tecnológica e da influência sobre os hábitos. Entretanto, a própria hegemonia estatal norte-americana não se mostra suficiente e eficaz contra a ação de alguns atores não estatais, que exercem papel perturbador no sistema político internacional. A partir do fim da bipolaridade, esses atores passaram de coadjuvantes da guerra ideológica para protagonistas no desequilíbrio mundial. A ação de grupos terroristas, do crime organizado e do narcotráfico, até então contidos e submetidos pela guerra ideológica travada pelas superpotências durante a Guerra Fria, tornaram-se ameaças à estabilidade mundial, desafiando o poder estatal que se viu incapaz de impedir suas ações em um conflito assimétrico, para o qual o Estado não estava e ainda não está preparado. Isso não significa que esses atores sejam novos no sistema internacional. O que é novo é o resultado de sua ação. Se antes possuíam capacidade para desestabilizar algum Estado ou alguma região definida, atualmente sua ação exerce influência em todo o sistema político internacional. Mais recentemente, os atentados de 11 de setembro de 2001 desafiaram diretamente o poder da “hiperpotência” e contribuíram para a alteração de algumas características da nova ordem. As causas dos atentados se associam: 1) aos efeitos do processo de globalização sobre as áreas periféricas, que geram situações de opressão política, econômica e cultural; 2) às ações imperialistas dos Estados Unidos no Oriente Médio; e 3) à estrutura interna de poder dos países dessa região, altamente complexa e conflituosa. A resposta norte-americana se deu com base no predomínio de medidas unilaterais, que se estenderam do campo militar ao político e econômico, mesclada com algumas ações baseadas no multilateralismo e na busca de parcerias – usualmente reduzidas à esfera retórica. O evento de 11 de setembro de 2001 não alterou a relação de poder entre as potências, mas influiu sobre as novas posições e prioridades destas, em especial da potência hegemônica. De fato, o que se sucedeu aos atentados foi o maior exercício do poder pelos Estados Unidos nos mais diversos aspectos das relações internacionais. Outro aspecto singular da nova ordem mundial, portanto, é a ascensão do terrorismo globalizado como um dos principais temas da agenda internacional. Neste ponto, mais uma vez, o grande marco foi o atentado terrorista de 2001, que consolidou o grupo terrorista denominado Al-Qaeda como o grande inimigo de algumas das principais potências capitalistas. As relações estabelecidas na globalização possibilitam a organização do terrorismo internacional nos moldes atuais, pois este está diretamente associado às condições de financiamento geradas pelos paraísos fiscais, à crescente desigualdade social e às questões relacionadas à dominação econômica, política e cultural. Contudo, um olhar restrito à escala global não identifica as peculiaridades das sociedades onde tal fenômeno se desenvolve. Em consequência da ascensão do terrorismo internacional, surge uma peculiaridade que é a caracterização de novos padrões de conflitos que não se estabelecem entre Estados. São bons exemplos a invasão do Afeganistão e as incursões no norte do Paquistão realizadas pelos Estados Unidos, bem como os conflitos Israel-Palestina e Israel-Hezbolah. Nesses casos, os Estados envolvidos declaram combater ameaças à sua segurança nacional causadas por grupos terroristas. Nos últimos anos, observa-se ainda a emergência de novas potências que passam a rivalizar nos mais variados aspectos com as já consolidadas. Certamente, o país mais destacado dos chamados emergentes é a China, que apresenta há mais de duas décadas o maior crescimento econômico mundial e possui no momento o terceiro maior PIB (produto interno bruto) do mundo. O grupo se completa com Brasil, México, Índia, Coréia do Sul, os Tigres Asiáticos e a África do Sul. Estes países representam a principal fronteira de expansão do capital multinacional na disputa por mercados e estão bastante integrados às redes produtivas dos países desenvolvidos. Tal percepção os torna atores com maior poder no cenário internacional. Por isso, o grupo tem se movimentado com o intuito de reorganizar as relações de poder presentes nos grandes organismos internacionais como ONU, Organização Mundial do Comércio e Banco Mundial. É justamente neste contexto que muitos analistas indicam a existência do conflito Norte x Sul, que substitui o que se chamava na Guerra Fria de conflito Leste (ocidente capitalista) x Oeste (oriente socialista). O Norte compreende os países desenvolvidos, que procuram manter as estruturas políticas e econômicas desiguais, e o Sul representa os países subdesenvolvidos, incluídos os emergentes, que buscam reduzir as diferenças que persistem em relação aos países mais ricos. A maior parte das análises acerca das polaridades da nova ordem varia entre defini-la como unipolar ou multipolar. A tese da unipolaridade considera os Estados Unidos uma superpotência com ampla superioridade frente aos demais países e concorrentes, destacando aspectos do campo político e militar. A ideia da multipolaridade enfatiza a emergência de novas potências que vem alterando o equilíbrio de poder global. Há ainda argumentos que buscam integrar os dois anteriores e que caracterizam a nova ordem como: unipolar no campo militar e multipolar no campo econômico, uma multipolaridade com desequilíbrio de poder ou ainda uma unipolaridade que caminha para a multipolaridade. 7. A formação dos blocos econômicos e de poder O fim da disputa ideológica entre capitalismo e socialismo tornou mais visíveis as questões que se configuravam nas escalas regional e nacional. Da mesma forma, as aspirações econômicas passaram a predominar nos espaços de discussões entre Estados. Associado a isso, observa-se, nas últimas décadas, o fenômeno de formação de blocos de países com diversas finalidades, uma tendência da atual fase de desenvolvimento capitalista. Esses blocos podem se estruturar regionalmente, como acontece com o MERCOSUL e a União Européia, ou a partir da defesa de interesses comuns, como ocorre com o G-8 e os G-20's. A formação dos blocos econômicos regionais é um processo que se relaciona às necessidades de expansão de mercados e acumulação de capitais, bem como a uma estratégia de melhor inserção internacional dos países. A União Européia, mais antigo e desenvolvido bloco regional, é um exemplo claro do que ocorre. Sua origem remonta à década de 1950, e se associa a um projeto de reinserção política e de retomada econômica das potências do continente, que haviam perdido a hegemonia para EUA e URSS. Liberar as barreiras dos países membros do bloco significava facilitar as trocas entre empresas e estimular o crescimento econômico. A liderança norte-americana e japonesa nas inovações relacionadas à revolução informacional nos anos 1970/80 tornou mais urgente o processo de integração europeu, que deslanchou a partir da assinatura do acordo que deu origem ao Mercado Comum Europeu, em 1986. Esse processo de integração, que chegou à atual União Européia, representa uma reestruturação do poder dos Estados e, principalmente, uma alteração na relação do Estado com suas fronteiras. Exemplifica também a dinâmica de contradições presentes na história do sistema capitalista, pois a tendência à formação de blocos econômicos regionais, que visa expandir, garantir e controlar mercados, intensificou-se no maior período de expansão do neoliberalismo, que prega, paradoxalmente, a liberalização total das trocas comerciais. Deve-se analisar a formação da União Européia – e dos demais blocos - como um projeto econômico e de poder. Os blocos regionais facilitam a integração econômica e a circulação de bens nos territórios por eles abrangidos, traduzindo-se numa nova estratégia de inserção no âmbito das relações internacionais contemporâneas. Além dos blocos regionais, observa-se a tendência da política internacional atual da formação de blocos com grupos de países com interesses comuns. Um exemplo disso é o chamado G-8 (o Grupo dos Sete e a Rússia, antigo G-7 mais um). O G-8 é um grupo internacional que reúne os sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo, mais a Rússia. Todos os países integrantes do G-8 se dizem nações democráticas. Integram esse Grupo: EUA, França, Canadá, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e a Rússia. Os objetivos do G-8 têm evoluído ao longo dos anos, levando em consideração novas necessidades e conjunturas políticas. Esse fórum, que originalmente girava essencialmente em torno do ajuste das políticas econômicas de curto prazo entre os países participantes, adotou uma perspectiva mais geral e mais estrutural, acrescentando à sua agenda um grande número de questões políticas e sociais, particularmente na área da segurança mundial, do desenvolvimento sustentável e da saúde mundial. O caráter informal do grupo permitiu-lhe evoluir sem deixar de ser eficiente e adequado às necessidades. De suas discussões, são expedidas as diretrizes que seus membros implementarão nas diversas áreas das relações internacionais e no âmbito das demais organizações supranacionais (relações bilaterais, relações entre blocos regionais, OMC, Banco Mundial, FMI, ONU etc). O Grupo dos 20 maiores países em desenvolvimento (emergentes) é um grupo de países em desenvolvimento, criado em 20 de agosto de 2003, como uma tentativa de formar um bloco que defendesse os interesses dos seus integrantes nas negociações frente aos países desenvolvidos, configurando-se como um instrumento na contenda do chamado conflito Norte x Sul. É composto pelos países com forte economia agrícola, que concentra sua atuação em agricultura, que é o tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha. A rodada de Doha das negociações da OMC visa a diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo. As conversações centram-se nas divergências entre os países desenvolvidos e os maiores países em desenvolvimento (representados pelo G-20). Os subsídios agrícolas são o principal tema de controvérsia nas negociações. O G-20 tem uma vasta e equilibrada representação geográfica, sendo em 2009 integrado por 23 membros: 5 da África (África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue), 6 da Ásia (China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia) e 12 da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela). Desde a sua constituição, o G-20 gerou grande interesse, criou expectativas e recebeu também críticas vindas de diferentes setores. O Grupo dedica-se a intensas consultas técnicas e políticas, visando a injetar dinamismo nas negociações relacionadas ao comércio agrícola. A legitimidade do Grupo deve-se às seguintes razões: - importância dos seus membros na produção e comércio agrícolas, representando quase 60% da população mundial, 70% da população rural em todo o mundo e 26% das exportações agrícolas mundiais; - sua capacidade de traduzir os interesses dos países em desenvolvimento em propostas concretas e consistentes; e - sua habilidade em coordenar seus membros e interagir com outros grupos na OMC. O outro G-20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, é um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Européia. Foi criado em 1999, após as sucessivas crises financeiras da década de 1990. Visa a favorecer a negociação internacional, integrando o princípio de um diálogo ampliado, levando em conta o peso econômico crescente de alguns países, que juntos compreendem 85% do produto nacional bruto mundial, 80% do comércio mundial (incluindo o comércio intra-UE) e dois terços da população mundial. O Grupo dos 20 foi proposto como um novo fórum para cooperação e consulta nas matérias pertinentes ao sistema financeiro internacional. Estuda, revisa e promove a discussão entre os principais países industriais e emergentes. O objetivo primário do G-20 é discutir e desenvolver políticas de promoção do crescimento sustentado da economia global, com base na política econômica neoliberal, visando: - a eliminação de restrições no movimento de capital internacional; - desregulamentação; - condições de mercado de trabalho flexíveis; - privatização; - garantia de direitos de propriedade intelectual e outros; - criação de um clima de negócios que favoreça a realização de investimentos estrangeiros diretos; - liberalização do comércio global. Em decisão tomada em setembro de 2009, o G-20 (maiores economias) passará a ser o foro principal da cooperação econômica mundial, em substituição ao G-8. A palavra BRIC foi criada em novembro de 2001, pelo economista Jim O'Neill, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, para designar, no relatório "Building Better Global Economic Brics", os quatro principais países emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia e China. Usando as últimas projeções demográficas e modelos de acumulação de capital e de produtividade, Goldman Sachs mapeou as economias dos países BRICs até 2050. A conclusão do relatório é que esse grupo de países pode tornar-se a maior força na economia mundial, superando as economias dos países do G-6 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália) em termos de valor do PIB. Além da importância econômica, os BRIC tenderiam a aumentar sua influência política e militar sobre o resto do mundo. O estudo ressalta, no entanto, que cada um dos quatro enfrenta desafios diferentes para manter o crescimento na faixa desejável. Por isso, existe uma boa probabilidade das previsões não se concretizarem, por políticas inadequadas, simplesmente por má sorte ou ainda por erros nas projeções e falhas do próprio modelo matemático adotado. Mas se os BRICs chegarem pelo menos perto das previsões, as implicações para a economia mundial serão grandes e mudanças podem ocorrer mais rapidamente do que se imagina. De acordo com o estudo, o grupo deverá concentrar mais de 40% da população mundial e um PIB de mais de 85 trilhões de dólares. Atualmente os BRICs não formam um bloco político, uma aliança de comércio formal e uma aliança militar, mas constituíram uma aliança através de vários tratados de comércio e cooperação assinados em 2002. Em 2009, os BRICs são os países que enfrentam em melhores condições a crise econômica mundial iniciada, em 2008. Estabelecido em junho de 2003, o IBAS é um mecanismo de coordenação entre três países emergentes, três democracias multiétnicas e multiculturais, que estão determinados a redefinir seu lugar na comunidade de nações, a unir voz em temas globais e a contribuir para a construção de uma nova arquitetura internacional. Nesse movimento, abre-se igualmente a projetos concretos de cooperação e parceria com países com menor grau de desenvolvimento. O IBAS foi formalizado pela “Declaração de Brasília”, que apresenta, como principais fatores de aproximação entre Índia, Brasil e África do Sul, as credenciais democráticas, a condição de nações em desenvolvimento e a capacidade comum de atuação em escala global. O status de potências médias, a necessidade de corrigir desigualdades sociais internas e a existência de parques industriais consolidados são frequentemente apontados como outros elementos que alimentam convergências entre os membros do Fórum.

Maria Léa Salgado-Laubouriau: Histórica ecológica da Terra

Terra e meio ambiente A relação entre o trato da Terra e a preservação do meio ambiente é direta. Neste processo está envolvido o cuidado na utilização equilibrada dos recursos naturais. Em termos de desenvolvimento sustentável, o ideal seria equilibrar a balança entre insumos e resíduos. O equilíbrio aí na perspectiva de que cada quantidade de insumos correspondesse uma quantidade de resíduos e que esses resíduos pudessem entrar novamente na cadeia produtiva, agora já como insumos. No entanto, nem sempre, o trato da terra envereda por essa lógica. E começam as agressões ambientais. E quais seriam os fatores que influenciam esse desequilíbrio? Um deles seria exatamente o tamanho da Terra. Analisemos a situação de um latifúndio, de uma grande propriedade rural. Na perspectiva de seu dono, pouco importa se o trato dispensado à Terra está trazendo como consequência uma escassez de nutrientes. Ou seja, que a reposição desses nutrientes não consegue equilibrar o que está sendo retirado da terra ano após ano, para alimentar as culturas plantadas. Qual a saída quando isso acontece? Ou colocam-se nutrientes na terra ou, saída mais simples, passa-se a explorar outro pedaço. Terra tem muito! Passemos para o outro lado, para o lado de quem tem pouca terra ou de quem são tem nenhuma. No primeiro caso, pouca terra, a capacidade de suprir os nutrientes que faltam são mínimos devido aos custos envolvidos. Nesse caso, cabe ir plantando até a exaustão do solo. No segundo caso, nenhuma terra, se quem trabalha não for engrossar as fileiras de favelados ou do MST, cabe a saída de ser “morador” ou “rendeiro”de algum latifúndio. Nesse caso, cai-se a primeira opção. Tempos difíceis para a nossa terra sem reforma agrária. Os latifúndios correspondem a 28% dos imóveis rurais do país, mas ocupam 56% de sua área total. Em contrapartida, há 4,5 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra. Terra e vida Estima-se que a vida (organismos vivos) tenha surgido na Terra há pelo menos 3 bilhões de anos e um dos fatores responsáveis por isso foi o surgimento da água em nosso planeta há cerca de 3,5 bilhões de anos. Nesse tempo todo de vida na Terra, várias espécies surgiram e desapareceram, como é o caso dos dinossauros, extintos a cerca de 60 milhões de anos, muito antes do aparecimento do homem no planeta. O mesmo pode acontecer com o ser humano, que, desde o ser surgimento na Terra há cerca de 2 milhões de anos, vem sofrendo modificações em sua constituição física. O homem atual (sapiens) surgiu recentemente na Terra, se levarmos em conta a idade do nosso planeta e se continuarmos com essa fúria consumista e exploradora dos recursos naturais, poderão ser uma das espécies com uma das menores passagens de tempo na Terra. Um dos fatores de extinção de várias espécies vivas do planeta é o climático. A partir da Revolução Industrial e das “vantagens da vida moderna”, a concentração de gás na atmosfera, devido à queima de combustíveis fósseis, carvão, petróleo, etc., somada às queimas de florestas, tem elevado a média de temperatura do planeta e para complicar ainda mais, esse conforto da vida moderna gera um gás (freon) utilizado nos refrigeradores e produtos aerossóis, conhecido por Cloro Flúor Carbono (CFC) que tem perfurado a camada de ozônio, localizada na estratosfera terrestre e com isso os reios ultravioletas do Sol, antes filtrados por essa camada, acabam atingido diretamente e superfície da Terra, provocando o degelo das calotas polares e elevando o nível doa mares, provocando dessa forma, inundações de cidades litorâneas e chuvas mais frequentes nas cidades. Ao raios ultravioletas são responsáveis também pelo surgimento do câncer de pele. Hoje, a população da Terra está estimada em mais de 6 bilhões de habitantes e esse número tem deixado os cientistas preocupados, já que não existe água potável para atender os 10 bilhões de habitantes previstos para até o final deste século, A água potável inclui além de ser tratamento e a sua destinação, também, a produção de alimentos. Essa sociedade de consumo tem sonhos infinitos, porém, a maioria dos recursos naturais é finita. Vários países, entre eles o Brasil, já começam a conviver com todo tipo de racionamento. A palavra Ecologia tem origem no grego “oikos”, que significa casa, e “logos”, que quer dizer estudo. Logo, por extensão, seria o estudo da casa, ou de forma mais genética, do lugar onde se vive. Foi o cientista alemão Ernst Haeckel, em 1869, quem primeiro usou esse termo para designar o estudo das relações entre os serres vivos e o ambiente em que vivem, além da distribuição e abundância dos seres vivos no planeta Terra. A ecologia divide-se em várias partes, tais como a Autoecologia, a Demoecologia e a Sinecologia. Para que possamos delimitar o campo de estudo em ecologia devemos, em primeiro lugar, compreender os níveis de organização entre os seres vivos. Portanto, podemos dizer, que o nível mais simples é o do protoplasma, que é definido como substância viva. O protoplasma é constituinte da célula, portanto, a célula é a unidade básica e fundamental dos seres vivos. Quando vários organismos da mesma espécie estão reunidos numa mesma região, temos uma população. Várias populações num mesmo local formam uma comunidade. Tudo isso reunido e trabalhando em harmonia forma um ecossistema. Todos os ecossistemas reunidos num mesmo sistema como aqui no planeta Terra, temos a biosfera. O meio ambiente afeta os seres vivos não só pelo espaço necessário à sua sobrevivência e reprodução (levando por vezes, ao territorialismo), mas também às suas funções vitais, incluindo o seu comportamento (estudado pela etologia, que também analisa a evolução dos comportamentos), através do metabolismo. Por essa razão, o meio ambiente (a sua qualidade) determina o número de indivíduos e de espécies que podem viver no mesmo habitat. Por outro lado, os seres vivos também alteram permanentemente o meio ambiente em que vivem. O exemplo mais dramático é a construção dos recifes de coral por minúsculos invertebrados, os pólipos coralinos. As relações entre os diversos seres vivos existentes num ecossistema incluem a competição pelo espaço, pelo alimento ou por parceiros por outros, a simbiose entre diferentes espécies que cooperam para a sua mútua sobrevivência, o comensalismo, o parasitismo e outras. Da evolução destes conceitos e da verificação das alterações de vários ecossistemas (principalmente a sua degradação) pelo homem.levou ao conceito da ecologia humana que estuda as relações entre o homem e a biosfera,principalmente do ponto de vista da manutenção da sua saúde, não só física, mas também social. Por outro lado, aparecem também os conceitos de conservação e do conservacionismo que se impuseram na atuação dos governos, quer através das ações de regulamentação do uso do ambiente natural e das suas espécies, quer através de várias organizações ambientalistas que promovem a disseminação do conhecimento sobre estas interações entre o homem e a biosfera. A ecologia está ligada à muitas áreas do conhecimento, dentre elas a economia. Nesse modelo de desenvolvimento econômico baseia-se no capitalismo, que promove a produção de bens de consumo cada vez mais caros e sofisticados e isso esbarra na ecologia,pois não pode haver uma produção ilimitada desses bens de consumo na biosfera finita e limitada. A Terra interage com outros objetos no espaço incluindo o Sol e a Lua. No presente, a terra orbita o Sol uma vez para cada 366,26 rotações. Isto é o chamado ano sideral, que equivale a 365,26 dias solares. O eixo de rotação da Terra possui uma inclinação de 23,4°, em relação ao seu plano orbital, produzindo as estações do ano. A Lua é o único satélite natural conhecido da terra, tendo orbitado o planeta desde 4,53 bilhões de anos atrás. A Lua é responsável pelas marés, e estabiliza a inclinação do eixo terrestre, além de diminuir gradualmente a rotação do planeta. Entre 4,1 e 3,8 bilhões (mil milhões) de anos atrás, durante o intenso bombardeio tardio, impactos de asteróides causaram mudanças significativas na superfície terrestre. Os recursos minerais da Terra, em conjunto com os produtos da biosfera, fornecem recursos que são utilizados para suportar uma população humana em escala global. Os habitantes da Terra estão agrupados em cerca de 200 estados soberanos, que interagem entre si via diplomacia, viagem, comércio e ação militar. As culturas humanas desenvolveram várias crenças dobre o planeta, incluindo personificação como uma de idade, crença na Terra plana, ou que a Terra é o centro do universo, e uma perspectiva moderna do mundo como um ambiente integrado que requer uma administração adequada.

Milton Santos: Por uma outra globalização

Neste mundo globalizado, a máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade é feita de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema. Este mundo, “visto como fabula, exige como verdade certo número de fantasias”, aldeia global e mercado global podem ser ditos como exemplos.

Havendo uma busca de uniformidade, aos serviços dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal.

A globalização como perversidade pode ser evidenciada através da “perversidade sistemática que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tendo relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas”.

As bases materiais do atual período, como, unicidade técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta podem servir a outros objetivos, que não somente aos interesses do grande capital, se forem postas a serviço de outros fundamentos sociais e políticos.

Dando-se uma globalização mais humana, tanto no plano empírico como no plano teórico. Este processo é caracterizado, atualmente, através da miscigenação, nas mais variadas instancias, e o dinamismo desta em áreas pequenas com uma grande população aglomerada, podendo assim, constituir bases de reconstrução e de sobrevivência das relações locais, abrindo a possibilidade de utilização, a serviço dos homens, do sistema técnico atual.

A produção da globalização

A globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista, entre tanto para entenda-la deve levar em conta dois elementos fundamentais: o estado das técnicas e o estado das políticas. Ambos se realizam em complementaridade um com o outro.

Atualmente, o mercado global utilizando-se do sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa, no entanto poderia ser diferente se o uso político fosse outro.

O desenvolvimento da historia vai de par com o desenvolvimento das técnicas, porém as técnicas nunca aparecendo isoladamente; o que se instala são grupos de técnicas, verdadeiros sistemas. Sendo, os grupos de técnicas transportam uma historia, representando uma época. Atualmente, os sistemas de técnicas representativos são as técnicas da informação, que em sua diversidade comunica-se entre si e promovem a convergência dos momentos.

O surgimento de um novo sistema de técnicas não representa o desaparecimento do sistema anterior, somente, os novos conjuntos de instrumentos são utilizados pelos atores hegemônicos, enquanto os atores não hegemônicos continuam a utilizar conjuntos menos atuais e menos poderosos;

“As técnicas apenas se realizam, tornando-se historia, com a intermediação da política, isto é, da política das empresas e da política dos Estados, conjunta ou separadamente”.

É a partir da unicidade das técnicas que surge a possibilidade de existir uma Finança Universal, principal responsável pela imposição a todo o globo de uma mais-valia mundial. Sem ela, seria também impossível a atual unicidade do tempo e por outro lado, sem a mais-valia globalizada e sem essa unicidade do tempo, a unicidade da técnica não teria eficácia.

O tempo real é, potencialmente para todos, mas os homens não são igualmente atores desse tempo real, pois socialmente ele é excludente e assegura privilégios de uso;

atual período dispõe de um sistema unificado de técnicas, instalado sobre um planeta informado e permitindo ações igualmente globais.

Todavia, hoje haveria um motor único, que é a mais-valia universal, que se tornou possível a partir da produção em escala mundial, por intermédio de empresas mundiais, que competem entre si.

Um elemento de internacionalização atrai outro, impõe, contém e é contido por outro. Este sistema de forca pode levar a pensar que o mundo se encaminha para algo como uma homogeneização, tanto das técnicas quanto da mais-valia.

A competitividade entre as empresas as conduz alimentar uma demanda exagerada de ciência, tecnologia e organização, para manter-se a frente da corrida.

período histórico atual vai permitir, cada vez mais, a possibilidade de conhecer o planeta extensivo e profundamente, que se deve aos progressos das técnicas devidos aos progressos das ciências, o que permite ao homem não apenas utilizar o que encontra na natureza;

Um período sucede o outro, antecedidos e sucedidos por crises, isto é, “momentos em que a ordem estabelecida entre as variáveis, mediante uma organização, é comprometida”.

Entretanto, o período atual é ao mesmo tempo um período e uma crise, ou seja, a presente fração do tempo histórico constitui uma verdadeira superposição entre período e crise, revelando características de ambas essas situações.

Como período, atualmente, as suas variáveis características instalam-se e influenciam em toda parte, direta ou indiretamente. Daí a denominação de globalização. Como crise, as mesmas variáveis construtoras do sistema estão continuamente em choque e exigindo novas definições e arranjos;

No atual período, a crise é estrutural. Por isso, quando se buscam soluções não estruturais, o resultado é a geração de crise.

A associação entre a tirania do dinheiro e da informação conduz a aceleração dos processos hegemônicos, legitimados pelo pensamento hegemonizante, enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se adaptam passiva ou ativamente, tornando-se hegemonizados;

“O uso extremado das técnicas e a proeminência do pensamento técnico conduzem a necessidade obsessiva de normas”.Contudo, as atividades hegemônicas tendem a uma centralização, consecutiva à concentração da economia, aumentado a inflexibilidade dos comportamentos, acarretando um mal estar no corpo social.

Ainda cabe acrescentar que “graças ao casamento entre as técnicas normativas e a normatização técnica e política da ação correspondente a própria política acaba por instalar-se em todos os interstícios do corpo social, seja como necessidade para exercício das ações dominantes, seja como reação a essas mesmas ações”.

Uma globalização perversa

mundo se torna unificado em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana mundializada, porém seletiva e excludente, onde quem se beneficia do mundo globalizado é uma minoria;

Através da emergência da tirania do dinheiro e da informação, intimamente relacionadas, fornecem as bases legais do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época, como a competitividade sugerida pela produção e pelo consumo. Havendo, de certo modo, um retrocesso quanto à noção de bem publico e de solidariedade.

As técnicas da informação são apropriadas por alguns Estados e algumas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. Há medida em que chegam as pessoas às informações já são o resultado de manipulação, se apresentando como ideologias. Tendo o homem comum a confusão entre realidade e ideologia, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresentam-se como coisas;

A informação tem, hoje, o foco do convencimento na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a produção, tendo uma relação intima entre o mundo da produção de noticias e o mundo da produção das coisas e das normas.

Através do tópico acima é possível evidenciar alguns dos elementos que caracterizam o Circuito Superior de produção.

A criação de mitos como o espaço e tempo contraditórios, humanidade desterritorializada, cidadania universal, PIB, são criações de certo modo impostas, pelos atores hegemônicos a fim de dinamizar e massificar o discurso em prol de benefícios próprios;

A lógica atual da internacionalização do credito e da divida é concomitante com a aceitação de um modelo econômico em que o pagamento da divida é prioritário, implica a aceitação da lógica tirana do dinheiro. Em que a finança move a economia e a deforma, levando seus tentáculos a todos os aspectos da vida.

“Se o dinheiro em estado puro se torna despótico, isso também se deve ao fato de que tudo se torna valor de troca”.

A partir da generalização e da coisificação da ideologia promovida pelo atual sistema capitalista, se multiplicam as percepções fragmentadas e podendo estabelecer um discurso único do mundo;

As bases materiais históricas da mitificação, do atual período, estão na realidade da técnica atual. Sendo mais aceita do que compreendida e alicerçada nas relações com a ciência, na sua exigência de racionalidade, no absolutismo com que, ao serviço do mercado, conforma os comportamentos; tudo isso fazendo crer na sua inevitabilidade. Os governos e empresas utilizam os sistemas técnicos atuais e seu imaginário para produzir a atual globalização.

Atualmente a competitividade toma o lugar da competição, tendo a guerra como norma utilizada para minimizar os conflitos e conseqüência dessa ética da competitividade que caracteriza nosso tempo. Este momento marca um ápice do sistema capitalista e acaba por assim justificar os individualismos arrebatadores e possessivos.

A contribuição, também para essa ideologia competitiva, ligada “a perda da influencia da Filosofia na formulação das ciências sociais, cuja interdisciplinaridade acaba por buscar inspiração na economia. Daí o empobrecimento das ciências humanas e a conseqüente dificuldade para interpretar o que vai pelo mundo”.

No atual período, a produção do consumidor precede a produção dos produtos de bens e serviços, ou seja, cria-se primeiramente a demanda ao consumo e depois o referido produto.

Vivemos cercados pelo sistema ideológico construído ao redor do consumo e da informação ideologizados, que acabam por ser motor de ações dos atores hegemônicos – público e privado. Então, o entendimento do que é o mundo passa pelo consumo e pela competitividade, que são fundados no mesmo sistema da ideologia. Esses processos levam ao “emagrecimento moral e intelectual da pessoa, a redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão”.

Como, hoje, todas as atividades hegemônicas são fundadas nas técnicas, o discurso aparece como algo relevante a produção da existência de todos. Essa imprescindibilidade de um discurso precedente a tudo, remete a ideologia”.

Com a globalização, as técnicas se tornam mais eficazes, sua presença se confunde com o ecúmeno, seu encadeamento se reforça e o seu uso escapa em muitos aspectos, ao domínio da política e se torna subordinado ao mercado.

Tendo, hoje, a ciência precedendo a técnica e sua utilização se dando a serviço do mercado, produz-se o ideário da técnica e do mercado que é santificado pela ciência, considerada infalível. Sendo a ciência uma das fontes de poder do pensamento único e da imposição de soluções como únicas;

Há um excedente discursivo sobre as violências funcionais derivadas em detrimento de discursos sobre a violência estrutural, que resultaria esta última da presença e das manifestações conjuntas, nessa era de globalização, do dinheiro, competitividade e potência, todas em estado puro, cuja associação conduz a emergência do globalitarismo.

Com a globalização impõe-se uma nova noção de riqueza, fundada no conceito de riqueza, fundada no conceito de dinheiro em estado puro e os quais todas as economias nacionais são chamadas a se adaptar. Tendo o consumo se tornado um dominador comum a todos os indivíduos, atribuindo um papel central ao dinheiro em todas as suas manifestações; junto o dinheiro e o consumo aparecem como reguladores da vida individual e o resultado dessa busca pode levar à acumulação para alguns como ao endividamento para maioria.

A necessidade de capitalização conduz a adotar como regra a necessidade de competir em todos os planos. Sendo, assim, a necessidade de competir legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em que a desobediência as sua regras implica perder posições e, até mesmo desaparecer do cenário econômico, tendo a sua pratica a promoção de um afrouxamento dos valores morais e um convite ao exercício da violência em diversas instâncias.

poder não tem outra finalidade a não ser o próprio uso da força, já que ela é indispensável para competir e fazer mais dinheiro; que vem acompanhado pela desnecessidade de responsabilidade perante o outro.

“Ser pobre é participar de uma situação estrutural, com uma posição relativa inferior dentro da sociedade como um todo”.

“A causa essencial da perversidade sistêmica é a instituição, por lei geral da vida social, da competitividade como regra absoluta, uma competitividade que escorre todo o edifico social”.

“Os papeis dominantes, legitimados pela ideologia e pela pratica da competitividade, são a mentira, com o nome do segredo da marca; o engodo, com nome de Marketing; a dissolução e o cinismo, com os nomes de tática e estratégia”.

A vida realizada por meio das atuais técnicas exige cada vez mais dos homens comportamentos previsíveis, que de certo modo assegura uma visão mais racional do mundo e também dos lugares e conduz a uma organização sociotécnica do trabalho, do território e do fenômeno do poder.

Em século passados, com os progressos das técnicas, que está, a serviço da produção e do capitalismo, não houvesse a progressão das idéias, teríamos tido uma eclosão muito maior do utilitarismo, com uma pratica mais avassaladora do lucro e da concorrência.

Tendo, as idéias nos séculos precedentes a globalização, que marcou a ruptura do processo de evolução social e moral, o estabelecimento da possibilidade do enriquecimento moral do individuo.

atual período tem como uma das bases a junção entre a ciência e técnica, essa tecnociência, cujo uso é condicionado pelo mercado, não atendendo interesses da humanidade em geral. O que leva a pensar que o progresso técnico e cientifico não é sempre um progresso moral.

Graças a informação e ao dinheiro o mundo tornou-se mais fluido. Com a flexibilização das fronteiras dos territórios, o que leva ao enfraquecimento e à mudança de natureza dos Estados Nacionais, estando a serviço da economia dominante.

“A política agora é feita no mercado. Só que esse mercado global não existe como ator, mas como uma ideologia, um símbolo. Os atores são as empresas globais, que não tem preocupações éticas, nem finalisticas”. Entretanto, nas condições atuais assiste-se à não-política, isto é, a política feita pelas empresas, sobretudo as maiores; tendo como exemplo a atual emergência do terceiro setor, em que as empresas privadas assumiram um trabalho de assistência social antes deferido ao poder publico, que beneficiam seletivamente frações da sociedade.

poder publico passou a ser subordinado ao nexo das grandes empresas, instalando a semente da ingovernabilidade.

“Cada técnica propõe uma maneira particular de comportamento, envolve suas próprias regulamentações e, por conseguinte, traz aos lugares novas formas de relacionamento”;

Principalmente os países subdesenvolvidos conheceram pelo menos três formas de pobreza no ultimo meio século. A pobreza incluída, uma pobreza acidental, às vezes residual ou sazonal; a marginalidade, que seria a pobreza produzida pelo processo econômico da divisão do trabalho, internacional ou interna; a pobreza estrutural, presente em toda parte do mundo, porém mais presentes nos países já pobres, consistindo do ponto de vista moral e político equivalente a uma divida social;

A pobreza incluída pode ser vista como uma inadaptação entre condições naturais e condições sociais, que se produziria em um lugar e não se comunicava a outro lugar.

Esta pobreza coube num contexto de mundo onde o consumo não estava largamente difundido, e o dinheiro ainda não constituía um nexo social obrigatório, a pobreza era menos discriminatório. Podendo se falar de pobres incluídos.

A marginalidade seria a pobreza identificada como uma doença da civilização, cuja produção acompanha o próprio processo econômico.

Tendo neste momento o consumo se impondo como um dado importante, levando a classificar os indivíduos pela sua capacidade e forma de consumir.

No período atual, revela uma pobreza de um novo tipo, uma pobreza estrutural globalizada. Se dando pelo processo pelo qual o emprego é gerado e sua remuneração cada vez pior, ao mesmo tempo em que o poder publico se retira das tarefas de proteção social, o que é licito considerar que estejam contribuindo para uma produção cientifica, globalizada e voluntária da pobreza, onde os pobres não são incluídos nem marginais, elas são excluídos.

A pobreza produzida politicamente pelas empresas e instituições globais, que pagam para criar soluções localizadas, quando, estruturalmente, são os grandes produtores de pobreza. Com a colaboração ativa ou passiva dos governos nacionais.

Agora a pobreza surge, impõe-se e explica-se como algo natural e inevitável.

Hoje, aumenta-se o número de letrados e diminui o de intelectuais. Tais letrados não pensam para encontrar a verdade, ou, encontrando a verdade, não a dizem; renegando a função principal da intelectualidade, isto é, a busca incansada pela verdade, intermediada pelo discurso.

“A pobreza, hoje, é a pobreza nacional da ordem internacional”.

Os níveis inferiores de governo buscam políticas compensatórias para aliviar as conseqüências da pobreza, enquanto, ao nível federal, as ações mais dinâmicas estão orientadas cada vez mais para os interesses do capital, gerando pobreza.

É o estado nacional que detém o monopólio das normas, sem os quais os poderosos fatores externos perdem eficácia. Devido que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem de força normativa para impor, sozinhas, devido de cada território, sua vontade política ou econômica, pois é o Estado Nacional que, afinal, regula o mundo financeiro e constrói infra-estruturas, atribuindo, assim, a grandes empresas escolhidas a condição de sua viabilidade.

Território do dinheiro e da fragmentação

Com a globalização, pode-se dizer que a totalidade da superfície terrestre é compartimentada, não apenas pela ação direta do homem, mas também pela sua presença política, tendo, ainda, se torna do funcional as necessidades, usos e apetites de Estados e empresas.

No atual período, com o mundo da fluidez e da rapidez. Tratando-se de uma “fluidez virtual, possível pela presença de novos sistemas técnicos, sobretudo os sistemas de informação, e de uma fluidez efetiva, realizada quando essa fluidez potencial é utilizada no exercício da ação, pelas empresas e instituições hegemônicas. A fluidez potencial aprece no imaginário e na ideologia como se fosse um bem comum”.

mundo da fluidez e da rapidez somente se entende a partir do processo conjunto do qual participam de um lado as técnicas atuais e, de outro, a política atual, que são utilizados pelos atores hegemônicos para benefício próprio. A partir deste processo é possível evidenciar lugares próprios a lentidão e lugares propícios a rapidez e fluidez, que são seletivamente beneficiados, gerando competitividade entre eles.

A competitividade destroça as antigas solidariedades, freqüentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente a interesses globais mais poderosos e de certo modo indiferente ao entorno.

território como um todo é objeto da ação de varias empresas, cada qual, preocupada com suas próprias metas e arrastando, a partir dessas metas, o comportamento do resto das empresas e instituições. Estas empresas produzem, assim, uma ordem em causa própria e criando paralelamente desordem para o restante.

Dentro de um mesmo país se criam formas e ritmos diferentes de evolução, governados pelas metas e destinos específicos de cada empresa hegemônica;

Os ultimo séculos marcam, para a atividade agrícola, com humanização e a mecanização do espaço geográfico, uma considerável mudança de qualidade, chegando a constituição do meio técnico-científico informacional, característico também no mundo rural, tanto nos países avançados como nas regiões mais desenvolvidas dos países pobres.

Tendo a produção agrícola uma referencia planetária, que recebe influencia das mesmas leis que regem os outros aspectos da produção econômica;

Nas áreas onde essa agricultura cientifica globalizada se instala, verifica-se uma importante demanda de bens científicos e, também, de assistência técnica. O que implica em uma estrita obediência aos mandamentos científicos e técnicos;

Nas cidades regionais, principalmente aquelas que desenvolvem agricultura moderna, tem se uma oferta de informação, imediata e próxima, ligada à atividade agrícola e produzindo uma atividade urbana de fabricação e de serviço que é largamente especializada é, paralelamente, um outro tipo de atividade urbana ligada ao consumo das famílias e da administração.

Tal cidade, cujo papel de comando técnico da produção é bastante amplo, tem também um papel político frente a essa mesma produção. Mas, na medida em que esta produção agrícola tem uma vocação global, esse papel político é limitado, incompleto e indireto;

“O campo modernizado se tornou praticamente mais aberto à expansão das formas atuais do capitalismo que as cidades”. Tanto, que a tendência a particularizações extremas, levando em conta, seja em maior ou menor grau, a influência dos fatores exógenos.

Este processo de adaptação das regiões agrícolas modernas se dá com grande rapidez, impondo-lhe, num pequeno espaço de tempo, sistemas de vida cuja relação com o meio é reflexa, enquanto as determinações fundamentais vêm de fora.

Sob o impulso da competitividade globalizadora, produzem-se egoísmos locais ou regionais exacerbados, justificados pela necessidade de defesa das condições de sobrevivência regional. Sendo, este um dos fatores que conduzem a fragmentação do território e da sociedade;

Dentro de cada região, as alianças e os contratos sociais estão sempre se refazendo e a hegemonia, assim, deve ser sempre revista.

processo produtivo reúne aspectos técnicos, que se caracteriza com a produção propriamente dita e sua área de incidência, e aspectos políticos, que é caracterizada pelo racionamento de uma parcela política do processo produtivo com o comercio, preços, subsídios, etc., tendo sua sede fora da região e seus processos freqüentemente escapam ao controle dos principais interessados;

“O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence”. Assim, surge a idéia de nação, tribo, povo e, depois, de Estado Nacional decorre dessa relação tornada profunda;

dinheiro é uma invenção decorrente do aprofundamento das atividades econômicas. O dinheiro constitui um dado processo, assim, ele se torna representativo do valor atribuído à produção e ao trabalho e aos respectivos resultados.

Cada vez mais coisas tendem a tornar-se objeto de intercambio, valorizado cada vez mais pela troca do que pelo uso e, desse modo, reclamando uma medida homogênea e permanente. Assim, o dinheiro aumenta sua indispensabilidade e abarca os aspectos da vida social e econômica.

dinheiro é um dado essencial para o uso do território, se fundando sobre a lei do valor que tanto deve ao caráter da produção presente de cada lugar como às possibilidades de circulação.

Portanto, quanto mais movimento, maior se torna a complexidade das relações internas e externas e aprofunda-se a necessidade de uma regulação do território, que é atribuído ao Estado.

Com a globalização, o uso das técnicas disponíveis permite a instalação de um dinheiro fluido, relativamente invisível e abstrato. Se tornando um equivalente universal o dinheiro, concomitantemente, ganha existência praticamente autônoma em relação ao resto da economia.

As lógicas do dinheiro impõem-se aquelas da vida socioeconômica e política, se dando segundo duas vertentes: uma é o dinheiro das empresas e o outro é a lógica dos governos financiadores globais.

Essa inteligência global é exercida pelo que se chama de contabilidade global, cujos, aqueles governos globais medem, avaliam e classificam as economias nacionais segundo alguns parâmetros. Sendo, hoje, o dinheiro global o principal regedor do território, tanto o território nacional como suas frações.

No lugar, a finança global se exerce pela existência de instituições, criando perplexidades e sugerindo interpretações que podem conduzir à ampliação da consciência. No entanto, a vontade de homogeneização do dinheiro global e contrariada pelas resistências locais à sua expansão, porém, há, também, uma vontade de adaptação as novas condições de dinheiro, já que a fluidez financeira é considerada uma necessidade para ser competitivo e exitar no mundo globalizado.

“O dinheiro regulador e homogeneizador agrava heterogeneidades e aprofunda as dependências. E assim que ele contribui para quebrar a solidariedade nacional, criando ou aumentando as fraturas sociais e territoriais e ameaçando a unidade nacional”.

“As verticalidades podem ser definidas, um espaço de fluxos”. O espaço de fluxos seria, na realidade, um sistema dentro da totalidade-espaço. Sendo um conjunto de pontos adequados as tarefas produtivas hegemônicas, o espaço de fluxos é constituído por redes exigentes de fluidez e sequioso de velocidade, havendo uma solidariedade do tipo organizacional, no qual predominam atores hegemônicos. A este processo aglutina-se, ainda, a ação explicita ou dissimulada do Estado.

As frações do território que constituem esse espaço de fluxos constituem o tempo real, aferido pela temporalidade globalizada das empresas hegemônicas presentes. Desse modo ordenado, o espaço de fluxos tem vocação a ser ordenador do espaço total.

modelo econômico assim estabelecido tende a reproduzir-se, ainda que mostrando topologias especificas. Assim, quanto mais modernizados e penetrados por esta lógica, mais os espaços respectivos se tornam alienados.

“As horizontalidades são zonas da contigüidade que formam extensões continuas”. Sendo estas zonas consideradas banais em oposição às zonas econômicas.

espaço banal sustenta e explica um conjunto de produções localizadas, interdependentes, dentro de uma área cujas características constituem, também, um fator de produção. Todos os agentes são implicados, e os receptivos tempos são imbricados, criando uma solidariedade orgânica da qual sobrevive o conjunto;

Nesse espaço banal, a ação do Estado é limitada, devido a preocupação deste com a ampliação das verticalidades, porém, paralelamente, permite o aprofundamento da personalidade das horizontalidades;

As horizontalidades admitem presença de outras racionalidades ou contra-racionalidade, isto é, formas de convivência e de regulação criadas a partir do próprio território e que se mantêm nesse território a despeito da vontade de unificação e homogeneização, características da racionalidade hegemônica típica das verticalidades.

Nas condições atuais com tendência a uma difusão avassaladora, é o da criação da ordem da racionalidade pragmática, enquanto a produção do espaço banal é residual;

Os lugares são singulares, mas são também globais. Eles são mundo que eles reproduzem de modos específicos.

“A possibilidade de existência de um cidadão do mundo é condicionado pelas realidades nacionais. Na verdade, o cidadão só o é (ou não o é) como cidadão de um país”.

A multiplicidade de situações regionais e municipais, trazida com a globalização, instala uma enorme variedade de quadros de vida, cuja realidade preside o cotidiano das pessoas e deve ser a base para uma vida civilizadora em comum. Assim, a possibilidade de cidadania plena das pessoas depende de soluções a serem buscadas localmente, desde que, dentro da nação, seja instituída uma Federação de lugares;

território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, porque de um lado acolhem os vetores da globalização, que neles se instalam para impor sua nova ordem, e, de outro lado, neles se produz uma contra-ordem, porque há uma produção acelerada de pobres, excluídos e marginalizados. Neste processo o lugar se torna determinante. Devido ele não ser apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, que exerce um papel revelador sobre o mundo.

Assim, os lugares se diferenciam, tendo como um dos fatores a quantidade de “racionalidade” que ganham do “mundo”. Esta se propaga de modo heterogêneo, deixando coexistirem outras racionalidades ou contra-racionalidades, o que torna possível a ampliação de sua consciência;

No campo, as racionalidades da globalização se difundem mais expressivamente e mais rapidamente. Há cidade, as irracionalidades se criam mais numerosas e incessantemente que as racionalidades;

A consciência da diferença pode conduzir simplesmente à defesa individualista do próprio interesse, sem alcançar a defesa de um sistema alternativo de idéias e de vida.

Limites à globalização perversa

No mundo atual há indicação da emergência de numerosas variáveis cuja existência é sistêmica. Isso permite pensar que estão produzindo as condições de realização de uma nova historia;

A boa parcela da humanidade, por desinteresse ou incapacidade, não é capaz de obedecer as imposições da atual racionalidade hegemônica.

Na ideologia da globalização e das técnicas encontra-se o apregoamento de que a velocidade constitui um dado irreversível na produção da história, mas de fato a minoria acaba sendo representativa da totalidade, graças exatamente a esta força ideológica.

A velocidade, assim é utilizada duplamente um dado da política e não da técnica. De um lado, trata-se de uma escolha relacionada com o poder dos agentes e, de outro, da legitimação dessa escolha, por meio da justificação de um modelo de civilização.

“A técnica somente é um absoluto enquanto irrealizada”. Tendo a sua historização e geografização voltada para entender o seu uso pelo homem, sua qualidade de intermediário da ação, isto é, sua relativização.

A população em seus diferentes níveis econômicos obriga a combinação de formas e níveis de capitalismo. Existindo a interdependência e intecorrência dos diversos mercados, cada qual voltado principalmente para atender determinado nível da população, freia a vontade da velocidade imposta pelos atores hegemônicos.

Com a interdependência globalizada dos lugares e a planetarização dos sistemas técnicos dominantes, estes parecem se impor como invasores e a difundir a idéia de que o sistema técnico dominante é absolutamente indispensável, além de tratar a velocidade como resultante de um dado desejável a todos que pretendem participar da modernidade atual.

