Glob - ISCTE



INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA

TESE DE LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA

Globalização e Social-Democracia: uma equação impossível?

De: Ricardo Vieira Góis

Orientador: Doutor Rogério Roque Amaro

ÍNDICE

- Índice dos anexos………………………………………………………………………3

- Estrutura da tese……………………………………………………………………...6

1- Os debates sobre a globalização: principais perspectivas

- Introdução………………………………………………………………………………7

1.1- O «hiperglobalismo neoliberal» : a globalização como utopia……………………13

1.2- A «perspectiva globalista»: transformações espácio-temporais e globalização económica………………………………………………………………………………22

1.3- A «perspectiva céptica»: a globalização como mito……………………………....46

2- Balanço crítico das diferentes perspectivas sobre a globalização: principais aspectos negativos e tentativa de reconceptualização a partir da sua crítica……..62

2.1- O determinismo tecnológico recorrente no que respeita às causas da emergência e expansão da globalização: o exemplo de Castells……………………………………...64

2. 2- A confusão acerca da natureza da globalização como variável explicativa………71

2.3- A concepção da globalização como um processo sem actores: a globalização como uma reificação…………………………………………………………………………..82

2.4- Os Estados-nação vistos exclusivamente como vítimas passivas dos processos de globalização…………………………………………………………………………….89

3- A globalização implica necessariamente uma convergência neoliberal e uma «race to the bottom»? Globalização e Social-Democracia: uma equação impossível?...................................................................................................................102

- Conclusão…………………………………………………………………………...135

-Anexos……………………………………………………………………………….140

Bibliografia…………………………………………………………………………...160

Ìndice dos anexos

Quadros

- Quadro 1- Receitas fiscais totais em 18 países da OCDE (em percentagem do PIB)…………………………………………………………………………………………….140

- Quadro 2- Receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital em 18 países da OCDE (como percentagem do total das receitas fiscais estatais)………………………………………………………………………………..141

- Quadro 3- Evolução dos rendimentos, exportações e fluxos de capital 1985-2002 conforme o grau de riqueza dos países (em biliões de dólares e em percentagem)………………………………………………………………………….142

- Quadro 4- Aumentos das despesas sociais (em percentagem do PIB) por regime de Estado-Providência……………………………………………………………………………143

Gráficos

- Gráfico 1- Receitas fiscais totais (em percentagem do PIB)……………………………………………………………………………………144

- Gráfico 2- Receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital………………….................................................................................................145

-Gráfico 3- Receitas dos impostos sobre os rendimentos individuais (em percentagem do PIB)……………………………………………………………………………………146

- Gráfico 4- Receitas das contribuições para a Segurança Social - patronato (em percentagem do PIB)…………………………………………………………………............................147

- Gráfico 5- Evolução da captação dos de fluxos de investimento directo estrangeiro conforme o grau de riqueza dos países (em biliões de dólares) ……………………….148

- Gráfico 6- Taxas de Pobreza em alguns países da OCDE …………………………..149

- Gráfico 7- Evolução da distribuição da riqueza entre as 1000 pessoas mais ricas do Reino Unido e as 50% da população menos ricas (em biliões de libras) ………………………………………………………………………………………...150

- Gráfico 8- Percentagem da população a viver com baixos salários no Reino Unido em relação à população total (1961-2002) ………………………………………………………………………………………...151

- Gráfico 9- Desemprego na OCDE 1983-88……………………………………………………………………………………...152

- Gráfico 10- Desemprego na OCDE 1989-94………………………………………...153

- Gráfico 11- Desemprego na OCDE em 1994 e 2001 (Abril)………………………...154

- Gráfico 12- Transferências sociais (em percentagem do PIB) por regime de Estado-Providência……………………………………………………………………………155

- Gráfico 13- Relação entre os gastos com as despesas sociais (em percentagem do PIB) e a taxa de encarceramento………………………………………………………………………..156

- Gráfico 14- Relação entre o índice de desmercadorização de Esping-Andersen e as taxas de encarceramento………………………………………………………………………..157

- Gráfico 15- Relação entre a percentagem de trabalhadores a tempo inteiro com baixos salários e a pobreza infantil…………………………………………………………………………………158

- Gráfico 16- Relação entre os gastos com as despesas sociais (em percentagem do PIB) em pessoas com idade para trabalhar e a pobreza infantil……………………………................................................................................159

Estrutura da tese

A presente tese está dividida em três partes. Na primeira parte, que trata dos debates sobre a globalização, o conceito de globalização é discutido com algum detalhe a partir das diferentes perspectivas teóricas que em torno dela se foram construíndo e que consideramos serem mais relevantes, tentando dar conta de algumas semelhanças e, sobretudo, das diferenças entre elas.

Na segunda parte, trata-se de fazer um balanço crítico dessas diferentes perspectivas sobre a globalização, e, a partir dos principais aspectos negativos identificados nas perspectivas dominantes sobre a globalização - nomeadamente uma tendência para o «estrutural-determinismo» e para os determinismos tecnológico e económico, a tendência para se conceber a globalização como uma variável independente e como uma reificação, bem como a tendência para se conceber os Estados-nação como vítimas passivas dos processos de globalização - tentar-se-à proceder a uma reconceptualização dessa mesma globalização a partir da crítica dessas mesmas tendências, tentando, ao mesmo tempo, propôr alternativas que, em nosso entender, são mais adequadas para a compreender.

Na terceira (e última) parte, tentaremos desafiar, teórica e empiricamente, a ideia de que a globalização implicaria, necessária e inevitavelmente, uma progressiva convergência para um modelo social «liberal» (que se caracteriza precisamente por ter um Estado Social residual). Procuraremos, assim, demonstrar que não há nada de intrínseco na abertura económica associada à globalização que implique que o Estado-Providência e a Social-Democracia sejam algo de anacrónico e um entrave à competitividade das economias, apesar de, nos debates públicos (e na maior parte dos debates académicos), já se ter tornado numa espécie de senso comum a ideia de que a globalização torna inevitável um progressivo desmantelamento do Estado-Providência e que a Social-Democracia seja algo de que só se pode falar, cada vez mais, no pretérito perfeito. Ainda que de uma forma não exaustiva, pretendemos demonstrar precisamente o contrário: não só a social-democracia e o Estado-Providência não devem ser concebidos como uma propriedade exclusiva de um tempo histórico ultrapassado, como também é precisamente nos países em que esta mesma social-democracia se encontra mais profundamente institucionalizada que, a nível mundial, ainda melhor se combina uma forte competitividade económica com um elevado nível de protecção social.

All vogue words tend to share a similar fate: the more experiences they pretend to make transparent, the more they themselves become opaque. The more numerous are the orthodox truths they elbow out and supplant, the faster they turn into no-questions-asked canons. Such human practices that the concept tried originally to grasp recede from view, and it is now the ‘facts of the matter’, the quality of ‘the world out there’ which the term seems to ‘get straight’ and which it invokes to claim its own immunity to questioning. Globalization is no exception to that rule.

Zygmunt Bauman (1998:1)

A «globalização» é uma dessas falsas ideias claras que talvez contribuam mais para obscurecer do que esclarecer o entendimento do mundo complexo, falsamente transparente e realmente opaco, em que vivemos, embora a ideia possa servir um discurso apologético das grandes empresas transnacionais, indiscutíveis grandes actores da globalização, seja o que for que o termo designe.

Mário Murteira (2002:72)

Knowledge is power, and intellectual constructions of globalization help to shape the course of the trend.

Jan Aart Scholte (1996:49)

INTRODUÇÃO

Poucos foram os conceitos utilizados nas ciências sociais que suscitaram (e suscitam) tanta polémica e que tenham emigrado tão facilmente do campo académico para o discurso corrente, jornalístico, empresarial e político, como o conceito de «globalização». Mas, apesar de o seu uso se ter generalizado e fazer já parte do vocabulário de vários agentes não quer dizer que haja um consenso generalizado acerca do seu conteúdo e da bondade dos processos que esse mesmo conceito designa. Pelo contrário, como iremos ver mais à frente, existem diferentes usos, apropriações e representações da globalização, embora a maior parte dos agentes (dentro e fora do campo académico) pareçam partilhar uma concepção vaga, reificada e hiperbólica dessa mesma globalização.

A origem do uso do conceito de globalização parece remontar ao início dos anos 70, quando autores como Modelski (1972) o utilizaram para designar o processo de conquista, por parte dos países europeus, no decorrer do século XIX, de regiões não-europeias, de forma a poder integrá-las num sistema global de trocas comerciais (cf. Held e Mcgrew, 2000). No entanto, foi só a partir de finais dos anos 80 que esse mesmo conceito atingiu uma projecção considerável, projecção essa que, segundo Chesnais (1997), foi inicialmente levada a cabo pelas grandes escolas americanas de gestão, procurando estas, através de diversas publicações afectas ao meio empresarial, difundir a mensagem de que a imposição de quaisquer obstáculos à livre actuação das empresas multinacionais prejudicaria, necessária e inevitavelmente, o bem-estar económico.

Contudo, foi só a partir de finais dos anos 80/início dos anos 90 que se procedeu à generalização do seu uso em diversas ciências sociais (Economia, Ciência Política, Sociologia, Antropologia, Geografia). No entanto, apesar das milhares de páginas que já foram escritas a propósito da globalização, no interior das várias ciências referidas, esta parece continuar a padecer de alguma imprecisão e falta de clarificação em termos conceptuais, talvez devido ao carácter demasiadamente vago e abstracto de muitas das definições produzidas por essas mesmas ciências, mas possivelmente também devido ao facto de cada uma das referidas ciências, no seu tratamento conceptual da globalização, necessariamente se centrar quase exclusivamente numa dimensão ou numa determinada classe de fenómenos que se prendem com o seu objecto específico de análise - o que pode levar a um entendimento apenas parcelar do fenómeno que se pretende explicar. E, assim, mesmo o pressuposto sensato de que a globalização deve ser concebida como um fenómeno multidimensional, compartimentalizando-a em globalização económica, política, cultural, etc., não parece ajudar muito para um claro entendimento da realidade de fundo a que o conceito alude, até porque são poucas as análises que exploram as relações entre as diversas dimensões. E se dificilmente se foram gerando definições claras, precisas e relativamente consensuais de globalização no interior das várias disciplinas que compõem o campo académico (embora se passe exactamente o mesmo com tantos outros conceitos das ciências sociais), a partir do momento em que este último foi perdendo o monopólio sobre o conceito de globalização, devido à crescente generalização do seu uso e à sua progressiva mediatização, a sua opacidade e imprecisão parecem ter-se acentuado, em parte devido ao trabalho efectuado por todo um conjunto de jornalistas, comentadores e fazedores de opinião, que foram procedendo a uma amálgama a partir de diversos pedaços de informação dispersa, e que depois os foram transformando em «sound bytes» do tipo «aldeia global», ou difundindo representações simplificadas, naturalizantes e exageradas sobre a globalização. Hoje em dia, a globalização já parece fazer parte dos discursos de senso comum; já parece fazer parte de uma doxa, do indiscutido, ou seja, já se tornou naquele tipo de «palavras com as quais se discute, mas sobre as quais não se discute». É por isso que determinados autores, como Susan Strange (1995:293) referem o seguinte:

Globalization is now a term used by a lot of woolly thinkers who lump together all sorts of superficially converging trends in popular tastes for food and drinks, clothes, music, sports and entertainment with underlying changes in the provision of financial services and the directions of scientific research, and call it globalization without trying to distinguish what is important from what is trivial, either in causes or in consequences.

Desta forma, em nosso entender, uma das principais razões para o sucesso que o conceito de globalização tem apresentado ao longo dos tempos - quer em termos de uso académico, quer em termos de uso corrente - é, precisamente, a sua enorme elasticidade conceptual, na medida em que parece dar a ilusão de poder explicar toda e qualquer mudança observada no mundo social, ou parecendo poder integrar em termos explicativos, embora de uma forma raramente especificada, todo um conjunto de fenómenos que à partida poderiam parecer desgarrados e sem grande inter-relação - sendo esta uma das características que, possivelmente, exerce maior fascínio e poder de sedução nas concepções mais correntes de globalização, ou seja, a de (aparentemente) conseguir desvanecer e reduzir a complexidade crescente do mundo social a uma só tendência (a globalização), e a de fornecer não só um quadro explicativo para as grandes mudanças económicas, políticas, culturais e sociais verificadas nas últimas décadas, como, ao mesmo tempo, através dela (principalmente para aqueles que partilham uma narrativa neoliberal dessa mesma globalização) se poderem resolver muitos dos problemas originados por essas mesmas mudanças. Como exemplo da referida elasticidade conceptual, a revista The Economist (19 Setembro de 1992, p. 5), no seu “Survey of the World Economy”, perguntava “What does globalization mean?”, respondendo o seguinte:

The term can happily accommodate all manner of things, including expanding international trade, the growth of multinational businesses, the rise in international joint ventures and increasing interdependence through capital flows.

Apesar destes fenómenos serem parte integrante das concepções mais influentes e dominantes da globalização (ou seja, sendo esta concebida como um processo de natureza essencialmente económica, da qual derivariam, de uma forma secundária, as dimensões políticas, sociais e culturais da mesma), a referência a estes fenómenos não parece contribuir muito para um esclarecimento substancial dos processos de globalização. Quando muito, estes mesmos fenómenos podem ser considerados como um conjunto de indicadores do próprio fenómeno que se pretende explicar, mas parecem providenciar uma fraca capacidade explicativa e de clarificação do processo de globalização, até porque em muitas discussões, não se parece destrinçar claramente se eles devem ser entendidos como causas ou como consequências desse mesmo processo de globalização. Ou então, como acontece muitas vezes, a globalização é representada não tanto como uma tendência histórica, ou um como um processo complexo, mas antes como uma «nova condição» ou uma «nova ordem».

Uma das possíveis chaves do sucesso do conceito de globalização e que pode explicar a sua intensa utilização retórica por parte de tantos agentes fora do campo académico, principalmente por políticos, empresários e jornalistas do ramo económico e financeiro, é o facto de a globalização ser frequentemente representada no interior do campo académico como um processo exógeno, impessoal e sem actores (logo, intangível), cuja natureza intrínseca implicaria e forçaria, necessaria e inevitavelmente, uma convergência neoliberal em termos de políticas económicas e sociais, naturalizando-se e legitimando-se, assim, as consequências sociais negativas que essa mesma convergência possa trazer (principalmente para os sectores mais desfavorecidos e vulneráveis da população), na medida em que elas seriam apenas o resultado inevitável da obediência a imperativos económicos exógenos e não-negociáveis politicamente que a globalização inexoravelmente acarrateria. Quantas vezes ouvimos dizer, mesmo no campo académico, frases do tipo “por causa da globalização…” ou “a globalização é responsável por…”, o que, para além de revelar implicitamente uma reificação ou coisificação da globalização pelo facto de lhe atribuir uma capacidade de acção independente, faz com que se desresponsabilize e afaste do campo de visão os verdadeiros actores e processos responsáveis por essa mesma globalização.

Quanto a nós, defendemos que a globalização, dado o seu grau de difusão e a generalização do seu uso, não deve ser tratada conceptualmente apenas como um qualquer outro fenómeno observável de forma sistemática pelas diversas ciências sociais, ou concebida como um processo exógeno, que se tenha desenrolado e se desenrole de uma forma quase automática e independente em relação à acção humana e que seja imune às representações ou concepções intersubjectivas que dela se tem. Isto porque, em nosso entender, a globalização deve ser encarada (não só, mas também) como um constructo social que foi originando um diversidade de discursos ideológicos e de estratégias retóricas por parte de toda uma série de agentes que se situam fora do campo académico, discursos esses que, em conjunção com o resultado da relação de forças e das lutas sobre a representação “legítima”/“autêntica” do próprio fenómeno no interior do campo académico, parecem acabar por ser decisivos para o rumo da própria globalização (acabando, assim, por ter importantes implicações e consequências sociais, económicas e políticas - rever s.f.f. epigrama de Jan Aart Scholte, na primeira página).

E é precisamente pelo facto de as consequências práticas das ideias e representações dominantes sobre a globalização veiculadas nos media e, principalmente nos debates académicos, serem tão decisivas, na medida em que são essas mesmas ideias que informam, em grande medida, muitas das acções e decisões mais importantes, em termos de políticas económicas e sociais - e que, por sua vez, interferem com a vida de tantas pessoas - que esses mesmos debates adquirem tanta importância. Desta forma, a um certo nível, muitos dos debates académicos em torno da globalização são sobre a sua hipotética veracidade, novidade, extensão e sobre as suas principais características, e em que se tenta descrever o mundo social de uma maneira o mais objectiva possível. Mas a um outro nível, menos imediato, eles acabam também por ser um debate sobre o que pode, ou não, ser feito em termos de políticas económicas e sociais, dadas as implicações que decorrem das perspectivas que animam esses mesmos debates (ou seja, qualquer perspectiva sobre a globalização tem, ainda que de uma forma implícita, implicações não apenas teóricas). Assim, neste sentido menos imediato, as lutas académicas em torno do conceito de globalização - e em torno da inevitabilidade, ou não, de determinadas consequências sociais, económicas e políticas que (alegadamente) dela decorreriam - parecem acabar também por ser (ainda que, por vezes, de uma forma não-intencional) lutas pela legitimação/deslegitimação ou politização/despolitização da ordem social vigente (ou emergente). Para melhor ilustrar e clarificar o que queremos dizer, recorremos a um dos autores que participam nos debates sobre a globalização, e que é dos mais representativos da «perspectiva céptica» no interior desse mesmo debate:

Powerful actors use the powerful idea globalization’s ‘logic of no alternative’ to advance their interested pursuit of neo-liberal policy logic…the power of the ‘strong globalization thesis’ leads to overdiminished expectations of what can still be achieved and to a disarming attitude on the part of all those concerned with public policy. So, the invocation of powerful market forces, particularly those associated with mobile capital, is a way of showing how policy options are constrained. (Grahame Thompson, 1999:151)

Da mesma forma, como veremos, quando este último autor, juntamente com Paul Hirst (Hirst e Thompson, 1999), com base numa comparação temporal, em termos estatísticos, rejeita a novidade histórica dos processos de globalização económica, e redefine a economia mundial actual em termos de uma crescente inter-nacionalização, e não em termos de globalização, este está, também, a um outro nível, a tentar, através da sua conceptualização, reabrir a porta para a possibilidade de manutenção de uma política de orientação mais social-democrata, por parte dos Estados nacionais, bem como a possibilidade destes terem ainda alguma margem de manobra para a regulação do capital, ainda que o ambiente económico actual seja bastante mais fluído e turbulento.

Assim, em nosso entender, os diferentes discursos que se foram construíndo em torno do conceito de globalização, dependendo do seu sucesso e do seu grau de penetração, quer no discurso corrente, quer no dos principais agentes e instituições económicas e políticas (nacionais e internacionais), podem ter - ou têm tido mesmo - importantes implicações e consequências económicas, políticas e sociais, na medida em que - principalmente os discursos dominantes que se foram criando em seu torno -parecem contribuir para o seu próprio rumo e características. Uma boa forma de ilustrar e de resumir a nossa posição no que respeita à referida importância das implicações e consequências que decorrem das formas como se tem representado e definido os processos de globalização, é-nos dada por Jan Aart Scholte, Vidya Kumar e Cesare Poppi e Erik Swyngedouw, respectivamente:

Definitions fundamentally shape descriptions, explanations, evaluations, prescriptions and actions. In other words, they affect our entire understanding of a problem. If a core definition is slippery, then the knowledge built upon it is likely to be similarly loose and, in turn, the policies constructed on the basis of that knowledge can very well be misguided. Hence definition is more than an academic and lexicographic issue. Conceptual definitions of globalization have major political as well as intellectual implications. Every conception - including our own - reflects a specific historical context, a given theoretical perspective, certain normative commitments and particular political interests (Scholte, 2000:42). Despite its age, or perhaps because of it, it would be difficult, if not indomitable, task to completely capture the multiplicity of meanings connoted by the term “globalization”. One analytical way to manage the enormity of this task is to distinguish between capital-G “Globalization” and small-g “globalization”. That is to say, it may be conceptually helpful to presume a distinction between what is actually happening - globalization - and what globalization theorists describe as ocurring globally - Globalization. This strategy builds on James H. Mittelman assertion that globalization may be both an objective and subjective phenomema. Accordingly, this paper argues that globalization theorists attempt to define globalization, but in so doing, they create Globalization. This approach recognizes that the study of Globalization is as important, if not more so, as that of globalization, in so far as it explicitly recognizes the role that globalization theorists play in the construction of social understandings or facts about globalization (Kumar, 2002: 90). The literature stemming from the debate on globalization has grown in the last decade beyond any individual’s capability of extracting a workable definition of the concept. In a sense the meaning of the concept is self-evident, in another, it is as vague and obscure as its teaches are wide and constantly shifting. Perhaps, more than any other concept, globalization is the debate about it (Poppi, citado em Kumar, 2002:91). The inherent slipperiness of globalization is used and abused producing a Babylonian confusion that seems to serve specific interests and power positions (Swyngedouw, 2000:63).

1- OS DEBATES SOBRE A GLOBALIZAÇÃO

1.1- O «Hiperglobalismo Neoliberal»: a globalização como utopia

By globalism I mean the view that the world market eliminates or supplants political action - that is, the ideology of rule by the world market, the ideology of neoliberalism. It proceeds monocausally and economistically, reducing the multidimensionality of globalization to a single, economic dimension that is itself conceived in a linear fashion. If it mentions at all the other dimensions of globalization - ecology, culture, politics, civil society - it does so only by placing them under the sway of the world-market system (…) the ideological core of globalism is that a basic difference of the first modernity is hereby liquidated, that is, the difference between politics and economics. The central task of politics, which is to define the basic legal, social and ecological conditions under which economic activity first becomes socially possible and legitimate, drops out of view or is suppressed. Globalism implies that a complex structure such as Germany - its state, its society, its culture, its foreign policy - can be run in the way that a company is run.

Ulrich Beck , What is Globalization?

A l’occasion d’un débat public, le patron d’un des plus grands groupes économiques européens a donné sa propre définition de la «globalisation», elle a le mérite de la clarté. Ce serait «la liberté de son groupe de s’implanter oú il veut, le temps qu’ils veut, pour produire ce qu’il veut, en s’approvisionnant et en vendant oú il veut, et en ayant à supporter le moins de contraintes possibles en matière de droit du travail et des conventions sociales.

François Chesnais (1997:22)

Country of origin does not matter. Location of headquarters does not matter. The products for which you are responsible and the company you serve have become denationalised.

Exortação aos gestores de empresas, por parte de Kenichi Ohmae (1990:94), consultor de gestão internacional

Antes de mais, é conveniente referir que o prefixo «hiper» na designação de «hiperglobalismo» serve para dar a ideia de um «globalismo» mais extremo. Estes últimos conceitos foram desenvolvidos por autores como David Held e Anthony Mcgrew (2000), para dar conta das perspectivas sobre a globalização que a consideram como um fenómeno de origem recente (ou, pelo menos, como um processo que se intensificou nas últimas três décadas), e em que são realçados os aspectos de mudança e de uma ruptura histórica sem precedentes, associados a essa mesma globalização, nomeadamente uma progressiva desterritorialização das relações sociais e uma crescente integração global, a nível económico, político e financeiro. Acrescentámos-lhe o epíteto «neoliberal», para dar conta das perspectivas que vêem com bons olhos a forma como os processos de globalização se têm desenrolado, e para a distinguir das perspectivas igualmente «hiperglobalistas», mas de cariz «anti-neoliberal». No entanto, aquilo que entendemos por «hiperglobalismo neoliberal» aproxima-se bastante do que Beck, no epigrama supracitado, entende por «globalismo».

O que aqui designamos por «hiperglobalismo neoliberal» é, então, basicamente, um discurso hiperbólico e celebratório ou triunfalista da globalização, na medida em que ela significaria o triunfo inexorável das forças de mercado. A lógica destes discursos caracteriza-se pela inevitabilidade e homogeneidade das transformações sociais em curso em direcção a uma nova ordem mundial, representando a globalização, nesta perspectiva, uma nova e irreversível condição em que se terá dado uma desejável e inevitável libertação das forças do mercado em relação aos constrangimentos sociais e geográficos que outrora impediam a sua livre actuação. Como se sabe, a perspectiva neoliberal baseia-se na crença de que o poder do mercado, da empresa privada e do indivíduo à procura da maximização dos benefícios e da minimização dos custos, cria a prosperidade. Daqui decorre que a globalização, entendida como a universalização do mercado, adquire tons de “missão civilizadora”, acreditando-se, nesta perspectiva, que a livre actuação da «mão invisível» desse mesmo mercado, agora a uma escala global, trará o bem-estar e o progresso para toda a humanidade. Isto porque a abertura dos mercados e a intensificação da concorrência são consideradas como mecanismos poderosos de progresso económico que impelem o desenvolvimento da competitividade geral das economias, tornando mais eficaz a distribuição mundial dos recursos.

Dado que, nesta perspectiva, a globalização - entendida essencialmente como uma crescente e inevitável-desejável liberalização de todos os mercados - significa o progresso, quaisquer obstáculos perante o avanço da mesma que impliquem um desvio em relação aos moldes (neo)liberais em que esta se tem desenrolado - como, por exemplo, um governo “demasiado interventivo” na economia, uma legislação laboral “rígida”, um movimento sindical forte, “irrealista”, ou “irresponsável”, uma elevada percentagem do PIB destinada às políticas públicas - são considerados obstáculos a esse mesmo progresso, dado que a globalização seria o resultado inevitável de uma tendência uniforme de evolução das sociedades, imposta pelas tecnologias de informação e comunicação e pelas “leis naturais” da economia, à qual corresponderia uma inevitável e desejável convergência neoliberal, em termos de políticas económicas e sociais.

Nesta mesma perspectiva, acredita-se que a economia mundial já se encontra globalizada (e não tanto num processo de globalização). Parece estar, então, de alguma forma, subjacente nesta concepção, a ideia de que a globalização representaria uma condição que seria o culminar irreversível, ou o estágio final, de uma marcha unilinear e pré-determinada rumo à progressiva unificação global da economia mundial. Segundo a expressão de Kenichi Ohmae (1990), estaríamos já num «mundo sem fronteiras» («a borderless world»), dado o grau de interdependência e de integração económicas atingidos actualmente. Como o mesmo afirma:

On a political map, the boundaries between countries are clear as ever. But on a competitive map, a map showing the real flows of financial and industrial activity, those boundaries have largely disappeared (Ohmae, 1990:18)

De acordo com esta perspectiva, o capital já adquiriu um carácter de transnacionalidade (devido à crescente abolição das restrições estatais ao movimento de capital, de bens e de serviços e aos extraordinários avanços nas tecnologias de informação e comunicação, bem como no domínio dos transportes), atingindo uma mobilidade tal que lhe permite, com uma enorme facilidade, atravessar e ultrapassar as fronteiras dos Estados-nação que compõem o globo terrestre, o que faz com que estes últimos se tenham tornado numa entidade obsoleta e anacrónica, até porque já não dispõem de instrumentos de controlo e de regulação efectivas do capital - produtivo e financeiro - que, como se crê, nesta perspectiva, já se desterritorializou. Assim, neste novo contexto, o mesmo Ohmae, em relação aos Estados-nação, refere o seguinte:

Nation-states have become a dysfunctional unit for organizing human activity and for managing economic endeavour in a borderless world (1993:78; itálico nosso). Traditional nation-states have become unnatural, even impossible business units in a global economy (…) they are becoming a transitional mode of organization for managing economic affairs (1995:5/149; itálico nosso).

