UFPB



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O PODER DAS ARTES ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO LITERÁRIA: O ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO, NA LITERATURA E NO CINEMA

Bernardo Meister Gehrke(1); Raquel Santana dos Santos(1); Sandra Luna(3)

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes/Departamento de Letras Estrangeiras Modernas/PROLICEN

RESUMO

Diante das dificuldades colocadas pelo mundo moderno, voraz em sua rapidez e tecnicista em seus métodos, como trabalhar a Literatura, que, como expressão artística, é pressentida como objeto de fruição? Como reavivar a função formativa da arte literária, a sua relevância social, se atualmente pouco tempo há para a leitura de um livro? É confrontando essa problemática que o nosso projeto atua: através da exibição de adaptações fílmicas baseadas em grandes clássicos da Literatura, tentamos despertar nos alunos um interesse saudável pela leitura e pela Literatura, colocando-os em um terreno que subsidiará, com conhecimento, o desenvolvimento de um senso crítico-reflexivo sobre si mesmos, sobre a cultura e a sociedade. Formado por professores, monitores da graduação e pós-graduação em Letras, nosso projeto trabalha com alunos do ensino médio da rede estadual, na perspectiva de criar leitores-cidadãos.

PALAVRAS-CHAVE: EDUCAÇÃO LITERÁRIA; LITERATURA E CINEMA; ROMANTISMO.

1 - INTRODUÇÃO

Em um mundo cada vez mais imediatista e utilitarista, o ensino de Literatura, sobretudo na escola, tem passado por imensas dificuldades. Considerada muitas vezes como um item de mera fruição e prazer, a Literatura, embora ocupando lugar relevante na esfera das artes, há tempos vem perdendo o valor formativo e educacional que desempenhou durante muitos séculos. Um dos motivos para tal alheamento das estratégias educacionais em relação ao literário é a mudança, que a sociedade pós-moderna traz, na noção de tempo: o que predomina em nosso contexto atual é o ritmo acelerado, necessário ao cumprimento das inúmeras tarefas ou obrigações que nos são impostas diariamente. Nesse contexto frenético, é valorizado aquilo que gera mais resultados concretos em menos tempo. Como então ensinar Literatura, já que os livros, notoriamente, necessitam de atenção, esforço e tempo incondizentes com a cultura da instantaneidade em que vivemos atualmente?

Ademais, vivemos uma era marcada pela computação, tecnologia da informação e internet, onde cada vez mais se aprende com a imagem, e não mais com a palavra. Mesmo os textos jornalísticos são cada vez mais imagéticos, negando ao verbo a sua função de instruir. O ensino, sobretudo o médio, parece ter-se transformado em uma oficina de conhecimentos técnicos e profissionalizantes, que visam, de uma parte, à simples inserção do indivíduo em um disputado e feroz mercado de trabalho, ou então ao êxito maquinal em exames de seleção para o nível superior, onde, de fato, aconteceria o despertar para a reflexão e pensamento crítico.

Como garantir à Literatura a relevância social que lhe é devida, por sua natureza de lugar de resistência e de espaço de reflexão crítica, se, fora do âmbito da academia, todo discurso de natureza artística é considerado supérfluo? Partilhamos assim da visão de Antonio Candido, ao afirmar que a Literatura, longe de ser objeto de simples prazer ou ócio, é elemento necessário e incompressível, pois alimenta o espírito, desperta consciências e se constitui como instrumento de mudança e intervenção social, sendo então um direito do ser humanizado (MELLO e SOUZA, 2004, p.173).

É nessa perspectiva que o projeto “Educação Literária: os clássicos da literatura através do cinema” atua, com o objetivo de aproximar o conhecimento teórico, produzido através de interações entre alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de Letras, a uma práxis efetivamente crítica e reflexiva, para que o ensino de Literatura, longe de ser algo descontextualizado, possa servir de instrumento para a humanização, a instituição de pensamento crítico, construção de conhecimento e formação de alunos-cidadãos com plena consciência do seu papel no mundo que os circunda. Para tanto, são utilizadas adaptações para o cinema de obras clássicas da Literatura, em sessões fílmicas que agem como um portal de entrada para a esfera literária em si, estimulando o interesse pela leitura e a curiosidade dos educandos. Concordamos então com as idéias de Paulo Freire (1996, p.76), no que tange à educação como instrumento de intervenção, capaz de realizar mudanças contundentes em uma sociedade que delas tanto necessita.