Assim, em ultima analise, as crises atuais são resultantes da aceleração contemporânea, mediante o uso privilegiado das possibilidades de o tal exercício não responde a um objetivo moral, é desprovido de sentido e justifica-se por si mesmo, tal característica são uma das razoes da desordem do período atual.

tema das verticalidades e horizontalidades pode comportar a interpretação, movida entre a oposição existente entre a natureza das atividades just-in-time, que trabalham com um relógio universal movido pela mais-valia universal, e a realidade das atividades que, juntas, constituem a vida cotidiana.

As atividades relacionadas ao just-in-time possuem vocação para uma racionalidade única, homogeneizante, mas trata-se de uma racionalidade sem razão. Entretanto no cotidiano, a razão de viver, é considerada como “irracionalidade”, quando na realidade o que se dá são outras formas de ser racional, pois a vida cotidiana abrange varias temporalidades simultaneamente presentes.

Assim, o tempo hegemônico busca uma homogeneização empobrecida e limitada, enquanto o tempo do mundo cotidiano propicia uma heterogeneidade criadora.

Hoje, as técnicas estão em toda parte, assim, tendo tanto como os objetos como as ações derivação da técnica.

Na medida em que as técnicas hegemônicas hoje são extremamente dotadas de intencionalidade, a igualmente tendência à hegemonia de uma produção e a excludencia de outras. Cria-se um verdadeiro totalitarismo tendencial da racionalidade, sento este a base primeira da produção de carências e de escassez.

Nessa situação, as técnicas, a velocidade, a potencia criam desigualdades e, paralelamente, necessidades;

“A experiência da escassez é a ponte entre o cotidiano e o mundo”.

A alteridade e individualismo se reforçam com a renovação da novidade. Quanto mais diferentes são os que convivem num espaço limitado, tanto mais ricos serão os debates e embates entre as pessoas.

Nesse sentido, pode-se dizer que a cidade é um lugar privilegiado para essa relação e que também a aceleração contemporânea é aceleração na produção de escassez e na descoberta da sua realidade.

Assim, a convivência com necessidade e com o outro, constituída a partir das suas visões de mundo e dos lugares. A política dos pobres é baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e não pobres, e é alimentada pela simples necessidade de continuar existindo. Essa política de novo tipo não tem nada a ver com política institucional, regida pelos e para os atores hegemônicos.

Cada época cria novos atores e atribui papeis novos aos já existentes.

“Nas condições brasileiras atuais, as novas circunstancias podem levar as classes médias a forçar uma mudança substancial do ideário e das praticas substancial do ideário e das praticas políticas”. Se torna evidente através desta afirmação a possível conscientização da classe média e a luta para uma maior justiça social, porém tal afirmação remete a umas idéia, a priori, de tais fatores e reclames sociais se dão no “campo”, onde hoje encontra-se boa parte da classe média;

A transição em marcha

A presença e influencia de uma cultura de massas buscando homogeneizar e impor-se sobre a cultura popular e as reações desta é resultante do empenho vertical unificador, homogeneizador, conduzido por um mercado cego, indiferente às heranças e as realidades atuais dos lugares e das sociedades. Mas, essa conquista jamais é completamente, pois encontra a resistência da cultura preexistente.

Há a possibilidade, cada vez mais freqüente, de uma revanche da cultura popular sobre a cultura de massa, quando ela se difunde mediante os usos dos instrumentos que na origem são próprios da cultura de massas.

Ao difundir-se pelo instrumento da cultura de massa não estaria a cultura popular se massificando?;

Os atores hegemonizados, em sua grande parte, não dispõem de meios para participar plenamente da cultura moderna de massa. Mas como a sua cultura, por ser baseada no território, no trabalho e no cotidiano, ganha força necessária para deformar, ali mesmo, o impacto da cultura de massas.

Essa cultura endógena impõe-se como um alimento da política dos pobres, realizando-se segundo os níveis mais baixos de técnica, de capital e de organização, se dando assim suas formas típicas de criação. Isto seria, aparentemente, uma fraqueza, mas na realidade é uma força, já que se realiza desse modo, uma integração orgânica com o território dos pobres e o seu conteúdo humano.

A cultura de massa produz seus símbolos, direta ou indiretamente ao serviço do poder ou do mercado, assim como a cultura popular também aos produzem, porém seus símbolos são portadores da verdade da existência e reveladores do próprio movimento da sociedade.

“A divisão do trabalho por cima” é obediente ao uso das técnicas da racionalidade hegemônica, com uma solidariedade gerada por fora e dependente de vetores verticais. Seu campo é de maior velocidade e a rigidez das normas econômicas impede a política.

“A difusão do trabalho por baixo” é fundada na descoberta cotidiana das combinações que permitem a vida, se produzindo uma solidariedade criada de dentro e dependente de vetores horizontais cimentados no território e na cultura local.

Há maior dinamismo intrínseco, com maior movimento espontâneo, mais encontros gratuitos, maior complexidade e mais combinações.

Com a prevalência do dinheiro em estado puro como motor primeiro e ultimo das ações, o homem acaba por ser considerado um elemento residual, assim como também o território, Estado-nação e a solidariedade social.

A idéia de irreversibilidade da globalização atual é aparentemente reforçada pela interdependência e inter-relação atual entre cada país e o que chamamos de mundo, além da idéia de que a historia seria sempre feita a partir dos países centrais.

Mas, ao analisar os aspectos mais estruturais da situação atual, verifica-se que o centro do sistema busca impor uma globalização de cima para baixo nos demais países.

No mundo globalizado há produção de uma racionalidade determinante, mas que vai aos poucos deixando de ser dominante. É uma racionalidade que comanda os grandes negócios cada vez mais abrangentes e mais concentrados em poucas mãos.

São muitas numerosas as manifestações de desconforto com as conseqüências da nova dependência e do novo imperialismo, tornando-se evidentes os limites de aceitação de tal situação. Por diferentes razoes e meios diversos, as manifestações de irredentismo já são claramente evidentes em alguns países.

“No sentido de alcançarmos uma outra globalização, não virão do centro do sistema, como em outras fases de ruptura na marcha do capitalismo. As mudanças sairão dos países subdesenvolvidos”.

“O país deve ser visto como uma situação estrutural em movimento, na qual cada elemento esta intimamente relacionado com os demais”.

A nação ativa seria a daqueles que aceitam, pregam e conduzem uma modernização que se dá preeminência aos ajustes que interessam ao dinheiro. Portanto para este discurso globalizado ter eficácia localmente, necessita de um sotaque domestico e por isso estimula um pensamento nacional associado produzido por mentes cativas, subvencionadas ou não, o que gera uma certa produção do conformismo.

A nação passiva é constituída por aqueles que participam de modo residual do mercado global ou cujas atividades conseguem sobreviver a sua margem, mantendo relações de simbiose com o e dos indivíduos.

Um dos elementos, ao mesmo tempo, ideológico e empírico, da presente forma da globalização é a centralidade do consumo, com a qual a tem relação com o cotidiano e suas repercussões sobre a produção, as formas presentes da existência e as perspectivas das pessoas.

É também por meio do conjunto de movimentos que compõe o atual período, que se reconhece uma saturação dos símbolos pré-construidos e que os limites de tolerância às ideologias são ultrapassadas, que permite a ampliação do campo da consciência.

“Na medida em que as técnicas cada vez mais se dão como normas e a vida se desenrola no interior de um oceano de técnicas, acabamos por viver uma politização generalizada. A rapidez dos processos conduz a uma rapidez nas mudanças e, por conseguinte, aprofunda a necessidade de produção de novos entes organizadores”.

“Jamais houve na história sistemas tão propícios a facilitar a vida e a propiciar a felicidade dos homens. A materialidade que o mundo da globalização está recriando permite um uso radicalmente diferente daquele que era a base matéria da industrialização e do imperialismo”.

A possibilidade de identificação das situações estão diretamente relacionadas a melhoria da informação disponível e ao aprofundamento das possibilidades de comunicação, que mostra o desamparo que as populações são relegadas, levando, paralelamente, a um maior reconhecimento da condição de escassez e as novas possibilidades de ampliação da consciência.

A mídia trabalha com que ela própria transforma em objeto de mercado, porém em nenhum lugar as comunidades são formadas por pessoas homogêneas e levando isto em conta, ela deixara de representar o senso com um imposto pelo pensamento único.

Com este mundo complexo posto, marcado na ordem material pela multiplicação incessante do número de objetos e na ordem imaterial pela infinidade de relações que os objetos nos unem. Essa totalidade – mundo se manifesta, justamente pela unicidade das técnicas e das ações.

Assim, o meio ambiente é cada vez menos natural, o uso do entorno imediato pode ser menos aleatório. As coisas valendo pelo que elas podem oferecer e os gestos pela adequação às coisas a que se dirigem;

mundo se instala nos lugares, graças aos processos da informação, ficando, mais perto de cada um. Se criando um mundo como realidade histórica unitária, ainda que ele seja extremamente diversificado, sobretudo nas grandes cidades.

“A mesma materialidade, atualmente utiliza para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano”. Bastando haver a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana.

Maria Cristina Motta de Toledo: Decifrando a Terra

Universo

As estrelas se agrupam em galáxias, cujas dimensões são da ordem de 100.000 anos-luz (distância percorrida à velocidade da luz, 300 mil km/s, durante um ano). Dois exemplos comuns de galáxias são o tipo elíptico e o tipo espiral. Entre as descobertas que vêm sendo alvo de estudos rádio-astronômicos estão os quasares, objetos peculiares, com dimensão semelhante à do nosso Sistema Solar, mas contendo imensa quantidade de energia e brilhando com extrema intensidade. As galáxias podem conter enormes espaços interestelares de baixa densidade, mas também regiões de densidade extrema. Os assim chamados buracos negros podem sugar qualquer matéria das proximidades, em virtude de sua gigantesca energia gravitacional. Nem mesmo a luz consegue escapar.

A Via Láctea é também uma galáxia do tipo espiral, sendo que o Sol está situado num de seus braços periféricos. Nosso sol é uma estrela de média grandeza. Possivelmente, permanecerá nesta fase por outros tantos bilhões de anos, antes de evoluir para as fases de gigante vermelha, anã branca, e, finalmente, anã negra. Os demais corpos que pertencem ao Sistema Solar (planetas, satélites, asteróides, cometas, além de poeira e gás) formaram-se ao mesmo tempo em que se formou sua estrela central.

Meteoritos são fragmentos de matéria sólida provenientes do espaço. A imensa maioria, de tamanho diminuto, é destruída e volatilizada pelo atrito quando ingressa na atmosfera da Terra.

A Terra apresenta uma atmosfera formada por emanações gasosas durante toda a história do planeta, constituídas principalmente por nitrogênio, oxigênio e argônio. A temperatura de sua superfície é suficientemente baixa para permitir a existência de água liquida, bem como de vapor de água na atmosfera, responsável pelo efeito estufa, regulador da temperatura, que permite a existência da biosfera.

Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, são muito diferentes dos planetas descritos até aqui e correspondem a enormes esferas de gás comprimido, de baixa densidade. Júpiter e Saturno são gigantes gasosos, formados principalmente por H e He, enquanto Urano e Netuno possuem cerca de 10 a 20% desses elementos, mas suas massas compreendem também sólidos, incluindo gelo e materiais rochosos.

Entre as órbitas de Marte e Júpiter ocorre o cinturão de asteróides, constituído de incontáveis corpos planetários de tamanhos diversos. A grande maioria dos meteoritos que continuamente caem na superfície da Terra provém desse cinturão. Os cometas são constituídos predominantemente por material gasoso, que representa a matéria primordial da nebulosa solar.

Minerais e rochas

Minerais são elementos ou compostos químicos com composição definida dentro de certos limites, cristalizados e formados naturalmente por meio de processos geológicos inorgânicos, na Terra ou em corpos extraterrestres. Cada tipo de mineral, tal como o quartzo (SI02), constitui uma espécie mineral. O termo rocha é usado para descrever uma associação de minerais que, por diferentes motivos geológicos, acabam ficando intimamente unidos. Já o termo minério é utilizado apenas quando o mineral ou a rocha apresentar uma importância econômica. A grande maioria dos minerais, entretanto, é formada por compostos químicos que resultam da combinação de diferentes elementos químicos.

As rochas ígneas ou magmáticas resultam do resfriamento de material rochoso fundido, chamado magma. Quando o resfriamento ocorrer no interior do globo terrestre, a rocha resultante será do tipo ígnea intrusiva. Se o magma conseguir chegar à superfície, a rocha será do tipo ígnea extrusiva, também chamada de vulcânica. A rocha vulcânica mais abundante é o basalto. O granito é a rocha ígnea intrusiva mais abundante na crosta terrestre.

Parte das rochas sedimentares é formada a partir da compactação e/ou cimentação de fragmentos produzidos pela ação dos agentes de intemperismo e pedogênese. Para que se forme uma rocha sedimentar, é necessário, portanto, que exista uma rocha anterior, que pode ser ígnea, metamórfica ou mesmo outra, sedimentar.

As rochas metamórficas resultam da transformação de uma rocha preexistente (protólito) no estado sólido. O processo geológico de transformação se dá por aumento de pressão e/ou temperatura sobre a rocha preexistente, sem que o ponto de fusão dos seus minerais seja atingido.

O ciclo das rochas: as atuais rochas ígneas superficiais da Terra estão sofrendo o constante ataque dos agentes intempéricos. A água corrente, os ventos ou o gelo redistribuem o material fragmentar através da superfície, depositando como sedimentos, incoesos no início, que se transformam em rochas sedimentares. As rochas sedimentares, por sua vez, por aumento de pressão e temperatura, gerarão as rochas metamórficas. Ao aumentar a pressão e, especialmente, a temperatura, em determinado ponto ocorrerá a fusão parcial e novamente a possibilidade de formação de uma nova rocha ígnea, dando inicio a um novo ciclo. Com o lento movimento das placas litosféricas, da ordem de alguns centímetros por ano, tensões vão se acumulando em vários pontos, principalmente perto de suas bordas. As tensões acumuladas podem ser compreensivas ou distensivas, dependendo da direção de movimentação relativa entre as placas, como veremos adiante. Quando essas tensões atingem o limite de resistência das rochas, ocorre uma ruptura: o movimento repentino entre os blocos de cada lado da ruptura gera vibrações, que se propagam em todas as direções. O plano de ruptura forma o que se chama de falha geológica. Os terremotos podem ocorrer no contato entre duas placas litosféricas (caso mais freqüente) ou no interior de uma delas, sem que a ruptura atinja a superfície. O ponto onde se inicia a ruptura e a liberação das tensões acumuladas é chamado de hipocentro ou foco. Sua projeção na superfície é o epicentro.

Estrutura interna da terra

A primeira camada superficial é a crosta, com espessura variando de 25 a 50 km nos continentes e de 5 a 10 km nos oceanos. Abaixo da crosta, temos o manto, e logo abaixo, é o núdeo da Terra. Dentro do núcleo, existe um caroço central (núcleo interno).

A crosta terrestre: dentre as rochas expostas na superfície dos continentes, encontram-se desde as rochas sedimentares, pouco ou não deformadas, até as rochas metamórficas, que foram submetidas a condições de temperatura e pressão correspondentes às da crosta intermediária ou profunda, a mais de 20 km. O manto é uma camada em estado pastoso, situada um pouco abaixo da litosfera. As rochas nele presentes são, com maior probabilidade, o peridotito (oIivina + piroxênio) ou edogito (granada + piroxênio). O núcleo é composto predominantemente por uma liga metálica de ferro e níquel, hipótese corroborada pela planetologia comparada e pelo estudo de meteoritos. O núcleo interno, sólido, deve ser composto pela liga femo-níquet, uma vez que sua densidade corresponde à densidade calculada. O núcleo interno deve crescer lentamente pela solidificação do núcleo externo.

A origem da teoria da Tectônica de Placas ocorreu no inicio do século XX, com as idéias visionárias e pouco convencionais, para a época, do cientista alemão Alfred Wegener, que se dedicava a estudos meteorológicos, astronômicos, geofísicos e paleontológicos, entre outros assuntos. Sua verdadeira paixão era a comprovação de uma idéia baseada na observação de um mapa-múndi no qual as linhas de costa atlântica atuais da América do Sul e África se encaixariam como um quebra-cabeça gigante. Sua teoria era de que todos os continentes poderiam se aglutinar, formando um único megacontinente. A este supercontinente, Wegener denominou Pangea (Pan significa todo, e Gea, Terra), e considerou que a fragmentação do Pangea teria se iniciado há cerca de 220 milhões de anos, durante o Triássico, quando a Terra era habitada por Dinossauros, e teria prosseguido até os dias atuais. O Pangea teria, inicialmente, se dividido em dois continentes, sendo o setentrional chamado de Laurásia e o austral de Gondwana. A espessura média da crosta varia de 5 a 10 km para a oceânica e entre 25 e 50 km para a continental, sendo que sob as grandes cordilheiras, como o Himalaia, esta espessura pode atingir até 100 km. A litosfera tem espessuras variadas, com uma média próxima a 100 km. É compartimentada por falhas e fraturas

profundas em placas tectônicas. Em média, a velocidade de movimentação das placas tectônicas é considerada de 2 a 3 cmI ano, embora a velocidade relativa constatada entre algumas placas seja muito maior do que entre outras.

Ciclo da água

A água distribui-se na atmosfera e na parte superficial da crosta até uma profundidade de aproximadamente 10 km abaixo da interface atmosfera/crosta, constituindo a hidrosfera, que consiste em uma série de reservatórios como os oceanos, geleiras, rios, lagos, vapor de água atmosférica, água subterrânea e água retida nos seres vivos. O constante intercâmbio entre estes reservatórios compreende o ciclo da água ou ciclo hidrológico, movimentado pela energia solar, e representa o processo mais importante da dinâmica externa da Terra.

Quando o vapor de água transforma-se diretamente em cristais de gelo e estes, por aglutinação, atingem tamanho e peso suficientes, a precipitação ocorre sob forma de neve ou granizo, responsável pela geração e manutenção do importante reservatório representado pelas geleiras, nas calotas polares e nos cumes de montanhas. Parte da precipitação retoma para a atmosfera por evaporação direta durante seu percurso em direção à superfície terrestre. Esta fração evaporada na atmosfera soma-se ao vapor de água formado sobre o solo e àquele liberado pela atividade biológica de organismos, principalmente as plantas, através da respiração. Esta soma de processos é denominada evapotranspiração, na qual a evaporação direta é causada pela radiação solar e pelo vento, enquanto a transpiração depende da vegetação. A evapotranspiração em áreas florestadas de clima quente e úmido devolve à atmosfera até 70% da precipitação. Em ambientes glaciais, o retomo da água para a atmosfera ocorre pela sublimação do gelo.

Unidades rochosas ou de sedimentos, porosas e permeáveis, que armazenam e transmitem volumes significativos de água subterrânea passível de ser explorada pela sociedade são chamadas de aqüíferos (do latim, "carregar água").

As cavernas são cavidades naturais com dimensões que permitem acesso ao ser humano. Cavernas cársticas são parte do sistema de condutos e vazios característicos das rochas carbonáticas. Fenômeno importante que ocorre nas cavemas acima do nível freático é a deposição de minerais nos tetos, paredes e pisos das cavidades, produzindo um variado conjunto de formas e ornamentações genericamente denominadas de espeleotemas. Os mais freqüentes são formados por gotejamento da água de infiltração, como estalactites e estalagmites. As primeiras são geradas a partir de gotas que surgem em fraturas nos tetos de cavernas e crescem em direção ao piso. As estalagmites crescem do piso em direção à origem do gotejamento, com o acúmulo de carbonato de cálcio precipitado pela gota, após atingir o piso. Intemperismo e formação do solo

O intemperismo é o conjunto de modificações de ordem física (desagregação) e química (decomposição) que as rochas sofrem ao aflorar na superfície da Terra. Todos os processos que causam desagregação das rochas, com separação dos grãos minerais antes coesos e com sua fragmentação, transformando a rocha inalterada em material descontinuo e friável, constituem o intemperismo físico. Já no intemperismo químico, o ambiente da superfície da Terra, caracterizado por pressões e temperaturas baixas e riqueza de água e oxigênio, é muito diferente daquele onde a maioria das rochas se formaram. Seu principal agente é a água da chuva, que infiltra e percorre as rochas.

Solos

Nas regiões tropicais, como é o caso do Brasil, cada tipo de solo possui propriedades físicas, químicas e morfológicas específicas, mas seu conjunto apresenta certo número de atributos comuns como, por exemplo, composição mineralógica simples (quartzo, caulinita, oxi-hidróxidos de ferro e de alumínio), grande espessura e horizontes com cores predominantemente amarelas ou vermelhas. Os solos tropicais representam ecossistemas frágeis, extremamente vulneráveis às ações antrópicas e que sofrem de forma acentuada os efeitos de uma utilização que se dá por técnicas de manejo não adequadas. O solo é, sem dúvida, o recurso natural mais importante de um país, pois é dele que derivam os produtos para alimentar sua população. Nas regiões intertropicais, essa importância é maior ainda, porque nelas encontra-se a quase totalidade dos países em desenvolvimento, cuja economia depende da exploração de seus recursos naturais, especialmente agrícolas. Além disso, os processos que levam à formação dos solos podem, na zona intertropical, levar também à formação de importantes recursos minerais.

Os rios são os principais agentes de transformação da paisagem, agindo continuamente no relevo. São importantes para a atividade humana, seja como vias de transporte e fontes de energía hidroelétrica e de água potável, seja como supridores de recursos alimentares por meio da pesca e da água para irrigação. Os processos fluviais enquadram-se, num sentido mais amplo, no conjunto de processos aluviais, que compreendem a erosão, transporte e sedimentação em leques aluviais, rios e leques deltaicos.

A planície de inundação (flood plain) é a área relativamente plana, adjacente a um rio, coberta por água nas épocas de enchente. O termo bacia de inundação (flood basin) é reservado às partes mais baixas desta planície, constantemente inundadas. A planície possui forma alongada e nela predominam os processos de suspensão, gerando coberturas centimétricas de silte e argila, uniformemente laminadas. A planície da inundação apresenta-se intensamente vegetada, podendo formar significativos depósitos de restos vegetais e horizontes de solos, além de outras feições como bioturbações, marcas de raízes, gretas de contração e depósitos de turfa e carvão. Historicamente, as populações concentram-se às margens dos rios e invariavelmente estão sujeitas às inundações.

Vivemos hoje uma fase interglacial da idade glacial ocorrida na era Cenozóica e vários modelos desenvolvidos pelos cientistas tentam prever as futuras condições climáticas da Terra. Com efeito, o registro geológico mostra evidências de pelo menos sete outras idades glaciais ou períodos de refrigeração global relativamente bem documentados, sob a forma de rochas e feições típicas da ação geológica pretérita do gelo. As grandes massas de gelo que se desenvolveram durante esses intervalos, em território brasileiro, influenciaram enormemente a paisagem, a geografia, o clima e a vida do passado.

O aumento de CO2 na atmosfera durante as erupções vulcãnicas é considerada fator fundamental no controle de sua concentração na atmosfera. Além do vulcanismo, fases de expansão do fundo oceânico, orogênese e transgressão marinha resultariam em produção de CO2. Em contrapartida, fases de levantamento, regressão marinha e erosão corresponderiam a épocas de maior retirada de CO2 da atmosfera, através da exposição mais extensa das plataformas continentais ao intemperismo químico das rochas, sob a ação do CO2 dissolvido na água, acidificando-a.

Processos eólicos

O deslocamento de partículas em função da ação do vento é conhecido como ação eólica. Esta atividade está associada à dinâmica externa terrestre e modela a superfície da Terra, particularmente, nas regiões dos desertos.

Loess: um dos mais importantes exemplos de sedimentação eólica no registro geológico consiste de sedimentos muito finos (silte e argila), homogêneos e friáveis, comumente amarelados, denominados loess, do alemão. O loess é constituído de diversos minerais (quartzo, feldspato, anfibólio, mica, argila e alguns carbonatos) e fragmentos de rocha pouco alterados. Ocorrências muito expressivas de loess afloram na Mongólia Central, China; Europa e EUA.

O relevo oceânico

Margeando os continentes predominam relevos planos, de natureza essencialmente sedimentar, que constituem a Plataforma Continental. As plataformas continentais constituem extensões submersas dos continentes, apresentando pequena declividade rumo ao alto mar. São contínuas e largas em oceanos do tipo Atlântico, como margens passivas, a exemplo do encontrado no litoral sudeste brasileiro, onde a plataforma continental apresenta largura de mais de 160 km. Uma mudança acentuada na declividade do relevo marca o limite extremo da plataforma continental. Esta transição, denominada Quebra da Plataforma, marca a passagem para o Talude Continental. O relevo do talude continental não é homogêneo, ocorrendo quebras de declividade e também, freqüentemente, cânions e vales submersos. Os cânions submarinos são vales profundos, erodidos sobre a plataforma continental externa e o talude continental, atingindo, por vezes, até a elevação continental. Nas margens continentais do tipo Atlântico, após a Margem Continental, desenvolve-se a Planície Abissal. As planícies abissais são áreas extensas e profundas, de relevo relativamente plano, que se estendem da base das elevações continentais até os relevos íngremes e abruptos das cordilheiras oceânicas, em profundidades superiores a 5.000 metros.

O Assoalho das bacias oceânicas é constituído essencialmente por crosta oceânica, gerada na ruptura e separação crustal, podendo estar recoberto por sedimentos de natureza e proveniência diversas.

O assoalho das bacias oceânicas é constituído por áreas de relevo relativamente plano, nivelado por depósitos de correntes de turbidez e sedimentos transportados por correntes de fundo.

Tempo geológico

O geólogo busca entender fenômenos findados já há milhares, milhões ou até

bilhões de anos, pelo exame do registro geológico das rochas, fósseis e estruturas geológicas. A correlação fossilífera ou biostratigráfica cada vez mais refinada levou, mesmo antes de 1850, à subdivisão dos períodos em épocas e unidades menores. Ao mesmo tempo, semelhanças e distinções entre os fósseis de diversos períodos permitiram sua agregação nas eras Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica, delimitadas pelas maiores extinções na história da vida no fim do Permiano e Cretáceo, respectivamente. Modernamente, as eras têm sido agrupadas em intervalos de tempo maiores, conhecidos como eons: Arqueano, Proterozóico e Fanerozóico.

Vulcanismo

Os vulcões são considerados fontes de observação científica das entranhas da Terra, uma vez que as lavas, os gases e as cinzas fornecem novos conhecimentos de como os minerais são formados e de onde os recursos geotermais de interesse para a humanidade podem se localizar.

Lavas: representam o material rochoso, em estado de fusão, que extravasa à superfície contemporaneamente ao escape dos componentes voláteis do magma. Durante o processo, pode haver adição ou perda de compostos químicos.

Gases e vapores vulcânicos: durante a erupção ou a partir de sistemas hidrotermais associados a câmaras magmáticas subsuperficiais, os gases e vapores dissolvidos no magma são liberados para a atmosfera O transporte desses gases na atmosfera se dá em aerossóis (uma solução em que a fase dispersora é gasosa e a fase dispersa é sólida ou líquida), pela adsorção dos compostos em camadas, ou, ainda, na forma de partículas microscópicas de sal. Gêiseres e fontes térmicas: são jatos de água quente e vapor em rupturas de terrenos vulcânicos. Estes jatos ocorrem em intervalos de tempo regulares e com grande força, freqüentemente acompanhados por um som ruidoso. Regiões vulcãnicas na Islândia, Nova Zelândia, Chile e Estados Unidos são mundialmente conhecidas pelos seus campos de gêiseres Morfologia de um vulcão

Cratera: a cratera representa o local de extravasamento do magma e demais produtos associados. A chaminé, ou conduto magmático, liga a câmara magmática, em profundidade, com a cratera.

Caldeira: o termo é aplicado às enormes depressões circulares, originadas pelo colapso total ou parcial da cratera e do topo do vulcão, por conta da perda de apoio interno, seja pelo escape de gases, seja pela ejeção de grandes volumes de lava.

Apesar de sabermos que as mudanças clirnáticas estão associadas à variabilidade natural dos processos atmosféricos, pelo menos dois outros parâmetros a revolução industrial e os vulcões - têm adicionado enormes quantidades de material particulado e gases à atmosfera. Há evidências de que as erupções vulcânicas afetam o comportamento do clima em curtos períodos de tempo e, possivelmente, influenciam as alterações de longa duração, inclusive no aquecimento global. O maior impacto dos gases vulcânicos se dá pela liberação de cinzas e S02. Este gás transforma-se em ácido sulfúrico pelos raios solares que interagem com o vapor de água da estratosfera, para então formar camadas de aerossóis. Recursos hídricos

A água como substância está presente em toda parte, mas o recurso hídrico, entendido como um bem econômico e que pode ser aproveitado pelo ser humano dentro de custos financeiros razoáveis, é mais escasso. O consumo per capita do recurso aumenta geometricamente com a melhora da renda da sociedade. Dividindo-se globalmente a água existente no planeta por toda a sua população, não haveria escassez de água. Entretanto esses números são irreais, pois, além de considerarem toda a água de superfície e não aquela efetivamente disponível, não analisam a distribuição do recurso hídrico e da população no mundo. Nesse cenário o Brasil é um país privilegiado, uma vez que recentes estimativas indicam que aqui corre 53% da água doce da América do Sul e 12% da vazão total mundial dos rios.

As extrações desmedidas dos corpos de água e a contaminação são os dois grandes problemas que têm ocupado as atenções dos governos nas últimas décadas. O abastecimento de grandes áreas metropolitanas exige que a água seja trazida de regiões cada vez mais distantes, onerando e comprometendo os recursos hídricos. Ao mesmo tempo, tradicionalmente, os rios têm servido de receptores para os lançamentos de esgotos urbanos, de lixos e de efluentes agroindustriais.

Embora representem 97% da água doce líquida do planeta, as águas subterrâneas desempenham um papel fundamental no abastecimento público e privado em todo o mundo. Muito embora os aquíferos formem o maior reservatório de água potável líquida do mundo, sua distribuição não é igual no planeta. Algumas áreas possuem abundância deste recurso, enquanto em outras ele é quase inexistente. Quando a extração de água do aquífero supera a recarga em períodos muito prolongados, ou quando o bombeamento está concentrado em uma pequena zona, ocorre a super exploração, ou seja, a retirada de água do aqüífero se dá em quantidades maiores que a sua reposição, acarretando desequilíbrios no balanço entre as entradas de água no aqüífero (recarga) e as saídas (extração). A água subterrânea apresenta, geralmente, excelentes qualidades químicas e físicas, sendo própria para o consumo humano, muitas vezes sem tratamento prévio. A contaminação ocorre quando alguma alteração na água coloca em risco a saúde ou o bem estar de uma população. Entre os compostos inorgânicos, o nitrato é o contaminante de ocorrência mais ampla em aqüíferos. As fontes mais comuns deste contaminante são os sistemas de saneamento in situ (fossas e latrinas) e a aplicação de fertilizantes nitrogenados na agricultura. A grande preocupação ambiental associada ao nitrato está no fato dele possuir grande mobilidade e persistência em condições aeróbicas. Os metais pesados (o cádmio, cromo, chumbo e mercúrio) apresentam baixa mobilidade em muitos ambientes naturais. Eventualmente, a contaminação das águas subterrâneas pode ocorrer por mecanismos naturais. A interação entre a água e a rocha faz com que a água se enriqueça de certas substâncias, algumas das quais em concentrações que a tomam não potável. Estes problemas, embora não tão comuns, ocorrem em aqüíferos onde a matriz mineral apresenta concentração elevada dessas substâncias e o ambiente freqüentemente propicia a sua solubilização. Os contaminantes mais comuns são ferro, manganês e flúor, e, em concentrações menores, arsênio, cromo, cádmio, níquel, zinco e cobre, entre outros.

A deposição de resíduos sólidos de origem doméstica ou industrial tem causado muitos incidentes de contaminação na água subterrânea em nosso país, especialmente quando feita sem controle e quando a deposição, que muitas vezes envolve líquidos perigosos, é realizada em locais hidrogeologicamente vulneráveis. Hoje, muitos destes depósitos estão poluindo os aqüíferos.

Recursos energéticos

Os recursos energéticos utilizados atualmente pelas nações industrializadas são os combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural), a hidroeletricidade, a energia nuclear e outras formas de energia menos difundidas, como a geotérmica, a solar e a eólica, a proveniente da biomassa, de marés e, mais recentemente, de ondas. A biomassa foi, sem dúvida, o primeiro recurso energético utilizado pela humanidade. A queima de lenha foi responsável pelo fornecimento de energia desde os primórdios das civilizações, sendo utilizada principalmente nos países menos desenvolvidos. Estima-se que cerca de 10% dos fogões existentes na Terra ainda utilizem lenha corno fonte de energia. Apesar de envolver a destruição de florestas, o cultivo controlado de árvores pode ser uma importante forma de geração de energia a custos relativamente baixos. A biomassa pode também ser utilizada para a produção de combustíveis (por exemplo, etanol e metanol), que podem substituir com certas vantagens outras fontes de energia. Os combustíveis fósseis recebem esta denominação por derivarem de restos de plantas e animais soterrados juntamente com os sedimentos que formam as r0chas sedimentares. O tipo de combustível fóssil formado depende da matéria orgânica original e da sua subseqüente história geológica. O carvão mineral é utilizado há mais de 2.000 anos, desde a época da ocupação romana da Inglaterra, quando era usado para aquecer as casas dos romanos. Ainda hoje é um componente importantíssimo na matriz energética (conjunto de fontes de energia que abastecem um país) de diversos países, por exemplo, Estados Unidos e China. Atualmente, a produção brasileira de carvão mineral é praticamente toda consumida em termoelétricas, ou seja, em usinas de geração de energia elétrica a partir do calor gerado pela queima do combustível, representando, hoje, cerca de 1,5% da matriz energética do Brasil.

O petróleo é um líquido oleoso normalmente com densidade menor do que a da água. Sua cor varia desde o incolor até o preto, passando por verde e marrom. Sua origem é orgânica, ou seja, tanto o petróleo como o gás natural são combustíveis fósseis, como o carvão. Sua origem se dá a partir da matéria orgânica (principalmente algas) soterrada juntamente com sedimentos lacustres ou marinhos. Os ambientes que impedem a oxidação da matéria orgânica são aqueles de rápida sedimentação (ex. plataformas rasas) ou de teor de oxigênio restrito (ex. fundo oceânico). Em ambos os casos, o ambiente anaeróbico permite o aprisionamento de matéria orgânica não oxidada. A semelhança dos processos que transformam restos vegetais em carvão mineral, vistos anteriormente, a matéria orgânica vai se transformando, com a perda dos componentes voláteis e concentração de carbono, até sua completa modificação para hidrocarbonetos. Energia nuclear e hidrelétrica

A primeira é gerada pela fissão do núcleo do elemento Urânio (235U) por bombardeamento de nêutrons. Esta reação libera três nêutrons e calor. Os nêutrons liberados ativam novas reações, que liberam mais nêutrons e mais calor, produzindo uma reação em cadeia. A partir do desenvolvimento do sistema de controle dessa reação em cadeia, que ocorreu em 1942, foi possível utilizar a energia produzida na reação tanto para fins militares (na 2ª Grande Guerra), como para obtenção de energia termoelétrica.

A utilização de combustível nuclear pode ser considerada uma forma bastante limpa de geração de energia elétrica, uma vez que não gera H2 S ou NO. (óxidos de nitrogênio). No entanto, há vários problemas que devem ser considerados, por exemplo, se uma usina sofrer um acidente e se romper. Um único acidente, com qualquer das usinas, pode atingir grandes proporções, com efeitos ambientais duradouros. No entanto, o maior problema ambiental diz respeito à disposição dos rejeitos radioativos gerados pela usina. Esses rejeitos são compostos de elementos radioativos de meia-vida longa. A grande questão é corno dispor e isolar de maneira segura tais rejeitos, para não contaminar os recursos hídricos ou mesmo a atmosfera.

Os impactos ambientais provenientes do aproveitamento intensivo de energia geotérmica são. talvez, menores em extensão que as outras fontes de energia, uma vez que não é necessário o transporte de matéria-prima ou beneficiamento do combustível. Sua produção, ao contrário das de outras fontes energéticas, não necessita de queima nem da disposição de rejeitos radioativos. Quanto à hidroeletricidade, a seleção dos locais para a implantação de barragens leva em consideração a largura do rio e a topografia no retorno, para maior aproveitamento do gradiente do rio e para evitar a inundação de uma área muito extensa, já que esta área será inutilizada para outro aproveitamento econômico. A energia elétrica assim gerada é considerada corno energia renovável Apesar da geração de energia por hidrelétricas ser considerada limpa, há restrições quanto à área inundada pela barragem.

A Terra: passado, presente e futuro

Evidências geológicas de todo tipo comprovam que a geografia atual dos continentes representa apenas o mais recente arranjo entre crosta continental, crosta oceânica e nível do mar, num planeta dinâmico. Se o presente nos permite desvendar pelo menos parte do passado, então é igualmente verdadeiro que a análise deste passado pode nos ajudar a entender o presente e vislumbrar o futuro geológico. Assim, devido à visão abrangente de nosso planeta, o geólogo não apenas desempenha um papel fundamental na identificação e prevenção de riscos geológicos, como deverá ter uma atuação cada vez mais importante na resolução de grandes problemas que a humanidade enfrentará nas próximas décadas, tais como suprimento de água potável, uso racional e degradação de solos, fornecimento de energia, exploração de recursos minerais tradicionais e alternativos e planejamento (e reorganização) urbano.

Evolução biológica

Vimos que o registro fóssil do Fanerozóico difere fundamentalmente do registro do Pré-Cambriano por causa da expansão global explosiva de metazoários com conchas e outras partes duras (carapaças, escamas etc.) pouco depois de 550 milhões de anos atrás. Quando se comparam os fósseis e os organismos que produziram tais fósseis nestas duas fases distintas da história da biosfera, percebe-se como o próprio modo e ritmo da evolução se modificaram com a expansão dos animais nesta época. Enquanto os primeiros 7/8 do tempo geológico (Pré-Cambriano) foram dominados por formas microscópicas de vida procariótica, generalistas em seus hábitos e morfologicamente simples, com reprodução apenas assexuada e taxas evolutivas lentas, o Fanerozóico, que representa apenas a oitava parte mais recente da história do planeta, viu surgirem organismos eucarióticos de tamanho macroscópico, de hábitos especializados, morfologia complexa, reprodução sexuadas e taxas evolutivas rápidas.

Amanhã e depois

Há uma preocupação generalizada de que a ação da civilização possa perturbar a diversidade da vida, o clima e o nível do mar, provocando toda espécie de tragédias para o mundo que conhecemos, desde a elevação da temperatura, pela queima de combustíveis fósseis, e subseqüente degelo das calotas polares, provocando a inundação de regiões costeiras populosas, à destruição da camada de ozônio, que protege a vida dos raios ultravioleta mais danosos, até extinções em massa e desequilíbrio de ecossistemas inteiros, com desertificação de grandes regiões onde, atualmente, existem florestas tropicais. Existem organizações não-govemamentais (ONGs), órgãos governamentais e comissões especiais que lidam com esta questão, bem como conferências internacionais para discutir os resultados dos estudos sobre o tema. A preocupação com este tópico, apelidado mudanças globais, é real e o perigo também, pois a população humana, que em 1950 era de 2 bilhões e meio de habitantes, hoje passa de 6 bilhões e, com o crescimento anual de 2%, ameaça chegar a 11 bilhões até o ano de 2050. A Terra, a humanidade e o desenvolvimento sustentável

A Terra é um sistema vivo, com sua dinâmica evolutiva própria. Graças à sua evolução ao longo de alguns bilhões de anos, proporcionou condições para a existência de vida, vindo a ser, hoje, a casa da humanidade. É sobre ela que vivemos, construímos nossas edificações, e dela extrai mos tudo o que é necessário para manutenção da espécie, tal como água, alimentos e matérias-primas para produção de energia e fabricação de todos os produtos que usamos e c0nsumimos. Contudo, também é nela que depositamos nossos resíduos, tanto industriais como domésticos. Para possibilitar o conforto da população atual da Terra, o volume de materiais mobilizados pela humanidade (materiais para construção, minerais e minérios) é maior do que aquele mobilizado pelos processos geológicos característicos da dinâmica externa da Terra. Tal constatação coloca a humanidade não só como um agente geológico, mas como o mais importante modificador da superfície do planeta na atualidade.

Os países mais desenvolvidos se caracterizam por um perfil de consumo exagerado tanto de matérias-primas como de energia. Conseqüentemente, produzem enormes quantidades de resíduos, como nos Estados Unidos da América, onde cada habitante gera cerca de uma tonelada de resíduos por ano, que têm de ser dispostos em áreas apropriadas para essa finalidade. Na busca de qualidade de vida, a tendência seguida pelos países menos desenvolvidos é atingir os padrões de consumo dos países industrializados do Hemisfério Norte. Entretanto, fica evidente que isso levaria a níveis insustentáveis de consumo de matérias-primas e combustíveis, de maneira que as nações em desenvolvimento deverão buscar caminhos diferentes, evitando o mesmo nível de consumo e desperdício praticados naqueles países, uma vez que os recursos globais são limitados.

Como nasceu o conceito de desenvolvimento sustentável?

Em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (em Estocolmo), foi reconhecido o relacionamento entre os conceitos de conservação ambiental e desenvolvimento industrial; foram discutidos os efeitos causados pela falta de desenvolvimento e surgiram as idéias de poluição da pobreza e ecodesenvolvimento. Uma reavaliação do conceito de desenvolvimento orientou a Terceira Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1980-1990), quando foram buscadas estratégias de distribuição, visando uma melhor repartição dos benefícios do eventual crescimento da economia mundial. Na década seguinte, a ONU resolveu criar uma comissão para efetuar um amplo estudo dos problemas globais de ambiente e desenvolvimento e, em 1987, esta comissão apresentou o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), no qual foi introduzido o conceito de desenvolvimento sustentável, que preconiza um sistema de desenvolvimento sócio-econômico com justiça social e em harmonia com os sistemas de suporte da vida na Terra. Portanto, passa-se a reconhecer a necessidade da manutenção do equilíbrio ambiental e do alcance de justiça social. Em tal cenário, haveria uma melhor qualidade de vida coletiva, com as necessidades básicas e alguns dos desejos da humanidade atendidos, sem que houvesse comprometimento do suprimento de recursos naturais e da qualidade de vida das futuras gerações. Portanto, como corolário, o desenvolvimento sustentável preconiza disponibilizar recursos que atendam às necessidades básicas de cerca de 80% da população da Terra que, no fim do século XX, vive em países menos desenvolvidos. Em 1992 realizou-se, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocasião em que o problema ambiental ocupou importante espaço nos meios de comunicação de todo o globo. Como resultado dessa conferência, foi elaborada a Agenda 21, que representa um compromisso político das nações de agir em cooperação e harmonia na busca do desenvolvimento sustentável. Os dois maiores problemas globais - o crescimento demográfico e a pobreza - têm se aguçado diante da nova ordem econômica que surgiu nas últimas décadas do século XX.

Redução de desastres naturais

Missão fundamental dos geocientistas é o conhecimento, o mais completo p0ssível, dos fenômenos naturais que podem provocar grandes catástrofes como terremotos, erupções vulcânicas (tanto de lavas como de cinzas), ciclones tropicais, inundações, escorregamentos de terra, secas provocarem grandes perdas de vidas e propriedades podem ocasionar também atrasos na evolução do desenvolvimento econômico, especialmente para os países mais pobres. Cabe às ciências da terra a tarefa de fornecer os instrumentos para prevenir tais desastres naturais e preparar as comunidades para reduzir sua vulnerabilidade. Isto é muito importante nas áreas urbanas onde os processos são catalisados pela desorganizada ocupação antrópica.