Numa óptica neoliberal, esta morte anunciada dos Estados-nação, enquanto unidades que organizam e regulam a actividade económica, acaba por ser considerada como bastante positiva, até porque, nesta mesma óptica, se considera que a intervenção do Estado na economia, por via da sua regulação, é prejudicial ao dinamismo económico, dinamismo económico esse que só pode ser garantido pela livre actuação das forças de mercado.

Segundo esta perspectiva, no contexto da globalização, pelo facto de se considerar que o capital - não só o financeiro, mas também, o produtivo - já adquiriu uma mobilidade absoluta, entende-se que os locais de implantação desse mesmo capital são perfeitamente substituíveis por outros quaisquer, a partir do momento em que se descubra um outro local qualquer que permita às empresas reduzir custos fixos (principalmente em termos de uma legislação laboral, fiscal e ambiental “minimalista”), dado que se dispõe, agora, de todo o mundo como “menu de escolha”, deixando, agora, o espaço de ser um inibidor da livre iniciativa empresarial. Assim, como refere Robert Reich:

As almost every factor of production - money, technology, factories and equipment - moves effortlessly across borders, the very idea of an American economy is becoming meaningless, as are the notions of an American corporation, American capital, American products, and American technology (Reich,1992:3; itálico nosso).

A globalização implicaria, assim, necessariamente - dada a enorme permeabilidade actual das fronteiras dos Estados-nação em relação ao capital - uma “desnacionalização” das economias e das principais empresas, principalmente devido ao crescente carácter transnacional das redes de produção, comércio e finanças. Desta forma, segundo esta perspectiva, à medida que o capital vai ficando cada vez mais “apátrida”, mais irrelevantes se vão tornando os Estados-nação, em termos de soberania, de poder e de autonomia. Como afirmam Dicken, Peck e Tickell, referindo-se ao modelo implícito de «globalização pura» que os «hiperglobalistas» tomam como um dado adquirido na sua análise da realidade económica mundial actual, principalmente no que respeita às empresas ditas globais ou transnacionais:

The criteria for pure globalization would imply the fulfilment of the following conditions: the globally optimal location of each element in the firm’s production chain; both the intention and the ability to switch and reswitch activities between alternative locations at a global scale; and the severance of the ties that bind firms to their home base, making them indifferent, in other than a purely economic sense, to alternative locations (in other words, global firms would be ‘placeless’) (Dicken et al.,1997:163).

A forma institucional do capitalismo global que corresponde ao «mundo sem fronteiras» é, então, segundo esta perspectiva, a empresa transnacional (ou empresa a-estatal - «stateless corporation» no original - Holstein, 1990), que se distingue das empresas multinacionais pelo facto de já não estar predominantemente implantada no país de origem, nem de depender, ou ser limitada, pelas políticas particulares de qualquer país. Esta transição é louvada por Holstein (1990, citado em Scholte, 2000:30), na medida em que permite a essas mesmas empresas uma maior liberdade de acção e, por conseguinte, uma crescente maximização, quer em termos de eficiência, quer em termos de lucro, enquanto que Ohmae (1990;1995) considera que esta mesma transição significa uma maior liberdade tanto para as empresas como para os consumidores. Isto porque, como afirmam Paul Hirst e Grahame Thompson, ao referirem-se à posição de Ohmae quanto às empresas transnacionais:

He contends that macroeconomic and industrial policy interventions by national governments can only distort and impede the rational process of resource allocation by corporate decisions and consumer choices on a global scale. Like Akio Morita of Sony, Ohmae argues that such corporations will pursue strategies of ´global localization’ in responding on a worldwide scale to specific regionalized markets and locating effectively to meet the varying demands of distinct localized groups of consumers. The assumption here is that transnational corporations will rely primarily on foreign direct investment and the full domestication of production to meet such specific market demands. This is in contrast to the strategy of flexibly specialized core production in the company’s main location and the building of branch assembly plants where needed or where dictated by national public policies. The latter strategy is compatible with nationally based companies (Hirst e Thompson, 1999:12; itálico nosso).

De acordo com esta perspectiva, as empresas transnacionais - que, segundo Ohmae (1990;1995), devem, cada vez mais, ser entendidas como «placeless corporations» - serão a forma organizacional dominante, que, no decorrer de uma luta tipo “darwinista”, eliminarão, inexoravelmente, os competidores menos «eficientes», que, neste «mundo sem fronteiras», deixam (felizmente, segundo esta perspectiva) de estar protegidos por quaisquer barreiras geográficas, nacionais ou locais.

Existe, então, uma convicção generalizada, por parte dos autores mais representativos da posição a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal» (Ohmae, Holstein, Reich e Naisbitt), de que a globalização é responsável pelo surgimento de uma nova forma de organização da economia mundial que transcende os tradicionais Estados-nação. Como afirmam Dicken, Peck e Tickell:

In this global scenario, capital would be infinitely mobile and completely footloose, shaking all forms of local and national allegiance or dependence; the principal agents of change would be the all-powerful transnational corporations, the epitome of ‘placeless’ capital. Unregulated market forces would become dominant, effortlessly side-stepping all attempts at regulation, containment or political direction. As a consequence, the nation-state would erode to the point of insignificance, both as a unit of analysis and as a political agent (1997:160).

Segundo Ohmae (1995), à medida que neste «mundo sem fronteiras» se vai aprofundando o “divórcio” na relação, outrora necessária, entre o capital e os Estados-nação, vão emergindo outras formas espaciais e institucionais subnacionais, aquilo a que designa de «regiões-estado» (como, por exemplo, o Norte de Itália, San Diego/Tijuana, Hong Kong/Sul da China, País de Gales, Baden-Wurtemberg ou Silicon Valley), que, segundo o mesmo autor, devem o seu sucesso económico não tanto às políticas estatais, em termos de preservação de soberania, mas mais ao seu papel como zonas económicas “naturais”. E, assim, como refere John Naisbitt (1995:40):

We are moving toward a world of 1000 countries…The nation-state is dead. Not because nation-states were subsumed by super-states, but because they are breaking up to smaller, more efficient parts - just like big companies (Naisbitt, 1995:40).

O trabalho de determinados “gurus da gestão”, como é caso de Kenichi Ohmae (mas também o de John Naisbitt) consiste, então, em sugerir aos gestores de topo das empresas transnacionais para tirarem o máximo partido do actual «mundo sem fronteiras», ou seja, um mundo em que, segundo os mesmos, os Estados-nação têm a morte mais do que anunciada. As obras de Ohmae já referenciadas têm precisamente os títulos “The Borderless World” (1990) e “The End of the Nation State” (1995), em que se pretende, através de um discurso celebratório e hiperbólico da globalização, visualizar (e contribuir para a criação de) um mundo utópico que consiste, basicamente, num mercado global livre, puro e perfeito, sem “interferências e barreiras artificiais”. Como o mesmo refere:

Multinational companies are truly the servants of demanding consumers around the world. (…) Old-fashioned bureaucrats, however, keep trying to hinder the natural development of a borderless world. They create barriers and artificial controls over what should be the free flow of goods and money. (Ohmae, 1990: x / xii)

Ohmae (1990) visualiza, assim, um mundo em que o “interesse nacional” seja algo que tenha já perdido todo o sentido e razão de ser (dada a “desnacionalização” actual das economias), e em que o “território nacional” se refira já não tanto a uma identidade, mas antes a um ambiente fértil e acolhedor, necessário para as empresas poderem florescer livremente os seus negócios. Este mesmo autor celebra a condição actual de um «mundo sem fronteiras», caracterizado pela dissolução das fronteiras nacionais, concluindo que até alegremente começaria a pagar um terço dos seus impostos a um fundo internacional criado para resolver os problemas mundiais, um terço para a sua comunidade local, e um terço para o seu país, embora acrescentando que este último “each year does less and less for me in terms of security or well-being and instead subsidizes special interests” (1990:215).

Em suma, temos, assim, segundo esta perspectiva, uma economia globalizada e perfeitamente integrada, ou «sem fronteiras», dado o carácter transnacional do capital - em que este é representado como estando para além e acima dos Estados-nação, formando uma estrutura global interdependente - em que os governos desses mesmos Estados-nação se transformaram, inevitável e desejavelmente em meras “correias de transmissão” do capital global, na medida em que se encontram crescentemente “ensanduichados”, por um lado, pelos constrangimentos impostos pelos mercados financeiros globais e, por outro, pela constante ameaça potencial de saída do capital produtivo, não tendo, actualmente, outra opção senão adoptar um conjunto de estratégias, em termos de políticas económicas e sociais, de orientação neoliberal, por forma a manter, ou a melhorar, a tão desejada «competitividade». Entre as referidas estratégias contam-se, por exemplo, um aprofundamento da desregulação económica, uma disciplina financeira apertada, a progressiva privatização dos mais diversos sectores de actividade (incluindo a Segurança Social e os serviços públicos), a desregulação e flexibilização do mercado de trabalho e das relações laborais, a redução da protecção social estatal e a correspondente responsabilização/“activação” dos indivíduos que dela beneficiavam, não só para dinamizar a actividade económica e promover uma melhor integração na economia mundial, mas também para promover uma maior justiça social - já que, numa óptica neoliberal, se considera que o dinamismo económico e a justiça social apenas podem ser garantidos através da livre actuação das forças de mercado.

Nesta perspectiva, considera-se, então, que a regulação social das forças de mercado por parte do Estado (representada, por exemplo, através de uma legislação laboral “centralizada” e de cariz “colectivista”), bem como as suas políticas e instituições de protecção social, são - principalmente num contexto de globalização - um entrave ao desenvolvimento económico e são socialmente injustas (porque, segundo esta perspectiva, estas políticas e instituições estão a fomentar a dependência dos sectores “passivos” da população em relação ao Estado, desviando, assim, dinheiro das “forças vivas da nação”) - daí que se prescreva a “flexibilização” do mercado de trabalho e a individualização das relações laborais, e se considere que a provisão dos serviços de bem-estar social deva ser transferida da alçada do Estado para a iniciativa privada (quer para o mercado, quer para o sector voluntário). Esta flexibilização do mercado de trabalho e a privatização da protecção social não só são desejáveis como inevitáveis, dado que, nesta perspectiva, se considera que num contexto de globalização, e, portanto de uma competição mais intensa, o Estado não pode manter a “rigidez” do mercado laboral nem as políticas e níveis existentes de protecção social, sob pena de prejudicar a sua «competitividade» e de impedir o tão vital afluxo de investimento directo estrangeiro. A globalização, implicaria, assim, necessariamente, segundo esta perspectiva, a impossibilidade prática e óbvia de se levar a cabo uma política “retrógrada”, de cariz mais “colectivista” - ou social-democrata - tendo as pessoas e as instituições de se ajustar e adaptar às mudanças inevitáveis e aos novos “factos da vida” trazidos por essa mesma globalização.

Robert Reich (1992), por exemplo, considera que a desintegração das economias nacionais deve ser aceite pelos governos e eleitorados como um facto da vida, mesmo que isso implique a condenação da maioria dos cidadãos a uma insegurança económica crónica e ao seu empobrecimento; que a globalização providencia uma fundação segura para o sucesso e prosperidade para uma minoria de cidadãos, devido às suas qualificações, ou, mais frequentemente, ao controlo de capital e de conhecimento; e que quaisquer tentativas de resistir ou reverter a globalização são politicamente fúteis e indesejáveis economicamente. O que aconselha para impedir o declínio da maioria que não tem beneficiado dos processos de globalização é um melhor treino e preparação, em termos de competências técnicas e de qualificações escolares e académicas. Ou seja, num contexto em que as políticas económicas nacionais se tornaram irrelevantes, só resta aos governos nacionais realizarem um tipo de políticas:

The only national policies that still make sense are those designed to increase the potential value of what citizens can add to the global economy, by enhancing their skills and capacities and by improving their means of linking those skills and capacities to the world market (Reich, 1992:5; itálico nosso).

No entanto, na perspectiva a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal», considera-se, de uma forma geral, que a globalização, nos moldes em que se tem desenrolado, é a melhor forma de garantir uma maior eficiência económica e, por conseguinte, (a médio/longo prazo) uma melhoria geral das condições de vida de toda a população mundial. Isto porque em termos de imaginário utópico e de representações sociais face à globalização, os autores da perspectiva «hiperglobalista neoliberal» consideram que esta será responsável por uma igualização das possibilidades de desenvolvimento em todo o mundo, ou, como referem Dicken, Peck e Tickell (1997:160), a propósito desta perspectiva: “Global homogeneization of social, political and economic conditions would erase regional differences and uneven development” - desde que, claro está, os Estados-nação uniformizem as suas políticas económicas e sociais num sentido neoliberal, ou como afirma Paul Hirst (2000:107), referindo-se a esta lógica de pensamento: “National governments can only act better by getting out of the way of business - by deregulating and by containing public spending”.

Assim, nesta perspectiva, mesmo quando se assume que a globalização pode gerar «ganhadores» e «perdedores», é imediatamente realçada a sua capacidade de distribuição de riqueza, através do efeito «trickle-down», ou o que Stiglitz designa de «economia de conta-gotas»:

As políticas do Consenso de Washington prestaram pouca atenção às questões da distribuição ou da «justiça». Se os pressionassem, muitos dos seus proponentes argumentariam que a melhor maneira de ajudar os pobres é fazer crescer a economia. Eles acreditam na economia «de conta gotas». A seu tempo, os benefícios desse crescimento chegarão aos pobres, afirmam eles. A economia «de conta-gotas» nunca foi muito mais do que uma convicção, uma questão de fé. Na Inglaterra do século XIX, a pobreza parecia aumentar, enquanto o país no seu conjunto prosperava. O crescimento na América dos anos 80 proporciona o exemplo recente mais dramático: enquanto a economia crescia, o rendimento real dos mais desfavorecidos diminuía…Se é verdade que o combate sistemático à pobreza não pode prescindir de um forte crescimento económico, o inverso não é verdadeiro. O crescimento não beneficia necessariamente toda a gente (Stiglitz, 2002:120; itálico no original).

Ou então, quando há autores que consideram que os processos de globalização não beneficiam, de igual modo, todos os países e classes sociais, os que dela menos têm beneficiado são referenciados, por vezes, como “those who having been left behind, want not so much a chance to move forward as to hold others back” (Ohmae,1995:64). Este mesmo autor, na mesma obra (tal como muitos outros que partilham uma narrativa neoliberal da globalização) considera que é preferível aceitar as “desigualdades naturais” geradas pelos mercados globais, quando comparadas com a perda de «liberdade», de «eficiência económica», e de «competitividade», que, por exemplo, uma intervenção multilateral para lidar com as desigualdades sociais geradas pela globalização representaria. A «competitividade» parece ter-se transformado, assim, de um meio e modo de funcionamento económico numa ideologia e num fim em si mesmo. Para Bauman (1997), este tipo de pensamento representa a crescente hegemonia do que designa de pensamento «economicamente correcto», que descreve da seguinte forma:

Gradually, yet relentlessly, it becomes an axiom of public discourse that whatever ‘makes sense’ economically does not need the support of any other sense - political, social or downright human. In a world in which the principal actors are no longer democratically controlled nation-states, but non-elected, unbound and radically disembedded financial conglomerates - the question of greater profitability and competitiveness invalidates and delegitimizes all other questions before one has the time and will to ask them (Bauman, 1997:45).

É esta perspectiva a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal» que, ao longo dos tempos, se parece ter vindo a afirmar como o discurso dominante sobre a globalização, e que parece ter vindo a informar as acções e as decisões dos agentes, organizações e instituições mais importantes e influentes para a determinação e legitimação das políticas económicas e sociais de orientação neoliberal - como, por exemplo, a esmagadora maioria dos governos nacionais (quer eles sigam, assumidamente, uma orientação neoliberal, quer uma orientação “socialista” do tipo «terceira via»); os sectores mais importantes da União Europeia; as instituições internacionais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC e a OCDE; associações como o Fórum Económico Mundial; as associações internacionais do patronato; o jornalismo económico e financeiro mais influente (como, por exemplo, o Wall Street Journal ou o Financial Times, mas também, embora em menor grau, de forma mais difusa, menos coerente e, talvez menos consciente, o jornalismo generalista); os «think-tanks» mais influentes, e de inspiração neoliberal, como, por exemplo, o American Enterprise Institute, a Heritage Foundation, o Cato Intitute ou o Adam Smith Institute; as agências internacionais de «credit-rating», como a Moody’s, a Standard & Poor ou a Fitch; os grandes bancos e empresas do ramo financeiro; o Banco Central Europeu e os bancos centrais dos países; as principais escolas de Gestão, os empresários e gestores de topo, e muitos dos académicos mais reputados. São estes, em nosso entender, alguns dos principais agentes e instituições que, através de todo um trabalho de inculcação simbólica (intencional ou não-intencional), são responsáveis pela produção e reprodução daquilo a que designámos por «hiperglobalismo neoliberal», e que se tem vindo a transformar numa verdadeira ortodoxia, senão mesmo em senso comum, e que tem levado ao reforço daquilo a que os anglo-saxónicos designam de síndroma T.I.N.A. («There Is No Alternative»), ou que, na Europa Continental se designa de «pensamento único», e que parece acabar por cumprir a função ideológica não só de anular a possibilidade e a credibilidade de políticas alternativas, como também - através de uma «retórica de adaptação», ou seja, através de uma argumentação imbuída de uma «lógica de inevitabilidade», principalmente no que respeita às consequências sócio-económicas da globalização - convencer aqueles que menos dela têm beneficiado que o seu destino não é fruto de acções e decisões humanas, mas que decorre de um conjunto de fatalismos de natureza tecnológica e económica, ou de um conjunto de forças humanamente não controláveis. É este mesmo «hiperglobalismo neoliberal» que parece caucionar e legitimar, sob o pretexto de uma maior «competitividade» e «eficiência económica», o progressivo aprofundamento da institucionalização, agora a uma escala global, daquilo a que Karl Polanyi (1999) designava de «sociedade-mercado», em que se dá, segundo o mesmo, uma subordinação da substância da própria sociedade às leis do mercado e ao princípio da maximização da rendibilidade do capital.

1.2- As perspectivas «globalistas»: transformações espácio-temporais e globalização económica

There is a new a asymmetry emerging between exterritorial nature of power and the continuing territoriality of the ‘whole life’ - which now the unanchored power, able to move at short notice or without warning, is free to exploit and abandon to the consequences of that exploitation. Shedding the responsibility for the consequences is the most coveted and cherished gain which the new mobility brings to free-floating, locally unbound capital. The costs of coping with the consequences need not be now counted in the calculation of the ‘effectiveness’ of investment.

Zygmunt Bauman, Globalization: the human consequences, (1998: 9)

The political history of capital is a sequence of attempts by capital to withdraw from the class relationship; at a higher level we can now see it as the history of the successive attempts of the capitalist class to emancipate itself from the working class.

Mario Tronti, The strategy of refusal, Semiotexte (3)

The company belongs to the people who invest in it - not to its employees, suppliers, nor the locality in which is situated.

Jack Dunlap, citado em Bauman (1998:6) (Gestor de topo americano e “salvador” de empresas em “situação difícil” e que ocupa os primeiros lugares do ranking da revista Fortune dos gestores que, para “salvar as empresas” têm a “coragem” de despedir o maior número possível de trabalhadores nas empresas por onde passam)

Já no subcapítulo anterior tínhamos feito menção às perspectivas «globalistas». Nestas perspectivas, considera-se que a globalização é uma ideia-chave para explicar as enormes mudanças que se têm vindo a verificar no mundo contemporâneo, principalmente a partir dos últimos vinte e cinco/trinta anos. De um modo geral, pode dizer-se que, de uma forma consensual, nestas mesmas perspectivas, se dá um ênfase central à espacialidade da globalização, sendo esta última, na sua essência, concebida como um processo que envolve mudanças profundas nos contornos espácio-temporais da vida social - mudanças estas que, por sua vez, têm um enorme impacto em todas as esferas da existência humana. Ou seja, nesta perspectiva, a globalização - entendida essencialmente como um fenómeno de natureza espácio-temporal - é concebida como a variável independente, ou a variável que explica as profundas mudanças a nível económico, político e cultural que se podem observar no mundo actual, e como um processo que assinala um momento de ruptura histórica ou o advento de uma nova era no decorrer do processo de evolução das sociedades humanas.

A globalização, nesta perspectiva, tem sido, então, concebida essencialmente como as transformações do espaço e do tempo que levam à intensificação das relações sociais à escala do globo, ou como «acção à distância» - em que as acções de determinados agentes sociais num local podem ter consequências significativas para outros agentes situados num outro local desse mesmo globo (Giddens, 1990); como «compressão espácio-temporal» - em que se presta especial atenção às formas pelas quais as comunicações electrónicas instantâneas eliminam os constrangimentos da distância e do tempo para a organização e interacção sociais (Harvey, 1989), ou seja, concebendo a globalização como um processo através do qual diminuem os constrangimentos geográficos sobre os processos sociais (Waters, 1999), e implicando uma crescente integração e interdependência económica e política entre os diversos Estados-nação - o que faz com que determinados eventos num país tenha um impacto directo noutros (Ruggie, 1993). Jan Aart Scholte, por exemplo, em relação à globalização, considera o seguinte:

Globalization entails a reconfiguration of geography, so that social space is no longer wholly mapped in terms of territorial places, territorial distances and territorial borders (Scholte, 2000:16).

Também nesta linha de pensamento, autores como David Held, Anthony Mcgrew, Jonathan Perraton e David Goldblatt (1999), numa das obras mais aclamadas sobre a globalização, definem-na da seguinte forma:

Globalization is a process (or set of processes) which embodies a transformation in the spatial organisation of social relations and transactions – assessed in terms of their extensity, intensity, velocity and impact – generating transcontinental or interregional flows and networks of activity, interaction, and the exercise of power (Held et al. 1999:16; itálico nosso).

Pode-se, assim, observar que os teóricos da globalização, de uma forma consensual, associam-na, em termos espaciais, com a ideia de desterritorialização - patente, por exemplo, nos conceitos de «compressão espácio-temporal» (Harvey, 1989); «espaço dos fluxos» (Castells, 1989; 1996) ou «supraterritorialidade» (Scholte, 2000) - designando aquela o processo pelo qual uma crescente variedade de actividades sociais podem ocorrer independentemente da localização geográfica dos seus participantes. Como refere Scholte (1996:45): “global events can - via telecommunication, digital computers, audiovisual media, rocketry and the like - occur almost simultaneously anywhere and everywhere in the world”. A globalização, nesta perspectiva, refere-se, assim, a um processo que permite um aumento das possibilidades de interacção entre os mais diversos agentes sociais, cuja localização latitudinal e longitudinal parece assumir uma irrelevância cada vez maior para as actividades sociais em questão (um bom exemplo disto é a Internet).

Os territórios - no sentido tradicional de uma localização identificável e delimitada geograficamente - já não parecem, assim, constituir-se como a totalidade do espaço social no qual ocorrem actividades de diversa natureza. A globalização, neste sentido, parece-se referir, então, à crescente difusão de formas de actividade social não-territorialmente específicas (Scholte, 2000).

Outra das ideias que os «globalistas» parecem associar, também de uma forma consensual, à noção de globalização (e que é indissociável da ideia de desterritorialização), é a de crescente interconectividade entre as fronteiras políticas e geográficas existentes, sofrendo essas mesmas fronteiras uma erosão cada vez maior, o que origina e implica, portanto, uma crescente interdependência e integração económica, política e cultural entre as diferentes localidades, regiões ou países que compõem o globo terrestre - interdependência e integração essas que já não implicam, necessariamente, uma contiguidade territorial. Isto implica, então, que se deixe de encarar essas mesmas localidades, regiões ou países, como entidades territorialmente delimitadas de uma forma rígida e linear às quais corresponderia uma coerência económica, política e cultural, na medida em que as suas fronteiras geográficas e políticas se encontram, cada vez mais, permeáveis à circulação de fluxos da mais variada natureza. É neste sentido que Doreen Massey (1993) apela a uma abordagem da globalização que privilegie a análise das relações sociais mais propriamente em termos de «fluxos» do que em termos de unidades analíticas definíveis a partir da sua delimitação territorial. É também neste sentido que Castells (1989; 1996), por exemplo, concebe a economia global como um «espaço de fluxos» e que autores como Lash e Urry (1994:5) consideram que “the contemporary global order, or disorder, is a structure of flows, a de-centered set of economies of signs in space”. Pode-se, assim, talvez afirmar que os «fluxos» se tornaram na metáfora dominante para apreender intelectualmente os processos de globalização, e que esta última é essencialmente concebida como um processo que leva a que os «fluxos globais» passem a ter mais centralidade do que as instituições nacionais na estruturação da vida social, e como um processo em que as “estruturas globais” se vão expandindo e integrando cada vez mais partes do mundo. Como afirmam Held, Mcgrew, Perraton e Goldblatt (1999:15; itálico nosso): “globalization refers to processes of change which underpin a transformation of human affairs linking together and expanding human activity across regions and continents”.

A maior parte dos autores desta perspectiva - como, por exemplo, Castells (1989;1996), Harvey (1989), Scholte (2000), Waters (1999), Bauman (1998), Held e McGrew (2000) - parecem convergir, de uma forma geral, na convicção de que a globalização se deve, fundamentalmente, à revolução tecnológica no domínio dos transportes e nas tecnologias de informação e comunicação - revolução esta que parece ser a responsável mais directa pela “contracção do mundo”, pelo consequente esbatimento das fronteiras geográficas e políticas, e pela crescente minimização da relevância da distância e dos territórios, na medida em que essa mesma revolução tem permitido um crescente aumento das possibilidades de desterritorialização e de interconectividade nos mais diversos domínios. Para que se dê esta “contracção do mundo” é necessário, no entanto, que ocorra o já referido processo de «compressão espácio-temporal» (Harvey (1989). A distância geográfica mede-se, normalmente, através do tempo. Assim, à medida que o tempo necessário para ligar localidades geográficas distintas é reduzido, é lícito dizer-se que a distância ou o espaço sofreram um processo de “aniquilamento” ou de compressão. A «compressão espácio-temporal» refere-se, então, ao processo através do qual o tempo pode ser reorganizado por forma a reduzir os constrangimentos do espaço e vice-versa. Esta mesma compressão envolve, assim, uma redução do tempo e um “encolhimento” do espaço - o tempo dispendido a fazer qualquer coisa torna-se cada vez mais reduzido e determina, por sua vez, a diminuição da distância percebida entre diferentes pontos do espaço. Harvey (1989: 241) exemplifica este processo com um diagrama onde mostra quatro mapas que representam o mundo através dos tempos. Cada um deles é mais pequeno do que o anterior, sendo a respectiva dimensão proporcional à velocidade dos meios de transporte. Assim, o mundo em 1960 é 50 vezes mais pequeno do que o mundo do século XVI, precisamente porque os aviões conseguem ser cerca de 50 vezes mais rápidos do que um veleiro.

A crescente conectividade e expansão das actividades sociais através das fronteiras geográficas e políticas parece, então, assentar, segundo esta perspectiva, na infraestrutura tecnológica, (no domínio dos transportes e nas novas tecnologias de informação e comunicação) que possibilita uma rapidez, extensividade e intensidade inéditas em termos de fluxos de pessoas, de informação, de bens, de serviços e de capital - aliás, se não fosse esta crescente rapidez, extensividade e intensidade de fluxos seria difícil de entender como é que, cada vez mais, “os acontecimentos locais são moldados por eventos que acontecem a muitas milhas de distância (e vice-versa)” (Giddens, 1990:64; tradução nossa).

