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AQUI, SOMOS TODOS DOENTES TRATANDO DE OUTROS DOENTES: COEXISTÊNCIA E COMPLEMENTALIDADE NOS PROCESSOS DE CURA EM CASA ESPÍRITA DE LINHA CRUZADA

Maria Audirene de Souza Cordeiro[1]

RESUMO: Os inúmeros estudos desenvolvidos pelas Ciências Sociais têm registrado uma relação quase simbiótica entre os processos de adoecimento e de cura e as práticas religiosas no Brasil. Apesar das estratégias utilizadas pela Biomedicina e demais aparelhos ideológicos e repressivos do Estado (ALTHUSSER, 1998) para deslegitimação das práticas “não oficiais” de cura, a busca por caminhos alternativos para o diagnóstico e cura de doenças continuou e continua ganhando novas modalidades de coexistência e complementalidade no país (MALUF, 1996). Neste texto, analiso o caminho alternativo de cura oferecido por uma Casa Espírita que integra, nos processos de diagnóstico e tratamento de doenças, práticas da Medicina Oriental, do Espiritismo Kardecista e do Espiritismo Umbandista. Para tanto, descrevo a organização da Casa, explico cada uma das modalidades de cura e desvelo as estratégias para assegurar a coexistência e a complementalidade entre essas diferentes modalidades. Além disso, discuto a impossibilidade de se erigir demarcações rígidas para conceituação e definição de manifestações religiosas no Brasil, originalmente marcadas pelo hibridismo cultural (CANCLINI, 2008) e, consequentemente, pela religiosidade hibrida. Os dados empíricos por meio dos quais sustento as análises são baseados, principalmente, em pesquisa de campo realizada, no segundo semestre de 2014, numa Casa Espírita de Linha Cruzada, em Florianópolis (SC).

PALAVRAS-CHAVE: Casa Espírita; estratégias de cura; coexistência; complementalidade.

INTRODUÇÃO

Apesar das inúmeras estratégias de deslegitimação das práticas de cura, ditas “não oficiais”, por parte de segmentos da Biomedicina, pelas Igrejas e demais aparelhos ideológicos e repressivos do Estado (ALTHUSSER, 1998), essas práticas continuam resistindo e construindo novas modalidades de coexistência e complementalidade principalmente em espaços religiosos no Brasil (MALUF, 1996).

O conjunto variado de práticas, categorias e discursos mais ou menos demarcados e diferenciados, política e socialmente, que os sujeitos se utilizam como forma de entender, curar, aliviar ou suportar estados de aflição e sofrimento que não envolve exclusivamente a noção biomédica de doença tem sido denominado de Sistema Terapêutico (AURELIANO, 2011).

Trabalhos desenvolvidos nas cidades brasileiras desde a década de 1980 (COSTA, 1980; OLIVEIRA, 1983a, 1983b; NEVES E SEIBLITZ, 1984; LOYOLLA, 1984, 1987; LEAL, 1998; CARRARA, 1994, CARRARA, 1995 FERREIRA, 1995; VICTORA, 1995; MALUF, 1996; CARVALHO et al., 1998; SILVEIRA, 2000; AMARAL, 2000); BITTENCOURT FILHO, 2003; PACHECO, 2004; e OLIVEIRA, 2011a, 2011b) já indicavam uma postura comum entre os brasileiros: recorrer a diferentes modalidades terapêuticas, concomitantemente, para diagnosticar, tratar, aliviar e/ou curar desconfortos físicos e não físicos.

A fim de contribuir para melhor compreensão desse fenômeno, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa etnográfica sobre práticas de cura, desenvolvida de agosto a dezembro de 2014, numa Casa Espírita de Linha Cruzada, doravante CELINC, localizada em Florianópolis (SC).

A pesquisa aponta como principais contribuições para as discussões sobre o tema: a descrição das estratégias operacionalizadas pela CELINC para integrar práticas da Medicina Oriental, concepções doutrinárias do Espiritismo Kardecista e saberes de entidades do Espiritismo Umbandista nos processos tanto de diagnóstico quanto de cura de doenças; e, o desvelamento de que a fronteira entre o Espiritismo Kardecista e o Espiritismo Umbandista, defendida como fronteira fixa pelos praticantes das duas religiões e até por pesquisadores da área, assume na Casa a característica de fronteira líquida.

1. SER PACIENTE: A SENHA DE ACESSO

A minha primeira visita à CELINC ocorreu na companhia de um amigo. Eu estava me sentido “desenergizada” e buscava apenas um passe[2]. Ele fazia tratamento lá.

Entramos. Era por volta de 20h40min. O salão principal estava lotado. A sensação de deslocamento foi sendo substituída pela urgência em conseguir uma senha para ser atendida por uma “entidade”. Uma moça morena, trajando jaleco e calça brancos, e mais três pessoas vestidas da mesma forma se revezavam no balcão-recepção para entregar as fichas. Peguei a de número 236. A moça morena me perguntou se era minha primeira vez. Confirmei, e meu amigo, ao meu lado, completou: “ela quer ser atendida por uma entidade”. “Pode ser a Sete, só tem vaga, a essa hora, pra ela” – respondeu. Ele: “pode sim”. Ela perguntou meu nome completo, anotou numa folha presa a uma prancheta, daquelas usadas em hospitais para afixar os prontuários médicos, e sorrindo disse: “Preencha essa ficha, devolva aqui e aguarde, por favor”.

Então, pude olhar com calma o local: um salão grande, com cadeiras de plástico brancas, ao lado esquerdo da entrada havia cinco portas fechadas, indicando onde as entidades estavam atendendo; ao fundo, no lado oposto de onde fica o balcão-recepção, uma tela reproduzia mensagens espíritas. Uma música suave de fundo tornava o ambiente convidativo à prática da meditação. Apenas o cheiro de tabaco queimado quebrava “o clima de montanha tibetana”. Vi aproximadamente 150 cadeiras, todas ocupadas, inclusive os bancos longos, como os de igreja, encostados à parede lateral do salão, à direita da entrada. Saímos para eu preencher a ficha, bem parecidas àquelas dos consultórios médicos onde são registradas as consultas dos(as) pacientes. Naquela noite, pela primeira vez na vida, três horas e meia após minha chegada, conversaria com uma entidade.