Documentos

Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias - Geografia

A Geografia compõe o currículo do ensino fundamental e médio e deve preparar o aluno para: localizar, compreender e atuar no mundo complexo, problematizar a realidade, formular proposições, reconhecer as dinâmicas existentes no espaço geográfico, pensar e atuar criticamente em sua realidade tendo em vista a sua transformação. A partir dessas premissas, o professor deverá proporcionar práticas e reflexões que levem o aluno à compreensão da realidade. Portanto, para que os objetivos sejam alcançados, o ensino da Geografia deve fundamentar-se em um corpo teórico-metodológico baseado nos conceitos de natureza, paisagem, espaço, território, região, rede, lugar e ambiente, incorporando também dimensões de análise que contemplam tempo, cultura, sociedade, poder e relações econômicas e sociais e tendo como referência os pressupostos da Geografia a como ciência que estuda as formas, os processos, as dinâmicas dos fenômenos que se desenvolvem por meio das relações entre a sociedade e a natureza, constituindo o espaço geográfico. Seu objetivo é compreender a dinâmica social e espacial, que produz, reproduz e transforma o espaço geográfico nas diversas escalas (local, regional, nacional e mundial). As relações temporais devem ser consideradas tendo em vista a historicidade do espaço, não como enumeração ou descrição de fatos que se esgotam em si mesmos, mas como processo de construção social. A Geografia não é uma disciplina descritiva e empírica, em que os dados sobre a natureza, a economia e a população são apresentados a partir de uma sequência linear, como se fossem produtos de uma ordem natural. Com as novas tecnologias de informação, com os avanços nas pesquisas cientificas e com as transformações no território, o ensino de Geografia torna-se fundamental para a percepção do mundo atual. Os professores devem, portanto, refletir e repensar sua prática e vivências em sala de aula, com a mudança e a incorporação de novos temas no cotidiano escolar. 1. Saberes e experiências do ensino de geografia Nos últimos anos, muitos são os documentos oficiais e acadêmicos que se referem a como se ensina Geografia nos ensinos fundamental e médio. Esses, em geral, buscam entender como e por que determinados fenômenos se produzem no espaço e suas relações com os processos econômicos, sociais, culturais e políticos. Portanto, ao analisar as transformações presentes no espaço, devemos entender que essas não se produzem de forma aleatória, mas foram construídas ao longo do tempo. O que implica considerar o processo histórico e a singularidade dos lugares. Um contexto desejável, e já existente, ampliou a participação e o debate de professores e alunos em discussões e o professor deixou de ser mero transmissor de conhecimento, pensando o mundo de forma dialética. Esse processo abriu a possibilidade de efetiva integração metodológica entre as diferentes áreas do conhecimento e a Geografia, numa perspectiva interdisciplinar. Objetivos da Geografia no Ensino Médio A importância da Geografia no ensino médio está relacionada com as múltiplas possibilidades de ampliação dos conceitos da ciência geográfica, além de orientar a formação de um cidadão no sentido de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser, reconhecendo as contradições e os conflitos existentes no mundo. Nesse sentido, um dos objetivos da Geografia no ensino médio é a organização de conteúdos que permitam ao aluno realizar aprendizagens significativas. Essa é uma concepção contida em teorias de aprendizagem que enfatizam a necessidade de considerar os conhecimentos prévios do aluno e o meio geográfico no qual ele está inserido. A escola e o professor devem, a partir do objetivo geral da proposta pedagógica adotada pela instituição e dos parâmetros que norteiam a Geografia enquanto ciência e enquanto disciplina escolar, definir os objetivos específicos que, a título de referência, podem ser assim detalhados: • compreender e interpretar os fenômenos considerando as dimensões local, regional, nacional e mundial; • dominar as linguagens gráfica, cartográfica, corporal e iconográfica; • reconhecer as referências e os conjuntos espaciais, ter uma compreensão do mundo articulada ao lugar de vivência do aluno e ao seu cotidiano. No processo de aprendizagem é necessário desenvolver competências e habilidades, para que tanto professores como alunos possam comparar, analisar, relacionar os conceitos e/ou fatos como um processo necessário para a construção do conhecimento. As competências e habilidades, relacionadas às atividades da disciplina, são descritas no quadro 1, dispostas em uma sequência que vai dos conceitos básicos para o entendimento do espaço geográfico como objeto da Geografia, chegando às linguagens e às dimensões do espaço mundial, permitindo ao professor e ao aluno articular a capacidade de compreender e utilizar os conteúdos propostos. Quadro 1: Competências e habilidades para a Geografia no Ensino Médio Competências habilidades • Capacidade de operar com os conceitos básicos da Geografia para análise e representação do espaço em suas múltiplas escalas. • Capacidade de articulação dos conceitos. • Articular os conceitos da Geografia com a observação, descrição, organização de dados e informações do espaço geográfico considerando as escalas de análise. • Reconhecer as dimensões de tempo e espaço na análise geográfica. • Capacidade de compreender o espaço geográfico a partir das múltiplas interações entre sociedade e natureza. • Analisar os espaços considerando a influência dos eventos da natureza e da sociedade. • Observar a possibilidade de predomínio de um ou de outro tipo de origem do evento. • Verificar a inter-relação dos processos sociais e naturais na produção e organização do espaço geográfico em suas diversas escalas. • Domínio de linguagens próprias à análise geográfica. • Identificar os fenômenos geográficos expressos em diferentes linguagens. • Utilizar mapas e gráficos resultantes de diferentes tecnologias. • Reconhecer variadas formas de representação do espaço: cartográfica e tratamentos gráficos, matemáticos, estatísticos e iconográficos. • Capacidade de compreender os fenômenos locais, regionais e mundiais expressos por suas territorialidades, considerando as dimensões de espaço e tempo. • Compreender o papel das sociedades no processo de produção do espaço, do território, da paisagem e do lugar. • Compreender a importância do elemento cultural, respeitar a diversidade étnica e desenvolver a solidariedade. • Capacidade de diagnosticar e interpretar os problemas sociais e ambientais da sociedade contemporânea. • Estimular o desenvolvimento do espírito crítico • Capacidade de identificar as contradições que se manifestam espacialmente, decorrentes dos processos produtivos e de consumo. Além das competências e habilidades, é fundamental ter como ponto de partida a reflexão sobre o objeto da Geografia, que é a realidade territorial criada a partir da apropriação do meio geográfico pela sociedade. O papel do professor de Geografia no contexto do mundo atual O que é ser professor de Geografia nos dias atuais? Essa pergunta nos faz refletir sobre as rápidas transformações que ocorrem no mundo e, portanto, um dos grandes desafios de um professor de Geografia é selecionar os conteúdos e criar estratégias de como proceder nas escolhas dos temas a serem abordados em sala de aula, ou seja, como articular a teoria com a prática. Nesse sentido o professor tem papel importante no cotidiano escolar e é insubstituível no processo de ensino-aprendizagem, pois é o especialista do componente curricular, cabendo-lhe o estabelecimento de estratégias de aprendizagem que criem condições para que o aluno adquira a capacidade para analisar sua realidade sob o ponto de vista geográfico. A necessidade de o professor pensar autonomamente, de organizar seus saberes e de poder conduzir seu trabalho tem muito a ver com a formação que tem e com a postura pedagógica que adote, uma vez que ele é o agente principal de seu próprio fazer pedagógico. Cavalcanti destaca que o processo de formação de professores visa ao desenvolvimento de uma competência crítico-reflexiva, que lhes forneça meios de pensamento autônomo, que facilite as dinâmicas de autoformação, que permita a articulação teoria e prática do ensino [...] deve ser uma formação consistente, contínua, que procure desenvolver uma relação dialética ensino-pesquisa, teoria-prática. Trata-se de uma formação crítica e aberta à possibilidade da discussão sobre o papel da Geografia na formação geral dos cidadãos, sobre as diferentes concepções da ciência geográfica, sobre o papel pedagógico da Geografia escolar”. É oportuno lembrar que a prática docente adquire qualidade quando existe a produção do saber. Castellar assinala que “o professor deve atuar no sentido de se apropriar de sua experiência, do conhecimento que tem para investir em sua emancipação e em seu desenvolvimento profissional, atuando efetivamente no desenvolvimento curricular”. Essa mudança requer muitas vezes a organização dos professores em suas escolas e no contexto escolar em que atuam, uma vez que o professor deixa de dar os conceitos prontos para os alunos para, junto com eles, participar de um processo de construção de conceitos e saberes, levando em consideração o conhecimento prévio. Nesse processo, é fundamental a participação do professor no debate teórico-metodológico, o que lhe possibilita pensar e planejar a sua prática,quer seja individual, quer seja coletiva. Essa participação faz com que o professor tenha acesso ao material produzido pela comunidade científica da Geografia, o que lhe permitirá discussões atualizadas que vão muito além da abordagem existente nos livros didáticos. Lembramos que, longe de ser a única possibilidade de trabalho, o livro didático é um instrumento que, utilizado como complemento do projeto político-pedagógico da escola, certamente contribui para promover a reflexão e a autonomia dos educandos, assegurando-lhes aprendizagem efetiva e contribuindo para fazer deles cidadãos participativos e, para que isso ocorra, não deve ser utilizado como um fim em si mesmo, mas como um meio. A mudança exige do professor discussão e reflexão sobre os temas que desejam trabalhar. Portanto, o que se espera é que haja parâmetros para que os docentes possam ter como referência conceitos e categorias que estruturem o conhecimento geográfico, propiciem o repensar de sua ação didática e de sua realidade, destacando de forma crítica as diferenças regionais, culturais, econômicas e ambientais. Tais parâmetros e referências devem ajudar o professor a entender a importância da transposição didática do conhecimento científico, para que o aluno possa dele se apropriar (respeitando a realidade e o modo de aprender de cada um) e a refletir sobre sua prática, criando oportunidades e desenvolvendo atividades de interação entre seu conhecimento e o dos alunos. Além disso, deve promover mudanças concretas que resultem em novos padrões de aprendizagem, a partir de uma rede de significados, isto é, utilizando estratégias diversificadas ao abordar os conteúdos, dialogando e ampliando os conhecimentos já adquiridos e propondo novas situações de aprendizagem que se referencie em resoluções de problemas em perspectiva interdisciplinar. Nessa perspectiva, é preciso esforço maior, por parte de todos os agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, na elaboração de textos que ampliem os parâmetros curriculares específicos, particularizando os fundamentos teórico-metodológicos, com base em discussões sobre competências e habilidades de forma acessível, sem aplicar o conhecimento geográfico de maneira superficial, evitando as linguagens herméticas e generalizantes. O projeto político-pedagógico da escola e a Geografia Diante das perspectivas pedagógicas e educacionais, é fundamental ter clareza do papel da Geografia no ensino médio, pensando a ciência com suas categorias e dimensões pedagógicas, promovendo as devidas articulações com o projeto político-pedagógico da escola e criando condições para que o aluno analise criticamente a produção e a organização do espaço. Para essa reflexão cabem, portanto, breves considerações sobre o significado do projeto político-pedagógico no currículo escolar. O projeto político-pedagógico da escola como documento de referência básica deve ser construído de forma cooperativa, envolvendo todos os agentes do cotidiano escolar. Essencialmente, deve expressar a complexidade característica do ambiente escolar (considerando seus aspectos físicos, os diferentes segmentos sociais e os procedimentos pedagógicos), além de planejar as ações de curto, médio e longo prazos, o que requer constante avaliação, para que sejam promovidas as necessárias revisão e atualização do projeto. O projeto político-pedagógico vai além de um simples agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas: é construído e vivenciado, em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola. O papel da Geografia no projeto político-pedagógico da escola ( assim como das demais disciplinas) é sua inserção como componente curricular que tem o planejamento contextualizado, atendendo aos princípios gerais e à explicitação de regras básicas. Com efeito, considera-se que um ensino eficaz, cujos objetivos de aprendizagem sejam alcançados, depende, inclusive, de práticas pedagógicas adequadas. Nesse contexto, é relevante pensar em práticas que propiciem a realização do trabalho com alunos do ensino médio e que estimulem o processo de aprendizagem. Uma vez estabelecidas as bases intelectuais para o desenvolvimento do trabalho na escola, algumas práticas pedagógicas podem ser sugeridas para possibilitar a obtenção de bons resultados das atividades docentes. Devem-se propiciar condições para que o conhecimento seja construído em nível científico (considerando-se o estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos) para além do senso comum. Com base nisso, sugere-se a proposição de situações problema. O projeto político-pedagógico da escola como documento de referência básica deve ser construído de forma cooperativa, envolvendo todos os agentes do cotidiano escolar. O ensino de geografia: uma combinação entre conceitos e saberes Os Parâmetros Curriculares para a Geografia têm entre seus objetivos articular o diálogo entre a didática (o pensar pedagógico) e a epistemologia (o pensar geográfico). Ao propor esse diálogo espera-se fortalecer a relação entre o pensar pedagógico e o saber geográfico, favorecendo a reflexão sobre as contradições existentes na prática de sala de aula. Esses fundamentos trazem em si alguns questionamentos, como: • quais as condições para que o aluno aprenda a ler o mundo por meio da Geografia? • como utilizar a cartografia como linguagem em qualquer conteúdo, avançando na idéia de que a cartografia é mais do que uma técnica? Portanto, os Parâmetros Curriculares, a partir das especificidades da Geografia, devem considerar as temáticas que corroboram a construção do conhecimento geográfico, tornando-o mais significativo para se compreender o mundo. Desse modo, a educação geográfica requer o desenvolvimento do pensamento geográfico estruturado em princípios filosóficos, metodológicos e pedagógicos. Sobre Conteúdos e Metodologias no Ensino da Geografia Os avanços verificados na Geografia escolar, principalmente, a partir do final da década de 70, permitiram mudanças significativas na forma de pensar dos docentes. Entretanto, para uma parcela dos docentes, a preocupação ainda se centra nas informações estatísticas e descrições que reforçam um ensino mnemônico. Do mesmo modo, em certos ambientes escolares, a Geografia ainda continua relegada a segundo plano na estruturação dos currículos escolares, ocupando lugar menos nobre na grade horária. Além disso, alguns equívocos conceituais reforçados por discurso superficial, principalmente nos conceitos que estruturavam o conhecimento geográfico, persistem no cotidiano escolar. Podemos citar como exemplo a discussão da geografia urbana na escola, a qual se atém em grande parte a conceitos teóricos, não havendo consciência de que para estudá-la é importante compreendê-la como o lócus de vivência da população e, em nome da mundialização, desconsidera-se o lugar como o local de vida e de possibilidade de fazer frente aos movimentos e interesses externos do mundo. Esses exemplos reforçam a falta de entendimento teórico sobre o método na análise dos fenômenos comprometendo a dimensão epistemológica e ontológica da ciência Geográfica. Nesse sentido, é preciso ter clareza de que o local é influenciado pelo global, assim como este também é influenciado pelas particularidades e singularidades dos lugares, sendo o movimento do particular para o geral e do geral para o particular um dos fundamentos do método de análise da geografia crítica. Os conceitos cartográficos (escala, legenda, alfabeto cartográfico) e os geográficos (localização, natureza, sociedade, paisagem, região, território e lugar) podem ser perfeitamente construídos a partir das práticas cotidianas. Na realidade, trata-se de realizar a leitura da vivência do lugar em relação com um conjunto de conceitos que estruturam o conhecimento geográfico, incluindo as categorias espaço e tempo. Ao trabalhar com os conceitos cartográficos e geográficos, tendo como interface as categorias de espaço e tempo, temos de incorporar outros componentes que servirão de referências curriculares para o ensino médio, ou seja, admitir a diversidade de fontes e de linguagens, valorizando as leituras objetivas e subjetivas do mundo. Essas linguagens (cartográfica, textual, corporal e cênica, iconográfica e oral) servirão de apoio para as aulas de Geografia, ou seja, são um instrumento mais adequado para fazer a leitura do meio geográfico e de seu uso, o que supõe o exercício da interdisciplinaridade. Adquirir competências e habilidades para ler os fenômenos geográficos requer saber utilizar a cartografia e a capacidade para elaborar mapas mentais, para leitura e uso de plantas cartográficas e mapas temáticos. Além disso, os avanços da tecnologia (fotografias aéreas, mapas digitais e sensoriamento remoto) permitem melhorar a qualidade dos mapas e o nível de precisão visando localização dos espaços. Compreender a Geografia do local em que se vive significa conhecer e apreender intelectualmente os conceitos e as categorias, tais como: o lugar, a paisagem, os fluxos de pessoas e mercadorias, as áreas de lazer, os fenômenos e objetos existentes no espaço urbano ou rural. Para ter essa compreensão, é necessário saber manejar os conceitos, saber a que eles se referem e que condução teórica expressam. Nessa perspectiva torna-se relevante compreendê-la como um lugar que abriga, produz e reproduz culturas, como modo de vida materializado cotidianamente. Ler os fenômenos geográficos em diferentes escalas permite ao aluno uma leitura mais clara do seu cotidiano. Dessa maneira, ele entenderá a realidade, poderá comparar vários lugares e notar as semelhanças e diferenças que há entre eles. A partir desse entendimento, os saberes geográficos são estratégicos, pois permitem ao aluno compreender o significado da cidadania e assim exercitar seu direito de interferir na organização espacial. A Geografia deve propiciar a leitura da paisagem e dos mapas como metodologia do ensino para que o aluno, numa prática pedagógica, inovadora possa observar, descrever, comparar e analisar os fenômenos observados na realidade, desenvolvendo habilidades intelectuais mais complexas. Ao propor as orientações curriculares com temas geográficos, considera-se a importância de o aluno aprender a ler mapas, conhecer a simbologia das legendas, organizar e hierarquizar fenômenos e perceber os detalhes da relação cidade e campo em diferentes escalas cartográficas. Para a análise dos fenômenos geográficos, é importante considerar a dimensão local, regional, nacional ou global, o que facilitará ao aluno o seu entendimento sobre as mudanças que ocorrem em diferentes lugares. A aprendizagem será significativa quando a referência do conteúdo estiver presente no cotidiano da sala de aula e quando se considerar o conhecimento que o aluno traz consigo, a partir da sua vivência. No que se refere ao conteúdo, não importa de que ponto se inicia, se do lugar ou do global. O fundamental é transitar nesses níveis de análise para buscar as explicações dos diversos fenômenos. Callai assinala que “é fundamental que se considere que a aprendizagem é um processo do aluno, e as ações que se sucedem devem necessariamente ser dirigidas à construção do conhecimento por esse sujeito ativo. Tal processo supõe, igualmente, uma relação de diálogo entre professor e aluno que se dá a partir de posições diferenciadas, pois o professor continua sendo professor, é o responsável pelo planejamento e desenvolvimento das atividades, criando condições para que se efetive a aprendizagem por parte do aluno”. Para a análise dos fenômenos geográficos, é importante considerar a dimensão local, regional, nacional ou global ... Torna-se relevante conhecer e compreender as características do meio em que se vive e, conseqüentemente, o cotidiano, ampliando o entendimento da complexidade do mundo atual. O espaço traz em si, as condições naturais de sua formação, que se manifestam de maneiras variadas nos diversos lugares, de acordo com as possibilidades de uso que decorrem da ação humana com suas características sociais, culturais, econômicas e, conseqüentemente, com as suas formas de organização. Saber ler o mundo para compreender a realidade e entender o contexto em que as relações sociais se desenvolvem implica não só se ater na percepção das formas, mas também no significado de cada uma delas. É a partir do cotidiano que os alunos perceberão os diversos lugares que compõem a Geografia, ampliando a dimensão limitada que às vezes se tem dela. Essa compreensão permite a construção de vários eixos temáticos e sua relação com o mundo. Em tais contextos, aprender a cidade significa aprender que ela não é estática, mas portadora de uma geografia dinâmica, na qual fluem, por exemplo, informações e cultura. Os conceitos estruturantes para o ensino de Geografia Com a nova organização e formatação do ensino médio, todas as disciplinas do currículo escolar reúnem conceitos comuns, entendidos como estruturantes das áreas de conhecimento, ou seja, referenciais para que se compreendam os conteúdos das disciplinas. Os conceitos são instrumentos do pensar e do agir que se justificam e ganham sentido próprio no complexo sistema que compõe com os conceitos correlatos e no qual interagem em campo teórico mais vasto. Impõe-se, por isso, nova visão de interdisciplinaridade ou transdisciplinariedade. Nenhuma região do saber existe isolada em si mesma, devendo, depois, relacionar-se com as demais. Só na unidade do saber existem as disciplinas, isto é, na totalidade em que se correlacionam e uma às outras demandam reciprocidade. No documento dos PCN, remete-se à explicitação do que se entende por conceito. “Um conceito é a representação das características gerais de cada objeto pelo pensamento. Nesse sentido, conceituar significa a ação de formular uma idéia que permita, por meio de palavras, estabelecer uma definição, uma caracterização do objeto a ser conceituado. Tal condição implica reconhecer que um conceito não é o real em si, e sim uma representação desse real, construída por meio do intelecto humano”. O conceito tem como finalidade servir de ‘ferramenta’ intelectual para que possa ser reutilizado nas novas análises que forem processadas. No entanto, nem toda análise gera novos conceitos, uma vez que muitas das atividades analíticas lançam mão de conceitos já construídos e que, como já dissemos, são reutilizados para que o percurso humano de construção/reconstrução de conhecimentos seja ampliado em escalas cada vez mais complexas e abrangentes. Por essas razões, não se pode pensar nos conceitos como algo pronto e acabado e que servem de memorização, como tradicionalmente ocorria (e ocorre) no ensino de Geografia. A exemplo de outras ciências, a seleção dos conceitos pode ser marcada por recortes culturais, sociais e históricos, tendo por base as discussões acadêmicas, os resultados das investigações, as contribuições dos discursos políticos e sociais, os meios de comunicação e as práticas sociais. Os conceitos básicos aqui apresentados como estruturantes da Geografia devem ser considerados sempre, permeados pelas dinâmicas da sociedade, porque qualquer que seja a opção teórico-metodológica adotada pelo professor, deve-se levar o aluno a ter uma visão da complexidade social do mundo. Espaço e Tempo • Principais dimensões materiais da vida humana. • Expressões concretizadas da sociedade. • Condicionam as formas e os processos de apropriação dos territórios. • Expressam-se no cotidiano caracterizando os lugares e definindo e redefinindo as localidades e regiões. Sociedade • Consideradas as relações permeadas pelo poder, apropria-se dos territórios (ou de espaços específicos) e define as organização do espaço geográfico em suas diferentes manifestações: território, região, lugar, etc. • Os processos sociais redimensionam os fenômenos naturais, o espaço e o tempo. Lugar • Manifestação das identidades dos grupos sociais e das pessoas. • Noção e sentimento de pertencimento a certos territórios. • Concretização das relações sociais vertical e horizontalmente. Paisagem • Expressão da concretização dos lugares, das diferentes dimensões constituintes do espaço geográfico. Pelas mesmas razões já apontadas, não limitaria a paisagem apenas ao lugar. • Permite a caracterização de espaços regionais e territórios considerando a horizontalidade dos fenômenos. Região • Região se articula com território, natureza e sociedade quando essas dimensões são consideradas em diferentes escalas de análise. • Permite a apreensão das diferenças e particularidades no espaço geográfico. Território • O território é o espaço apropriado. • Base da região. • Determinação das localizações dos recursos naturais e das relações de poder. • A constituição cotidiana de territórios tem como base, as relações de poder e de identidade de diferentes grupos sociais que os integram, por isso eles estão inter-relacionados com conceitos de lugar e região. Para Rego, os conceitos atravessam os fatos interpretativamente, interligando-os sob uma determinada ótica, criando uma malha de leitura complexa. Diante da complexidade dessa malha, uma abordagem possível para a educação que busca esforço compreensivo ativo é valorizar a perspectiva que elenca o lugar e o mundo mais proximamente vivido como referenciais cognitivos/emocionais essenciais para o processo educacional. Portanto, a formação dos conceitos por parte dos alunos é o que serve de balizador para o ensino, pois ao construir o conceito, o aluno vai confrontar seus pontos de vista resultantes do senso comum e os conhecimentos científicos, encaminhando-se para uma compreensão que o conduzirá a uma constante ampliação de sua complexidade. Estabelecendo conexões entre conceitos e conteúdos Podemos dizer que não existe padrão de conhecimento geográfico pré-definido e imutável. Isso é produto de uma construção histórica, que leva em conta, para sua definição/seleção as mudanças que ocorrem no mundo, sua complexidade e o contexto local em que a escola está inserida. Significa dizer que temos de refletir para além da provisoriedade do currículo da Geografia escolar e organizar as referências conceituais e da aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento das competências cognitivas e da área. Conhecimentos de geografia Dominar um conceito supõe dominar a totalidade de conhecimentos sobre os objetos a que se refere o conceito dado e, quanto mais nos aproximamos deles, maior domínio sobre seu conceito é conquistado. É assim que podemos considerar o desenvolvimento dos conceitos, pois seu conteúdo muda à medida que se ampliam nossos conhecimentos. Enfim, a questão não é permanecer apenas nos conceitos de cada uma das disciplinas, mas articulá-los com os conteúdos, pois sem eles os conceitos são definições vazias e sem sentido. Para isso, é importante estabelecer conexões entre conceitos e conteúdos e o trabalho por meio dos eixos temáticos pode ser um caminho a seguir. Por que pensar em eixos temáticos? O importante nessa discussão é ter os conteúdos como elementos pelos quais se torna possível a compreensão das diferentes realidades geográficas, produzidas pelas interações homem-meio. Por esse caminho, algumas questões se colocam: • quais os conteúdos que permitem alcançar os objetivos pretendidos e desenvolver as competências e as habilidades desejadas? • qual a escala de análise a ser considerada? Quais os lugares a serem estudados? • que fenômenos geográficos mais significativos estão acontecendo no mundo? Uma forma de organizar o conhecimento geográfico como conteúdos escolares poderá ser realizada por meio dos eixos temáticos, que, por sua vez, poderão estar vinculados aos conceitos e vice-versa. Outro aspecto importante é que esses eixos temáticos podem ser definidos a partir das especificidades locais e da opção teórico-metodológica adotada pelo professor em consonância com o projeto político- pedagógico da escola. Assim, a articulação entre a realidade local, a capacidade e a liberdade intelectual do professor e os aspectos organizacionais e políticos da escola é fundamental para que o perfil do trabalho a ser desenvolvido esteja e claro desse modo, todos os agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem reconheçam seu papel e tenham efetiva capacidade de exercê-lo. A partir dos eixos podem-se levantar algumas questões que permitem pensar como o jovem se coloca no mundo do trabalho e quais as possibilidades reais de enfrentar um mundo com forte componente tecnológico.

Quadro 3 – Eixos de Área

Área 1. Analisar, construir e aplicar conceitos geográficos, bem como das áreas afins, para a compreensão de fenômenos naturais, de processos geo-históricos, da produção tecnológica, das manifestações culturais, artísticas. 2. Reconhecer a importância e o significado do lugar como espaço de vivência cotidiana dos homens e instrumento de estudo e analise da realidade para perceber a capacidade e as potencialidades de ação de cada indivíduo no exercício da cidadania. 3. Reconhecer os processos de mundialização dos espaços e a constituição das novas regionalizações. 4. Conhecer e perceber o papel dos meios de comunicação na atual configuração do espaço e do tempo. 5. Reconhecer e utilizar a cartografia como linguagem nos diversos temas geográficos. Para se alcançarem os objetivos propostos, na perspectiva de ampliar o entendimento dos conceitos geográficos e cartográficos, algumas habilidades serão desenvolvidas. Elas serão construídas por meio de atividades didáticas e devem levar ao desenvolvimento das competências requeridas, as quais supõem o domínio das habilidades em si, assim como a compreensão do seu significado. Os eixos temáticos: a articulação entre os conceitos e os conteúdos A Geografia que se quer ensinar para o ensino médio deve ser pensada no sentido de formar um cidadão que conheça os diferentes fenômenos geográficos da atualidade tendo em vista o processo de globalização e suas rupturas, dadas pela resistência dos movimentos sociais e as contradições inerentes ao sistema capitalista, além de privilegiar os diferentes cenários e atores sociais, políticos e econômicos em diferentes momentos históricos. As novas tecnologias de informação e a cartografia passam a ter também um papel importante na compreensão do mundo. Assim, para ensinar, aprender e aprofundar os conceitos geográficos podemos estruturar os seguintes eixos temáticos: A Geografia que se quer para o ensino médio deve ser pensada no sentido de formar um cidadão que conheça os diferentes fenômenos geográficos ... Formação territorial brasileira Esse eixo temático pretende destacar que a compreensão da formação territorial brasileira se insere em um processo geo-histórico mais amplo de mundialização da sociedade européia iniciado no final do século XV. Para entender o Brasil, é necessário também compreender a formação do território latino-americano. Posteriormente, é importante analisar o Brasil como formação social subordinada aos centros dominantes do capitalismo e o modo de ajuste da sua economia e do seu território às necessidades desse centro. Basicamente temos dois grandes períodos, o primeiro, o da economia e da formação territorial colonial-escravista (economia agrário-exportadora), do século XVI ao século XIX, e o período da economia e da formação territorial urbano-industrial, a partir do final do século XIX e ao longo de todo o século XX. Estrutura e dinâmica de diferentes espaços urbanos e o modo de vida na cidade, o desenvolvimento da Geografia Urbana mundial A urbanização como fenômeno do mundo atual se estende por todos os territórios e configura espaços característicos ao atual período técnico, cientifico e informacional que se manifesta pela estruturação do fenômeno industrial. As cidades refletem em sua organização as grandes mudanças socioeconômicas e culturais, onde se estruturam diferentes territórios urbanos, criados por grupos sociais distintos, especialmente nas metrópoles. Há uma tendência à homogeneização do espaço urbano que afeta também as cidades médias, as quais também passam a sofrer com os “problemas urbanos” semelhantes aos das grandes cidades (violência, poluição, desigualdades sociais). As resistências às imposições da ordem global também se manifestam nas cidades, seja na forma de criação de territórios alternativos, seja na manutenção de formas de cooperação e solidariedade que se vinculam aos lugares, ou seja, nos movimentos sociais reivindicatórios, de protesto ou dos trabalhadores em geral na luta por condições de trabalho e salário. O futuro dos espaços agrários, a globalização a modernização da agricultura no período técnico-científico informacional e a manutenção das estruturas agrárias tradicionais como forma de resistência. Os espaços agrários também estão sofrendo profundas mudanças advindas da mudança tecnológica. A agricultura moderna é uma atividade cada vez mais tecnologizada e globalizada, sendo os produtos agrícolas um dos motores do avanço científico (biotecnologia) e do próprio comércio mundial. Essas mudanças se confrontam com populações tradicionais, as quais lutam pela propriedade de seu saber (biodiversidade, patentes) e seu gênero de vida, o que se vincula diretamente a sua manutenção e reprodução como grupo social. Tais resistências assumem diferentes características em diversas partes do mundo, seja por meio da valorização e resgate da cultura original, seja por meio da criação de novas personalidades políticas, ou ainda com a união dos dois processos. Esses processos é que têm mantido a diversidade dos espaços rurais em diferentes partes do mundo, inclusive na América Latina e no Brasil. Organização e distribuição mundial da população, os grandes movimentos migratórios atuais e os movimentos socioculturais e étnicos, as novas identidades territoriais. O estudo da população pela Geografia considera em especial sua organização, distribuição e a apropriação do espaço como uso para viver e produzir. Os movimentos atuais da população expressam essas buscas, que são constantes e marcam tanto as necessidades dos grupos populacionais quanto as motivações, que podem ser geradas externamente a eles. São movimentos muito intensos, que se manifestam atualmente das mais variadas formas e que, se estudados na perspectiva de aceitação da diversidade e do multiculturalismo, facilitam compreender a necessidade de reconhecer as identidades e o pertencimento territorial. Esses dois conceitos permitem que as pessoas se reconheçam como sujeitos na produção de geografias em que se vive e encaminha a discussão sobre o lugar como espaço concreto de ação que desvenda a possibilidade de fazer frente aos processos de globalização e no exercício da cidadania. As diferentes fronteiras e a organização da geografia política do mundo atual, estado e organização do território. Acresce-se aqui a dimensão da Geografia política: quanto ao papel do Estado na criação de oportunidades ou de cerceamento de ações envolvendo populações, nas formas de organização da população nos vários lugares do mundo, com suas lutas especificas, na definição de fronteiras e das possibilidades de sua superação, na estruturação dos territórios e as configurações demarcadas por interesses estratégicos nacionais. As questões ambientais, sociais e econômicas resultantes dos processos de apropriação dos recursos naturais em diferentes escalas, grandes quadros ambientais do mundo e sua conotação geopolítica. Embora essas questões decorrentes da relação sociedade-natureza possam estar presentes nos demais itens referidos até agora, para a ciência geográfica são temáticas caras, no sentido de que o trabalho com a dimensão espacial dos fenômenos, implica, necessariamente, considerar o meio físico natural. O significado desse não se restringe mais às simples tarefas de elencar e descrever. Nesse tema, vale destacar a importância de se pensar o meio geográfico de uma dada sociedade como construção social, ou seja, cada cultura corresponde a uma suposição do que é natureza, ou seja, os espaços são produtos da ação dos homens em suas diferentes formas de organização e relações entre si e na inter-relação da sociedade com a natureza. Essa nova lógica de que todos estão interligados e que o mundo é uma grande aldeia global, com distâncias cada vez mais reduzidas, vem gerindo e gerenciando as relações entre os homens e destes com a natureza. Pensar essa realidade como um processo de globalização/fragmentação pode ser a alternativa de se encontrarem caminhos metodológicos para promover uma análise geográfica. A escala social de análise se apresenta, então, como a possibilidade de concretizar isso, sem nunca perder de vista as dimensões mundiais, nacionais, regional e local. Estudar o lugar pode levar à compreensão de como os processos de globalização interferem em nossas vidas e na organização do espaço e à capacidade de reconhecer a identidade e pertencimento dos sujeitos como autores de suas vidas e da produção do seu espaço. Considerar o trabalho como elemento fundamental na vida das pessoas e na organização do espaço exige que se reconheçam as diferenças nas atuais relações de trabalho e nas formas de apropriação das riquezas. Esse quadro tornou-se mais complexo com os impactos causados pela revolução científico-tecnológica, quando a circulação da informação ganhou intensa e inimaginável velocidade e novas formas de produção se impõem, o que certamente acarretará o surgimento de novas territorialidades. São essas territorialidades que definem as relações entre as pessoas, entre as nações e entre os grupos sociais, os quais produzem e organizam o espaço de formas diferenciadas nos vários lugares e no tempo. Esses temas são considerados pontos de partida para instrumentalizar em termos de conteúdo as análises geográficas. Eles não têm um fim em si mesmos, pois estão articulados no contexto dos objetivos e competências atribuídas ao componente curricular de Geografia. A Geografia no ensino médio deve considerar a capacidade do jovem de se localizar no mundo atual e refletir sobre a construção de sua identidade e pertencimento como sujeito. Sendo assim, o ensino de Geografia no ensino médio não pode abrir mão da exigência do necessário conhecimento teórico-metodológico do professor, para que tenha as condições de definir o que e como trabalhar em cada momento. Essa proposição de conteúdo e a exposição dos conceitos estruturantes da Geografia e suas articulações aqui trazidas expressam a preocupação em demarcar o lugar da Geografia na escola, como componente curricular adequado à formação dos jovens e com significativa contribuição no conjunto do currículo escolar. 4. Avaliação Em coerência com o que aqui se propõe, as práticas de avaliação de aprendizagem devem superar os tradicionais exames escolares. Isso significa conceber a avaliação como diagnóstico do ensino realizado, tendo em vista as competências e as habilidades e a capacidade de organizar as informações, construindo o conhecimento. Por outro lado, é importante considerar o aluno em sua singularidade, respeitando seus espaços e tempos de construção do conhecimento. Para Meirieu “os conhecimentos não são coisas que se acumulam, mas sistemas de significações através dos quais o sujeito se apropria do mundo... Porque a memória não é uma seleção de arquivos, mas a integração de informações em um futuro possível para o qual nos projetamos... Porque se sabe que o conhecimento não se constrói sobre a ignorância, mas sim pela reelaboração de representações anteriores e sob a pressão de um conflito cognitivo. O tema avaliação é um dos mais polêmicos nas escolas, principalmente nos últimos anos, em função de mudanças que ocorreram não só na concepção de aprendizagem como no sistema educacional. Encontra-se, ainda hoje, avaliação que se caracteriza apenas por aferir a memorização, reforçando técnicas como a dos “famosos questionários, fatos históricos isolados e cópias de mapas”, baseada apenas na repetição e na memorização. O cotidiano escolar apresenta muitas contradições que implicam a dificuldade de se realizar a avaliação da aprendizagem. Juntamente com o presente documento, tem-se a proposta de discutir a coerência entre o que se faz na sala de aula com o que se exige do aluno, ou seja, que critérios e resultados e que orientações estão sendo dados ao aluno para que se possa perceber claramente o caminho da aprendizagem que ele está percorrendo. Por isso, é importante compreender que o conhecimento não é coisa que simplesmente se acumula, mas sim que constitui um sistema de representação. Por isso, a avaliação não pode ser uma ferramenta de coerção, mas de reorientação. No que se refere aos indicadores de avaliação, com base nas atividades desenvolvidas, destacam-se conteúdos e competências como compreensão de textos, relações e correlações textuais, associação com o conhecimento prévio e hipóteses apresentadas pelos alunos. Dessa forma, criam-se conflitos cognitivos e coerentes com a metodologia proposta. Uma avaliação formativa, com ênfase na leitura e na escrita, é um desafio para a Geografia, relacionado com o que acontece em sala de aula e com a ação docente no processo de ensino-aprendizagem. Direcionar a prática para essa concepção é compreender como as atividades auxiliam no desempenho das competências que os alunos podem utilizar para construir seu conhecimento. A capacidade de observação, descrição e análise dos espaços, assim como sua representação, apresenta-se como possibilidade de verificação de aprendizagem. O domínio, portanto, das várias linguagens possíveis de ser usadas pela Geografia vai permitir que o aluno demonstre seu conhecimento geográfico construído. Para finalizar, se a avaliação deve estar integrada e ser parte dos procedimentos pedagógicos e ser assim coerente com os princípios teórico-metodológicos adotados, ela também deve estar integrada à escola em sua totalidade, considerando-se os diferentes momentos e contextos em que ocorre.

Educar para crescer: Por dentro do IDEB: o que é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica?

O Ideb foi criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2007, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Ele é calculado com base na taxa de rendimento escolar (aprovação e evasão) e no desempenho dos alunos no SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e na Prova Brasil. Ou seja, quanto maior for a nota da instituição no teste e quanto menos repetências e desistências ela registrar, melhor será a sua classificação, numa escala de zero a dez. O mecanismo foi muito bem avaliado por especialistas justamente por unir esses fatores. Sendo assim, se uma escola passar seus alunos de ano sem que eles tenham realmente aprendido, por exemplo, isso ficará claro a partir da análise do desempenho dela no Ideb.