2 - DESCRIÇÃO METODOLÓGICA

O projeto está sendo realizado pelo quinto ano consecutivo, sendo o quarto ano em que tem como campo o Lyceu Paraibano, localizado no centro da cidade, escola de referência e tradição no contexto estadual de ensino. A escola supre devidamente as necessidades estruturais e técnicas necessárias às exibições fílmicas e aos debates, apesar da sua condição de instituição pública de ensino. Diversas mudanças aconteceram nos cinco anos de execução do projeto, tanto nos processos metodológicos quanto nas condições de trabalho encontradas, a cada ano tendo sido apontados novos caminhos e novos parâmetros de experimentação. Para o ano corrente, foi decidido que o público alvo seriam os alunos de ensino médio, do primeiro ao terceiro ano. Diferentemente dos anos anteriores, em que as sessões e debates eram vinculados à grade curricular da escola, juntamente à disciplina de Língua Portuguesa, as sessões ocorrendo em horário de aula, nesse ano letivo o projeto foi desvinculado da disciplina, e a participação do alunado se fez de forma voluntária. Isso fez com que se tivesse mais liberdade com relação às obras escolhidas e aos temas abordados.

Depois das reuniões preliminares entre a coordenadora, a Profª. Drª. Sandra Luna, e os diversos monitores, nas quais foram planejadas as ações e selecionadas as obras a serem trabalhadas, foram iniciadas as atividades no Lyceu Paraibano. No primeiro contato, os alunos foram convidados, através de visitas em sala de aula, a participarem do projeto. Para tal, preencheram uma pequena ficha de inscrição, na qual constavam dados pessoais e informações para contato, e também um questionário, que visava diagnosticar o perfil do aluno (informações pessoais, sócio-culturais, preferências), para que as ações de planejamento pudessem ser mais efetivas e consistentes. De acordo com a disponibilidade de horário de cada estudante, foram criadas duas turmas, uma abrangendo o período das 12 às 15 horas, e a outra alocada entre as 14 e as 17 horas, a acontecer em terças-feiras alternadas. Sendo assim, cada turma teria duas sessões mensais e cada grupo teria uma média de 20 alunos.

Antes de cada exibição há uma reunião de planejamento, na qual a obra literária selecionada é discutida, tendo como foco a sua adaptação fílmica. Esse planejamento provê aos monitores um aporte teórico adicional e imprescindível à contextualização da obra e à mediação do debate. No início de cada sessão, a equipe de monitores realiza um breve prólogo, no intuito de contextualizar os alunos com relação à obra, assim como oferecer-lhes elementos que facilitem a compreensão do enredo. Os filmes escolhidos têm em média duração de duas horas, deixando uma hora para a realização do debate. Neste ano, os filmes foram exibidos em seu idioma original, instigando os alunos a realizarem a leitura das legendas em Português, o que claramente se pode contabilizar como ganho para a própria prática de leitura, considerando-se que, a cada ano, na entrevista inicial que visa diagnosticar os perfis das turmas, a grande maioria dos alunos que compõem nosso público-alvo informa preferir filmes dublados, declarando inaptidão para leitura de legendas. A opção por filmes legendados impõe-se ainda como esforço nosso para facilitar a inserção dos espectadores no contexto cultural da obra, propiciando um ambiente de aproximação cognitiva com a língua estrangeira em questão. Durante o debate são tratadas questões relevantes não só à Literatura, como também à História, Sociologia, Ética, Filosofia e Política. Aos monitores cabe o papel de propor reflexões e direcionar a discussão, na qual os alunos têm efetiva participação e liberdade plena de expressar idéias. Ressalte-se, com respeito a esses debates, que nas reuniões preparatórias de cada sessão, há uma antecipação dos principais temas a serem levantados para discussão, numa espécie de simulação prévia do que poderia vir a ser um debate produtivo em relação aos próprios parâmetros que orientam o projeto. Não se quer com isso dizer que não haja espaço para inserção de novos temas ou adoção de novas perspectivas, o que há, efetivamente, é um planejamento arejado, que nem impede os monitores e os alunos de tomarem trilhas alternativas, nem os deixa sem roteiro nessas aventuras, a liberdade criativa do pensamento crítico informado tornando o debate ainda mais produtivo e instigante.

Com o intuito de adaptar o projeto às necessidades mais recentes, assim como melhorar a comunicação entre monitores e alunos, nesse ano foi construído um blog do projeto, criando assim um espaço virtual de interação, no qual informações sobre as sessões, obras, filmes, e diversas outras referências puderam ser compartilhadas. Além disso, a internet, através de endereços de envio de SMS, consistiu em ferramenta importante para o andamento do projeto, pois permitiu uma comunicação eficiente entre os monitores e os alunos sobre o cronograma e a programação das sessões do projeto.

