Www.cidadaosporlisboa.pt



A lei chegoua casaA Lei de Bases da Habita??o entrou em vigor emoutubro. A regula??o do mercado de arrendamentoestá entre as novidades deste “roteiro”, como classificaa sua autora, Helena Roseta, que entrevistamosTexto e entrevista Ricardo Nabais & Filipa Rendo J Fotografia Enric Vives-RubioOs princípios s?o claros: “Todostêm direito à habita??o,para si e para a sua família,independentementeda ascendência ou origem étnica,sexo, língua, território de origem,nacionalidade, religi?o, cren?a,convic??es políticas ou ideológicas,instru??o, situa??o económica, género,orienta??o sexual, idade, deficiência oucondi??o de saúde.” Dito de uma penada,a habita??o é um direito consagrado na lei.A Lei de Bases da Habita??o, inéditaem Portugal, prevê, entre outros aspetos,uma regula??o do mercado e prop?emecanismos para evitar as diversasdistor??es a que está sujeito. ? a sementeda legisla??o que irá ser aprovada nofuturo. O pre?o das rendas, insufladonos últimos anos nas grandes cidades,e a dificuldade de acesso ao créditoà habita??o s?o dois aspetos dessasdistor??es. Algumas medidas já est?oconsagradas na legisla??o em vigor, mas odocumento apresenta diversas novidades.Entre estas últimas, está a defini??o deum Programa Nacional de Habita??o, umdocumento plurianual com um horizonteaté seis anos e que integra, entre outros, odiagnóstico das carências habitacionaise a informa??o sobre o mercado (falhas edisfun??es, por exemplo). ? proposto peloGoverno, após consulta pública e parecerde um Conselho Nacional de Habita??o, eaprovado pela Assembleia de República.Para o p?r em prática, os governosdever?o adotar medidas de promo??oe gest?o da habita??o pública,como programas de habita??o,de repovoamento de territóriosem declínio ou cedência de terrenosou imóveis para habita??o cooperativa.E ainda medidas tributárias e políticafiscal, para privilegiar a reabilita??ourbana e a dinamiza??o do mercadodo arrendamento e a penaliza??o dehabita??es devolutas; medidas deapoio financeiro e subsidia??o aos maisdesfavorecidos e medidas legislativase de regula??o (por exemplo, à aquisi??ode casa própria).O documento reflete, também, umaaten??o especial aos mais vulneráveis, commedidas de prote??o e acompanhamentono despejo (que n?o pode realizar-se emperíodo noturno). Ou a obriga??o de oEstado organizar e promover a EstratégiaNacional de Apoio às Pessoas em Situa??ode Sem-Abrigo, em articula??o com asregi?es autónomas, as autarquias locais e asociedade civil. A possibilidade da da??oem cumprimento (entrega da casa aobanco, por impossibilidade de pagamento,com extin??o da dívida), desde que estejacontemplada no contrato de concess?o docrédito à habita??o, é outra das novidades.A regula??o do mercado de arrendamento,crédito à habita??o e a legisla??o sobreo condomínio s?o outros pontos destetrajeto, que ainda agora come?ou. A habita??o é uma bandeira que atravessapraticamente toda a sua carreira política.As cheias de 1967 contribuíram parauma aguda consciência desse direito.Arquiteta de forma??o, Helena Roseta, 71anos, foi autarca em Lisboa e em Cascais,constituinte, deputada e presidenteda Ordem dos Arquitetos. Foi autorado primeiro projeto de Lei de Bases daHabita??o em 2018, aprovado este anoe em vigor desde 1 de outubro.Há uma assimetria entre osmercados de arrendamento e decompra. Como poderá conseguir--se um equilíbrio?O mercado de arrendamento nas nossasgrandes cidades está em vias de extin??o.E as condi??es de acesso ao crédito s?odifíceis, para a compra. Há, ao mesmotempo, uma falha do mercado e uma falhado Estado na oferta de habita??o acessível.Um ponto com que toda a gente concordouquando apresentámos a lei de bases, apesardas diferen?as ideológicas, é que o Estadotem de fazer mais.E como pode o Estado intervir?Há quatro instrumentos: a promo??odireta (o Estado compra, reabilita ouconstrói casas disponíveis); a fiscalidade,embora a política fiscal, muitas vezes, n?ose cruze com os interesses da política dehabita??o; a subsidia??o, por exemplo, arenda apoiada nas casas públicas, que s?o120 mil em Portugal, em que as pessoaspagam de acordo com os seus rendimentose n?o de acordo com o valor real darenda. Essa diferen?a, na prática, é umsubsídio, mas escondido: n?o é dinheirodado, é desconto feito. Só em Lisboa, estasitua??o representa, em casas municipais,cerca de 21 mil com rendas apoiadas, deum total de 24 mil, o que significa uminvestimento de 70 a 80 milh?es de eurospor ano. ? relevante, comparando com ooutro subsídio que existe em Portugal –Porta 65 Jovem –, herdeiro de programassemelhantes, que tinha, no or?amentodeste ano, 18 milh?es de euros, para todoo País. Finalmente, a quarta maneira é aregula??o do mercado.E