PCN Geografia

1. Caracterização da área de geografia

Geografia no ensino fundamental A produção acadêmica em torno da concepção de Geografia passou por diferentes momentos, gerando reflexões distintas acerca dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, essas reflexões influenciaram e ainda influenciam muitas das práticas de ensino. Em linhas gerais, suas principais tendências podem assim ser apresentadas. As primeiras tendências da Geografia no Brasil nasceram com a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e do Departamento de Geografia quando, a partir da década de 40, a disciplina Geografia passou a ser ensinada por professores licenciados, com forte influência da escola francesa de Vidal da La Blache. Essa Geografia era marcada pela explicação objetiva e quantitativa da realidade que fundamentava a escola francesa de então. Foi essa escola que imprimiu ao pensamento geográfico o mito da ciência asséptica, não politizada, com o argumento da neutralidade do discurso científico. Tinha como meta abordar as relações do homem com a natureza de forma objetiva, buscando a formulação de leis gerais de interpretação. Essa tendência da Geografia e as correntes que dela se desdobraram foram chamadas de Geografia Tradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se, na análise da produção do espaço geográfico, estudar a relação homem-natureza sem priorizar as relações sociais. Por exemplo, estudava-se a população, mas não a sociedade; os estabelecimentos humanos, mas não as relações sociais; as técnicas e os instrumentos de trabalho, mas não o processo de produção. Ou seja, não se discutia as relações intrínsecas à sociedade, abstraindo assim o homem de seu caráter social. Era baseada, de forma significativa, em estudos empíricos, articulada de forma fragmentada e com forte viés naturalizante. No ensino, essa Geografia se traduziu, e muitas vezes ainda se traduz, pelo estudo descritivo das paisagens naturais e humanizadas, de forma dissociada do espaço vivido pela sociedade e das relações contraditórias de produção e organização do espaço. Os procedimentos didáticos adotados promoviam principalmente a descrição e a memorização dos elementos que compõem as paisagens sem, contudo, esperar que os alunos estabelecessem relações, analogias ou generalizações. Pretendia-se ensinar uma Geografia neutra. Essa perspectiva marcou também a produção dos livros didáticos até meados da década de 70 e, mesmo hoje em dia, muitos ainda apresentam em seu corpo idéias, interpretações ou até mesmo expectativas de aprendizagem defendidas pela Geografia Tradicional. No pós-guerra, a realidade tornou-se mais complexa: o desenvolvimento do capitalismo afastou-se cada vez mais da fase concorrencial e penetrou na fase monopolista do grande capital; a urbanização acentuou-se e megalópoles começaram a se constituir; o espaço agrário sofreu as modificações estruturais comandadas pela Revolução Verde, em função da industrialização e da mecanização das atividades agrícolas em várias partes do mundo; as realidades locais passaram a estar articuladas em uma rede de escala mundial. Cada lugar deixou de explicar-se por si mesmo. Os métodos e as teorias da Geografia Tradicional tornaram-se insuficientes para apreender essa complexidade e, principalmente, para explicá-la. O levantamento feito através de estudos apenas empíricos tornou-se insuficiente. Era preciso realizar estudos voltados para a análise das relações mundiais, análises essas também de ordem econômica, social, política e ideológica. Por outro lado, o meio técnico e científico passou a exercer forte influência nas pesquisas realizadas no campo da Geografia. Para estudar o espaço geográfico globalizado, começou-se a recorrer às tecnologias aeroespaciais, tais como o sensoriamento remoto, as fotos de satélite e o computador como articulador de massa de dados: surgem os SIG (Sistemas Geográficos de Informações). A partir dos anos 60, sob influência das teorias marxistas, surge uma tendência crítica à Geografia Tradicional, cujo centro de preocupações passa a ser as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza na produção do espaço geográfico. Ou seja, os geógrafos procuraram estudar a sociedade através das relações de trabalho e da apropriação humana da natureza para produzir e distribuir os bens necessários às condições materiais que a garantem. Critica-se a Geografia Tradicional, do Estado e das classes sociais dominantes, propondo uma Geografia das lutas sociais. Num processo quase militante de importantes geógrafos brasileiros, difunde-se a Geografia Marxista. Essa nova perspectiva considerava que não basta explicar o mundo, é preciso transformá-lo. Assim a Geografia ganha conteúdos políticos que são significativos na formação do cidadão. As transformações teóricas e metodológicas dessa Geografia tiveram grande influência na produção científica das últimas décadas. Para o ensino, essa perspectiva trouxe uma nova forma de se interpretar as categorias de espaço geográfico, território e paisagem, e influenciou, a partir dos anos 80, uma série de propostas curriculares voltadas para o segmento de quinta a oitava séries. Essas propostas, no entanto, foram centradas em questões referentes a explicações econômicas e a relações de trabalho que se mostraram, no geral, inadequadas para os alunos dessa etapa da escolaridade, devido a sua complexidade. Além disso, a prática da maioria dos professores e de muitos livros didáticos conservaram a linha tradicional, descritiva e descontextualizada herdada da Geografia Tradicional, mesmo quando o enfoque dos assuntos estudados era marcado pela Geografia Marxista. Tanto a Geografia Tradicional quanto a Geografia Marxista ortodoxa negligenciaram a relação do homem e da sociedade com a natureza em sua dimensão sensível de percepção do mundo: o cientificismo positivista da Geografia Tradicional por negar ao homem a possibilidade de um conhecimento que passasse pela subjetividade do imaginário; o marxismo ortodoxo por tachar de idealismo alienante qualquer explicação subjetiva e afetiva da relação da sociedade com a natureza. Uma das características fundamentais da produção acadêmica da Geografia desta última década é justamente a definição de abordagens que considerem as dimensões subjetivas e, portanto, singulares que os homens em sociedade estabelecem com a natureza. Essas dimensões são socialmente elaboradas (fruto das experiências individuais marcadas pela cultura na qual se encontram inseridas) e resultam em diferentes percepções do espaço geográfico e sua construção. É, essencialmente, a busca de explicações mais plurais, que promovam a interseção da Geografia com outros campos do saber, como a Antropologia, a Sociologia, a Biologia, as Ciências Políticas, por exemplo. Uma Geografia que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens, tampouco pautada exclusivamente na interpretação política e econômica do mundo; que trabalhe tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos físicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição de um espaço: o espaço geográfico. As sucessivas mudanças e debates em torno do objeto e método da Geografia como ciência, presentes no meio acadêmico, tiveram repercussões diversas no ensino fundamental. Positivas de certa forma, já que foram um estímulo para a inovação e a produção de novos modelos didáticos. Mas também negativas, pois a rápida incorporação das mudanças produzidas pelo meio acadêmico provocou a produção de inúmeras propostas didáticas, descartadas a cada inovação conceitual e, principalmente, sem que existissem ações concretas para que realmente atingissem o professor em sala de aula, sobretudo o professor das séries iniciais que, sem apoio técnico e teórico, continuou e continua, de modo geral, a ensinar Geografia apoiando-se apenas na descrição dos fatos e ancorando-se quase que exclusivamente no livro didático. Mas não apenas a prática do professor se encontra permeada por essa indefinição e confusão, muitas propostas de ensino também o estão. Segundo a análise feita pela Fundação Carlos Chagas, observa-se, sobretudo nas propostas curriculares produzidas nas últimas décadas, que o ensino de Geografia apresenta problemas tanto de ordem epistemológica e de pressupostos teóricos como outros referentes à escolha dos conteúdos. No geral, são eles: * abandono de conteúdos fundamentais da Geografia, tais como as categorias de nação, território, lugar, paisagem e até mesmo de espaço geográfico, bem como do estudo dos elementos físicos e biológicos que se encontram aí presentes; * são comuns modismos que buscam sensibilizar os alunos para temáticas mais atuais, sem uma preocupação real de promover uma compreensão dos múltiplos fatores que delas são causas ou decorrências, o que provoca um “envelhecimento” rápido dos conteúdos. Um exemplo é a adaptação forçada das questões ambientais em currículos e livros didáticos que ainda preservam um discurso da Geografia Tradicional e não têm como objetivo uma compreensão processual e crítica dessas questões, vindo a se transformar na aprendizagem de slogans; * há uma preocupação maior com conteúdos conceituais do que com conteúdos procedimentais. O objetivo do ensino fica restrito, assim, à aprendizagem de fenômenos e conceitos, desconsiderando a aprendizagem de procedimentos fundamentais para a compreensão dos métodos e explicações com os quais a própria Geografia trabalha; * as propostas pedagógicas separam a Geografia humana da Geografia física em relação àquilo que deve ser apreendido como conteúdo específico: ou a abordagem é essencialmente social, e a natureza é um apêndice, um recurso natural, ou então se trabalha a gênese dos fenômenos naturais de forma pura, analisando suas leis, em detrimento da possibilidade exclusiva da Geografia de interpretar os fenômenos numa abordagem socioambiental; * a memorização tem sido o exercício fundamental praticado no ensino de Geografia, mesmo nas abordagens mais avançadas. Apesar da proposta de problematização, de estudo do meio e da forte ênfase que se dá ao papel dos sujeitos sociais na construção do território e do espaço, o que se avalia ao final de cada estudo é se o aluno memorizou ou não os fenômenos e conceitos trabalhados e não aquilo que pôde identificar e compreender das múltiplas relações aí existentes; * a noção de escala espaço-temporal muitas vezes não é clara, ou seja, não se explicita como os temas de âmbito local estão presentes naqueles de âmbito universal, e vice-versa, e como o espaço geográfico materializa diferentes tempos (da sociedade e da natureza). O ensino de Geografia pode levar os alunos a compreenderem de forma mais ampla a realidade, possibilitando que nela interfiram de maneira mais consciente e propositiva. Para tanto, porém, é preciso que eles adquiram conhecimentos, dominem categorias, conceitos e procedimentos básicos com os quais este campo do conhecimento opera e constitui suas teorias e explicações, de modo a poder não apenas compreender as relações socioculturais e o funcionamento da natureza às quais historicamente pertence, mas também conhecer e saber utilizar uma forma singular de pensar sobre a realidade: o conhecimento geográfico. Conhecimento geográfico: características e importância social A Geografia estuda as relações entre o processo histórico que regula a formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza, através da leitura do espaço geográfico e da paisagem. A divisão da Geografia em campos de conhecimento da sociedade e da natureza tem propiciado um aprofundamento temático de seus objetos de estudo. Essa divisão é necessária, como um recurso didático, para distinguir os elementos sociais ou naturais, mas é artificial, na medida em que o objetivo da Geografia é explicar e compreender as relações entre a sociedade e a natureza, e como ocorre a apropriação desta por aquela. Na busca dessa abordagem relacional, a Geografia tem que trabalhar com diferentes noções espaciais e temporais, bem como com os fenômenos sociais, culturais e naturais que são característicos de cada paisagem, para permitir uma compreensão processual e dinâmica de sua constituição. Identificar e relacionar aquilo que na paisagem representa as heranças das sucessivas relações no tempo entre a sociedade e a natureza é um de seus objetivos. Nesse sentido, a análise da paisagem deve focar as dinâmicas de suas transformações e não a descrição e o estudo de um mundo estático. A compreensão dessas dinâmicas requer movimentos constantes entre os processos sociais e os físicos e biológicos, inseridos em contextos particulares ou gerais. A preocupação básica é abranger os modos de produzir, de existir e de perceber os diferentes espaços geográficos; como os fenômenos que constituem as paisagens se relacionam com a vida que as anima. Para tanto, é preciso observar, buscar explicações para aquilo que, numa determinada paisagem, permaneceu ou foi transformado, isto é, os elementos do passado e do presente que nela convivem e que podem ser compreendidos através da análise do processo de produção/organização do espaço. O espaço geográfico é historicamente produzido pelo homem enquanto organiza econômica e socialmente sua sociedade. A percepção espacial de cada indivíduo ou sociedade é também marcada por laços afetivos e referências socioculturais. Nessa perspectiva, a historicidade enfoca o homem como sujeito construtor do espaço geográfico, um homem social e cultural, situado para além e através da perspectiva econômica e política, que imprime seus valores no processo de construção de seu espaço. Assim, o estudo de uma totalidade, isto é, da paisagem como síntese de múltiplos espaços e tempos deve considerar o espaço topológico (o espaço vivido e o percebido) e o espaço produzido economicamente como algumas das noções de espaço dentre as tantas que povoam o discurso da Geografia. Pensar sobre essas noções de espaço pressupõe considerar a compreensão subjetiva da paisagem como lugar: a paisagem ganhando significados para aqueles que a vivem e a constroem. As percepções que os indivíduos, grupos ou sociedades têm do lugar nos quais se encontram e as relações singulares que com ele estabelece, faz parte do processo de construção das representações de imagens do mundo e do espaço geográfico. As percepções, as vivências e a memória dos indivíduos e dos grupos sociais são, portanto, elementos importantes na constituição do saber geográfico. No que se refere ao ensino fundamental, é importante considerar quais são as categorias da Geografia mais adequadas para os alunos em relação à sua faixa etária, ao momento da escolaridade em que se encontram e às capacidades que se espera que eles desenvolvam. Embora o espaço geográfico deva ser o objeto central de estudo, as categorias paisagem, território e lugar devem também ser abordadas, principalmente nos ciclos iniciais, quando se mostram mais acessíveis aos alunos, tendo em vista suas características cognitivas e afetivas. O conceito de território foi originalmente formulado nos estudos biológicos do final do século XVIII. Nessa definição inicial, ele é a área de vida de uma espécie, onde ela desempenha todas as suas funções vitais ao longo do seu desenvolvimento. Portanto, para animais e plantas, o território é o domínio que estes têm sobre porções da superfície terrestre. Foi através dos estudos comportamentais que Augusto Comte incorporou o conceito de território aos estudos geográficos, como categoria fundamental para as explicações geográficas. Na concepção ratzeliana de Geografia esse conceito define-se pela propriedade, ou seja, o território para as sociedades humanas representa uma parcela do espaço identificada pela posse. É dominado por uma comunidade ou por um Estado. Na geopolítica, o território é o espaço nacional ou área controlada por um Estado-nacional: é um conceito político que serve como ponto de partida para explicar muitos fenômenos geográficos relacionados à organização da sociedade e suas interações com as paisagens. O território é uma categoria importante quando se estuda a sua conceitualização ligada à formação econômica e social de uma nação. Nesse sentido, é o trabalho social que qualifica o espaço, gerando o território. Território não é apenas a configuração política de um Estado-Nação, mas sim o espaço construído pela formação social. Para estudar essa categoria é necessário que os alunos compreendam que os limites territoriais são variáveis e dependem do fenômeno geográfico considerado. Hoje, por exemplo, quando se estudam os blocos econômicos, o que se entende por território vai muito além do Estado-nacional. Além disso, compreender o que é território implica também em compreender a complexidade da convivência em um mesmo espaço, nem sempre harmônica, da diversidade de tendências, idéias, crenças, sistemas de pensamento e tradições de diferentes povos e etnias. É reconhecer que, apesar de uma convivência comum, múltiplas identidades coexistem e por vezes se influenciam reciprocamente, definindo e redefinindo aquilo que poderia ser chamado de uma identidade nacional. No caso específico do Brasil, o sentimento de pertinência ao território nacional envolve a compreensão da diversidade de culturas que aqui convivem e que, mais do que nunca, buscam o reconhecimento de suas especificidades, daquilo que lhes é próprio. A categoria território possui uma relação bastante estreita com a de paisagem. Pode até mesmo ser considerada como o conjunto de paisagens contido pelos limites políticos e administrativos de uma cidade, estado ou país. É algo criado pelos homens, é uma instituição. A categoria paisagem, porém, tem um caráter específico para a Geografia, distinto daquele utilizado pelo senso comum ou por outros campos do conhecimento. É definida como sendo uma unidade visível, que possui uma identidade visual, caracterizada por fatores de ordem social, cultural e natural, contendo espaços e tempos distintos; o passado e o presente. A paisagem é o velho no novo e o novo no velho! Assim, por exemplo, quando se fala da paisagem de uma cidade, dela fazem parte seu relevo, a orientação dos rios e córregos da região, sobre os quais se implantaram suas vias expressas, o conjunto de construções humanas, a distribuição da população que nela vive o registro das tensões, sucessos e fracassos da história dos indivíduos e grupos que nela se encontram. É nela que estão expressas as marcas da história de uma sociedade, fazendo assim, da paisagem uma soma de tempos desiguais, uma combinação de espaços geográficos. A categoria paisagem, por sua vez, está relacionada à categoria de lugar. Pertencer a um território e sua paisagem significa fazer deles o seu lugar de vida e estabelecer uma identidade com eles. Nesse contexto, a categoria lugar traduz os espaços com os quais as pessoas têm vínculos mais afetivos e subjetivos que racionais e objetivos: uma praça, onde se brinca desde menino, a janela de onde se vê a rua, o alto de uma colina, de onde se avista a cidade. O lugar é onde estão as referências pessoais e o sistema de valores que direcionam as diferentes formas de perceber e constituir a paisagem e o espaço geográfico. Além disso, espaço geográfico, paisagem, território e lugar, atualmente, estão associados à força da imagem, tão explorada pela mídia. Pela imagem, a mídia traz à tona valores a serem incorporados e posturas a serem adotadas. Retrata, através da paisagem, as contradições em que se vive, confundindo no imaginário aquela que é real e a que se deseja como ideal; toma para si a tarefa de impor e inculcar um modelo de mundo, de reproduzir o cotidiano através da imagem massificante repetida pelo bombardeamento publicitário, sobrepondo-se às percepções e interpretações subjetivas e/ou singulares por outras padronizadas e pretensamente universais. A Geografia estaria, então, identificada como a ciência que busca decodificar as imagens presentes no cotidiano, impressas e expressas nas paisagens e em suas representações, numa reflexão direta e imediata sobre o espaço geográfico e o lugar. Nessa abrangência, a Geografia contribui para que se compreenda como se estabelecem as relações locais com as universais, como o contexto mais próximo contém e está contido em um contexto mais amplo e quais as possibilidades e implicações que essas dimensões possuem. No mundo atual, o meio técnico-científico informacional adquiriu um papel fundamental e, em meio ao processo de globalização e massificação, o mundo convive com novos conflitos e tensões, tais como o declínio dos estados-nações, a formação de blocos comerciais, as novas políticas econômicas, a desterritorialidade e outros temas que recuperam a importância do saber geográfico. Há uma multiplicidade de questões que, para serem entendidas, necessitam de um conhecimento geográfico bem estruturado. O estudo de Geografia possibilita, aos alunos, a compreensão de sua posição no conjunto das relações da sociedade com a natureza; como e porque suas ações, individuais ou coletivas, em relação aos valores humanos ou à natureza, têm conseqüências — tanto para si como para a sociedade. Permite também que adquiram conhecimentos para compreender as diferentes relações que são estabelecidas na construção do espaço geográfico no qual se encontram inseridos, tanto em nível local como mundial, e perceber a importância de uma atitude de solidariedade e de comprometimento com o destino das futuras gerações. Além disso, seus objetos de estudo e métodos possibilitam que compreendam os avanços na tecnologia, nas ciências e nas artes como resultantes de trabalho e experiência coletivos da humanidade, de erros e acertos nos âmbitos da política e da ciência, por vezes permeados de uma visão utilitarista e imediatista do uso da natureza e dos bens econômicos. Desde as primeiras etapas da escolaridade, o ensino da Geografia pode e deve ter como objetivo mostrar ao aluno que cidadania é também o sentimento de pertencer a uma realidade na qual as relações entre a sociedade e a natureza formam um todo integrado (constantemente em transformação) do qual ele faz parte e que, portanto, precisa conhecer e sentir-se como membro participante, afetivamente ligado, responsável e comprometido historicamente. Aprender e ensinar geografia Independentemente da perspectiva geográfica, a maneira mais comum de se ensinar Geografia tem sido através do discurso do professor, ou do livro didático. Este discurso sempre parte de alguma noção ou conceito chave e versa sobre algum fenômeno social, cultural ou natural que é descrito e explicado, de forma descontextualizada do lugar ou do espaço no qual se encontra inserido. Após a exposição, ou trabalho de leitura, o professor avalia, através de exercícios de memorização, se os alunos aprenderam o conteúdo. Abordagens atuais da Geografia têm buscado práticas pedagógicas que permitam apresentar aos alunos os diferentes aspectos de um mesmo fenômeno em diferentes momentos da escolaridade, de modo que os alunos possam construir compreensões novas e mais complexas a seu respeito. Espera-se que, dessa forma, eles desenvolvam a capacidade de identificar e refletir sobre diferentes aspectos da realidade, compreendendo a relação sociedade-natureza. Essas práticas envolvem procedimentos de problematização, observação, registro, descrição, documentação, representação e pesquisa dos fenômenos sociais, culturais ou naturais que compõem a paisagem e o espaço geográfico, na busca e formulação de hipóteses e explicações das relações, permanências e transformações que aí se encontram em interação. Para tanto, o estudo da sociedade e da natureza deve ser realizado de forma conjunta. No ensino, professores e alunos deverão procurar entender que ambas (sociedade e natureza) constituem a base material ou física sobre a qual o espaço geográfico é construído. É fundamental, assim, que o professor crie e planeje situações nas quais os alunos possam conhecer e utilizar esses procedimentos. A observação, descrição, experimentação, analogia e síntese devem ser ensinadas para que os alunos possam aprender a explicar, compreender e até mesmo representar os processos de construção do espaço e dos diferentes tipos de paisagens e territórios. Isso não significa que os procedimentos tenham um fim em si mesmos: observar, descrever, experimentar e comparar servem para construir noções, espacializar os fenômenos, levantar problemas e compreender as soluções propostas, enfim, para conhecer e começar a operar com os procedimentos e as explicações que a Geografia como ciência produz. A paisagem local, o espaço vivido pelos alunos deve ser o objeto de estudo ao longo dos dois primeiros ciclos. Entretanto, não se deve trabalhar do nível local ao mundial hierarquicamente: o espaço vivido pode não ser o real imediato, pois são muitos e variados os lugares com os quais os alunos têm contato e, sobretudo, que são capazes de pensar sobre. A compreensão de como a realidade local relaciona-se com o contexto global é um trabalho que deve ser desenvolvido durante toda a escolaridade, de modo cada vez mais abrangente, desde os ciclos iniciais. Além disso, o estudo da paisagem local não deve restringir-se à mera constatação e descrição dos fenômenos que a constituem. Deve-se também buscar as relações entre a sociedade e a natureza que aí se encontram presentes, situando-as em diferentes escalas espaciais e temporais, comparando-as, conferindo-lhes significados, compreendendo-as. Estudar a paisagem local ao longo dos primeiro e segundo ciclos é aprender a observar e a reconhecer os fenômenos que a definem e suas características; descrever, representar, comparar e construir explicações, mesmo que aproximadas e subjetivas, das relações que aí se encontram impressas e expressas. Nos ciclos subsequentes, o ensino de Geografia deve intensificar ainda mais a compreensão, por parte dos alunos, dos processos envolvidos na construção do espaço geográfico. A territorialidade e a temporalidade dos fenômenos estudados devem ser abordadas de forma mais aprofundada, pois os alunos já podem construir compreensões e explicações mais complexas sobre as relações que existem entre aquilo que acontece no dia-a-dia, no lugar no qual se encontram inseridos, e o que acontece em outros lugares do mundo. Os problemas socioambientais e econômicos (como a degradação dos ecossistemas, o crescimento das disparidades na distribuição da riqueza entre países e grupos sociais, por exemplo) podem ser abordados a fim de promover um estudo mais amplo de questões sociais, econômicas, políticas e ambientais relevantes na atualidade. O próprio processo de globalização pelo qual o mundo de hoje passa demanda uma compreensão maior das relações de interdependência que existem entre os lugares, bem como das noções de espacialidade e territorialidade intrínsecas a esse processo. Tal abordagem visa favorecer também a compreensão, por parte do aluno, de que ele próprio é parte integrante do ambiente e também agente ativo e passivo das transformações das paisagens terrestres. Contribui para a formação de uma consciência conservacionista e ambiental, na qual se pensa sobre o ambiente não somente em seus aspectos naturais, mas também culturais, econômicos e políticos. Para tanto, as noções de sociedade, cultura, trabalho e natureza são fundamentais e podem ser abordadas através de temas nos quais as dinâmicas e determinações existentes entre a sociedade e a natureza sejam estudadas de forma conjunta. Porém, para além de uma abordagem descritiva da manifestação das forças materiais, é possível também nos terceiro e quarto ciclos propor estudos que envolvam o simbólico e as representações subjetivas, pois a força do imaginário social participa significativamente na construção do espaço geográfico e da paisagem. A Geografia, ao pretender o estudo dos lugares, suas paisagens e território, tem buscado um trabalho interdisciplinar, lançando mão de outras fontes de informação. Mesmo na escola, a relação da Geografia com a Literatura, por exemplo, tem sido redescoberta, proporcionando um trabalho que provoca interesse e curiosidade sobre a leitura do espaço e da paisagem. É possível aprender Geografia desde os primeiros ciclos do ensino fundamental através da leitura de autores brasileiros consagrados (Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, entre outros) cujas obras retratam diferentes paisagens do Brasil, em seus aspectos sociais, culturais e naturais. Também as produções musicais, a fotografia e até mesmo o cinema são fontes que podem ser utilizadas por professores e alunos para obter informações, comparar, perguntar e inspirar-se para interpretar as paisagens e construir conhecimentos sobre o espaço geográfico. A Geografia trabalha com imagens, recorre a diferentes linguagens na busca de informações e como forma de expressar suas interpretações, hipóteses e conceitos. Pede uma cartografia conceitual, apoiada numa fusão de múltiplos tempos e numa linguagem específica, que faça da localização e da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos. Na escola, assim, fotos comuns, fotos aéreas, filmes, gravuras e vídeos também podem ser utilizados como fontes de informação e de leitura do espaço e da paisagem. É preciso que o professor analise as imagens na sua totalidade e procure contextualizá-las em seu processo de produção: por quem foram feitas, quando, com que finalidade, etc., e tomar esses dados como referência na leitura de informações mais particularizadas, ensinando aos alunos que as imagens são produtos do trabalho humano, localizáveis no tempo e no espaço, cujas intencionalidades podem ser encontradas de forma explícita ou implícita. O estudo da linguagem cartográfica, por sua vez, tem cada vez mais reafirmado sua importância, desde o início da escolaridade. Contribui não apenas para que os alunos venham a compreender e utilizar uma ferramenta básica da Geografia, os mapas, como também para desenvolver capacidades relativas à representação do espaço. A cartografia é um conhecimento que vem se desenvolvendo desde a pré-história até os dias de hoje. Através dessa linguagem é possível sintetizar informações, expressar conhecimentos, estudar situações, entre outras coisas — sempre envolvendo a idéia da produção do espaço: sua organização e distribuição. As formas mais usuais de se trabalhar com a linguagem cartográfica na escola é através de situações nas quais os alunos têm de colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes de rios ou cidades, memorizar as informações neles representadas. Mas esse tratamento não garante que eles construam os conhecimentos necessários, tanto para ler mapas como para representar o espaço geográfico. Para isso, é preciso partir da idéia de que a linguagem cartográfica é um sistema de símbolos que envolve proporcionalidade, uso de signos ordenados e técnicas de projeção. Também é uma forma de atender a diversas necessidades, das mais cotidianas (chegar a um lugar que não se conhece, entender o trajeto dos mananciais, por exemplo) às mais específicas (como delimitar áreas de plantio, compreender zonas de influência do clima). A escola deve criar oportunidades para que os alunos construam conhecimentos sobre essa linguagem nos dois sentidos: como pessoas que representam e codificam o espaço e como leitores das informações expressas através dela. Critérios de seleção e organização dos conteúdos de geografia Adquirir conhecimentos básicos de Geografia é algo importante para a vida em sociedade, em particular para o desempenho das funções de cidadania: cada cidadão ao conhecer as características sociais, culturais e naturais do lugar onde vive, bem como as de outros lugares, pode comparar, explicar, compreender e espacializar as múltiplas relações que diferentes sociedades em épocas variadas estabeleceram e estabelecem com a natureza na construção de seu espaço geográfico. A aquisição desses conhecimentos permite uma maior consciência dos limites e responsabilidades da ação individual e coletiva com relação ao seu lugar e a contextos mais amplos, de escala nacional e mundial. Para tanto, a seleção de conteúdos de Geografia para o ensino fundamental deve contemplar temáticas de relevância social, cuja compreensão, por parte dos alunos, se mostra essencial para sua formação como cidadão. Através do estudo da Geografia os alunos podem desenvolver hábitos e construir valores importantes para a vida em sociedade. Os conteúdos selecionados devem permitir o pleno desenvolvimento do papel de cada um na construção de uma identidade com o lugar onde vive e, em sentido mais abrangente, com a nação brasileira, valorizando os aspectos socioambientais que caracterizam seu patrimônio cultural e ambiental. Devem permitir também o desenvolvimento da consciência de que o território nacional é constituído por múltiplas e variadas culturas, que definem grupos sociais, povos e etnias distintos em suas percepções e relações com o espaço e de atitudes de respeito às diferenças socioculturais que marcam a sociedade brasileira. Outro critério importante na seleção de conteúdos refere-se às categorias de análise da própria Geografia. Procurou-se delinear um trabalho a partir de algumas categorias consideradas essenciais: espaço geográfico, paisagem, território e lugar sintetizam aspectos da organização espacial e possibilitam a interpretação dos fenômenos que a constituem em múltiplos espaços e tempos. A partir delas, pode-se identificar a singularidade do saber geográfico, ou seja, a realidade como uma totalidade de processos sociais e naturais numa dimensão histórica e cultural. Os conteúdos a serem estudados devem promover a compreensão, por parte dos alunos, de como as diferentes sociedades estabeleceram relações sociais, políticas e culturais que resultaram numa apropriação histórica da natureza pela sociedade, através das diferentes formas de organização do trabalho, de perceber e sentir a natureza, de nela intervir e transformá-la. Foram considerados também critérios que atendem ao desenvolvimento das capacidades cognitivas dos alunos relativas às noções de espaço e de tempo, seu uso em múltiplas situações cotidianas e de pesquisa. A Geografia trabalha com a espacialidade dos fenômenos em sua temporalidade, porém é importante estudar a extensão de uma paisagem e o papel histórico de sua posição geográfica, não apenas sua localização. Tais noções (espacialidade e temporalidade), passíveis de serem ampliadas a partir do conhecimento geográfico, podem ser trabalhadas através da interface com outras áreas, tais como a Matemática, a Arte e a Educação Física, entre outras. Questões relativas aos procedimentos de pesquisa da Geografia também foram consideradas na seleção e organização de conteúdos. Para que os alunos possam ler e interpretar as informações que recebem e compreendê-las do ponto de vista geográfico é preciso que construam procedimentos de análise com os quais o próprio saber geográfico opera. A observação, a descrição, o registro e a documentação, a representação, a analogia, a explicação e a síntese são procedimentos que devem ser trabalhados ao longo de toda a escolaridade, essenciais na construção do instrumental necessário para uma compreensão de como a Geografia trabalha e se constitui como um campo de conhecimento. Objetivos gerais do ensino de geografia para o ensino fundamental Espera-se que, ao longo dos oito anos do ensino fundamental, os alunos construam um conjunto de conhecimentos referentes a conceitos, procedimentos e atitudes relacionados à Geografia, que lhes permitam ser capazes de: * conhecer a organização do espaço geográfico e o funcionamento da natureza em suas múltiplas relações, de modo a compreender o papel das sociedades em sua construção e na produção do território, da paisagem e do lugar; * identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e suas conseqüências em diferentes espaços e tempos de modo construir referenciais que possibilitem uma participação propositiva e reativa nas questões socioambientais locais; *compreender a espacialidade e temporalidade dos fenômenos geográficos estudados em suas dinâmicas e interações; * compreender que as melhorias nas condições de vida, os direitos políticos, os avanços técnicos e tecnológicos e as transformações socioculturais são conquistas decorrentes de conflitos e acordos, que ainda não são usufruídas por todos os seres humanos e, dentro de suas possibilidades, empenhar-se em democratizá-las; * conhecer e saber utilizar procedimentos de pesquisa da Geografia para compreender o espaço, a paisagem, o território e o lugar, seus processos de construção, identificando suas relações, problemas e contradições; * fazer leituras de imagens, de dados e de documentos de diferentes fontes de informação, de modo a interpretar, analisar e relacionar informações sobre o espaço geográfico e as diferentes paisagens; * saber utilizar a linguagem cartográfica para obter informações e representar a espacialidade dos fenômenos geográficos; * valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a sociodiversidade, reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e um elemento de fortalecimento da democracia. Primeiro ciclo Ensino e aprendizagem No primeiro ciclo, o estudo da Geografia deve abordar principalmente questões relativas à presença e ao papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na construção do espaço geográfico. Para tanto, a paisagem local e o espaço vivido são as referências para o professor organizar seu trabalho. O estudo das manifestações da natureza em suas múltiplas formas, presentes na paisagem local, é ponto de partida para uma compreensão mais ampla das relações entre sociedade e natureza. É possível analisar as transformações que esta sofre por causa de atividades econômicas, hábitos culturais ou questões políticas, expressas de diferentes maneiras no próprio meio em que os alunos estão inseridos. Por exemplo, através da arquitetura, da distribuição da população, dos hábitos alimentares, da divisão e constituição do trabalho, das formas de lazer e inclusive através de suas próprias características biofísicas pode-se observar a presença da natureza e sua relação com a vida dos homens em sociedade. Do mesmo modo, é possível também compreender por que a natureza favorece o desenvolvimento de determinadas atividades e não de outras e, assim, conhecer as influências que uma exerce sobre outra, reciprocamente. Quando se estuda a paisagem local, deve-se procurar estabelecer relações com outras paisagens e lugares distantes no tempo ou no espaço, para que elementos de comparação possam ser utilizados na busca de semelhanças e diferenças, permanências e transformações, explicações para os fenômenos que aí se encontram presentes. Inicia-se, assim, um processo de compreensão mais ampla das noções de posição, sítio, fronteira e extensão que caracterizam a paisagem local e as paisagens de forma geral. É fundamental também que o professor conheça quais são as idéias e os conhecimentos que seus alunos têm sobre o lugar em que vivem, sobre outros lugares e a relação entre eles. Afinal, mesmo que ainda não tenham tido contato com o conhecimento geográfico de forma organizada, os alunos são portadores de muitas informações e idéias sobre o meio em que estão inseridos e sobre o mundo, têm acesso ao conhecimento produzido por seus familiares e pessoas próximas e, muitas vezes, às informações veiculadas pelos meios de comunicação. Esses conhecimentos devem ser investigados para que o professor possa criar intervenções significativas que provoquem avanços nas concepções dos alunos. O principal cuidado é ir além daquilo que já sabem, evitando estudos restritos às idéias e temas que já dominam e pouco promovem a ampliação de seus conhecimentos e hipóteses acerca da presença e do papel da natureza na paisagem local. Desde o primeiro ciclo é importante que os alunos conheçam alguns procedimentos que fazem parte dos métodos de operar da Geografia. Observar, descrever, representar e construir explicações são procedimentos que podem aprender a utilizar, mesmo que ainda o façam com pouca autonomia, necessitando da presença e orientação do professor. Por exemplo, em relação à observação, o professor pode levá-los a compreender que não se trata apenas de olhar um pouco mais detidamente, mas sim de olhar intencionalmente, em busca de respostas, nem sempre visíveis de imediato, disparadas pelo assunto ou problema em estudo. A descrição, por sua vez, não deve ser apenas uma listagem aleatória do que se observa, mas sim a seleção das informações que sugerem certas explicações e possuem relação com as hipóteses daquele que observa e descreve. Vale lembrar que esse ciclo é, na maioria das vezes, o momento de ingresso da criança na escola. Ensinar os alunos a ler uma imagem, a observar uma paisagem ou ainda a ler um texto (mesmo que a leitura não seja realizada diretamente por eles) para pesquisar e obter informações faz parte do trabalho do professor desse ciclo. Do mesmo modo, cabe a ele estimular e intermediar discussões entre os próprios alunos, para que possam aprender a compartilhar seus conhecimentos, elaborar perguntas, confrontar suas opiniões, ouvir seus semelhantes e se posicionar diante do grupo. Assim, mesmo os alunos estando em processo de alfabetização, fontes escritas devem estar presentes nos estudos realizados, da mesma forma que o conhecimento construído expresso através de textos. Propor que os alunos registrem por escrito, individual ou coletivamente, aquilo que observaram ou aprenderam é uma maneira de aproximá-los de procedimentos essenciais (ler e escrever) não apenas para o campo da Geografia, mas também para o desenvolvimento de procedimentos importantes na vida de todo estudante. A imagem como representação também pode estar presente. Desenhar é uma maneira de se expressar característica desse segmento da escolaridade e um procedimento de registro utilizado pela própria Geografia. Além disso, é uma forma interessante de propor que os alunos comecem a utilizar mais objetivamente as noções de proporção, distância e direção, fundamentais para a compreensão e uso da linguagem cartográfica. O trabalho com a construção da linguagem cartográfica, por sua vez, deve ser realizado considerando os referenciais que os alunos já utilizam para se localizar e orientar no espaço. A partir de situações nas quais compartilhem e explicitem seus conhecimentos, o professor pode criar outras nas quais possam esquematizar e ampliar suas idéias de distância, direção e orientação. O início do processo de construção da linguagem cartográfica acontece mediante o trabalho com a produção e a leitura de mapas simples, em situações significativas de aprendizagem nas quais os alunos tenham questões a resolver, seja para comunicar, seja para obter e interpretar informações. E como na construção de outras linguagens mesmo inicialmente não se deve descaracterizá-la nem na produção, nem na leitura. É importante, assim, que o professor desse ciclo trabalhe com diferentes tipos de mapas, atlas, globo terrestre, plantas e maquetes (de boa qualidade e atualizados), através de situações nas quais os alunos possam interagir com eles e fazer um uso cada vez mais preciso e adequado deles. O estudo do meio, o trabalho com imagens e a representação dos lugares são recursos didáticos interessantes através dos quais os alunos poderão construir e reconstruir, de maneira cada vez mais ampla e estruturada, as imagens e as percepções que têm da paisagem local, conscientizando-se de seus vínculos afetivos e de identidade com o lugar no qual se encontram inseridos. Além disso, a interface com a História é essencial. A Geografia pode trabalhar com recortes temporais e espaciais distintos dos da História, embora não possa construir interpretações de uma paisagem sem buscar sua historicidade. Uma abordagem que pretende ler a paisagem local, estabelecer comparações, interpretar as múltiplas relações entre a sociedade e a natureza de um determinado lugar, pressupõe uma inter-relação entre essas disciplinas, tanto nas problematizações quanto nos conteúdos e procedimentos. Com a área de Ciências também há uma afinidade peculiar nos conteúdos desse ciclo, uma vez que o funcionamento da natureza e suas determinações na vida dos homens devem ser estudados. Sem perder de vista as especificidades de cada uma das áreas, o professor pode aproveitar o que há em comum para tratar um mesmo assunto sob vários ângulos. Objetivos para o primeiro ciclo Espera-se que ao final do primeiro ciclo os alunos sejam capazes de: * reconhecer, na paisagem local e no lugar em que se encontram inseridos, as diferentes manifestações da natureza e a apropriação e transformação dela pela ação de sua coletividade, de seu grupo social; * conhecer e comparar a presença da natureza, expressa na paisagem local, com as manifestações da natureza presentes em outras paisagens; * reconhecer semelhanças e diferenças nos modos que diferentes grupos sociais se apropriam da natureza e a transformam, identificando suas determinações nas relações de trabalho, nos hábitos cotidianos, nas formas de se expressar e no lazer; * conhecer e começar a utilizar fontes de informação escritas e imagéticas utilizando, para tanto, alguns procedimentos básicos; * saber utilizar a observação e a descrição na leitura direta ou indireta da paisagem, sobretudo através de ilustrações e da linguagem oral; * reconhecer, no seu cotidiano, os referenciais espaciais de localização, orientação e distância de modo a deslocar-se com autonomia e representar os lugares onde vivem e se relacionam; * reconhecer a importância de uma atitude responsável de cuidado com o meio em que vivem, evitando o desperdício e percebendo os cuidados que se deve ter na preservação e na manutenção da natureza. Blocos temáticos e conteúdos: o estudo da paisagem local São muitos e variados os temas que podem ser pesquisados a partir do estudo da paisagem local. Embora cada unidade escolar e cada professor possa propor os seus, a depender das necessidades e problemáticas que julgarem importantes de serem abordadas, aqueles selecionados devem tratar da presença e do papel da natureza e sua relação com a vida das pessoas (seja em sociedade, coletiva ou individualmente) na construção do espaço geográfico. Seguem sugestões de blocos temáticos que podem ser estudados com os alunos, apresentados de modo amplo, pois se configuram como sugestões e não devem ser compreendidos como uma seqüência de assuntos a serem aprendidos ou ainda como blocos isolados que não se comunicam entre si. O professor pode, por exemplo, trabalhar com um ou mais blocos ao mesmo tempo, reunidos no estudo da paisagem local. Tudo é natureza A principal noção a ser trabalhada através deste tema é a presença da natureza em tudo que está visível ou não na paisagem local. Através da observação e descrição, os alunos podem reconhecer essa presença em seus hábitos cotidianos, na configuração e localização de seu bairro e de sua cidade ou ainda nas atividades econômicas, sociais e culturais com as quais têm contato direto ou indireto. Essa percepção pode ser ampliada através da comparação com a presença da natureza em outros bairros, em diferentes regiões do Brasil e em outros lugares do mundo. A visão global de natureza expressa na paisagem local pode ser realizada através dos hábitos de consumo, pesquisando os produtos que participam da vida cotidiana, como são feitos e qual a origem dos recursos naturais que estão envolvidos em sua produção. É possível, ainda, aproximar os alunos do papel do trabalho na transformação da natureza, investigando como pessoas de diferentes espaços e tempos utilizam técnicas e instrumentos distintos de trabalho na apropriação e transformação dos elementos naturais disponíveis na paisagem local. Entretanto, a dimensão utilitária da natureza como recurso natural pode ser ultrapassada ao se abordar também suas características biofísicas e as relações afetivas e singulares que as pessoas estabelecem com ela e as manifestam através das artes e das formas de lazer, por exemplo. Conservando o ambiente Este tema proporciona a compreensão das diferentes relações que indivíduos, grupos sociais e sociedades estabelecem com a natureza no dia-a-dia. Através de problematizações de situações vividas no lugar no qual os alunos se encontram inseridos (seja ele o bairro, a cidade ou o país) pode-se discutir o comportamento social e suas relações com a natureza. Devem ser estudados o modo de produzir e fazer do cotidiano, as tecnologias e as possibilidades de novas formas de se relacionar com a natureza, como as atitudes conservacionistas em relação ao lixo, saneamento básico, abastecimento de água, produção e conservação de alimentos, por exemplo. É possível ainda introduzir os modos de produzir considerados alternativos, como a produção de energia solar e as técnicas agrícolas alternativas. Pode-se também abordar a categoria território ao se tratar da questão ambiental como política de conservação e apresentar aos alunos o conceito de Áreas Protegidas e Unidades de Conservação através da pesquisa sobre suas tipologias e seus objetivos, identificando como elas estão próximas ou distantes de seu cotidiano e quais as suas implicações na vida das pessoas. Transformando a natureza: diferentes paisagens Este tema proporciona um estudo sobre os motivos, as técnicas e as conseqüências da transformação e do uso da natureza. Pode-se integrá-lo ao estudo da História no que se refere às relações sociais, culturais e econômicas. Através da leitura de imagens, pode-se conhecer a trajetória da constituição da paisagem local e compará-la com a trajetória de diferentes paisagens e lugares, enfocando as múltiplas relações e determinações dos homens em sociedade com a natureza nessa trajetória. Este tema evoca também pesquisas sobre como diferentes grupos sociais (índios, negros, imigrantes, caiçaras, dentre os muitos que fazem parte da sociedade brasileira) relacionaram-se ao longo de suas trajetórias com a natureza na construção do lugar e da paisagem onde vivem, podendo-se inclusive eleger como objeto de estudo grupos sociais inseridos em paisagens distintas daquelas características do Brasil. O lugar e a paisagem Este tema trata das relações mais individualizadas dos alunos com o lugar em que vivem. Quais foram as razões que os fizeram morar ali (vínculos familiares, proximidade do trabalho, condições econômicas, entre outras) e quais são as condições do lugar em que vivem (moradia, asfalto, saneamento básico, postos de saúde, escolas, lugares de lazer, tratamento do lixo). Pode-se aprofundar a compreensão desses aspectos a partir da forma como percebem a paisagem local em que vivem e procurar estabelecer relações entre o modo como cada um vê seu lugar e como cada lugar compõe a paisagem. Outro ponto a ser discutido são as normas dos lugares: como é que se deve agir na rua, na escola, na casa; como essas regras são expressas de forma implícita ou explícita nas relações sociais e na própria paisagem local; como as crianças percebem e lidam com as regras dos diferentes lugares. É importante discutir tentando encontrar as razões pelas quais elas são estabelecidas dessa forma e não de outra, sua utilidade, legitimidade e como alteram e determinam a configuração dos lugares. Esses blocos temáticos contemplam conteúdos de diferentes dimensões: conceituais, procedimentais e atitudinais que, segundo esta proposta de ensino, são considerados como fundamentais para atingir as capacidades definidas para esse segmento da escolaridade. A seguir, são apresentados em forma de lista, de modo a destacar suas dimensões e as principais relações que existem entre eles: * observação e descrição de diferentes formas através das quais natureza se apresenta na paisagem local: nas construções e moradias, na distribuição da população, na organização dos bairros, nos modos de vida, nas formas de lazer, nas artes plásticas; * identificação de motivos e técnicas através dos quais sua coletividade e a sociedade de forma geral transforma a natureza: através do trabalho, da tecnologia, da cultura e da política, no passado e no presente; * caracterização da paisagem local: suas origens e organização, as manifestações da natureza em seus aspectos biofísicos, as transformações sofridas ao longo do tempo; * conhecimento das relações entre as pessoas e o lugar: as condições de vida, as histórias, as relações afetivas e de identidade com o lugar onde vivem; * identificação da situação ambiental da sua localidade: proteção e preservação do ambiente e sua relação com a qualidade de vida e saúde; * produção de mapas ou roteiros simples considerando características da linguagem cartográfica como as relações de distância e direção e o sistema de cores e legendas; * leitura inicial de mapas políticos, atlas e globo terrestre; * valorização de formas não predatórias de exploração, transformação e uso dos recursos naturais; * organização, com auxílio do professor, de suas pesquisas e das conquistas de seus conhecimentos em obras individuais ou coletivas: textos, exposições, desenhos, dramatizações, entre outras. Critérios de avaliação Ao final do primeiro ciclo, os alunos devem ter avaliadas suas conquistas numa perspectiva de continuidade aos seus estudos. A avaliação deve ser planejada, assim, relativamente aos conhecimentos que serão recontextualizados e utilizados em estudos posteriores. Para isso é necessário estabelecer alguns critérios. De modo amplo, são eles: * Reconhecer algumas das manifestações da relação entre sociedade e natureza presentes na sua vida cotidiana e na paisagem local. Com este critério avalia-se o quanto o aluno se apropriou da idéia de interdependência entre a sociedade e a natureza e se reconhece aspectos dessa relação na paisagem local e no lugar em que se encontra inserido. Também deve-se avaliar se conhece alguns dos processos de transformação da natureza em seu contexto mais imediato. * Reconhecer e localizar as características da paisagem local e compará-las com as de outras paisagens. Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir, através da observação e da descrição, alguns aspectos naturais e culturais da paisagem, percebendo nela elementos que expressam a multiplicidade de tempos e espaços que a compõe. Se é capaz também de comparar algumas das diferenças e semelhanças existentes entre diferentes paisagens. * Ler, interpretar e representar o espaço através de mapas simples. Com este critério avalia-se se o aluno sabe utilizar elementos da linguagem cartográfica como um sistema de representação que possui convenções e funções específicas, tais como cor, símbolos, relações de direção e orientação, função de representar o espaço e suas características, delimitar as relações de vizinhança. Segundo ciclo Ensino e aprendizagem No segundo ciclo, o estudo da Geografia deve abordar principalmente as diferentes relações entre as cidades e o campo em suas dimensões sociais, culturais e ambientais e considerando o papel do trabalho, das tecnologias, da informação, da comunicação e do transporte. O objetivo central é que os alunos construam conhecimentos a respeito das categorias de paisagem urbana e paisagem rural, como foram constituídas ao logo do tempo e ainda o são e como sintetizam múltiplos espaços geográficos. A paisagem local pode conter elementos fundamentais para os alunos observarem, compararem e compreenderem essas relações. É possível, a partir de um estudo nessa escala, perceber como as paisagens urbanas e rurais foram se configurando e estão profundamente interligadas. Entretanto, outras escalas podem ser abordadas e analisadas, já não apenas como fator de comparação (tal como foi proposto para o primeiro ciclo) mas sim como conteúdos a serem aprendidos. Diferentes paisagens regionais devem ser apresentadas e trabalhadas com os alunos, de modo que venham a construir uma noção mais ampla sobre o território brasileiro, suas paisagens, regiões e, de modo geral, sobre as determinações político-administrativas que o caracterizam. É importante ressaltar que o urbano e o rural são tradicionalmente trabalhados na escola. Entretanto, costuma-se estudar apenas suas características de forma descritiva e isolada, sem aprofundar temáticas que explicitem as relações de interdependência e de determinação que existe entre eles e enfocando-se quase que exclusivamente seus aspectos econômicos. Atualmente, o urbano e o rural são compreendidos para além de seus aspectos econômicos ou da descrição compartimentada dos fenômenos sociais e naturais que os caracterizam. As múltiplas dinâmicas existentes entre as cidades e o campo; as semelhanças e diferenças entre os modos de vida que aí se constituem; as formas de trabalho e a produção e percepção do espaço e da paisagem; os relógios naturais e mecânicos que controlam a vida nas cidades e no campo e que impõem ritmos de vida diferentes tornaram-se temas de investigação da própria Geografia e, na escola, se mostram interessantes e pertinentes de serem trabalhados, inclusive ao longo do segundo ciclo. A configuração territorial igualmente pode ser tratada, pois as relações entre as paisagens urbanas e rurais estão permeadas por decisões político-administrativas promovidas não apenas por instâncias regionais, mas sobretudo federais, explicitando-se a predominância do urbano sobre o rural. Questões relativas à posição, localização, fronteira e extensão das paisagens são, assim, retomadas, o que garante a possibilidade dos alunos de ampliarem as noções e conhecimentos que haviam anteriormente construído a respeito. O estudo das tecnologias permite compreender como as sociedades, em diferentes momentos de sua história, buscaram superar seus problemas cotidianos, de sobrevivência, transformando a natureza, criando novas formas de organização social, política e econômica e construindo paisagens urbanas e rurais. As possibilidades advindas do desenvolvimento tecnológico e do aprimoramento técnico para o processo de urbanização, agrarização e industrialização e as transformações ocorridas no próprio conceito de trabalho devem ser apresentadas aos alunos desse ciclo. Assim, o conceito de trabalho pode ser construído por eles através de compreensões mais amplas do que aquela comumente presente nessa etapa da escolaridade: a do trabalho apenas como profissão. Nesse sentido, é importante promover também situações nas quais os alunos percebam e compreendam a tecnologia em seu próprio cotidiano, através de observação e comparação da presença dela em seu meio familiar e em seu dia-a-dia de forma geral. Os instrumentos, os modos de fazer, as tecnologias que os alunos conhecem e/ou dominam podem gerar temas de estudo, e até mesmo as vivências diretas ou indiretas que possuem com o mundo do trabalho compartilhadas a fim de ampliar seus conhecimentos sobre o seu papel na estruturação do espaço, do tempo e da sociedade na qual se encontram inseridos. Nas escalas regional e nacional, é possível ainda estudar como diferentes grupos sociais se valeram de tecnologias singulares na construção e definição de seu espaço: como grupos indígenas, caiçaras, ribeirinhos, imigrantes japoneses (entre outros) construíram, no passado, técnicas singulares e as utilizaram como instrumentos de trabalho na estruturação de seu espaço geográfico; e no presente, como encontram-se esses mesmos grupos frente ao avanço tecnológico, como incorporam outras técnicas em seu dia-a-dia de trabalho e de lazer. O estudo da informação, da comunicação e do transporte, por sua vez, ao superar uma abordagem descritiva de seus meios (televisão, rádio, automóvel, trem, etc.) permite uma compreensão dos processos, intenções e conseqüências das relações entre os lugares, em escala regional, nacional e até mesmo mundial. Quando abordado através da escala local e do território, permite aproximar os alunos das dinâmicas existentes entre as paisagens urbanas e rurais. A preocupação fundamental é que os alunos construam as primeiras noções sobre o papel da informação, da comunicação e dos transportes na constituição dessas paisagens e nas múltiplas relações que existe entre o local, o regional e o mundial. No segundo ciclo, as possibilidades de aprendizagem dos alunos ampliam-se em vários aspectos. A maior autonomia em relação à leitura e à escrita e o domínio crescente dos procedimentos de observação, descrição, explicação e representação permitem que eles sejam capazes de consultar e processar fontes de informação com maior independência e que construam compreensões mais complexas, realizando analogias e sínteses mais elaboradas, expressas através de trabalhos mais completos, escritos ou apoiados em múltiplas linguagens - como ilustração, mapas, maquetes, seminários, por exemplo. Além disso, a familiaridade com a rotina escolar e com o conhecimento escolarizado também torna possível desenvolver estudos e pesquisas mais complexos, e permite que os alunos trabalhem de forma mais independente da mediação do professor, embora este ainda deva atuar como intermediário entre o conhecimento dos alunos e o conhecimento geográfico, criando situações significativas de aprendizagem que aproximem os alunos das categorias de espaço geográfico, território, paisagem e lugar e dos procedimentos básicos do fazer geográfico. Essas situações de aprendizagem, como no ciclo anterior, podem estar apoiadas em diferentes fontes de informação e recursos didáticos (como os estudos do meio, os relatos, as entrevistas, a narrativa literária, a pintura, a música, o estudo de diferentes culturas, a cartografia), promovendo uma compreensão mais ampla e crítica da realidade, bem como um posicionamento mais propositivo frente a questões relativas às condições de vida (saúde, meio ambiente, transportes, educação, lazer, etc.) da coletividade. O estudo sobre a representação do espaço segue de modo semelhante ao primeiro ciclo, embora seja possível abordar de forma mais aprofundada as noções de distância, direção e orientação e iniciar um trabalho mais aprofundado com as noções de proporção e escala. Já se pode esperar que os alunos compreendam que para representar o espaço é preciso obedecer a certas regras e convenções postuladas pela linguagem cartográfica e comecem a dominá-las na produção de mapas simples, relacionados com o espaço vivido e outros mais distantes. Atividades nas quais os alunos tenham que refletir, questionar, comunicar e compreender informações expressas através dessas regras e convenções (e não apenas descrevê-las e memorizá-las) podem ser planejadas pelo professor para que as conheçam e aprendam a utilizá-las. Os referenciais de localização, os pontos cardeais, as divisões e contornos políticos dos mapas, o sistema de cores e legendas podem e devem ser trabalhados. Também no que se refere à leitura, a prática do professor deve favorecer uma autonomia crescente na consulta e obtenção de informações através de mapas, atlas, globo terrestre e até mesmo de maquetes, plantas e fotos aéreas. Nesse sentido, os diferentes tipos de mapas, os múltiplos temas que são representados através dessa linguagem e as razões que determinam a relevância de seu mapeamento podem ser temas de discussão e estudo. Estudar conceitos fundamentais, tradicionalmente representados através da linguagem cartográfica (como relevo, vegetação, clima, população, tamanho, distribuição), não só passa a ser pertinente como também fundamental para que os alunos ampliem seus conhecimentos sobre essa linguagem. Nesse momento da escolaridade passa a ser interessante também discutir com os alunos a linguagem cartográfica como uma produção humana, marcada pelos alcances e limites dos recursos técnicos e das intenções dos sujeitos e das épocas que dela se valem para representar o espaço geográfico. Estudar a história da cartografia é uma forma adequada de aproximar a História e a Geografia num estudo sobre como diferentes sociedades em tempos e espaços distintos percebiam e representavam seu entorno e o mundo: as técnicas e os conhecimentos, o imaginário, as intenções políticas e econômicas, os medos e desejos. Continua sendo papel fundamental do professor considerar os conhecimentos que os alunos já possuem para planejar situações de ensino e aprendizagem significativas e produtivas. Para isso, é preciso conhecer os avanços e os problemas de seus alunos, bem como a adequação de suas propostas, de modo a aperfeiçoar sua ação pedagógica. A interface com as demais disciplinas também deve ser observada, de modo a proporcionar estudos mais completos sobre um tema que tanto a Geografia, como a História, as Ciências, a Arte e a Matemática podem, através de suas abordagens e explicações, ampliar a compreensão por parte dos alunos. Objetivos para o segundo ciclo Espera-se que ao final do segundo ciclo os alunos sejam capazes de: * reconhecer e comparar o papel da sociedade e da natureza na construção de diferentes paisagens urbanas e rurais brasileiras; * reconhecer semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidades e do campo, relativas ao trabalho, às construções e moradias, aos hábitos cotidianos, às expressões de lazer e de cultura; * reconhecer, no lugar no qual se encontram inseridos, as relações existentes entre o mundo urbano e o mundo rural, bem como as relações que sua coletividade estabelece com coletividades de outros lugares e regiões, focando tanto o presente e como o passado; * conhecer e compreender algumas das conseqüências das transformações da natureza causadas pelas ações humanas, presentes na paisagem local e em paisagens urbanas e rurais; * reconhecer o papel das tecnologias, da informação, da comunicação e dos transportes na configuração de paisagens urbanas e rurais e na estruturação da vida em sociedade; * saber utilizar os procedimentos básicos de observação, descrição, registro, comparação, análise e síntese na coleta e tratamento da informação, seja através de fontes escritas ou imagéticas; * utilizar a linguagem cartográfica para representar e interpretar informações em linguagem cartográfica, observando a necessidade de indicações de direção, distância, orientação e proporção para garantir a legibilidade da informação; * valorizar o uso refletido da técnica e da tecnologia em prol da preservação e conservação do meio ambiente e da manutenção da qualidade de vida; * adotar uma atitude responsável em relação ao meio ambiente, reivindicando, quando possível, o direito de todos a uma vida plena num ambiente preservado e saudável; *conhecer e valorizar os modos de vida de diferentes grupos sociais, como se relacionam e constituem o espaço e a paisagem no qual se encontram inseridos. Blocos temáticos e conteúdos: as paisagens urbanas e rurais, suas características e relações São muitos e variados os temas que podem ser pesquisados a partir do estudo de paisagens urbanas e rurais, suas características e relações. Embora cada unidade escolar e cada professor possa propor os seus, a depender das necessidades e problemáticas relevantes para os alunos, a escola ou a comunidade na qual se encontram inseridos, aqueles selecionados devem abordar as dimensões sociais, culturais e ambientais que aí se encontram presentes, bem como o papel do trabalho, das tecnologias, da informação, da comunicação e do transporte. Até mesmo o território no qual essas paisagens se inserem deve ser considerado, a fim de que possam ser abordadas as determinações político-administrativas que aí se encontram presentes. Seguem sugestões de blocos temáticos que podem ser estudados com os alunos e que, como no primeiro ciclo, são apresentados de modo amplo, pois se configuram como sugestões e não devem ser compreendidos como uma seqüência de assuntos a serem aprendidos ou ainda como blocos isolados, que não se comunicam entre si. O professor pode aqui, também, trabalhar com um ou mais blocos ao mesmo tempo, reunidos no estudo de paisagens urbanas e rurais. O papel das tecnologias na construção de paisagens urbanas e rurais Este tema enfoca o papel das tecnologias na configuração das paisagens urbanas e rurais. Através do estudo comparativo de como diferentes grupos sociais utilizam e elaboram técnicas e tecnologias para superar seus problemas cotidianos e garantir sua sobrevivência, os alunos podem compreender como o trabalho humano e as diferentes formas de apropriação da natureza constituem e diferenciam espaços geográficos. O trabalho e as tecnologias influem nos ritmos da cidade e do campo, nas suas formas, na sua organização. Como se relacionam com a vida cotidiana, qual seu papel: o conforto e desconforto que trazem, os benefícios e malefícios. É possível comparar técnicas e tecnologias antigas e modernas (como por exemplo, o martelo e a serra elétrica, a colheita manual e a industrializada) e avaliar se o que é mais moderno é realmente melhor. Pode-se estudar como as tecnologias aparecem distribuídas nas paisagens e nas diferentes atividades: onde estão, por quem são utilizadas, quem tem acesso a elas. Por exemplo, que mudanças ocorreram com a invenção da geladeira ou da energia elétrica. Como diferentes setores da sociedade usam e abusam das tecnologias e quais suas responsabilidades frente ao meio ambiente, nos desmatamentos, no lançamento de poluentes para a atmosfera. Quem são os atores sociais que definem quais e como se utilizam as tecnologias e quem sofre os prejuízos de seu uso indevido. Informação, comunicação e interação Este tema refere-se às alterações que o fluxo de informações fez e faz na vida em sociedade. É possível estudar a história dos meios de comunicação, sua criação e seu significado social; como a invenção do rádio, da TV, do telefone, do jornal modificaram a vida das pessoas, como podem criar novas e múltiplas relações entre os lugares. É possível analisar as alterações que o uso dos computadores trouxe na relação entre os lugares, nas relações sociais e econômicas e nos hábitos culturais. Como expressam as paisagens urbanas e rurais, como as paisagens são influenciadas umas pelas outras através das imagens veiculadas na televisão, nos jornais, nas revistas, etc. Uma abordagem crítica, analisando a descaracterização que os meios de comunicação podem ocasionar, principalmente no comportamento, na fala, no estímulo ao consumo é fundamental para uma compreensão mais ampla deste tema. Analisá-lo a partir das diferenças entre os meios de comunicação, sua influência no mundo urbano e no mundo rural - que lugares a mídia trata, quais ignora e por que são formas interessantes de discutir com os alunos a informação e a comunicação como fruto do trabalho humano, permeado por decisões político-administrativas. Distâncias e velocidades no mundo urbano e no mundo rural Este tema diz respeito ao transporte e sua influência na vida em sociedade, as alterações que imprimem nas paisagens. Também as semelhanças e as diferenças entre o urbano e o rural podem ser aqui tratadas: discutir o espaço que alguns meios de transporte ocupam, como, por exemplo, o automóvel e as implicações de seu uso na configuração das cidades através da construção de vias, viadutos, pontes, túneis, etc.; em contraposição, o papel dos transportes coletivos no passado e no presente. Pode-se estudar a utilização do automóvel sob o ponto de vista do trabalho, da indústria ou da comunicação, assim como dos meios de transporte fluviais, predominantes em muitas regiões do Brasil. Nesse sentido, é interessante discutir e comparar as permanências e transformações dos meios de transportes em regiões diferentes: lugares onde se anda a cavalo, de barco ou a pé; lugares onde existem problemas sociais ligados aos meios de transporte, tais como trânsito, acidentes, atropelamentos, de saúde e ambientais; ou ainda abordar a questão energética, estudando-se os combustíveis utilizados pelo transporte. Urbano e rural: modos de vida Através deste tema é possível organizar estudos nos quais os alunos pesquisem e comparem como as paisagens urbanas e rurais definem e possibilitam diferentes modos de vida. No entanto, os mundos urbano e rural não devem ser focados sem seus sujeitos: os grupos sociais que neles se encontram presentes devem também ser abordados. Afinal, o modo de vida dos habitantes da região da floresta amazônica, por exemplo, não pode ser definido segundo um único padrão: ribeirinhos vivem de forma distinta dos grupos indígenas, embora ambos possam ser localizados em zonas rurais dessa região. Questões relativas ao trabalho, às tecnologias e até mesmo à comunicação que existe entre os modos de vida dos grupos sociais estudados podem ser enfocadas, tanto do ponto de vista do presente como do passado. Esses blocos temáticos contemplam conteúdos de diferentes dimensões: conceituais, procedimentais e atitudinais que, segundo esta proposta de ensino, são considerados como fundamentais para atingir as capacidades definidas para esse segmento da escolaridade. A seguir, são apresentados em forma de lista, de modo a destacar suas dimensões e as principais relações que existem entre eles: * identificação de processos de organização e construção de paisagens urbanas e rurais ao longo do tempo; *caracterização e comparação entre as paisagens urbanas e rurais de diferentes regiões do Brasil, considerando os aspectos da espacialização e especialização do trabalho, a interdependência entre as cidades e o campo, os elementos biofísicos da natureza, os limites e as possibilidades dos recursos naturais; * comparação entre o uso de técnicas e tecnologias através do trabalho humano nas cidades e no campo, envolvendo modos de vida de diferentes grupos sociais, aproximando-se do debate entre o moderno e o tradicional; * reconhecimento do papel das tecnologias na transformação e apropriação da natureza e na construção de paisagens distintas; * reconhecimento do papel da informação e da comunicação nas dinâmicas existentes entre as cidades e o campo; * compreensão das funções que o transporte assume nas relações entre as cidades e o campo, observando seu papel na interdependência que existe entre ambos; * comparação entre os diferentes meios de transporte presentes no lugar onde se vive, suas implicações na organização da vida em sociedade e nas transformações da natureza; * levantamento, seleção e organização de informações a partir de fontes variadas, como fotografias, mapas, notícias de jornal, filmes, entrevistas, obras literárias, músicas, etc.; * representação em linguagem cartográfica das características das paisagens estudadas através da confecção de diferentes tipos de mapas, observando a necessidade de indicar a direção, a distância, a proporção para garantir a legibilidade das informações; * leitura e compreensão das informações expressas em linguagem cartográfica e em outras formas de representação do espaço como fotografias aéreas, plantas maquetes, entre outras; * organização de pesquisas e reapresentação dos conhecimentos adquiridos em obras individuais ou coletivas: textos, exposições, desenhos, dramatizações, seminários, etc.; *valorização do uso refletido da técnica e da tecnologia em prol da reabilitação e conservação do meio ambiente e da manutenção da qualidade de vida; * respeito e tolerância por modos de vida e valores de outras coletividades distantes no tempo e no espaço. Critérios para avaliação Ao final do segundo ciclo, os alunos devem ter avaliadas suas conquistas numa perspectiva de continuidade aos seus estudos. A avaliação deve ser planejada, assim, relativamente aos conhecimentos que serão recontextualizados e utilizados em estudos posteriores. Para isso é necessário estabelecer alguns critérios. De modo amplo, são eles: * Reconhecer e comparar os elementos sociais e naturais que compõem paisagens urbanas e rurais brasileiras, explicando alguns dos processos de interação existentes entre elas. Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir diferentes paisagens urbanas e rurais brasileiras e de explicar algumas das dinâmicas existentes entre elas. O conhecimento do urbano e do rural pode ser avaliado também a partir daquilo que o aluno é capaz de observar, descrever, relacionar e compreender de suas manifestações na paisagem local ou na região na qual ele se encontra inserido, e as relações que sua coletividade estabelece com o campo e/ou outras cidades. * Reconhecer semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidades e do campo. Com este critério avalia-se se o aluno reconhece, relaciona e compreende modos de vida das cidades e do campo, focando aspectos relativos aos tipos e ritmos de trabalho, às formas de moradia e organização e distribuição da população, aos hábitos cotidianos, às expressões culturais e de lazer. * Reconhecer o papel das tecnologias, da informação, da comunicação e dos transportes na configuração de paisagens urbanas e rurais e na estruturação da vida em sociedade. Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de reconhecer e comparar os modos e as razões que levam diferentes grupos sociais, inclusive o seu próprio, a produzir conhecimentos técnicos e tecnológicos, sendo capaz de discernir benefícios e prejuízos por eles causados, localizar alguns lugares e sujeitos que deles podem dispor. Avalia-se também, se é capaz de perceber e compreender o papel desses conhecimentos na construção de paisagens urbanas e rurais. * Estabelecer algumas relações entre as ações da sociedade e suas conseqüências para o ambiente Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de conhecer e compreender algumas das conseqüências das transformações da natureza causadas pelas ações humanas, presentes na paisagem local e em paisagens urbanas e rurais. * Representar e interpretar informações sobre diferentes paisagens utilizando procedimentos convencionais da linguagem cartográfica. Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de utilizar algumas das convenções na produção e na leitura de mapas simples, maquetes e roteiros: direção, distância, orientação, proporção, o sistema de cores e de legendas, a divisão e o contorno dos mapas políticos, os pontos cardeais, etc. Também, se é capaz de interpretar informações de mapas com diferentes temáticas (relevo, clima, distribuição da população, dos bens econômicos, etc.), realizando comparações e sobreposições entre essas informações. * Observar, descrever, explicar, comparar e representar paisagens urbanas e rurais. Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de utilizar procedimentos básicos do fazer geográfico de observar, descrever, explicar, comparar e representar paisagens urbanas e rurais. Isso corresponde às capacidades que ele desenvolveu para ler uma imagem e a paisagem como uma imagem, entendendo que essa leitura não deve ser apenas uma reprodução daquilo que está visível de imediato, mas também uma primeira interpretação daquilo que se vê. Saber questionar, relacionar, comparar e compreender a necessidade de pesquisar em outras fontes de informação são algumas das capacidades que deve ter desenvolvido, já possuindo autonomia para realizá-las. Orientações didáticas O ensino de Geografia, de forma geral, é realizado através de aulas expositivas ou da leitura dos textos do livro didático. Entretanto, é possível trabalhar com esse campo do conhecimento de forma mais dinâmica e instigante para os alunos, através de situações que problematizem os diferentes espaços geográficos materializados em paisagens, lugares e territórios; que disparem relações entre o presente e o passado, o específico e o geral, as ações individuais e as coletivas; e que promovam o domínio de procedimentos que permitam aos alunos “ler” a paisagem local e outras paisagens presentes em outros tempos e espaços. Na sala de aula, o professor pode planejar essas situações considerando a própria leitura da paisagem, a observação e a descrição, a explicação e a interação, a territorialidade e a extensão, a análise e o trabalho com a representação do espaço. Nestas orientações didáticas, procurou-se explicitar como e por que tais aspectos podem ser utilizados pelo professor no planejamento de seu trabalho. Leitura da paisagem A abordagem dos conteúdos da Geografia insere-se na perspectiva da leitura da paisagem, o que permite aos alunos conhecerem os processos de construção do espaço geográfico. Conhecer uma paisagem é reconhecer seus elementos sociais, culturais e naturais e a interação existente entre eles; é também compreender como ela está em permanente processo de transformação e como contém múltiplos espaços e tempos. A leitura da paisagem pode ocorrer de forma direta (através da observação da paisagem de um lugar que os alunos visitaram (ou de forma indireta) através de fotografias, da literatura, de vídeos, de relatos. Uma maneira interessante de iniciar a leitura da paisagem é através de uma pesquisa prévia dos elementos que a constituem. Essa pesquisa pode ocorrer apoiada em material fotográfico, textos ou pela sistematização das observações que os alunos já fizeram em seu cotidiano. Através desse levantamento inicial, o professor e os alunos podem problematizar, formular questões e levantar hipóteses que impliquem investigações mais aprofundadas, demandem novos conhecimentos. A partir dessa pesquisa inicial, consultar diferentes fontes de informação, tais como obras literárias, músicas regionais, fotografias, entrevistas ou relatos, torna-se essencial na busca de novas informações que ampliem aquelas que já se possui. A compreensão geográfica das paisagens significa a construção de imagens vivas dos lugares que passam a fazer parte do universo de conhecimentos dos alunos, tornando-se parte de sua cultura. Os trabalhos práticos com maquetes, mapas mentais e fotografias aéreas podem também ser utilizados. O desenvolvimento da leitura da paisagem possibilita ir ao encontro das necessidades do mundo contemporâneo no qual o apelo às imagens é constante. No processo de leitura, um aspecto fundamental é a aquisição de habilidades para ler diferentes tipos de imagens, tais como a fotografia, o cinema, os grafismos, as imagens da televisão e a própria observação a olho nu tomada de diferentes referenciais (angulares e de distância). Uma mesma imagem pode ser interpretada de muitas maneiras. Por exemplo, a imagem de um condomínio de prédios pode ser lida de modo diferente por um engenheiro construtor, um engenheiro de tráfego, um ecologista, um político, um favelado ou ainda por uma criança do meio rural. Ao se introduzir a leitura da paisagem, a comparação das diferentes leituras de um mesmo objeto é muito importante, pois permite o confronto de idéias, interesses, valores socioculturais, estéticos, econômicos, enfim, das diferentes interpretações existentes e a constatação das intencionalidades e limitações daquele que observa. Além disso, possibilita a elaboração de questionamentos fundamentais sobre o que prevalece numa paisagem, pois sua história é marcada pelas decisões que venceram e determinaram a sua imagem. É importante comparar uma mesma paisagem em tempos diferentes e descobrir como e por que mudou, quem decidiu mudar, a quem beneficiou ou prejudicou. No trabalho comparativo é que sobressaem as intencionalidades daqueles que agiram. A leitura da paisagem através da identificação de suas estruturas auxilia também a perceber que muitos problemas enfrentados no bairro, na cidade, no município e em outras paisagens são resultados de ações. Quando se compara uma paisagem rural de agricultura comercial em confronto com outra de agricultura ecológica, rios poluídos ou não, grandes e pequenas cidades, pode-se ver e avaliar os resultados dessas ações, pois estão impressos na paisagem. O trabalho de observação da paisagem deve iniciar pelas características que mais tocam cada um. Uma mesma paisagem pode ser comunicada oralmente, textualmente ou em desenho de forma distinta por cada pessoa que a tente representar. Isso reforça a idéia de que, quando se observa a paisagem, busca-se identificar os aspectos que fazem cada um se aproximar dela. Descrição e observação A observação e a descrição como procedimentos do processo do conhecimento não são exclusivas da Geografia. Outras ciências as utilizam, principalmente as Ciências Naturais. No caso da Geografia, muitos generalizam a descrição como único procedimento de interpretação, definindo-a como sendo a “descrição da Terra”. Porém, a descrição é somente um dos momentos que caracterizam sua metodologia. A observação e a descrição são os pontos de partida básicos para início da leitura da paisagem e construção de sua explicação. A descrição é fundamental, porque a paisagem não é experimental e sim visual. Assim, as excursões de reconhecimento, o uso das imagens aéreas, das fotografias comuns, das imagens cotidianas da televisão, dos mapas, etc., são recursos que podem ajudar o professor. Aulas descritivas de paisagem não atingem o objetivo de dar ao estudante a capacidade de realizar levantamentos das características visíveis na paisagem, fazer sua documentação, sistematizando assim a observação. Explicação e interação A explicação para a Geografia é o procedimento que permite responder o porquê das coisas e dos fenômenos lidos numa paisagem. É sabido que a simples descrição dos lugares não esgota a análise do seu objeto. É necessário explicar como aqueles fatores que a constituem se organizaram, para lhe permitir uma identidade. Ou seja, a explicação é o momento da compreensão das interações dos fatos. Por exemplo, se apenas fosse descrita a paisagem urbana da cidade de uma capital brasileira, isso levaria a contemplá-la e não ao entendimento da sua presença e de sua essência como cidade; ou ainda, como a história e a natureza interagiram para permitir seu aparecimento e expansão. A explicação, na análise de qualquer objeto, procura sempre decompô-lo em partes. Caminha do particular para o geral. Isso significa dizer: induz e deduz sobre a realidade. No caso da Geografia, como o objeto da análise é o território e a paisagem, caracterizados tanto pelos elementos sociais quanto pelos naturais, essa análise deverá estar sempre atenta para as interações entre esses dois elementos da realidade. Como uma ciência social, porém com especificidade de trabalhar a sociedade e a natureza, a análise torna-se complexa, pois deve explicar como dois conjuntos de elementos interagem sem deixar de lembrar que tanto a natureza como a sociedade guardam níveis de interações que lhes são específicas internamente. Territorialidade e extensão Nenhum estudo geográfico das formas de interações entre a sociedade e a natureza poderá estar desvinculado da territorialidade ou extensão do fato estudado. Os lugares têm, por exemplo, fronteiras territoriais. O território é a base física e material da paisagem, expressa-se numa determinada extensão, permitindo, assim, que se estabeleça alguma forma de fronteira. As fronteiras se estabelecem através de diferentes relações de comércio, de comunicação, de circulação de pessoas, e, pela sua natureza concreta, serão passíveis de uma representação cartográfica porque sempre definem uma extensão. Por exemplo: a área de influência de uma cidade, até onde ela pode ser considerada como centro importante dos fluxos comerciais ou de pessoas poderá ser territorialmente representada em mapas. O princípio da territorialidade dos fenômenos geográficos definidos pelo processo de apropriação de natureza pela sociedade garante a possibilidade de se estabelecerem os limites e as fronteiras desses fenômenos, sua extensão e tendências espaciais. São, portanto, fenômenos localizáveis e concretos. Isso facilita sua representação cartográfica. Hoje, mais do que nunca, com o auxílio da computação gráfica, a cartografia, como uma das importantes disciplinas no estudo da Geografia, vem elaborando uma variedade muito grande de mapas temáticos permitindo estudos sobre fluxos econômicos, formas de ocupação do solo, distribuição dos recursos naturais, etc. A representação cartográfica, inclusive dos territórios em conflito, permite a visualização das fronteiras em estado de tensão política. Analogia A palavra “analogia” significa comparação, semelhança de relações. A Geografia tem por objetivo buscar a explicação das diferentes paisagens, territórios e lugares como resultado de combinações próprias que marcam suas singularidades. Por analogias, pode-se chegar a definir a natureza dessas diferenças. Pode-se dizer que o que caracteriza o espaço mundial são as significativas diferenças entre os lugares. Assim sendo, é preciso reconhecer a singularidade e a especificidade dos lugares nos processos de sua globalização em nível mundial. A compreensão que o mundo (geograficamente) é o conjunto de singularidades não limita a possibilidade de se buscar soluções para os diferentes problemas que possam existir em cada um deles, aproveitando-se das experiências dos outros. A representação do espaço no estudo da Geografia O espaço é, simultaneamente, noção e categoria. É noção enquanto estrutura mental que se constrói desde o nascimento até a formalização do pensamento e é categoria enquanto objeto de estudo da Geografia. Sem dúvida, trata-se de dois aspectos de uma mesma questão, cada um guardando suas especificidades, mas, ao mesmo tempo, com suas contribuições para que os alunos ampliem seus conhecimentos a respeito do espaço enquanto noção e do espaço enquanto categoria da Geografia, o espaço geográfico. A aquisição da noção de espaço é um processo complexo e progressivo de extrema importância no desenvolvimento das pessoas. Não se pode consolidá-la, portanto, apenas através de um processo que parte de noções simples e concretas para as mais abstratas, como se sua aquisição fosse linear e monolítica. Na escolaridade isso significa dizer que não há apenas uma maneira de construir essa noção: ela não se restringe apenas aos conteúdos da Geografia, mas permeia praticamente todas as áreas, não sendo um conteúdo em si, mas algo inerente ao desenvolvimento dos alunos. Entretanto, as experiências de aprendizagem vividas pelos alunos, nas quais tenham que refletir sobre essa noção nas mais diversas áreas e num ambiente rico em informações, contribuem para uma construção de uma noção espacial mais abrangente e mais complexa. A categoria de espaço geográfico, como objeto de estudo dos geógrafos, deve ter um tratamento didático que possibilite a interação dos alunos. Por um lado, a compreensão do espaço geográfico será trabalhada sempre que se estudar a paisagem, o território e o lugar; por outro, a questão da representação espacial, no contexto dos estudos, é um caminho importante para compreender a espacialidade dos fenômenos (ampliando a noção de espaço), para entender a função social da linguagem cartográfica, bem como os processos histórico-sociais de sua construção. Sendo assim, o professor deve abordar, simultaneamente, dois eixos: a leitura e a produção da linguagem cartográfica. A compreensão desse sistema de representação ocorre quando há sucessivas aproximações aos dois eixos, não sendo o primeiro condição para o segundo, isto é, para se fazer mapas não é necessário que se aprenda a lê-los antes. Sem dúvida, essa é uma linguagem complexa que envolve diferentes aspectos e não é possível aos alunos dar conta de todos, principalmente nos primeiros ciclos, quando ainda têm muita dificuldade em definir outros referenciais espaciais que não estejam vinculados a si mesmos. Isso quer dizer que muitas vezes farão mapas que não respeitam um sistema único de projeções (vertical ou oblíqua), não mantêm a proporcionalidade, não sistematizam símbolos, etc. Assim, cabe ao professor criar diferentes situações nas quais os alunos tenham de priorizar um ou outro aspecto, tanto na produção quanto na leitura, para que, gradualmente, consigam coordená-los, apropriando-se tanto das convenções como do funcionamento dessa linguagem. O professor deve também considerar as idéias que seus alunos têm sobre a representação do espaço. As crianças sabem fazer coisas como descrever os trajetos que percorrem, organizar um cômodo com seus móveis, ou desenhar um “mapa do tesouro”, entre outras. A partir desse tipo de conhecimento, o professor pode pensar em problematizações que explicitem a necessidade de se representar o espaço e, ao fazê-lo, novas exigências poderão se evidenciar: criar legendas, manter algum tipo de proporcionalidade, respeitar um sistema de projeção, esclarecer orientação, direção e distância entre os fatos representados. Também, ao fazer a leitura de mapas, deve-se considerar que os alunos são capazes de deduzir muitas informações, principalmente se a leitura estiver contextualizada e eles estiverem em busca de alguma informação. Por exemplo, ler um mapa físico da região em que vivem e tentar descobrir quais são os lugares mais altos, mais baixo, planos ou não planos a partir do conhecimento que têm sobre o lugar e da interpretação das legendas. Não se pode perder de vista que a função social da linguagem cartográfica é de comunicação de informações sobre o espaço, ou seja, deve haver situação comunicativa, para que a atividade seja significativa e ocorra aprendizagem. A situação caracteriza-se dessa forma quando há alguma informação espacial sendo representada e comunicada para algum interlocutor dentro de um contexto social. Nesse caso, as crianças podem tanto ser os usuários, leitores, quanto os produtores, que comunicam algo. Compreender e utilizar a linguagem cartográfica, sem dúvida alguma, amplia as possibilidades dos alunos de extrair, comunicar e analisar informações em vários campos do conhecimento — além de contribuir para a estruturação de uma noção espacial flexível, abrangente e complexa. Compreender a espacialidade dos fenômenos estudados, no presente e no passado, e compará-la através de suas sobreposições é algo que a própria Geografia busca fazer e que os alunos dos ciclos iniciais também podem realizar. Ler em mapas como a população de uma região está distribuída e como o clima e a vegetação também o estão para comparar as informações obtidas e formular hipóteses variadas sobre suas relações é uma forma de se aproximar e compreender os procedimentos através dos quais Terceiro ciclo Ensino e aprendizagem O ensino e a aprendizagem da Geografia no ensino fundamental representam um processo de continuidade. Nesses dois ciclos conclusivos, o aluno deverá avançar teórica e metodologicamente em relação ao campo epistemológico da Geografia que lhe foi oferecida nos dois primeiros ciclos iniciais. No terceiro ciclo, o estudo da Geografia poderá recuperar questões relativas à presença e ao papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na construção do espaço. Para tanto, a paisagem local e o espaço vivido são as referências para o professor organizar seu trabalho e, a partir daí, introduzir os alunos nos espaços mundializados. A observação e a caracterização dos elementos presentes na paisagem é o ponto de partida para uma compreensão mais ampla das relações entre sociedade e natureza. É possível analisar as transformações que esta sofre por causa de atividades econômicas, hábitos culturais ou questões políticas, expressas de diferentes maneiras no próprio meio em que os alunos vivem. Por exemplo, por meio da arquitetura e de suas relações com o território da distribuição da população; os hábitos alimentares no campo e na cidade; a divisão e constituição do trabalho, das formas de lazer e, inclusive, mediante suas próprias características biofísicas, pode-se observar a presença da natureza e sua relação com a vida dos homens em sociedade. Do mesmo modo, é possível também compreender por que a natureza favorece o desenvolvimento de determinadas atividades em certos locais e não em outros e, assim, conhecer as influências que uma exerce sobre outra, reciprocamente. Assim, é possível problematizar as interações entre o espaço local e o global: distantes no tempo e no espaço, buscando suas semelhanças e diferenças, permanências e transformações. Torna-se importante que o professor ofereça a oportunidade de um conhecimento organizado de sua área. Procurar valorizar o seu lugar de vida, tendo sempre o cuidado de lançar mão de uma didática que valorize a experiência do aluno com o seu lugar de vida. O campo cognitivo do aluno nessa faixa etária já se apresenta aberto a uma maior complexidade para que ele possa compreender o papel da mídia, por exemplo. Seu imaginário já é capaz de lançá-lo a uma relação de espaço e tempo mais complexa, relativizar o próximo e imediato, o distante e o mediato na relação com os lugares. Esses conhecimentos precisam ser investigados para que o professor possa criar intervenções significativas que provoquem avanços no campo cognitivo, nas concepções dos alunos. O principal cuidado é ir além daquilo que já sabem, evitando estudos restritos às idéias e temas que já dominam e pouco promovem a ampliação de seus conhecimentos sobre os lugares e o mundo. Nesse momento, é interessante que os alunos aprofundem procedimentos que fazem parte dos métodos de operar da Geografia. Observar, descrever, representar cartograficamente ou por imagens os espaços e construir explicações são procedimentos que podem aprofundar e utilizar, mesmo que ainda o façam com pouca autonomia, necessitando da presença e orientação do professor. Por exemplo, em relação à observação, o professor pode levá-los a compreender que não se trata apenas de olhar um pouco mais detidamente, mas sim de olhar intencionalmente, em busca de respostas, nem sempre visíveis de imediato. A descrição, por sua vez, não deve ser apenas uma listagem aleatória do que se observa, mas a seleção das informações que sugerem certas explicações e possuem relação com as hipóteses daquele que observa e descreve. O aluno que inicia o terceiro ciclo poderá ser orientado a obter maior autonomia em relação ao método da observação, descrição, representação, explicação e compreensão do espaço e suas paisagens, assim como em relação aos diferentes recursos e linguagens com os quais possa obter informações para essa melhor compreensão. Do mesmo modo, o professor deverá estimular e intermediar discussões entre os alunos para que possam aprender e complementar seus conhecimentos, elaborar questões, confrontar suas opiniões, ouvir os outros e se posicionar diante do grupo, sobre suas experiências com os lugares. Agora que o aluno já tem um domínio maior da leitura e da escrita, poderá continuar a ser estimulado a expressar seus pensamentos e opiniões por escrito, de forma individual ou coletiva, o que lhe garantirá melhor disciplina na forma de pensar e se expressar. Isso lhe será importante não somente no campo da Geografia, mas também para sua vida cotidiana. É significativo que esteja presente a imagem como representação. Desenhar é uma maneira de expressão característica desse momento da escolaridade e um procedimento de registro que deve ser valorizado pela Geografia. Mas o desenho agora começa a ganhar outros conteúdos como forma de representação, pois o aluno já percebe aquilo que desenha como imagens que permitem inferências sobre o real. Além disso, é uma forma interessante de propor que os alunos utilizem objetivamente as noções de proporção, distância e direção, entre outros, fundamentais para a compreensão e uso da linguagem gráfica nas representações cartográficas. O trabalho com a construção da linguagem gráfica, por sua vez, pode ser realizado considerando os referenciais que os alunos já utilizam para se localizar e orientar no espaço, tais como monumentos, acidentes do relevo, avenidas e praças, edifícios. A partir de situações em que compartilhem e explicitem seus conhecimentos, o professor pode criar outras, nas quais possam esquematizar e ampliar suas idéias de distância, direção e orientação. Os mapas mentais em que expressa livremente sua concepção de espaço, pode ser de grande valia nessa fase. É fundamental que o processo de construção da linguagem gráfica aconteça mediante o trabalho com a produção e a leitura de mapas simples, em situações significativas de aprendizagem nas quais os alunos tenham questões a resolver, seja para comunicar, seja para obter e interpretar informações. É essencial, assim, que o professor desse ciclo trabalhe com diferentes tipos de mapas, atlas, globo terrestre, plantas e maquetes de boa qualidade e atualizados, em situações em que os alunos possam interagir com eles e fazer uso cada vez mais preciso e adequado deles. O estudo do meio, o trabalho com imagens e a representação dos lugares próximos e distantes são recursos didáticos interessantes, por meio dos quais os alunos poderão construir e reconstruir, de maneira cada vez mais ampla e estruturada, as imagens e as percepções que têm da paisagem local e agora também global, conscientizando-se de seus vínculos afetivos e de identidade com o lugar em que vivem. Além disso, a interface com a História é essencial. A Geografia pode trabalhar com recortes temporais e espaciais distintos dos da História, embora não possa construir interpretações de uma paisagem sem buscar sua historicidade. Uma abordagem que pretende ler a paisagem local e global, estabelecer comparações, interpretar as múltiplas relações entre a sociedade e a natureza de um determinado lugar pressupõe uma inter-relação entre essas áreas, tanto nas problematizações como nos conteúdos e procedimentos. Com a área de Ciências Naturais também há uma afinidade peculiar nos conteúdos desse ciclo, uma vez que o funcionamento da natureza e suas determinações na vida dos homens devem ser estudados. Sem perder de vista as especificidades de cada uma das áreas, o professor pode aproveitar o que há em comum para tratar um mesmo assunto sob vários ângulos. Objetivos para o terceiro ciclo Espera-se que ao final do terceiro ciclo os alunos sejam capazes de: * reconhecer que a sociedade e a natureza possuem princípios e leis próprios e que o espaço geográfico resulta das interações entre elas, historicamente definidas; * compreender a escala de importância no tempo e no espaço do local e do global e da multiplicidade de vivências com os lugares; * reconhecer a importância da cartografia como uma forma de linguagem para trabalhar em diferentes escalas espaciais as representações locais e globais do espaço geográfico; * distinguir as grandes unidades de paisagens em seus diferentes graus de humanização da natureza, inclusive a dinâmica de suas fronteiras, sejam elas naturais ou históricas, a exemplo das grandes paisagens naturais, as sociopolíticas como dos Estados nacionais e cidade-campo; * compreender que os conhecimentos geográficos que adquiriram ao longo da escolaridade são parte da construção da sua cidadania, pois os homens constroem, se apropriam e interagem com o espaço geográfico nem sempre de forma igual; * perceber na paisagem local e no lugar em que vivem, as diferentes manifestações da natureza, sua apropriação e transformação pela ação da coletividade, de seu grupo social; * reconhecer e comparar a presença da natureza, expressa na paisagem local, com as manifestações da natureza presentes em outras paisagens; * reconhecer semelhanças e diferenças nos modos que diferentes grupos sociais se apropriam da natureza e a transformam, identificando suas determinações nas relações de trabalho, nos hábitos cotidianos, nas formas de se expressar e no lazer; * conhecer e utilizar fontes de informação escritas e imagéticas, utilizando, para tanto, alguns procedimentos básicos; * criar uma linguagem comunicativa, apropriando-se de elementos da linguagem gráfica utilizada nas representações cartográficas; * saber utilizar a observação e a descrição na leitura direta ou indireta da paisagem, sobretudo mediante ilustrações e linguagem oral; * reconhecer, no seu cotidiano, os referenciais espaciais de localização, orientação e distância, de modo que se desloque com autonomia e represente os lugares onde vivem e se relacionam; * reconhecer a importância de uma atitude responsável de cuidado com o meio em que vivem, evitando o desperdício e percebendo os cuidados que se devem ter na preservação e na conservação da natureza. Conteúdos para o terceiro ciclo São muitos e variados os temas que podem ser estudados pela Geografia no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Embora cada unidade escolar e cada professor possam propor os seus, a depender das necessidades e problemáticas que julgarem relevantes abordar, aqueles selecionados devem tratar da presença e do papel da natureza e sua relação com a vida das pessoas (seja em sociedade, coletiva ou individualmente) na construção do espaço geográfico. Seguem sugestões de eixos temáticos que podem ser estudados de modo amplo, pois se configuram como sugestões e não devem ser compreendidas como uma sequência de assuntos a serem aprendidos, ou ainda como eixos isolados. O professor pode, por exemplo, trabalhar com um ou mais eixos na elaboração de sua programação de curso. Para o terceiro ciclo estão sendo propostos quatro eixos temáticos:

