PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Nº 234/03 – PROT



PARECER

Interessado: 1ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de Campo Largo – PR.

Natureza: Consulta acerca da possível irregularidade de loteamentos e/ou condomínios existentes nas cidades de Campo Largo/PR e Balsa Nova/PR, e que são objetos de Inquéritos Civis (nº 0023.10.000017-5 e nº 0023.10.18-3, respectivamente), ambos em trâmite na Promotoria de Campo Largo – PR.

No que diz respeito ao Inquérito Civil nº 0023.10.000017-5, referente à Associação Proconstrução do Condomínio Green Valley, tem-se as seguintes informações:

a) o terreno está localizado em Área de Preservação Ambiental do Passaúna – APA;

b) há 04 córregos que cruzam o terreno e 01 deles deságua no rio Passaúna;

c) o terreno está circundado por floresta de araucárias;

d) o imóvel se encontra nas seguintes Zonas Ambientais (nos termos do Decreto Estadual 5063/01): ZOO (zona de ocupação orientada), ZUA (zona de uso agropecuário), CEUT (corredor especial de uso turístico), ZUC I (zona de urbanização consolidada I), ZPFV (zona de preservação de fundo de vale);

e) a Associação não apresentou projeto de loteamento e desmembramento de solo, pois alega que o empreendimento está de acordo com o artigo 58 e seguintes da lei de incorporações imobiliárias (4.591/64);

f) o Município de Campo Largo não se opõe à implantação do condomínio desde que seja atendida a legislação vigente.

No tocante ao Inquérito Civil nº 0023.10.18-3, referente ao Clube Residencial Recanto, constam informações de que o terreno, que está localizado no município de Balsa Nova – PR, possui 03 autos de infração lavrados pelo Instituto Ambiental do Paraná – IAP.

Segundo o IAP, os autos de infração dizem respeito a irregularidades constatadas e que dizem respeito a: a) parcelamento de solo para implantação do loteamento sem a licença ambiental; b) impedimento da regeneração em área de preservação permanente pela movimentação do solo sem licença ambiental; c) instalação de 04 (quatro) tanques para piscicultura sem licença ambiental.

Além dessas constatações há a informação de que nenhum estudo de impacto ambiental foi requerido pela Associação, bem como não houve concessão de nenhuma licença ambiental e ainda que já há construção iniciada em área de preservação ambiental.

O município de Balsa Nova informou que não consta em seus cadastros nenhum projeto de parcelamento de solo urbano anterior às obras (que já estão sendo executadas) e que sequer houve emissão de alvará para construção em favor da Associação de Proprietários do Clube Residencial Recanto.

O IAP havia lavrado, em 14-09-2009, embargos das atividades, contudo, por desrespeito a estes embargos, novamente a Associação foi autuada em 18-07-2011.

A Associação fundamenta suas ações no artigo 96, do Decreto 59.428/96, artigo 53, da lei 6766/79 e artigo 8º, da lei 4.591/64, todos a seguir transcritos:

Art 96. Os projetos de loteamentos rurais, com vistas à urbanização, industrialização e formação de sítios de recreio, para serem aprovados, deverão ser executados em área que:

I - Por suas características e pelo desenvolvimento da sede municipal já seja considerada urbana ou esteja incluída em planos de urbanização;

II - Seja oficialmente declarada zona de turismo ou caracterizada como de estância hidromineral ou balneária.

III - Comprovadamente tenha pedido suas características produtivas, tornando antieconômico o seu aproveitamento.

Parágrafo único. A comprovação será feita pelo proprietário ou pela municipalidade em circunstanciado laudo assinado por técnico habilitado, cabendo ao IBRA ou ao INDA, conforme o caso, a constatação de sua veracidade.

Art. 53 - Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente.

Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

A Associação fundamentou a construção das obras nos artigos acima transcritos, contudo, conforme informações constantes no Inquérito Civil, tendo ela apresentado as irregularidades que extrapolam a questão ambiental verificada pelo IAP. Não apresentou a entidade também projeto de parcelamento do solo (mencionado nos artigos 96 do Decreto 59.428/96 e 8º da lei 4591/647) e ainda não possui alvará para construção, isto é, não possui autorização do Município para a implantação das obras (citado no artigo 53 da lei 6766/79).