Eu esperava ser atendida por uma típica filha de santo do Candomblé ou da Umbanda, como o uso do termo “entidade” sugere, mas não foi bem assim. Uma jovem senhora, clara, também vestida de jaleco branco, abriu uma das cinco portas e proferiu meu nome. Com um sorriso de aeromoça, cumprimentou-me e disse “entre, minha flor”, ao me conduzir para dentro do cubículo, parecido com os consultórios dos Centros de Saúde do SUS. Lá, ela me indicou um banquinho no qual sentei. A Sete, como me foi informado pela moça da recepção, sentou em frente, perscrutou-me com intensos olhos verdes, e perguntou em que podia me ajudar. Não pude evitar compará-la a uma psicóloga.

Durante o atendimento, ela me revelou porque estava me sentindo “sem energia”, mas prefiro não mencionar. A condução da consulta foi surpreendente. Meu ceticismo inicial começou a dar lugar a um pequeno grau de crença em tudo aquilo ali. Começava a ser afetada (FAVRET SAADA, 2005)?

Perguntei a ela por que o nome “Sete”. “É de Sete Saias. Sou cigana, minha flor, sou uma cigana!” “Mas neste Centro pode baixar entidade da Umbanda?” – indaguei. “Aqui, somos de linha cruzada. Há ensinamento do Espiritismo e da Umbanda. Mas é tudo Espiritismo, só que alguns Centros não aceitam que determinados espíritos venham. Aqui, graças a Deus, todos podemos vim [sic] para trabalhar”.

Enquanto conversávamos, percebi ali o fenômeno da “incorporação, por meio do qual o visível e o invisível se relacionavam de maneira ordenada de modo a garantir a disjunção dos mundos e o exercício do livre-arbítrio humano” (CAVALCANTI, 2008, p. 127), e não o fenômeno da “possessão, [ou seja] o aniquilamento do livre-arbítrio, a perda de controle [pelo médium] sobre o próprio corpo” (CAVALCANTI, 2008, p. 127).

Afinal, nada naquela jovem senhora lembrava as manifestações das entidades do Oriente acerca das quais eu já havia tomado conhecimento por meio de documentários sobre Terreiros de Umbanda. Foi difícil acreditar, mas naquele corpo, além do espírito da médium, havia o espírito da entidade. Eu presenciara o efeito da incorporação aos moldes kardecistas. A médium não perdera o controle sobre o próprio corpo. A incorporação, aos moldes da Umbanda e do Candomblé, é diferente. Daí porque, nessas duas religiões, o fenômeno ser denominado como possessão.

O atendimento durou entre 20 e 25 minutos. Ao sair, ela me abraçou e pediu para entregar a minha ficha a alguém da recepção. Lá me encaminhariam para o tratamento por ela prescrito. Durante o período da pesquisa, submeti-me a 15 sessões de cromoterapia[3] para desobsessão[4].

Assim, logo no primeiro dia de visita à Casa, saí da condição de frequentadora – alguém que esporadicamente frequenta a instituição – e tornei-me uma frequentadora-paciente, com ficha e prescrição de tratamento. Cada um desses status implica uma série de “atenções altamente conscientes – ritualizadas e solenes” (DA MATTA, 1997, p. 11).

Após a segunda sessão de tratamento, decidi fazer uma etnografia sobre a Casa[5]. Porém, aguardei um pouco mais para revelar isso à direção da instituição.

1.1 Negociando a permanência no campo

Permaneci como paciente-frequentadora por pelo menos um mês até me apresentar à presidente da CELINC. Revelei-lhe estar em tratamento e a intenção de desenvolver uma pesquisa antropológica sobre as práticas de cura oferecidas pela Casa. Tal autorização, explicou-me, só poderia advir da entidade responsável por todos os trabalhos realizados ali. Perguntei como deveria proceder:

Daqui a 45 minutos vou incorporar. Logo depois, ela [a entidade] fará uma inspeção em todos os espaços da Casa. Espere até ela começar os atendimentos no consultório, apresente-se à recepção, explique que eu lhe encaminhei para falar com a entidade, e quando ela puder irá chamá-la. Só lhe peço paciência, há casos graves que ela precisará tratar, por isso aproveite para observar tudo por aí enquanto espera.

Essa conversa aconteceu por volta das 13h30min, enquanto a médium almoçava. Segui todas as recomendações e às 21h fui chamada para dialogar com a entidade. Apesar de o corpo físico ser o mesmo, a pessoa que me recebeu no consultório não era a mesma pessoa com quem conversara à tarde. O forte sotaque português, um ar de autoridade serena, o olhar penetrante e uma fluência discursiva excepcional eram sinais diacríticos de que ali o corpo da médium era ocupado por outra persona.

A entidade com quem ora conversava já reencarnara centenas de vezes e “descia a Terra” para resgatar dívidas passadas, parte delas contraídas junto com o “parelho” – termo usado para se referir ao corpo físico da médium-presidente e fundadora da Casa - em outras reencarnações. Durante cerca de 10 minutos, expliquei-lhe o objetivo da pesquisa. Ela me autorizou a desenvolver o trabalho, mas impôs a condição de não revelar a localização exata da Casa, o nome do(a)s frequentadore(a)s, pacientes e/ou trabalhadore(a)s.

Desde esse encontro, todas as sextas-feiras, das 7h às 4h, e, às vezes, até 5h de sábado, durante quatro meses, acompanhei as atividades da CELINC. E quase sempre, ao final dos trabalhos, essa entidade me chamava para conversar.

A minha posição no campo mudou depois do acordo. Passei a ter acesso a todas as salas onde os tratamentos eram realizados. Os trabalhadores-pacientes mostraram-se mais solícitos em explicar cada atividade. Aos olhos dos frequentadores-pacientes, dada a minha assiduidade, fui aos poucos me tornando “uma igual”.

Essa situação confortável me assegurou relatos muito ricos sobre o tratamento ao qual estavam se submetendo, tanto os frequentadores-pacientes quanto os trabalhadores-pacientes e me permitiu inferir que a busca por diferentes terapêuticas talvez não signifique a negação de competência desta ou daquela modalidade de cura.