Eixo 1: a geografia como uma possibilidade de leitura e compreensão do mundo

Este eixo temático representa uma abertura para que o professor possa se colocar não somente como um profissional no ensino de Geografia, mas também como educador.

Muitas são as possibilidades de temas e itens de conteúdos que poderão se desdobrar a partir deste eixo. No entanto, não é recomendável começar a apresentar um conjunto de informações soltas e desconectadas de uma preocupação metodológica. O aprendizado desse método poderá ser percebido naturalmente pelo aluno, por meio dos temas e conteúdos. Será, sem dúvida alguma, necessário que o aluno se familiarize com as novas terminologias e categorias analíticas. Para isso o professor poderá se comportar didaticamente, valorizando a realidade concreta do aluno. Para começar a trabalhar espaço, território, paisagem e lugar como categorias imprescindíveis para a explicação e compreensão na análise geográfica, deverá instigar o aluno a querer saber como o olhar geográfico poderá contribuir para ajudar a desvendar a natureza dos lugares e do mundo como hábitat do homem.

Não se trata, no entanto, de dar aulas sobre o que é Geografia. Compreender o espaço coloca-se como condição necessária para orientar as ações do aluno como pessoa e cidadão em relação ao seu comportamento de vida na rua, na cidade ou no mundo. Isso pode se traduzir desde a simples escolha de um roteiro turístico, de um bairro, de uma cidade, de um país para morar. Trata-se de ações que, em regra, pressupõem algum conhecimento prévio dessa realidade com a qual irão interagir, até a compreensão do porquê os países, as regiões, as cidades guardam em si processos tão desiguais de desenvolvimento.

Fala-se muito da violência e do crescimento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Uma Geografia da violência e da criminalidade urbanas, mapeando os níveis de ocorrências e procurando relacioná-las com as condições de como se vive localmente, poderá oferecer condições para que não somente se conheçam os bairros mais ou menos violentos, mas também ajudar a compreender a especificidade de algumas formas de violência e de criminalidade. As áreas centrais de grandes cidades brasileiras, os bairros de classe média e as periferias quase sempre guardam significativas diferenças, que têm muito a ver com a natureza das diferentes espacialidades.

Não seria nunca demais lembrar que o aluno, nesse período da vida, começa a entrar mais em contato com a realidade dos temas ambientais que emergem pela mídia. Nesse sentido, a Geografia é uma das áreas mais privilegiadas para ajudar na explicação e compreensão desses fenômenos. Isso tanto pela natureza do seu objeto de estudo e ensino (as interações entre sociedade e natureza, como pelo fato de estar sempre comprometida com a especificidade dos fenômenos em relação à sua localização. Para o aluno não adianta dizer o que foi, mas onde e por que foi num determinado local e não em outro.

Outros temas emergentes poderiam surgir no campo de interesse do aluno, quase sempre colocados pela mídia. Entre eles, os dos grandes conflitos políticos e sociais. As guerras separatistas na luta pela redefinição de fronteiras territoriais e soberanias ou autonomias nacionais. Dificilmente o aluno poderia ter uma compreensão exata sobre o assunto sem a explicação sobre o processo de construção desses territórios ao longo da História, como seus diferentes povos se apropriaram deles para definir a configuração das fronteiras em conflito. Mais uma vez a Geografia e a História interagem como condição necessária para que o aluno tenha uma visão crítica dos conflitos e se posicione em relação a eles.

Muitos outros temas poderiam ser colocados em razão da realidade em que vivem os alunos e de seu contato crescente com as mais variadas formas como a mídia se apresenta.

A Geografia, como ciência das interações entre uma multiplicidade de fenômenos naturais e sociais, para não cair nas generalizações localizadas, poderá ter do professor cuidados metodológicos no tratamento das formas de explicações. Nunca perder de vista que é na construção do espaço como resultado dessas interações que deverá colocar seus objetivos.

Assim como, nem antes nem depois, mas durante essa explicação, colaborar com o aluno para que ele e as outras pessoas compreendam como interagem de forma ativa e dinâmica nessa construção.

A seguir estão propostos os temas que poderiam ser parâmetros para estudo deste eixo.

A construção do espaço: os territórios e os lugares (o tempo da sociedade e o tempo da natureza)

Este tema poderá ser desdobrado em diferentes itens e conteúdos que permitam ao professor trabalhar os conhecimentos que levam a compreender como ocorre o processo de estruturação do território e dos lugares.

Entre esses itens e conteúdos poderiam ser trabalhados aqueles referentes à divisão social e territorial do trabalho, ou seja, como desenvolver as forças produtivas e as relações sociais de produção. A partir da organização do trabalho social, levar o aluno a compreender como a sociedade se apropria da natureza. Isso significa que poderá contemplar conteúdos que analisem o desenvolvimento intrínseco do trabalho no processo histórico, como também a dinâmica das leis que regulam os fenômenos da natureza.

Ao tratar temas e conteúdos sobre as diferentes maneiras como o trabalho social interage com a natureza, o professor poderá resguardar em sua abordagem as especificidades de um e de outro. Significa que didaticamente poderá ser abordado em suas especificidades, mas nunca perder de vista que esse território é produto da interação desses dois níveis de sua realidade, e que as análises específicas deverão sempre resgatar a unidade desse espaço como resultado daquela interação.

Sempre que tratar dos mecanismos do clima, da vegetação, dos solos e do relevo, deverá estar comprometido com uma visão metodológica do significado de todos esses processos naturais, com suas leis específicas, com suas diferentes formas de apropriação pela sociedade.

Ao trabalhar teoricamente com essas duas instâncias que explicam a natureza do espaço, é preciso ter o cuidado metodológico de deixar explícitas na análise desses conteúdos as diferentes escalas temporais que caracterizam a evolução dos seus fenômenos. Que os ritmos, duração e regularidades dos fenômenos naturais são definidos por leis que independem do trabalho humano, enquanto os da sociedade, pela intencionalidade das ações sociais no processo cuja temporalidade é chamada de tempo histórico.

Porém, quando se tratar de relacionar os temas e conteúdos dos fenômenos naturais e sociais e analisá-los, deve-se sempre ter o cuidado de relativizar essas temporalidades.

Para explicar o papel do clima na construção do espaço geográfico, deve-se sempre lembrar que existem fenômenos que ocorrem em períodos de curta ou longa duração. Por exemplo, a distribuição dos fenômenos de precipitação atmosférica, como chuva, neve, geada, que se sucedem com as estações do ano. E aqueles de longa duração, como as grandes mudanças climáticas, com a mudança de climas úmidos para secos ou vice-versa.

O mesmo acontece com os fenômenos socioculturais. Na evolução histórica e da cultura da humanidade é possível também identificar processos de curta e de longa duração.

Exemplo: ao explicar a construção do espaço das cidades, observar que, no processo histórico,

levaram centenas de anos para se consolidar. Porém, ao mesmo tempo, observar que, no interior das cidades, existem fenômenos acontecendo, como aberturas de novas ruas, demolição e reconstrução de edifícios, que podem durar meses ou dias.

Também existem cidades previamente projetadas que levaram poucos anos para serem edificadas e consolidadas como importantes centros urbanos. É o caso de Brasília, que levou apenas cinco anos para ser construída.

Ao abordar o conceito de tempo de curta ou longa duração, tanto para os fenômenos da natureza como para os da sociedade, deve-se ter a clareza de que em um ou outro caso guardam escalas diferentes de temporalidade. Quando se trabalharem conteúdos para explicar a construção e o funcionamento do espaço do campo e da cidade, deve-se analisar com um certo cuidado a especificidade desses espaços. Em cada um deles a interação entre o tempo social e o natural ocorre em escalas diferentes. O tempo da natureza define mais claramente o ritmo de trabalho no campo, enquanto na cidade ele se apresenta de forma menos acentuada.

A conquista do lugar como conquista da cidadania

A preocupação em colocar o lugar como eixo temático e como categoria analítica está relacionada tanto às oportunidades que oferece para o estudo do cotidiano do aluno como à possibilidade de pensar sobre a Geografia no interior das novas correntes de pensamento.

Vidal de La Blache definiu a Geografia como a ciência dos lugares, e não dos homens. Sua fundamentação teórica baseava-se nos postulados do positivismo. Para ele, o lugar se confundia com o próprio conceito de gênero de vida. Tanto o conceito de lugar como o de gênero de vida resultariam das possibilidades de adaptações oferecidas pela história com o meio natural. A identidade desses lugares resultaria, portanto, do produto dessas adaptações.

Porém, nessa abordagem, a identidade era vista como uma propriedade objetiva dos lugares. Nesse conceito não se levavam em consideração as construções do imaginário, somente as formas de produção da cultura material, como as técnicas, a organização da produção e do consumo e os comportamentos emergentes em relação às instituições e sua vida material.

Sem dúvida alguma, essa forma de abordagem pode oferecer grandes contribuições para a caracterização dos lugares como dimensões do espaço geográfico. A crítica das novas correntes teóricas, fundamentadas nos pressupostos da fenomenologia, é a de que ela não considera que os homens interagem entre si não somente pela mediação da cultura material, mas também pelas representações que constituem o seu imaginário social.

Enriquecida essa forma de pensar sobre a idéia de lugar, o professor poderá trabalhar o cotidiano do aluno com toda a carga de afetividade e do seu imaginário, que nasce com a vivência dos lugares. A nova abordagem poderá ajudar o aluno a pensar a construção do espaço geográfico não somente como resultado de forças econômicas e materiais, mas também pela força desse imaginário. Temas relacionados com a produção e o consumo dos espaços no campo ou na cidade e dos movimentos migratórios poderão abrir perspectivas de estudos entre o espaço e o conceito de cidadania, dentro de uma nova versão geográfica.

Ao construírem os seus lugares, os homens constroem, também, representações sobre eles. Seu nível de permanência na vivência com as coisas, nas relações com as pessoas, vai definindo sua aderência a esses lugares. Por isso as migrações significam rupturas que muitas vezes deixam traumas. Esse fato pode ser muitas vezes agravado pela dificuldade de inserção nos novos lugares. Quando se migra, leva-se o imaginário do lugar de origem.

Com o seu trabalho, os homens constroem estradas, edifícios, campos cultivados, redes de esgotos, áreas de lazer, escolas, hospitais, teatros, mas nem sempre se apropriam deles. Embelezam os espaços públicos com as obras que constroem e povoam seu imaginário. Porém, são em grande parte excluídos deles.

É possível ampliar as possibilidades de compreensão do aluno sobre o conceito de cidadania dessa forma. Ampliar sua compreensão, ajudando-o a construir uma idéia mais ampla sobre esse conceito. Mostrar que a cidadania não se restringe somente ao campo do Direito. O professor poderá desdobrar esse grande eixo temático em outros temas que levantem questões como: a cidadania como a possibilidade de permanência e de integração no lugar de origem, ou de destino; transportes, analisando o drama dos deslocamentos das massas de trabalhadores, que residem em lugares cada vez mais distantes do trabalho. O professor poderá trabalhar o conceito de cidadania como a possibilidade efetivamente garantida de ter uma moradia e transportes adequados às imposições que o sistema estabelece, principalmente nas grandes áreas metropolitanas.

Eixo 2: o estudo da natureza e sua importância para o homem

Durante muito tempo a natureza se apresentou de forma mágica no processo da evolução cultural do homem. Esse fato explica, em grande parte, por que se estabeleceram certas divindades como desencadeadoras dos fenômenos naturais. O regime dos rios, o mecanismo da chuva, a germinação das sementes e a reprodução humana e animal eram sempre explicados pela intervenção das divindades.

O avanço do conhecimento científico não somente veio contribuir para a explicação racional desses fenômenos, como também permitiu, em grande parte, interferir neles, permitindo a sua apropriação pelos diferentes grupos sociais. Assim, torna-se importante para o aprendizado que o aluno possa construir raciocínios lógicos sobre as leis que regulam o universo dos fenômenos naturais, reconhecendo a relevância desse conhecimento tanto para a continuidade do avanço das ciências da natureza como para a sua vida prática.

Dentro dos limites do campo cognitivo do aluno deste ciclo, quando ele já se familiariza com raciocínios mais abstratos e complexos, é possível discutir os mecanismos climáticos, por exemplo, das massas de ar, as variações diárias de tipos de tempos atmosféricos. Ensinar como ocorrem e explorar a sua percepção empírica sobre a sucessão dos tipos de climas do lugar onde vive. A partir desses conhecimentos, discutir que muitos ditos populares sobre o tempo atmosférico são desprovidos de verdade. Outros, no entanto, revelam um tipo de observação empírica acumulada culturalmente que permite previsões em pequena escala. É possível trabalhar o tempo e o clima pela observação atenta dessa sucessão, mostrando que ela poderá garantir uma relativa previsibilidade. Assim, também garantir o reconhecimento da sucessão habitual das estações do ano como uma necessidade para a sociedade se organizar, tanto no plano da produção econômica como na vida prática do seu cotidiano. É importante que o professor explique e discuta com os alunos a ocorrência de certos fenômenos naturais dos climas de conseqüências catastróficas, como furacões,

tempestades, tornados, que provocam grandes inundações, fortes nevascas, paralisando cidades. Nessas explicações, o aluno poderá ser levado à compreensão de que não se deve atribuir nenhuma culpa à natureza, mas à decorrência histórica de uma forma de escolha que a sociedade fez quando se estabeleceu nessas localidades.

À medida que o aluno compreende as leis que regulam a dinâmica do tempo atmosférico, a sucessão das estações do ano e dos climas, estará, também, em condições de compreender suas relações com as diferentes paisagens vegetais e a zonalidade dos tipos de solos, assim como a organização das bacias hidrográficas e o regime dos seus rios.

São inúmeros os recursos didáticos de que o professor poderá lançar mão para motivar o aluno nesses estudos. Os desertos, os domínios polares, as florestas tropicais, assim como a relação da fauna com o mosaico vegetacional das paisagens e seus ecossistemas despertam no aluno uma enorme gama de interesses. Colocá-lo em uma situação de descoberta desses grandes ecossistemas e de seu funcionamento permite criar as condições subjetivas para que ele possa compreender os processos que regulam suas leis e sua importância para a vida sobre a Terra. Cabe ao professor não perder de vista a necessidade de associar esses grandes ecossistemas às formas de organização social que se estruturam no seu interior, a exemplo da vida dos beduínos, dos tuaregues nos desertos, dos esquimós na região do Pólo Norte, dos povos da floresta no interior da Amazônia. Também a construção das grandes centrais hidrelétricas estimula a imaginação do aluno e permite mais facilmente explicar a dinâmica dos regimes fluviais e sua importância para a vida humana. Ao mesmo tempo, o assunto poderá ser associado ao processo da irrigação dos solos para a prática agrícola, potencializando a utilização dos solos como fonte de riqueza para o homem.

Muitos são os fenômenos naturais que despertam interesse e curiosidade dos alunos pelos processos e tempos da natureza. O estudo do vulcanismo, dos terremotos, com suas consequências muitas vezes catastróficas para a sociedade, poderá ser explorado como detonador de uma discussão dos processos que originaram as diferentes formas do relevo.

Quase sempre esses fenômenos de grande impacto são a maneira mais favorável de introduzir temáticas da natureza. É essencial que o professor possa fazê-los compreender que existem leis naturais que regulam esses fenômenos. Ele pode explicar alguns desses fenômenos que ficaram marcados na História, a exemplo do ocorrido em Pompéia e Herculano, na Itália da Antiguidade. Pode relativizar com eventos atuais, como a cidade de São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos, situada em uma linha de falha tectônica, que a coloca em permanente risco de uma catástrofe. Ao mesmo tempo, poderá explicar o desenvolvimento das tecnologias criadas pelo homem para precaver-se dos riscos que podem acarretar, principalmente quando ocorrem em áreas densamente urbanizadas.

A seguir estão propostos os temas que poderiam ser parâmetros para estudo deste eixo.

Os fenômenos naturais, sua regularidade e possibilidade de previsão pelo homem

A natureza tem seus mecanismos e leis que podem ser estudados em sua regularidade e tempos próprios. O estudo do funcionamento da natureza pode ser encaminhado a partir de problematizações de fatos da atualidade, contextualizados a partir do cotidiano do aluno.

Sugere-se que o professor proponha os itens considerando a possibilidade de trabalhar os componentes da natureza, sem fragmentá-los, ou seja, apresentando-os de forma que mostre que na natureza esses componentes são interativos. Assim, ao estudar os solos, os climas, a vegetação entre outros, o professor pode propor itens que mostrem essa interação. Isso não quer dizer que não se deva aprofundar os processos específicos que levam o aluno a compreender como funciona o clima, ou como os solos se originam.