1 Fundamentação:

1.1 Quanto ao aspecto ambiental:

De acordo com os Inquéritos Civis 0023.10.000017-5 e 0023.10.18-3, ambos os empreendimentos estão localizados em área de preservação ambiental, sendo que o loteamento referente ao Condomínio Green Valley está localizado na área de preservação ambiental do Passaúna, e para que seja implantada qualquer obra urbanística ou não, o empreendedor deverá atender uma série de requisitos legais.

Em se tratando de obra a ser executada em área de preservação ambiental a importância que se dá ao tema possui relevância constitucional, que encontra fundamento no artigo 225, §1º, IV da Constituição Federal:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (grifo nosso).

De acordo com o artigo 8º da Resolução nº 10/1988 do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, “nenhum projeto poderá ser implantado em uma APA, sem a prévia autorização de sua entidade administrativa”.

Ainda, vale destacar o que informa o artigo 10, caput da lei 6938/81, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente:

Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (grifo nosso).

Isto é, independentemente da finalidade da obra a ser implantada em uma determinada região, em especial em uma APA, qualquer tipo de empreendimento deverá ter prévia autorização da entidade administrativa competente.

De acordo com os Inquéritos Civis a Associação Proconstrução do Condomínio Green Valley e a Associação de Proprietários e Moradores do Clube Residencial Recanto não apresentaram projeto de loteamento e/ou desmembramento, sob a alegação de que o empreendimento estaria de acordo com o artigo 8º e 58 da lei 4591/64.

Contudo, é imperioso afirmar que independentemente de o empreendimento a ser implantado estar fundamentado na lei 4591/64, que trata das incorporações imobiliárias, ou na lei 6766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, em todas as hipóteses de obras a serem realizadas em área de preservação ambiental deverá existir a emissão de parecer prévio dos órgãos administrativos competentes, bem como o licenciamento a ser concedido pelo órgão ambiental competente.

Nesse sentido, cumpre destacar o que preconizam os artigos 7º e 9º do Decreto Estadual nº 5063/01, que trata do Zoneamento Ecológico e Econômico da Área de Proteção Ambiental denominada APA Estadual do Passaúna, da Secretaria da Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SEMA:

Art. 7º. O Controle Ambiental de todas as atividades existentes e a serem

implantadas na APA Estadual do Passaúna será através do licenciamento pelo órgão ambiental competente.

§ 1º. O Zoneamento Ecológico-Econômico da APA Estadual do Passaúna, evidencia em mapa anexo, parte integrante deste Decreto, as atividades consideradas de risco à manutenção da qualidade hídrica nominadas como Atividades de Controle Ambiental Intensivo - ACAI, sobre as quais deverá haver um constante monitoramento ambiental.

§ 2º. As Atividades de Controle Ambiental Intensivo deverão atender às exigências dos órgãos ambientais, visando sua adequação aos objetivos da APA, sob pena de cassação do licenciamento, nos termos da lei. (grifo nosso)

Art. 9º. O parcelamento do solo para fins urbanos, bem como os condomínios residenciais horizontais, dependem de parecer prévio da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba - COMEC e dos demais órgãos competentes.

Parágrafo Único. Os condomínios residenciais horizontais sujeitos ao parecer prévio da COMEC são aqueles com mais de 20 (vinte) unidades. (grifo nosso).

No caso em tela, o loteamento referente ao Condomínio Green Valley e que se pretende implantar na área de preservação ambiental possui 48 unidades (conforme planta constante no site: (.br), e o loteamento referente ao Clube Residencial Recanto, possui mais de 53 lotes, estando ambos, portanto, obrigados a se submeter a parecer prévio.

Segundo consta no Inquérito Civil, no caso do Condomínio Green Valley, o terreno está rodeado por floresta com araucárias (tal informação pode ser confirmada através do site anteriormente mencionado).

O Decreto 5063/01 estabelece ainda, que deverá existir nos lotes um tamanho mínimo, suficientemente reservado para a manutenção ou plantio obrigatório de árvores. Desta forma, em se tratando de terreno localizado em área de preservação ambiental e que possui em seu entorno floresta com araucárias, não se pode afastar a incidência dos artigos 10 e 11 do referido decreto estadual:

Art. 10. Nenhum novo projeto de urbanização poderá ser implantado sem que os lotes tenham tamanho mínimo suficiente para a manutenção ou o plantio obrigatório de árvores, em pelo menos 20% (vinte por cento) da área do terreno.