É precisamente pelo que foi referido anteriormente que há autores, no interior desta perspectiva, que falam da necessidade de toda uma reformulação das bases da «teoria social», no sentido de uma maior espacialização da mesma (Featherstone e Lash, 1995), com base numa descoberta retrospectiva da centralidade que a velocidade dos meios de comunicação assume para a constituição dos diferentes ordens sociais:

It suddenly seems clear that the divisions of the continents and of the globe as a whole were the function of distances made once imposingly real thanks to the primitiveness of transport and the hardships of travel …‘distance’ is a social product; its length varies depending on the speed with which it may be overcome…All other socially produced factors of constitution, separation and the maintenance of collective identities - like state borders or cultural barriers - seem in retrospect merely secondary effects of that speed. (Bauman, 1998: 15)

Mais: para os «globalistas», a globalização além de ser responsável por uma mudança social, no sentido mais estritamente sociológico do termo - ou como refere Martin Albrow, (1996:4) “the supplanting of modernity with globality” - parece também implicar, como resultado dessa mesma mudança, a redundância da maior parte das ideias fundadoras dos clássicos da Sociologia, incluindo o próprio conceito de «sociedade». Isto porque, de acordo com esta perspectiva, estes mesmos clássicos, na identificação do seu objecto de estudo, teriam naturalizado uma característica da Modernidade que deve - agora, mais do que nunca - ser problematizada, isto é, a definição da Sociologia como o «estudo das sociedades», na medida em que nessa definição está ainda subjacente, de um modo geral, o pressuposto de uma delimitação territorial dos sistemas sociais que é historicamente peculiar e relativa aos modernos Estados-nação; e que, além do mais, leva a ignorar os processos de estruturação social que transcendem e atravessam, cada vez mais, as fronteiras políticas dos Estados modernos (Featherstone e Lash,1995; Giddens, 1990). Como referem Held e McGrew, resumindo, de alguma forma, esta perspectiva:

Central to the globalist interpretation is a conception of global change involving a significant reordering of the spatial organizing principles of social life and world order. Three aspects of this tend to be identified in the globalist literature: namely, the transformation of dominant patterns of socio-economic organization, of the territorial principle, and of power. By eroding the constraints of space and time on patterns of social interaction, globalization creates the possibility of new modes of transnational social organization, for instance global production networks and regulatory regimes, while simultaneously making communities in particular locales vulnerable to global conditions… In transforming both the context of, and the conditions for, social interaction and interaction, globalization also involves a reordering of the relationship between territory and socio-economic and political space. Put simply, as economic, social and political activities increasingly transcend regions and national frontiers this delivers a direct challenge to the territorial principle of modern social and political organization. That principle presumes a direct correspondence between society, economy and polity within an exclusive and bounded national territory. But globalization disrupts this correspondence in so far as social, economic and political activity can no longer be understood as coterminous with national boundaries (Held e McGrew, 2000:12; itálico nosso).

Na medida em que consideram que a globalização é responsável por uma mudança de tal ordem profunda na organização espacial das relações sociais, determinados autores, no interior desta perspectiva, reivindicam, então, a necessidade de toda uma mudança paradigmática na análise sociológica e, por conseguinte, uma nova terminologia conceptual em que as categorias do espaço e do tempo passem a assumir um papel central na explicação dos processos sociais, considerando, ao mesmo tempo, que a globalização já se tornou na temática central das ciências sociais[1] (Featherstone e Lash, 1995; Scholte, 2000; Giddens, 1990).

Assim, Giddens (1990), por exemplo, além de crer que as teorias dos clássicos da Sociologia (Marx, Weber, Durkheim) - dada a sua alegada excessiva unidimensionalidade analítica, falta de reflexividade e tendência para a teleologia - não permitem explicar adequadamente nem a modernidade em geral, e muito menos a «modernidade avançada», chega mesmo a considerar que o ênfase central que esses mesmos clássicos colocavam na análise das «sociedades» (concebidas como correspondendo quase exclusivamente ao Estado-nação) deve agora ser substituído por outra problemática:

The undue reliance which sociologists have placed upon the idea of “society”, where this means a bounded system, should be replaced by a starting point that concentrates upon analysing how social life is ordered across time and space - the problematic of time-space distanciation (Giddens, 1990: 63-4)

Giddens (1990), em termos metodológicos, eleva, assim, a tal ponto o potencial explicativo autónomo das categorias do espaço e do tempo - e a problemática do «distanciamento espácio-temporal» que lhes está associada - que pretende, através dessas mesmas categorias, não só construir uma teoria sociológica renovada que explique de uma forma mais adequada o que diferencia as sociedades tradicionais das sociedades modernas, como também, de uma assentada, construir uma teoria da globalização. Como é que ele faz isto? [2]

Em primeiro lugar, começa por estabelecer um contraste entre as sociedades tradicionais e as sociedades modernas em termos de relações espácio-temporais. Assim, nas sociedades tradicionais, Giddens (1990) considera que o tempo e o espaço eram inseparáveis um do outro, isto é, ambos estavam fundamentalmente ligados à localização concreta de cada pessoa e os ritmos temporais da vida quotidiana eram determinados pelos ciclos diurnos ou sazonais de cada lugar. Como o próprio afirma: “‘When’ was almost universally either connected with ‘where’ or identified by regular natural occurrences” (1990:17). Do mesmo modo, o espaço (tal como o tempo) não era representado e ordenado através da aplicação de uma medida abstracta e uniforme, mas sim apreendido em termos de um «lugar»; como um contexto concreto de acção. Ou seja, o espaço estava confinado àquilo de que cada um tinha percepção imediata e era medido relativamente à localização da casa das pessoas, mesmo quando viajavam. O que está, então, ausente nas sociedades tradicionais (ou pré-modernas), segundo o mesmo, é a concepção distintivamente moderna de espaço e de tempo “abstracto” ou “vazio”, ou seja, uma concepção em que estes últimos sejam representados de uma forma independente em relação aos contextos espácio-temporais concretos. Segundo Giddens, algumas das condições históricas que estão na origem do que designa de «distanciamento espácio-temporal» - ou «separação do espaço e do tempo» - prendem-se com os Descobrimentos (através do desenvolvimento da cartografia moderna) e com a invenção e difusão, no século XVIII, do relógio mecânico (que foi essencial para o processo de industrialização, em termos de organização do trabalho e da produção). Assim, o mesmo considera que os Descobrimentos promoveram uma tentativa cartográfica de representar, através de determinadas divisões abstractas e geométricas (latitude e longitude), a distribuição e forma das diferentes regiões do mundo e do próprio espaço global. Como se pode ver através dos mapas-mundo, o espaço tornou-se numa dimensão social universal e abstracta, cuja realidade é independente da localização concreta de cada um. Por outro lado, a invenção e difusão do relógio mecânico teve como consequência o progressivo abandono das concepções tradicionais do tempo (localmente fragmentadas e ciclícas), e a sua substituição por uma concepção abstracta, universal, estandardizada, mecânica e linear: a universalização do tempo, permitiu, então, a sua libertação (ou separação) de uma localização determinada e permitiu a respectiva reorganização social num sistema global de regiões.

Para Giddens, esta separação do tempo e do espaço é crucial para o extremo dinamismo da Modernidade, e é um dos principais factores que explicam o carácter intrinsecamente expansivo e globalizante dessa mesma Modernidade[3]. Assim, para o mesmo, esta separação do tempo e do espaço é um pré-requisito para a emergência de estruturas institucionais e mecanismos com a capacidade de exercer influência e controlo sobre extensões cada vez maiores de espaço-tempo (mecanismos esses que designa de «mecanismos de descontextualização»). Ou seja, segundo Giddens, essa mesma separação cria a possibilidade de coordenação e de uma organização estável das relações sociais através de vastas extensões territoriais, tornando possível o processo de «descontextualização» (“disembedding”), isto é, a “remoção” ou “desinserção” das relações sociais de contextos localizados, permitindo a sua articulação e recombinação através de grandes distâncias de espaço-tempo - processo este que, por sua vez, o mesmo considera ser um pré-requisito para a globalização. Giddens concentra, então, a sua atenção nos mecanismos institucionais objectivos que produzem e facilitam este mesmo processo - os «mecanismos de descontextualização» - que, segundo o mesmo, são de dois tipos: as «garantias simbólicas» e os «sistemas periciais». No primeiro caso (as «garantias simbólicas»), Giddens escolhe principalmente o dinheiro para ilustrar melhor o seu argumento. Assim, pergunta:

What is Money?...Money in both its early and most developed forms is essentially debt (and hence simultaneously credit). It is a symbol of material obligation interposed within the process of exchanging things which arrests the process halfway, and thus allows its completion to be deferred in time and space. Direct barter first gives way to ‘commodity money’, then to written IOUs backed by banking organizations, next to state-regulated national currencies, and finally to ‘pure information lodged as figures in a computer printout’ (Giddens, 1990:25).

No decorrer deste processo que Giddens descreve, persiste, no entanto, uma propriedade constante: ao incorporar uma obrigação material de uma forma quantificável, o dinheiro liberta o processo de troca dos constrangimentos espácio-temporais que estavam patentes na troca directa de géneros (“direct barter”), permitindo que essa mesma troca se estenda indefinidamente através do espaço e do tempo. Ou seja, segundo o mesmo, o dinheiro «descontextualiza» esse mesmo processo de troca.

O outro mecanismo de descontextualização considerado por Giddens (os «sistemas periciais») são definidos, pelo mesmo, da seguinte forma:

Expert systems are systems of technical accomplishment or professional expertise that organize large areas of the material and social environments in which we live today // (they) are forms of technical knowledge whose validity is independent of the practitioners and clients who make use of them (Giddens, 1990: 27 // 1991:18).

Ao contrário das formas tradicionais de conhecimento - cuja validade assentava e era, por conseguinte, indissociável dos espaços e tempos no interior dos quais eram estabelecidas e desenvolvidas essas mesmas formas de conhecimento - a vida social moderna é, segundo a perspectiva de Giddens, crescentemente estruturada e governada por sistemas periciais/especializados de conhecimento, de carácter abstracto, universalizante e, portanto, independente das particularidades dos contextos espácio-temporais concretos. Nestes sistemas periciais podem-se incluir, por exemplo, desde sistemas informáticos, códigos legislativos ou, obviamente, a própria ciência, bem como todas as organizações que, por intermédio da aplicação do conhecimento produzido por estes mesmos sistemas periciais, organizam e regulam o mundo social e natural. Segundo a perspectiva de Giddens, a importância destes sistemas periciais é revelada quando consideramos o grau de penetração do conhecimento produzido por esses mesmos sistemas no ambiente construído em que vivemos. Em actividades rotineiras e banais como, por exemplo, acender um interruptor ou guiar um carro, os indivíduos envolvidos, estão, de uma forma geral, dependentes de estruturas despersonalizadas de conhecimento científico e de regulação social que estão bastante para além da sua experiência física imediata e do conhecimento directo de como funcionam. Os sistemas periciais, apesar de serem regulados por critérios impessoais, e de a sua lógica implicar a abstracção em relação aos lugares concretos, regulam, no entanto, os eventos e as interacções pessoais que decorrem no interior desses mesmos lugares.

Para Giddens, a «descontextualização» das relações sociais levada a cabo pelos «sistemas abstractos» e pelas «garantias simbólicas», promove, então, uma constante interacção com “outros ausentes”, ou seja, com pessoas que nunca vemos nem conhecemos, mas cujas acções interferem directamente nos mais diversos aspectos da vida de cada um - tendo essa mesma descontextualização a importante consequência da crescente interpenetração dos níveis local e global. Os «lugares» tornam-se, assim, desta forma, segundo o mesmo, cada vez mais «fantasmagóricos», na medida em que as suas características locais vão sendo, progressivamente, “invadidas” e reorganizadas em termos de relações sociais distanciadas:

Locales are thoroughly penetrated by and shaped in terms of social influences quite distant from them. What structures the locale is not simply that which is present on the scene; the “visible form” of the locale conceals the distanciated relations which determine its nature (Giddens,1990: 19; itálico nosso).

É precisamente por isto que Giddens considera que os «lugares», devido ao processo de «separação» ou «alongamento espácio-temporal» - envolvido na globalização - se têm tornado cada vez mais «fantasmagóricos». Porquê «fantasmagóricos»? O sentido do termo parece derivar de “fantasma”, no sentido de uma ilusão ou aparência enganadora. Mas também parece derivar de uma suposta visão de uma pessoa ausente (viva ou morta). A acepção de Giddens parece aproximar-se mais deste último sentido, sugerindo uma situação em que os locais são povoados tanto pelas forças presentes como pelas ausentes. Os «fantasmas», neste sentido, parecem ser as forças distantes presentes no local, ou seja, o que Giddens nos quer transmitir é que por trás da familiaridade dos contextos locais em que nos movemos se escondem, cada vez mais, interrelações complexas com processos e forças sociais distantes. Daí a sua concepção de globalização:

Globalization concerns the intersection of presence and absence, the interlacing of social events and social relations “at distance” with local contextualities (…) The conceptual framework of time-space distanciation directs our attention to the complex relations between local involvements (circumstances of co-presence) and interaction across distance (the connections of presence and absence). With a rising level of time-space distanciation the relations between local and distant social forms and events become correspondingly “stretched”…Globalization refers essentially to that stretching process, in so far as the modes of connection between different social contexts or regions become networked across the earth’s surface as a whole (1991: 21/64)

Giddens considera, ainda, que uma vez historicamente estabelecida, a essência estrutural da globalização não reside apenas no facto de as estruturas e processos sociais passarem a ser organizados e coordenados à escala global, mas também no facto de o impacto de eventos muito localizados poderem ter impactos causais dramáticos a essa mesma escala. Da mesma forma, considera que determinadas mudanças operadas à escala global (nos mais diversos domínios) podem afectar e interagir com as mais pequenas localidades, em qualquer àrea geográfica do mundo.

Pode-se, assim, observar que é por intermédio do «distanciamento espácio-temporal» que Giddens explica a globalização - tanto no sentido de que a globalização é concebida como o produto desse mesmo distanciamento, como também no sentido em que, na essência, considera que a globalização é, fundamentalmente, um fenómeno espácio-temporal, e que, por isso mesmo, só o conceito de «distanciamento espácio-temporal» (visto como a nova problemática para a Sociologia) nos permite analisá-la de forma adequada.

Além disso, a globalização parece implicar, para Giddens, a dissolução dos «lugares» por intermédio da «descontextualização» das relações sociais, partilhando, portanto, de alguma forma (embora em muito menor grau) com a maior parte dos autores da «perspectiva globalista», a tese do «fim da geografia» - tese esta em que supostamente se dá uma dissolução do espaço, e das especificidades territoriais, no mundo da fluidez, da velocidade, da hipermobilidade, simultaneidade e instantaneidade, e na qual, em termos económicos, (tal como na perspectiva a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal»), está implícita a ideia de mobilidade absoluta do capital e a da total substitutabilidade dos locais para o investimento produtivo. Em termos económicos, a tese do «fim da geografia» implica, portanto, a ideia de desterritorialização das actividades económicas, o que significa, então, que essas mesmas actividades já se teriam conseguido libertar da dependência que outrora mantinham em relação aos territórios e às suas especificidades (Storper,1997a; 1997b) - ideia que está também patente, de alguma forma, noutro autor também extremamente influente da «perspectiva globalista», como é o caso de Castells (1989; 1996), quando este concebe a economia global como um «espaço de fluxos» abstracto, cuja lógica a-espacial se vai autonomizando (mas, ao mesmo tempo, se vai tornando estruturalmente dominante) em relação à lógica do «espaço dos lugares» concretos:

We can see a major social trend standing out from all our observations: the historical emergence of the space of flows, superseding the meaning of the space of places. By this we understand the deployment of the functional logic of power-holding organizations in asymetrical networks of exchanges which do not depend on the characteristics of any specific locale for the fulfilment of their fundamental goals…The flows of power generate the power of flows, whose material reality imposes itself as a natural phenomenon that cannot be controlled or predicted, only accepted and managed. This is the real significance of the current restructuring process, implemented on the basis of new information technologies, and materially expressed in the separation between functional flows (space of flows) and historically determined places (space of places) as two disjointed spheres of the human experience. People live in places, power rules through flows (Castells, 1989: 349; itálico nosso).

Castells (1989;1996) atribui um papel fulcral à emergência de um novo paradigma sócio-técnico assente nas novas tecnologias de informação e comunicação - aquilo a que designa de «modo de desenvolvimento informacional» - para explicar não apenas a transformação da economia mundial de um «espaço de lugares» num «espaço de fluxos» global, como, também, para explicar o processo mais geral de emergência de uma nova estrutura social - a «sociedade em rede» - que se organiza e se expande a partir desse mesmo «espaço de fluxos».

Castells concebe o «modo de desenvolvimento informacional» como um novo estágio na evolução do modo de produção capitalista. No entanto, este autor parte do pressuposto teórico que, em termos gerais, os «modos de desenvolvimento» devem ser separados analiticamente dos modos de produção. Para Castells, os modos de produção referem-se essencialmente às formas de organização social da produção, enquanto que os «modos de desenvolvimento» se referem aos meios técnicos que permitem gerar um determinado nível dessa mesma produção. Assim, segundo a sua perspectiva, teríamos passado de um «modo de desenvolvimento industrial» para um «modo de desenvolvimento informacional», isto apesar de ainda permanecermos no modo de produção capitalista. Como o mesmo afirma:

The social relationships of production, and thus the mode of production, determine the appropriation and uses of surplus. A separate yet fundamental question is the level of such surplus, determined by the productivity of a particular process of production…Productivity levels are themselves dependent on the relationship between labor and matter, as a function of the use of the means of production by the application of energy and knowledge. This process is characterized by technical relationships of production, defining modes of development. Thus, modes of development are the technological arrangements through which labor works on matter to generate the product, ultimately determining the level and quality of surplus (Castells, 1996:16; itálico nosso). Modes of development evolve according to their own logic; they do not respond mechanically to the demands of modes of production or of other instances of society… Modes of development emerge from the interaction between scientific and technological discovery and the organizational integration of such discoveries in the process of production and management… When historical circumstances create a convergence between social change and technological change, we witness the rise of a new technological paradigm, heralding a new mode of development (…) This, I contend, is what brought the rise of the informational mode of development in the last quarter of the twentieth century (Castells, 1989:11; itálico nosso).

Seguindo esta lógica, Castells (1989;1996) entende, então, que o «modo de desenvolvimento informacional» deve ser distinguido e considerado, em termos analíticos, como independente em relação ao modo de produção capitalista (que é definido pelo mesmo em termos convencionalmente marxistas, ou seja, como um sistema de produção assente nos princípios do mercado e da propriedade privada, e que visa a maximização do lucro). Este mesmo autor considera, assim, que se pode e se devem analisar as enormes mudanças sociais que se têm verificado principalmente a partir do final dos anos 70 partindo desta distinção, ou seja, concebendo a reestruturação capitalista que tem vindo a ocorrer desde este período como independente em relação à emergência do «modo de desenvolvimento informacional» (dado que considera que as descobertas científicas e tecnológicas possuem uma dinâmica autónoma, ou uma lógica de evolução própria) - sendo precisamente a interacção histórica “acidental”, ou contingente, entre estes dois processos distintos que, segundo o mesmo, está na base da emergência da «sociedade em rede». No entanto, tendo em conta a argumentação que apresenta ao longo das suas obras mais conhecidas (1989;1996;1997;1998), o que Castells parece sugerir com esta distinção entre o modo de desenvolvimento informacional e o modo de produção capitalista, é que as mudanças sociais são, em grande medida, determinadas pelos avanços técnicos na produção, ou seja, apesar de as relações técnicas de produção serem concebidas como autónomas relativamente às relações sociais de produção, elas parecem possuir um carácter preponderante, senão mesmo determinante, em relação a estas últimas - aliás, não é por acaso que a sua trilogia (1996;1997;1998) tem, precisamente, o título genérico de “A Era da Informação”. Castells parece, assim, reintroduzir uma distinção do tipo base-superestrutura na análise das sociedades:

Informationalism is the new material, technological basis of economic activity and social organization (…) Although technology and technical relationships of production are organized in the dominant spheres of society…they diffuse throughout the whole set of social relationships and social structures, so penetrating and modifying power and experience. Thus, modes of development shape the entire realm of social behaviour, of course including symbolic communication. Because informationalism is based on the technology of knowledge and information, there is a specially close linkage between culture and productive forces, between spirit and matter, in the informational mode of development. It follows that we should expect the emergence of historically new forms of social interaction, social control, and social change (1996:14/18) The informational society replaces the industrial society as the framework of social institutions (…) this transformation of the mode of development could not be accomplished without the surge of innovations in information technologies which, by creating the material basis from which information processing can expand its role, contributes to changes both in the structure of production and in the organization of society (1989:19/23; itálico nosso)

Apesar de considerar que a informação e o conhecimento sempre foram elementos essenciais do crescimento económico e que a evolução da tecnologia sempre determinou, de uma forma geral, a capacidade de produção e o nível de vida da sociedade, bem como as formas sociais de organização económica, Castells defende que a emergência de um novo paradigma tecnológico, organizado em torno das tecnologias de informação e comunicação, representa um momento de ruptura histórica, na medida em que a informação se torna, ela própria, o produto do processo de produção.

Como em todas as rupturas históricas, Castells considera que a emergência de uma nova estrutura social está associada a uma redefinição das fundações materiais da existência: o tempo e o espaço. No seguimento desta ideia, o mesmo autor propõe, então, a hipótese que a «sociedade em rede» (que, para o mesmo, é, em grande medida, fruto de um novo paradigma tecnológico assente nas novas tecnologias de informação e comunicação) é caracterizada pela emergência de duas novas formas de espaço e de tempo - o «espaço dos fluxos» e o «tempo atemporal» - ainda que estas novas formas coexistam com as formas anteriores desse mesmo espaço e tempo. Assim, paralelamente e em contraste com o ritmo dos relógios biológicos que caracterizam uma boa parte da existência humana, e com o tempo do relógio mecânico, característico da era industrial (temporalidades estas que correspondem ao «espaço dos lugares»), encontra-se o «tempo atemporal», que corresponde, actualmente, às funções e processos sociais dominantes, e que é o produto do uso e aplicação das novas tecnologias de informação e comunicação, permitindo estas o aniquilamento do tempo, comprimindo anos em segundos e segundos em décimos de segundo (como, por exemplo, sucede na Internet e nas transacções efectuadas nos mercados financeiros globais). Na medida em que considera que na «sociedade em rede» é o espaço que organiza e domina o tempo, o «tempo atemporal» é concebido por Castells como efeito do «espaço dos fluxos». Quanto ao «espaço dos fluxos» propriamente dito, será, talvez, conveniente ver, em primeiro lugar, a sua definição de espaço: “I build on a long intellectual tradition, from Leibniz to Harold Innis, connecting space and time, around the notion of space as coexistence of time. Thus my definition: space is the material support of time-sharing social practices” (1997b:13-14; itálico nosso). O que se passa actualmente, segundo o mesmo, é que essa mesma partilha temporal das actividades sociais - principalmente aquelas que se prendem com as funções dominantes da «sociedade em rede» (como, por exemplo, os mercados financeiros ou as redes de produção transnacionais) - pode já não implicar a contiguidade espacial, devido ao uso cada vez mais generalizado das novas tecnologias de informação e comunicação, que, ao permitirem a transmissão de informação em tempo real por todo o mundo, permitem, ao mesmo tempo, a interacção e a coordenação, também em tempo real, entre vários agentes e vários tipos de processos, apesar de se encontrarem dispersos espacialmente. E, assim, como o próprio afirma:

‘Things’ still exist together, they share time, but the material arrangements that allow this coexistence are inter-territorial or transterritorial (1997b:14) Our societies are constructed around flows: flows of capital, flows of information, flows of technology, flows of organizational interactions, flows of images, sounds and symbols. Flows are not just one element of social organization: they are the expression of the processes dominating our economic, political, and symbolic life. If such is the case, the material support of the dominant processes in our societies will be the ensemble of elements supporting such flows, and making materially possible their articulation in simultaneous time. Thus, I propose the idea that there is a new spatial form characteristic of social practices that dominate and shape the network society: the space of flows. The space of flows is the material organization of time-sharing social practices that work through flows. By flows I understand purposeful, repetitive, programmable sequences of exchange and interaction between physically disjointed positions held by social actors (1996:411; itálico no original).

O «espaço dos fluxos», contém, no entanto, segundo Castells, uma dimensão territorial, dado que o mesmo necessita de uma infraestrutura tecnológica que opere a partir de certas localidades e que permita a conexão de funções e de pessoas localizadas em lugares específicos. No entanto, o mesmo considera que o sentido e a função do «espaço dos fluxos» dependem essencialmente dos fluxos processados nas redes de informação globais, ao contrário do «espaço dos lugares», cujo sentido, função e localização se encontram intimamente associados, dado que Castells considera que “A place is a locale whose form, function and meaning are self-contained within the boundaries of physical contiguity” (Castells, 1996:422). Assim, apesar de considerar que o «espaço dos lugares» continua a ser o espaço predominante em termos de experiência, por este corresponder ao espaço concreto pelo qual a maior parte das pessoas se identifica e onde as pessoas habitam e desenvolvem as actividades do seu dia-a-dia, Castells considera, no entanto, que a lógica abstracta do «espaço dos fluxos» é cada vez mais indiferente ou independente em relação à lógica do «espaço dos lugares»:

The spatial articulation of dominant functions does take place in our societies in the network of interactions made possible by information technology devices. Thus, the network of communication is the fundamental spatial configuration: places don’t disappear, but their logic and their meaning become absorbed in the network (1996:412). While organizations are located in places…the organizational logic is placeless, being fundamentally dependent on the space of flows that characterizes information networks…The more organizations depend, ultimately, upon flows and networks, the less they are influenced by the social context associated with the places of their location. From this follows a growing independence of the organizational logic from the societal logic" (1989, 169-170; itálico nosso).

Castells considera, então, que uma forma fundamental de dominação social na «Era da Informação» resulta precisamente da prevalência da lógica do «espaço dos fluxos» sobre a lógica do «espaço dos lugares», ou seja, segundo o mesmo, actualmente é o «espaço dos fluxos» que molda e estrutura o «espaço dos lugares», quando, por exemplo, refere que são os mercados financeiros globais que punem ou recompensam determinadas regiões ou países, ou quando refere que determinados sistemas de telecomunicações ligam os «Central Business Districts» aos «back offices» situados nos subúrbios, ao mesmo tempo que contornam e marginalizam determinados bairros pobres - induzindo essa mesma dominação estrutural do «espaço dos fluxos» sobre o «espaço dos lugares» um «dualismo intra-metropolitano» generalizado que, segundo o mesmo, já se tornou numa forma de exclusão sócio-espacial tão significativa como o desenvolvimento regional desigual. Assim, ao mesmo tempo (ou por causa da) crescente integração global ao nível do «espaço dos fluxos», através de redes de informação globais, que permitem uma maior interconexão, em tempo real, entre os diferentes pontos deste mesmo espaço de natureza reticular (integração e interconexão estas que, segundo o mesmo, só se tornaram possíveis devido à introdução das novas tecnologias de informação e comunicação), assiste-se, actualmente, segundo Castells, a uma crescente fragmentação ao nível do «espaço dos lugares». Ou seja, de acordo com o mesmo autor, existe uma crescente discrepância e dicotomização entre o «espaço dos fluxos» e o «tempo atemporal» da lógica da «sociedade em rede» (que cobre todo o mundo) e um «espaço dos lugares» composto por localidades cada vez mais segregadas e desconexas entre si:

Thus, people do still live in places. But because function and power in our societies are organized in the space of flows, the structural domination of its logic alters the meaning and dynamic of places…There follows a structural schizophrenia between two spatial logics that threatens to break down communication channels in society. The dominant tendency is toward a horizon of networked, ahistorical space of flows, aiming at imposing its logic over scattered, segmented places, increasingly unrelated to each other (Castells, 1996:428).