que mais se pode fazer paraequilibrar este mercado?O mais urgente é a regula??o, que podefazer-se de várias maneiras. Acima de tudo,é necessária informa??o pública sobre oque se passa no mercado da habita??o,quer na venda, quer no arrendamento. OINE come?ou a publicá-la trimestralmente,com valores públicos medianos porconcelho. Mas n?o temos o cruzamentodestes dados com os rendimentos dasfamílias para ver se s?o compatíveis com osvalores de mercado. E isso é fundamentaldo ponto de vista do consumidor. Sabemosapenas que em todos os locais do País ondehá press?o urbanística, como os centrosurbanos, os locais onde há universidades,ou migrantes, n?o temos solu??eshabitacionais acessíveis.Fala-se de uma taxa de esfor?o de50% dos rendimentos das famíliassó para habita??o...Este valor tem de ser descodificado, porqueé um valor médio aplicado aos valoresmedianos atuais. Só tem essa taxa de esfor?oquem está à procura de casa agora. Quem já tem, ou a obteve mais barata,ou já a tinha, ou já a pagou. Ou, ainda,tem a renda antiga, anterior a essa taxade esfor?o.Os media davam notícia de umataxa de esfor?o que come?a aser insuportável até para a classemédia.Essa press?o existe, e temos informa??oque o INE fornece esses dados ao Eurostata partir dos inquéritos que faz a famílias:se compararmos os 20% que ganhammenos com os 20% que ganham mais, astaxas de esfor?o para compra, das pessoascom rendimento mais baixo, s?o muitoelevadas. Mas s?o muito poucos os que láchegam, porque as famílias mais pobresnem sequer têm acesso ao crédito.E no caso do arrendamento?Verificamos que a taxa de esfor?oultrapassa muitas vezes os 40%, que éo limite a partir do qual se considera sersobrecarga, em termos europeus. E essamargem é ultrapassada por 35% dasfamílias com casas arrendadas. Isso n?oquer dizer que estivessem a pagar os 40%– até poderiam estar a pagar muito mais –,mas ultrapassava esse patamar. O objetivodo Governo era baixar essa percentagemde famílias que est?o em sobrecarga de35 para 27 por cento. As taxas de esfor?orecomendadas a nível internacional andamà volta dos 30 por cento. Mas variam com operfil das famílias: uma taxa de 30% paraagregados com poucos rendimentos n?o é omesmo que para famílias com rendimentosmédios. Para salários mínimos, a taxade esfor?o deveria ser ainda mais baixa.O rendimento disponível pode n?o sersuficiente para as pessoas terem uma o está agora o mercado?O que está a acontecer em Lisboa, naszonas centrais, é uma atenua??o e até,eventualmente, uma baixa de pre?os. Nestemomento, o ritmo de crescimento é maiorà volta da cidade. ? um mecanismo emespiral e é bastante perverso: as pessoastêm de sair para encontrar casas maisbaratas, mas, pelo facto de estarem a sair,as casas ficam mais caras. O fenómeno jáé visível em Odivelas ou na Margem Sul,em Alcochete e, quando chegar o novoaeroporto, no Montijo, por exemplo. NoPorto, verifica-se o mesmo: as rendas est?oa subir em Matosinhos e em Gaia. Daí que omais importante, volto a sublinhar, é haverinforma??o pública, transparente, acessívele regular o mercado com leis equilibradas efiscalidade justa.Falamos de um país deproprietários. Mas n?o ser?o,na sua maioria, proprietários dehipotecas?Costumo dizer que s?o inquilinos dabanca. Têm de pagar a presta??o todosos meses, ou ficam sem casa. Com aagravante de terem de pagar condomínio,a manuten??o, o IMI... Ou seja, têm asresponsabilidades de um proprietário, masn?o podem dar o destino que quiserem àssuas casas. Aliás, tivemos uma discuss?ocom a banca na Assembleia da Repúblicasobre esta matéria. Os bancos entendiamque, se uma pessoa tem um empréstimopara compra e depois quiser arrendara casa que está a comprar, precisa deautoriza??o. Essa legisla??o foi alterada:o mutuante só tem de comunicar aobanco que arrenda a casa, e a renda quevai receber tem de ser depositada nobanco onde contraiu o empréstimo. ? agarantia de que o empréstimo é pago. N?odepende da autoriza??o nem de outrascircunst?ncias particulares. A DECO teveum papel importante neste aspeto, duranteas negocia??es com a banca.E ainda abordaram a da??o emcumprimento.Queríamos ir mais longe, e a DECOtambém. A norma europeia sobre o créditoà habita??o defende, relativamente,o consumidor, mas n?o vai t?o longe: admite a da??o em cumprimento se estaestiver contratualizada. A solu??o sópode ser encontrada num regime legalextraordinário, que já esteve, de resto, emvigor em Portugal, durante o período datroika, quando as pessoas come?aram aficar aflitas e n?o conseguiam pagar aspresta??es. Mas esse regime deve voltar aser instituído. Se o mutuante estiver numasitua??o económica difícil, n?o deve perdersimultaneamente a casa, o seu modo de vidae as presta??es que já pagou. E ainda