Na verdade, a resiliente coexistência e complementalidade de diferentes modalidades, práticas de cura e referências religiosas em espaços não oficiais de cura, como a CELINC, é a ratificação de uma constatação cada vez mais universal: uma única terapêutica ou prática religiosa não consegue assegurar a cura dos problemas físicos e/ou não físicos que afligem o ser humano, porque tais enfermidades, desconfortos ou padecimentos não parecem advir de uma única origem.

2. UMA CASA ESPÍRITA DE LINHA CRUZADA

A presidente e fundadora da CELINC – até onde se lembra - sempre teve contato com o plano espiritual, mas a situação-limite ocorreu aos 13 anos. No colégio de freiras onde estudava, revelou a uma colega ter “visto” a morte de todos os membros de uma das internas em acidente automobilístico. A previsão se confirmou. Ela passou a ser chamada de bruxa. Aconselhada pela psicóloga do internato, a mãe resolveu levá-la a um Centro Espírita Cruzado: local onde havia o estudo da doutrina kardecista, mas se “permitia” a manifestação de entidades da Umbanda. Neste centro teve início o desenvolvimento espiritual da adolescente. Antes de ela completar 19 anos, o responsável pelo Centro e doutrinador pessoal dela morreu. Foi quando passou a frequentar um Centro de Umbanda. Mas, em 1995, incompatibilidades entre ela e o responsável pelos trabalhos, levou-a a atender na própria casa. Junto com outro amigo, também médium, posteriormente, fundou a CELINC, nos mesmos moldes do centro de seu doutrinador: uma casa espírita de linha cruzada.

Aqui, utilizamos o corpo doutrinário do espiritismo kardecista para formação moral e ética, a força energética das linhas da Umbanda para o diagnóstico e tratamento de algumas doenças e as técnicas de cura da Medicina Oriental para outras. Tudo junto, dependendo da necessidade de quem nos procura, por isso somos uma Casa Espírita de Linha Cruzada. Tudo é energia, filha (trecho de conversa com a presidente-fundadora da CELINC, caderno de campo, setembro de 2014).

Há mais de 10 anos a Casa funciona em sede própria[6] e conta com sete médiuns. O terreno, onde as obras de ampliação continuam, foi doado. Todavia, o dinheiro para a construção das dependências, segundo a presidente-fundadora, vem de duas fontes diferentes: uma parte foi ofertada por ela[7], e a outra, é angariada nos bazares e cafés regionais promovidos pelos trabalhadores-pacientes. Já o recurso oriundo da venda dos lanches, sopas e almoço (exclusivamente às sextas-feiras), produzidos e vendidos na cantina, possibilita a gratuidade de todas as atividades terapêuticas.

2.1 Estruturas administrativas: uma terrena e outra espiritual

A funcionalidade da Casa é assegurada por duas administrações: uma administração espiritual e uma administração terrena. A administração terrena conta com uma presidente e uma vice-presidente (responsáveis legais pela Casa), um conselho fiscal, composto de presidente, tesoureiro, primeiro e segundo secretários, além de coordenadores dos diversos setores de trabalho: cozinha/cantina, biblioteca, informática, estudo, palestra, farmácia, recepção; e dos espaços diretamente relacionados aos tratamentos oferecidos: salas de passe, argiloterapia, acupuntura, moxa, desobsessão, cone, cromoterapia, massagem terapêutica e reiki.

Há uma evidente centralização das atividades na figura da presidente que, como recebe a entidade responsável pela Casa no plano espiritual, tem a palavra final sobre qualquer questão mais séria. Todavia, cada coordenador de setor atua com liberdade e autonomia. Isso porque conseguiu chegar a esse posto depois de estar preparado não só por ter demonstrado assiduidade e bom aproveitamento nos cursos de formação (três faltas consecutivas causam suspensão), mas principalmente pelo comprovado desenvolvimento espiritual. A pontualidade, a disciplina, a cordialidade, a caridade, o amor ao próximo e a abnegação são critérios determinantes para que a entidade-chefe decida em qual dos setores a(o) trabalhador (a) paciente irá atuar.

As mais de 145 pessoas já consideradas trabalhadore(a)s-pacientes são voluntário(a)s e chegaram à Casa como frequentadores-pacientes. O relato abaixo é um exemplo-síntese das muitas narrativas registradas.

Eu cheguei aqui aos frangalhos. Quase morta. Sem rumo, sem sentido na vida. Doente do corpo e da alma. Vim porque uma vizinha me trouxe. Vivia dopada, porque os médicos já não sabiam o que me dar. Meu corpo tava cheio de porcaria [feridas]. Vê essas marcas? Agora, tô viva de novo. Na primeira sessão de tratamento já me senti mais leve. Depois de ficar melhor, pedi para ajudar como forma de agradecimento. Já fiz curso de passe e massagem. Minha vida mudou depois que vim pra cá. (trecho de uma conversa com uma das trabalhadoras-pacientes voluntárias há mais de três anos na CELINC).

Segundo a entidade que a médium-presidente “recebe” desde 1979, a administração espiritual localiza-se no plano invisível, acima da Casa, em uma “plataforma espiritual”, “imantada” sobre Santa Catarina.

Nessa plataforma, 25 mil espíritos trabalham para garantir a estabilidade das atividades na CELINC, e nos demais Centros Espíritas de Santa Catarina, inclusive no Hospital Espiritual Nosso Lar e no Centro de Apoio ao Paciente com Câncer/CEAP. Essa entidade é a responsável pelos trabalhos na Casa, mas há um benfeitor maior – o qual não reencarna, nem incorpora mais na Terra. É ele quem administra a “plataforma” e coordena todas as atividades. É dele o controle administrativo terreno e espiritual da CELINC. Em conjunto com outros benfeitores da “plataforma”, ele ajudou a preparar o processo de incorporação das sete entidades autorizadas a atuar na Casa.

