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NO CINQUENTEN?RIO DO GOLPE DE 1964, AS LEMBRAN?AS SE TORNAM MAIS DOLORIDAS PARA FAMILIARES DA FAMOSA ESTILISTA??Gustavo WerneckMulher de personalidade forte, Zuzu Angel usou a sua arte como arma para denunciar, no exterior, a ditadura militarEla n?o p?de segurar o filho morto nos bra?os, enxugar o suor e o sangue de seus poros e dar o beijo da despedida. N?o jogou flores sobre o caix?o, nem teve uma sepultura para visitar quando a saudade doeu fundo na alma. Até o fim de seus dias, a mineira de Curvelo Zuleika Angel Jones (1921-1976), que entrou para a história e o mundo da moda como Zuzu Angel, foi guerreira e lutou com todas as for?as de m?e para encontrar o corpo de Stuart Edgar Angel Jones, assassinado aos 26 anos, em maio de 1971, pelos órg?os de repress?o, no auge da ditadura militar. No cinquentenário do golpe de 1964, que se completará na próxima segunda-feira, as lembran?as se tornam mais doloridas para a jornalista Hildegard Angel, residente no Rio de Janeiro (RJ): "Minha m?e foi uma Tiradentes de saias, e Minas deve se orgulhar dela, pois foi a única, naqueles tempos de medo congelante, a levantar o queixo e apontar o dedo. Intimidava os poderosos. Isso foi notável. Meu irm?o n?o deu a vida de brincadeira, nunca foi festivo. Era um legítimo".A estilista que trouxe para o país o termo fashion designer fez moda genuinamente brasileira e ganhou reconhecimento internacional, com matérias publicadas no New York Times e Le Monde. "Mas ela sempre dizia que preferia ser citada no Curvelo Notícias (CN) da terra natal do que em qualquer outro jornal do mundo", recorda-se Hildegard, que no próximo dia 1? participará em S?o Paulo da abertura da mostra Ocupa??o Zuzu, inteiramente dedicada a todas as facetas da vida e obra da mineira ilustre. O conterr?neo, diretor-presidente do CN, Raimundo Martins dos Santos, de 84 anos, também lembra dessa declara??o. "Zuzu era uma pessoa de bem com a vida, mas o fato de n?o encontrar o corpo do filho a deixava louca de tristeza."?A família de Zuzu Angel, nascida Zuleika de Souza Netto, se mudou de Curvelo, quando ela ainda era crian?a, para Belo Horizonte, onde ocorreram fatos que agora s?o lembrados e divertem Hildegard. "No início da adolescência, foi expulsa pelas freiras do Sagrado Cora??o de Jesus por malcria??o. Mais tarde, se sagrou campe? de nata??o e ‘nadou de bra?ada’ em tudo o que fazia. Mam?e sempre foi revolucionária, acho que de origem, e fazia quest?o de dizer que, em Curvelo, havia um lugar chamado Revólver Clube, isso bem antes de os Beatles lan?arem um disco chamado Revolver e do surgimento da banda Guns N’ Roses."?PublicidadePor volta dos 18, 19 anos, a jovem estava na casa de parentes, na capital, quando viu pela primeira vez o norte-americano Norman Angel Jones, que comprava cristais de rocha e pedras de Minas para a embaixada dos Estados Unidos. "Papai era um gal?. Na hora, conforme me contaram, minha m?e, que já falava inglês, disse às primas e tias que se casaria com aquele homem. E se casou, nascendo Stuart, Ana Cristina, residente na Fran?a desde 1969 e eu, a ca?ula."Em 1947, o casal foi morar no Rio e, mais tarde, nas cria??es de Zuzu, o Angel (anjo) do sobrenome passou a ser logomarca.?"Era uma criadora de moda completa, pois entendia de todo o processo, do corte e costura à apresenta??o do produto. Hoje, esse é o conceito mais moderno da moda." Mesmo que tenha corrido mundo e morado nos Estados Unidos, Zuzu manteve intacto o amor por Minas: Em 16 de dezembro de 1971, declarou: "Preciso sempre reabastecer minhas baterias de mineirismo. Quando sinto que vai acabando, tenho de voltar".SEM PERD?O?A morte de Stuart Edgar, estudante de economia que caiu na clandestinidade e integrou o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi um turbulento divisor de águas na vida de Zuzu Angel. Das profundezas da dor à flor da pele, ela percorreu, já separada do marido, a sua via-crúcis com destemor, sem jamais conseguir encontrar o corpo do filho. Em 29 de novembro de 1986, 10 anos depois da morte de Zuzu, o jornalista José Maurício Vidal Gomes, amigo dela de longa data, publicou no Estado de Minas a reportagem “O urro de uma leoa em busca do filho”. Ele escreveu: "Quantas vezes ouvi este grito, onde quer que estivesse ao lado de Zuzu: ‘Tudo o que quero é meu filho. Já que ele está morto, quero o seu corpo, quero enterrar com minhas m?os o filho que saiu de minhas entranhas (…) Para uma m?e, é pedir muito?’”