As transformações espácio-temporais induzidas, em grande medida, pela emergência de um modo de desenvolvimento assente nas novas tecnologias de comunicação e informação parecem, então, ser responsáveis não apenas por esta crescente dicotomização entre o «espaço dos fluxos» e o «espaço dos lugares», como também por um crescente domínio estrutural do primeiro sobre o segundo - o que, segundo Castells, acaba por ter enormes consequências em termos de estratificação social (no sentido de uma crescente polarização sócio-espacial), a começar logo no impacto profundo que essas mesmas transformações têm na relação capital-trabalho:

While capitalist relationships of production still persist...capital and labour increasingly tend to exist in different spaces and times: the space of flows and the space of places...Thus they live by each other, but do not relate to each other. Capital tends to escape in its hyperspace of pure circulation, while labour dissolves its collective entity into an infinite variation of individual existences...The struggle between diverse capitalists and miscellaneous working classes is subsumed into the more fundamental opposition between the bare logic of capital flows and the cultural values of human experience (1996:475-476).

Assim, as transformações espácio-temporais associadas à globalização parecem ser as principais responsáveis, segundo a sua perspectiva, para que o «espaço dos lugares» se refira, no contexto actual, a um espaço no qual determinados sectores da população têm uma maior probabilidade de estar confinados - como, talvez, por exemplo, os trabalhadores não-qualificados ou os habitantes “afro-americanos” dos «ghettos» dos Estados Unidos, ou seja, todos aqueles que, por uma razão ou por outra, não têm os recursos ou o estatuto legal que lhes permita moverem-se com facilidade; aqueles para quem (voluntária ou involuntariamente) a sua localidade, cidade ou território é uma parte fundamental da sua identidade e que se encontram física, social e/ou culturalmente (para o bem ou para o mal) “amarrados” ao seu território - enquanto que o «espaço dos fluxos», pelo contrário, se refere a um espaço que é usado por aqueles grupos sociais que não vêem a sua mobilidade restringida, em função dos vários tipos de meios e recursos de que dispõem (principalmente aquele grupo social específico a que Castells designa de «managerial elites», que tem cada vez mais à sua disposição uma rede de espaços VIP isolados localmente e globalmente interconectados, para as suas viagens constantes); e é o espaço por onde se move, cada vez com menos restrições, o capital, e onde são efectuadas, por exemplo, as grandes transacções financeiras - ou seja, é o espaço ocupado pelas redes dominantes da «sociedade em rede». A razão pela qual, de acordo com o mesmo, devemos prestar muita atenção à emergência e expansão deste mesmo «espaço dos fluxos» é porque as funções e os processos com um maior poder estrutural e estruturante nas nossas sociedades se organizam precisamente a partir do mesmo. Esta transformação, em termos de morfologia social, no sentido de as estruturas sociais dominantes se organizarem, cada vez mais, em torno de redes globais de fluxos tem, então, segundo o mesmo, consequências sociais profundas, como se pode observar pela seguinte afirmação:

Global networks of instrumental exchanges selectively switch on and off individuals, groups, regions, and even countries, according to their relevance in fulfilling the goals processed in the network, in a relentless flow of strategic decisions (…) structural irrelevance (from the system’s point of view) is a more threatening condition than dependency // a considerable number of humans…are irrelevant…from the perspective of the system’s logic (1996:3/135 // 1998:364; itálico no original).

Assim, a lógica organizacional e a estrutura em rede actuais permitem, de acordo com o mesmo, ligar tudo o que importa ao sistema dominante, fazendo com que os conectados fiquem com um extremo dinamismo. Mas esta estrutura também permite não conectar tudo o que é desvalorizado do ponto de vista das redes dominantes do «capitalismo informacional», como indivíduos, regiões ou empresas, e condená-los a definhar, impondo, assim, uma lógica e uma dinâmica puramente darwinística, ou seja, uma lei do mais forte, que se impõe independentemente dos interesses e da vontade d(e todos?)os actores sociais. Castells, considera, então, que esta forma de organização social reticular induz uma determinação social de uma ordem mais elevada, e sem precedentes históricos, no sentido em que o poder dos fluxos que circulam nas redes globais prevalece sobre os fluxos de poder: “the power of flows takes precedence over the flows of power” (1996: 469); ou seja, para o mesmo, o poder da lógica abstracta das redes do «espaço dos fluxos» acaba por ser mais importante e decisivo do que os interesses específicos dos fluxos de poder que circulam nessas mesmas redes, quando, por exemplo, refere que os próprios capitalistas estão dependentes e que têm de se submeter à lógica incontrolável dos fluxos financeiros globais e que os Estados-nação são ultrapassados pelos fluxos globais de informação e de capital - daí que afirme que “the network society…is characterized by the preeminence of social morphology over social action” (1996: 469), ou que “the logic of the network is more powerful than the powers in the network” (1996:193). Assim, o que Castells nos parece querer dizer, é que, na «sociedade em rede», é a lógica organizacional reticular da sua estrutura social que mais parece determinar o que acontece do que propriamente os interesses sociais específicos. Esta precedência do poder dos fluxos sobre os fluxos de poder parece, então, significar, de acordo com a sua perspectiva, que, actualmente, o poder se desterritorializou, escapando-se, difundindo-se e concentrando-se no etéreo «espaço dos fluxos» - espaço este que, basicamente, não parece ser controlado e gerido por nenhuns actores sociais em concreto, dado que os mesmos parecem ser ultrapassados pela lógica organizacional reticular abstracta desse mesmo espaço.

A «dinâmica das redes», associada ao «capitalismo informacional», é ilustrada por Castells, quando este fala especificamente de uma nova economia, que, segundo o mesmo, se caracteriza, essencialmente, por três traços. Em primeiro lugar, esta nova economia é informacional, porque a competitividade das unidades ou agentes desta economia (sejam empresas, regiões ou nações), dependem essencialmente da sua capacidade de gerar, tratar e aplicar uma informação eficaz fundada sobre o conhecimento. Em segundo lugar, esta nova economia é global, porque as suas actividades estratégicas centrais (como, por exemplo, os mercados financeiros, o comércio internacional de bens e serviços, as redes transnacionais de produção, os «advanced business services»), têm a capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real à escala planetária. Mais uma vez, parece ser a revolução no domínio das tecnologias de comunicação e informação que parece explicar o surgimento desta economia global: “It is only in the late twentieth century that the world economy was able to become truly global on the basis of the new infrastructure provided by information and communication technologies” (1996:93). No entanto, como já tínhamos entrevisto quando falámos da dinâmica espacial reticular do «espaço dos fluxos», e da sua relação com o «espaço dos lugares», para Castells, a globalização[4] opera segundo uma lógica altamente selectiva e excludente:

Globalization is highly selective. It proceeds by linking up all what, according to dominant interests, has value anywhere in the planet, and discarding anything (people, firms, territories, resources) which has no value or becomes devalued (2000:8; itálico nosso) It scans the whole world , and links up valuable inputs, markets and individuals, while switching off unskilled labour and poor markets (1997b:8 itálico nosso)

Assim, de acordo com a sua perspectiva, a economia global, apesar de alcançar todo o planeta, não é planetária; não inclui todo o planeta. Aliás, exclui, provavelmente, a maioria da sua população. Desta forma, as regiões, os grupos sociais e as funções dominantes encontram-se cada vez mais interconectados em tempo real - através de redes de informação suportadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação - construíndo-se em seu torno redes de interdependência. Ou seja, os fluxos de capital e de informação concentram-se e circulam, de uma forma profundamente assimétrica, entre estas mesmas regiões e grupos sociais dominantes, ao mesmo tempo que determinados territórios e sectores da população mundial, por estarem fora destas redes, e se encontrarem presos no «espaço dos lugares», são excluídos dos benefícios sócio-económicos destes mesmos fluxos. A crescente integração económica global parece, então, de acordo com a sua perspectiva, ser acompanhada por (ou fazer-se à custa de) uma crescente fragmentação e polarização sócio-espacial.

Em terceiro lugar, esta nova economia é uma economia em rede. Assim, Castells considera que o âmago da conectividade da economia global e da flexibilidade do «capitalismo informacional» se situa numa nova forma de organização, característica da actividade económica, cuja lógica se vai estendendo gradualmente para outros domínios e organizações: a «empresa-rede» (ou «network enterprise» no original). No entanto, o mesmo apressa-se logo a dizer o seguinte:

This is not a network of enterprises. It is a network made from either firms or segments of firms and/or from internal segmentation of firms. Large corporations are internally decentralized as networks. Small and medium businesses are connected in networks. These networks connect among themselves on specific business projects, and switch to another network as soon as the project is finished. Major corporations work in a strategy of constant changing alliances and partnerships, specific to a given product…Furthermore, these corporations are based increasingly on sharing of information. These are information networks, which, in the limit, link up suppliers and customers through one firm, with this firm being essentially an intermediary of supply and demand, collecting a fee for its ability to process information. The unit of this production process is not the firm, but the business project. The firm continues to be the legal unit of capital accumulation. But since the value of the firm ultimately depends on its valuation in the stock market, the unit of capital accumulation (the firm) becomes itself a node in a global network of financial flows (2000:9; itálico nosso).

Assim, Castells considera que, no contexto de uma «sociedade em rede» globalizada, até as próprias empresas multinacionais tiveram, como toda a gente, de se adaptar à sua lógica, e de mudar rapidamente, de forma a não sucumbirem perante essa mesma lógica. Como consequência, o mesmo autor considera, então, que estas mesmas empresas multinacionais têm-se vindo a transformar de uma forma radical, tanto no sentido de uma crescente desintegração vertical (podendo, cada vez mais, segundo o mesmo, ser entendidas como «horizontal corporations»), como no sentido de uma crescente transnacionalização. Isto porque, de acordo com o mesmo, as «empresas-rede» organizam, cada vez mais, as suas actividades à escala mundial, ao mesmo tempo que externalizam a maior parte dessas mesmas actividades. Castells defende, então, que, pelo facto de, na «sociedade em rede», a questão essencial residir na velocidade de resposta e de adaptação, o que conta, sobretudo são as redes. Ou seja, Castells considera que embora essas mesmas empresas possam, por vezes, em termos formais, parecer organizadas de uma forma ainda algo centralizada e hierárquica, o que faz com que os produtos e serviços sejam entregues a tempo, e com um preço favorável, são as redes que são constantemente construídas e reconstruídas, quer em forma de alianças estratégicas (parcerias ad hoc entre empresas de diferentes países, por exemplo), quer em forma de subcontratação e outsourcing, também com base numa espacialidade e temporalidade flexíveis - isto porque as redes possuem uma estrutura flexível, permitindo e implicando, portanto, que aqueles que estão e os que não estão conectados a essas mesmas redes possam estar constantemente a mudar ao longo do tempo. Para Castells, o que se passa, então, actualmente, no contexto empresarial, não é nada menos do que “the transformation of corporations into networks” (1996:115). Desta forma, para o mesmo, longe parecem ser os tempos em que existiam empresas multinacionais, isto é, empresas nacionais com actividades em vários países, e que operavam segundo uma lógica organizacional centralizada, burocrática e hierárquica, dado que uma economia informacional e global representa, para o mesmo, um contexto totalmente novo e diferente, cujas principais consequências, em termos organizacionais, para essas mesmas empresas, parecem ser as seguintes:

The large corporation…is not, and will no longer be, self-contained and self-sufficient (…) Instead…it devolves power to the network of self-programmed, self-directed units based on decentralization, participation and co-ordination (…) the globalization of competition dissolves the large corporation in a web of multidirectional networks (1996:163/166/193).

É precisamente pelo que foi exposto anteriormente que Castells, considera, então, o seguinte:

For the first time in history, the basic unit of economic organizaton is not a subject, be it individual (such as the entrepreneur, or the entrepreneurial family) or collective (such as the capitalist class, the corporation, the state). As I have tried to show, the unit is the network, made up of a variety of subjects and of organizations, relentlessly modified as networks adapt to supportive networks and market structures (1996:198; itálico e sublinhado nossos).

As empresas, no contexto da «sociedade em rede» (principalmente as transnacionais) não devem, então, segundo a sua perspectiva, ser concebidas como contidas em si próprias, dado que, para o mesmo, elas só podem ser devidamente entendidas como fazendo parte de redes internas de empresas ou de redes de segmentos de diferentes empresas, dispersas espacialmente por diferentes regiões subnacionais/supranacionais e por diferentes continentes. Assim, um outro exemplo, do campo económico, a que Castells recorre para ilustrar a dinâmica espacial reticular, e em constante movimento, do «espaço dos fluxos» diz respeito às mudanças nas formas de organização espacial da produção, principalmente no que se refere às redes transnacionais de produção:

The dominant segments of most economic sectors…are organized worldwide in their actual operating procedures, forming what Robert Reich has labelled “the global web”. The production process incorporates components produced in many different locations by different firms, and assembled for specific purposes and specific markets in a new form of production and commercialization…What is fundamental in this web-like industrial structure is that it is territorially spread throughout the world, and its geometry keeps changing all the time, as a whole and for each individual unit…Thus, the network structure tends to reproduce itself and to keep expanding as competition goes on, so deepening the global character of the economy (1996:96; itálico nosso).

Assim, em função do que foi exposto anteriormente, segundo a perspectiva de Castells, na «sociedade em rede», as empresas transnacionais parecem ser cada vez mais “a-espaciais”, ou “a-territoriais” (ou «placeless corporations», como diria Ohmae). Desta forma, de um modo mais geral, o que Castells parece estar de facto a descrever ao longo da sua trilogia, quando fala de uma «sociedade em rede» parece corresponder, de facto, a uma sociedade desterritorializada, ou seja, uma sociedade organizada num «espaço dos fluxos» global, apenas tornada possível, segundo o mesmo, devido ao uso e aplicação generalizada das novas tecnologias de informação e comunicação, e que, por isso mesmo, se parece ter libertado da dependência que outrora as actividades sócio-económicas mantinham em relação aos territórios concretos e às suas especificidades - daí que, quando começámos a falar de Castells, tenhamos referido que este parecia partilhar, de alguma forma, a tese do «fim da geografia», dado que, na sua análise, parece estar implícita a ideia de uma economia globalizada totalmente «footloose», ou seja, uma economia em que há uma mobilidade absoluta do capital e uma total substitutabilidade dos locais para o investimento produtivo. Neste sentido, no que se refere ao espaço e à sua (decrescente) relação com a actividade económica, a sua análise não parece diferir substancialmente, em determinados aspectos, da de outros autores da perspectiva a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal», nem da de outros autores da «perspectiva globalista», como, por exemplo, Richard O’Brien ou Frances Cairncross, que consideram que uma das principais consequências da globalização é precisamente a de os territórios se tornarem cada vez mais irrelevantes:

Geographical location no longer matters…Money, being fungible, will continue to try and avoid, and will largely succeed in escaping, the confines of the existing geography (O’Brien, 1992:1-2) No longer will location be key to most business decisions (Cairncross, 1997:xi)

No que se refere aos aspectos mais estritamente económicos da globalização, há, autores da «perspectiva globalista» que defendem explicitamente a tese do «fim da geografia», como é o caso do já referido Richard O’Brien (1992), cuja obra se chama precisamente “Global Financial Integration: The End of Geography”, e cuja tese está contida no próprio título, ou seja, o mesmo considera que a integração global dos mercados financeiros implica o «fim da geografia», e que essa mesma integração se deve, sobretudo, aos mais recentes avanços nas tecnologias de comunicação e informação. Como o próprio afirma: “To a great extent the end-of-geography story is a technology story, the story of the computerization of finance” (1992:29). Ou seja, de acordo com o mesmo, as tecnologias de informação e as redes electrónicas globais permitiram que as empresas do ramo financeiro pudessem descentralizar as suas operações e tornar-se cada vez menos dependentes da localização territorial. Segundo o mesmo, também os próprios mercados bolsistas se estão a desterritorializar cada vez mais, referindo que alguns mercados já geraram mesmo salas de operações virtuais no ciberespaço e que há cada vez menos necessidade de salas de operações “reais” para o funcionamento desses mesmos mercados: “Stock markets are now increasingly based on computer and telephone networks, not on trading floors. Indeed, markets almost have no fixed abode” (1992:28). Assim, segundo esta perspectiva, os enormes progressos nas tecnologias de cálculo e de transmissão de informação permitiram a existência de movimentos virtuais de dinheiro e a execução de negócios ao longo das 24 horas do dia, e em tempo real, entre qualquer parte do mundo. Como refere Giddens (2002:21):

Alimentada pelo dinheiro electrónico - isto é, dinheiro que só existe como informação digital nos discos dos computadores - a economia do mundo actual não tem paralelo com a das épocas anteriores. Na nova economia electrónica global, gestores de fundos, bancos, empresas, sem esquecer milhões de investidores a título pessoal, podem transferir grandes somas de capitais com o simples carregar num botão. E, ao fazê-lo, podem desestabilizar economias que pareciam sólidas como granito - como aconteceu durante a crise asiática recente.

Desta forma, de acordo com esta perspectiva, são os enormes avanços tecnológicos que parecem ser os responsáveis mais directos por uma verdadeira explosão de fluxos financeiros, em especial os de cariz especulativo, sem qualquer ligação à transacção de bens e serviços ou ao investimento directo, levando alguns autores a afirmar que há uma crescente separação da economia «simbólica» ou «virtual» da economia «real»:

A terceira maior mudança é o aparecimento da economia simbólica - movimentos de capitais de taxas de câmbio e fluxos de crédito - como volante da economia mundial, em vez da economia real: o fluxo de mercadorias e serviços - largamente independentes dos últimos (Drucker, 1993:47; itálico no original).

Assim, um argumento, relacionado com o anterior, que muito frequentemente é invocado na «perspectiva globalista» para demonstrar que a globalização representa uma nova realidade estrutural, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos, e sem precedentes em relação a outros períodos históricos, é o próprio volume dos fluxos financeiros mundiais, que têm vindo a crescer exponencialmente desde os anos 70. Assim, de acordo com Held et al. (1999), o volume diário actual das transacções efectuadas nos mercados financeiros mundiais já ascende a cerca de 1,5 triliões de dólares - 90% dos quais, segundo Swyngedow (2000), se calcula que circulem pelo globo terrestre em busca de ganhos especulativos - representando aquele valor, de acordo com Held et al. (1999), uma absoluta novidade histórica. Para se ter uma ideia mais clara do que é que isto representa, os mesmos autores referem que o valor anual das transacções ao nível dos mercados de câmbio internacionais é 60 vezes superior ao valor anual do comércio mundial.

Na literatura «globalista» que se centra nos aspectos económicos da globalização, parece, então, haver um consenso ou um entendimento comum da mesma como representando um conjunto de mudanças na economia mundial que tendem a produzir um mercado único ou singular para bens, serviços, capital e trabalho. Numa formulação recorrente neste tipo de perspectiva sobre a globalização, Glyn e Sutcliffe (1992:77), definem-na como “the idea that the main determinants of income and employment can now only be understood at a global and no longer at a national level”, o que, segundo esta perspectiva, tem consequências profundas para os Estados-nação: “The state’s power over the price of money…tax rates, industrial policy, the rate of unemployment, have been blown away” (The Economist, 1995:15), isto porque, como refere Allen (1995:60-1):

Economic globalization is seen to involve an interpenetration of economic activities: that is, an ever-tightening mesh of networks which strenghtens the interdependencies between different parts of the globe and, in so doing, helps to undermine the ability of nation-states to manage their own economic affairs.

Para além das referidas mudanças verificadas nos mercados financeiros mundiais, outra das mudanças que os «globalistas» frequentemente costumam invocar para demonstrar que a globalização das economias é uma realidade (implicando, portanto, uma crescente integração global dessas mesmas economias e uma crescente interacção e interdependência económica entre todos os países, regiões e continentes que compõem o globo terrestre), prende-se precisamente com as mudanças ao nível do comércio internacional. Assim, Held et al. (1999), referem que o comércio internacional cresceu também exponencialmente, nas últimas décadas, atingindo níveis inéditos, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, em relação ao produto nacional. Estes autores referem que, durante os anos 80 e 90, os países em vias de desenvolvimento se tornaram progressivamente abertos ao comércio, demonstrando esta tendência através do aumento das suas quotas no mercado mundial, nomeadamente no das manufacturas, já não se limitando estes países, principalmente nos últimos anos, a vender apenas produtos primários. Assim, enquanto as suas quotas no mercado mundial de produtos manufacturados eram, em 1963, de apenas 6%, em 1995, o valor dessas mesmas quotas já representava 20% do total dos produtos manufacturados vendidos nesse mesmo mercado. Desta forma, estes mesmos autores consideram que a crescente extensividade e intensidade do comércio internacional tem levado a um crescente entrelaçamento das economias, considerando, ao mesmo tempo, que está a emergir uma nova divisão global do trabalho na produção de bens. Isto porque (tal como já tínhamos referido por intermédio de Castells) estes autores consideram que as etapas dos processos de produção estão a ser, cada vez mais, “cortadas às fatias”, distribuindo-se por diferentes países, especialmente nos países em vias de desenvolvimento. Assim, actualmente, estes mesmos autores consideram que, de um modo geral, os países consomem cada vez mais produtos do exterior, ao mesmo tempo que os seus próprios processos produtivos estão, também cada vez mais, dependentes de componentes produzidos no estrangeiro, o que, segundo os mesmos, significa que a actividade económica num determinado país é progressivamente afectada (através das redes de comércio) pela actividade económica desenvolvida noutros países. Outro indicador que, também frequentemente, é usado para demonstrar e medir o grau e a realidade da globalização económica, é a do investimento directo estrangeiro e das exportações mundiais. Segundo Castells (1996) e Held e McGrew (2000), nos últimos anos, os países em vias de desenvolvimento têm beneficiado de um aumento considerável tanto em termos de proporção no total das exportações mundiais, como de fluxos de investimento estrangeiro (dirigidos quer do exterior, quer do interior desses mesmos países), exemplificando com os casos dos «novos países industrializados» do Sudeste Asiático e da América Latina. Por fim, outra forma, por parte dos «globalistas», de demonstrar a realidade da globalização económica, tem sido a referência ao aumento do número, do tamanho e da influência das empresas multinacionais na economia mundial. Assim, em 1997, segundo Held e McGrew (2000), existiam em todo o mundo, 53000 multinacionais, mais as correspondentes subsidiárias estrangeiras (450000), vendendo cerca de 9, 5 triliões de dólares, em bens e serviços, por todo o globo. De acordo com algumas estimativas (Perraton et al., 1997, citado em Held e McGrew, 2000) as empresas multinacionais (ou transnacionais, segundo muitos autores das perspectivas «globalista» e «hiperglobalista») já são responsáveis por 20% da produção mundial e 70% do comércio mundial. Outra forma de demonstrar a crescente influência das empresas transnacionais, que serve, ao mesmo tempo, para demonstrar que estas mesmas empresas, em geral, já se tornaram economicamente mais poderosas e influentes do que muitos dos Estados-nação existentes, é a seguinte:

Of the 100 largest economies in the world, 51 are corporations; only 49 are countries (based on a comparison of corporate sales and country GDP)…To put this in perspective, General Motors is now bigger than Denmark; Daimler-Chrysler is bigger than Poland; Royal Dutch/Shell is bigger than Pakistan…The 1999 sales of each of the top five corporations (General Motors, Wal-Mart, Exxon Mobil, Ford Motor and Daimler-Chrysler) are bigger than the GDP’s of 182 countries (Anderson e Cavanaugh, 2000:3, citado em Dicken, 2003:29).

1.2- A perspectiva «céptica»: a globalização como mito

The real question to ask of MNCs (multinational corporations) is not why they are always threatening to up and leave a country if things seem to go bad for them there, but why the vast majority of them fail to leave and continue to stay put in their home base and major centers of investment? MNCs are very reluctant to uproot themselves because they get entrenched in specific national markets, and with local suppliers and dealers.

Paul Hirst e Grahame Thompson (1992: 368)

There comes a point when we must raise our heads from books by ultraglobalists, look around and reconsider whether borders have really disappeared, and whether the world is, in fact, a unified whole.

Henry Wai-chung Yeung (1998:304)

Only those with memories and statistics that begin in the 1970s are surprised by the rapid trade growth, the emergence of new industrial powers, and the internationalization of production in the last two decades.

Paul Hirst (2000:110)

A primeira coisa que talvez deva ser referida em relação à perspectiva «céptica» é que esta se constituiu essencialmente como uma reacção ao enorme sucesso e disseminação principalmente do discurso «hiperglobalista», mas também (de alguns aspectos) do discurso «globalista», tanto nas elites académicas e políticas, como, também, no público em geral. Se nos discursos «hiperglobalistas e «globalistas» se verifica uma certa tendência para acentuar unilateralmente, e, muitas vezes, de uma forma hiperbólica, os aspectos de novidade e de mudança associados à globalização económica, representando-os como se não tivessem qualquer paralelo em termos históricos, no discurso «céptico» verifica-se exactamente a tendência inversa, isto é, neste discurso tende-se a realçar, também de uma forma unilateral, os aspectos de continuidade e de paralelismo com outros períodos da História, ou seja, os aspectos que nos outros discursos referidos são apresentados como representando uma absoluta novidade e sem precedentes históricos, são considerados pela perspectiva «céptica» como uma mera extensão e intensificação de tendências que já estavam presentes na economia mundial, e que se têm vindo a fazer sentir, de uma forma cíclica, desde o último terço do século XIX. Os autores da perspectiva «céptica» procuram, então - principalmente através de uma construção «ideal-típica» de uma economia global «pura» (de forma a verificar até que ponto as tendências da economia mundial actual correspondem a esse modelo abstracto); de uma comparação estatística de vários indicadores económicos actuais com outros períodos históricos; e através de uma análise da distribuição mundial dos fluxos tecnológicos, de investimento directo estrangeiro e de comércio actuais - pôr em causa as bases teóricas e empíricas das teses mais convencionais sobre a globalização, questionando a novidade e extensão dessa mesma globalização, bem como a inevitabilidade da maior parte das implicações económicas, políticas e sociais que (alegadamente, segundo essas teses) dela inevitavelmente decorreriam (como, por exemplo, o inevitável desmantelamento do Estado-Providência). Estes mesmos autores, insurgem-se, assim, contra a ideia, muito difundida, de que, actualmente estaríamos perante uma economia global unificada, virtualmente ingovernável, e assente em mercados supranacionais e empresas transnacionais totalmente «footloose». Ou seja, procuram combater a ideia de que houve, nas décadas mais recentes, uma mudança qualitativa, estrutural e irreversível do sistema económico mundial, em que este teria passado de um sistema assente e dominado pelos Estados-nação, para um novo sistema transnacional, que transcenderia esses mesmos Estados-nação. Como refere um dos principais representantes da perspectiva «céptica», a propósito das teses «hiperglobalistas»:

The strong version of the globalization thesis contends that national economies have simply been subsumed into world markets and that the power of such market forces negates…any possibility of effective public governance, whether by nation-states, international agreements, or supranational institutions (Hirst, 2000: 109).