2.2 O aparelho e a entidade: uma relação de acerto de contas

De acordo com a entidade-chefe qualquer atividade espiritual desenvolvida no plano terrestre requer um planejamento de centenas de anos. Além de outros inúmeros preparativos, uma das fases mais importantes é a predisposição de uma pessoa na Terra a desenvolver-se para incorporar um espírito bem feitor. Este, por sua vez, precisa também ser orientado sobre tão importante missão. Em se consolidando essa probabilidade, os dois, entidade e “aparelho”, começam um longo processo de aprendizagem a fim de erigir uma sólida sintonia vibracional positiva:

Ao contrário do que se pensa, no mundo espiritual não só tem pessoas boazinhas, lá é que nem aqui: tem gente boa e gente não tão boa. O fato de desencarnar não torna ninguém melhor do era. Eu cheguei aqui drogado e no fundo do poço. Tinha muitos devedores que queriam acabar comigo. Aos poucos fui ajudando e sendo ajudado. Um médium precisa estudar muito para saber a diferença vibracional das entidades que vem pra ajudar, das que vem pra atrapalhar ou te cobrar. Isso requer disciplina moral, estudo e muita caridade (trecho da conversa com o empresário e médium que recebe o Vô).

Um dos fundamentos da doutrina espírita Kardecista é a crença na reencarnação. Essa volta do espírito ao plano físico tem por objetivo resgatar dívidas acumuladas de uma encarnação para outra. Dívidas contraídas juntas supostamente devem ser pagas juntas. E a moeda parece ser a caridade:

eu e o aparelho fomos médicos em vidas passadas. Juntos praticamos muitos abortos e outras atrocidades. Agora, eu, num estágio mais evoluído, e ela, mesmo ainda encarnada, resolvemos assumir as atividades desta Casa para tratar daqueles a quem fizemos tanto mal (trecho da primeira conversa com a entidade chefe quando incorporada na médium presidente e fundadora da CELINC).

2.3 A rotina terapêutica na CELINC

A Casa funciona durante três dias na semana: às segundas, quartas e sextas-feiras, em diferentes horários e com atividades variadas. Segundo a presidente-fundadora, durante o verão, o fluxo de pessoas aumenta muito. Em 2013, numa das sextas de maior demanda, das 14h de sexta feira às 5h de sábado, foram atendidas cerca de 630 pessoas gratuitamente na CELINC, segundo dados da recepção. Durante o período da pesquisa, no inverno prolongado de 2014, 486 atendimentos foi o maior número registrado por mim.

2.3.1 Segundas-feiras: atendimento interno e tratamento dos médiuns

Todas as segundas-feiras, com exceção do período de férias, de 10 de dezembro a 10 de janeiro, das 18h às 20h30min, ocorrem palestras sobre problemas de ordem emocional, com temáticas variadas, destinadas a todos os trabalhadores-pacientes. A partir das 20h30min, o grupo se divide: só permanecem na Casa os trabalhadores-pacientes do estudo sobre “modo de entender uma nova forma de viver”, destinado ao desenvolvimento mediúnico para incorporação. O curso termina às 21h30min.

Após esse horário, os socorristas – médiuns mais preparados para atuar em casos mais complexos – começam o atendimento aos espíritos que desencarnaram, mas ainda não se deram conta da “passagem”, e por isso precisam de atendimento de emergência. Trata-se do trabalho mais comprometedor do médium, pois ele recebe “espíritos sofredores”, e por isso precisa ter ao seu lado um doutrinador – trabalhador com profundo conhecimento da doutrina e de elevado princípio moral. Ao reconhecer essas qualidades, o espírito sofredor se submete e permite ser ajudado. Dada a especificidade da situação, essas sessões são fechadas. O mentor da Casa – como é chamado o administrador espiritual responsável pela CELINC – não permitiu minha presença em nenhuma delas, alegando ser uma restrição para minha própria segurança. Esse tipo de procedimento geralmente estende-se até às 23h30min.

As atividades da segunda-feira indicam a vibração de uma energia mais moralizadora, por isso nesses momentos de formação prevalecem os ensinamentos da doutrina espírita kardecista.

2.3.2 Às quartas-feiras: atividades de formação

Todas as quartas-feiras, das 18h às 21h10min, ocorrem concomitantemente diversas atividades destinadas à capacitação técnica do(a)s trabalhadore(a)s-pacientes aspirantes a aplicadores das práticas de cura da doutrina Kardecista e da Medicina Oriental.

Esses trabalhadores-pacientes geralmente estão há bastante tempo na Casa, completaram o tratamento espiritual e se dispuseram a sair da condição de frequentador-paciente para assumir o status de trabalhador-paciente. Para tanto, experienciaram a fase liminar, momento de formação básica sobre os ensinamentos do Espiritismo Kardecista e do Espiritismo Umbandista, foram submetidos a exercer as funções de auxiliar de limpeza, auxiliar de cozinha e de ajudante nas mais diversas atividades. Durante esse período, segundo a presidente da Casa, a pessoa vai sendo observada pelos dirigentes espirituais e demais trabalhadores e, dependendo da “energia vibracional”, é colocada para realizar tarefas que testem o nível de humildade dela: auxiliar na cozinha, higienizar banheiros e ajudar nos demais serviços gerais. Somente após concluir a fase de estudos e de passar no estágio da humildade, ela é designada para realizar outras atividades. Após essa fase[8], começa a viver um estágio mais avançado de desenvolvimento espiritual: assiste a palestras sobre diversos temas (durante a pesquisa o tema abordado foi transtornos mentais: depressão e esquizofrenia); participa de cursos de formação intelectual sobre o Livro dos Espíritos – um dos cinco livros do Pentateuco Espírita[9]; Cursos de capacitação técnica sobre aplicação de Passe, Massagem Energética e Terapêutica; Cursos de Ventosoterapia, Argiloterapia, e Acupuntura, ministrados por um Mestre em Medicina Oriental, aos sábados, de quinze em quinze dias.

A presidente da CELINC fez questão de ressaltar para mim que a Doutrina Espírita, seja na Umbanda ou no Kardecismo, se sustenta em três pilares: o estudo, a disciplina moral e a caridade.

Aplicar essas terapias em nossos irmãos mais aflitos nos faz aprender a lidar com nossas emoções e limitações; o que aos poucos nos vai moldando o caráter. Enquanto nos doamos para ajudar a curar os outros, a espiritualidade amiga nos vai curando. Afinal, aqui, somos todos doentes cuidando de outros doentes para alcançar a cura. (trecho de conversa com a médium presidente e fundadora da CELINC)

Além dessas atividades específicas de formação, duas entidades atendem aos trabalhadore(a)s-paciente em tratamento e aos casos mais graves de frequentadores-pacientes encaminhados pelas entidades de sexta-feira.