Além das sessões fílmicas, dos debates e do espaço virtual, o projeto possui uma biblioteca itinerante, composta tanto pelas obras clássicas abordadas nos encontros, quanto por volumes de escritores consagrados, em língua portuguesa e estrangeira. É um recurso muito importante na continuação do trabalho de incentivo à leitura, já que busca aproveitar, de forma espontânea, a curiosidade e interesse despertados pelos filmes. Além disso, fornece aos educandos a perspectiva de uma maior inserção nos conteúdos trabalhados, dessa vez, experimentando a matéria literária através dos textos integrais. A biblioteca se alimenta de doações, sendo outra das responsabilidades dos monitores do projeto manter acesa essa disposição dos alunos para a leitura das obras. Durante o ano, a biblioteca passou por reformulações, tendo havido inclusão de novos títulos, além da sua catalogação e realocação dentro do espaço físico do colégio Lyceu Paraibano, cuja biblioteca não realiza empréstimos, ao contrário da nossa, que, embora pequena, circula livremente entre os alunos do projeto.

3 - RESULTADOS

Como orientação metodológica deste projeto, que busca apresentar e debater filmes baseados em obras literárias, foi pelo grupo decidido que neste ano seria feito um recorte de um determinado período literário para ser o foco de atuação do projeto, visto que, nos anos anteriores em que o projeto funcionou, trabalhou-se com essas obras em uma perspectiva diacrônica, procurando fazer um percurso histórico pontuado por obras representativas de diversos períodos temporais e assim mostrando como ocorreram evoluções ou modificações dentro do campo literário, sem esquecer, obviamente, as próprias transformações históricas operando sobre a esfera artística. Neste ano de 2010, decidimos concentrar nosso foco de atenção no período do Romantismo e, ao invés de uma visada panorâmica sobre intervalos temporais mais longos, optamos por verticalizar nossas pesquisas, trabalhando mais detida e profundamente com os alunos as principais características e ideais que permearam o período romântico nas tradições européias e norte-americana. Essa opção foi motivada, de um lado, considerando-se a importância desse contexto de aprendizado para a aferição da modernidade artística e para a compreensão do próprio romantismo brasileiro, de outro lado, tendo em mente que esse legado estrangeiro seria por eles pouco ou nada estudado nas condições atuais de suas grades curriculares.

Iniciando-se por meados do século XVIII, o Romantismo surgiu na Europa como uma forma de repressão a todos os movimentos ligados ao racionalismo exacerbado existentes naquela época, surgindo como um movimento de transgressão das regras e voltando-se, portanto, contra o Neoclassicismo e toda forma artística na qual predominasse a razão e o artificialismo. Caracterizado por ser um movimento que busca a liberdade de pensamentos tanto na literatura como na arte, o romantismo dificilmente poderia ser didaticamente sumarizado, sendo, contudo, consensual, a ênfase que concedeu às tendências abaixo discriminadas:

• Liberalismo nas formas de expressão, sem a necessidade de se submeter às convenções estilísticas existentes no período neoclassicista quanto ao tipo de linguagem a ser usada e também quanto às formas predominantes em relação à poesia.

• Ênfase dos sentimentos, podendo os artistas daquela época retratar a poesia ou a arte de acordo com suas próprias percepções, experiências, sentimentos e pensamentos em relação à vida e não somente retratar a ação do homem a partir de convenções anteriormente aceitas como legítimas, a subjetividade passando a ser um critério mesmo de legitimidade e originalidade artística.

• Apologia à natureza, que, em meio à revolução industrial, estava sendo esquecida ou desvalorizada.

• Representação da simplicidade da vida, os autores procurando expressar através da vida comum, um modelo rústico e humilde de existência, em contraposição aos modelos aristocráticos de representação da elite, optando os românticos por uma linguagem simples, prosaica, que se aproximasse da linguagem falada pelo homem comum.

• Opção pela valorização de dimensões místicas, sobrenaturais, fazendo incidir sobre o campo artístico o dualismo entre o real e o irreal, ou o sobrenatural, o sonho, a fantasia, o exotismo, mas também tematizando as tensões entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a razão e a sensibilidade, a mente e o corpo, etc.