I - caso não seja possível o cumprimento do estabelecimento no caput deste artigo, deverá ser atendido o Plano de Recomposição Florestal e, na falta deste, a orientação do órgão ambiental competente;

II - a área referente a porcentagem definida no caput deste artigo deverá estar devidamente identificada no projeto a ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no Registro de Imóveis competentes, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título;

III - excepcionalmente, a critério do órgão ambiental competente, no caso de inexistência, parcial ou total, de áreas de conservação, de preservação

permanente ou áreas aptas à "recomposição florestal" na prioridade, estas áreas poderão, como forma de compensação, estarem alocadas fora da propriedade. Os locais, espécies e dimensões serão definidos pelo órgão ambiental estadual, com a devida anuência da Câmara de Apoio Técnico - CAT da APA do Passaúna.

Art. 11. Para os condomínios horizontais:

I - as reservas das áreas de conservação e de preservação permanente

destinadas a recomposição florestal, deverão estar devidamente identificadas no projeto e ser averbadas à margem da inscrição de matrícula de imóvel, no Registro de Imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título;

II - excepcionalmente, a critério do órgão ambiental competente, demonstrado o interesse público municipal,no caso de inexistência, parcial ou total, de áreas de conservação, de preservação permanente ou áreas aptas à recomposição florestal na prioridade, estas áreas poderão, como forma de compensação, estarem alocadas fora da prioridade, em até 20% (vinte por cento) da área total do imóvel, sendo que os locais, espécies e dimensões serão definidos pelo órgão ambiental estadual, com a devida anuência da Câmara de Apoio Técnico - CAT da APA do Passaúna;

III - somente será concedido o certificado de vistoria de conclusão de obras do empreendimento, ou documento similar, desde que comprovado o atendimento da condição compensatória.

No caso do Condomínio Green Valley, consta também, das informações extraídas do Inquérito Civil, que há 04 (quatro) córregos que cruzam o terreno, sendo que um deles deságua no rio Passaúna. Quanto aos recursos hídricos, e que são de não menos importância ao meio ambiente, estabelece o já citado Decreto Estadual 5063/01 no artigo 7º, §1º, que estes deverão ser constantemente monitorados por atividades de controle ambiental intensivo – ACAI.

Art. 7º (...)

§ 1º. O Zoneamento Ecológico-Econômico da APA Estadual do Passaúna, evidencia em mapa anexo, parte integrante deste Decreto, as atividades consideradas de risco à manutenção da qualidade hídrica nominadas como Atividades de Controle Ambiental Intensivo - ACAI, sobre as quais deverá haver um constante monitoramento ambiental. (grifo nosso).

No que tange, portanto, à questão da preservação ambiental, os dispositivos acima referenciados são bastantes a demonstrar a necessidade de adequação legal de qualquer empreendimento a ser implantado em área de preservação ambiental, sob pena de sujeitarem-se os infratores às sanções previstas em lei, nos termos do artigo 23, do Decreto 5063/01:

Art. 23. A ação ou emissão das pessoas físicas ou jurídicas que importem inobservância aos preceitos deste Decreto ou resultem em dano à flora, à fauna e aos demais atributos naturais da APA Estadual do Passaúna, sujeitam os infratores às sanções previstas em lei.

Assim sendo, os empreendimentos que se pretendem estabelecer na cidade de Campo Largo (Condomínio Green Valley e Clube Residencial Recanto (que já teve obras iniciadas)) que se encontram em área de preservação ambiental, somente poderão ser viabilizados após o atendimento de todas as exigências impostas pela legislação ambiental.

1.2 Quanto aos aspectos legais dos empreendimentos – análise das leis 4591/64 (lei de incorporações imobiliárias) e 6766/79 (lei de parcelamento do solo urbano).

Além de se verificarem as irregularidades no tocante ao desatendimento de questões legais ambientais, as Associações não apresentaram projeto de loteamento ou desmembramento do solo, com fundamento no artigo 58 da lei 4591/64, e nesse aspecto, há de se fazer uma diferenciação entre condomínio (tratado na referida lei) e loteamento, tratado na lei 6766/79 (lei de parcelamento do solo urbano).

No âmbito legal do loteamento estão sempre presentes as idéias de individualidade dominial dos lotes, de criação de espaços para áreas públicas e de inovação do sistema de ruas, perdendo a gleba a sua indivisibilidade, dando início ao surgimento de áreas de uso comum aos moradores, conforme dispõem os artigos 4º, I; 7º, II e III; 9º, § 2º, III e 22 da Lei 6766/79.

Quando se faz referência a loteamentos, fala-se em loteamentos convencionais fundamentados na lei 6.766/79, mas que, no entanto, com ou sem a autorização das Prefeituras, acabam sendo fechados com muros, cercas, portões etc.