Quando se observam as ações desenvolvidas neste segundo dia, é possível entender a compreensão de Linha Cruzada defendida pela presidente-fundadora da Casa. A partir da quarta-feira, na CELINC, há o “cruzamento” do Espiritismo kardecista (Curso sobre os fundamentos da doutrina e de Aplicação de Passe), com a Medicina Oriental (Curso de Massagem Energética, de Massagem Terapêutica, de Ventosoterapia, Argiloterapia, e Acupuntura) e com o Espiritismo Umbandista (presença das entidades atendendo os trabalhadores-pacientes e os frequentadores-pacientes). Mas é na sexta-feira que a coexistência e a complementalidade (MALUF, 1996), entre diferentes modalidades de cura e diferentes referências religiosas, dentro da Casa, atingem o ápice.

2.3.3 Às sextas-feiras: tratamento do paciente-frequentador

Às sextas-feiras as portas da Casa se abrem para receber o maior fluxo de pessoas. Durante quatro meses – de agosto a dezembro de 2014 - participei mais especificamente das atividades desenvolvidas neste dia.

Ás 6h, o portão é aberto pelas ajudantes da cozinha. E às 8h (os)(as) primeiro(a)s frequentadore(a)s-pacientes chegam e asseguram uma vaga para ser atendido por uma das cinco entidades, ou aguardam o horário do início das terapias, de acordo com a ordem de chegada.

2.3.3.1 A flor da vez e a organização da fila

Decorridos sete dias após minha primeira sessão, às 7h15, lá estava eu em frente ao portão de acesso, ainda me questionando se havia tomada a decisão correta. Entrei. No alpendre, sentadas, tricotando, e conversando animadamente, havia três senhoras bem idosas, enquanto um senhor bem mais moço as observava. Depois do “bom dia”, sentei e comecei a fazer algumas anotações no caderno de campo. Uma das senhoras de repente se virou para mim e disse: “é melhor marcarmos nossa vez, até chegar a senhora da flor”. Ela disse o próprio nome, perguntou o meu e explicou: “Você é depois de mim. Assim a gente sabe quem tá na nossa frente e depois da gente, entendeu? Gravou meu nome?”

Meia hora depois, mais e mais pessoas de diferentes idades foram chegando. O controle da ordem de chegada inicial era como descrevi. Mas a complementação dessa estratégia “de marcar a vez” me foi apresentado durante a chegada da “senhora da flor”. Ela trazia uma flor colorida, de camurça, presa a um cabo verde. Perguntou quem era a última a fila, perguntou-lhe o nome, disse o dela e lhe entregou a flor. A jovem, aparentando uns 25 anos, deveria repetir o ritual com o(a) próxima a chegar.

Não demorou muito para eu entender a preocupação em “marcar a vez”. Apenas 10 fichas eram distribuídas para atendimento com cada uma das 05 entidades. Dependendo do problema e da posição na ordem de chegada, os frequentadores-pacientes poderiam escolher a entidade. Somente os 50 primeiros conseguiriam assegurar uma consulta com a entidade preferida. As atividades dos trabalhadore(a)s-pacientes responsáveis pelas equipes de tratamento começam antes do meio-dia, mas os atendimentos são iniciados após 14h30min.

Às 12h40min, já há um fluxo maior de pessoas vestidas de jaleco e calça brancos, ou calça e camiseta brancas, com a logomarca da Casa pintada à altura do lado direito do peito, andando apressadamente, de um prédio para o outro, com bandejas hospitalares e/ou roupas de cama branquinhas, dobradas. Eles sorriem, cumprimentando a todos. Uns sobem e descem a rampa de acesso ao andar superior; outros entram e saem do prédio onde acontecem as sessões de cromoterapia e desobsessão, com ou sem, as bandejas e os lençóis. A sensação era a de estar em um hospital. O som dos vidros-ampolas, usados para ventosa, tocando-se dentro das bandejas, tornava essa impressão ainda mais forte.

Em cada maca de atendimento, fosse para desobsessão, aplicação de Moxa, cromoterapia, reiki, cone, ou acupuntura, há uma ficha de controle de tratamento onde são registradas as terapias aplicadas em cada paciente, a data, a duração, quem fez a aplicação e o nome do(a) frequentador(a)-paciente beneficiado(a).

O(A)s trabalhadore(a)s-pacientes seguem à risca as prescrições anotadas pela entidade na ficha individual do paciente. Lá, constam as mesmas informações anotadas nas fichas das macas, com exceção da duração e do nome do aplicador. Assim, “podemos saber se o paciente cumpriu a prescrição, a assiduidade dele(a), se obteve melhora... se o tratamento tá dando certo”, me explicou um dos trabalhadores-pacientes, engenheiro civil, e voluntário há quatro anos na CELINC.

2.4 As entidades e a especialidade de tratamento na CELINC

Os frequentadores-pacientes com problemas relacionados à saúde física buscam uma “consulta” com a entidade-chefe. Essa entidade, incorporada pela presidente-fundadora, também atua como uma espécie de clínica geral, encaminhando os (as) pacientes a cada uma das entidades, de acordo com a linha energética destas e a necessidade daqueles(as). “O problema físico às vezes esconde problemas de ordem espiritual, por isso, a partir do campo vibracional do (a) paciente, eu o(a) encaminho à entidade cuja linha energética é mais específica para tratar daquela situação”, esclareceu a entidade.

A Preta Velha, chamada de Vó, é disputada pelas mulheres. As principais queixas delas dizem respeito a questões amorosas, mas cheguei a ver alguns homens entrarem no consultório. Assim como presenciei a assistente da entidade levando sacolas com peças de roupas e com outros objetos para a Vó “benzer”. As pessoas querem a energia dela nessas coisas pra abrir os caminhos delas – esclareceu a trabalhadora-paciente, assistente da entidade há mais de três anos.

O outro Preto Velho, chamado de Vô, é disputado tanto por mulheres quanto por homens. As pessoas recorrem a ele para resolver problemas “graves” de perseguição espiritual ou física. Cheguei a essa conclusão depois de ouvir as conversas travadas durante a espera pelo atendimento. Um senhor de aproximadamente 48 anos, enquanto aguardava ser chamado pelo assistente do Vô, confidenciou a um colega de fila: “Fui ameaçado de morte por um traficante... Ele tentou me matar várias vezes... Minha mãe de santo me indicou vir aqui com o Vô, porque ele iria resolver pra mim... Isso já faz 1 ano e até agora tudo que vou fazer, peço a benção e proteção dele.” “E o traficante que queria lhe [sic] matar?” – o confidente perguntou. “Sumiu... não quero nem saber pra onde.”