Os autores desta perspectiva procuram, então, demonstrar não apenas que a globalização, representada e definida como uma economia mundial perfeitamente integrada e ingovernável, é um «mito conveniente» (que serve interesses particulares e propósitos bem concretos e definidos), mas também que os desenvolvimentos mais recentes dessa mesma economia mundial (nomeadamente o crescimento exponencial do comércio mundial e dos fluxos de investimento directo estrangeiro, principalmente desde o início dos anos 80) correspondem apenas a uma nova fase de internacionalização das economias, não substancialmente diferente de outras fases de internacionalização que ocorreram em períodos históricos mais recuados. Mais: como afirma o mesmo Paul Hirst, bem como Dicken, Peck e Tickell, respectivamente:

If the word “globalization” were used to mean an ongoing process of the growth of international trade and investment, linking a growing number of countries in increasingly intense exchanges in an open world trading system, then there would be little that is exceptional or objectionable about it. Such a process has been going on, punctuated by the interruptions of severe economic crises and wars, for well over a century. But all too often, evidence of recent growth in international exchange is used to justify the claim that the world economy has changed its nature…that a timely transnational economy has developed (Hirst, 2000:108-9). By focusing on the long-run history of capitalism, rather than simply on the period after 1945, these authors set out to show that economic interdependence and large-scale trade were commonplace prior to 1914. The aberration, therefore, is not the present period of global instability and fluidity, but the protectionism that developed during the 1920s and 1930s and which was progressively undermined, first by the Bretton Woods settlement, and second by the liberalization of (some) markets in the early 1970s (Dicken, Peck e Tickell, 1997:160; itálico nosso).

Assim, se em vez de partirmos de uma perspectiva de curta duração (como fazem a maior parte dos autores das perspectivas «hiperglobalistas» e «globalistas»), partirmos de uma perspectiva de longa duração, nomeadamente a partir do final do século XIX até ao presente, o que é que, segundo esta perspectiva, podemos descobrir, em termos da mobilidade de capital, de bens e de pessoas entre as fronteiras nacionais? Será mesmo verdade que, principalmente a partir das duas últimas décadas e meia, a economia mundial entrou numa fase totalmente nova, atingindo um nível de integração inédita? Será que a globalização é um fenómeno totalmente novo e sem precedentes, se for definida e medida a partir de determinados indicadores económicos, como, por exemplo, o peso das exportações no PIB, ou a proporção de investimento estrangeiro no total dos fluxos de investimento? Estas são perguntas extremamente pertinentes, até porque, como afirma Paul Bairoch (1996:173): “The Annales School and the longue durée approach suggest that what many regard as a new phenomenon is not necessarily so”. É, assim, através deste tipo de perguntas - e principalmente das respostas - que os «cépticos» procuram desafiar e afrontar as perspectivas «hiperglobalistas» e «globalistas». Além disso, segundo esta perspectiva, a análise que é feita em termos de longa duração pode conter potencialmente enormes implicações políticas, principalmente hoje em dia, em que já se tornou um lugar comum afirmar que a globalização implica, necessária e inevitavelmente, a quase total perda de autonomia e de poder dos Estados-nação sobre o que se passa no interior do seu território, sobretudo em matéria de políticas económicas e sociais. Como afirmam Suzanne Berger e Paul Hirst, respectivamente:

If the levels of flows of resources across frontiers do have historical precedents, what can we learn from them about the ability of national states to regulate these economic transfers, and, more broadly, about the survival of national politics in an internationalizing economy? (Berger, 2000:45) It should be noted that the growth in international trade in the two earlier periods (1870-1914 and 1950-73) was not perceived as undermining the nation-state. Indeed, many modern nation-states were forged during the belle époque (1870-1914) and sustained by rapid industrial growth. Before the First World War states like Germany, Japan, and the United States sought to accelerate domestic industrial production with active state involvement…Countries like Germany and the United Kingdom developed systems of social insurance during this period; a rapidly internationalizing economy was not perceived as a constraint to social welfare spending (Hirst, 2000:110).

Em vez de uma economia verdadeiramente global, os «cépticos» consideram, então, que, em muitos aspectos, a economia mundial actual é menos aberta e globalizada do que no final do século XIX/princípios do século XX, ou então, que só num período mais recente é que determinados indicadores igualam ou ultrapassam os desse período. Assim, por exemplo, há autores que afirmam que foi só a partir dos anos 70 e 80 que a proporção das trocas comerciais no PIB dos países da OCDE voltou aos níveis que já tinham sido atingidos em 1913 (cf. Cable, 1995:24). Ou, como afirma Paul Hirst (2000:109):

Since the modern international trading system developed in the second half of the nineteenth century, there have been three major phases of rapid growth in international trade and investment. The first phase was that of the belle époque of 1870-1914, during which world trade and output grew steadily and in parallel at average annual rates of 3.5 percent and 3.45 percent respectively. By the late nineteenth century the whole world had become part of developed and interconnected commercial civilization. Several of the major powers in 1913 had high trade to gross domestic product (GDP) ratios - France 35.4 percent, Germany 35.1 percent, and the UK 44.7 percent. These ratios were either not exceeded until 1993 or were then still lower than in 1913. Capital export from the major developed economies of Europe like France and the UK, both direct and portfolio investment, reached levels still not exceeded today. Such export of capital helped to build the burgeoning “neo-Europes” of North America, Argentina, Australia and South Africa. They were the “Tiger economies” of the Victorian era. The equivalents of Shangai or Taipei were the explosively growing new cities like Chicago or Melbourne.

Se tivermos em conta a taxa das exportações vemos que, em 1913, para o conjunto dos países ocidentais desenvolvidos, as exportações representavam cerca de 12.9% do PIB, valor que só voltaria a ser aproximadamente atingido em 1974 - 12.1% (Bairoch, 1996). Este último autor refere que, apesar da criação de um mercado comum (agora UE) nos anos 60, a Europa Ocidental não atingiu o seu pico histórico, também em termos de taxa de exportações, antes de 1972. Mesmo assim, a taxa de exportações em 1993 (21.7%) não era significativamente mais alta do que em 1913 (18.3%). Quanto aos Estados Unidos, o valor mais alto de sempre foi atingido antes de 1913. Em 1900, a taxa de exportações era de 7.6%, valor que só viria a ser aproximadamente alcançado em 1992 (7.5%), enquanto que no período entre 1950 e 1980 essa mesma taxa era cerca de metade do valor atingido em 1900 (Bairoch, 1996). Assim, como referem Paul Bairoch e Suzanne Berger, respectivamente:

Even for the country where the process of globalization seems the most obvious (the U.S.A.), the process is not a new one (…) International trade has a history of fast internationalization alternating with drawback. This fact gives a different perspective on the thesis of globalization as an irreversible moment (Bairoch, 1996:180/190). It would be a mistake, of course, to expect exact parallels between the situation obtaining in the international economic and political system linking the advanced countries of 1913 and today’s international system…Despite the differences, the view from the longer perspective does not show an irreversible progression toward ever greater and unprecedented levels of internationalization. Rather, the picture is of high levels of trade at the onset of World War I followed by a devastating shattering of the links of interdependence among the advanced countries, then by a gradual renewal of the networks of the international economy, and finally a return (by the turn of the twenty-first century) to an international world with national opportunities and constraints that our more prescient great-grandparents had already glimpsed (Berger, 2000:47).

Em termos de mobilidade de pessoas, Hirst e Thompson (1999), referem que a escala e magnitude das migrações, em meados do século XIX, por todo o globo, era muito maior do que a actual. Em termos de investimento directo estrangeiro - um dos indicadores-chave mais frequentemente utilizados nas perspectivas «hiperglobalistas» e «globalistas», não só para demonstrar que a mobilidade actual do capital é um dos principais factores responsáveis pela reestruturação actual da economia mundial, mas também para demonstrar a realidade e a novidade histórica da globalização das economias - estima-se que, em 1913, o seu valor era de 9% do PIB mundial, declinando, subsequentemente, para metade desse valor, e, em 1990, ainda não tinha voltado ao valor de 1913 (cf. Cable, 1995:29). No que respeita aos mercados financeiros actuais, e ao contrário do que normalmente se pensa, Gerald Epstein diz-nos o seguinte:

Despite the widespread acceptance of mainstream economic thought on global financial markets, different measures of international capital mobility give a startingly different picture of how footloose international capital really is. While…some data indicate unprecedented quantities of international financial activity…the correlation among short-term interest rates in major financial centres is no higher now than in the late nineteenth century, when satellite technology was hardly a twinkle in the inventors’ eyes. Perhaps not much has changed after all (…) Data on the net mobility of capital measuring the in- minus the outflow of capital in a given period of time (flows), or on an accumulated basis over time (stocks), give a very different picture. Data on net asset positions in the nineteenth and twentieth centuries (relative to GDP or their capital stock), which represent how much capital has been transferred from one country to others on a net basis over a long period of time, clearly show that there was much capital mobility on a net basis in the late nineteenth century than there is in the late twentieth century (Epstein, 1996:211/213).

Tendo em conta esta perspectiva de longa duração, qual é que é, então, a grande diferença entre a «globalização» actual e os processos de internacionalização económica que ocorreram em períodos históricos mais recuados? Para os «cépticos, a «globalização», no sentido que os «hiperglobalistas» e «globalistas» lhe atribuem, deveria implicar a emergência de uma estrutura económica radicalmente nova, globalizada, desterritorializada e des-estatizada, e não apenas uma mudança conjuntural, no sentido de uma crescente internacionalização do comércio e do investimento. Assim, neste sentido, Hirst e Thompson (1999:2), afirmam o seguinte, em relação às perspectivas «hiperglobalistas» e «globalistas»:

We began to be disturbed by three facts. First, the absence of a commonly accepted model of the new global economy and how it differs from previous states of the international economy. Second, in the absence of a clear model against which to measure trends, the tendency to casually cite examples of the internationalization of sectors and processes as if they were evidence of the growth of an economy dominated by autonomous global market forces. Third, the lack of historical depth, the tendency to portray current changes as unique and without precedents and firmly set to persist into the future.

É precisamente por isto que estes últimos autores constroem dois modelos teóricos abstractos da economia mundial, de natureza «ideal-típica» (um que corresponde a uma economia inter-nacional, e outro que corresponde a uma economia globalizada), de forma a poder aferir até que ponto é que a economia mundial atravessa uma mudança estrutural, ou se atravessa apenas mais uma fase de internacionalização. Ou seja, estes autores contrastam, assim, um modelo da economia internacional, em que esta estaria total ou puramente globalizada, com um outro modelo que se caracterizaria por trocas entre economias nacionais relativamente distintas, e em que muitos dos seus resultados, tais como a performance competitiva das empresas e sectores, seriam, em larga medida, determinados por processos que ocorreriam a um nível nacional (é preciso ter em conta, que, segundo os mesmos, o oposto de uma economia globalizada não é uma economia nacional virada para dentro de si, mas um mercado mundial aberto, baseado em nações que se internacionalizam pelas trocas e regulado, em maior ou menor grau, quer por políticas públicas, quer por agências supranacionais - sistema económico este que, de acordo com os mesmos, existe, de uma forma ou de outra, desde 1870). Assim, como os mesmos afirmam:

An inter-national economy is one in which the principal entities are national economies. Trade and investment produce growing interconnection between these still national economies. Such a process involves the increasing integration of more and more nations and economic actors into world market relationships. Trade relations, as a result, tend to take on the form of national specializations and the international division of labour. The importance of trade is, however, progressively replaced by the centrality of investment relations between nations, which increasingly act as the organizing principle of the system…multinational companies…retain a clear national home base; they are subject to the national regulation of the home country, and by and large they are effectively policed by that country (…) In a globalized economy…distinct national economies are subsumed and rearticulated into the system by international processes and transactions…The global economy raises these nationally based interactions to a new power. The international economic system becomes autonomized and socially disembedded, as markets and production become truly global…A second major consequence of the notion of a globalizing international economy would be the transformation of multinational companies (MNCs) into transnational companies (TNCs) as the major players in the world economy. The TNC would be genuine footloose capital, without specific national identification and with an internationalized management, and at least potentially willing to locate and relocate anywhere in the globe to obtain either the most secure or higher returns…In the case of primarily manufacturing companies, they would source, produce and market at the global level as strategy and opportunities dictated. The company would no longer be based on one predominant national location (as with the MNCs) but would service global markets through global operations. Thus the TNC, unlike the MNC, could no longer be controlled or even constrained by the policies of particular national states. Rather it could escape all but the commonly agreed and enforced international regulatory standards. National governments could not adopt particular and effective regulatory policies that diverged from these standards to the detriment of TNCs operating within their borders. The TNC would be the main manifestation of a truly globalized economy (Hirst e Thompson, 1999:8-11).

Qual é que será o modelo abstracto de que a economia mundial actual mais se aproxima - do modelo correspondente à «economia inter-nacional», ou do modelo da «economia globalizada»? O que vários autores da perspectiva «céptica» concluem, a partir de vários tipos de dados empíricos, é que a actividade económica ainda assenta, em larga medida, em actores e sociedades nacionais - sendo essa mesma actividade económica, por conseguinte, governável e susceptível de ser sujeita à influência e regulação das instituições e políticas nacionais e inter-nacionais, na medida em que esta dependeria ainda dos territórios nacionais - rejeitando, assim, a ideia de um sistema económico ingovernável, desterritorializado e des-estatizado, e que se articularia a uma escala global. Daqui decorre, portanto, que os governos nacionais continuam, de acordo com os «cépticos», a ter capacidade para controlar a vida económica e para manter os benefícios do Estado-Providência.

Ou seja, segundo esta perspectiva, o aumento da mobilidade do capital, do comércio e do investimento directo estrangeiro, principalmente nas duas últimas décadas, deve ser concebido como uma interacção intensificada entre entidades que se mantêm distintiva e predominantemente nacionais. Isto porque, o que os dados recolhidos pelos autores desta perspectiva indiciam é que, por exemplo, mesmo as maiores empresas existentes, alegadamente com a liberdade para investir os seus fundos e para desenvolver as suas actividades virtualmente em qualquer parte do mundo, continuam a concentrar a maior parte do seu património, emprego, vendas, e pesquisa e desenvolvimento nos seus países de origem e, como tal, segundo esta perspectiva, e ao contrário do que muitos defendem, devem ser consideradas empresas multinacionais, em vez de empresas transnacionais ou globais (ou «stateless/placeless corporations», como são designadas por determinados autores da perspectiva «hiperglobalista»). Como refere Philippe Hugon (1999:35):

L’entreprise globale est plus un projet qu’une realité. Ce processus de globalisation reste limité. Les appartenances nationales des firmes demeurent essentielles. Les 3/4 de la valeur ajoutée des grandes firmes sont assurés dans leurs pays d’origine.

As maiores empresas norte-americanas, como a IBM, General Motors, Du Pont, ou a General Electric, possuem mais de 50% do seu emprego e seu património nos Estados Unidos (Hu, 1992) - o que implica, portanto, uma dependência dessas mesmas empresas em relação ao mercado e à economia dos Estados Unidos. Ao analisarem as actividades de 500 empresas “transnacionais”, em 1987, e 5500 empresas (também “transnacionais”), em 1992-3, Hirst e Thompson (1999) e Allen e Thompson (1997), concluem que, em termos de vendas e de património, o país de origem permanece claramente dominante. Mas os dados mais completos e mais actualizados em relação às empresas “transnacionais”, a uma escala global, são aqueles que têm vindo a ser publicados no World Investment Report da UNCTAD, desde 1993 até 1999, através de um «índice de transnacionalidade» das 100 maiores empresas mundiais - índice este que é obtido a partir de uma média ponderada entre três indicadores: a percentagem de vendas no estrangeiro no total das vendas; a percentagem de património no estrangeiro (“foreign assets”) no total do património; e a percentagem de emprego no estrangeiro no total do emprego oferecido por essas mesmas empresas. Assim, como refere Peter Dicken (2003:30-1), analisando os resultados deste índice ao longo do período 1993-1999:

The mean of TNI (Transnationality Index) for all 100 TNCs (Transnational corporations) in 1999 was 52.6. In 1993, the mean was 51.6. In other words, for the top 100 TNCs as a group - albeit, of course, not a completely identical group because of entries and exits over the intervening period - there was no significant increase in the degree of transnationality. Hence, we cannot say that this elite group - what we could reasonably regard as the world’s global corporations - have become more global. The fact that the TNI index for this group of firms is only a little over 50 suggests that, on average, these firms have roughly half their operations in their countries of origin and half abroad. This does not suggest an especially high degree of globalization.

Além disso, como afirma Paul Hirst (2000:117): “Multinational firms were responsible for about 40% of world output in 1990, but the share of their subsidiaries and affiliates was only about 7%, confirming the dominance of the home base”. Em termos de propriedade e de padrões de «corporate governance», a maior parte destas grandes empresas também devem, segundo esta perspectiva, ser consideradas ainda como «empresas nacionais com actividades internacionais» (ou empresas multinacionais), em vez de empresas transnacionais ou globais. Isto porque as acções dessas mesmas empresas são maioritariamente detidas por indivíduos e entidades dos países de origem e não por indivíduos e entidades de países estrangeiros. Além disso, a maior parte dos lugares nos quadros de direcção são compostos por indivíduos dos países de origem, permitindo, assim, a manutenção do controlo dessas empresas dentro desse mesmo país (Yeung, 1998; Hu, 1992). Desta forma, Hu (1992:111) defende que “There is no doubt that a company like Siemens is German, a company like IBM is American, or a company like Toyota is Japanese”. Mesmo no caso de uma empresa como a Nestlé, Yeung (1998) afirma que a lei suíça possibilita às empresas suíças excluirem os estrangeiros de deterem acções que impliquem direitos de voto. Assim, a Nestlé limita os direitos de voto a não-suíços a apenas 3% do total. É por isso que Yeung (1998:300) afirma o seguinte em relação à Nestlé e em relação à maior parte das empresas alegadamente globais:

Nestlé is certainly a national (Swiss) firm rather than a ‘stateless’ firm. Today, few global TNCs have significant foreign ownership and foreign senior management…Many of these companies are seen as national or continental champions by their governments. National economic regulation may be a thing of the past, but the degree of state intermediation in the form of systems of corporate governance, financial regulations and general business environment is the means of maintaining a national interest.

Por outro lado, e ao contrário do que defendem determinados autores da perspectiva «hiperglobalista» (cf. Ohmae 1990; 1995), as actividades tecnológicas das empresas alegadamente globais ou transnacionais parecem estar firmemente enraizadas nos países de origem, como se pode verificar através da localização e natureza das actividades de pesquisa e desenvolvimento. Segundo esta perspectiva, as vantagens tecnológicas específicas deste tipo de empresas decorrem, em grande medida, do ambiente do país de origem - e vice-versa (Storper, 1997b; Yeung, 1998; Cantwell, 1995). Partindo de um registo de patentes das 686 maiores empresas do mundo, entre 1981 e 1986, Patel e Pavitt (1991:111) concluem que “In spite of considerable variation amongst the large firms based in different countries, their technological activities remain far from globalized”. Estudos mais recentes, como os de Cantwell (1995) e de Pauly e Reich (1997), parecem invalidar a hipótese de que haveria uma suposta tendência universal de globalização das actividades tecnológicas. Os resultados da pesquisa de Pauly e Reich (1997), por exemplo, parecem indiciar que as maiores empresas do mundo permanecem enraizadas em sistemas de inovação nacionalmente distintos. A nacionalidade e o país de origem parecem, assim, segundo esta perspectiva, assumir um papel decisivo nas actividades de pesquisa e desenvolvimento das empresas alegadamente transnacionais ou globais. Como afirma Paul Hirst (2000:115-16):

Not only are multinational companies de facto located in particular major industrialized countries, they actually benefit from such locations. In key U.S. export sectors - entertainment products, civil aircraft, pharmaceuticals and biotechnology - companies benefit from government research and development assistance, standard setting by public agencies like the FAA (Federal Aviation Administration) and FDA (Food and Drug Administration), the protection of commercial law regarding patents and trade markets, and being in key districts like Hollywood or Silicon Valley where major industries are clustered…A rootless transnational corporation would be a vulnerable entity, and it would enjoy none of the advantages of a domestic base and would have to rely solely on market performance. Many major companies have suffered difficulties…and as Ruigrok points out, among the top 100 companies in the 1993 Fortune 500 list “virtually all appeared to have sought and gained from industrial and/or trade policies at some point. At least 20 companies would not have survived if they had not been saved by their governments” (Winfried Ruigrok, Why Nationality is Still Important, Financial Times, 1996).

Os autores desta perspectiva consideram, então, que, quando muito, se verifica uma tendência de regionalização das empresas multinacionais, e não uma verdadeira globalização (no sentido de uma desterritorialização ou des-estatização) das suas actividades. Isto porque, como Yeung (1998) refere, nos cinco países do mundo onde estão implantadas mais empresas multinacionais (E.U.A., Reino Unido, Alemanha, Japão e Canadá) o país de origem e a região (supranacional) circundante concentram cerca de dois terços do total de vendas dessas mesmas empresas. Assim, como afirmam Held e McGrew, reportando-se a esta perspectiva, e Paul Hirst, respectivamente:

In effect, multinationals are little more than ‘national corporations with international operations’, since their home base is such a vital ingredient of their continued success and identity…Furthermore, a brief glance at the Fortune 500 list of the world’s largest companies would confirm this since few are headquartered outside the US, UK, Germany or Japan (Held e McGrew, 2000:21). Some companies, particularly in the service sector, work by selling franchises to local agents. Nevertheless, the stock of assets a firm holds in given countries and the key locations of its sales do matter…Few companies are truly transnational…Firms are overwhelmingly multinational, not transnational, that is, they have a major home base in one of the Triad countries (North America, Europe, Japan) and subsidiaries and affiliates outside. They are not custodians of footloose capital but are rooted in a major market in one of the three most prosperous regions of the globe. This means that they have an interest in the prosperity of their main base and that they can be subject to regulation within it…As our tables show, most companies have an average of about two-thirds of their sales and a higher proportion of their assets in a major region like North America or Europe (…) The multinational company makes good business sense; it enjoys the advantage of a solid core business in a major region of the wealthy industrial world; and it enjoys the benefit of trade and production through subsidiaries and affiliates outside the home territory (Hirst, 2000:21; itálico nosso).

Por outro lado, do ponto de vista das economias dos países mais desenvolvidos, os autores desta perspectiva realçam o facto de que, em termos da geografia das relações económicas globais, faz toda a diferença se essas mesmas relações se confinam às conexões que estes mesmos países estabelecem entre si (implicando, portanto, uma regionalização ou triadização da economia mundial), ou se essas mesmas relações se estão a desviar e a dirigir progressivamente para os países menos desenvolvidos (implicando, portanto, uma verdadeira globalização dessa mesma economia mundial). Ou seja, segundo esta perspectiva, uma questão importantíssima nas discussões sobre a globalização é a de saber até que ponto é que as importações e o investimento dos países mais desenvolvidos se estão a orientar e a dirigir progressivamente para os países menos desenvolvidos do mundo, ou se se estão principalmente a orientar e a dirigir para outros países desenvolvidos. Para os autores que partilham a perspectiva «céptica», a resposta parece incidir claramente na segunda hipótese. Ou seja, as supostas mudanças, em termos de trocas comerciais e de investimento directo estrangeiro, que segundo a perspectiva «hiperglobalista» e «globalista», estariam a ser responsáveis pela emergência de uma nova geografia económica globalizada que estaria a beneficiar os países menos desenvolvidos, segundo a perspectiva «céptica», não correspondem à realidade. Isto porque, como afirma ainda o mesmo Paul Hirst (que, juntamente com Grahame Thompson, é um dos autores mais representativos da perspectiva «céptica»):

Far from being truly global, the world economy remains dominated by the three major blocs of wealth and power, the Triad of Europe, Japan and North America. Outside the Triad industrial growth and foreign direct investment flows are concentrated in a number of limited number of successful but relatively small developing countries, or in specific regions of larger countries, such as the coastal provinces of China. Together with the OECD countries, the elite of newly industrializing countries represent a small proportion of the world’s population (…) FDI (Foreign Direct Investment), important as it is, continues to circulate between the three main blocs of the Triad, the great bulk of FDI is exchanged between the rich nations. In 1981-90, 75 percent of investment flows were accounted for by the United States and Canada, The EU and EFTA (European Free Trade Association), and Japan - representing 14 percent of the world’s population. If one added to this figure the nine most important developing country recipients of FDI and the eight coastal provinces of China plus Beijing then they represented another 14 percent of the world’s population and took 16.5 percent of FDI in the same period. Thus, over 90 percent of FDI was confined to just over a quarter of the world’s population. Investment in the developing countries is not stripping the industrialized world of its capital - Paul Krugman, in a trenchant criticism of the notion of capital flight to the Third World and consequent massive job losses in the industrialized countries, pointed out that the apparently huge sum of $100 billion invested in newly industrialized countries in 1993 represented just 3 percent of investment in the industrialized Triad countries. FDI thus does not alter the facts of a highly concentrated world economy centered on the three main blocs (Hirst, 2000:108/113-14; itálico nosso).

Dados mais recentes, em termos da distribuição mundial dos fluxos de investimento directo estrangeiro, disponíveis na obra de John Short (2001) também parecem apontar no sentido referido por Paul Hirst, afirmando esse mesmo autor que só cerca de um quarto de todo o investimento directo estrangeiro tem ido para os países menos desenvolvidos, e que mesmo essa proporção é muito desigualmente distribuída - com a China, Coreia do Sul e Singapura a concentrarem cerca de metade desse mesmo investimento, sendo a China o país que concentra a maior proporção do investimento directo estrangeiro para os países menos desenvolvidos (quase um terço). Além disso, em termos de distribuição do comércio mundial, este último autor refere que apesar do crescimento, em termos absolutos, desse mesmo comércio nas décadas mais recentes, a percentagem da participação dos países mais pobres do mundo nesse mesmo comércio era, em 2000, cerca de 0.4, o que representa cerca de metade do valor de 1980, enquanto que José Reis (2001) afirma, mais especificamente, que os 102 países mais pobres do mundo só representam, actualmente, cerca de 1% das exportações mundiais e 5% das importações, sendo que os 148 países em desenvolvimento representam pouco mais de 1/4 desses indicadores. Assim, relativamente aos supostos efeitos que a «globalização» exerceria, segundo a perspectiva «globalista», nas crescentes desigualdades sociais no interior dos países mais desenvolvidos, nomeadamente no que respeita à repartição dos salários, Gérard Kébadjian (1999:69-70; itálico no original) afirma o seguinte:

Le volume du commerce avec les pays du Sud (de l’ordre de 1% du PIB) n’est pas suffisamment important pour expliquer les modifications de la répartition des salaires et des revenus qui se sont produites dans les pays développés. La plupart des travaux qui ont essayé de mesurer l’impact directe du commerce extérieur sur les inégalités salariales parviennent en effet au résultat attendu que le commerce extérieur n’est pas à l’origine du phénomène inégalitaire. La pourcentage de travailleurs directement ou indirectement (c’est-à-dire en prenant en compte les effets multiplicateurs liés aux interdépendances) concernés par la concurrence avec les pays pauvres est très faible (de l’ordre de 2 a 3% de la main d’œuvre dans le meilleur des cas). Dans ces conditions, on ne voit effectivement pas comment expliquer que le commerce avec le Tiers-Monde (ou avec les «nouveaux pays industrialisés») soit responsable de l’inégalité croissante de l’ensemble de la structure des salaires dans les pays riches. D’emblée se trouvent donc ecartées les conséquences de l’ouverture commerciale entre pays développés.