Os condomínios de casas térreas ou assobradadas, previstos na lei 4.591/64, são distintos dos loteamentos convencionais, entretanto, são muitas vezes confundidos pela doutrina e pelo comércio imobiliário e chamados também de condomínios fechados ou ainda, loteamentos fechados.

A lei 6766/79, em seu artigo 2º, §1º define loteamento para fins urbanos como sendo a "subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes".

A doutrina estabeleceu algumas diferenças entre o condomínio de casas (chamado loteamento fechado), previsto no artigo 8º, da lei 4591/64 e o loteamento convencional (fundado na lei 6766/79), quais sejam:

a) no loteamento convencional as vias e logradouros passam a ser de domínio público, utilizadas por qualquer cidadão e no condomínio/loteamento fechado as ruas, as áreas livres, jardins, praças são de propriedade dos condôminos, que a utilizarão com base em regras estabelecidas em uma convenção.

b) no loteamento convencional, cada lote tem acesso direto à via pública e no condomínio fechado os lotes têm acesso ao sistema de ruas do próprio condomínio, que, por sua vez, dará acesso à via pública.

c) no loteamento convencional, a gleba loteada perde a sua individualidade, deixa de existir, para surgirem os vários lotes, como unidades autônomas destinadas à construção, já no condomínio fechado, a gleba inicial não perde a sua caracterização, ela continua a existir como um todo, pois o seu aproveitamento é feito também como um todo, integrado por lotes de utilização privativa e área de uso comum.

Pois bem, atualmente o comércio imobiliário tem utilizado o fundamento do artigo 8º, da lei 4591/64 para construir condomínios/loteamentos fechados e fatalmente, para burlar o disposto na lei de parcelamento de solo urbano – 6766/79.

Muitos defendem a existência dos condomínios fechados, pois afirmam que estes não representam nenhum gasto aos cofres públicos, pois, além de muitos deles estarem localizados fora dos grandes centros, são mantidos economicamente pelos condôminos, segundo as regras da convenção de condomínio.

Tal é o caso da Associação de Proprietários e Moradores do Clube Residencial Recanto (de Balsa Nova – PR), que afirmou que a coleta de lixo, a iluminação pública e saneamento básico foram implantadas com recursos próprios, sem nenhum custo para o Poder Público.

Contudo, no intuito de evitar o preenchimento dos requisitos para a execução do parcelamento do solo para fins urbanos, percebe-se uma utilização de forma abusiva da lei de condomínio para os casos de empreendimentos de loteamento, mesmo porque, na maioria dos casos onde há essa forma de empreendimento, implantam-se condomínios fechados com dimensões gigantescas, com quadras que são divididas em lotes e uma série de ruas de extensões muito grandes.

Mas o que se vê, após a implementação do empreendimento, que se fundamentou indevidamente no artigo 8º, da lei 4591/64, e que na maioria das vezes não atende aos requisitos legais ambientais e de infraestrutura, é que com o passar do tempo, os encargos para a sua manutenção vão se tornando insuportáveis para os condôminos/consumidores. As ruas e acessos internos passam a não ter mais conservação adequada e daí surge a necessidade de recorrer-se ao Poder Público para que este assuma as obras de conservação do sistema das vias internas, gerando conflitos de interesse urbanístico, uma vez que, na maioria das vezes, esse sistema não corresponde às exigências legais para a execução de loteamentos convencionais, como a largura das ruas, alinhamento, etc.

Muitas vezes os condomínios são tão grandes que os próprios moradores têm dificuldade quanto ao deslocamento nas vias internas, pois demoram para se deslocar a pé e não têm a possibilidade de utilizarem-se de transporte público, pois este somente é acessível do lado de fora do condomínio.

A realidade é que os condomínios fechados sempre serão um núcleo urbano que possui necessidades urbanas e que mais cedo ou mais tarde vai precisar da ingerência do município para suprir as deficiências que com o tempo irão surgir. (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Direito Urbanístico Brasileiro", 2ª ed., 1995, Malheiros, pág. 317).

O fechamento desses loteamentos, além de traduzir-se na tentativa de burlar a lei do parcelamento do solo urbano, pode resultar aos moradores, portanto, uma série de prejuízos que serão percebidos com o decorrer do tempo.

Nos termos do artigo 17 da lei 6766/79, o loteador não poderá alterar a destinação dos espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e memorial descritivo (art. 9, § 2º, III e IV).