A Sete é geralmente procurada por pacientes com distúrbios psíquicos leves relacionados à instabilidade emocional ou desequilíbrio energético. Ela me esclareceu que a pessoa começa a ser tratada ao entrar na Casa, pois “o bem feitor” – como se refere ao espírito responsável pela CELINC – “cria um campo magnético a fim de direcioná-la a ser atendida por quem pode ajudá-la.”

Uma das últimas entidades com quem conversei se apresentou como Camponês, e explicou que, apesar de poder atuar em diferentes áreas de tratamento, naquele lugar comumente auxilia famílias cujo(a)s filhos(as) adolescentes estejam desestabilizado(a)s por causa da dependência química ou por quaisquer outros problemas inerentes à relação familiar. A fila de espera para consulta com ele era geralmente composta por jovens ou por pelo menos três membros aparentemente da mesma família.

Além dessas entidades, duas outras prestam atendimento na CELINC, mas atuam exclusivamente às quartas-feiras. Elas tratam dos trabalhadores-pacientes e dedicam-se aos casos mais graves de obsessão ou de dependência química, encaminhados pelas entidades da sexta-feira.

3. A RELAÇÃO DE COEXISTÊNCIA E DE COMPLEMENTALIDADE NA CELINC

Essa opção por uma descrição densa da estrutura, das atividades e das diferentes terapêuticas registradas na CELINC, tem como objetivo não só demonstrar que estive lá, mas tentar retratar a imbricação plena de diferentes referências doutrinárias e terapêuticas num só espaço.

Diferentemente de espaços de cura como o Vale do Amanhecer, cujo nível sincrético impressiona, ou do heterogêneo universo da chamada Nova Era e a ênfase do movimento em legitimar as terapias assumidamente holísticas como científicas (RUSSO, 1993; MAGNANI, 1999; MARTINS, 1999; AMARAL, 2000; OLIVEIRA, 2011, TAVARES, 2012), a experiência etnográfica na CELINC revela outra modalidade de espaço religioso no qual se registra a coexistência e a complementalidade entre diferentes referências religiosas, doutrinárias e práticas terapêuticas.

Analisando cuidadosamente o material etnográfico e buscando interpretar a constatação tácita de que a CELINC não se enquadrava em nenhum dos “modelos” preconizados pela literatura como locais de práxis religiosa e de aplicação de recursos não oficiais para diagnóstico e tratamento de diversos desconfortos físicos e não físicos, experimentei o “insight” ou a “sacada”. Os fragmentos do todo, observado e analisado, se ordenaram, “perfazendo um significado até mesmo inesperado” (MAGNANI, 2009, p 135).

Bauman (2001) cunhou a metáfora “modernidade líquida” para definir o momento atual, essa nova etapa da história da Modernidade, implantada, sobretudo, pelas mudanças no capitalismo industrial o qual ao adquirir novas configurações, leva a sociedade atual a diferentes modelos de organização. A necessidade fremente pela novidade, pela mudança, pela transformação, em grande parte decorrente dos avanços de natureza tecnológica de uma sociedade dita pós-moderna, está presente no dia a dia.

Essa nova perspectiva parece ter se tornado não apenas a tentativa de trocar constantemente de ideais, mas provocou uma espécie de compulsão, onde o valor é a permanente liquidez. Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorregam”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”; são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram, se permanecem sólidos, são alterados – ficam molhados ou encharcados. A extraordinária mobilidade dos fluidos os associa à ideia de leveza. (BAUMAN, 2001, p. 8)

Esse novo estado, “molhado ou encharcado” pode ser definido também como o resultado de hibridizações (CANCLINI, 2008), fenômenos e processos gerados a partir de encontros de movimentos, lógicas, situações, posições, elementos, nações, culturas, estilos, instituições, organizações, estados, objetos, práticas ou indivíduos, de origens distintas como, por exemplo, as diferentes manifestações religiosas e a diversidade terapêutica registradas na CELINC. Tais elementos são, portanto, de alguma maneira, muito diferentes, mas em algum momento histórico e por motivos variados se afastam e se (re)aproximam.

Essa (re)aproximação revela muitas diferenças, as quais no projeto moderno foram dicotomizadas, gerando hierarquizações como culturas mais versus menos desenvolvidas, dominantes versus dominadas e orientadas ao coletivismo versus ao individualismo. A hibridização, “caraterizada como o processo sócio cultural em que estruturas ou práticas, que existiam em separadas, combinam-se para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2008, p. XIX), representa nesse tipo de encontro a possibilidade de conviver na diferença, na ambiguidade e na contradição.

Durante a pesquisa, nas rodas de conversa, muito comuns enquanto se aguardava o atendimento, eu procurava entabular conversas sobre o trabalho da CELINC. O excerto a seguir é trecho da conversa com um senhor que rezava um terço enquanto esperava para ser atendido pelo Vô, com quem se trata há mais de dois anos, por causa de umas “vozes que o mandam se matar”. Expliquei estar lá pela primeira vez e precisava saber se ali “tinha alguma coisa a ver” com Umbanda. A resposta foi enfática (entre colchetes cito uma de minhas perguntas):

Aqui não tem nada a ver com a Umbanda. Não tem vela, não tem santo, nem ponto de macumba. Pode ver, aqui ninguém se joga no chão. E as entidades são como a gente... não tem as coisas horrível [sic] de terreiro. Aqui é um centro espírita. Você já foi num terreiro? Nem queira ir... [mas e as entidades que trabalham aqui, não são da Umbanda?] Ah, mas é diferente, aqui eles não pulam, nem bebem, só o Vô que fuma cachimbo.