É fundamental tratar os componentes da natureza nas suas especificidades, mas sem perder de vista que muitos dos seus mecanismos são interativos. Por exemplo, é fundamental relacionar o clima e a vegetação, os solos e o relevo, ou ainda como clima, solos e relevo se interrelacionam. Isso pode ser proposto por meio de estudos de caso, de temas de relevância local a partir da realidade dos alunos. Essa é também uma das oportunidades de transversalizar com os temas de ambiente, saúde, pluralidade cultural, e mesmo com ciências em que coincidem muitos dos conteúdos a serem desenvolvidos quando se trata do estudo da natureza. Aqui poderá ocorrer uma enorme colaboração entre áreas, uma vez que cada uma poderá expressar qual é o seu olhar específico sobre os mesmos

fatos. Por exemplo: ao se estudar uma enchente numa cidade, pode-se ressaltar o papel de cada componente da natureza no processo que tornou a cidade alvo de enchentes.

Como em Geografia os fatos e fenômenos da natureza são estudados por meio de sua relação com os diferentes modos de apropriação dos grupos sociais, pode-se ampliar muito o conhecimento, discutindo os processos da natureza e suas relações com a vida das pessoas. Portanto, é muito importante mostrar nos estudos de Geografia da natureza como ela acontece independentemente das ações de uma sociedade, ao mesmo tempo que se pode discutir como ela vem sendo modificada pelas alterações ambientais produzidas pelas diferentes sociedades. No estudo da enchente tomado aqui como exemplo, é fundamental discutir o significado do sítio urbano e suas relações com a maneira como a cidade aconteceu e se instalou num determinado suporte da natureza.

Em relação ao modo como a natureza acontece, seus ritmos e tempos, é importante também trabalhar o modo como se pode manejar o ambiente e de certo modo prever consequências de determinados tipos de ocupação. Uma cidade que foi implantada na várzea de um rio certamente está sujeita às suas inundações. Em outro exemplo, é o estudo dos solos onde determinados tipos de solos reagem aos modos de ocupação. Nas cidades os assentamentos populacionais com construções de moradias nas áreas de risco são formas de estudar a relação entre o sítio urbano e a vida das pessoas. Nesse tipo de estudo cabe correlacionar a formação dos solos, o relevo e o que eles representam para as diferentes sociedades.

Sugere-se privilegiar o estudo do Brasil de modo que se conheça a diversidade de paisagens brasileiras quanto a sua natureza, como funcionam e se combinam os diferentes componentes que dela fazem parte.

A natureza e as questões socioambientais

Este tema permite ao professor trabalhar com uma grande diversidade de conteúdos da atualidade, interrelacionando os processos da natureza com as problemáticas colocadas para a sociedade do terceiro milênio. Aqui há uma grande abertura para criação de projetos temáticos, tais como: qual será o destino das florestas tropicais, quais questões estão em pauta em relação ao que a floresta é, e como ela vem sendo utilizada.

Pode-se sugerir um trabalho com a sociodiversidade e com o modo como diferentes segmentos sociais convivem com as florestas tropicais. A questão das queimadas, das reservas extrativistas, da sustentabilidade da floresta, dos povos indígenas e seu modo próprio de se relacionar com as florestas são itens que podem ser propostos para esse tema. Saindo do cenário da floresta, as questões do modo de vida urbano, do consumo e do desperdício de energia, o lixo, o saneamento são outras questões que podem ser propostas para este tema.

Da cidade para o campo, pode-se estudar como o ambiente vem sendo afetado pelos diferentes modos de produzir no campo. Mostrar e relativizar o grau de interferência ambiental da Revolução Verde, e de outras formas mais adequadas de agricultura. De forma introdutória pode-se discutir quais são os problemas ambientais que a sociedade brasileira enfrenta e quais aqueles que podem ser identificados, estudados e compreendidos a partir da realidade do aluno. Aqui pode-se introduzir a discussão sobre a participação dos jovens na discussão e defesa do ambiente, qual o significado disso na melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Eixo 3: o campo e a cidade como formações socioespaciais

A abordagem do tema campo e cidade deverá ser realizada como parte integrante de uma realidade historicamente definida pela divisão técnica e social do trabalho.

Desde o neolítico até os dias atuais as configurações territoriais campo e cidade vêm sendo definidas. Para compreender essas configurações é necessário que o professor procure trabalhar com a categoria formação socioespacial, pois ela guarda em si a possibilidade de uma explicação em que História e Geografia estarão naturalmente facilitando a compreensão do aluno a respeito da interdependência entre essas duas formas de saber e o conhecimento do mundo.

O conceito de formação socioespacial é uma categoria analítica que amplia a compreensão do fato de que o espaço, como território e lugar, guarda uma historicidade intrínseca em todas as suas transformações. Com essa categoria é possível compreender e ensinar aos alunos que qualquer paisagem urbana ou rural guarda em si, na forma como está representada, heranças de um passado mais próximo ou distante.

Ao trabalhar temas que se desdobram desse eixo, como as relações tradicionais no campo e o processo de modernização, se estará inevitavelmente trabalhando com as idéias do novo e do antigo e os possíveis conflitos existentes em seus ajustamentos históricos. A sobrevivência de formas tradicionais de trabalho e de convívio com a natureza, expressas pelas relações do pequeno produtor agrícola com suas técnicas e formas de comercialização, ou a sobrevivência dos povos indígenas no interior das florestas, coexistem dentro de uma relação dialética com os grandes sistemas socioeconômicos e políticos em que estão inseridos.

É importante lembrar que essas diferentes relações com a propriedade, com a natureza e com o trabalho não estão colocadas lado a lado de forma estanque, mas interagem.

Pequenos produtores e comunidades indígenas cada vez mais perdem a possibilidade de se determinarem no interior dos grandes sistemas. Pode-se pensar e explicar para os alunos que nas cidades ainda se reproduzem relações de trabalho e de mercado em que o novo e o antigo interagem. As feiras públicas, heranças do passado, convivem com os elegantes e abarrotados hipermercados. Formas artesanais de produção em fábricas domésticas, lembrando o período medieval, coexistem nas cidades com poderosas e automatizadas indústrias modernas.

Nas cidades ainda encontramos relações sociais de trabalho que lembram o trabalho servil de épocas feudais, em que os trabalhadores não têm nenhuma garantia contratual amparada pela lei, coexistindo com relações contratuais amparadas por sindicatos.

Todas essas desigualdades não podem ser explicadas ou compreendidas como produto de forças naturais, mas sim como produtos históricos que vão deixando suas impressões nas paisagens da cidade. Espaços sofisticados como formas de morar e de comprar (como os elegantes shopping centers, cercados com freqüência por bairros residenciais de elite) se reproduzem para atender classes sociais representando os setores dominantes das finanças, da indústria, do comércio, dos trabalhadores terciários de elevada remuneração, dos artistas famosos, atletas de valor milionário etc.

Ao mesmo tempo vão se reproduzindo as favelas, os cortiços, os bairros de autoconstrução, os mercadinhos de porta de garagem, abrigando empregados, desempregados, ambulantes e marreteiros, domésticas, quase todos trabalhadores não incorporados pelos setores modernos do sistema, mas que garantem, ainda, com seu trabalho, o funcionamento desse sistema, por mais contraditório que possa parecer.

O conceito de formação socioespacial não somente permite abordar a coexistência de realidades desiguais se reproduzindo historicamente no interior das duas grandes paisagens, como também cria condições de explicação e compreensão de como elas mesmas vêm interagindo historicamente.

As grandes cidades representam o centro de comando político, econômico e financeiro no mundo, principalmente nos sistemas capitalistas. Neles se produzem as tecnologias de ponta, estão concentrados os grandes mercadores e consumidores demandando insumos e alimentos. É nela, ainda, que estão localizados os centros de decisões que definem o que produzir no campo e na cidade.

As grandes transformações ocorridas no campo não aconteceram para atender somente às suas próprias necessidades, e tampouco os excedentes financeiros nele se acumularam, mas fundamentalmente nos grandes bancos das cidades. Cada vez mais o que produzir, como produzir, para quem produzir no campo é definido por esses centros de decisão.

A mídia, com suas sofisticadas técnicas de marketing localizadas nos grandes centros urbanos, cada vez mais penetra pelas antenas parabólicas, pelo computador e pelos automóveis no cotidiano de algumas áreas da vida do campo. Imaginários urbanos são criados nesses lugares. Não será estranho encontrar em áreas produtoras de laranja uma população rural consumindo esse produto em forma de sucos industrializados, enlatados em belas embalagens. O ritmo do lazer no cotidiano dessas pessoas cada vez mais é difundido pelos horários dos programas de televisão das cidades e menos pelas atividades bucólicas da vida no campo. Ou então por visitas nos finais de semana aos sofisticados shopping centers das cidades. Fato que pode ser comprovado pela afluência de automóveis provenientes de municípios do interior nos pátios de estacionamento desses

estabelecimentos.

Outro tema que poderá ser abordado, e que está intrinsecamente inserido na explicação e compreensão de uma formação socioespacial, é o do papel do Estado nessas transformações. Sua análise permitirá desenvolver como as diferentes classes sociais estão representadas no poder político e o nível de poder que cada uma delas tem nas decisões de vida em sociedade.

Como o Estado intervém nas políticas públicas em relação às transformações que ocorrem no campo e na cidade? Essa intervenção abrange desde questões como a da reforma agrária na solução do problema dos sem-terra, até aquelas referentes a questões da renovação urbana, moradia, transporte, saneamento. Até políticas em relação à questão do desemprego e da legislação de proteção ao trabalho que afetam diretamente as populações do campo e da cidade.

A formação socioespacial como conceito e categoria analítica não exclui a de espaço geográfico, ao contrário, amplia e favorece sua operacionalização. É a História que se coloca junto à Geografia para ajudar o aluno a explicar, compreender e construir suas idéias sobre a dinâmica das transformações desse espaço que é impregnado de diferentes temporalidades.

A seguir estão propostos os temas que poderiam ser parâmetros para estudo deste eixo:

O espaço como acumulação de tempos desiguais

Para iniciar a abordagem deste tema o professor poderá invocar a observação de uma paisagem do campo ou da cidade, mostrando ao aluno que, muitas vezes, coisas, objetos que formam essa paisagem guardam em si a memória de tempos diferentes, coexistindo e interagindo com esse espaço, explicando a esse aluno que a construção do território tem historicidade no interior de um processo dialético em permanente mudança temporal, em que tempo e espaço estarão buscando constantemente sua superação. Porém, fazer com que o aluno compreenda que, nesse processo, o novo e o antigo acabam coexistindo, não somente na paisagem, como também nas relações sociais. Mais do que coexistência, eles interagem dialeticamente na produção e na reprodução da realidade. Portanto, não são sobrevivências estáticas de uma realidade dual, coisas e relações que se colocam

mecanicamente lado a lado. Por exemplo, ao observar uma paisagem e nela encontrar uma vila operária no Brasil do início do século XX, vê-se a memória de uma concepção de relações entre empresa e trabalhadores que poderá ter desaparecido, como relações do passado. Mas os edifícios permanecem, porém com novas funções.

Assim, também, é possível encontrar outros exemplos ao estudar as relações sociais de trabalho no campo. Relações de outras épocas, como a de parceria, ou a do trabalho cooperativo das populações tradicionais podem coexistir com as modernas relações capitalistas de produção no campo fundamentadas nas relações contratuais e assalariadas de trabalho.

Dessa forma, os alunos poderão compreender que as análises e os estudos geográficos do espaço se realizam numa perspectiva dialética de tempo e espaço, em que o antigo e o novo interagem no processo da mudança.

A modernização capitalista e a redefinição nas relações entre o campo e a cidade

Este tema sugere a reflexão sobre como as estruturas sociais e as configurações territoriais tanto do campo quanto das cidades guardam em si sobrevivências do passado que ainda estão se reproduzindo nos dias de hoje, e que as transformações geradas pelo capitalismo no Brasil no processo de transição do modo de produção agroexportador para o urbano-industrial não garantiram a plena transformação daquelas estruturas e configurações territoriais. Fazer os alunos compreenderem que, ao lado de um Brasil agrário com grandes lavouras monocultoras praticadas com métodos científicos de plantio, trato e colheita, perdura um Brasil arcaico do latifúndio e do trabalho servil. Esse Brasil arcaico que reproduz outras relações de produção ainda garante a reprodução da acumulação capitalista. Isso significa dizer que não se coloca a idéia de um Brasil arcaico que se contrapõe a um Brasil moderno., mas que existe uma reciprocidade dialética entre ambos.

Ao mesmo tempo refletir que, com as lavouras de exportação subsidiadas por grandes financiamentos que garantem a entrada de divisas para o país, coexistem as pequenas e médias propriedades, em sua quase totalidade desprovidas de auxílios financeiros, mas que respondem pela maior parte do abastecimento das cidades. Isso significa dizer que, paralelamente à modernização de muitos segmentos empresariais no campo, continuou se reproduzindo o drama dos posseiros, parceiros, pequenos proprietários e arrendatários.

Essa modernização significou, também, numa dialética perversa, a expulsão dos trabalhadores da terra e o crescimento de uma multidão dos sem-terra e sem-trabalho, visto que essa modernização trouxe consigo a mecanização e automação do trabalho no campo.

É importante que o professor reflita e critique com seus alunos a crença de que as tecnologias importadas e suas conseqüentes inovações sejam capazes por si só de gerar os impactos necessários para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Fazer com que os alunos percebam que essas tecnologias e seus benefícios se voltaram para os grandes empreendedores do campo que por sua vez passaram a ter seus interesses atrelados às empresas multinacionais em sua grande maioria voltadas para produtos de exportação, inclusive para beneficiar os avanços tecnológicos nos setores secundários e terciários das grandes cidades.

É inegável o reconhecimento de que a grande industrialização e urbanização nas metrópoles brasileiras sensibilizou os grandes empresários das cidades para a necessidade de reformas no campo. Isso porque o crescimento demográfico nas cidades passou a demandar um crescimento na oferta de alimentos acompanhada da queda dos preços. Para os empresários urbanos essas reformas se faziam necessárias, pois a política de contenção salarial para não acirrar os conflitos junto à classe trabalhadora da cidade dependia de um aumento na eficiência nesse abastecimento. A presença de várias instituições representativas das classes empresariais, bancos, multinacionais, órgãos de classe, como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), reivindicando do governo essas reformas, está ligada a essa estratégia de política salarial. A sala de aula poderá ser um local de críticas e debates. Nesse sentido acredita-se que o professor estará sempre aberto, saindo da explicação simplista e maniqueísta quando estiver debatendo com seus alunos temas sobre os conflitos entre o capital e o trabalho.

Fazer com que os alunos compreendam que a modernização capitalista no Brasil, onde o campo e a cidade foram se inserindo nas novas relações de trabalho, buscando maior eficiência e produtividade, foram os setores hegemônicos das cidades, aliados aos segmentos empresariais do campo, que passaram a ser os maiores beneficiados. Que essa aliança entre os setores hegemônicos do capitalismo no Brasil por sua vez acabou reproduzindo e acentuando as contradições no campo e na cidade. Que o crescimento dos segmentos sociais dos sem-terra e sem-trabalho no campo associou-se aos sem-trabalho e sem-teto nas cidades. Ambos tendo sua origem no processo de concentração do capital e nas inovações tecnológicas importadas empreendidas pelo processo de modernização. Uma modernização que veio se acentuando muito mais para responder aos interesses do grande capital nacional e multinacional com seus centros de gestão e de interesses nas grandes

metrópoles e comprometidas com os setores hegemônicos do capitalismo. Que, por mais que a modernização ocorra em alguns setores empresariais do campo, será sem dúvida ao secundário e terciário de ponta nesse período técnico-científico que os grandes investimentos serão destinados, aumentando provavelmente o número de excluídos do campo e das cidades.

O papel do Estado e das classes sociais e a sociedade urbano-industrial brasileira

Uma breve análise das transformações históricas pelas quais vêm passando as relações entre o Estado e as classes sociais no Brasil permitirá ao professor e a seus alunos tomar como referência as seguintes conclusões.

Tanto no período colonial como no império a consolidação das oligarquias agrárias representaram o centro do poder. Primeiramente as oligarquias da cana-de-açúcar no Nordeste, posteriormente a do café no Sudeste, chegando até os anos da Velha República.

A fragilidade e a pouca expressividade de uma classe média urbana e o predomínio das relações servis de trabalho no campo garantiam às oligarquias uma plena manipulação da organização política voltada para seus interesses. Para que o aluno possa compreender e explicar as mudanças que ocorreram no poder político do Estado é necessário analisar as mudanças que ocorreram no processo de industrialização e urbanização do país.

Com o processo de industrialização e urbanização que se verificou a partir dos anos 30, em várias capitais do Brasil, e o conseqüente surgimento de uma burguesia e um proletariado industrial, o cenário político mudou. Essas novas classes sociais passaram a se organizar e contestar a hegemonia das oligarquias rurais no poder. Porém, foi somente a partir dos anos 50, quando o crescimento econômico brasileiro, fundamentado num processo de forte industrialização e urbanização das metrópoles aliado aos capitais multinacionais que ocorreu a ruptura entre a sociedade agroexportadora que se havia implantado até então, para dar lugar à nova sociedade urbano-industrial. Isso, porém, não significou o alijamento do poder das antigas oligarquias, mas a composição de novas alianças entre os representantes do poder no campo com os da cidade. O professor, quando tratar das mudanças, pode considerar que, de uma forma ou outra, a sociedade acaba reproduzindo antigas relações e que estas guardam quase sempre alguma relação com as situações anteriores.

As conquistas das classes trabalhadoras desde a implantação da República sempre tiveram de enfrentar as alianças realizadas no interior das classes dominantes. O direito ao voto, à organização sindical, continuou a ter de enfrentar, no campo e na cidade, as manipulações que se faziam para barrar as transformações mais profundas das estruturas sociais em benefício da classe trabalhadora.

A nova sociedade industrial e as novas alianças campo/cidade acabaram significando também o deslocamento do centro hegemônico de poder para o Sudeste. Foi nessa região que a industrialização mais se concentrou e o campo passou a sofrer um acentuado processo de modernização capitalista. A emergência de um forte proletariado urbano e de uma classe operária nos anos 60 cada vez mais organizada e politizada e a penetração das relações capitalistas no campo, fortalecendo o surgimento de uma classe de assalariados, levaram ao acirramento das contradições no processo de modernização, passando a questionar as relações de poder das classes sociais dominantes e seu papel na organização política do Estado. Vale lembrar, também, as ligas camponesas que emergiram no Nordeste, nos anos 50, contestando a proletarização e exclusão dos trabalhadores no campo.

O regime militar que se implantou a partir de 1964 foi a resposta autoritária do Estado legitimado pela cumplicidade da burguesia urbana, e de oligarquias agrárias do país, às reformas pretendidas pelos trabalhadores. Esse regime, alijando qualquer representação política da classe trabalhadora no poder, passou a realizar profundas reformas de caráter conservador. Foi o período do milagre brasileiro. Nem sempre é fácil para o professor analisar e estabelecer suas críticas sobre a natureza e a política que orientou a ocorrência desse .milagre.. Porém, é necessário que se reconheçam as profundas transformações que

ocorrem com a economia brasileira, mesmo quando sabemos dos sacrifícios que significaram

para o trabalhador brasileiro.

Essa .modernização conservadora. foi realizada à custa de um grande endividamento com a entrada maciça de capitais e tecnologias estrangeiras. O estímulo às exportações foi a estratégia para compensar esse grande endividamento externo e interno gerado pelos investimentos como: centrais hidrelétricas, usinas nucleares, infra-estrutura urbana, principalmente aquelas ligadas aos sistemas viários urbanos, subsídios às usinas produtoras de álcool (Programa Proálcool) para a produção de combustível para automóveis. Todas essas transformações foram acompanhadas pela forte presença do Estado brasileiro como investidor, por um grande arrocho salarial e repressão policial contra as reinvindicações da classe trabalhadora. Foi durante o regime militar que a Amazônia foi aberta às grandes empresas nacionais e multinacionais e que de forma predatória passaram a realizar os grandes projetos de exploração florestal e mineral da região.

O colapso desse modelo de crescimento econômico, a partir dos anos 70 levado pelo aguçamento das contradições internas do sistema, foi agravado pela crise na conjuntura internacional que capitalismo passou a viver com a crise do petróleo, principalmente a de 1973, com o embargo do petróleo pelos países árabes e com o crescimento dos juros internacionais agravando mais ainda a dívida externa do Brasil.

O conjunto de contradições intrínsecas a esse modelo autoritário adotado pelo Estado brasileiro tornou-se importante diante das novas investidas que começaram a emergir por parte das classes operárias das cidades, assim como dos trabalhadores do campo. Em São Paulo, centro nevrálgico do novo capitalismo, surgiram movimentos de contestação ao regime.

Foi na região do ABC paulista, que apresentava a maior concentração industrial do país e onde a classe trabalhadora operária havia atingido um alto nível de organização, que esses movimentos começaram a ocorrer, alastrando-se por todo o Brasil. A década de 70 foi marcada por uma sucessão de manifestações de protesto, o que acabou conferindo a essa região o título de República do ABC. Talvez aqui esteja a oportunidade de o professor demonstrar para seus alunos o significado da espacialidade como categoria geográfica de,estudo: mostrar aos alunos as especificidades do ABC como lugar que garantiu a emergência daquelas manifestações políticas por parte dos trabalhadores metalúrgicos.

As insatisfações da classe trabalhadora e a frustração da classe média, a cujos anseios o regime não deu continuidade, acabaram por ocasionar, nos anos 80, o desmoronamento desse modelo autoritário de acumulação capitalista no Brasil. Mais recentemente, os movimentos dos sem-terra surgidos no Sul e Sudeste do país, onde as contradições da modernização conservadora revelaram-se de forma mais evidente, levam a pensar no impasse em que o Estado brasileiro se vê mergulhado. A orientação do professor nesse momento será de grande valia para que o aluno compreenda a idéia de impasse como resultado de um processo de contradições nascido das ações políticas das classes dirigentes e passíveis de soluções desde que a sociedade, principalmente a classe trabalhadora, tenha consciência da sua importância nas decisões políticas do Estado.

O processo de democratização pelo qual o Brasil passou após a queda do regime militar nos anos 80 não garantiu ainda a realização de uma verdadeira reforma agrária, soluções para o problema de moradia e de desemprego.

O processo de globalização e as políticas neoliberais que o Estado brasileiro vem adotando, em consonância com as tendências mundiais do capitalismo, dificilmente poderão criar uma sociedade justa e verdadeiramente democrática. Isso porque há livre concorrência em um país onde o jogo de forças entre patrão e empregado, empresa nacional e internacional é muito desigual. Nessa situação, o desmonte do Estado e da legislação trabalhista como garantia das relações contratuais de trabalho significa fazer o jogo do mais forte.

A cultura e o consumo: uma nova interação entre o campo e a cidade

O professor, ao tratar este tema, pode apresentar inicialmente um estudo comparativo das relações sociais nas paisagens do campo e da cidade que mais se modificaram no processo histórico brasileiro. Isso significa mostrar como moradores do campo e da cidade satisfazem às suas necessidades, tais como: práticas domésticas, transporte, comunicação, lazer e trabalho, relações de troca, inclusive as relações de vizinhança entre os moradores nessas paisagens.

Como recorte histórico para essa comparação, sugere-se que seja feito a partir da década de 50, quando ocorreu o aceleramento do processo de industrialização e urbanização no Brasil. E com ele a expansão dos meios de transporte e comunicação, inclusive da eletricidade no campo, que gradativamente foi atingindo as diferentes localidades do país.

A partir dos estudos comparativos desses diferentes cenários, o professor poderá concomitantemente ajudar o aluno a desvendar os processos que passaram a atuar na mudança do comportamento social do campo com a chegada da televisão e as facilidades oferecidas pelos meios de transporte, facilitando as ligações entre os moradores do campo com a cidade. Ajudá-los a compreender e explicar como a mídia passou a interferir no imaginário e no cotidiano rural, desde os novos hábitos de consumo doméstico até os padrões de conduta social veiculados pelo rádio e pela televisão.

Nem sempre é fácil avaliar os impactos que a urbanização, a industrialização e a mídia causaram no comportamento das pessoas do campo. O que se pode considerar como mais plausível é que elas foram mais lentas e menos radicais do que nas grandes cidades.

Aí, talvez, possa existir um interessante viés para o estudo comparativo a ser proposto e explorado pelo professor com seus alunos. Cria-se a oportunidade de pensar que as relações de trabalho no campo, seja na agricultura, seja na criação de animais, são marcadas por maiores distanciamento entre os grupos sociais. Que os círculos de relações entre eles são menos densos do que aqueles das cidades. Os momentos em que isso pode ocorrer mais fortemente são aqueles das festas religiosas ou de caráter regional. As atividades no campo são mais dipersivas espacialmente do que nas cidades. Esse fato é fundamental para ajudar o aluno a compreender e explicar como a espacialidade nas relações pode afetar a natureza das mudanças no comportamento social. Uma notícia qualquer veiculada pelo rádio, pela televisão, ou mesmo pela imprensa escrita, tende a ter repercussões mais rápidas e capacidade de mobilização maior da opinião pública na cidade do que no campo.

Esse efeito poderá explicar para o aluno porque é na cidade que são gestadas mais rapidamente as formas de opinião pública. Isso não significa dizer que no campo isso não acontece. O movimento dos sem-terra é um exemplo de mobilização que nasceu do campo.

Porém, ao observar atentamente, vê-se que o destino de suas caminhadas é sempre a cidade.

Isso se explica não somente porque a cidade é o centro do poder, mas porque eles reconhecem que é somente atingindo a opinião pública da cidade que o movimento poderá ter maior repercussão na sociedade.

O processo contínuo de expansão dos modernos meios de comunicação e informatização, passando pela televisão, antenas parabólicas e computadores, o aumento do produto cultural que se produz na cidade vão chegando até o homem do campo. O professor, ao trabalhar esta questão com os alunos, deve ter sempre em mente a diversidade do quadro regional brasileiro e os diferentes níveis de penetração dos meios de comunicação e informatização no campo. Porém, é impossível desconhecer as crescentes influências das formas de viver na cidade no imaginário social do campo; os valores mostrados nas telenovelas, telejornais, propagandas acabam exercendo um certo fascínio.

Nesse sentido as mudanças nas relações de trabalho e de propriedade no campo expulsam as pessoas; ao mesmo tempo a cidade acaba exercendo um enorme poder de atração sobre elas, favorecendo os movimentos migratórios do campo para as cidades. Assim, cada vez mais as cidades acabam se transformando no mundo das possibilidades de emprego e de consumo. Não é raro encontrar pessoas do campo, residentes em áreas com o predomínio da avicultura, consumindo aves industrializadas ou outros produtos agrícolas do campo enlatados na cidade. Nesse momento o professor terá a oportunidade de refletir com seus alunos sobre as mudanças ocorridas com a penetração dos produtos industrializados no campo. Como o trabalho assalariado, substituindo gradativamente a antiga economia de troca natural, pela troca monetária, veio fortalecendo no imaginário social um sentimento de igualdade nas formas de viver no campo e na cidade..

Eixo 4: a cartografia como instrumento na aproximação dos lugares e do mundo

A Geografia é uma ciência que trabalha com diferentes recortes de espaço e tempo.

Porém, por uma questão de método, é impelida a fazer o recorte de seu objeto de estudo a partir de um recorte de tempo e espaço presente. Esse recorte pode ser de um lugar ou de um conjunto de lugares que precisam ser analisados, explicados e compreendidos no presente. Isso não significa que não se possa, a partir desse recorte temporal, buscar historicamente a dinâmica de suas transformações. Porém, a abordagem de qualquer tema ou conteúdo no estudo do espaço geográfico deve sempre estar comprometida com o tempo presente como fundamento metodológico.

A Geografia, por uma imposição de método, trabalha com uma pluralidade de espaços e lugares com recortes muito variados, alguns mais próximos, outros mais distantes do observador. Inclusive com níveis de interesses diferentes no aprofundamento dos elementos caracterizadores desses espaços. Tudo isso coloca para o geógrafo e para o professor de Geografia a importância da existência de recursos técnicos e didáticos que permitam, em seus estudos e pesquisas, a aproximação com seu objeto de estudo.

A cartografia torna-se recurso fundamental para o ensino e a pesquisa. Ela possibilita ter em mãos representações dos diferentes recortes desse espaço e na escala que interessa para o ensino e pesquisa. Para a Geografia, além das informações e análises que se podem obter por meio dos textos em que se usa a linguagem verbal, escrita ou oral, torna-se necessário, também, que essas informações se apresentem espacializadas com localizações e extensões precisas e que possam ser feitas por meio da linguagem gráfica/cartográfica. É fundamental, sob o prisma metodológico, que se estabeleçam as relações entre os fenômenos, sejam eles naturais ou sociais, com suas espacialidades definidas.

O nível de aprofundamento pretendido nos estudos, ou no ensino desses fenômenos que caracterizam os lugares, exigirá o trabalho com as diferentes escalas de representações cartográficas, com a linguagem gráfica por meio da produção e leitura de mapas.

Tanto para a pesquisa como para o ensino em Geografia é preciso ter clareza sobre a escolha do recorte e da escala com que se irá trabalhar. Vale lembrar que, no estudo dos lugares, para que o aluno possa se situar melhor, a cartografia estará neste ciclo priorizando a grande escala, garantindo-lhe maior detalhamento dos fatores que caracterizam o espaço de vivência no seu cotidiano.

O aprendizado por meio de diferentes formas de representações e escalas cartográficas deverá estar contemplado nesse momento em que se inicia o aluno nos estudos geográficos.

A cartografia pode oferecer uma variedade enorme de representações para o estudo dos lugares e do mundo. Fenômenos naturais e sociais poderiam ser estudados de forma analítica e sintética. É interessante ensinar os alunos a realizar estudos analíticos de fenômenos em separado mediante os mapas temáticos, tais como: clima, vegetação, solo, cultivos e agrícolas, densidades demográficas, indústrias etc. Ao mesmo tempo, realizar analogias entre esses fenômenos e construir excelentes sínteses. A possibilidade de realizar associações entre esses fenômenos nos permitirá uma melhor caracterização dos espaços geográficos. Isso também pode garantir a explicação e a compreensão não somente dos lugares isolados e próximos, mas também da pluralidade dos lugares do mundo.

A cartografia no ensino de Geografia obteve grandes avanços teóricos e metodológicos.

Dentro da perspectiva de uma Geografia tradicional e positivista, a cartografia significava muito mais uma técnica da representação voltada para a leitura e a explicação do espaço geográfico onde o leitor comportava-se como sujeito. Atualmente, comprometida com as novas correntes do pensamento de uma Geografia da percepção e fenomenológica, o aluno passou a ser orientado a desenvolver uma consciência crítica em relação ao mapeamento que estará realizando em sala de aula. Isso significa dizer que existe sempre uma perspectiva subjetiva na escolha do fato a ser cartografado, marcado por um juízo de valor. O aluno deixou de ser visto como um mapeador mecânico para ser um mapeador consciente, de um leitor passivo para um leitor crítico dos mapas.

Da alfabetização cartográfica à leitura crítica e mapeamento consciente

A alfabetização cartográfica compreende uma série de aprendizagens necessárias para que os alunos possam continuar sua formação nos elementos da representação gráfica já iniciada nos dois primeiros ciclos para posteriormente trabalhar com a representação cartográfica. A continuidade do trabalho com a alfabetização cartográfica deve considerar o interesse que as crianças e jovens têm pelas imagens, atitude fundamental na aprendizagem cartográfica. Os desenhos, as fotos, as maquetes, as plantas, os mapas, as imagens de satélites, as figuras, as tabelas, os jogos, enfim tudo aquilo que representa a linguagem visual continua sendo os materiais e produtos de trabalho que o professor deve utilizar nesta fase. Mas, para alcançar os objetivos da alfabetização cartográfica, todos esses recursos devem ser examinados e os alunos devem encontrar significados, estimulando a busca de informações que as imagens contêm. O objetivo do trabalho é desenvolver a capacidade de leitura, comunicação oral e representação simples do que está impresso nas imagens, desenhos,

plantas, maquetes, entre outros. O aluno precisa apreender os elementos básicos da representação gráfica/cartográfica para que possa, efetivamente, ler o mapa.

Algumas noções, expostas no quadro a seguir, são básicas na alfabetização cartográfica, tais como: a visão oblíqua e a visão vertical, a imagem tridimensional e a imagem bidimensional, o alfabeto cartográfico (ponto, linha e área), a construção da noção de legenda, a proporção e a escala, a lateralidade, referências e orientação espacial. O desenvolvimento dessas noções contribui para a desmistificação da cartografia como propositora de mapas prontos e acabados no ensino fundamental e médio, assim o objetivo das representações dos mapas e dos desenhos enfocará a compreensão/transmissão de informações e não simplesmente objeto de reprodução. O objetivo das representações dos mapas e dos desenhos é transmitir informações, e não simplesmente objeto de reprodução. Neste momento o aluno em processo de alfabetização cartográfica já pode aprofundar seus conhecimentos em duas dimensões. A primeira trata da leitura de mapas, porém uma leitura crítica, ou seja, que analisa e ultrapassa o nível simples da localização dos fenômenos.

A segunda dimensão trata do aluno participante do processo como mapeador consciente.

Este momento pode ser uma transição para que os alunos adquiram as competências para trabalhar com análise/localização e com a correlação. Para desenvolver as competências necessárias para tornar o aluno um leitor crítico e mapeador consciente, pode-se a partir do terceiro ciclo introduzir o trabalho em três níveis: estudando um fenômeno isoladamente e analisando a sua distribuição espacial, produzindo cartas analíticas; combinando duas ou mais cartas analíticas; produzindo sínteses ou cartas que reúnem muitas informações analíticas. Estas três formas de trabalho com a cartografia podem ser feitas, por exemplo, quando se quer estudar um fenômeno complexo como as enchentes numa cidade ou mesmo o crescimento populacional de uma região e sua relação com a indústria ou a agricultura.

A partir do terceiro ciclo, esses três instrumentos de estudo podem ser estruturados em quatro níveis: * o nível compilatório, em que ocorre a coleta dos dados e sua compilação; * o nível correlatório, em que os dados coletados são analisados e ordenados; * o nível semântico, em que se localizam os problemas parciais, de modo que organize seus elementos dentro de um problema global (ou de generalização); * nível normativo em que resulta a síntese do trabalho, ou seja, a sua tipologia.

Os mapas como possibilidade de compreensão e estudos comparativos das diferentes paisagens e lugares

Neste tema pretende-se o trabalho prático com leitura crítica e mapeamento de temas que são tratados ao longo do terceiro ciclo. A rigor todos os temas geográficos podem ser espacializados. É muito importante neste momento o professor tornar a cartografia um recurso rotineiro em sua sala de aula. Mas é fundamental que a utilização dos mapas e outros recursos gráficos não sejam banalizados. Por exemplo, é muito comum usar o atlas para localizar a ocorrência de um fenômeno, o que é reduzir o papel dos mapas à possibilidade de compreensão e explicação dos estudos geográficos. O que se sugere é uma ampla utilização dos mapas de diferentes tipos para questionar, analisar, comparar, organizar, correlacionar dados que permitam compreender e explicar as diferentes paisagens e lugares.

Nesse sentido a prática da leitura crítica e do mapeamento consciente permite algumas aquisições metodológicas em três níveis:

Aquisições simples: Conhecer e identificar os pontos cardeais.

. Saber se orientar com uma carta.

. Encontrar um ponto sobre uma carta com as coordenadas geográficas ou com o índice remissivo.

. Saber se conduzir com uma planta simples.

. Extrair de plantas e cartas simples apenas uma série de fatos.

. Saber calcular altitude e distância.

. Saber se conduzir com um mapa rodoviário ou com uma carta topográfica.

Aquisições médias: Medir uma distância sobre uma carta com uma escala numérica.

. Estimar uma altitude por um ponto da curva hipsométrica.

. Analisar a disposição das formas topográficas.

. Analisar uma carta temática representando um só fenômeno (densidade populacional, relevo etc.).

. Reconhecer e situar as formas de relevo e de utilização do solo.

. Saber diferenciar declives.

. Saber reconhecer e situar tipos de clima, massas de ar, formações vegetais, distribuição populacional, centros industriais e urbanos e outros.

Aquisições complexas: Estimar uma altitude entre duas curvas hipsométricas.

. Saber utilizar uma bússola.

. Correlacionar duas cartas simples.

. Ler uma carta regional simples.

. Explicar a localização de um fenômeno por correlação entre duas cartas.

. Elaborar uma carta regional com os símbolos precisos.

. Saber elaborar um croqui regional simples (com legenda fornecida pelo professor) e posteriormente com legenda elaborada pelo aluno.

. Saber levantar hipóteses reais sobre a origem de uma paisagem.

. Analisar uma carta temática que apresenta vários fenômenos.

. Saber extrair de uma carta complexa os elementos fundamentais.

Critérios de avaliação

Ao final do terceiro ciclo os alunos devem ter avaliadas suas conquistas em uma perspectiva de continuidade dos seus estudos. A avaliação pode ser planejada, assim, relativamente aos conhecimentos que serão recontextualizados e utilizados em estudos posteriores. Para isso é necessário estabelecer alguns critérios. De modo amplo, são eles:

Quanto à operacionalização dos conceitos

. Reconhecer conceitos e categorias, tais como espaço geográfico, território, paisagem e lugar, e operar com eles, identificando-os com a área.

Com este critério avalia-se o quanto o aluno se apropriou das categorias básicas da Geografia e tem clareza em relação ao conceito de diferentes temporalidades que definem os ritmos e processos históricos e naturais na construção do espaço geográfico.

. Reconhecer a importância dos mapas temáticos para a leitura das paisagens e suas diferentes escalas.

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir as diferentes escalas e a representação cartográfica como forma de aprofundamento dos seus estudos sobre a paisagem.

. Conceituar os elementos caracterizadores das paisagens geográficas urbanas e rurais.

Com este critério avalia-se se o aluno sabe caracterizar os elementos que dão identidade às paisagens urbanas e rurais e suas diferenças.

Quanto aos critérios procedimentais:

. Construir, por meio da linguagem escrita e oral, um discurso articulado sobre as diferenças entre o seu lugar e a pluralidade de lugares que constituem o mundo.

Com este critério avalia-se o quanto o aluno se apropriou da categoria lugar na sua capacidade de se exprimir sobre os diferentes lugares próximos e distantes.

. Ler diferentes cartas em diferentes escalas, apropriando-se da representação cartográfica em seu cotidiano.

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir e criticar aquelas mais adequadas para elaborar pequenos esboços sobre a realidade que vive ou que pretende estudar.

. Particularizar a dinâmica do tempo e espaço nos processos da organização das paisagens rurais e urbanas, inclusive das formas de interações com o tempo da natureza e da sociedade.

Com este critério avalia-se se o aluno sabe identificar as diferentes manifestações do tempo e sua importância na leitura dos fenômenos geográficos.

. Perceber no seu cotidiano como as pessoas se apropriam e se identificam com os lugares.

Com este critério avalia-se se o aluno sabe demonstrar que, mediante sua observação, é capaz de perceber no seu cotidiano como as pessoas se apropriam e se identificam com os lugares e o grau de integração que definem com eles.

Quanto aos critérios atitudinais:

. Mudar comportamentos a partir da forma de compreender sua realidade, por meio dos conhecimentos adquiridos pelo estudo da Geografia.

. Desenvolver uma postura crítica em relação ao comportamento da sociedade diante das diferenças entre o tempo social ou histórico e o natural.

. Saber discernir as ações adequadas à conservação da natureza, desenvolvendo atitudes de respeito à vida.

. Questionar-se como cidadão de um determinado lugar e, ao mesmo tempo, questionar a existência ou não da cidadania das demais pessoas que convivem nesse lugar.

Ao mesmo tempo questionar as condições de classes como limitantes à prática da justiça social.

. Interessar-se em procurar relacionar como as pessoas se apropriam, se identificam e se integram com os lugares, definindo um comportamento crítico em relação a esse fato.

Quarto ciclo

Ensino e aprendizagem

Neste ciclo deve-se considerar a possibilidade de trabalhar outros níveis de complexidade teórica e metodológica, de acordo com o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Os temas podem aprofundar conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, uma vez que, nesta fase de maturidade, os alunos já percebem e compreendem relações mais complexas do espaço geográfico. O aluno do quarto ciclo já é capaz de maior sistematização, podendo compreender aspectos metodológicos da área quando estuda as relações entre sociedade, cultura, Estado e território ou as contradições internas que ocorrem entre diferentes espaços geográficos com suas paisagens. Assim como as noções de tempo já são mais elaboradas.

Independentemente do grupo social e do lugar onde vivem os jovens adolescentes, é um momento em que a compreensão do mundo se amplia, tanto pelos interesses espontâneos dessa faixa etária como por aqueles que são propostos no seu cotidiano social e escolar.

Compreender o momento da adolescência numa sociedade complexa, como a brasileira, torna-se importante para ir além daqueles patamares iniciais, sobre os quais estabeleceram-se as propostas dos parâmetros para os ciclos anteriores. Aqui existe um novo patamar de relações entre alunos/professor/escola. Isso pode favorecer a criação de situações de aprendizagem com temáticas que lhes possibilitem compreender e explicar os lugares onde vivem como uma interação entre o local e o global. A compreensão do mundo pode, também, ser colocada como um recorte especial de uma totalidade social ampla, que combina relações com o mundo adulto e o mundo da criança.

O jovem sensibilizado para questões cotidianas tem uma experiência com a realidade ancorada em problemáticas de escalas variadas de tempo e de espaço. Os conhecimentos da rua combinam-se com o conhecimento da família, com o do grupo social ou tribo, com aquele veiculado e imposto pela mídia. Esses conhecimentos também são permeados por uma consciência universal de juventude, também permeada por múltiplas influências culturais, e ao mesmo tempo pela busca de identidades. É um momento de interesse pelas questões do mundo, entendido como um mundo até mesmo particularizado: o mundo do jovem. É também um momento de interesse pela politização dos assuntos; freqüentemente o saber do professor, da família e do mundo adulto se vê argüido, questionado e contestado.

É também uma nova fase na sua autonomia como indivíduo, em que o pensar ganha contornos mais reflexivos e intelectualizados. Evidentemente, ao falar de jovens dentro de uma sociedade complexa, é preciso interpretar essa passagem como um processo que não acontece magicamente, sendo fruto do processo que já vinha ocorrendo pela transformação da criança em adolescente.

Em se tratando da escolha de temáticas geográficas para interpretação do mundo, é muito importante entender esses e outros aspectos da cultura jovem nas sociedades atuais.

Em primeiro lugar, deve-se escolher uma diversidade de temas que possam explicar e tornar o conhecimento do mundo algo com significado real para a vida do adolescente. Isso quer dizer que é preciso compor temáticas num amplo leque, que permita compreender a sua própria condição na sociedade e uma visualização de perspectivas futuras. Deve-se considerar o mundo do jovem em sua diversidade e conflitos.

Para entender como o jovem se comporta diante da escola, dos saberes que ela lhe transmite e a imagem que ele constrói de futuro é, portanto, fundamental entender o papel desse presente social, dos espaços de identificação, assim como relacioná-los com a sociedade e com as metas escolares de transmissão de conhecimentos, desenvolvimento de atitudes e capacidades para a vida etc.

Diante disso, no quarto ciclo, que é conclusivo dessa fase da escolaridade e de certo modo já se articula fortemente ao ensino médio, os temas geográficos podem avançar muito mais sobre aspectos teóricos, metodológicos e práticos em relação aos conceitos que a Geografia trabalha, tanto aqueles de ordem epistemológica como aqueles que se relacionam ao desenvolvimento de procedimentos e atitudes no campo sociocultural e ambiental.

Estando o aluno vivendo um momento que combina com a fase questionadora dos jovens que buscam estilos de vida diferenciados, é bom que o professor discuta questões que podem ser reveladas em muitos desses espaços de identificação, tais como as novas territorialidades do mundo moderno em relação ao poder da mídia e do consumo, as questões ambientais, a modernidade e o modo de vida, as desigualdades espaciais, a questão do trabalho etc.

No quarto ciclo, o estudo de Geografia compõe-se de um amplo leque temático que permite entradas significativas nesse processo de desenvolvimento sociocognitivo do jovem adolescente. Sugere-se que os eixos de conteúdo se ancorem em temáticas relativas à presença e ao papel da sociedade e suas interações com a natureza, nas dimensões técnicas e culturais que envolvem a apropriação e a transformação dos territórios, o modo de produzir e pensar o mundo nas sociedades atuais, discutir os grandes dilemas de diferentes fases da história das técnicas, do trabalho, da cultura e das concepções de natureza, buscando compreender a Geografia numa perspectiva histórica ampliada. É possível politizar as discussões das ações dos indivíduos, dos grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na apropriação dos territórios. É muito significativa a identificação dos jovens, por exemplo, com as lutas ambientalistas, movimentos culturais e políticos.

Nesta fase, os recortes espaço-temporais podem ser trabalhados de forma que integre escalas: o global, o regional e o local, que podem ser estudados de forma que perceba dialeticamente as suas interações e contradições. Deve-se contudo evitar o discurso descritivo tão enfadonho e pouco argumentativo, que tem tornado a Geografia uma das áreas menos atraentes para os jovens, e contraditoriamente mais fascinantes na vida das pessoas.

Outro aspecto que se mostra relevante na definição temática para o aprendizado é a maior autonomia de movimentação espacial que o jovem adolescente possui. O jovem pode sair sozinho e construir experiências significativas com os lugares, de forma muito mais profunda, conhecendo e decifrando aspectos sutis da realidade espacial do lugar onde convive. Dotado de maiores sensibilidades e buscando encontrar maior significação própria para suas experiências, o jovem amplia a sua relação com o mundo, que agora lhe aparece muito mais complexo. Pode, por exemplo, vivenciar o mundo noturno-diurno, a relação entre espaços diferenciados de sua cidade, a relação entre grupos sociais, interagir com uma fabulosa indústria cultural e os meios de comunicação. A sua participação no mercado de trabalho cria um outro aspecto importante quando se pensa numa nova relação de aprendizagem professor/aluno: o jovem como consumidor autônomo. O jovem é um consumidor de maior potencial para as indústrias de modo geral. Não é raro perceber o quanto esse aspecto é valorizado em sociedade, quando se caminha pelo comércio ou se assiste à televisão, vê-se a enorme quantidade de produtos e apelos dirigidos ao consumidor

jovem. Isso, por si mesmo, torna possível um trabalho de problematização em torno de temas como o trabalho e o consumo. Embora essa fase do desenvolvimento se caracterize como uma inserção incompleta no mundo social dos adultos, do ponto de vista da economia ela tem um papel significativo no desenvolvimento social. Por isso também é fundamental discutir os significados das sociedades de consumo do mundo atual. Pode-se discutir a globalização dos hábitos de consumo do jovem, contextualizando dentro de espaços desiguais, de jovens de diferentes contextos sociais e culturais. Pode-se discutir o papel da sociedade informacional no mundo atual e seus impactos sobre quase tudo que realizamos, seja na cultura, lazer ou trabalho.

Ainda dentro da questão da mobilidade espacial do jovem, é possível ampliar e revisitar conteúdos da Geografia dos ciclos anteriores. Por exemplo: ao sair de casa para qualquer atividade cotidiana, se utilizam noções básicas da Geografia: Onde estamos? Para onde vamos? O que vamos fazer em algum lugar? As noções empíricas de localização e organização do espaço sempre estarão presentes no cotidiano. Mas conhecer o lugar onde se vive não significa apenas se localizar ou identificar uma atividade humana, por exemplo, os lugares onde se realizam as atividades de lazer, de compras, o shopping etc. Aqui a cartografia ganha contornos mais complexos do ponto de vista metodológico. O aluno pode trabalhar com a representação como leitor crítico e consciente, dando continuidade aos conteúdos de cartografia que já vinham sendo tratados no terceiro ciclo. Portanto, a cartografia continua sendo um meio para representar, ler, criticar a realidade do aluno do quarto ciclo que pode trabalhar a análise de mapas, plantas e croquis e fazer correções para construir sínteses do espaço geográfico.

Aprender Geografia significa também conseguir perceber, observar com intenção e descrever nosso cotidiano nas paisagens, interpretando os seus significados passado, presente e interferir no seu futuro.