ficarum empréstimo para pagar... A lei de basespermite que esta situa??o agora seja de novoregulada por lei própria.Também se dedicaram à quest?odo direito de preferência.Alterámos o Código Civil nessa matériacrítica. Mas temos muitas casas que aindan?o est?o em propriedade horizontal e queest?o arrendadas. Há legisla??o que permiteao inquilino exercer o direito de preferênciasobre a parte que efetivamente ocupa. Mas,se a fra??o n?o estiver em propriedadehorizontal, e ele optar por comprar,torna-se comproprietário de “avos” doprédio. A solu??o é um pouco “coxa”. Temosde agilizar os mecanismos para obter apropriedade o podemos conciliar umapolítica pública de habita??o comos constrangimentos or?amentais aque estamos sujeitos?Uma boa solu??o s?o os imóveis devolutospúblicos. Temos um problema enorme:exige-se reabilita??es muito caras quetêm de obedecer a um sem-número deexigências. O processo devia ser maissimples, até porque as pessoas est?odisponíveis. Quantas vezes, na C?mara deLisboa, me vieram dizer para ceder umacasa camarária, mesmo em mau estado?As pessoas estavam na disposi??o de areabilitar, sobretudo os jovens. Podemosfazer parcerias com os privados, mas alegisla??o n?o as prevê à escala local. E háprojetos de melhoria que podem custarpouco, como o programa BIP-ZIP, em Lisboa.S?o programas a que costumo chamaracupuntura urbana, mais pontuais, a umaescala menor, mas que, com o envolvimentodas popula??es, ajudam a fazer a diferen?a.E há o problema das habita??esprivadas devolutas.Cheguei a propor um mecanismo derequisi??o civil, com indemniza??o. Aproposta foi muito atacada. Mas ainda amantive, a título pessoal, para as heran?asindivisas. Isso permitiria ir pagandoà heran?a, enquanto os herdeiros seentendiam, e a casa teria uso. A ideia n?opassou, mas, pelo menos, consciencializouas pessoas. Precisávamos de saber porque raz?o as casas est?o devolutas, sepor estarem em ruínas, se pelo facto de oproprietário n?o ter dinheiro para fazerobras, se por dificuldade em fazerempropriedade horizontal, ou por se tratar deuma heran?a indivisa…Outro dos pontos da lei s?oos mecanismos de prote??o apessoas privadas de habita??o.O Estado e os municípios têm decriar um sistema para que as pessoasamea?adas por ordens de despejo, eem risco de ficarem sem casa a curtoprazo, possam ser encaminhadas parasolu??es habitacionais. Pode n?o sernecessariamente uma casa para lhesdar, mas um subsídio de arrendamentopara cobrir o tempo de espera. Ou aindao alojamento temporário numa casa àespera de obras que pode servir para estassitua??es de transi??o. Há muitas solu??es,com um pouco de criatividade.A lei também fala de políticanacional de habita??o. Mas, nestecaso, mais uma vez, podemoschocar com a política de restri??oor?amental?N?o, até porque n?o estamos só a falar deinvestimento público. A política nacionalde habita??o é a defini??o dos objetivos,recursos, calendários e medidas. Se houvermetas definidas em lei – que têm de serrealistas –, pode escrutinar-se se a políticaestá ou n?o a ser cumprida. Se isso n?ofor obrigatório, o que acontece é que purae simplesmente pode n?o haver políticanenhuma.A prote??o aos sem-abrigotambém está presente na lei.Era fundamental contemplá-la na lei debases. Neste momento, estas situa??ess?o geridas pela Seguran?a Social e n?opela Habita??o. Costumo dar um exemplo:a Seguran?a Social é para fazer face àscontingências da vida. E que contingênciaspodemos ter? Se ficarmos desempregados,temos acesso a um subsídio; se estivermosdoentes, temos o subsídio de doen?a; omesmo se passa com a maternidade, coma reforma, com um funeral... E se ficarmossem casa? N?o temos direito a nada.Porque é que a primeira lei debases só aparece em 2019, 45anos depois do surgimento dademocracia?Porque sou teimosa e resolvi apresentá-la(risos)... Houve uma peti??o, creio, em2007, para que se pudesse fazer uma leide bases. Toda a gente aplaudiu, mas n?oaconteceu nada. Na legislatura anterior,convidaram-me para ser deputada. Aceitei,impondo a condi??o de fazer uma lei debases. E fiz o projeto inicial praticamentesozinha. A lei que se aprovou pode n?oser perfeita, mas, pelo menos, temos umavis?o estruturada e transversal, e umroteiro.A ONU acabou por elogiar esteprojeto, pela ênfase que é dada àhabita??o como um direito.Tivemos a visita da relatora especial dahabita??o da ONU, Leilani Farha. No seurelatório, fez uma recomenda??o a Portugalno sentido de se fazer uma lei de bases.Quando a viu feita, comentou logo, a dizerque a habita??o deveria ser vista como umdireito. Mas é um direito e é um mercado. Epara que o mercado n?o mate o direito, temde haver regula??o. ................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download