Essa peculiaridade da CELINC em não se enquadrar nem nos parâmetros estéticos-organizacionais de um Centro Espírita Kardecista, nem nos de um espaço Umbandista talvez se justifique porque a Casa parece operar na perspectiva de resgatar a antiga concepção holística de cuidados com a pessoa e não apenas com o corpo, uma parte desse conjunto. Essa percepção integradora do ser humano foi rompida com o advento do movimento cartesiano, consolidada pela Biomedicina, e parece ter sido absorvida pelas inúmeras manifestações religiosas que também operam no campo terapêutico: os espaços de religiosidade deviam cuidar do espírito, porque do corpo cuidava a Biomedicina cuja base epistemológica, advinda do saber científico, a legitima. Embalado pelo positivismo, o Espiritismo Francês, conhecido no Brasil como Kardecismo, reconhece a existência de intercâmbio entre os planos espiritual e carnal, mas ordena a assepsia espiritual: nas mesas brancas só são bem-vindos espíritos evoluídos; os pretos-velhos, os caboclos e demais seres não suficientemente puros são excluídos. A Umbanda – corrente divergente do Kardecismo[10] – reintegra-os, como reza o mito de fundação (SAIDENBERG, 1978) dessa religião genuinamente brasileira (PRANDI, 1990; OLIVEIRA, 2011; JORGE, 2013).

A ideia dicotômica entre cuidados com o corpo e cuidados com o espírito parece estender-se às religiões defensoras da crença no mundo dos espíritos: o Espiritismo Kardecista chama de incorporação, enquanto o Espiritismo Umbandista de possessão. Na primeira, a percepção da fronteira entre o corpo e o espírito é assegurada; na segunda, não[11].

4.1 O entendimento do entendimento

As atividades na CELINC parecem indicar algo diferente: no plano da cura, onde a espiritualidade opera, não há fronteiras entre carne e espírito, ou entre espírito puro ou impuro, e se há uma fronteira, parece ser líquida e não fixa.

O espaço físico terreno da Casa não tem sinais diacríticos de um Terreiro ou de Casa de Umbanda ou de Candomblé: o ambiente é calmo, com música ambiente, geralmente clássica ou erudita; não há imagens de santo, velas ou qualquer um dos elementos típicos de espaços de religiões de matriz africana. A ritualística de início e fim das atividades segue os preceitos dos centros kardecistas: há palestras públicas, passes e distribuição de água fluidificada – denominação da água potável, depois de ser energizada pelos espíritos. Por outro lado, no espaço do “não físico, do não visível”, as entidades que lá atuam “descem pelas linhas energéticas da Umbanda”. Usam as designações dessas linhas (pretos velhos, ciganas) e os médiuns são chamados de “aparelhos”, como em alguns terreiros de Umbanda. Mas essas entidades são recebidas sem haver a possessão ou a subjugação do livre arbítrio do médium.

Neste centro, as entidades são doutrinadas: antes de começar a atender o público, precisam aprender a controlar sua energia, sem pular, cair no chão ou maltratar o médium. Tanto o médium quanto a entidade aprendem a se conhecer e a controlar a energia para poder ajudar a quem precisa. (presidente-fundadora da CELINC, em entrevista cedida em outubro de 2014).

Seguindo esse princípio, a “terapêutica de cura” oferecida pela CELINC aos frequentadore(a)s-pacientes e trabalhadore(a)s-pacientes não se limita aos recursos de cura propostos pelo Kardecismo e nem aos propostos pela Umbanda, pois as entidades, além de passes, banhos, pequenos rituais caseiros de purificação, prescrevem aos consulentes terapias da Medicina Oriental, tais como: acupuntura, moxa, reiki, cromoterapia, aplicadas nas próprias dependências da Casa por trabalhadore(a)s-pacientes que são submetido(a)s a um demorado processo de capacitação técnica, moral e espiritual, conforme citei anteriormente.

Os dados etnográficos parecem não deixar dúvidas: na CELINC, a fronteira entre o Espiritismo Kardecista, a Umbanda e as práticas de cura da Medicina Oriental não é fixa, é uma “fronteira líquida, movente, fluída, borrada”. As duas manifestações do Espiritismo e as técnicas da Medicina Chinesa se moldam, “borram” suas margens e se “encharcam” do que cada uma oferece de melhor, energeticamente, para atender às necessidades do/da “paciente” que, em geral, não reconhece apenas um “cosmo sagrado” ancorado às tradições religiosas, às instituições religiosas, ele/ela busca estas tradições, mas o faz “a partir da subjetividade de suas experiências, sem fidelidades e identidades fixas, ultrapassando fronteiras antes bem delimitadas e borrando-as” (PORTELLA, 2006, p. 74). Assim revelam pesquisas desenvolvidas sobre religiões em movimento (TEIXEIRA; MENEZES, 2013).

Dentro deste mundo pós-moderno globalizado as especificidades regionais são mais “globais” e mais comuns do que parecem. “Mais que nunca o indivíduo torna-se livre, autônomo também na esfera simbólica” (MARTELLI, 1995, p 302), tornando a identidade social e religiosa mais fluida, influenciando por meio de suas escolhas sempre “movementes” o todo social e as instituições sociais.

Nesse cenário, as manifestações religiosas seguem (re)significando suas práticas, assumem elementos diacríticos de outras religiões, e estão sempre prontas a “borrar” suas margens em outras margens para atender às demandas desse sujeito cujas exigências parecem tornar-se cada vez mais “líquidas”.

Para Canclini (2008), as manifestações [religiosas] em suas novas configurações, os códigos novos, os elementos atualizados e sua ressignificação são justamente resultado do “hibridismo cultural” que sempre marcou a história da sociedade. Esse permanente amalgamento fluido parece ser uma prerrogativa da cultura de cada povo que, para não se perder, se reconfigura na cultura do outro e assim mantém-se viva e pulsante, (re)sinificando-se e (re)significando os elementos diacríticos da cultura do outro ou dos outros com os quais se “borra”, para mover-se e “encharcar-se” de novos sinais e novas possibilidades de fluidez.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa “fronteira líquida” registrada entre as diferentes manifestações religiosas e a diversidade de práticas de cura na CELINC, mesmo em um pequeno recorte territorial, indica que, dentro deste universo regional, alguns dos problemas têm “(...) um caráter paradigmático: lançavam luz sobre problemas comumente encontrados, em escala muito maior, na sociedade como um todo” (ELIAS, 2000, p. 15).