Nesse sentido a leitura da paisagem neste quarto ciclo é profundamente agregada a novos valores, valores que são construídos e desconstruídos, conforme interesses de atores sociais. A paisagem é uma imagem que revela conteúdos de uma dinâmica que combina muito tempo, muitas ações e decisões. É dessa forma que o jovem deve se colocar diante de seus estudos geográficos.

Outro aspecto relevante no quarto ciclo refere-se à participação dos movimentos juvenis na ordem social. Portanto, podem-se criar situações de aprendizagem por meio das temáticas que permitam uma visualização atual e histórica da participação dos jovens nas guerras, conflitos étnicos e na construção de novos padrões de comportamento, por exemplo, nas lutas pela terra, nas questões socioambientais.

É importante identificar o interesse pela participação do jovem no desenvolvimento da aspiração pelo equilíbrio na relação homem/natureza, o questionamento das relações sociofamiliares, as novas relações de lazer e prazer etc.

Numa fase contestatória como é a adolescência, é essencial criar situações de aprendizagem de autocontestação. Numa sociedade diversificada deve-se também considerar nesse universo do mundo jovem aqueles grupos conservadores, sectaristas, racistas, preconceituosos etc. Mas essa diversidade do mundo jovem aponta justamente aquilo que o professor pode considerar como uma postura de trabalho: o jovem não deve ser estigmatizado por esta ou aquela imagem ou grupos.

Enfim, as temáticas de ensino-aprendizagem de Geografia permitem diferentes formas de interpretar a realidade. A Geografia navega em diferentes escalas de tempo e espaço. Não se deve perder de vista, no entanto, que os estudos geográficos se caracterizam sempre pelo conhecimento de um amplo leque de relações e interações. Agora, nesta fase, esses estudos podem se apresentar de forma ampliada, pela maior possibilidade de inserção das problematizações de ordem política e social, seja na questão tecnológica, ambiental ou cultural. O estudo da paisagem pode ser tematizado em suas complexidades, envolvendo os diferentes ritmos e escalas de tempo que ela contém. Sob essa ótica, o estudo pode ser sobre Brasil em suas multiplicidades socioculturais, mas é fundamental não desintegrar o Brasil do processo histórico de um espaço/mundo. Por outro lado, é possível também aprofundar o estudo temático evitando as explicações de ordem geral, que de modo algum conseguem captar a nossa diversidade. É possível, por exemplo, estudar e analisar a natureza e suas transformações pelas técnicas por meio de recortes econômicos, culturais, políticos

etc. Por exemplo, estudar o papel do automóvel na sociedade moderna, ou dos combustíveis fósseis, ou do aquecimento global da atmosfera. Do mesmo modo que no terceiro ciclo, é possível também compreender por que a natureza favoreceu o desenvolvimento de determinadas atividades e não de outras, e por que alguns lugares do mundo se especializaram nas relações econômicas em função do seu potencial de recursos da natureza.

É possível aprofundar a discussão da apropriação da natureza e quando ela se transforma em recurso, ou sobre as desigualdades socioeconômicas.

É muito importante para o professor propor uma Geografia que forme um cidadão capaz de trabalhar a informação disponível no mundo. Informações que se tornaram invasoras das nossas casas por meio da televisão e Internet e que muitas vezes iludem, criam falsos valores, induzem ao preconceito. A perspectiva para o jovem adolescente é torná-lo um cidadão completo, ao mesmo tempo com identidades culturais distintas, que terá de viver de forma menos predatória com a natureza, respeitando e compreendendo as diferenças socioespaciais, indignando-se com as injustiças e tendo atitudes propositivas em relação ao seu cotidiano. Como fazer isso num mundo em que o que parece ser uma realidade, hoje, provavelmente terá se transformado em menos de cinco anos? Como fazer isso num mundo jovem diversificado e desigual? Como permitir que o jovem interprete o significado da sociedade técnica e informacional na sua vida e no seu desenvolvimento psicossocial? Como explicar o que a apropriação das novas tecnologias e as novas crenças farão com o mundo?

O desafio temático da Geografia é então formar um aluno capaz de discernir aquilo que diz respeito a sua vida, diante de um mundo em que, num processo dialético de globalização e fragmentação, a informação instantânea e simultânea exige atitudes e discernimentos cada vez mais rápidos e complexos?

Ao mesmo tempo que esse processo traz à mente um mundo de modernidade e ideal de progresso técnico, surge um alerta de como o meio técnico, científico e informacional em que se vive pode gerar processos de diluição dos conteúdos, criando a ameaça da banalização e exclusão.

Para o jovem adolescente, tão permeável às velocidades de mudança, nessa fase de sua maturidade isso pode permitir apenas que ele navegue na velocidade da informação, sem se ater aos próprios significados do seu mundo, sua época, suas posturas e seu discernimento diante das estratégias pouco transparentes da mídia.

Como formar alunos capazes de decidir sobre tudo que os afeta é então o desafio da Geografia no mundo atual. Uma Geografia que busca compreender a sociedade contemporânea, tornando a participação do jovem, essencial numa democracia, uma participação de qualidade, evitando-se manobras e cooptações políticas em cima da ignorância. Como semear a cidadania numa realidade que muitas vezes só é percebida pelas notícias ou nos fatos cotidianos mostrados totalmente fragmentados.

É também fundamental que a escola se preocupe com a formação dos alunos para o mundo ocupacional, não na forma de ensino vocacional ou profissionalizante, mas por meio de conteúdos que expliquem o mundo e lhes dê oportunidades de adquirir capacidades para lidar com ele. Um mundo ocupacional acessível que lhes dê uma autonomia desejada em relação à família, tanto para a independência como para a liberdade de ação.

Nesse momento da escolaridade alguns aspectos, já apresentados nos outros ciclos, de compreensão das interações entre o espaço geográfico local e o global, estão sendo consolidados.

É um momento de grande desafio ao professor, quando uma verdadeira profusão de temas pode ser trabalhada. Mas, embora exista uma multiplicidade temática e a necessidade de estudar a Geografia pelo enfoque dos processos e interações, numa abordagem humanista plural, não-fragmentada, mas essencialmente sociocultural, o professor pode ampliar também as suas possibilidades de oferecer aos alunos uma maior sistematização do conhecimento de sua área. Portanto, os já conhecidos princípios do estudo geográfico: a observação e a descrição, as interações e as explicações, a territorialidade e a extensão e a analogia continuam a ser importantes procedimentos de aprendizagem.

Esses procedimentos, somados à ampla possibilidade de uso de recursos didáticos, tais como o trabalho com diferentes fontes documentais, imagens, música, estudos do meio, leitura de textos mais complexos e reflexivos, dramatizações, pesquisa etc., podem ser mais profundamente utilizados pelo professor, para que possa criar intervenções significativas que despertem, e ao mesmo tempo consolidem, os conhecimentos geográficos do aluno, como uma forma de saber particular, mas ao mesmo tempo articulado com outras áreas.

Reiterando um outro aspecto já apontado no terceiro ciclo, aqui o cuidado do professor deve estar em não banalizar os conhecimentos do aluno, julgando previamente a sua capacidade de aprender. É o momento, sim, de ir além daquilo que os jovens já sabem, seja por experiência de vida cotidiana, seja por influência dos espaços de identificação ou dos meios de comunicação.

Na medida do possível e das condições técnicas, pode-se aprofundar a capacitação do aluno, utilizando-se melhor, por exemplo, a caderneta de campo, ou a agenda de estudo de campo, a máquina fotográfica, o computador, a representação cartográfica, mesmo que esses meios ainda representem dificuldades e que a autonomia ainda seja pequena. O professor é fundamentalmente o orientador desse processo. Portanto, alguns desafios também são dele. Os avanços no terceiro ciclo poderiam ser relacionados à observação mais bem conduzida para alguma hipótese previamente formulada em sala de aula. A descrição poderia se aproximar de uma pré-análise com escolha intencional de dados, ou de formas de representação temática da realidade. Ou, ainda, o trabalho com diferentes tipos de fontes, como forma de agregar à descrição novos níveis de possibilidades de

cruzamentos e questionamentos sobre a realidade.

O quarto ciclo é marcado pelo mundo da diversidade da cultura jovem, nesse sentido o aluno poderá, na medida do possível e do acesso, aprender a utilizar a tecnologia como ferramenta intermediária da Geografia, a exemplo do computador como armazenador e organizador de dados empíricos, ou para construir simulações simples da realidade. Na cartografia, podem-se ampliar as possibilidades do trabalho com os seus pressupostos básicos da representação espacial: a localização, a proporção, a distância, a perspectiva, a linguagem gráfica, o trabalho com mapeamento consciente, cartas analíticas e de síntese etc. Na leitura cartográfica o professor desse ciclo pode lançar mão dos diferentes tipos de mapas temáticos, atlas, globo terrestre, plantas e maquetes mais sofisticadas. Outra possibilidade, que também depende dos recursos, são as formas de registro e interpretação espacial, como o exercício de utilização das fotografias aéreas e imagens de satélites.

É muito importante, nessa fase da escolaridade, trabalhar o conhecimento da rua com o conhecimento escolar mediante a leitura de textos de diferentes imagens de representações da realidade (o grafite, por exemplo), em vários níveis de complexidade e formas de expressão da escrita e da representação do espaço geográfico. Aqui o professor pode aprofundar o trabalho com literatura, leitura de jornais, livros de geografia, livros paradidáticos etc.

Ao concluir o quarto ciclo, o aluno poderá ter trabalhado com diferentes recursos e linguagens com os quais possa obter informações para essa melhor compreensão do espaço geográfico e suas diferentes paisagens e a diversidade regional do mundo.

Assim como no terceiro ciclo, o aluno nesta fase escolar deve constantemente ser solicitado a expressar seus pensamentos e opiniões de forma individual ou coletiva. Este, aliás, é um dos objetivos mais gerais do ensino fundamental, pois na construção da cidadania, para exercê-la em sua plenitude, é fundamental saber se colocar e se expressar diante das mais diversas situações da vida cotidiana.

A imagem como representação por meio do desenho também pode estar presente.

Mas aqui o desenho deixa de ter os mesmos conteúdos dos primeiros ciclos. O jovem sabe se expressar pelas imagens que constrói nas mais diversas possibilidades de manifestação artística. O desenho não é apenas a expressão concreta do que se apreende pela visão, mas a expressão do que se sente e pensa em relação ao que se enxerga. Esse exercício continua sendo uma forma interessante de propor que os alunos utilizem objetivamente as noções de proporção, distância e direção, fundamentais para a compreensão e uso da linguagem gráfica, mas, também, que possam agregar mensagens valorativas, afetivas e pessoais em relação à representação do mundo.

A leitura da paisagem ganha novos contornos diante das possibilidades maiores de trabalhar as fontes documentais, as linguagens e a autonomia em relação à posição sujeito/objeto de estudo. Essa leitura pode ganhar contornos mais aprofundados e técnicos,principalmente nos trabalhos temáticos com projetos e pesquisa, tais como no estudo das questões ambientais. Por exemplo, não basta pensar na água como um grande dilema desta época, tampouco conhecer como a água entra e sai das casas ou participa da agricultura.

Pode-se questionar e estudar a paisagem, analisando como a água participou de uma certa forma de pensar a vida cotidiana, e projetar um mundo baseado no princípio da abundância, e não da escassez. Compreender a paisagem, enfocando o tema da água, remete, necessariamente, ao estudo de como estruturar a vida humana em relação a esse recurso, como cuidar dos mananciais, o que fazer da capacidade natural de preservação, comprometendo-a com a poluição, ou a impermeabilização dos solos, como representar a espacialização desse recurso etc.

A leitura da paisagem pelo estudo do meio, o trabalho com imagens e a representação tematizada dos lugares e regiões são recursos didáticos importantes que podem ser aprofundados neste ciclo.

Nenhuma abordagem da Geografia que considere o estudo da totalidade como meta da compreensão geográfica pode prescindir de suas interfaces com as outras ciências. Assim os diferentes eixos temáticos propostos trabalham com recortes temporais e espaciais específicos da Geografia, mas articulados com História, Ciências Naturais, Matemática, Língua Portuguesa, entre outras áreas.

Uma abordagem que pretenda desenvolver a leitura da paisagem local e global, estabelecer comparações, interpretar as múltiplas relações entre a sociedade e a natureza de um determinado lugar pressupõe uma inter-relação entre essas áreas, tanto nas problematizações quanto nos conteúdos e procedimentos. Com a área de Ciências Naturais há ainda uma afinidade peculiar nos conteúdos desse ciclo, uma vez que o funcionamento da natureza e suas determinações na vida dos homens devem ser estudados também pela Geografia não apenas como processo, mas como esses processos foram apropriados pelas sociedades. Sem perder de vista as especificidades de cada uma das áreas, o professor pode aproveitar o que há em comum para tratar um mesmo assunto sob vários ângulos.

Objetivos para o quarto ciclo

Espera-se que no quarto ciclo aqueles objetivos mais gerais propostos para a área de Geografia sejam atingidos. Considerando aspectos sociocognitivos dos jovens, além desses objetivos mais gerais, outros são específicos deste ciclo da escolaridade.

Espera-se, portanto, que os alunos construam um conjunto de conhecimentos, referentes a conceitos, procedimentos e atitudes relacionados à Geografia, que lhes permitam ser capazes de:

. compreender as múltiplas interações entre sociedade e natureza nos conceitos de território, lugar e região, explicitando que, de sua interação, resulta a identidade das paisagens e lugares;

. identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e suas conseqüências em diferentes espaços e tempos, de modo que construa referenciais que possibilitem uma participação

propositiva e reativa nas questões sociais, culturais e ambientais;

. compreender a espacialidade e a temporalidade dos fenômenos geográficos, estudados em suas dinâmicas e interações;

. compreender que as melhorias nas condições de vida, os direitos políticos, os avanços técnicos e tecnológicos e as transformações socioculturais são conquistas decorrentes de conflitos e acordos

que ainda não são usufruídas por todos os seres humanos e, dentro de suas possibilidades, empenhar-se em democratizá-las;

. utilizar corretamente procedimentos de pesquisa da Geografia para compreender o espaço, a paisagem, o território e o lugar, seus processos de construção, identificando suas relações,

problemas e contradições;

. fazer leituras de imagens, de dados e de documentos de diferentes fontes de informação, de modo que interprete, analise e relacione informações sobre o território e os lugares e

as diferentes paisagens;

. utilizar a linguagem gráfica para obter informações e representara espacialidade dos fenômenos geográficos;

. valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a sociodiversidade, reconhecendo-os como direitos dos povos e indivíduos e elementos de fortalecimento da democracia;

. perceber que a sociedade e a natureza possuem princípios e leis próprias e que o espaço resulta das interações entre elas, historicamente definidas;

. relativizar a escala de importância, no tempo e no espaço, do local e do global e da multiplicidade de vivências com os lugares;

. conseguir distinguir as grandes unidades de paisagens em seus diferentes graus de humanização da natureza, inclusive a dinâmica de suas fronteiras, sejam elas naturais ou históricas, a exemplo das grandes paisagens naturais e das sociopolíticas, como dos Estados nacionais e cidade-campo;

. explicar que a natureza do espaço, como território e lugar, é dotada de uma historicidade em que o trabalho social tem uma grande importância para a compreensão da dinâmica de suas

interações e transformações;

. desenvolver no aluno o espírito de pesquisa, fundamentado na idéia de que, para compreender a natureza do território, paisagens e lugares, é importante valer-se do recurso das imagens e de vários documentos que possam oferecer informações, ajudando-os a fazer sua leitura para desvendar essa natureza;

. fortalecer o significado da cartografia como uma forma de linguagem que dá identidade à Geografia, mostrando que ela se apresenta como uma forma de leitura e de registro da espacialidade dos fatos, do seu cotidiano e do mundo;

. criar condições para que o aluno possa começar, a partir de sua localidade e do cotidiano do lugar, a construir sua idéia do mundo, valorizando inclusive o imaginário que tem dele.

Conteúdos para o quarto ciclo

Considerando novamente que os conteúdos temáticos a serem desenvolvidos neste

ciclo, assim como nos outros, dependem das necessidades e problemáticas que professores

e alunos julgarem importantes de serem abordadas, reafirma-se que esses conteúdos devem

ser flexíveis, mas não fragmentados. Reafirma-se também que aqueles conteúdos

selecionados devem tratar da presença e do papel da natureza e sua relação com a vida das

pessoas na construção do espaço geográfico (seja em sociedade, seja individualmente).

Neste ciclo a cartografia não se constitui num eixo, mas é fundamental utilizá-la como um

recurso para trabalhar as informações geográficas, permitindo as correlações e sínteses mais

complexas. Ela é um recurso para melhor visualização e espacialização dos temas.

Neste ciclo são sugeridos eixos temáticos e vários temas. Estão apresentados, a seguir,

como sugestões e não devem ser compreendidos como uma seqüência de assuntos a serem

aprendidos ou, ainda, como eixos isolados que não se comunicam entre si. O professor

pode, por exemplo, trabalhar com um ou mais temas do eixo ao mesmo tempo.

Eixo 1: a evolução das tecnologias e as novas territorialidades em redes

Neste momento em que o aluno já teve alguns conhecimentos consolidados sobre as grandes categorias analíticas da Geografia, inclusive das principais características da paisagem, torna-se importante estimulá-lo a pensar criticamente a potencialidade criadora do homem na busca de novas tecnologias para superar as distâncias do tempo e do espaço no processo de aproximação e integração entre os lugares e territórios do mundo.

Vários são os temas e itens que poderão ser desdobrados desse eixo. Porém, dois têm se revelado como grandes temas motrizes das principais forças humanas capazes de gerar profundas transformações no processo de interação entre a sociedade e a construção do seu território. São eles: a velocidade e a eficiência dos transportes e da comunicação como novo paradigma da globalização e a globalização e as novas hierarquias urbanas.

Ninguém poderá trabalhar as novas territorialidades que se vislumbram nos polêmicos e controvertidos discursos da globalização sem passar por esses dois grandes temas em suas análises sobre a dinâmica das transformações do espaço geográfico e conseqüentemente em suas paisagens.

A velocidade e a eficiência dos transportes e da comunicação como novo paradigma da globalização

Ao trabalhar os itens sobre os transportes como fator de transformação do espaço, o professor pode estimular o aluno a se posicionar criticamente sobre a potencialidade criadora do homem em superar a barreira das distâncias e dos obstáculos que a Geografia Física dos lugares apresentou para as diferentes sociedades em sua evolução histórica.

Como as ferrovias, rodovias, sistemas de navegação fluvial ou marítima, na busca da superação das distâncias integraram mercados e diferentes economias e aceleraram o fluxo das pessoas?

Superar a barreira dos mais íngremes relevos e conquistar e dominar a atmosfera com a aviação fez com que os grandes oceanos se transformassem em verdadeiros lagos.

Todo esse progresso técnico esteve associado aos conhecimentos da pesquisa meteorológica, geomorfológica, hidrográfica, oceanográfica, cartográfica etc.

O estudo dos transportes poderá ser realizado dentro da perspectiva de uma micro e macroescala de espaços. É possível citar como exemplo de microescala os estudos dos diferentes módulos de transporte no interior do espaço das cidades, tais como automóvel, metrô, ônibus, caminhões, até um simples elevador.

Nesse enfoque, pode-se procurar estabelecer uma análise crítica das diferenças entre as políticas públicas voltadas para o transporte individualizado e coletivo e como se remetem ao espaço geográfico, procurando avaliar o desempenho dessas ações como resposta à demanda de transportes pela população.

Na perspectiva de análise que essa escala permite, pode-se também contemplar estudos sobre a malha e o sistema viário das cidades. Como exemplo, a hierarquia das vias e os respectivos fluxos, o papel dos automóveis na definição de valores socioculturais, chegando mesmo a associar-se a definição das novas edificações. Nas grandes cidades, gradativamente vendem-se mais espaços para os automóveis do que moradia para as pessoas.

Isso explica o fato de que morar em prédios de apartamentos com três ou quatro garagens define status.

A estrutura do sistema viário e a ideologia do transporte individual são elementos altamente comprometedores da qualidade de vida das cidades. Congestionamentos, em vias inadequadas para um fluxo crescente, o aumento indiscriminado do transporte individual. Mais uma vez esses fatores estimulam a ampliação da pesquisa nas áreas afins, tais como estudos atmosféricos, energia, tecnologias construtivas de mecânica e motores.

O tema dos transportes urbanos permite elaborar com os alunos atividades altamente criativas em relação ao seu cotidiano e às cidades, desde as facilidades obtidas com o automóvel no transporte porta a porta, os complicados congestionamentos que geram estresse no cotidiano das grandes metrópoles, como também explicar a política dos transportes em decorrência da prioridade dos transportes individuais sobre os coletivos.

No plano da macroescala deve-se pensar em trabalhar com os alunos as integrações inter-regionais e continentais, procurando analisar não somente as reduções no tempo e espaço das distâncias, aproximando estas localidades, como também o aumento e melhoria técnica das condições e eficiência na capacidade de carga dos seus diferentes módulos.

O estudo dos transportes e de suas modalidades garantirá também estudos geográficos importantes sobre as interações entre a Geografia Física e a implantação das infra-estruturas dos portos marítimos, das barragens fluviais e navegabilidade dos rios, aeroportos e estações ferroviárias com todo o seu sistema. O aluno, a partir de sua compreensão sobre a evolução dos deslocamentos físicos das pessoas e mercadorias, poderá também compreender como a tecnologia dos meios de informação acabaram redefinindo a comunicação entre as pessoas e os lugares.

A compreensão dos processos de integração socioeconômica ao que se vem designando com o termo de globalização depende profundamente das idéias do instantâneo, do simultâneo e do sincretismo no acontecimento dos fatos.

Com esse tema os professores poderão explorar no imaginário do aluno o significado de alguns recursos técnicos sempre que estes estiverem disponíveis nas escolas, como o computador, as redes de informação, como a Internet e a mídia de um modo geral. A Internet e a mídia vêm redefinindo o comportamento dos lugares e das pessoas entre si.

É importante que se trabalhe criticamente com o aluno esse significado para as transformações dos lugares e da própria cultura nacional.

A globalização e as novas hierarquias urbanas

Sempre que se falar de globalização deve-se estar atento para o fato de que ela representa vários aspectos das relações socioculturais, políticas e econômicas entre as diferentes localidades e lugares do mundo. Longe de caracterizar uma nova estruturação dessas relações, como algo pronto e acabado, é preciso entendê-la mais como um processo em estruturação. O importante é que o professor consiga estudar e ensinar para seus alunos que essa globalização está impregnada daquilo que se convencionou chamar de tempos rápidos. No mundo contemporâneo, o que melhor caracteriza o fenômeno da globalização é a rapidez como a informação chega aos mais distantes e diferentes lugares, garantindo uma interação instantânea e simultânea. Obviamente que, para que isso aconteça, será necessário que esses lugares estejam conectados entre si por um conjunto de condições técnicas informacionais que vão desde a comunicação por satélites aos complexos sistemas da computação.

Para o professor, mais importante do que ficar estudando a genealogia da globalização, o que não significa deixar de explicar para os alunos o seu significado, é procurar ajudá-los a compreender como a globalização veio redefinindo uma nova territorialidade do espaço, principalmente quando se verifica o que aconteceu com a estruturação e o conceito de redes urbanas, tema de grande interesse para a Geografia.

Hoje, quando o professor busca explicar para os seus alunos a natureza e o significado do conceito de rede urbana, deverá ter clareza que não é somente o conceito que vem se redefinindo, mas sua estruturação. Até o momento em que a globalização começasse a se definir como uma nova realidade, os fluxos informacionais entre empresas, públicas ou privadas, e essas com a sociedade como um todo, eram marcados por muitas limitações de ordem técnica.

Hoje, as pessoas localizadas em pontos distantes do território, sentadas diante do computador, ligadas a uma rede, poderão estar interagindo ao mesmo tempo na produção de um projeto, seja ele na forma de um texto ou de um design. Isso na época apenas da telefonia seria impossível. Com o avanço das técnicas informacionais, as distâncias territoriais deixaram de representar um obstáculo aos fluxos de informações que sustentam as tomadas de decisões. Quando se pensa em redes urbanas na forma como até então foram entendidas, a escolha dos lugares para implantação das empresas está muito atrelada à necessidade de proximidade física mínima a uma série de serviços que condicionavam a circulação das informações fossem elas quais fossem. Esse fato acabava colocando algumas cidades como lugares privilegiados para tais implantações. Isso significa dizer que acabava se definindo uma hierarquia urbana entre essas localidades. Assim, acabava se constituindo uma rede de cidades hierarquizadas entre si, no interior da qual se definia a opção pela dita implantação dos empreendimentos ou mesmo para a escolha como local de residência ou de trabalho.

Sem dúvida alguma, as estradas e os meios de transportes continuam representando um importante fator para a circulação de pessoas e mercadorias, no interior do processo de produção material dos bens econômicos. Porém, quando ao analisar os serviços terciários que sustentam essa produção como o sistema bancário, os escritórios de planejamento e de assessorias nas suas mais diferentes formas, percebe-se que esses serviços podem ser prestados independentemente das distâncias físicas. A isso deve-se também acrescentar o fato de que a nova lógica da globalização vem estimulando o desmonte das grandes unidades de produção, fazendo surgir o que se convencionou chamar de .terceirização da produção, em que qualquer lugar passou a ser potencialmente um lugar possível de novos empreendimentos. Um novo fator que surgiu para realizar essa potencialidade é o lugar conectado ao conjunto da rede de informação.

Assim, as antigas redes urbanas hierarquizadas, como .única região possível. De gravitar os novos empreendimentos esvaziaram-se.

Paralelamente, algumas cidades foram chamando para si os novos pólos técnico-informacionais e o papel de nódulo de uma .nova rede. mais difusa em termos de localização. Pode-se mesmo dizer que qualquer lugar que esteja ligado a uma rede de transporte e ao mesmo tempo ligado a uma .rede informacional., as chamadas vias da informática, está potencialmente aberto aos novos empreendimentos.

Muitas dessas cidades que se transformaram em pólos técnico-informacionais, pelo raio de abrangência que passaram a representar, são hoje chamadas de cidades mundiais conectando-se em escala global. Nesse sentido, o professor não poderá ficar alheio a essas novas e profundas transformações que vêm ocorrendo com os territórios. É fundamental que reflita com seus alunos sobre a importância que as novas tecnologias vêm acarretando para essas transformações. Mais importante que o aluno compreender as abstrações teóricas do que é a globalização e a rede urbana é que ele compreenda as novas relações que estão se definindo entre as diferentes cidades e lugares do mundo.

Eixo 2: um só mundo e muitos cenários geográficos

O período posterior à Segunda Guerra Mundial marcou uma profunda fragmentação do mundo em grandes blocos regionais antagônicos. Mundo Socialista x Mundo Capitalista, Mundo Desenvolvido x Subdesenvolvido, Primeiro Mundo, Segundo Mundo, Terceiro Mundo: mais do que a divisão, o que se destacavam eram os grandes antagonismos existentes entre esses blocos.

Apesar de essas diferenças regionais terem emergido mais profundamente após a Segunda Guerra Mundial, suas raízes históricas estão localizadas em períodos anteriores.

Inclusive, podemos dizer que a origem de cada um daqueles blocos regionais mergulha em tempos históricos diferentes.

Os termos .países desenvolvidos. e .subdesenvolvidos. passaram a ser usados, então, no interior de um processo de conscientização designado como .o grande despertar., que nada mais foi do que o reconhecimento das profundas diferenças que separavam os países ricos e pobres, em que a relação dominação/subordinação representava a origem dessas desigualdades, sendo que os séculos de dominação colonial e sua conseqüente descendência estavam nas raízes da pobreza de mais de 2/3 da população mundial. Tomou-se consciência de que, nas diferentes etapas pelas quais passaram as formações sociais capitalistas em sua consolidação, desde o século XV, até chegar a sua contemporaneidade, esteve na origem demarcatória da linha de pobreza que dividiu o mundo em desenvolvido e subdesenvolvido.

Portanto, as origens dessas desigualdades são bastante antigas.

Mesmo nos dias atuais, quando o mundo presencia profundas transformações na natureza dessas relações de dependência, em que o processo da globalização e a formação aos quais Braudel e Wallerstein chamaram de Economia Mundo e Sistema Mundo, as relações de dependência dos países pobres com os ricos persistem.

Atualmente, ao que se convencionou chamar da era da globalização, economia ou sistema mundo, quando o capital adquire, no seu processo de acumulação, novas feições, em grande parte dos países que até então eram chamados de desenvolvidos, movendo-se para as mais diferentes regiões do mundo, inclusive para os subdesenvolvidos, criou-se a ilusão de que a divisão do mundo em dois grandes blocos desenvolvidos x subdesenvolvidos vem desaparecendo. Porém, é muito temerário apostar nesse desaparecimento. Isso significa dizer que ainda é válido continuar trabalhando com essa divisão regional do mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Outras designações

usadas até hoje para diferenciar o poder tecnológico e do capital entre Estados e nações como países do Primeiro e Terceiro Mundo, países do Norte e do Sul, numa alusão ao fato de que é no hemisfério norte que se concentram as grandes potências do mundo, ao contrário do hemisfério sul, onde está localizada a grande pobreza do mundo, auxiliam também a perceber os grandes conjuntos formados por Estados que se encontram em diferentes estágios de desenvolvimento socioeconômico.

Mais importante que o compromisso estático com essa ou aquela classificação é discutir com os alunos as desigualdades concretas existentes entre essas diferentes sociedades; ajudá-los a compreender quais são os processos políticos, sociais e econômicos que interferem na distribuição da renda, origem das grandes desigualdades sociais; por exemplo, como as relações de trocas comerciais e a circulação financeira internacional interferem na política de desenvolvimento interna dos Estados, criando relações de dependência entre eles. Segundo o professor Octavio Ianni: .A idéia de sistema mundial reconhece novas realidades da globalização, mas persiste a tese das relações internacionais, o que reafirma a continuidade, vigência ou preeminência do Estado-nação, reconhece a disparidade entre os Estados nacionais, quanto à capacidade no cenário mundial em termos políticos, econômicos, militares, geopolíticos, culturais e tantos outros... mas tende a ver o

mundo como um todo que se volta para a interdependência negociada, administrada, pacífica. Supõe a paz entre as nações dominantes e subordinadas, ou centrais e periféricas, como tendência necessária, predominante ou ideal realizável.

Tão importante quando discutir com os alunos as novas relações socioeconômicas que emergem no interior do processo da globalização, redesenhando as relações de negociações entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, é discutir a nova Ordem Política Mundial.

Enquanto a origem histórica da divisão do mundo em dois grandes conjuntos os desenvolvidos e os subdesenvolvidos . nos remete ao século XV, a divisão do mundo em dois blocos (capitalismo x socialismo) surgiu logo em seguida ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando se estabeleceu a chamada Guerra Fria, que perdurou até os anos 80. O alinhamento político e ideológico que se configurou, a partir de então, entre os Estados e as nações do mundo significou, em última instância, uma luta pela hegemonia política e ideológica do mundo entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética, hoje CEI (Comunidade dos Estados Independentes). A linha de divisão que separava esses dois blocos comandava a maioria das decisões nas relações internacionais, como também aquela que acontecia no interior de cada Estado, colocados em posição de confronto no interior desses blocos.

Após quatro décadas de permanência desses blocos, o mundo presencia uma nova Ordem Mundial entre os Estados e as nações. Em lugar de dois blocos políticos e ideológicos antagônicos, o mundo presencia a emergência das relações internacionais fundamentadas na lógica da coexistência no interior de uma pluralidade política e ideológica.

É importante que o professor discuta com os alunos essas aberturas que vêm ocorrendo no plano das relações internacionais, tanto no plano econômico quanto no político e seus desdobramentos nas novas relações de aproximação entre os países socialistas e capitalistas. Mais do que ficar polemizando entre os avanços e recuos desses dois grandes sistemas políticos e econômicos, faz-se necessário ajudar o aluno a compreender e explicar as novas condições que regulam as atuais relações no cenário internacional, a exemplo da aproximação entre os Estados Unidos e a CEI e a incorporação de Hong Kong ao socialismo chinês.

Cada vez mais torna-se evidente que não foi somente o mundo que mudou, mas, também, as leituras teóricas que vêm sendo feitas sobre ele. As leituras reducionistas, que explicavam tudo em função de conjuntos rígidos movidos por interesses políticos e econômicos, perdem lugar para permitir incluir outros feitores e outras leituras, como as culturais e religiosas. As complexas relações e conflitos no Oriente Médio, nos Balcãs ou na África têm componentes mais complexos e que por muito tempo foram mascarados pela divisão do mundo em grandes blocos. Uma grande contribuição que o professor poderá dar aos seus alunos é ajudá-los a desvendar toda essa complexidade, incorporando os fatores socioculturais para esse desvendamento e melhor compreensão dos grandes conjuntos de Estados e nações que constituem o mundo contemporâneo.

Estado, povos e nações redesenhando suas fronteiras

O aluno nessa faixa etária de sua aprendizagem já pode começar a compreender o significado da política e dos conflitos étnicos e sociais que ocorrem no interior das sociedades.

O professor deverá ajudá-lo na compreensão de que, em grande parte, esses conflitos nascem

da disputa pelo poder, seja de uma classe, etnia ou de um território sobre outro.

Porém, nem sempre é fácil para o professor enveredar por esses temas e conteúdos e ao mesmo tempo manter-se metodologicamente compromissado com a análise geográfica.

Obviamente que nem o professor, que não é um especialista em ciência política, nem o aluno, que começa a se exercitar nessa área do conhecimento de sua realidade, deverão colocar uma camisa-de-força ou se auto-policiar na discussão desses temas. Porém, a advertência é a de que não se distanciem demais do seu objeto de estudo, que é a ,espacialidade desses fenômenos.

Temas como o território, Estado e nação poderão ser trabalhados analisando-se e permitindo ao aluno compreender como eles, no processo histórico, estão sempre sendo redefinidos; como a mobilidade das fronteiras está no interior da explicação dos processos e conflitos que ainda emergem regionalmente em vários continentes.

Conteúdos como os dos espaços das minorias nacionais, étnicas, culturais, permitem uma abordagem de profundo significado geográfico. Isso em razão de que quase todas essas minorias têm raízes na maneira como foram, muitas vezes, .enclausuradas. no interior de certos espaços das sociedades majoritárias com os quais não se identificam e acabam desencadeando, muitas vezes, lutas sangrentas para adquirir sua autonomia territorial.

Outros temas e conteúdos, como o das relações internacionais, poderão também ser colocados para que os alunos possam se inteirar e compreender os processos da nova ordem mundial. Antes de mais nada, explicar o significado do tempo, pois o aluno nessa fase da maturidade não tem ainda acumulada a memória para compreender o seu significado. Nessa nova ordem, trazer para a explicação o significado da importância dos grandes organismos internacionais que foram criados para mediar as relações internacionais entre os Estados, povos e nações do mundo. Organizações estas que deverão ter por compromisso ético combater as ditaduras e todas as formas arbitrárias de repressão sobre trabalhadores, minorias étnicas e nacionais, e garantir a liberdade de expressão e circulação de pessoas.

Uma região em construção: o Mercosul

O tema Mercosul tem um significado especial. Ele vem sendo encarado como uma possível saída para alguns países da América do Sul, dentre eles Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Seu objetivo é buscar formar um mercado comum de países que guardam uma herança histórica comum na colonização ibero-americana que marcou anos de dependência econômica dos países europeus.

É verdade que os quatro primeiros países guardam entre si a contigüidade de fronteiras, o que por si só favorece a integração em um bloco regional com interesses comuns.

A bacia do Prata, compartilhada pelos quatro primeiros países, representa um fator de grande relevância para essa integração. Porém, recuperando a idéia inicial de que uma região não se define apenas pelas interações físicas territoriais, mas, também, pelo .jogo de comunidades de interesses identificados a uma certa área., o Chile, assim como outros países, pôde se integrar a esse novo bloco regional em construção.

É importante que o professor, ao trabalhar este tema, procure analisar os fatores que deverão orientar a concretização desse projeto.

Em primeiro lugar, que os interesses que motivaram essa proposta está alicerçada em interesses na construção de um mercado comum que, mediante a supressão das barreiras alfandegárias, possa incrementar as trocas comerciais e chegar mesmo à realização de uma integração empresarial entre seus países. Com isso se procurará uma maior autonomia no interior do processo de globalização pelo qual passa a economia mundial.

Em segundo lugar, que a possibilidade de efetivação dos seus objetivos passa pela aproximação cultural dessas nações. A familiaridade entre a língua portuguesa e a espanhola, herdadas da colonização ibérica, já representa uma relativa garantia. A liberação das fronteiras para o livre trânsito da população entre esses países estaria favorecendo essa aproximação sociocultural. Vale lembrar que o turismo entre eles já vem se realizando há muito tempo, o que significa uma relativa familiaridade no convívio com suas paisagens.

Cabe lembrar que os quatro países fundadores do Mercosul, além de uma história comum no bojo da colonização latino-americana, também compartilharam de uma história de conflitos por territórios. A Guerra do Paraguai e a anexação do Uruguai pelo Brasil foram episódios que envolveram os quatro países direta e indiretamente. Portanto, a criação desse bloco regional vem significar, também, o resgate histórico e a consolidação desses Estados nacionais numa aliança internacional, que, além do estreitamento na relação entre povos, significa, também, a criação de uma certa frente de resistência ao processo de globalização pelo Primeiro Mundo.

Ao abordar essas questões, o professor deve evitar generalizações, pois esse bloco sequencial não está plenamente consolidado em suas instâncias políticas, econômicas e socioculturais, mas, sim, em vias de consolidação.

Disso se conclui que vários são os itens que poderão se desdobrar na explicação e compreensão dessa possível integração. Entre eles pode-se destacar os seguintes: estágio de desenvolvimento do processo de produção e consumo dos países-membros, demografia, escolaridade e desenvolvimento tecnológico e problemas ambientais comuns.

Paisagens e diversidade territorial no Brasil

Neste tema pode-se buscar compreender o enorme quebra-cabeças que é o Brasil em sua diversidade e especificidades regionais. Longe de abordar a regionalização como um processo decorrente apenas de uma divisão territorial administrativa, onde as regiões são estudadas isoladamente do conjunto que é o Brasil, pode-se procurar discutir com os alunos os aspectos sociais, culturais e ambientais que caracterizam as paisagens brasileiras naquilo que define a sua diversidade, especificidade e naquilo que as articula ao todo.

O Brasil é uma união de diversidades socioculturais, mas ao mesmo tempo guarda uma unidade que pode ser identificada pelos jovens por meio de temáticas variadas de estudo, seja no estudo das redes urbanas, na agricultura ou nas manifestações culturais que dão significado e identidade às regiões brasileiras. Por exemplo, ao estudar a caatinga nordestina, compreender as diferentes caatingas como um lugar onde vive uma grande parcela da população brasileira, que se identifica pelos hábitos e costumes, dentro de uma historicidade regional, que passa pela compreensão de suas raízes históricas.

O professor pode buscar um trabalho com as heterogeneidades regionais sem fragmentar a sua análise geográfica, para discutir como se deu o desenvolvimento desigual das regiões brasileiras dentro de uma visão sociocultural ampla e não apenas econômica.

São temas de estudo deste eixo desde os condicionantes físicos, como o clima semi-árido, até suas relações com as diferentes formas de viver, produzir e pensar o Nordeste.

Evidentemente, para o ensino fundamental, não se pretende esgotar o estudo regional do Brasil, mas introduzi-lo.

No quarto ciclo, o estudo das paisagens brasileiras pode ser introduzido por meio de relatos e imagens e vinculado ao estudo de História. Além disso, o trabalho com a linguagem gráfica pode ser aprofundado e ampliado na leitura crítica das representações cartográficas, analisando, correlacionando e comparando fenômenos.

Considerou-se relevante que os alunos pudessem estudar paisagens brasileiras humanizadas, com maior grau de modificação impresso pelas diferentes formas de expressão da pluriculturalidade brasileira. Em relação à Geografia, cujo objeto de estudo é a relação sociedade/natureza, tais paisagens possibilitam um estudo mais aprofundado de questões próprias de cada região, em relação às possibilidades cognitivas dos alunos. Considerou-se que, embora ainda não haja a possibilidade de análise profunda dos processos de produção do território, os jovens já podem compreender a ação do homem como modificadora da paisagem, que percebem pelas marcas deixadas pela cultura. Os estudos que estarão acontecendo em História também permitirão novamente a interdisciplinaridade: estudar onde, como e por que o Brasil foi povoado leva, necessariamente, a uma abordagem da história da paisagem. A vida nas primeiras vilas e cidades: quem eram seus habitantes, quais suas atividades, como eram suas casas, como se locomoviam de um lugar a outro, como conseguiam o que necessitavam e outras questões desse tipo podem ser levantadas e respondidas pelos alunos.

O professor pode optar por várias maneiras de enfocar o assunto, entretanto, não deve deixar de estudar paisagens urbanas e agrárias, estabelecendo comparações entre estas e as paisagens estudadas nos ciclos anteriores.

Novamente, neste ciclo, o que se espera é que os jovens tenham um imaginário geográfico mais completo, um vocabulário que lhes permita descrever, expressar-se, representar, questionar sobre as diferentes paisagens, compreendendo as relações socioculturais e a identidade, que discutam os modos de produzir as desigualdades, confrontando-os com as grandes questões socioambientais brasileiras. Outro tema, que pode ou não ser enfocado juntamente com o primeiro, é o de histórias da região, tendo como objetivo que os alunos conheçam e valorizem sua região.

A entrada deste estudo pode ser feita a partir de vários modos: pela toponímia regional, hábitos alimentares, paisagens típicas, história da ocupação etc. É importante que diga respeito às histórias da região onde vive o aluno. Embora as regiões sejam, na maior parte dos casos, compostas por cidades e/ou Estados com características próprias, cada escola pode optar por fazer um recorte mais adequado às suas particularidades. O fundamental é que os jovens compreendam alguns aspectos da história do povoamento e a expressão das desigualdades regionais, pelas marcas deixadas na paisagem natural e cultural.

Os conteúdos conceituais poderão ser abordados principalmente mediante procedimentos de pesquisa. A leitura de imagens, o trabalho com diferentes tipos de documentos, a narrativa, os filmes, as fotografias, os textos literários, os jornais, as revistas, o estudo do meio poderão prosseguir, entretanto, com autonomia, e com o aumento das competências para leitura, escrita e cartografia dos alunos é possível aperfeiçoar procedimentos, tais como: entrevistas e enquetes; pesquisas em livros, revistas, jornais e enciclopédias; consultas a arquivos, atlas e mapas; registro e organização de informações em arquivos, diários, cadernetas de campo e coleções; participação em eventos culturais; visitas a museus e lugares históricos; visitas a locais significativos (indústrias, plantações, comércio, unidade de conservação); (re)apresentação das informações por meio de painéis, exposições, folhetos, cartazes, jornal mural, seminários e campanhas.

A interface com temas transversais, novamente, poderá ser mediada pelas questões ambientais e culturais, desta vez abordando o uso e a conservação dos recursos naturais e a pluralidade cultural como marca da heterogeneidade das paisagens e lugares.

O estudo da linguagem gráfica, também neste eixo, deve ser trabalhado conjuntamente com os estudos e também independentemente. Ao se tratar da história da paisagem e da região, devem-se ter mapas em que estas possam ser localizadas: mapas que mostrem como estavam localizadas em relação à costa litorânea, aos rios, às florestas, às montanhas, ou mesmo umas em relação às outras paisagens e regiões brasileiras. Ao se estudar a região, também é importante construir seu quadro físico e político pelo estudo dos mapas, mapeamentos, produção de croquis.

Simultaneamente, o trabalho de aquisição do sistema de representação cartográfica deve prosseguir, aumentando seu grau de complexidade. Nesta etapa, os jovens já podem conhecer e utilizar as diferentes escalas e as legendas, bem como a proporcionalidade.

Podem fazer mapas e maquetes com maior precisão. Podem sobrepor mapas e criar mapas síntese, como mapa da vegetação ou de relevo cruzado com mapas de problemas ambientais.

Espera-se que, neste tema, os alunos construam um repertório de conhecimentos sobre a formação do território nacional, conheçam características de diferentes paisagens brasileiras, descobrindo a questão da diversidade humana e natural que marca profundamente o Brasil: a concentração e o despovoamento humano de determinadas regiões, as diferenças culturais, assim como as climáticas e sua influência socioambiental, a vegetação e o relevo nas diferentes paisagens, a formação cultural e suas relações socioambientais. Mais do que aprender a nomear fenômenos geográficos, o fundamental é que os alunos entendam que, dentro de uma extensão territorial chamada .Brasil., existem diferentes lugares, e que consigam estabelecer algumas relações entre os grupos sociais, o clima, a vegetação e o relevo, sobretudo, apreciando e valorizando essa diversidade, construindo elos afetivos. Podem aprender a observar, descrever, relacionar, comparar, questionar e interpretar os diferentes aspectos geográficos das paisagens e do território.

O enfoque dos estudos poderá centrar-se, inicialmente, nas características atuais das paisagens, a partir das próprias experiências. O significado conceitual das leis e processos que definem a dinâmica das paisagens exige uma construção passo a passo o que já vinha sendo apresentado ao aluno no terceiro ciclo.

Eixo 3: modernização, modos de vida e a problemática ambiental

Neste eixo o importante é polemizar a questão dos modos de vida atuais, sejam eles urbanos ou rurais, evidenciando os aspectos sociais, culturais e ambientais comumente percebidos como produtos da modernidade, da evolução da técnica, do acesso e imposição de tecnologias nos diferentes lugares do mundo. É intenção mostrar um mundo de contrastes, de tradições, de rupturas. Neste sentido pode-se trabalhar novamente a técnica sob novo enfoque, associando-a a conseqüências e problemas da atualidade, como a poluição provocada pelo modo como a urbanização e a industrialização ocorreu. Outra abordagem pode ser feita pelo estudo dos hábitos de consumo, comparando aqui diferentes formas de viver, pensar e trabalhar nossas relações com as paisagens. Discutindo o papel das indústrias, que espalharam pelo mundo suas marcas e produtos, pode-se questionar juntamente com os alunos a padronização ou homogeneização dos desejos e sonhos da sociedade consumista.

A abordagem sempre pode se encaminhar para uma leitura sociocultural, uma vez que as possibilidades de sedução ao consumo não permeiam igualmente toda a sociedade.

Exemplos de como tematizar podem ser tomados pelo estudo das redes de comércio, mediante o estudo das redes de supermercados e shopping centers e o seu significado no modo de vida atual nas cidades.

A discussão sobre o consumo e o modo de vida, ao ser analisada do ponto de vista da globalização, não deve deixar de mostrar os seus aspectos contraditórios. Por exemplo, apesar dos constantes bombardeios da mídia, poucas pessoas têm dinheiro para comprar tudo o que o mercado, em tese, oferece. Isso expõe um outro lado do consumo, ou seja, apesar de todos os dias recebermos uma carga de propagandas para desenvolver a vontade de comprar, o consumo efetivamente se realiza apenas para uma parcela da população brasileira. Apesar de qualquer pessoa das mais diferentes classes sociais e culturais estar, de certo modo, integrada à cultura do consumo, o sonho de obter os mais modernos lançamentos da indústria não é realizável para todos.

Discutindo o modo como se desenvolveu a agricultura e a sua espacialização, pode-se questionar também a apropriação de modelos desastrosos de produção de alimentos no que concerne aos danos socioambientais que provocaram. Aqui o professor pode trabalhar as diferentes agriculturas praticadas no Brasil, cruzando a problemática ambiental com as formas de produzir no campo.

Outro aspecto fundamental a ser trabalhado com os alunos é a constatação cada vez mais significativa de um grave quadro de pobreza de grande parcela da população mundial, somado a isso um grave estado de degradação ambiental. Discutir e apontar que ao mesmo tempo que há uma onda tecnológica sendo defendida para que a apropriação da natureza seja mais adequada, há também a pobreza e a exclusão e ausência de políticas concretas de médio e longo prazo para reverter a degradação socioambiental.