Assim, segundo esta perspectiva, se não parece haver, actualmente, uma exportação generalizada e maciça de capital e de empregos para os países menos desenvolvidos, nem uma inundação de produtos baratos importados desses mesmos países para os países mais desenvolvidos, o argumento «hiperglobalista» e «globalista» de que um corte generalizado nos salários e nas despesas sociais dos países desenvolvidos seriam inevitáveis - devido ao suposto acréscimo da concorrência com os países subdesenvolvidos nestas matérias - cai por terra.

Desta forma, e em função do que foi exposto, os «cépticos» consideram que se há algo de radicalmente novo na economia mundial, não é a globalização - até porque, como afirma Colin Hay (2003:4), “To count as evidence of globalization, the process under consideration must be genuinely global-izing” - mas antes um processo de regionalização ou de triadização. Como afirma José Reis (2001:114-15; itálico nosso):

Falar de triadização significa que «o mundo encolheu» à medida que a integração económica se acentuou, de tal forma que é em três regiões do planeta que a grande parte das transacções tende a efectuar-se - a Europa, a América do Norte e o Japão e as economias industrializadas do Pacífico. São estas regiões e é dentro de cada uma delas e entre elas que se efectuam 3/4 das trocas mundiais (em 1970 esse valor era apenas de 60%). A este indicador acresce a particularidade de que, em 1970, as trocas intracontinentais eram 1/3 daquele valor global, enquanto hoje só essas trocas são 2/3 do total do comércio dentro da tríade. Quer isto dizer que o comércio se concentrou em três pólos e que cada um dos pólos aprofunda as trocas que gera dentro do seu próprio espaço muito mais rapidamente do que acontece com as relações estabelecidas por cada um com os dois restantes…Em resultado da triadização…«aparece uma nova divisão no mundo…De-linking é o processo através do qual países e regiões perdem gradualmente as suas ligações com os países e regiões mais desenvolvidos e em maior crescimento» (Petrella, 1996:78). Além disso, a tríade passou a concentrar 4/5 de todos os fluxos de capital.

De uma forma coerente com esta ideia de regionalização da economia mundial, há inclusivamente autores, como, por exemplo, Colin Hay (2003), que defendem mesmo que, nos últimos quarenta anos, as economias europeias sofreram um processo de «des-globalização». Tudo depende da forma como se define a globalização:

Globalization should not be confused or conflated with Europeanization. European integration is not globalization; nor it is evidence of globalization…the term globalization should be taken to refer to processes which reinforce the tendency for economic and political relations to become more global in character over time (…) It is important from the outset that we distinguish between the openness of an economy (the volume of external economic transactions in which it is engaged) and the extent to which it can be said to be globalized (the extent to which such economic transactions are genuinely global in their reach). It is undoubtedly that European economies are, on average, more open than once they were - the volume of external economic transactions in which they are involved has increased significantly since the 1960s (and that is not in dispute). However, the geography of such economic relations has become ever more selective. In short…European economies have experienced not a globalization of their economic relations over the past forty years, but a consistent and ongoing de-globalization. This parallels the process of Europeanization (or, perhaps more accurately, EU-ization). (…) In an era of globalization, of course, we would expect the effect of geography to be weakened significantly by enhanced transportation and communication technologies (…) Here is a summary table of the values of d, the coefficient of sensitivity of trade to distance for 1960, 1980 and 1998 for eleven European economies. Of the eleven cases considered - Denmark, Finland, France, (West) Germany, Hungary, Ireland, Italy, Netherlands, Norway, Sweden, UK - only Finland shows any sign of globalization; all ten of the others show a clear and consistent de-globalization. Moreover, in each case the fit of the model to the data increase from 1960 to 1980 to 1998 (the gravity model accounts for a progressively greater share of the variance in the data). The implications of this are clear. In so far as openness might be seen to expose European economies to selective pressures, those pressures arise not from globalization per se (for the term is an ever more inaccurate description of the trading relations of such economies) but from the process of European economic integration (…) First, by far the greatest proportion of EU-bound Foreign Direct Investment (FDI) is sourced in Europe - and that figure is growing. The same is true of EU-sourced FDI - a high and increasing proportion of which is invested within the European economy…If, as the globalization thesis would predict, economies are recipients of ever larger flows of FDI from distant locations, we would expect a positive slope to the graph. What this shows, however, is that the relative volume of FDI coming from distance has fallen rather than risen since 1980 (Hay, 2003a:4/12/13/14/15; itálico e sublinhado nossos).

Assim, segundo esta perspectiva, se o fenómeno a ser explicado é a regionalização (ou triadização) em vez da globalização, então faz sentido centrarmos a nossa atenção para a importância do papel da política (e da geo-política) na construção de pactos ou de acordos de livre comércio (como a União Europeia ou a NAFTA - North America Free Trade Agreement) em vez das enormes mudanças ao nível das tecnologias de informação e comunicação, ou das teorias económicas das vantagens comparativas (cf. Berger, 2000). Por outro lado, se, como os «cépticos» afirmam, a tendência dominante na economia mundial não é a globalização, mas a regionalização ou triadização dessa mesma economia, em que existiria, portanto, uma concentração e dependência das actividades económicas em relação a territórios bem concretos (ou seja, em relação aos territórios que correspondem à tríade), isto significa, segundo esta perspectiva, que afinal ainda existem possibilidades (potenciais) de regulação política da economia mundial actual (caso houvesse interesse para isso e se os blocos económicos e políticos que compõem essa mesma tríade chegassem a acordo):

These major economic powers, the G3, thus have the capacity, especially if they coordinate policy, to exert powerful governance pressures over financial markets and other economic tendencies. Global markets are thus by no means beyond regulation and control, even though the current scope and objectives of economic governance are limited by the divergent interests of the great powers and the economic doctrines prevalent among their elites (Hirst e Thompson, 1999:2).

A ideia de que, por causa da globalização, a economia mundial actual é ingovernável, e que essa mesma globalização implica o «fim da geografia» - ou seja, a independência das actividades económicas em relação aos territórios concretos e à localização geográfica, devido aos enormes avanços nos domínios das tecnologias de informação e comunicação, que possibilitariam uma mobilidade absoluta do capital - está muito presente e generalizada no que respeita aos mercados financeiros (principalmente nas literaturas «hiperglobalista» e «globalista»). Ainda assim, apesar dos enormes avanços tecnológicos no domínio da telemática (que tornaram potencialmente possíveis a descentralização espacial das actividades económicas e a obsolescência das fronteiras e jurisdições tradicionais), há autores que, embora sejam conotados com a perspectiva «globalista», afirmam o seguinte:

There is also a space economy which reveals the need for strategic sites with vast concentration of resources and infrastructure, sites that are situated in national territories and are far less mobile than much of the general commentary on the global economy suggests (Sassen, 1995:31).

Assim, mesmo no campo da globalização financeira, em que os serviços financeiros e os fluxos de capital correspondentes são declarados por muitos autores das perspectivas «hiperglobalista» e «globalista» como «a-espaciais», há autores que afirmam o seguinte:

Place remains fundamentally important to the structure and operation of the global financial system (Martin, 1994:255). The transnational production of financial instruments remains fundamentally local, subject to a socially articulated and culturally constructed labour process. The economic and social geography of financial centres provides an essential geography of articulation from the local to the global and within the local which shapes the conditions for effective (i.e. profitable) financial production. As in the case of the City of London, global cities constitute places in which finance capital is embedded. The social spaces in these places are made up of complex networks of social and personal relationships, which can be translated into external or territorial economies that capital can only explore in situ. In other words, the realization of these external economies by transnational financial institutions can be possible only at the local level in the so-called “neo-Marshallian nodes” (Amin e Thrift, 1992). There is thus certainly a place for the geography of capital and global investment flows…The top world centres of financial activities, such as London, New York and Tokyo, show no signs of losing their overall dominance. They remain as the fundamental nodes through which these transnational financial institutions obtain their competitive advantage and realize their external economies. Capital flows and finance capital are not becoming increasingly ‘placeless’. Rather, they are becoming more entrenched in specific territorial localities, to serve their global clients on the one hand and to realize the benefits of local embeddedness on the other (Yeung, 1998:301).

É precisamente por esta permanência da dependência do capital em relação a determinados territórios (locais, nacionais ou regionais) e da sua concentração tão evidente nesses mesmo territórios (principalmente no caso da já referida triadização da economia mundial), que os «cépticos» consideram que é um enorme exagero falar no «fim da geografia» (como fazem muitos autores das perspectivas «hiperglobalista» e «globalista»), quando o espaço, em geral, e determinados territórios, em particular, permanecem como determinantes tão vitais, principalmente em termos da distribuição global da riqueza e do poder económico. É precisamente devido ao facto de, actualmente, uma proporção tão grande da população mundial permanecer largamente excluída do processo de globalização, e dos seus benefícios, estando, portanto, essa mesma globalização muito longe de se constituir como um processo experienciado de uma forma uniforme e universal por todo o planeta, que os autores da perspectiva «céptica» desconfiam do conceito de globalização. Daí que perguntem: o que é que é «global» na «globalização»? (Paul Hirst, 1997).

Quanto à alegada ingovernabilidade da economia mundial, devido à crescente predominância da vertente financeira sobre a vertente produtiva, este último autor refere o seguinte:

The huge volumes traded daily on the financial markets and the huge positions in the derivatives market appear to dwarf and dominate the real economy, but one must remember what these vast sums are actually composed of. The main players are financial institutions that utilize the assets they can raise in national markets for financial products and their ability to borrow on the strength of these assets, repeatedly to “churn” large sums through the various international financial markets. Their traders earn small margins by exploiting small and temporary imperfections between the world market centers, or they establish positions on future market movements, suitably hedged to minimize risk if they are careful. When a given cycle of trading ends, the borrowed sums are met by market outcomes if trading has been successful, and assets are redeployed. Tipically the percentage return on such vast sums is quite modest, although the profits from repeated churning can be large in total. Institutions have to use these earnings to meet their obligations to depositers, to pensioners, and to life insurance policyholders. International trading thus recycles a substantial portion of its output back into the domestic financial system. Ultimately most of the capital used in these markets is not free-floating, but depends on national capital markets and must be returned into them (Hirst, 2000:19-20).

No entanto, isto não significa que os mercados financeiros mundiais não sejam difíceis de controlar. Aliás, parece ter emergido, nos últimos anos, um consenso entre economistas de várias sensibilidades, de que a liberalização dos mercados financeiros mundiais a que se tem vindo a assistir nas últimas décadas, acrescenta muito pouco à performance económica (de longo prazo) dos países, e que a liberalização desses mesmos mercados são um foco permanente de instabilidade e potencialmente causadora de graves crises financeiras mundiais (como se viu, recentemente, com a «crise asiática», em 1997). Daí que Paul Hirst (2000:20) afirme que, ao nível dos mercados financeiros mundiais, “The case for regulation and stabilization is a strong one, but it will only work if the major states impose common rules on the system”. Neste caso, porque é que isto não acontece? Porque é que não se procede a uma regulação dos mercados financeiros mundiais, de forma a garantir um crescimento mais estável e sustentado da economia mundial? - até porque, como refere, por exemplo, João Ferreira do Amaral, “Nas duas últimas décadas a economia mundial cresceu a um ritmo baixíssimo, apesar do progresso tecnológico e de se terem feito grandes investimentos em capital físico e humano. E há excelentes razões para crer que esta ineficiência da economia mundial tem a ver, em boa parte, com a instabilidade monetária e financeira resultante da desregulamentação dos mercados financeiros” (Expresso, 6 de Julho de 2002, itálico nosso). A resposta às perguntas anteriores parece residir, segundo a perspectiva «céptica», não na ingovernabilidade intrínseca da economia mundial no presente período, mas, em boa parte, no seguinte:

It is sheer naivety to assume that those states, corporations and social forces that benefit most from the present liberal world order are ever likely to consent to its effective reform, let alone its transformation (Held e McGrew, 2000:30).

A este propósito, vale a pena mostrar um excerto de uma entrevista a Joseph Stiglitz (economista laureado com o Prémio Nobel da Economia em 2001, ex-vice-presidente do Banco Mundial e ex-assessor económico de Bill Clinton, e que, em relação à globalização, está longe de ser considerado um «céptico» - tal como foi aqui definido):

E- Diz ter ficado surpreendido ao ver que algumas decisões, tanto na Casa Branca como no FMI, eram tomadas com base em critérios ideológicos e políticos, e não económicos. J. Stiglitz- Em certo sentido, não me surpreendeu que acontecesse na Casa Branca. O que me pareceu especialmente inquietante foi a ideologia e a política terem um papel tão importante nas instituições económicas internacionais, nas quais era suposto estarem presentes profissionais da Economia. Por exemplo, a investigação tinha-nos demonstrado que a liberalização dos mercados de capitais produzia mais instabilidade, mas não produzia mais crescimento económico. Sabíamo-lo, a ciência económica não o recomendava e, no entanto, o FMI continuava a promover essa liberalização. E os motivos por que o fazia eram ideológicos e políticos. Desde logo, actuava de acordo com os interesses dos mercados financeiros. Através da pressão que os ditos mercados exerciam no Departamento do Tesouro (o equivalente ao Ministério das Finanças) dos EUA e da pressão que, por sua vez, o Tesouro exercia sobre o FMI (…) o FMI ficou ancorado na época anterior a Keynes (in Visão, nº 491, 1 a 7 de Agosto de 2002).

Assim, o que os «cépticos» argumentam em relação ao conceito de globalização, é que este mesmo conceito, em vez de iluminar e clarificar, em termos explicativos, as forças e os processos que, actualmente, estão a moldar a ordem mundial contemporânea, este cumpre, na realidade, outra função. Ou seja, os «cépticos» consideram que a globalização é, essencialmente, uma construção ideológica, ou um «mito conveniente», que, em parte, ajuda a justificar e a legitimar um projecto de neoliberalização global, isto é, a criação de um mercado livre global e a difusão e consolidação de um capitalismo Anglo-Americano nas principais regiões económicas do mundo. Como referem Held e McGrew, a propósito desta perspectiva, e Bourdieu, respectivamente:

The concept of globalization operates as a ‘necessary myth’, through which politicians and governments discipline their citizens to meet the requirements of the global marketplace. It is, thus, unsurprising that the discussion of globalization became so widespread just at that juncture when the neoliberal project - the Washington Consensus of deregulation, privatization, structural adjustment programmes and limited government - consolidated its hold within key Western capitals and global institutions such as the IMF (Held e McGrew, 2000:6). A globalização parece funcionar, assim, como uma palavra de passe e uma palavra de ordem; é, com efeito, a máscara justificativa de uma política que visa universalizar os interesses particulares e a tradição particular das potências económica e politicamente dominantes, nomeadamente os Estados Unidos, e a alargar ao conjunto do mundo o modelo económico e cultural mais favorável a essas potências, apresentando-o ao mesmo tempo como uma norma, um dever-ser, uma fatalidade ou um destino universal, de maneira a obter uma adesão, ou pelo menos uma resignação universais (Bourdieu, 2001:75).

Hirst e Thompson (1999), por exemplo, consideram que a enorme difusão e generalização dos discursos sobre a globalização se explicaria pela sua função ideológica, permitindo ao patronato e aos governos, através do uso desse mesmo discurso, tornar as suas políticas de austeridade mais aceitáveis, facilitando/suavizando, assim, não só a “flexibilização” do mercado de trabalho e uma progressiva mudança na partilha salários-lucros a favor do capital, como também a destruição progressiva dos sistemas de Segurança Social. Também neste sentido, Swyngedouw (2000) considera que a maior parte dos discursos sobre a globalização não passam de «pirotecnia verbal», e que a invocação da globalização faz parte de uma poderosa ideologia político-económica através da qual se procura mudar, de uma forma significativa, as relações capital-trabalho e as posições de classe relativas. Por fim, quanto ao que os «cépticos» consideram ser o mito da ingovernabilidade da economia mundial actual, Hirst e Thompson e Paul Hirst, respectivamente, afirmam o seguinte:

One can only call the political impact of ‘globalization’ the pathology of overdiminished expectations. Many overenthusiastic analysts and politicians have gone beyond the evidence in overstating the extent of the dominance of world markets and their ungovernability…The old rationalist explanation for primitive myths was that they were a way of masking and compensating for humanity’s helplessness in the face of the power of nature. In this case we have a myth that exaggerates the degree of our helplessness in the face of contemporary economic forces (Hirst e Thompson, 1999:6; itálico nosso). The current danger is that the belief that the global economy is ungovernable will induce fatalism and a bowing to the nostrums of the international financial markets and the wealthy national elites. The danger of current policies is that they favour the OECD and a small number of successful developing countries over the mass of the poor of Africa, Latin America, and South Asia…If present attitudes among Anglo-Saxon elites prevail we shall end up with a world that is like Bourbon Naples writ large, with a wealthy aristocracy catered to by an elite of merchants and artisans and with a pauperized underemployed mass (Hirst, 2000:21).

2- BALANÇO CRÍTICO DAS DIFERENTES PERSPECTIVAS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO: PRINCIPAIS ASPECTOS NEGATIVOS E TENTATIVA DE RECONCEPTUALIZAÇÃO A PARTIR DA SUA CRÍTICA

‘Globalization’ became the Zeitgeist ( of the 1990s…by attempting to transform this Zeitgeist into a social scientific concept, the Globalization Theorists were led to do the opposite of what social theorists are supposed to do. Instead of acting as interpreters of the spirit of the age, they became its ideological amplifiers. Instead of deconstructing the popular Zeitgeist, they elevated it to the role of an intellectual Weltgeist(.

Justin Rosenberg

A partir do presente subcapítulo, o nosso objectivo é o de, a partir da crítica das perspectivas mais convencionais sobre a globalização, ir construindo, a pouco e pouco, a nossa própria perspectiva. Isto implica e requer, portanto, que tenhamos de nos debruçar sobre os aspectos e tendências que consideramos serem menos positivos dessas mesmas perspectivas, de forma a poder superar as suas limitações (embora tendo nós também a preocupação de aproveitar alguns aspectos que consideramos serem positivos e válidos nas diferentes perspectivas já apresentadas). Além disso, na medida em que consideramos que os debates sobre a globalização se parecem ter cristalizado principalmente em torno de duas posições polarizadas, caricaturais e aparentemente irreconciliáveis - ou seja, enquanto que nas perspectivas «hiperglobalistas» e «globalistas» está bastante presente a ideia de que “tudo mudou por causa da globalização”, na «perspectiva céptica» é defendida a ideia exactamente oposta, a de que “a globalização não representa nada de novo” - tentaremos, também, de alguma forma, e dentro da medida do possível, construir uma perspectiva um pouco mais dinâmica, que tente dar conta simultaneamente dos aspectos de mudança e de continuidade associados a essa mesma globalização. No entanto, a nossa crítica irá recair, sobretudo, no «hiperglobalismo neoliberal» e na «perspectiva globalista» - dado que são estas mesmas perspectivas que se foram tornando dominantes e que os governos nacionais (bem como as instituições internacionais) interiorizaram como reais e como um dado adquirido, e também porque, em nosso entender, estas mesmas perspectivas - principalmente o «hiperglobalismo neoliberal» - têm contribuído fortemente para a neoliberalização das políticas económicas e sociais ao longo dos últimos anos (enquanto que a referida «perspectiva céptica» nem chegou sequer a sair do campo académico, o que, em si mesmo, acaba por ser um dado sociologicamente interessante).

Assim, ao longo deste capítulo, gostaríamos de realçar os aspectos que consideramos serem menos positivos das perspectivas a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal» e de «perspectiva globalista», tentando fazer notar a sua coerência interna - principalmente no que respeita a uma concepção «estrutural-determinista» da globalização - e os frequentes equívocos que derivam, em nosso entender, de determinadas tendências presentes nos seus pressupostos teóricos e analíticos de partida, a começar pela tendência para os determinismos de vária ordem, nomeadamente o determinismo tecnológico e o determinismo económico. Como iremos ver, estes determinismos estão implícitos e encontram-se intimamente associados a outras características tendenciais presentes nessa mesma concepção «estrutural-determinista» da globalização que iremos focar (características estas que, como procuraremos demonstrar, se interrelacionam). Nos subcapítulos que se seguem procuraremos, então, para cada aspecto criticado, contrapôr uma alternativa (em nosso entender mais plausível), tentando fazer com que, a pouco e pouco, se consiga vislumbrar a nossa concepção da globalização (embora esta, naturalmente, se apoie bastante nas perspectivas de vários autores).

2.1. - O DETERMINISMO TECNOLÓGICO RECORRENTE NO QUE RESPEITA ÀS CAUSAS DA EMERGÊNCIA E DA EXPANSÃO DA GLOBALIZAÇÃO: O EXEMPLO DE CASTELLS

Quanto ao primeiro dos determinismos referidos anteriormente - o determinismo tecnológico - consideramos que, de uma forma geral, as análises que correspondem às perspectivas «hiperglobalistas neoliberais e «globalistas» enfermam desse mesmo determinismo no que respeita à emergência e expansão da globalização, sendo esta concebida, em grande medida, e de uma forma redutora, como o resultado de uma revolução tecnológica no domínio das tecnologias de informação e comunicação. Assim, por exemplo, no que respeita à relação mais específica entre a globalização e os mercados financeiros, é conveniente recordar que há autores da «perspectiva globalista» (para quem a globalização implica, necessariamente o «fim da geografia») que, de uma forma assumida, partem de pressupostos teóricos assentes no determinismo tecnológico, quando afirmam o seguinte: “the end-of-geography story is a technology story, the story of the computerization of finance” (O, Brien, 1992:29).

Mesmo um dos mais proeminentes teóricos da globalização - Manuel Castells também não parece escapar à tendência para o determinismo tecnológico na forma como explica a emergência e expansão da globalização. Consideramos, então, que a seguinte crítica também se pode aplicar a ele:

Both the dominant popular and academic debates about space, place and informational technologies adopt the central metaphor of ‘impact’. In this mainstream of social research in technology, and in the bulk of popular and media debates about the Internet and the ‘information superhighway’, new telecommunications technologies are assumed directly to cause social and spatial change, in some simple, linear and deterministic way. Such technological determinism accords with the dominant cultural assumptions of the West, where the pervasive experience of technology is one of apparent inevitability. Here, technology is cast as an essential and independent agent of change that is separated from the social world and ‘impacts’ it, through some predictable, universal, revolutionary wave of change (Graham, 1998:167-8; itálico nosso).

Ou seja, em nosso entender, apesar de o determinismo tecnológico patente na trilogia de Castells ser recusado pelo próprio, o mesmo parece partilhar, no entanto, com determinados teóricos da sociedade da informação (desde Alvin Toffler a Daniel Bell), esta lógica relativamente linear e determinista, em que as tecnologias seriam os agentes decisivos e activos das mudanças sociais e estariam, de alguma forma, à parte do mundo social, apesar de poderem ter enormes efeitos sociais; em que as inovações tecnológicas, nomeadamente as novas tecnologias de informação e comunicação, ao serem generalizadas a vários sectores de actividade, estariam a induzir mudanças no todo social, sendo responsáveis pelo surgimento de um novo tipo de sociedade - a «sociedade da informação»/«sociedade pós-industrial», ou, em Castells, a «Era da Informação»/a «Sociedade em Rede», que corresponde à «era da globalização».

Em nossa entender, a raíz do determinismo tecnológico presente na análise de Castells encontra-se na sua distinção entre «modos de produção» e «modos de desenvolvimento». Nesta questão do determinismo tecnológico, é muito curioso verificar a enorme semelhança entre a perspectiva de Castells com a de Daniel Bell (1973), no que respeita a uma visão da História assente no determinismo tecnológico. Em The Coming of Post-Industrial Society (1973), uma questão que atravessa toda esta obra de Bell é a seguinte: e se, no decorrer do processo de evolução histórica, as forças de produção, ou seja, as técnicas e as tecnologias de produção (ou os «modos de desenvolvimento», na terminologia de Castells), tivessem um papel mais determinante na mudança social do que as relações de produção? - ou, se, como diria o próprio, numa linguagem do tipo marxista: “the forces of production (technology) replace social relations (property) as the major axis of society” ? (Bell, 1973:80). Ou seja, enquanto que a maior parte dos marxistas defendem que, na análise das mudanças sociais, as principais divisões históricas assentam no tipo de relações de produção que distinguem os principais períodos históricos (o esclavagismo, o feudalismo e o capitalismo), Bell defende que as principais divisões históricas assentam sobretudo em critérios tecnológicos e não tanto em termos de relações sociais: agricultura, industrialismo e, por fim, o pós-industrialismo, caracterizando-se este último estágio, segundo o mesmo, por ser uma era informacional. Este é, basicamente, o mesmo tipo de argumentação que está implícita em Castells (1989;1996).

Em vez de considerar que o desenvolvimento tecnológico resulta, ele próprio, de uma moldagem social, em que se incluem certas escolhas deliberadas (políticas, económicas e culturais), Castells considera que os «modos de desenvolvimento» seguem uma lógica de evolução própria e independente em relação aos modos de produção (dado que considera que o desenvolvimento tecnológico possui uma dinâmica de evolução autónoma e paralela relativamente à dos modos de produção). Será, talvez, conveniente, recordar algumas das suas frases referentes a esta sua conceptualização:

Modes of development evolve according to their own logic; they do not respond mechanically to the demands of modes of production or of other instances of society (Castells, 1989:11; itálico nosso). Although technology and technical relationships of production are organized in the dominant spheres of society…they diffuse throughout the whole set of social relationships and social structures...Thus, modes of development shape the entire realm of social behaviour, of course including symbolic communication (Castells,1996:18; itálico nosso)

O que Castells parece, então, sugerir com esta distinção entre os modos de desenvolvimento e os modos de produção, é que as mudanças sociais são, em grande medida, determinadas pelos avanços técnicos na produção, ou seja, apesar de as relações técnicas de produção serem concebidas como autónomas relativamente às relações sociais de produção, elas parecem possuir um carácter determinante em relação a estas últimas. É neste sentido que consideramos a conceptualização de Castells muito semelhante à de Bell. O determinismo tecnológico subjacente à sua conceptualização parece, então, tal como em Bell, ser claramente evidente, senão, vejamos:

“The history of life…is a series of stable states, punctuated at rare intervals by major events that occur with great rapidity and help to establish the next stable era” (Gould, 1980:226; citado em Castells, 1996:29). My starting point, and I am not alone in this assumption, [5] is that at the end of the twentieth century, we are living one of these rare intervals in history. An interval characterized by the transformation of our “material culture” by the works of a new technological paradigm organized around information technologies (Castells, 1996:29). Informationalism is the new material, technological basis of economic activity and social organization (1996:14). The informational society replaces the industrial society as the framework of social institutions (1989:19). The new information technology paradigm provides the material basis for the network’s pervasive expansion throughout the entire social structure (1996:469).