.Um companheiro de cela de Stuart relatou que, na manh? de 14 de maio de 1971, depois de dois dias de tortura, ele foi "colocado no porta-malas de um Opala amarelo e levado para a Base Aérea do Gale?o, no Rio, onde ficava o Centro de Informa??es da Aeronáutica (Cisa)". E mais: à noite, de uma janela, a testemunha p?de ver Stuart, "já com a pele semiesfolada", ser arrastado de um lado para o outro do pátio do Cisa, amarrado a uma viatura e com "a boca quase colada a um cano de descarga aberto, a aspirar gases tóxicos".Stuart Edgard foi assassinado na base aérea do gale?o, e o corpo teria sido jogado no marNa sequência, conta Hildegard, o corpo teria sido jogado no mar. Em depoimento à Comiss?o Nacional da Verdade, em agosto de 2013, dois militares perseguidos pela ditadura confirmaram a cena de horror e as "toxinas do cano de escapamento"."Minha m?e nunca perdoou. N?o se conformou com a morte de Stuart. Fez da perda uma bandeira, n?o baixou a guarda nem abaixou a cabe?a. Foi impávida e altiva até o final, principalmente no governo Médici, o tempo mais terrível" – o presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) governou o país de 1969 a 1974, já no período chamado de anos de chumbo. "Meu irm?o nunca entregou ninguém, era um ideológico. Minha m?e sabia de tudo, claro, e sempre foi solidária a seu filho", diz a jornalista.Na obsess?o de encontrar Stuart, Zuzu costurou para dona Yolanda Costa e Silva (1910-1981), viúva do ex-presidente Artur da Costa e Silva (1899-1969), mas a proximidade n?o surtiu o efeito desejado. Ent?o, passou a mimeografar dossiês contendo as denúncias sobre o assassinato do filho e entregá-los às atrizes Kim Novak, Joan Crawford e Liza Minelli e encaminhá-los ao senador Edward Kennedy. Em 1976, furou o bloqueio da seguran?a do secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, em visita ao Brasil, e lhe entregou nova documenta??o sobre o desaparecimento do filho, que também era cidad?o americano.?Desfile-protestoMas foi em 1971, que Zuzu fez o "primeiro e único" desfile-protesto de que se tem notícia, realizado no consulado brasileiro em Nova York. Desde o Ato Institucional n? 5 (AI-5), datado de 13 de dezembro de 1968, estava proibido falar mal do país no exterior. "Ninguém podia dar qualquer declara??o ofensiva ao governo, do contrário estava fadado a responder processo, ser preso e torturado. Sendo assim, mam?e fez um desfile comovente, com as modelos usando fitas pretas de luxo na manga, gola, pala e cintura dos vestidos. Ao lado dos bordados t?o "agradáveis" e costumeiros nas roupas, havia andorinhas pretas, sol quadrado, canh?es atirando e até soldados, que, segundo ele, "recebiam ordens tir?nicas".?Hildegard n?o consegue conter as lágrimas ao lembrar que Zuzu, no seu desespero, envelheceu "20 anos em dois" e só conseguia encontrar alegria na cria??o. E a peregrina??o continuou acelerada durante anos, mobilizando a imprensa internacional e fazendo contatos, até que, em 14 de abril de 1976, a estilista morreu num acidente no Rio de Janeiro: o Karmann Ghia azul que dirigia derrapou na saída do túnel Dois Irm?os, que depois foi batizado com o seu nome, bateu na mureta de prote??o e caiu numa ribanceira. Uma semana antes, temendo que lhe ocorresse algo, "como um acidente de automóvel", ela deixou com o compositor Chico Buarque e outros amigos cartas explicando que a responsabilidade deveria recair sobre "as mesmas pessoas que mataram o meu filho".No ano seguinte, Chico Buarque e Miltinho, do MPB-4, compuseram Angélica, em homenagem a Zuzu Angel, num tom de acalanto: “Quem é essa mulher/que canta sempre esse estribilho?/só queria embalar meu filho/que mora na escurid?o do mar/Quem é essa mulher/que canta sempre esse lamento?/só queria lembrar o tormento/que fez o meu filho suspirar…" Em 25 de mar?o de 1998, 22 anos depois da morte da mineira de Curvelo, o governo brasileiro reconheceu que ela fora vítima de atentado político e n?o de acidente de carro. O depoimento de dois advogados residentes em Jo?o Pessoa (PB) e que estudavam direito na PUC do Rio, na época, foi decisivo para a decis?o. "Os dois estar?o presentes na abertura da mostra, diz Hildegard.Mensagem de vidaAnna MarinaA estilista mineira Zuzu Angel (c), com sua filha Ana Cristina (e) e Kathy Lindsay, filha do prefeito de Nova YorkConheci Zuzu Angel no início dos anos 1960. Ela se hospedava na casa de uma parente que morava perto de mim, no Bairro Santo Ant?nio. Estava chegando de Curvelo, onde nasceu, e seu trabalho como estilista logo chamou minha aten??o. A moda brasileira ainda engatinhava por aqui, mas ela estava muito além do copismo, da conforma??o a modelos importados. Já defendia a cultura brasileira, criando roupas em