Se num determinado momento – ainda não superado completamente – os pesquisadores de manifestações religiosas buscavam incessantemente nos dados de campo um padrão estabelecido com margens rígidas, hoje o padrão revelado por dados atuais é aparentemente fluido, nunca cessa de mudar e de exigir permanentemente novas configurações. Talvez se olharmos com olhos menos “domesticados” para a realidade, possamos encontrar outras “fronteiras líquidas” onde “enxergamos” uma borda fixa, imóvel, concreta. Como nos ensinou Saussure (1975), a diferença faz o sentido.

Os óculos de Miguilim nunca foram tão necessários.

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[1] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM); Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM); Pesquisadora do INCT Brasil Plural (CNPq/FAPEAM/FAPESC) e do MARACÁ – Grupo de Pesquisa em Arte, Cultura e Sociedade (PPGAS/UFAM).

[2] Basicamente, o passe para o Espiritismo Kardecista caracteriza-se por uma doação de fluidos, de um ser para outro. Geralmente, por intermédio de médium passista, um espírito mais desenvolvido do plano espiritual emana fluidos curativos para reequilibrar o enfermo ou o necessitado.

[3] O tratamento consistia no seguinte: a recepcionista anunciava meu nome, eu, então, me deslocava até a recepção onde um trabalhador-paciente me aguardava para me conduzir a um amplo salão, localizado num dos três prédios da Casa. Lá ela me pedia para tirar os sapatos, soltar os cabelos, e deitar relaxadamente numa das 15 macas, dispostas no local. Ao som de uma música suave, um trabalhador-paciente passava as mãos vagarosamente sobre meu corpo, demorando-se, dependendo do dia, sobre um ou outro ponto (no peito, no estômago, ou na testa), e gesticulando com movimentos mais rápidos parecia retirar algo daquele local, e despejar cuidadosamente aquela substância (?) ao lado da maca, estalando os dedos, de modo quase inaudível. Ele(a) sempre proferia algumas palavras, mas eu não consegui decifrar o murmúrio. Esse ritual era denominado de limpeza espiritual, e durava mais ou menos cinco minutos. Logo depois, o mesmo trabalhador-paciente direcionava um foco de luz rosa na direção do meu peito, no centro da caixa torácica, por aproximadamente 15 minutos, e depois outro foco de luz, desta feita roxa, no centro da testa, por mais 15 minutos. Ao sair, me pediam, como complemento do tratamento, para tomar um copo (dos usados para servir cafezinho) com água fluidificada.

[4] Segundo me foi explicado, a desobsessão é o afastamento de energias negativas as quais nos deixam carregadas de culpa, de medo ou de raiva. Geralmente, é o primeiro tratamento ao qual o frequentador-paciente é submetido e consiste em preparar a pessoa para futuros tratamentos.

[5] A atividade foi sugerida pelos professores Hélio Silva e Carmen Rial, como avaliação final da disciplina “Etnografia: Observação e Participação”, da qual fui aluna de agosto a dezembro do mesmo ano, na UFSC. Observar as práticas de cura num Centro Espírita de Linha Cruzada, em Santa Catarina, ilha no Sul do Brasil, poderia contribuir para minha pesquisa de doutorado sobre o tema em Parintins (AM), uma ilha no Norte do país.

[6] A CELIN ocupa um terreno amplo de 1500 m2. A estrutura física conta com três espaços. O primeiro é uma casa construída em madeira onde, além da recepção, há o salão principal, os consultórios das entidades, a sala de passe e a sala de desobsessão masculina. O segundo é um prédio em alvenaria, com dois pavimentos: no térreo localizam-se os banheiros, a biblioteca, a cantina, a cozinha e a sala de atividades infantis; na parte superior: duas salas amplas para atendimento feminino. No terceiro espaço, também em alvenaria, há a farmácia, a sala de oração para trabalhadores-pacientes, sala de esterilização, 10 pequenas salas destinadas a atendimentos diversos, e o salão onde acontecem as sessões de desobsessão feminina.

[7] A fundadora e presidente da CELICN é aposentada como perita da Procuradoria do Estado de Santa Catarina. Mesmo assim, esporadicamente, presta assessoria técnica para órgãos privados. Há alguns anos fez um acordo com a espiritualidade: doar 50% do valor recebido por essa prestação de serviço para ampliação da área construída da CEF. “Desde então a parceria tem funcionado”, explicou.

[8] O(A) frequentador(a)-paciente ao se tornar trabalhador(a)-paciente é submetido a uma rígida disciplina de formação intelectual e de preparação espiritual. Ele(a) precisa frequentar todos os cursos técnicos ofertados pela Casa, para depois escolher o tipo de terapia com a qual se identificou e poder começar a atender aos pacientes.

[9] O Pentateuco Espírita é composto pelos livros da Codificação: o Livro dos Espíritos, que apareceu pela primeira vez em 1857, e contém "o núcleo e arcabouço geral da doutrina"; o Livro dos Médiuns, continuação do primeiro e o qual descreve “o processo das relações mediúnicas, estabelecendo as leis e condições do intercâmbio espiritual"; o Evangelho segundo o Espiritismo explicita o conteúdo moral da doutrina; O Céu e o Inferno, por sua vez, discute "as penas e gozos terrenos e futuros"; e, por fim, A Gênese, os Milagres e as Predições "trata dos problemas genésicos e da evolução física da terra”.

[10] Uma breve revisão bibliográfica dos trabalhos desenvolvidos sobre o tema no Brasil por Nina Rodrigues (1900), Warren Jr. (1968), Bastide (1971) e Brown (1974) revela que esses teóricos defendem uma relação de continuidade entre Espiritismo e Umbanda no país. Todavia, Cavalcanti (2008) contesta esse suposto continuum.

[11] Apesar de os termos “espírita” e “espiritismo” serem utilizados no Brasil para se referir a diferentes vertentes religiosas que compartilham da crença no mundo invisível, Aureliano (2011) ressalta que “o uso comum dos termos nem sempre significa o compartilhamento das mesmas práticas, princípios doutrinários e identitários (AURELIANO, 2011, p.85). Cavalcanti (2008), por sua vez, aponta a mediunidade consciente do Espiritismo Kardecista versos a mediunidade inconsciente da Umbanda como um diacrítico balizador da fronteira entre as duas manifestações religiosas:

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