• Inserção na arte séria e elevada de personagens baixos, vistos como marginalizados pela sociedade. Tendo sido o romantismo um momento artístico forjado no mesmo campo intelectual em que foram urdidas as revoluções liberais no ocidente, compreende-se como em suas obras foram acolhidos não apenas personagens socialmente inferiores, mas também excluídos e marginalizados, transgressores e criminosos, a literatura da época tendo sido invadida por mendigos, ciganos, prostitutas, bandidos, presidiários, entre outras figuras cujas apreensões apontavam claramente para as injustiças sociais que os românticos buscavam denunciar e combater.

Ao longo do presente ano foram trabalhadas obras consideradas de excelência, clássicos da literatura romântica que apresentavam claramente as mais significativas características inerentes a essa tradição. Devemos aqui ressaltar que os monitores do projeto estão vinculados, sobretudo, aos cursos de Graduação em Letras Estrangeiras Modernas, o que lhes dá acesso à leitura desses clássicos em suas línguas originais. Dentre as obras do período romântico que foram estudadas pelos alunos do projeto neste ano de 2010 citamos: Jane Eyre (1847), da escritora britânica Charlotte Brontë, Dracula (1897) de Bram Stocker, Carmen (1845) do escritor francês Prosper Mérrimée, o livro que daria origem à famosa ópera de Bizet. Estudamos ainda Frankenstein (1831) da escritora Mary Shelley, O Morro dos Ventos Uivantes (1847) de Emily Brontë, além de apresentarmos o mito de Don Juan, importantíssimo para os românticos, criação ficcional que rendeu varias adaptações no mundo literário. Foram ainda apresentados Moby Dick (1851), do norte-americano Herman Melville e um marco incontornável do Romantismo de cunho social, Os Miseráveis (1862), do francês Victor Hugo.

As adaptações fílmicas exibidas para fundamentar as exposições e debates foram, respectivamente: Jane Eyre, de 1996, dirigido por Franco Zeffirelli; Dracula, de 1992, dirigido por Francis Ford Coppola; Os Amores de Carmen, de 1948, dirigido por Charles Vidor; Mary Shelley’s Frankenstein, de 1994, dirigido por Kenneth Branagh; O Morro dos Ventos Uivantes, de 1992, dirigido por Peter Kosminsky; Don Juan de Marco, lançado em 1994 e dirigido por Jeremy Leven; Moby Dick, de 1956, dirigido por John Huston; e por último, Os Miseráveis, de 1998, dirigido por Bille August.

Para se ter uma idéia do trabalho empreendido pelo grupo, podemos elencar para ilustração a obra O Morro dos Ventos Uivantes, um grande clássico da escritora inglesa Emily Brontë. Nascida em julho de 1818 no condado de Thornton, Yorkshire na Inglaterra, Emily Brontë era a segunda filha mais velha de uma família de seis filhos. Sua mãe morreu enquanto ela ainda era criança, e sua irmã mais velha Charlotte e seu pai foram os responsáveis pela educação dos mais novos. Emily e suas outras duas irmãs, Charlotte e Anne, sempre gostaram de Literatura e desde muito cedo costumavam escrever poemas sobre um mundo imaginário que elas tinham inventado. Alguns anos depois, Emily e Anne decidiram publicar seus poemas sob os pseudônimos masculinos de Ellis Bell e Acton Bell, visto naquela época não serem bem acolhidas mulheres escritoras, que dificilmente tinham seus trabalhos publicados.

O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights) foi a única obra escrita por Emily Brontë, que faleceu muito nova, aos 30 anos, em decorrência de uma tuberculose. Sua obra recebeu muitas críticas no começo por ser frequentemente comparada à obra Jane Eyre de sua irmã mais velha, porém, atualmente O Morro dos Ventos Uivantes é considerado um dos grandes clássicos literários e reconhecido em todo o mundo.

Publicado em 1847, o Morro dos Ventos Uivantes é considerado um romance trágico e gótico, por ter em sua estrutura elementos que misturam o mundo natural com o sobrenatural, predominando em sua narrativa um ambiente sombrio. Trata-se de uma obra muito complexa, estilisticamente muito densa. O enredo da narrativa retrata a história de duas gerações das famílias Earnshaw e Linton no espaço de tempo de 30 anos. A temática do amor impossível, que tem como protagonistas Catherine e Heathcliff, é um motivo para a discussão de questões de maior densidade filosófica, como as idéias de Rousseau, assim como um pretexto para a tese de críticas sociais.