algod?o estampado, florais que lembravam nossas chitas, rendas feitas à m?o e modelagem muito pessoal, sem muitos truques de cortes e recortes. Zuzu batalhava para colocar no mercado – e na cabe?a das brasileiras – um estilo que tinha muito mais a ver com nosso país tropical do que o das rendas e musselinas usadas na época. Naquele tempo já fazia da moda uma mensagem de vida.Sua originalidade fez sucesso principalmente nos Estados Unidos, quando produziu vários desfiles e teve cole??es vendidas em algumas das principais lojas de Nova York. Era, para os padr?es da época, uma estilista vencedora que, estimulada, chegou até a abrir uma butique em Ipanema, a ilha da modernidade do país. Só que, antes disso – anos 1970 –, ela já mostrava uma outra faceta de seu caráter pioneiro, destemido, defensor de suas cren?as. Quando a ditadura se instalou no país, seu filho Stuart foi um dos presos, torturado e morto no Gale?o, e a família nunca teve acesso ao seu corpo.Zuzu mostrou sua for?a através da moda que fazia. Foi desfilar nos Estados Unidos sua revolta contra a ditadura, criando estampas com anjos de luto (o anjo era uma das marcas de suas cria??es, apoiada em seu nome). Pegou o consulado de Nova York de surpresa e colocou na passarela uma cole??o de protesto. Nas roupas, as estampas de sua dor de m?e: anjos engaiolados, grandes manchas vermelhas, motivos bélicos, mensagens políticas que foram amplamente divulgadas pela imprensa internacional.Voltando ao Brasil, ela n?o se calou, continuou a lutar contra o desaparecimento do corpo de seu filho Stuart. Incomodou tanto que, em abril de 1976, o carro em que ia para casa – sozinha e na dire??o – foi empurrado da Estrada do Joá abaixo. Zuzu morreu – mas deixou uma imagem t?o forte na sua luta contra a ditadura como deixou com sua moda, orgulhosamente apoiada em suas raízes brasileiras.Homenagem a uma guerreiraUma foto da década de 1920 da Rua Primeiro de Maio, hoje Rua Zuzu Angel, no Centro de Curvelo, será um dos destaques da mostra Ocupa??o Zuzu, em cartaz de 1? de abril a 11de maio, dia das m?es, em três andares do Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149), em S?o Paulo (SP). Ao lado desse registro, estará a Matriz de Santo Ant?nio, na qual a estilista foi batizada. Os retratos fazem parte do acervo da prefeitura local, que pretende, futuramente, abrir um espa?o para reverenciar a memória da estilista. A iniciativa, informa o jornalista e escritor de Curvelo Newton Vieira, é homenagear, depois, outros filhos ilustres da cidade, entre eles o escritor e primo de Zuzu, Lúcio Cardoso (1913-1968), autor de Cr?nica da Casa Assassinada, e o artista gráfico Alceu Penna (1915-1980), que trabalhou na revista O Cruzeiro e criou As garotas do Alceu.A exposi??o apresentará cerca de 400 itens, incluindo documentos, objetos, fotos, roupas e textos manuscritos. Na busca pelo filho, a estilista escreveu cartas de denúncia a amigos e outras m?es de desaparecidos, congressistas americanos, militares brasileiros, entre eles o ent?o presidente Ernesto Geisel (1907-1996), intelectuais e artistas, a exemplo de Chico Buarque. As mais importantes correspondências assinadas por ela, documentos (alguns inéditos, outros, cópia), mensagens para dar coragem ou pêsames, recebidas de amigos, e artigos publicados sobre a estilista nas mídias nacional e internacional também poder?o ser vistos.?A exposi??o traz, ainda, material audiovisual de valor histórico, como trechos do desfile de protesto, realizado em Nova York, objetos e fotografias do filho desaparecido – muitos apresentados ao público pela primeira vez. Segundo os organizadores, o objetivo é mostrar "a criadora, m?e, empresária e militante".Ocupa??o Zuzu incorpora ainda outros eventos, como uma mostra de cinema, com curadoria de Eduardo Morettin, professor de História do Audiovisual da Universidade de S?o Paulo (USP) e conselheiro da Cinemateca Brasileira, curso ministrado por Jo?o Braga, especialista em história da arte pela Funda??o Armando ?lvares Penteado (Faap) e em história da indumentária e da moda pela Funda??o Escola de Sociologia e Política de S?o Paulo, além de encontros com os estilistas Ronaldo Fraga, Isabela Capeto e Gisele Dias, e personalidades que fizeram parte da vida de Zuzu, como a atriz Elke Maravilha. O evento terá curadoria compartilhada de Hildegard Angel, criadora do Instituto Zuzu Angel e do Museu da Moda, Itaú Cultural, via núcleos ?udio Visual e Literatura e Educa??o e Relacionamento, e Valdy Lopes Jr, que também assina a dire??o de arte.?Tags: ................
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