Como refere Frank Webster (1995), nas teorias da «sociedade da informação» existe uma tendência generalizada para o determinismo tecnológico e uma certa ênfase recorrente, a que Castells também não parece escapar:

...the emphasis on the transformational, indeed foundational, characteristics of changes in techniques of production throughout history and, most recently, in the role of information and knowledge (…) insisting that there is a separate yet foundational level of technical production which is of overwhelming importance in bringing about social change (…) the identification of a technical/production realm of society which is, in decisive ways, untouched by values, beliefs and social priorities (politics in the most general sense), yet which is simultaneously so axiomatic for society that is the foundation - and thereby the determinant (though not the only determinant) - of whatever else (choices, institutions, services, etc.) is built upon it…the history of technological innovation is the privileged means of understanding change, since is from changes in technique that change itself springs (Webster, 1995:196-197)

Partindo da distinção geral entre modos de produção e modos de desenvolvimento, Castells distingue o modo de produção capitalista do modo de desenvolvimento informacional - assente num novo paradigma tecnológico baseado nas novas tecnologias de informação e comunicação - considerando, portanto, que a o capitalismo e o novo modo de desenvolvimento se foram desenvolvendo de uma forma independente e paralela. O mesmo autor considera, então, que a crise e a posterior reestruturação do capitalismo a que se assistiu em meados da década de 1970, e a emergência do modo de desenvolvimento informacional são dois processos distintos, interagindo historicamente apenas de uma forma acidental e contingente - interacção histórica esta que está na base da emergência da «sociedade em rede», que é a nova estrutura social associada à «era da globalização». Subjacente a esta distinção entre estes dois processos está, então, a ideia de que enquanto que a organização social capitalista faria parte do domínio da política, das escolhas, dos valores, o modo de desenvolvimento informacional - como qualquer outro modo de desenvolvimento - faria parte do mero domínio da técnica, que, por possuir uma lógica de evolução própria, estaria imune a qualquer influência e moldagem social. Ou seja, em vez de considerar que foi a reestruturação capitalista nos anos 70 que moldou a direcção, a extensão e a natureza das mudanças tecnológicas, e que a emergência do novo paradigma tecnológico (associado ao modo de desenvolvimento informacional) foi moldada e propulsionada por um determinado tipo de valores, de prioridades e de interesses sociais (neste caso, de natureza capitalista), o mesmo autor insiste na ideia de que houve uma mera “coincidência histórica” entre a reestruturação capitalista e a emergência de um novo paradigma tecnológico baseado nas novas tecnologias de informação e comunicação. Mais: como se pode atestar nas citações de Castells das páginas anteriores, nesta “interacção histórica acidental” entre o capitalismo e o informacionalismo, em vez de haver uma mútua determinação “em pé de igualdade” entre estes últimos, o elemento dinâmico, o elemento que é a força-motriz ou o motor das mudanças sociais contemporâneas, corresponde ao informacionalismo, que parece ter, assim, um papel determinante na emergência (e na expansão da lógica) da «sociedade em rede». Ou seja, para o mesmo, é a revolução tecnológica no domínio das tecnologias de informação e comunicação que parece ser o edifício sobre o qual assenta a «sociedade em rede» e praticamente tudo o que nela se passa. Segundo a sua perspectiva, a «sociedade em rede» é uma sociedade em que os fluxos de informação transformam as relações sociais, mas é a infraestrutura tecnológica que permite que isto aconteça, e, portanto, é ao desenvolvimento tecnológico que Castells atribui o papel de motor das mudanças sociais associadas a essa mesma «sociedade em rede». O que é central na sua análise são as transformações sociais que derivam das transformações tecnológicas. Tal como em Bell (1973), são as ferramentas e as tecnologias de produção - e não as relações de produção - que são as características essenciais e definidoras da época em que vivemos, daí que a sua trilogia tenha precisamente o título genérico de «A Era da Informação» (que seria a sucessora da «Era Industrial»). A história da humanidade parece constituir-se, assim, segundo a perspectiva de Castells, como uma sucessão unilinear de estágios assentes em critérios de desenvolvimento tecnológico. O principal problema, no entanto, é que, segundo Webster e Susser, respectivamente, as principais características e implicações das análises que assentam no determinismo tecnológico são as seguintes:

…a certain technological foundation is the prerequisite and determinant of all social and political life. A mild enough statement, perhaps, except that it subverts all ambitions to bring about any social and economic change…it emphasises the convergent development of all societies as a consequence of the imperatives of technical change (…) the entire body of ‘information society’ theorists…claim that a certain element of society (the foundational part) is aloof from social relations while simultaneously of most profound social consequence. Bluntly, it relegates social analysis, since everything follows after the development of technology, and it also, of course, places severe limits on social action, since it must hold the view that a certain level of society is immune from social influence (Webster, 1997:109/119; itálico nosso). Technological determinism embraces the dangerous ideological tendency to disregard the human actors (agency) involved in public and private decision making… personal, political, and institutional responsibility for technology development, use and consequences are concealed (…) technological determinists treat technology as the initiator of events, as the grammatical subject of action, as the driving force and agency of change (…) It surely reflects a habit of thought, that makes instruments responsible for events, leads directly to speaking of science and technology as autonomous forces and to the idea of technological inevitability. It leads finally to the proposition that man is, after all, impotent to struggle with powerful impersonal agencies of his own making over which he has lost control, and that he is therefore justified in abdicating his responsibility for the consequences of his acts (Susser, 1993:11/23/32; itálico nosso).

Assim, se as mudanças e as consequências sociais associadas à «sociedade em rede» resultam, sobretudo, de um conjunto de transformações meramente técnicas/tecnológicas - que, segundo Castells, seguem uma lógica de evolução própria, não sendo sujeitas a um processo de moldagem e de escolhas/prioridades sociais - então não há um conjunto de actores, classes e/ou instituições sociais concretas que possam ser responsabilizados nem pela emergência nem por determinadas consequências sociais negativas características dessa mesma «sociedade em rede» (entre essas mesmas consequências conta-se, por exemplo, o que o mesmo autor designa de 4º Mundo, ou seja, um processo de fragmentação e de exclusão social à escala mundial). Apenas determinadas forças abstractas, impessoais e aparentemente incontroláveis (a fazer lembrar um pouco a ideia do aprendiz de feiticeiro que invoca forças que depois não consegue controlar) - ou forças que, neste caso, são as forças tecnológicas - é que podem, então, ser responsabilizadas. Neste sentido, concordamos inteiramente com as seguintes afirmações de Peter Marcuse e de Markus Perkmann, respectivamente, sobre o excessivo estruturalismo e o determinismo tecnológico presentes em Castells:

Even in traditional sociology and traditional economics, and certainly in Marx, it is the relations among and characteristics of groups within each society that are its defining characteristics. Not here…A key aspect of depoliticization is to make everything that happens anonymous, actor-less. It is not merely the old agency versus structure argument…for in those discussions both sides always assume that structure refers to the pattern of relations among actors, among classes…With Castells, agency vanishes, actors disappear from sight (…) It is precisely the shift of focus away from the nature of, and the relationships among, social groups that marks Castells’s trajectory. It is a move that suppresses the political… it moves toward a determinism that undermines the relevance of political action. Power and conflicts over power disappear from view; classes, when they appear, have a very subordinate role (…) In place of the tensions, the contradictions, the conflicts among human actors and groups as the motor of change, there is a march of technology, of organizational forms of their own accord, inexorably, globally. Human actors only react to these developments - some benefit from them, but not much attention is paid to them, and they are not seen as more than passive participants in the march (Marcuse, 2002:138/137). In stating the ‘primacy of morphology over social action’, Castells point to the almost unavoidable auto-dynamics of the network society and the threat for the ‘local’ and the marginalized as well as the limited scope for agency it offers to them. Although Castells rejects any technological determinism, it tends to return through the backdoor as a consequence of the social dynamics resulting from the operation of technologically supported networks (…) Castells…highlights structural exclusion and powerlessness in front of networks (…) any action opportunities seem to be doomed to failure in face of the morphological stabilization of networks [6] (Perkmann, 1999:625/627; itálico nosso).

Não será concerteza por acaso, mas sim por um determinismo tecnológico omnipresente na sua trilogia, que o ponto de partida de Castells para a análise das mudanças sociais contemporâneas se centra, sobretudo, nas novas tecnologias de informação e comunicação. Estas parecem, então, constituir-se, segundo a perspectiva do mesmo autor, como uma força causal independente e autónoma na emergência e expansão da globalização e da «sociedade em rede» - ou seja, uma sociedade que se organiza a partir do «espaço dos fluxos» - e que se tornou possível apenas e tão só por causa da aplicação dessas mesmas tecnologias. No entanto, como afirma Perkmann (1999:624):

One must be very careful not to overstate the role of ICT (Information and Communication Technologies) as an independent causal force. Globalization is surely helped by ICT applications, but it is foremost a process of broad-scale institutional change, involving a reconfiguration of prevailing patterns of social interaction induced, among others, by changes in the international economic regime (1999:624).

Embora as tecnologias de informação e comunicação tenham desempenhado um papel crucial no desenrolar do processo de globalização, estas, em vez de serem concebidas como agentes decisivos e activos das mudanças sociais contemporâneas, ou confundidas com forças causais independentes, devem, em nosso entender, ser concebidas como um instrumento e um elemento importantíssimo da estratégia de reestruturação capitalista, no sentido de uma progressiva globalização das trocas económicas, com o objectivo de aumentar as taxas de lucro que tinham vindo a baixar drasticamente a partir do início da década de 1970 [7]. Assim, por exemplo, em relação às redes de informação tecnologicamente suportadas de que Castells tanto fala, há um conjunto de autores, tais como, por exemplo, Peter Dicken (1998), Barnet e Muller (1994) ou Frank Webster (1996), que chamam a atenção para a relação entre os interesses sociais subjacentes à referida reestruturação capitalista e o progressivo estabelecimento e disseminação global dessas mesmas redes de informação. Como afirmam Barnet e Muller e Frank Webster, respectivamente:

The dramatic and seemingly inexorable rise of transnational corporations is in close accord with the spread of information networks which, indeed, have frequently been designed and put in place in the interests of these major corporate clients (Barnet e Muller 1994:32; itálico nosso). It is the real world of market rivalry and corporate expansion that has driven the ‘information revolution’, ensuring that computer networks are established which facilitate intra-company information flows and result in an explosive growth of ‘information factories’ (Webster, 1996: 76).

Desta forma, parece-nos claro que um ponto de partida mais válido do que o de Castells é o de que são as sociedades que moldam a tecnologia e não o contrário e, neste sentido, concordamos com uma perspectiva de cariz mais estritamente sociológica no que respeita à relação entre sociedade e tecnologia, ou seja, uma perspectiva que parta do pressuposto teórico geral da moldagem social da ciência e da tecnologia, mas que, ao mesmo tempo, também aplique esse mesmo pressuposto geral a determinadas conjunturas e períodos históricos concretos - neste caso, tendo por referência a reestruturação capitalista de meados de 1970, como resposta ao que Robert Brenner (ver nota de rodapé na página anterior, s.f.f.) designou de «the long downturn». Assim, fazendo jus ao pressuposto teórico geral referido anteriormente e à sua aplicação a conjunturas históricas concretas, Webster afirma o seguinte:

Here there is a characteristic refusal to privilege technique in examination of social change, either by regarding it as the primum mobile of change or by presenting it as something set apart from the wider social world. Instead there is an insistence that technique is part of a whole network of relations under capitalism, relations that have to be understood historically, and in ways which mean that values make themselves felt it the very process of technological development (…) research and development decisions express priorities, and from these value judgments, particular types of technology are produced (e.g., military projects received substantially more funding than health work in the twentieth century western world; not surprisingly, a consequence is state-of-the-art weapon systems that dwarf the advances of treatment, say, of the common cold)…market power has an obvious influence on what gets manufactured technologically: corporations think of the customers and potential customers prior to production so it is not surprising that there are limits to what gets made imposed by ability to pay criteria…From a different starting point, sociologists concerned with the social construction of science and technology have done much to undermine the faith of those who believe that technologies develop independently of social values. (Webster, 1995:198). It is essential to appreciate fully that ICTs (Information and Communication Technologies) development has been, and continues to be, driven by the business priorities of cutting costs, increasing profits, and expanding the value of corporate stock. This has provided an unrelenting pressure towards producing information systems that reduce the need for employees, whether by automating their functions or by minimizing their role and hence cutting their incomes…For instance, over the past decade, management consultants have been ecstatic about the spread of ‘lean production’ in manufacture and ‘reengineering’ in services. These are processes that have led to massive ‘downsizing’, increased productivity, and ‘jobless growth’ in the corporate realm…even in services, during the 90s there have been marked job reductions - and the central instrument in this has been ICTs, and it has been ICTs designed to effect that outcome. The relative impact of ICTs to date has been less dramatic in the service sector than in manufacture, but the ‘reengineering’ boom came only in the 90s when computer software became increasingly able to do the jobs of large numbers of workers in hundreds of companies…the real stars of reengineering are the software and hardware packages that form the core of virtually every reengineering project. Bluntly, ICT systems are integral to these ongoing processes not because of some fortuitous fit between new technologies and corporate commitments, but because ICTs have been shaped by and put into place with business priorities and interests to the very fore (Webster, 1996:77; itálico nosso).

2.2.- A CONFUSÃO ACERCA DA NATUREZA DA GLOBALIZAÇÃO COMO UMA VARIÁVEL EXPLICATIVA

Uma tendência também muito frequente nas perspectivas «hiperglobalistas neoliberais» e «globalistas», e que, em nosso entender, se presta a vários equívocos, é a de se conceber a globalização como um processo causal distinto e como possuidora de uma forte coerência estrutural e que, por isso mesmo, seria uma espécie de causa universal, ou causa unitária, das mais variadas mudanças sociais por que passa o mundo contemporâneo. A globalização seria, assim, um processo causador de uma ruptura histórica e responsável pelo advento de uma nova era no decorrer do processo de evolução das sociedades humanas, implicando toda uma reconfiguração das principais dimensões da vida social e a criação de uma «nova ordem mundial» que colocaria em causa todas as anteriores formas institucionais de organização económica e política, tornando-as inviáveis e desadequadas à nova realidade que essa mesma globalização representaria[8]. Dada a magnitude das transformações sociais produzidas pelo processo de globalização, certas formas e hábitos de pensamento ter-se-iam, então, também, tornado obsoletas, e, portanto, teriam de ser substituídas por outras que melhor pudessem dar conta da nova realidade social.

Assim, de acordo com a «perspectiva globalista», a globalização - que se estaria a manifestar através de uma integração transnacional do mundo (no sentido da criação de um espaço social único ao nível do globo terrestre), e através da emergência de novos padrões de relações sociais (no sentido de uma desterritorialização dessas mesmas relações sociais) - estaria a produzir uma mudança fundamental na constituição espácio-temporal das sociedades humanas. De acordo com esta mesma perspectiva, as consequências desta mudança seriam tão profundas que estariam inclusivamente a revelar, em retrospectiva, uma lacuna básica na tradição clássica das ciências sociais. Formuladas numa época em que a base «territorialista» da vida social estava intacta, só muito dificilmente no interior dessa mesma tradição se poderia tomar consciência de que muito do que se analisava era historicamente contingente e dependente do ordenamento espácio-temporal da vida social que, mais tarde, haveria de ruir. É por isso que, nesta perspectiva, se defende que a globalização trouxe consigo a necessidade de toda uma mudança paradigmática nas ciências sociais em que as categorias do espaço e do tempo passassem a ter um estatuto de papel explicativo central - estatuto este que, segundo vários autores, deveriam sempre ter tido - defendendo-se, portanto, que deveria ser dada uma prioridade analítica às relações espácio-temporais para a explicação dos processos sociais[9]. Esta mudança paradigmática implicaria, então, necessariamente, segundo esta perspectiva, o abandono de todo o pensamento social moderno e das formas tradicionais de explicação científica dos fenómenos sociais. Isto porque, como afirma Achin Vanaik:

Since in modernity, societies are broadly coterminous with nation states, the process of dissolution of the latter in the period of 'high' or 'late modernity', reinforces the need for both a new sociology (sociology after all was meant to deal with the study of societies), and a new paradigm for the study of the world order…‘globalisation theory’ claims to be a new paradigm that transcends both capitalism and the problematic of the international… globalisation is said to refer to a qualitatively new form and level of world-wide 'intensification of social relations' that can no longer be adequately captured by notions such as the 'latest phase of capitalism-imperialism', or by existing notions of an international order, system or society (Vanaik, 2001:2; itálico nosso). 

Desta forma, de acordo com a «perspectiva globalista», a transformação do globo terrestre num espaço social único e o carácter supraterritorial de um crescente número de actividades sociais estariam a produzir efeitos tão significativos em todas as esferas da existência humana e seriam factos que, por representarem uma novidade histórica absoluta e uma mudança qualitativa tão radical, possuiriam, em si mesmos, uma capacidade explicativa autónoma e deveriam ser o ponto de partida para a explicação das características do mundo social actual. Assim, como afirma Jan Aart Scholte, referindo-se às consequências sociais da nova espacialidade associada à globalização:

A change of spatial structure affects society as a whole. A reconfiguration of social geography is intimately interlinked with shifts in patterns of knowledge, production, governance, identity and social ecology. So a transformation of social space - like globalization - is enveloped in larger dynamics of social change…supraterritoriality is new to contemporary history. Inasmuch as the recent rise of supraterritoriality marks a striking break with the territorialist geography that came before, this trend has major implications for wider social transformation (Scholte, 2002:15). If the character of society’s map changes, then its culture, ecology, economics, politics and social psychology will change as well (Scholte, 2000:46; itálico nosso).

A globalização - entendida essencialmente como um fenómeno de natureza espácio-temporal - é, então, frequentemente concebida pela «perspectiva globalista» como a variável independente, ou como a variável que explica várias outras tendências que, actualmente, se podem observar empiricamente. No entanto, há alguns autores, como, por exemplo, Justin Rosenberg, que se mostram fortemente críticos em relação à «perspectiva globalista» (ou, mais propriamente, ao que os anglo-saxónicos designam por «globalization theory»), principalmente no que respeita a uma tendência muito frequente nesta para se conceber a globalização como uma variável explicativa e como uma espécie de causa universal das mudanças sociais verificadas nas últimas décadas:

The very idea of globalization as an explanatory schema in its own right is fraught with difficulties. The term ‘globalization’, after all, is at first sight merely a descriptive category, denoting either the geographical extension of social processes or possibly, as in Giddens definition, ‘the intensification of worldwide social relations’. Now, since no-one denies that ‘worldwide social relations’ do indeed exist today in ways and to a degree that they never did before, there can be no objection to calls for a theory of globalization, if that means an explanation of how and why these have come about. But such an explanation, if it is to avoid empty circularity, must fall back on some more basic social theory which could explain why the phenomena denoted by the term have become such a distinctive and salient feature of the modern world (globalisation as an outcome cannot be explained simply by invoking globalization as process tending towards that outcome). Yet if that were so, and if, for example, time-space compression were to be explained as an emergent property of a particular historical type of social relations, then the term ‘globalization’ would not denote a theory in its own right at all - instead it would function as a measure of how far and in what ways this historical process had developed. And the globalization theorists clearly intend more than this. By asserting that the emergence of a single global space as the arena of social action increasingly outweighs in its consequences other kinds of causality which have been traditionally been invoked to explain social phenomena; by extrapolating the geographical dimension of this process into an alternative, spatio-temporal problematic for social science; and finally, by pitting this new problematic not simply against competing perspectives in the contemporary social sciences, but also against the classical foundations of modern social thought as a whole - in all these ways, they have raised their sights beyond any purely descriptive role for the concept. In the logical structure of their argumentation, what presents itself initially as the explanandum - globalization as the developing outcome of some historical process - is progressively transformed into the explanans: it is globalization which now explains the changing character of the modern world (…)Within this intellectual shift we may identify the basic distinction between a theory of globalization and globalization theory: the first might be constructed out of anything presumed to generate the spatio-temporal phenomena involved; the latter, by contrast, must derive its explanatory mechanism within those spatio-temporal phenomena themselves: in short, it needs - even presupposes - a spatio-temporal reformulation of social theory itself (Rosenberg, 2000:2-3/4).

Em nosso entender, este autor chama a atenção, de uma forma muito certeira, para algumas questões da maior importância. Em primeiro lugar, a palavra «globalização» deve ser entendida apenas como um termo geográfico que denota um processo, ao longo do tempo, de mudança espacial - um processo de expansão global. Por mais voltas que se dê a esta palavra, o espaço, o tempo e uma referência implícita à forma do planeta são os seus únicos conteúdos intrínsecos, ou seja, não contém nada, em si mesma, que permita a explicação de qualquer fenómeno que se pode observar empiricamente. A este respeito, difere marcadamente, por exemplo, da palavra «capitalismo», que identifica um tipo específico de relações sociais - que se centra na propriedade privada e no trabalho assalariado - das quais derivam determinadas implicações espaciais e temporais. Houve vários autores que, a partir deste tipo específico de relações sociais capitalistas partiram para uma explicação dos fenómenos espácio-temporais modernos, como, por exemplo, David Harvey (1989). O próprio Marx, já há mais de 150 anos (!), estava longe de estar desatento aos fenómenos espácio-temporais, e não é concerteza por acaso que é tido como um dos primeiros autores a prever a globalização. Como David Renton faz notar, numa obra que se chama precisamente Marx on Globalization (2001), Marx referia-se repetidamente às tendências universalizantes do capital, à aniquilação do espaço pelo tempo, às propriedades desterritorializantes da troca de mercadorias e à crescente velocidade de produção e circulação dessas mesmas mercadorias. Estas, segundo Marx, não eram características secundárias na sua análise do capitalismo, mas constituíam-se antes como uma dinâmica central das “leis do movimento” desse mesmo capitalismo, e ninguém estava mais impressionado do que o próprio Marx em relação ao seu resultado: a criação, pela primeira vez, de uma história mundial. Mas, no entanto, esta espácio-temporalidade é concebida por estes autores, usando as palavras de Rosenberg, como uma propriedade emergente de uma forma historicamente específica de relações sociais, e foi este procedimento que fez com que, durante muito tempo, a análise sociológica especificasse a dinâmica relacional intrinsecamente humana das mudanças espácio-temporais, em vez de se centrar no «impacto» dessas mesmas mudanças espácio-temporais «na sociedade».

Em contraste com o capitalismo está, então, como já se disse, o termo de «globalização», que, em si mesmo, não especifica nenhuma forma particular de sociedade, denotando simplesmente um processo de expansão espacial e de integração do mundo. Precisamente por esta razão, qualquer tentativa de envolver este termo numa explicação de uma mudança social de grande escala enfrenta uma escolha inevitável: ou incorpora uma teoria com alguma densidade e substância sociológicas (como por exemplo, acontece com Marx e Harvey), e explique o que é que está a ser globalizado, porquê e com que efeitos, ou, então, terá, necessariamente, de reivindicar que a construção de uma teoria sociológica sobre a globalização pode e deve, afinal, derivar do próprio termo, porque se considera que o próprio espaço e o tempo são parâmetros basilares de explicação dos fenómenos sociais. É a esta escolha que, no fundo, Rosenberg (2000) se está a referir, e é nesta escolha que reside a diferença fundamental entre o que o mesmo designa de «a theory of globalization» e a «globalization theory».

No primeiro caso («a theory of globalization»), o lugar que a globalização ocupa em termos explicativos, embora importante, acaba por ser “derivado”, ou seja, no esquema geral de explicação, a globalização mantém-se, essencialmente, como um termo descritivo, identificando um explanandum (aquilo que deve ser explicado), enquanto que, no segundo caso («globalization theory»), a globalização torna-se, ela própria, num explanans (aquilo que fornece a explicação), e só pode funcionar legitimamente como uma categoria explicativa enquanto se continuar a acreditar que as ciências sociais necessitam de uma mudança paradigmática urgente, no sentido de toda uma reformulação espácio-temporal das mesmas.

O que Rosenberg tenta, então, chamar à atenção em relação à «globalization theory» (em nosso entender, de uma forma muito certeira), é para uma tendência desta para a inversão entre explanandum e explanans no tratamento analítico que esta dá ao conceito de globalização, ao transformá-la numa categoria explicativa. A única forma de sustentar que a globalização seria algo mais do que um conceito descritivo da geografia social do mundo actual, para passar a ser um conceito que teria a capacidade analítica de explicar determinadas tendências que se podem observar empiricamente, é inflacionar conceptualmente a importância causal do espaço e do tempo. Ou seja, na reivindicação da necessidade de toda uma reformulação espácio-temporal das ciências sociais está necessariamente implícita a ideia de que a dimensão espácio-temporal da reprodução social humana é ontologicamente precedente em relação às outras dimensões da vida social e, como tal, essa mesma dimensão constitui-se legitimamente como o ponto de partida para a explicação dos fenómenos sociais. Isto configura, então, segundo a perspectiva de Rosenberg, uma inversão na relação habitual entre explanans e explanandum, porque a explicação espácio-temporal das mudanças sociais não se constitui apenas como um suplemento de uma explicação sociológica dos fenómenos espácio-temporais: a explicação sociológica dos fenómenos espácio-temporais acaba, antes, por se evaporar e por ser substituída por essa mesma explicação espácio-temporal das mudanças sociais[10].

Assim, quanto mais se avança com a ideia de que a globalização se constitui como uma categoria explicativa, mais se tende, então, necessariamente, a inflacionar conceptualmente a importância causal da dimensão espácio-temporal da vida social, e, ao mesmo tempo, a reificar-se essa mesma dimensão - reificação esta que tem a agravante de acabar por se constituir como um biombo explicativo das mudanças por que passa o mundo social actual. Por outras palavras, como afirma Rosenberg:

In order for such a claim to acquire real explanatory power, the significance of space must be raised to (or rediscovered at) a higher level in the apparatus of social explanation more generally. Only then would it follow that a ‘far-reaching change’ in the nature of space would necessarily have correspondingly ‘far-reaching significance’ for social reproduction as a whole (…) the impact of particular kinds of social relationship on the spatial organization of societies is instead imputed to the social impact of the geographical laws of location, distance and separation - and their transcendence via increased speed of communication and transport…the attempt to ground sociological explanation in a spatio-temporal definition of social structures produced instead a systematic reification of space and time themselves: the causal properties of particular social relations that were undergoing spatio-temporal compression were instead attributed to the spatio-temporal compression itself. This in turn placed an explanatory weight on the phenomenona of time-space compression per se which it could not possibly bear: just how much causality, for example, could one really squeeze out of the fact of real-time communication between stockmarkets in itself, without including the causal properties of the specifically capitalist social relations which are the substance of the communication (and arguably also the source of its acceleration)? (…) Once cut off from the rich explanatory schemas of classical social theory, these spatio-temporal phenomena are instead converted into irreducible causes of their own right - unavoidably renaturalizing the very things which it was the achievement of those earlier classical writers to problematise and demystify. A central feature of this process is the systematic fetishising of spatial categories, a possibly latent in the term ‘globalization’ itself, but fully activated only by the role which it is now called upon to play in the construction of social explanation. This in turn produces a paradoxical reduction in the explanatory claims of social science…For arguably the claims which ‘globalization theory’ makes, if taken seriously, combine to exercise a theoretical veto over other, more valuable resources for understanding both the contemporary world in general and its international politics in particular (Rosenberg, 2000:22/39/14; itálico nosso).

Assim, esta falácia epistemológica que consiste, basicamente, no que Rosenberg designa por «fetichização das categorias espaciais», parece acabar por tornar a «perspectiva globalista» (ou a «globalization theory») numa espécie de teoria espacial da supraterritorialidade (em vez de se apresentar como uma teoria sociológica que explique as causas sociais da emergência e expansão dessa mesma supraterritorialidade associada à globalização), precisamente pelo facto de as análises produzidas por esta mesma perspectiva se centrarem quase exclusivamente na nova geografia social associada à globalização (geografia essa que se caracteriza por um alto grau de «desterritorialização das relações sociais»[11], de «compressão» e de «distanciamento espácio-temporal»).