Em O Morro dos Ventos Uivantes é possível identificar características marcantes do período romântico, dentre elas a dualidade entre o mundo natural versus o mundo sobrenatural, muito enfatizada na obra pela presença de espíritos, que são frequentemente mencionados durante a narrativa. Essa característica sobrenatural que permeia a narrativa traz uma atmosfera sombria para a obra, que também é representada pela casa no “Morro dos Ventos Uivantes”, na qual a sensação de solidão é enfatizada, principalmente pelo nome referente à intensa atividade atmosférica da região na qual a história se passa. Podemos perceber que o clima sombrio presente em Wuthering Heights é quebrado quando o narrador se refere à outra propriedade, a granja Thrushcross, podendo-se destacar aí outra dualidade representada pela luz e pelas sombras, o contraste entre as duas propriedades.

A obra coloca como personagem principal Heathcliff, que é chamado de cigano pelos outros personagens, visto que a sua origem não é revelada, retratando assim um personagem marginalizado, tipo frequentemente abordado em obras do romantismo. A construção do personagem Heathcliff evidencia forte influência das idéias do filósofo francês Rousseau: tendo sido adotado, contava inicialmente com a entusiasmada proteção do patriarca da família, despertando contrariedade e inveja no irmão mais velho. Após a morte do pai, Heathcliff perde todos os direitos de que gozava em casa, passando a receber um tratamento atroz do varão, que agora administrava a propriedade. Isso afeta bruscamente o caráter do personagem, que, já maduro, se mostra amargurado, vingativo e consciente da injustiça que sofrera. A tese rousseauniana se impõe aí como evidência de que os homens nascem bons, a vida social os corrompe. Outra característica muito marcante na obra é a relação entre a natureza e o estado de espírito dos personagens. Nas cenas conturbadas, repletas de tensão, a natureza aparece sempre representada de forma turbulenta. O livro faz ainda, através da temática do amor impossível, uma crítica às convenções sociais da época, já que os personagens, por serem de classes sociais distintas, não poderão ter seu amor concretizado, o que somente poderá ocorrer no mundo sobrenatural, quando a alma de Heathcliff finalmente encontra-se com a de Catherine para selar um afeto que não foi possível ser vivenciado na sua existência naquelas condições sociais.

O Morro dos Ventos Uivantes é um livro pleno de simbologia, permeado de imagens literárias e representativo de uma complexidade estilística imensa. Obviamente uma adaptação fílmica da presente obra põe os alunos em contato com suas principais características, a exploração do filme servindo de estímulo aos alunos para a investigação acerca da vida da autora e a leitura do texto original. Em nosso projeto, o filme escolhido foi a versão de Peter Kosminsky, de 1992. No debate da película, os alunos se mostraram muito interessados, curiosos e participantes. Dentre os temas abordados, destacamos a questão do carisma e adesão ao injustiçado personagem de Heathcliff, momento em que nos foi oportuno tratar de conceitos como heroísmo, pathos e simpathos; explorar a crítica social contida no romance; as diversas simbologias, atestando que, na literatura de qualidade, nada do que é incluído é gratuito ou leviano; características do mito trágico, que faz da morte e do caos caminho para a retomada da ordem; fornecendo-lhes ainda um exemplo da vida real, no papel da autora, mulher intrépida que, em circunstâncias tão adversas, selou seu nome na história da arte.

4 – CONCLUSÃO

Diante dos resultados apresentados, podemos perceber que a Literatura, trabalhada de forma oportuna, pode operar mudanças significativas na percepção de mundo e no aproveitamento acadêmico dos monitores e dos alunos. Temos plena certeza de que os educandos do nosso projeto, que com tanto afinco se fizeram presentes nas sessões durante o ano, carregam agora em si uma semente, semeada não com pouco esforço, mas que irá perpetuar bons resultados no que tange à formação de uma cidadania plena e crítica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRONTË, Charlotte. Jane Eyre. London: Penguin Books, 1994.

BRONTË, Emily. Wuthering Heights. London: Penguin Books, 1994.

BYRON. Don Juan. London: Peguin Books, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HUGO, Victor. Os Miseráveis. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

MELLO e SOUZA, Antonio Candido. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2004.

______. Vários Escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2004.

MELVILLE, Herman. Moby Dick. London: Penguin Books, 1994.

MÉRIMÉE, Prosper. Carmen. Porto Alegre: L&PM, 2002.

SHELLEY, Mary. Frankenstein. London: Penguin Books, 1994.

STOKER, Bram. Dracula. London: Penguin Books, 1994.

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