É interessante ressaltar que muitos problemas ambientais também estão globalizados, como o aquecimento global, a contaminação dos oceanos e a perda de biodiversidade. As exportações de produtos tóxicos, o buraco da camada de ozônio e o desmatamento são os mais graves sinais de uma lista crescente de impactos ambientais de escala mundial.

Essa análise deve ser feita sempre considerando os impactos local, regional e global.

A globalização da economia tem contribuído para o acirramento das desigualdades. De um

lado tem permitido que vários países localizados em vários pontos do planeta tenham acesso às grandes conquistas das tecnologias. Mas de outro tem gerado um quadro de super exploração dos recursos da natureza, atingindo até mesmo recursos básicos como o ar e água. Para buscar soluções, muitas pesquisas são realizadas em conjunto pelos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Porém, ao mesmo tempo, nem todos participam dessas vantagens obtidas pelas pesquisas.

É importante também abordar que a sociedade tem reagido de diferentes maneiras.

Existem na atualidade grandes grupos ecológicos em defesa dos ecossistemas do planeta cada vez mais se unindo no mundo todo. Os movimentos sociais de luta pela melhoria da qualidade de vida, pelo trabalho, pela moradia, entre outros têm mostrado que questões sociais e ambientais não podem ser tratadas como lutas separadas.

A reflexão de alunos e professores sobre a globalização, que trouxe, entre outras coisas, um modo de vida baseado nas crescentes necessidades de consumo, criou uma sociedade produtora do desperdício, impondo um grande desafio aos modos de viver das sociedades majoritárias contemporâneas, é fundamental. Um aspecto a ser trabalhado com os alunos, nesse sentido, é discutir as responsabilidades, justamente porque os jovens são o alvo dos crescentes apelos de consumo. Muitas pessoas nem sabem que tudo aquilo que consomem, na forma de plásticos, metais, madeiras, papéis, vem da natureza e, portanto, deveria ter um valor especial e não descartável.

Neste eixo podem ser criadas situações de ensino em que o professor pode historicizar as relações entre modo de vida e problemas ambientais, buscando desenvolver a conscientização local e global dos problemas ambientais e suas possíveis soluções.

O professor pode comparar diferentes modos de vida contemporâneos e discutir como se estabelecem as relações com o ambiente. A comparação pode ser também com outras épocas, buscando mostrar que o modo de pensar e agir em diferentes épocas levou

à busca de diferentes soluções.

O processo técnico-econômico, a política e os problemas socioambientais

O processo técnico-econômico pode ser entendido como o modo como a sociedade opera no espaço, como a sociedade, produtora de saber tecnológico, solucionou problemas de sobrevivência, de melhoria da qualidade de vida, de processos produtivos. As tecnologias desenvolvidas pela sociedade foram historicamente sendo criadas dentro de contextos que devem ser compreendidos como um processo que sempre foi espacialmente desigual. Neste tema propõe-se uma leitura espacial do processo de desenvolvimento das técnicas; por exemplo, o professor pode trabalhar as questões energéticas, transportes, habitação, industrialização e agrarização do mundo, analisando como as técnicas tiveram um papel fundamental no modo de viver das sociedades e como foi por meio delas que o homem desenvolveu grande capacidade de transformação da natureza. As técnicas foram soluções pensadas, planejadas e aplicadas por diferentes segmentos sociais em diferentes épocas e lugares. É muito importante, neste tema, problematizar com os jovens como isso se deu e como isso se reflete no modo de viver e pensar de uma sociedade. Como as atividades tecnológicas de uma população são a chave da compreensão de seu universo psicológico.

Aqui os conteúdos trabalhados devem permitir um amplo diálogo com as outras áreas e os temas transversais.

Alimentar o mundo: os dilemas socioambientais para a segurança alimentar

Neste tema o professor pode aprofundar a discussão sobre os problemas socioambientais que a agricultura enfrenta no mundo atual. Pode discutir as contradições de uma enorme produção de alimentos diante da fome e a da insegurança alimentar deste final de século, em que milhares de pessoas sofrem de subnutrição. Pode introduzir o tema da fome, relativizando a discussão já iniciada no terceiro ciclo sobre produção de alimentos, estrutura agrária e agricultura comercial de exportação. Neste tema pode-se integrar a discussão da agricultura, questionando os modelos de produção predatórios, suas consequências socioambientais, discutir os novos modelos produtivos que vêm sendo propostos numa agricultura alternativa.

Uma das questões de fundo para o professor discutir com seus alunos é a polêmica sobre como alimentar as grandes metrópoles deste final de século, equacionando o problema da agricultura predatória pregada pela modernização da Revolução Verde. Pode-se discutir

como as novas relações comerciais entre países interferem nas questões da produção de alimentos e sua industrialização. O professor pode também introduzir a discussão sobre hábitos alimentares, que parece muito oportuna para os adolescentes, que buscam se identificar também com um certo estilo de vida, procurando discutir padrões de alimentação, qualidade da alimentação e problemas ambientais de sua produção. Nos movimentos verdes das décadas de 60-70 havia um grande apelo à construção de uma crítica dos costumes que passava pela posição radical de alguns grupos quanto a seus hábitos alimentares, como não consumir carne bovina, uma vez que as pastagens e a criação de animais geram impactos ambientais. Várias .tribos. de jovens surgiram em torno de certos rituais espirituais ligados a uma .cultura. alimentar, por exemplo, os vegetarianos, os macrobióticos etc.

É muito importante também discutir e aprofundar a discussão sobre o trabalho no campo, a reforma agrária e as lutas camponesas. No Brasil, como já foi apontado no terceiro ciclo, existe uma questão política em torno da propriedade da terra que favorece a concentração fundiária e expropriação no campo.

Ambiente urbano, indústria e modo de vida

O estudo das relações entre o ambiente urbano, o modo de vida e o processo de industrialização poderá ser realizado a partir da análise de como foi, historicamente, definida a divisão técnica e social do trabalho e como a indústria marcou profundamente o espaço urbano. É importante mostrar que a paisagem urbana, quando associada à indústria, muda conforme o tipo de indústria. Pode-se aqui resgatar o processo histórico que caracterizou o surgimento da indústria, suas fases e a expansão mundial e suas relações com as cidades. O professor pode criar temas para discutir o mundo industrializado em que vivemos, identificando o papel da indústria no modo de vida urbano. O ritmo da cidade, os deslocamentos urbanos, os movimentos migratórios, a moradia, enfim vários são os aspectos da vida urbana que podem ser identificados, questionados e explicados quando se estuda a relação indústria e ambiente urbano.

O conceito de formação socioespacial já apresentado nos eixos do terceiro ciclo pode ser retomado. Aqui gostaríamos apenas de relembrar que esta é uma categoria que permite ampliar a compreensão do espaço em sua historicidade intrínseca em todas as suas transformações. É por meio dessa categoria que podemos compreender o papel da indústria na paisagem urbana como uma herança de processos históricos. Assim, as diferentes formas de expressão dessa indústria podem ser interpretadas em seu papel como construtor e animador das paisagens urbanas.

Ao trabalhar itens que se desdobram desse tema, como as relações de produção na indústria, o processo de modernização da indústria, a mobilidade espacial dos trabalhadores, a sua moradia, o sistema viário e as formas como a indústria comanda os fluxos nas cidades, se estará inevitavelmente trabalhando com as idéias do novo e do antigo e os possíveis conflitos existentes entre eles em seus ajustamentos históricos.

A convivência de uma grande diversidade de tipos de indústrias e formas de trabalho e de demandas de recursos naturais que elas geram podem ser expressas por uma compreensão das necessidades geradas a partir da industrialização e mundialização da sociedade industrial. O papel dos portos, das rodovias, dos meios de comunicação pode ser estudado como parte integrante da construção do ambiente urbano. Os problemas ambientais decorrentes do processo como se deu a industrialização são importantes entradas para a discussão, uma vez que são eles, muitas vezes, os mais perceptíveis na paisagem urbana.

Cabe lembrar que as diferentes relações com a natureza e com o trabalho devem ser tratadas como processos interativos. O professor pode criar temas, como o da questão das relações de trabalho, da moradia, do desemprego etc., como forma de problematizar a relação indústria/ambiente urbano.

Pode também ampliar essa discussão propondo análises de problemáticas globais relacionadas à sociedade industrial, tais como o aquecimento global da atmosfera, as chuvas ácidas, a morte de nossos rios, o desmonte do relevo na paisagem urbana, as grandes concentrações populacionais nas grandes cidades e metrópoles, a interdependência das indústrias, a terceirização da produção etc. Neste tema podemos rever o que vinha sendo discutido em relação às cidades no terceiro ciclo.

O Brasil diante das questões ambientais

A sociedade brasileira também debate as questões ambientais que afligem o mundo.

Mas ela enfrenta essas questões de um modo próprio, específico, pois os modelos de desenvolvimento implantados no país resultaram em desigualdades profundas, com deterioração da qualidade de vida e degradação ambiental. Este tema pode ser trabalhado abordando a questão do desenvolvimento desigual que ocorreu no Brasil como base para explicar as heterogeneidades espaciais e contextualizar as questões ambientais dentro de um processo socioeconômico e cultural.

Trabalhar as questões ambientais no Brasil envolve, portanto, um desafio grande do professor na sua compreensão dos processos históricos e geográficos que definiram as políticas públicas que em grande parte são a causa e a conseqüência dos problemas socioambientais atuais. Por exemplo, não é possível discutir o desmatamento da Amazônia sem buscar compreender o processo de ocupação, a questão agrária, o ciclo da borracha, as populações indígenas, as novas cidades, a questão energética, a política de integração nacional e a abertura de grandes estradas, entre outros. Do mesmo modo, a poluição urbana e rural deve ser discutida à luz do modelo de industrialização implantado no país. A concentração industrial nas regiões Sudeste e Sul e a expansão industrial recente no Nordeste e no Centro-Oeste devem ser temas tratados conjuntamente quando se discute a questão ambiental. Essa concentração ocorreu em pontos específicos do Brasil, ocasionando grande crescimento urbano, barateando os custos de produção, criando oferta de mão-de-obra e mercado consumidor, crescimento desordenado das cidades com graves consequências para a qualidade de vida. É importante discutir, também, o impacto das novas tecnologias industriais e as soluções que vêm sendo implantadas para controlar a poluição nos grandes centros urbanos. Ainda no meio urbano, discutir as questões da qualidade de vida, tais como a moradia, os transportes, a qualidade do ar, da água, a ocupação das áreas de risco e a destruição dos mananciais. Ainda neste campo é possível discutir o planejamento urbano por meio das áreas de conservação e proteção de recursos, tais como parques, áreas verdes e espaços livres urbanos.

Outro aspecto relevante a se relacionar é que no Brasil a industrialização foi financiada pelo aumento das exportações de produtos primários (a agricultura, a pecuária e a extração mineral e vegetal) e pela exploração intensiva dos recursos naturais. A concentração industrial provocou, ainda, intenso êxodo rural, e o contigente de migrantes passou a constituir-se em fonte de mão-de-obra barata para a indústria. Todos esses aspectos podem ser tematizados de forma que articule um pensamento explicativo da nossa industrialização, meio urbano e rural em relação à questão ambiental.

É importante discutir com os alunos como o modelo de desenvolvimento industrial adotado no Brasil foi responsável por uma intensa urbanização concentrada. Problematizar nos mais diferentes espaços brasileiros que o crescimento das cidades não tem proporcionado à totalidade da população acesso à moradia, abastecimento de água, esgotos, coleta de lixo e saúde. Desse modo, nas regiões metropolitanas, que contêm a maior parte do parque industrial brasileiro, os problemas relativos à poluição do ar e da água de origem industrial juntam-se aos provocados pela concentração de moradores e falta de infra-estrutura.

É importante também discutir os problemas ambientais do ponto de vista processual, ou seja, quando tratar da morte dos rios, o professor pode aprofundar e tematizar por que os rios morrem, quais processos naturais estão sendo comprometidos. Quando se estuda a poluição, o professor pode resgatar conteúdos já tratados no terceiro ciclo sobre o funcionamento da atmosfera e discutir como a poluição acontece, por exemplo, rediscutir as ilhas de calor, as inversões térmicas, as geadas. No caso dos solos, discutir como ocorre a erosão, a desertificação, os deslizamentos de terra e suas relações com o desmatamento, a irrigação ou o uso excessivo dos solos.

É nesse contexto que as questões ambientais brasileiras emergem. Vários itens sobre os problemas ambientais urbanos e rurais podem ser enfocados a partir da compreensão desse contexto.

Ambientalismo: pensar e agir

Para enfrentar os problemas ambientais, diversas associações têm se mobilizado para protestar e reivindicar melhores condições ambientais e de vida. Também os sindicatos de trabalhadores das indústrias têm assumido um papel importante na denúncia de indústrias poluidoras, relacionando os problemas do meio ambiente com as condições de saúde dos operários.

À medida que a preocupação com o meio ambiente se expandiu pela sociedade, vários países foram progressivamente incorporando essa questão em suas políticas públicas, dando origem a uma série de iniciativas governamentais e não-governamentais, seja no campo da legislação, seja na educação etc. É essencial que o aluno contextualize esse processo no Brasil e no mundo, percebendo suas relações históricas, políticas e econômicas.

Muitos acontecimentos, antes vistos como normais, porque fazem parte da maneira como a sociedade funciona, passaram a ser relacionados com a questão ambiental e a ser vistos também como um problema desse tipo. No Brasil o movimento ambientalista surge quase duas décadas depois de uma série de iniciativas nos países desenvolvidos. Aqui a destruição do ambiente permaneceu, durante muito tempo, como uma questão a mais, sem apresentar uma importância própria. Somente nos anos 70, com uma série de manifestações da sociedade civil, é que começa a se difundir o ambientalismo.

Para o professor o trabalho com essa questão envolve muitas possibilidades. Contudo, tratar da questão ambiental do ponto de vista político é uma tarefa complexa. Porém, por meio de estudos de caso o professor pode introduzir e historicizar o processo no contexto brasileiro e mundial. Por exemplo, ao estudar a destruição de forma mais acentuada dos lugares onde se encontravam as atividades econômicas predatórias, pode-se introduzir como se articularam os movimentos de proteção ambiental. Como eles avançaram no questionamento do modelo de desenvolvimento dos governos e de países. O estudo do desmatamento, seja na Amazônia ou na Mata Atlântica, oferece amplas possibilidades de recortes para compreender a ação dos diferentes grupos de atuação nas florestas tropicais.

É essencial que o professor contextualize a situação do Brasil e sua inserção no movimento ambientalista mundial, pois, enquanto no mundo todo já se debatiam as questões ambientais, no Brasil o desenvolvimento econômico continuava sendo considerado o único caminho para a solução de seus problemas de .miséria e atraso.. Discutir com os alunos que, apenas nas décadas de 70 e 80, os movimentos ambientalistas começam a aparecer publicamente, no Brasil, ainda no contexto na ditadura militar. Grandes movimentos populares surgem nas décadas de 70 e 80, questionando e reivindicando participação política nas decisões do país. Os movimentos ambientais surgem também nessa época apesar de não se considerarem movimentos ambientalistas.

Novamente é preciso relativizar para compreender. No meio rural, por exemplo, o modelo de desenvolvimento predatório adotado no Brasil atingiu tanto o ambiente quanto

as populações rurais, que viviam numa interação mais imediata com a natureza. Essas

populações, resistindo à destruição de seu modo de vida, à perda da terra para trabalhar e

viver, unem-se em movimentos como os da luta por terra, de atingidos por barragens, de

seringueiros e de defesa dos povos indígenas. Sem se denominarem ambientalistas,

organizam-se em defesa de sua sobrevivência e, assim, passam a questionar o modelo de

desenvolvimento econômico. De outro lado, os movimentos ambientalistas de origem

urbana, guiados por uma consciência da perda de uma relação com a natureza, unem-se

contra o modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente. As camadas mais pobres,

que lutam por moradia, saneamento básico, áreas de lazer, entre outras coisas, também se

unem por uma causa socioambiental.

Também nas periferias das grandes cidades, nos bairros onde se concentram as populações mais pobres, organizam-se, a partir da década de 70, diversos movimentos populares que lutam pelo direito ao saneamento básico, às redes de água e esgoto, ao atendimento à saúde, ao serviço de coleta de lixo, à urbanização de favelas etc. Esses movimentos lutam pela melhoria do ambiente urbano e pela qualidade de vida de seus habitantes.

Os problemas ambientais brasileiros são uma herança de um tipo de progresso criado pela era industrial, que os alunos podem compreender e explicar, identificando espaços de ruptura ou completa adesão ao modelo de progresso adotado no Brasil.

Como é o ambientalismo no Brasil? Este é um outro item de estudo. O movimento ecológico no Brasil vive a fase de sua maior diversidade de pontos de vista e atuação. Em diferentes situações, é por meio das lutas ambientais que a sociedade tem conseguido mostrar a sua oposição às decisões autoritárias de governos e até mesmo influir nas tendências políticas.

Apesar de o ambientalismo ultrapassar certas diferenças que existem na sociedade, no interior do movimento ecológico há visões muito distintas em relação à luta pela proteção da natureza.

É possível identificar, nas tendências, quatro diferentes linhas de atuação, tais como os movimentos fundamentalistas, realistas, ecossocialistas, ecocapitalistas. O aluno, ao estudar um pouco da história dos movimentos, pode compreender os diferentes tipos de atuação e suas conseqüências espaciais, nas conquistas conservacionistas; ampliar, com isso, ainda mais a sua visão de sociedade de interesses plurais, tornando-se um aspecto

significativo na conquista da cidadania.

Além disso, é muito importante debater os movimentos ambientalistas para além das fronteiras territoriais. Por exemplo, no Brasil os movimentos ambientalistas estão organizados em torno de entidades privadas da sociedade civil. Em outros países existem grandes entidades com vínculos governamentais ou não. Muitas organizações não-governamentais(ONGs) estrangeiras atuam junto ao governo brasileiro buscando influenciar a construção de suas políticas públicas, é o caso, por exemplo, da IUCN, WWF, Amigos da Terra, entre outras. Muitas fundações privadas, como a Fundação Ford, Rockfeller, entre outras, também atuam no Brasil, apoiando projetos e entidades não-governamentais.

Explorar essas relações entre o público e o privado, o governamental e não-governamental é um ponto importante na formação de uma visão crítica dos atores sociais envolvidos na questão ambiental. É fundamental compreender todo esse universo de relações nacionais e internacionais para tomada de posição, escolhas etc.

Critérios de avaliação

Ao final do quarto ciclo os alunos devem ter avaliadas suas conquistas numa perspectiva de conclusão de uma fase de sua escolaridade. A avaliação deve ser planejada, assim, relativamente aos conhecimentos que serão recontextualizados e utilizados em estudos posteriores, no ensino médio e principalmente na vida prática. Para isso é necessário estabelecer alguns critérios. De modo amplo, são eles:

Quanto à operacionalização dos conceitos

. Reconhecer conceitos e categorias, tais como formação socioespacial, território, região, paisagem e lugar, e operar com eles, identificando-os com a área.

Com este critério avalia-se quanto o aluno se apropriou das categorias básicas da Geografia e tem-se clareza em relação ao conceito de diferentes territorialidades e temporalidades que definem os ritmos e processos sociais e naturais na construção das paisagens.

. Reconhecer que as paisagens e os lugares são produtos de ações propositivas dos homens em sociedade.

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de compreender que o mundo não é mágico e sim construído a partir de ações humanas, produto da participação de todos e que muitas vezes as decisões não emergem de consenso numa sociedade.

. Reconhecer nas paisagens a espacialidade e a temporalidade dos fenômenos geográficos.

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de compreender conceitualmente que os fenômenos geográficos têm uma espacialidade e que as paisagens geográficas expressam diferentes temporalidades da sociedade e da natureza.

. Conceituar os elementos espaciais e saber utilizá-los na linguagem gráfica para obter informações e representar as paisagens geográficas em mapas, croquis etc.

Com este critério avalia-se se o aluno sabe caracterizar os elementos da paisagem apropriando-se da linguagem espacial e utilizando-a como recurso para obter informações e representá-las.

. Reconhecer que a sociedade e a natureza possuem princípios e leis próprias e que o espaço geográfico é historicamente definido e resulta das interações entre ambas.

Com este critério avalia-se se o aluno sabe reconhecer a manifestação das leis próprias da natureza e da sociedade, relativizando a escala de importância no tempo e no espaço do

local e do global.

. Reconhecer e distinguir as grandes unidades de passagem em seus diferentes graus de humanização.

Com este critério pode-se avaliar se o aluno sabe identificar conceitualmente o que é extensão e fronteira de uma paisagem, sejam elas naturais ou históricas, compreendendo também que existe uma dinâmica na paisagem nem sempre reconhecível apenas pela imagem que ela nos transmite.

Quanto aos critérios procedimentais

. Saber utilizar procedimentos da pesquisa geográfica.

Com este critério avalia-se se o aluno se apropriou dos procedimentos de pesquisa para compreender o espaço, a paisagem, o território e o lugar, seus processos de construção, identificando suas relações, problemas e contradições.

. Saber fazer leituras de imagens, de dados e de documentos de diferentes fontes de informação.

Com este critério avalia-se se o aluno, pelo trabalho com diferentes fontes de informação, consegue analisar e relacionar informações sobre o território e os lugares e as diferentes paisagens e regiões.

. Saber utilizar a linguagem gráfica para obter informações e representar a espacialidade dos fenômenos geográficos.

Com este critério avalia-se se o aluno, pelo trabalho com a cartografia, consegue analisar e relacionar informações sobre o território e os lugares e as diferentes paisagens e regiões.

. Saber expressar-se oralmente e na escrita sobre a natureza do espaço como território e lugar.

Com este critério avalia-se se o aluno, pelo trabalho oral e com produção de textos, consegue analisar e relacionar informações sobre o território e os lugares e as diferentes paisagens e regiões.

. Saber desenvolver pesquisas sobre temáticas geográficas.

Com este critério avalia-se se o aluno adquiriu competências para fazer, com autonomia, pesquisa sobre a natureza do território, paisagens e lugares, valendo-se de recursos das imagens e de vários documentos que possam oferecer informações, ajudando-o em como fazer sua leitura geográfica.

. Construir, por meio da linguagem escrita e oral, um discurso articulado sobre as diferenças entre o seu lugar e a pluralidade de lugares que constituem o mundo.

Com este critério avalia-se o quanto o aluno se apropriou da categoria .lugar. na sua capacidade de se exprimir sobre os diferentes lugares próximos e distantes.

. Ler diferentes cartas em diferentes escalas, apropriando-se da representação cartográfica em seu cotidiano.

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir, com espírito crítico, aquelas mais adequadas para elaborar pequenos esboços sobre a realidade que vive ou que pretende estudar.

Quanto aos critérios atitudinais

. Agir e reagir diante de questões sociais, culturais e ambientais de modo propositivo e participativo.

. Desenvolver uma postura crítica em relação ao comportamento da sociedade diante das diferenças entre o tempo social ou histórico e o natural.

. Saber discernir as ações adequadas à conservação da natureza, desenvolvendo atitudes de respeito à vida.

. Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a pluralidade cultural, reconhecendo-os como direitos dos povos e indivíduos e elementos de fortalecimento da democracia.

Qualquer que seja a concepção de aprendizagem e opção de ensino, estas deverão estar voltadas à formação plena do educando. Portanto, deve-se ter sempre o cuidado de deixar claro quais são os métodos mais adequados que garantem atingir esse grande objetivo.

A simples relação criteriosa dos conteúdos a serem ensinados não representa uma garantia por si mesma para a formação plena do aluno. Cada pessoa representa um mundo de experiências vividas diferentes. Isso significa dizer que, na leitura e compreensão desse conteúdo, cada um interagirá de forma diferente: .A diversidade é inerente à natureza humana.. Assim, o professor deverá ter consciência que muitos deverão ser os recursos didáticos utilizados no processo da aprendizagem para contemplar essa diversidade que caracteriza o universo da sala de aula.

Quando o professor entra em uma sala de aula, muitos são os desafios que se apresentam a ele. É com esse espírito que deverá assumir o seu cotidiano profissional.

Cada aula será sempre um novo desafio, pois a dinâmica desse cotidiano é enriquecedora.

Portanto, uma sala de aula cada dia será diferente da anterior. Fugir das atitudes padronizadas, que congelam as multiplicidades de situações em que a relação professor/ aluno e área, torna-se um grande desafio.

É importante que ter consciência de que essa multiplicidade de situações, em alguns momentos, exigirá do professor uma atitude de mediador nas interações educativas com seus alunos. Outras vezes, poderá estar, juntamente com eles, criando desafios perante os conteúdos apresentados, que por sua vez poderão estar revelando a realidade do mundo do aluno. Talvez a mais difícil seja aquela quando o professor deverá assumir a direção da interação no processo educativo. A mais difícil, talvez, porque nesse momento deverá ter a clareza dos limites de sua intervenção para não anular a criatividade e a iniciativa dos alunos. Difícil, também, é o desafio que se coloca quando o professor deve assumir a atitude de sugerir caminhos para o educando no processo de aprendizagem dos conteúdos ministrados. As fronteiras entre o ato de sugerir e o de pontificar muitas vezes são pouco transparentes.

A sala de aula é um universo bastante complexo. Muitos são os fatores que estão interagindo no seu interior, desde o campo de afetividade entre os alunos e deles com a escola e o professor, o nível de maturidade e individualidade de cada um dos alunos, assim como o nível de conhecimentos prévios que cada um carrega consigo, a natureza do espaço físico e dos materiais e recursos didáticos usados na sala de aula, até eventuais acontecimentos inusitados que poderão ocorrer com os alunos e seus familiares, e com o seu cotidiano fora da escola. Tudo isso leva à reflexão sobre as seguintes condições que deverão ser propiciadas no interior da sala de aula :

1) desenvolver um clima de aceitação e respeito mútuo, em que o erro seja encarado como desafio para o aprimoramento do conhecimento e construção de personalidade e que todos se sintam seguros e confiantes para pedir ajuda;

2) que a organização da aula estimule a ação individualizada do aluno para que possa desenvolver sua potencialidade criadora, mas que, também, esteja aberto a compartilhar com o outro suas experiências vividas na escola e fora dela;

3) oferecer oportunidades, por meio das tarefas organizadas para a aula, em que vários possam ser os pontos de vista, permitindo ao aluno um posicionamento autônomo, fortalecendo, assim, sua auto-estima, atribuindo alguns significados ao produto do seu trabalho intelectual.

Esses fatores, que estimulam a reflexão sobre as interações educativas na sala de aula, deverão estar associados àqueles referentes às estratégias adotadas no processo de ensino e aprendizagem e seleção dos conteúdos a serem ministrados nesse sentido. Para que o professor possa obter melhores resultados na realização do seu trabalho, seria importante ficar atento para uma boa adequação entre a quantidade de informações a serem selecionadas em sua programação e a disponibilidade de tempo. Deve-se levar em consideração que existe uma diversidade entre um aluno e outro quanto ao potencial de trabalho em relação à quantidade de informações que é oferecida. Assim, também, deverão ser levado em consideração que cada aluno tem seu próprio tempo para amadurecer e trabalhar com esse conteúdo. Isso significa dizer que a organização das aulas e dos programas deverão criar um dinamismo que contemple essa diversidade, inclusive o grau de dificuldade que cada tipo de conteúdo apresenta para ser trabalhado pelos alunos.

Paralelamente a essa preocupação em relação à adequação de quantidade e natureza das informações contidas nos conteúdos curriculares e a escala de tempo pessoal com a qual cada aluno trabalha, deve-se, também, ter preocupação com a natureza dos materiais curriculares a serem utilizados. Os materiais curriculares serão mais ou menos eficazes à medida que permitam diferentes graus de leitura ou utilização. Isso justifica que esses recursos sejam os mais diversificáveis possíveis, que ofereçam múltiplas possibilidades de utilização em função das necessidades de cada situação e momento.

Essas considerações metodológicas e didáticas de caráter mais geral, que podem ser consideradas válidas para qualquer área do ensino e da aprendizagem têm a função de anunciar uma metodologia específica para o ensino de Geografia. Esta área, desde a sua consolidação no final do século XIX até os dias de hoje, veio apresentando significativas mudanças teóricas e metodológicas. Perceber essas mudanças e posicionar-se em relação a elas torna-se importante para que o professor possa estruturar suas estratégias no processo das interações educativas em sala de aula.

Uma observação atenta em relação às propostas teóricas e metodológicas da Geografia Tradicional, de fundamentação positivista, dificilmente poderá garantir a participação ativa por parte do aluno no processo de construção do saber geográfico. Para essa, o conteúdo a ser ensinado pode ser apresentado com toda sua objetividade, cabendo ao professor dirigir de forma rigorosa o discurso compromissado com suas verdades absolutas. Toda e qualquer dúvida deve ser abolida, cabendo ao aluno ouvir e registrar essas verdades, negando ao aluno a possibilidade de qualquer posicionamento crítico em relação a elas. Nesse sentido, a prática em sala de aula dessa visão de ensino da Geografia desconsiderava a diversidade entre os alunos. Em vez de sugerir, pontificavam. A relação sujeito/objeto na abordagem dos conteúdos se colocava delimitada por fronteiras rígidas. O professor se colocava como o único depositário do saber e o aluno um receptáculo passivo a assimilar suas verdades prontas.

Os avanços obtidos com as propostas teóricas e metodológicas da Geografia Crítica e da nova Geografia Humanista, colocando o saber geográfico como algo construído, guardando em si uma intencionalidade que deve ser desvendada, passou a permitir ao professor a possibilidade de um ensino de Geografia em que o aluno pudesse interagir com sua individualidade e criatividade não somente para compreender o mundo, mas também para construir o seu saber sobre esse mundo, fortalecendo sua auto-estima.

Sobre didática

O ensino de Geografia, de forma geral, é realizado mediante aulas expositivas ou leitura dos textos do livro didático. Entretanto, é possível trabalhar com esse campo do conhecimento de forma mais dinâmica e instigante para os alunos, por meio de situações que problematizem os diferentes espaços geográficos materializados em paisagens, lugares, regiões e territórios; que disparem relações entre o presente e o passado, o específico e o geral, as ações individuais e as coletivas; e que promovam o domínio de procedimentos que permitam aos alunos .ler. e explicar as paisagens e os lugares.

Na sala de aula, o professor pode planejar essas situações considerando a própria leitura da paisagem, a observação e a descrição, a explicação e a interação, a territorialidade e a extensão, a análise e o trabalho com a pesquisa e a representação cartográfica. Nessas orientações didáticas, procurou-se explicitar como e por que tais aspectos podem ser utilizados pelo professor no planejamento de seu trabalho.

Leitura da paisagem

A abordagem dos conteúdos da Geografia pode colocar-se na perspectiva da leitura da paisagem, o que permite aos alunos conhecer os processos de construção do espaço geográfico. Conhecer uma paisagem é reconhecer seus elementos sociais, culturais e naturais e a interação existente entre eles; é também compreender como ela está em permanente processo de transformação e como contém múltiplos espaços e tempos.

A leitura da paisagem pode ocorrer de forma direta (pela observação da paisagem de um lugar que os alunos visitaram) ou de forma indireta (por meio de fotografias, da literatura, de vídeos, de relatos).

Uma maneira interessante de iniciar a leitura da paisagem é mediante uma pesquisa prévia dos elementos que a constituem. Essa pesquisa pode ocorrer apoiada em material fotográfico, textos ou pela sistematização das observações que os alunos já fizeram em seu cotidiano. Por esse levantamento inicial, o professor e os alunos podem problematizar,formular questões e levantar hipóteses que impliquem investigações mais aprofundadas, que demandem novos conhecimentos.

A partir dessa pesquisa inicial, consultar diferentes fontes de informação, tais como obras literárias, músicas regionais, fotografias, entrevistas ou relatos, torna-se essencial na busca de novas informações que ampliem aquelas que já se possui. A compreensão geográfica das paisagens significa a construção de imagens vivas dos lugares que passam a fazer parte do universo de conhecimentos dos alunos, tornando-se parte de sua cultura. Os trabalhos práticos com maquetes, mapas e fotografias aéreas e imagens de satélite podem também ser utilizados.

O desenvolvimento da leitura da paisagem possibilita ir ao encontro das necessidades do mundo contemporâneo, no qual o apelo às imagens é constante. No processo de leitura, um aspecto fundamental é a aquisição de habilidades para ler diferentes tipos de imagens, tais como a fotografia, o cinema, os grafismos, as imagens da televisão e a própria observação a olho nu tomada de diferentes referenciais (angulares e de distância). Uma mesma imagem pode ser interpretada de muitas maneiras. Por exemplo, a imagem de um condomínio de prédios pode ser lida de modo diferente por um engenheiro construtor, um engenheiro de tráfego, um ecologista, um político, um favelado ou, ainda, por uma criança do meio rural.

Ao se introduzir a leitura da paisagem, a comparação das diferentes leituras de um mesmo objeto é muito importante, pois permite o confronto de idéias, interesses, valores socioculturais, estéticos, econômicos, enfim, das diferentes interpretações existentes e a constatação das intencionalidades e limitações daquele que observa.

Além disso, possibilita a elaboração de questionamentos fundamentais sobre o que prevalece numa paisagem, pois sua história é marcada pelas decisões que venceram e determinaram a sua imagem. É importante comparar uma mesma paisagem em tempos diferentes e descobrir como e por que mudou, quem decidiu mudar, a quem beneficiou ou prejudicou. No trabalho comparativo é que sobressaem as intencionalidades daqueles que agiram.

A leitura da paisagem mediante a identificação de suas estruturas auxilia também a perceber que muitos problemas enfrentados no bairro, na cidade, no município e em outras paisagens são resultados de ações. Quando se compara uma paisagem rural de agricultura comercial em confronto com outra de agricultura ecológica, rios poluídos ou não, grandes e pequenas cidades, pode-se ver e avaliar os resultados dessas ações, pois estão impressos na paisagem.

O trabalho de observação da paisagem deve iniciar pelas características que mais tocam cada um. Uma mesma paisagem pode ser comunicada oralmente, textualmente ou em desenho, de forma distinta por cada pessoa que a tente representar. Isso reforça a idéia de que, quando se observa a paisagem, buscam-se identificar os aspectos que fazem cada um se aproximar dela.

Descrição e observação

A observação e a descrição como procedimentos do processo do conhecimento não são exclusivas da Geografia. Outras ciências as utilizam, principalmente as Ciências Naturais.

No caso da Geografia, muitos generalizam a descrição como único procedimento de interpretação, definindo-a como sendo a .descrição da Terra.. Porém, a descrição é somente um dos momentos que caracterizam sua metodologia. A observação e a descrição são os pontos de partida básicos para o início da leitura da paisagem e construção de sua explicação.

A descrição é fundamental, porque a paisagem não é experimental, e sim visual.

Assim, as excursões de reconhecimento, o uso das imagens aéreas, das fotografias comuns, das imagens cotidianas da televisão, dos mapas etc. são recursos que podem ajudar o professor. Aulas descritivas de paisagem não atingem o objetivo de dar ao estudante a capacidade de realizar levantamentos das características visíveis na paisagem, fazer sua documentação, sistematizando, assim, a observação.

Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de Geografia para o Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio

Nos últimos vinte anos, o ensino de Geografia sofreu muitas transformações. Em parte, este processo de renovação partiu de críticas ao ensino tradicional fundamentado na memorização de fatos e conceitos e na condução de um conhecimento enciclopedista, meramente descritivo e em grande partes em relação com a realidade. No Brasil, estas críticas, provenientes de segmentos da sociedade engajados na democratização do país, fundamentaram-se na necessidade de se estabelecer

a dimensão de tempo na investigação do espaço geográfico, de forma a desvendar as origens e os processos de evolução dos diferentes fenômenos geográficos.

Neste período de intenso debate, a crítica ao ensino de Geografia encontrou ressonância

nos órgãos técnico-pedagógicos de alguns dos Estados brasileiros, como ocorreu com a Proposta Curricular de 1996, desenvolvida pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que por meio de seus órgãos pedagógicos coordenou um processo de discussão e reformulação curricular no âmbito do Estado de São Paulo, sinalizando novos rumos.

Rompeu-se, dessa forma, o padrão de um saber supostamente neutro para uma visão da Geografia enquanto ciência social engajada e atuante num mundo cada vez mais dominado pela globalização dos mercados, pelas mudanças nas relações de trabalho e pela urgência das questões ambientais e etnoculturais. Da mesma forma, esta nova proposta de ensino procurou ir além da dicotomia sociedade-natureza, responsável por perpetuar o espaço como uma entidade cartesiana e absoluta, na qual tudo acontece de forma linear ou casuística. Além disto, relacionou os fenômenos sociais com a natureza apropriada pelos seres humanos, compreendendo as relações que se estabelecem entre os eventos sociais, culturais, econômicos e políticos em suas diferentes escalas.

Na década de 1990, o Ministério da Educação publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais, reforçando a tendência da crítica ao ensino conteudista propondo o ensino por competências. Entretanto, em momento algum, o currículo por competências prescinde de conteúdos estruturadores. As competências só podem ser desenvolvidas se houver um ensino que privilegie a aprendizagem de conteúdos mediados por contextos significativos, ou por situações-problema, representativos do cotidiano do aluno.

Como salienta Maria do Céu Roldão, é possível associar o conceito de competência definido por Perrenoud como um saber em uso, ao seu oposto apresentado por Le Boterf, ou seja, um saber inerte.

Muitas vezes os conhecimentos adquiridos durante a vida escolar transformam-se em saberes inertes, pois se não os utilizarmos culturalmente – como os define Lévi- Strauss ao criar a expressão utensílios do pensamento – não os transformaremos em competências.

Dentre as obras acadêmicas que se tornaram referência nesse debate, destacam- se as do professor Milton Santos, que reconduziram os debates teóricos para terrenos mais férteis, estabelecendo parâmetros seguros com relação à definição de um corpo teórico-metodológico adequado aos novos

tempos. Para este autor, a “revolução” provocada pelo advento das tecnologias de

comunicação e informação transformou o espaço do Homem e, necessariamente, a nossa maneira de pensar o mundo em que vivemos. Essa nova dimensão de espaço influenciou os modos de agir e pensar da humanidade como um todo. Se, por um lado, provocou mudanças nas relações pessoais,

socioculturais e nas formas de se produzir e de se trabalhar, por outro, foi responsável

pela acentuação das desigualdades entre povos e nações. Neste contexto, os anseios por uma sociedade mais igualitária e justa, e principalmente mais aberta a incorporar mudanças e respeitar diferenças, tornou-se mais distante.

Essa nova concepção de Geografia deve, com urgência, priorizar a discussão dos desafios impostos pelas transformações do meio técnico-científico-informacional – inserido em sala de aula e fora dela – em especial, a partir do advento da comunicação on-line, responsável por influir e modificar o local, o regional e o global simultaneamente. O filósofo Edgar Morin, em sua obra Os sete saberes necessários à Educação do Futuro, argumenta de forma brilhante que o impacto da planetarização faz com que cada parte do mundo influencie o todo que o compõe, da mesma forma como o todo está cada vez mais presente em cada uma das partes. Na era planetária, tal situação não se manifesta somente entre países e nações, mas influencia de forma decisiva cada indivíduo, que recebe e consome informações e substâncias oriundas de todo o universo, sendo, portanto, influenciado por elas.

O encurtamento das distâncias, associado à expansão das redes de comunicação e transporte, tanto de mercadorias quanto de pessoas e informações, assim como as alterações promovidas no mundo do trabalho e pelo advento cada vez mais acelerado de novas tecnologias, permitem a todo momento vislumbrar-se um leque de interações capazes de romper com as barreiras culturais aproximando lugares e mundos diferentes. Como afirma o sociólogo Anthony Giddens: “quando a imagem de Nelson Mandela pode ser mais familiar para nós que o rosto de nosso vizinho de porta, alguma coisa mudou na natureza da experiência cotidiana”.

Enfim, esta nova dimensão de espaço – o virtual – que, de acordo com Harvey, imprime uma compressão do tempo-espaço de forma tão radical, influenciando inclusive a maneira como representamos o mundo para nós mesmos, deve ser prioridade para o ensino da Geografia do século XXI.

A “revolução” provocada pelo advento das tecnologias de comunicação e informação, responsáveis pelo surgimento desta nova concepção de espaço, e que representa de forma contundente uma das grandes revoluções do nosso tempo, de forma contraditória não atinge a todos igualmente. Se, por um lado, provoca mudanças nas relações pessoais, socioculturais e nas formas de se produzir e de se trabalhar, tem sido responsável pela acentuação das desigualdades entre povos e nações. Como enfatiza Tabo M’Beki, presidente da África do Sul, “existem mais linhas telefônicas na ilha de Manhattan do que em toda a África, ao sul do Saara”.

Neste sentido, os anseios por uma sociedade mais igualitária e justa, e principalmente mais aberta a incorporar mudanças e respeitar diferenças, torna-se mais distante. Portanto, é fundamental incluir-se o debate destes temas em sala de aula, de modo a contribuir para uma formação crítica, ética, humanística e solidária desses jovens cidadãos. Como afirma o escritor moçambicano Mia Couto, há alguns anos, a fronteira entre os ditos civilizados e os denominados “povos indígenas” era a sua integração à cultura européia, enquanto a nova fronteira que se configura poderá ser entre “digitalizados” e “indigitalizados”. Neste contexto, uma nova proposta de cidadania deve ser colocada em curso para que se promova a igualdade de direitos e a justiça social.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais levaram em consideração estas transformações, valorizando o modo como o jovem estudante apreende o mundo em que vive e introduzindo novos temas no currículo da disciplina.

O encurtamento das distâncias, associadas à expansão das redes de comunicação e transporte, assim como as alterações promovidas nas relações de trabalho, foram transformados em conteúdos curriculares.

Esta alteração de enfoque implica propostas educacionais que considerem a interação entre os conteúdos específicos da Geografia e as outras ciências, possibilitando ao estudante, por intermédio da mediação realizada pelo professor, ampliar sua visão de mundo por meio de um conhecimento autônomo, abrangente e responsável.

Torna-se fundamental desenvolver-se uma atitude de respeito aos saberes que o estudante traz à escola, adquiridos em seu meio cultural, pois é certo que envolve uma variada gama de discussões com temas da atualidade, como a urgência ambiental, os diferentes níveis de bem-estar das populações, as questões de saúde pública, as políticas assistenciais, greves, desemprego, relações internacionais, conflitos de diferentes ordens e crises econômicas, entre outros.

Essas questões, presentes diariamente nas inúmeras redes de comunicação, compõem o cenário no qual os jovens vivem e atuam e devem se transformar em contextos para a discussão e a compreensão do universo que os cerca. São estas as necessidades essenciais que mobilizam formas de pensar e agir de um cidadão do século XXI, que muitas vezes é ator principal de seu tempo e, em outras, coadjuvante e observador crítico das ocorrências do planeta.

Assim como os demais componentes curriculares da educação básica, cabe ao ensino de Geografia desenvolver linguagens e princípios que permitam ao aluno ler e compreender o espaço geográfico contemporâneo como uma totalidade articulada e não apenas estudar por meio da memorização de fatos e conceitos desarticulados.

Também deve priorizar a compreensão do espaço geográfico como manifestação territorial da atividade social, em todas as suas dimensões e contradições, sejam elas econômicas, políticas ou culturais.

O objeto central do ensino da Geografia reside, portanto, no estudo do espaço geográfico, abrangendo o conjunto de relações que se estabelece entre os objetos naturais e os construídos pela atividade humana, ou seja, os artefatos sociais.

Neste sentido, enquanto o “tempo da natureza” é regulado por processos bioquímicos e físicos, responsáveis pela produção e interação dos objetos naturais, o “tempo histórico” responsabiliza-se por perpetuar as marcas acumuladas pela atividade humana como produtora de artefatos sociais.

O ensino de Geografia na educação básica deve priorizar o estudo do território, da paisagem e do lugar em suas diferentes escalas, rompendo com uma visão estática na qual a natureza segue o seu curso imutável e irreal enquanto a humanidade é vista como uma entidade a ser estudada à parte, como se não interagisse com o meio.

O conceito de escala geográfica expressa as diferentes dimensões que podem ser escolhidas para o estudo do espaço geográfico, passível de ser abordado a partir de recortes como o lugar, a região, o território nacional ou o mundo.

No entanto, as diferentes escalas geográficas estão sempre inter-relacionadas: é preciso, por exemplo, considerar o mundo, a região e o território nacional na análise dos fenômenos que ocorrem no lugar. Os conceitos estruturadores devem considerar as seguintes dimensões:

Território – Este termo originalmente foi formulado pela Biologia no século XVIII, compreendendo a área delimitada por uma espécie, na qual são desempenhadas as suas funções vitais. Incorporado posteriormente pela Geografia, ganhou contornos geopolíticos ao configurar-se como o espaço físico no qual o Estado se concretiza. Porém, ao se compreender o Estado nacional como a nação politicamente organizada, estruturada sobre uma base física, não é possível considerar-se apenas sua função política, mas também o espaço construído pela sociedade, e, portanto, a sua extensão apropriada e usada. Ao se compreender o que é o território, deve-se levar em conta toda a diversidade e complexidade de relações sociais, de convivências e diferenças culturais que se estabelecem em um mesmo espaço. Desta forma, o conteúdo político do território é expresso em diferentes escalas além do Estado-nação, como no interior das cidades onde territorialidades diferentes manifestam distintas formas de poder.

Paisagem – Distinto do senso comum, este conceito tem um caráter específico para a Geografia. A paisagem geográfica é a unidade visível do real e que incorpora todos os fatores resultantes da construção natural e social. A paisagem acumula tempos e deve ser considerada como “tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança” ou seja, corresponde à manifestação de uma realidade concreta, tornando-se elemento primordial no reconhecimento do espaço geográfico.

Desta forma, uma paisagem nunca pode ser destruída, pois está sempre se modificando.

As paisagens devem ser consideradas como forma de um processo em contínua construção, pois, representam a aparência dos elementos construídos socialmente, e, assim, representam a essência da própria sociedade que as constrói.

Lugar – O conceito de paisagem vincula-se fortemente ao conceito de lugar e este também se distingue do senso comum. Para a Geografia, o lugar traduz os espaços nos quais as pessoas constroem os seus laços afetivos e subjetivos, pois pertencer a um território e fazer parte de sua paisagem significa estabelecer laços de identidade com cada um deles. É no lugar que cada pessoa busca suas referências pessoais e constrói o seu sistema de valores e são estes valores que fundamentam a vida em sociedade, permitindo a cada indivíduo identificar-se como pertencente a um lugar, e, a cada lugar, manifestar os elementos que lhe dão uma identidade única.

Educação cartográfica – A alfabetização cartográfica deve ser entendida como um dos instrumentos indispensáveis para a formação da cidadania. Como afirma Yves Lacoste, “cartas, para quem não aprendeu a lê-las e utilizá-las, sem dúvida, não têm qualquer sentido, como não teria uma página escrita para quem não aprendeu a ler”. Portanto, uma educação que objetive a formação do cidadão consciente e autônomo deve incorporar no currículo os fundamentos da alfabetização cartográfica.

Desta forma, a aprendizagem da Geografia na educação básica, entendida como um processo de construção da espacialidade, deve considerar os seguintes objetivos:

* Desenvolver domínios de espacialidade e deslocar-se com autonomia.

* Reconhecer princípios e leis que regem os tempos da natureza e o tempo social do espaço geográfico.

* Diferenciar e estabelecer relações dos eventos

geográficos em diferentes escalas.

* Elaborar, ler e interpretar mapas e cartas.

* Distinguir os diferentes aspectos que caracterizam a paisagem.

* Estabelecer múltiplas interações entre os conceitos de paisagem, lugar e território.

* Reconhecer-se, de forma crítica, como elemento pertencente ao e transformador do espaço geográfico.

* Utilizar os conhecimentos geográficos para agir de forma ética e solidária, promovendo a consciência ambiental e o respeito à igualdade e diversidade entre todos os povos, todas as culturas e todos os indivíduos.

Anotações

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