As áreas públicas de um loteamento (espaços livres de uso comum, áreas verdes, vias, praças, áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos), visam a atender às necessidades coletivas urbanas. Algumas estão voltadas à circulação de veículos, ônibus, pedestres e semoventes. Outras se destinam à ornamentação urbana (fim paisagístico e estético), têm função higiênica, de defesa e recuperação do meio ambiente, atendem à circulação, à recreação e ao lazer (praças, jardins, parques, áreas verdes e de lazer).

Assim, o fechamento do loteamento, com o consequente fechamento das vias de circulação, por ato do loteador ou associação de moradores, com ou sem aprovação do Município, vulnera o artigo 17 da lei 6766/79, na medida em que, subtraindo-as da utilização geral, altera a destinação, os objetivos e a finalidade legal dessas áreas, predispostas que estão para atender ao público indistintamente.

Em ambos os casos ora em análise (Associação Proconstrução do Condomínio Green Valley e Associação de Proprietários e Moradores do Clube Residencial Recanto) vê-se que há irregularidades não só no que diz respeito às questões ambientais, mas também no que diz respeito ao atendimento dos demais requisitos legais no que tange à infraestrutura dos loteamentos.

É imperioso destacar que tais irregularidades poderão se reverter em prejuízo dos consumidores/adquirentes das unidades de lotes que estão sendo comercializados pelos fornecedores, uma vez que poderá existir a recusa do registro do imóvel pelo Cartório competente, na medida em que os imóveis não atendem os requisitos legais para a realização do ato do registro.

O fornecedor, por sua vez, está expressamente proibido de vender ou prometer parcela de loteamento não registrado, nos termos do artigo 37 da lei 6766/79, sob pena de ter de aceitar, em qualquer tempo, a rescisão do contrato do consumidor, conforme artigo 39 do mesmo diploma legal:

Art. 37 - É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado. (grifo nosso)

Art. 39 - Será nula de pleno direito a cláusula de rescisão de contrato por inadimplemento do adquirente, quando o loteamento não estiver regularmente inscrito.

E ainda, em conformidade com os artigos 50 e 52 da lei 6766/79, é crime promover o início de loteamento sem o atendimento das disposições legais, bem como fazer o respectivo registro do loteamento, do compromisso de compra e venda etc, sem autorização do órgão competente, veja-se:

Art. 50 - Constitui crime contra a Administração Pública:

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:

I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. (grifo nosso)

Art. 52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.

Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis. (grifo nosso)

Conclusão.

Diante do exposto, tem-se que independentemente de os loteamentos estarem ou não localizados em área de preservação ambiental, ambos devem atender todos os requisitos legais ambientais para o início das obras de sua implantação, contudo, verifica-se que há irregularidades em ambos.

No tocante ao fato de que ambos pretendem se constituir em “loteamentos fechados” é imprescindível afirmar que estes não são lícitos.

O fechamento desses loteamentos se mostra como uma tentativa de burla à Lei de Parcelamento do Solo Urbano, haja vista que o artigo 17 da referida lei (6766/79) informa que o loteador não pode alterar a destinação dos espaços livres de uso comum, as praças, as vias entre outros, que constam do memorial descritivo:

Art. 17 - Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei. (grifo nosso)

Esse dispositivo, em conformidade com o artigo 22 da mesma lei, também obriga o Município, que recebe essas áreas quando do registro do loteamento, isto porque, os bens públicos adquiridos com a implantação do projeto de loteamento urbano passam a integrar o domínio do município:

Art. 22 - Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços, livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu domínio. (grifo nosso)

Como a lei federal só trata dos loteamentos convencionais, abertos, com espaços e áreas públicas acessíveis a todos, a aprovação pelo Município dos "loteamentos fechados" não é lícita, pois não está fundamentada no princípio da legalidade.

Por fim, vale lembrar que a Constituição estabelece a todos os cidadãos o direito de ir e vir (artigo 5º, XV, XVI e § 1º), de modo que qualquer legislação infraconstitucional, bem como conduta que afronte tal mandamento constitucional, impondo limitações a este direito de ir e vir, são inconstitucionais

Curitiba, 10 de outubro de 2011.

Ciro Expedito Scheraiber

Procurador de Justiça

Coordenador do Centro de Apoio Operacional

das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor

Cristina Corso Ruaro

Promotora de Justiça

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Curitiba

Marta Favreto Paim

Assessora Jurídica

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