A insistência nesta falácia epistemológica por parte de autores como, por exemplo, Giddens (1990; 1991) conduz, então, não só a uma reificação das relações espácio-temporais, como também a uma redução do campo analítico das ciências sociais, porque, por exemplo, no caso deste último autor, parece ser o grau (historicamente variável) de «distanciamento espácio-temporal» (tido como a nova problemática central das ciências sociais) que explicaria e determinaria, em grande medida, a forma e o conteúdo das relações sociais (tal como demonstrámos através da exposição da sua lógica de argumentação, num outro subcapítulo). As relações sociais seriam, então, explicadas por factores causais sociologicalmente pouco densos e pouco substantivos, ou seja, a forma e o conteúdo dessas mesmas relações sociais seriam, em larga medida, determinadas por forças altamente abstractas e impessoais, como é o caso do espaço e do tempo, ou determinadas por um tipo historicamente variável de estrutura espácio-temporal da acção social e por mudanças nessa mesma estrutura[12].

Assim, o facto de Giddens transformar o espaço e o tempo em categorias explicativas trans-históricas leva-o a afirmar que, na era moderna, o grau de «distanciamento espácio-temporal» é muito mais elevado do que em qualquer outro período histórico, e que as consequências deste elevado grau de «distanciamento espácio-temporal» são uma progressiva intensificação e extensão geográfica das relações sociais à escala do globo e uma crescente proliferação de «espaços fantasmagóricos». É isto que, no final de contas, conduz à sua definição de globalização[13], fazendo parecer que é o «distanciamento espácio-temporal» que explica a emergência e a expansão da globalização. A consequência disto é que quanto mais Giddens avança com a aplicação da problemática alternativa do «distanciamento espácio-temporal» mais isto parece ter o efeito de esvaziar o mundo de causas reconhecidamente sociais. Ou seja, em vez desta nova problemática espácio-temporal das ciências sociais providenciar explicações substantivas sobre o mundo social, parece, antes, esvaziá-lo de qualquer conteúdo social - daí que o mesmo seja obrigado, por vezes, a fazer alguns ajustamentos a essa mesma problemática (introduzindo as questões da «segurança ontológica» e da «confiança», por exemplo), tentando, por essa via, reinjectar um conteúdo mais humano numa análise que, de outro modo, seria cada vez mais povoada por forças impessoais e abstractas (como é o caso do espaço e do tempo) que parecem ter ganho uma vida própria (daí que, baseando-nos na perspectiva de Rosenberg, tenhamos afirmado que a insistência na falácia epistemológica da «fetichização das categorias espaciais» conduziria, necessariamente, a uma reificação das relações espácio-temporais, ao insistir-se na ideia de que seriam as propriedades destas mesmas relações que explicariam e determinariam, em grande medida, a vida social).

Apesar do enorme aparato em torno da necessidade urgente de toda uma reformulação espácio-temporal das ciências sociais (defendendo-se a ideia de que deveria ser dada uma prioridade analítica às categorias do espaço e do tempo para a explicação dos processos sociais), é muito curioso verificar que nenhuma das ordens institucionais que, segundo Giddens, seriam constitutivas da Modernidade (o capitalismo, o industrialismo, a vigilância e a centralização dos meios de violência) é definida a partir de um determinado ordenamento espácio-temporal da vida social (ou definida a partir da problemática do «distanciamento espácio-temporal»). Pelo contrário, há uma delas que se pode identificar a partir da análise de Giddens, como possuindo determinados atributos sociais que geram os mesmos fenómenos espácio-temporais que o mesmo autor tinha anteriormente posto em destaque e considerado como prioritários para a explicação dos processos sociais. Essa mesma ordem institucional é, claro está, o capitalismo. A sua definição de capitalismo - um sistema classista de produção de mercadorias, baseado na propriedade privada e no trabalho assalariado, e regulado por mecanismos de mercado - não é enquadrada em termos de um tipo específico de ordenamento espácio-temporal, apesar de, como se pode posteriormente deduzir da sua análise, ter enormes consequências espácio-temporais. Assim, por exemplo, o mesmo refere-se ao capitalismo como “intrinsically unstable and restless” e “inherently highly dinamic” (1990:61), afirmando que são estas propriedades que explicam o carácter expansionista desse mesmo capitalismo e que o tornam, em apenas alguns aspectos, confinado às fronteiras dos sistemas sociais concretos (p.57), ao mesmo tempo que se pode depreender, a partir dessas mesmas propriedades, um determinado tipo de temporalidade assente no facto de que, no capitalismo, como o mesmo afirma, “technological innovation tends to be constant and pervasive” (p.56). O que nos interessa, então, destacar é que o tão badalado «distanciamento espácio-temporal» está longe de ser o ponto de partida quando Giddens analisa o capitalismo, ou seja, o capitalismo não está a ser (e muito dificilmente poderia ser) explicado por esse mesmo «distanciamento espácio-temporal». Pelo contrário: o que se pode depreender da sua análise, é que é esse mesmo «distanciamento espácio-temporal» que parece, antes, estar a ser (ou a poder ser) explicado a partir de uma teoria metodologicamente prececedente, ou seja, a partir de uma teoria materialista do capitalismo.

É precisamente por considerarmos que autores como Giddens (bem como a maior parte dos outros autores da «perspectiva globalista») parecem estar, de alguma forma, a “brincar às escondidas” com o capitalismo, que, a este respeito, tendemos a inclinar-nos mais para perspectivas como as de Neil Brenner (que é um autor que se baseia bastante em Marx, Henri Lefebvre e David Harvey):

I view the contemporary round of globalization as the most recent historical expression of a longue durée dynamic of continual deterritorialization and reterritorialization that has underpinned the production of capitalist spatiality since the first industrial revolution…On the one hand, capitalism is under the impulsion to eliminate all geographical barriers to the accumulation process in search of cheaper raw materials, fresh sources of labor power, new markets for its products, and new investment opportunities…On the other hand, as David Harvey has argued at length, the resultant processes of time-space compression must be viewed as one moment within a contradictory sociospatial dialectic that continually molds, differentiates, deconstructs and reworks capitalism’s geographical landscape. According to Harvey, it is only through the production of relatively fixed and immobile configurations of territorial organization - including urban built environments, industrial agglomerations, regional production complexes, large-scale transportation infrastructures, long-distance communications networks, and state regulatory institutions - that capital´s circulation process can be continually accelerated and expanded spatially. Each successive round of capitalist industrialization has therefore been premised upon socially produced geographical infrastructures that enable the accelerated circulation of capital through global space. In this sense, as Harvey notes, “spatial organization is necessary to overcome space”. This theoretical insight enables Harvey to interpret the historical geography of capitalism as a “restless formation and re-formation of geographical landscapes” in which configurations of capitalist territorial organization are incessantly created, destroyed, and reconstituted as provisionally stabilized “spatial fixes” for each successive regime of accumulation…Globalization therefore entails a dialectical interplay between the endemic drive towards time-space compression under capitalism (the moment of deterritorialization) and the continual production of relatively fixed, provisionally stabilized configurations of territorial organization on multiple geographical scales (the moment of reterritorialization) (Brenner, 1999: 42-3).

Desta forma, uma das conclusões que, em nosso entender, devem ser tiradas em relação a toda esta discussão, é que não nos devemos centrar apenas e tão só nas transformações espácio-temporais associadas à globalização, nem nos avanços nas tecnologias de informação e comunicação e nos transportes (que são os factores causais mais imediatos e mais superficiais dessas mesmas transformações) e muito menos considerar que estes dois factores possam ser considerados como variáveis independentes, como se possuissem a capacidade analítica para explicar determinadas tendências que se podem observar empiricamente[14]. Os factores-chave em tudo isto, e que, em nosso entender, possuem uma capacidade analítica para explicar quer as mudanças tecnológicas, quer as transformações espácio-temporais das décadas mais recentes, quer, ainda, várias tendências que actualmente se podem observar empiricamente - como, por exemplo, a tendência para a neoliberalização das políticas económicas e sociais - são (partindo inicialmente de um maior grau de abstracção para um menor), as propriedades sociais do sistema capitalista e, mais especificamente, o processo de reestruturação que este mesmo sistema tem vindo a sofrer desde meados da década de 1970 - processo de reestruturação este que se constituiu como uma resposta ao que Robert Brenner designou de «the long downturn» - e que, em nosso entender, deve ser concebido, desde o início, como um projecto político-económico de neoliberalização global. Assim, consideramos que a globalização - entendida como uma tendência para as relações económicas e políticas adquirirem um carácter mais global ao longo do tempo (ver Hay, em baixo) - deve ser concebida como uma variável dependente desse mesmo processo de reestruturação capitalista. A globalização deve, então, em nosso entender, ser concebida mais como produto do que como condição, ou seja, deve ser concebida como o efeito de outros processos - o que implica, portanto, que se deixe de considerar essa mesma globalização como algo que explica determinadas tendências que actualmente se podem observar empiricamente, para passar a ser algo que deve ser explicado. Como afirmam Bob Jessop e Colin Hay, respectivamente:

Globalization is generally better interpreted as the complex resultant of many different processes than as a distinctive causal process in its own right. It is misleading to explain specific events and phenomena in terms of the process of ‘globalization’, pointless to subsume anything and everything under the umbrella of ‘globalization’ and unhelpful to seek to link anything and everything to ‘globalization’ as if this somehow conveys more insight than alternative rubrics could (Jessop, 1999:13). The term ‘globalization’ should be taken to refer to processes which reinforce the tendency for economic and political relations to become more global in character over time. Such a definition has consequences. First, globalization is a descriptive (not an explanatory) term. Second, whether it occurs is an empirical question, not one that can be resolved theoretically. And, finally, globalization is not an “it”. It is not a thing. It is not a self-contained process with its own causal powers. It is, at best, a tendency to which there are (or are likely to be) counter-tendencies. And, in so far as the tendencies win out, it is an outcome (something to be explained rather than something that might explain) (Hay, 2003a:4; itálico nosso) globalisation…should be understood as a tendency — the contingent outcome of a confluence of specific processes (Hay, 1999:18; itálico nosso).

Um dos principais problemas que, em nosso entender, resultam, então, da «fetichização» e reificação das categorias espaciais efectuada pela «perspectiva globalista», é que - tal como acontece com a tecnologia - se tende a conceber o espaço como um actor independente ou como uma força autónoma, o que acaba por ter enormes consequências em termos de despolitização das mudanças sociais verificadas nas últimas décadas, ao mesmo tempo que se naturaliza as consequências sociais negativas associadas a essas mesmas mudanças, precisamente por transformar a lógica do espaço na causa, e não na consequência, das referidas mudanças. Um exemplo desta tendência de reificação do espaço, em que a lógica deste último parece tomar o lugar dos actores sociais concretos e dos seus interesses, encontra-se também em Castells (1989;1996), principalmente no que respeita à forma como este concebe o «espaço dos fluxos»:

Function and power…are organized in the space of flows…the structural domination of its logic…alters the meaning and dynamic of places…a structural schizophrenia between two spatial logics…threatens to break down communication channells…a horizon of networked, ahistorical space of flows, aiming at imposing its logic over scattered, segmented places (1996:428; itálico nosso).

Castells centra-se, assim, prioritariamente, na lógica do espaço (como se este fosse uma entidade autónoma e uma força activa) e não no uso do espaço por parte dos diferentes actores e classes sociais[15]. Segundo a perspectiva de Castells parecem ser as transformações espácio-temporais associadas à globalização (neste caso, a emergência do «espaço dos fluxos») que criam toda uma nova estratificação social (que parece ser intrínseca à «sociedade em rede»), transformações essas que acabam, assim, por ter enormes consequências sociais negativas (nomeadamente a criação do que o mesmo designa por «4º Mundo»). Mesmo que consideremos válida a lógica espacial binária de Castells, nós, pela nossa parte, consideramos que a diferença entre os ocupantes do «espaço dos lugares» e os utilizadores do «espaço dos fluxos» deve ser concebida como uma diferença de classe que é reforçada - mas não criada - pela relação diferencial das diferentes classes com o espaço. Ou seja, consideramos que essas mesmas diferenças de classe reflectem-se em diferentes usos do espaço e não o contrário.

Consideramos, então, que uma das implicações mais perniciosas que decorrem da «perspectiva globalista», é a despolitização das mudanças sociais ocorridas principalmente nas duas últimas décadas, na medida em que as análises que nela se produzem tendem a esvaziar e a obscurecer o conteúdo político de matérias que, na realidade, têm um carácter profundamente político. As causas do aumento das desigualdades sociais e da pobreza principalmente em países como, por exemplo, os Estados Unidos (bem como em alguns países da Europa Ocidental e, de um modo geral, no resto do mundo), parecem, segundo a mesma perspectiva, ser quase sempre causas intangíveis, de natureza abstracta e impessoal (como, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico ou as transformações espácio-temporais que decorrem desse mesmo desenvolvimento), e nunca relacionáveis com acções e decisões de quaisquer actores, instituições ou forças sociais concretas[16].

2.3- A CONCEPÇÃO DA GLOBALIZAÇÃO COMO UM PROCESSO SEM ACTORES: A GLOBALIZAÇÃO COMO UMA REIFICAÇÃO

Uma outra tendência também muito frequente no «hiperglobalismo neoliberal» e na «perspectiva globalista» (e que está profundamente interrelacionada com as tendências referidas anteriormente, principalmente com a última) é a de se considerar que a globalização, quer em termos das causas que explicam a sua emergência, quer em termos da sua lógica de evolução, é um processo sem actores - ou, como refere Colin Hay (1999) “a process without a subject” - dirigido e composto apenas por forças abstractas e impessoais (quer sejam elas forças de mercado, forças tecnológicas ou forças de natureza espácio-temporal). A globalização costuma ser frequentemente concebida por estas mesmas perspectivas como um processo mega-estrutural que impediria qualquer margem de manobra e de liberdade a quaisquer actores sociais, e que negaria qualquer margem de relativa autonomia à «acção social» (ou «agency», como dizem os anglo-saxónicos), na medida em que a acção desses mesmos actores seria sempre determinada por uma alegada lógica estrutural neoliberal intrínseca a essa mesma globalização (obscurecendo, assim, e afastando do campo de visão os acontecimentos, os processos, as ideias, as instituições, as decisões políticas concretas e o papel activo dos actores sociais, individuais e colectivos, que estão na base da sua emergência e da sua reprodução, ao mesmo tempo que desresponsabiliza esses mesmos actores e instituições por quaisquer consequências sociais negativas). Esta representação da globalização como um processo mega-estrutural e como um processo sem actores está intimamente associada à ideia de que a globalização deve ser concebida como uma variável independente e que, portanto, seria um conceito com capacidade analítica para explicar determinadas tendências que se podem observar empiricamente. Assim, o facto de se conceber a globalização como uma variável independente ou como uma categoria explicativa parece ser indissociável de uma concepção reificada dessa mesma globalização, porque esse mesmo facto parece implicar, necessariamente, que se conceba a globalização como uma “coisa”, isto é, como se a própria globalização fosse uma espécie de actor independente, uma força activa, ou uma entidade autónoma (enquanto que os actores sociais em geral e instituições como, por exemplo, os Estados-nação não passariam de meras vítimas passivas dessa mesma globalização que apenas reagiriam à “acção” da globalização[17]). É precisamente para evitar estas tendências que determinados autores referem o seguinte:

We must ask not what globalisation might explain, but how we might account for the phenomena widely identified as evidence of globalisation. If we are to resist and reject the deterministic appeal to a process without a subject we must excise all reference to globalisation as an explanatory (or independent) variable (…) It is important to resist the temptation to appeal to globalisation itself as a causal factor or as a process working, apparently independently of the actions, intentions and motivations of real subjects. It is precisely this appeal to causal processes without subjects that summons the logic of necessity and inevitability so often associated with the notion of globalisation. If we are then to demystify globalisation, we must ensure that in making what we think are causal arguments, we can identify the actors involved, thus giving due attention to the ‘structuration’ of globalising tendencies whilst rejecting structuralist or functionalist ‘logics’ operating over the heads or independently of social subjects (Hay,1999:18/19). We should avoid the flawed structural view of globalization as some sort of megatrend “out there”. Only in this way we can bring back the Prince of Denmark (social actors) in the discussion of Hamlet (globalization) (Yeung, 2002:288).

De uma tentativa de organização e interpretação conceptual da realidade (de uma construção humana, portanto), a globalização passou, então, a ser concebida, através de um extraordinário processo de reificação[18], como uma «realidade que ganhou vida própria», e que nos constrange do exterior (ou «an out-there phenomenon», como refere Giddens, na sua crítica às concepções mais convencionais de globalização); passou a ser concebida como um processo composto por forças abstractas, anónimas e impessoais ou como um processo que se foi e que se vai desenrolando de uma forma espontânea e automática, e sobre o qual só nos podemos adaptar passiva e mecanicamente aos seus «imperativos»; passou a ser concebida como um fenómeno, aparentemente sem sujeito, que, assim como a chuva ou o vento, viria da natureza sem que o Homem pudesse ter feito muita coisa para o ter suscitado ou para evitar as «inevitabilidades» que dela decorrem. É por isto que há alguns autores, como Malcolm Waters, Jamie Peck e Thomas Risse, respectivamente, que referem o seguinte:

O conceito de globalização é obviamente objecto de suspeição ideológica porque, tal como o de «modernização» - um conceito que o precede e que com ele está relacionado - parece justificar a expansão da cultura ocidental e da sociedade capitalista ao sugerir que existem forças humanamente incontroláveis que estão a transformar o mundo (Waters, 1999:3). There are many parallels between analytical treatments of globalism and those of neoliberalism. Both have been associated with a mode of exogenized thinking in which globalism/neoliberalism is represented as a naturalized, external “force”. Both ascribe quasiclimatic extraterrestrial qualities to apparently disembodied, “out there” forces, which are themselves tipically linked to alleged tendencies towards homogeneization, levelling out, and convergence (Peck, 2002:382-3). Many approaches to globalization are commited to an overly structuralist ontology. Structuralists tend to argue that some anonymous forces - be it financial markets, be it global production networks - command the global economy as a result of which states and political decision-making have lost almost all autonomy and freedom of choice. All they can do is to adapt and to conform to the forces of the neoliberal world economy. These trends would result into a “race to the bottom” with regard to social policies and to the end of the welfare state as we knew it (…) globalization processes appear to come without actors. They are all structure and no agency, just anonymous forces that decide our fate. Discourse theorists remind us, however, that references to anonymous forces constitute rhetorical constructions which often serve to cover up underlying power structures (Risse, 2004:3/15).

Desta forma, uma das implicações de se transformar a globalização num explanans (tendência esta que tínhamos abordado no subcapítulo anterior), parece ser, então, a de se considerar que a própria globalização possui uma capacidade de acção autónoma, ou como afirma Degutis: “This picture of globalization is based upon the curious view of it as possessing agency in itself” (Degutis 2002.3; itálico nosso). Vejamos, então, dois exemplos, por parte de autores consagrados, que revelam esta concepção reificada da globalização, em que esta última (principalmente no primeiro caso), além de ser concebida como um processo mega-estrutural e como um processo sem actores, parece ser dirigida e composta apenas por forças abstractas e impessoais, forças essas que, por sua vez, parecem ter adquirido uma vida própria e autónoma em relação aos actores sociais concretos:

Globalization is highly selective. It proceeds by linking up all that has value anywhere in the planet, and discarding anything (people, firms, territories, resources) which has no value or becomes devalued (Castells, 2000:8; itálico nosso) It scans the whole world , and links up valuable inputs, markets and individuals, while switching off unskilled labour and poor markets (Castells, 1997b:8 itálico nosso) Global networks of instrumental exchanges selectively switch on and off individuals, groups, regions, and even countries, according to their relevance in fulfilling the goals processed in the network, in a relentless flow of strategic decisions (Castells,1996:3; itálico nosso)

Em nosso entender, estas afirmações de Castells revelam um grau bastante elevado de reificação da globalização, porque além de projectar nessa globalização uma capacidade de acção autónoma, Castells parece chegar mesmo ao ponto de projectar nela qualidades quase humanas, imputando a esta a capacidade de selecção, de perscrutação e de conexão/desconexão de pessoas, empresas e territórios. Na sua concepção de globalização, esta parece assumir-se, então, como uma espécie de actor independente, uma força activa, ou uma entidade autónoma. Ao mesmo tempo, Castells tem a tendência para tornar tudo abstracto e impessoal. O cenário que Castells descreve em relação à globalização não parece ser o de que actores e instituições específicas são responsáveis por essa mesma selecção, perscrutação e conexão/desconexão de pessoas, empresas e territórios[19]. Apenas o processo anónimo de globalização é que parece ser responsável pela crescente liberdade do capital, e não determinadas decisões políticas por parte de determinados actores, grupos de países e instituições específicas envolvidas, por exemplo, na liberalização dos mercados e na abolição de restrições ao movimento do capital, que possibilitam, entre outras coisas, uma maior capacidade de deslocalização desregrada por parte de várias empresas multinacionais, principalmente nos sectores de gama baixa (com consequências sociais gravíssimas, em muitos casos). De facto, poderíamo-nos perguntar se não seria antes o capitalismo enquanto tal, talvez numa forma mais avançada, intensiva e aprofundada, que melhor poderia explicar as tendências que Castells descreve. Se se atribuísse as causas das tendências que Castells descreve a uma nova fase do capitalismo, poderiam ser imputadas algumas responsabilidades aos capitalistas (quer individual, quer colectivamente) no que respeita às consequências sociais da sua crescente liberdade de acção - bem como aos actores das instituições políticas nacionais e internacionais que lhes foram progressivamente concedendo essa mesma liberdade de acção - e, assim, as implicações políticas desta conceptualização seriam claras e inequívocas. Mas com a mudança de foco para o processo anónimo de globalização, Castells acaba, assim, por despolitizar essa mesma globalização.

Vejamos então agora outras frases, numa das obras mais aclamadas sobre a globalização, mas que, em nosso entender, revelam também uma concepção reificada da mesma:

Globalization is a process (or set of processes) which embodies a transformation in the spatial organisation of social relations and transactions – assessed in terms of their extensity, intensity, velocity and impact – generating transcontinental or interregional flows and networks of activity, interaction, and the exercise of power. (Held et al. 1999:16; itálico nosso). Globalization refers to processes of change which underpin a transformation of human affairs linking together and expanding human activity across regions and continents…Without reference to such expansive spatial connections, there can be no clear or coherent formulation of this term (Held et al. 1999:15; itálico nosso). At the dawn of the new millenium, globalization is the central driving force behind the rapid social, political and economic changes that are reshaping modern societies and world order (Held et al. 1999:7; itálico nosso).

A globalização costuma ser frequentemente definida como um processo. Embora, em nosso entender, seja incomparavelmente preferível concebê-la como um processo em vez de a conceber como uma condição, por vezes definir a globalização como um processo - principalmente da forma como estes autores o fizeram - também pode ser algo problemático. Isto porque um processo é algo que é muito genérico e que, à partida, não limita o que se pode incluir nele; um processo é algo de abstracto que não explica quem ou o que é que é responsável por ele. Daí até se chegar a uma perspectiva excessivamente estruturalista da globalização, em que esta se parece constituir como um processo sem actores, vai, por vezes, um pequeno passo. Como refere Colin Hay:

Whilst globalisation may masquerade as a process term in both the popular and academic vernacular, it is a ‘process without a subject’. It is, in short, a process to which no actors are linked, a process which rapidly becomes a deterministic logic of structural inevitability the closer one looks (Hay, 1999:17).

Aliás, não será concerteza por acaso que, nas três frases citadas de Held et al. (1999) (principalmente nas palavras em itálico), está implícita a ideia de que a globalização seria uma força activa e autónoma, e dotada de uma capacidade de acção independente. A emergência e a expansão de todo um conjunto de conexões transnacionais da mais variada ordem parecem ser, segundo estes autores, o produto da acção transformadora da própria globalização, e não da acção de quaisquer actores e instituições concretas, ou seja, a globalização é aqui, mais uma vez, concebida como um processo anónimo e sem actores, como se fosse uma espécie de fenómeno natural. Em nosso entender, tal se fica a dever a um dos principais problemas da «pespectiva globalista» que focámos no subcapítulo anterior, ou seja, a inversão entre explanandum e explanans no que respeita ao estatuto explicativo da globalização, ao fazer desta última uma variável independente - reificando, assim, necessariamente, essa mesma globalização. Desta forma, em nosso entender, parece ser inevitável que, na sua definição de globalização, os referidos autores tenham, necessariamente, de se abstrair de qualquer tipo historicamente particular de sociedade, ou de qualquer forma qualitativa de relações sociais, por forma a realçar a ressonância espácio-temporal do conceito de globalização e a poderem centrar-se exclusivamente na importância causal dos fenómenos de conexão e de expansão em si mesmos. Como referem Algirdas Degutis e Don Kalb, respectivamente, criticando este tipo de perspectivas sobre a globalização que apresentámos anteriormente através dos exemplos de Castells e de Held et al. (1999):

It is hard to conceive globalization as an agent in itself without lapsing into wild speculations of historicism and determinism. If there is agency here it cannot reside in globalization itself, or in the globalizing process, but rather in the human agents involved in globalization, that is, in the usual loci of decision making and responsibility... globalisation has been due to human choice and to monumental political changes…globalization is the result of a political choice, not an external process constraining that choice (Degutis, 2002:3) Globalization is a much more complicated process than just a natural history of increasing transnational flows. It is a social process based in and regulated by social and political institutions, even when these institutions are used for the purpose of deregulation (Kalb, 2001:26).

Em nosso entender, é, então, precisamente devido ao facto de (tanto no interior como no exterior do campo académico) a globalização ser frequentemente concebida como a causa universal das principais mudanças sociais que se têm vindo a verificar nos últimos anos, e como uma força activa que se expande autonomamente e independentemente da acção dos sujeitos, que a globalização costuma ser responsabilizada por virtualmente tudo o que de bom ou de mau acontece no mundo actual. É por isso que até mesmo na chamada teoria crítica da globalização se refere o seguinte:

To date, globalization has often perpetuated poverty, widened material inequalities, increased ecological degradation, sustained militarism, marginalized subordinated groups, fed intolerance and deepened crises of democracy (Scholte, 1996:53).

A «globalização» parece, assim, ter-se transformado num dos principais àlibis ou bodes expiatórios dos nossos tempos: àlibi para os governantes que procuram retirar dividendos políticos ao apresentá-la de uma forma hiperbólica e reificada - legitimando, assim, através de uma «retórica de adaptação», a inevitabilidade-desejabilidade das políticas de austeridade que impõem a camadas crescentes da população; bode expiatório para aqueles que, perante a mesma, assumem uma «retórica de denúncia», acusando-a de ser responsável pelas mais diversas injustiças. Assim, como afirmam vários autores:

It is important that we acknowledge the strategic use made of the rhetoric of globalisation. For, as a process without a subject, seeming to operate above the heads of elected officials, it provides, or is capable of providing, a most convenient scapegoat for the imposition of unpopular and unpalatable measures (Hay, 1999:21). It seems that almost daily we hear that a particular government policy or program must be reformulated so that «we» may respond to the growing challenges of «globalization», or that employers claim they must undercut workers wages and conditions of employment because «globalization is forcing us to do so». (Herod et al., 2002:147) Globalization…should not be constructed or demonized as an «out-there» phenomenon standing above, and set to destroy, the geography of territorial states, economies and geographies (Amin, 1997:129). Such constructions of globalization have enabled the powerful (in economic and political terms) to represent themselves as powerless in the face of the new global ‘realities’ (Clarke, 2002:213). We should demonstrate that key actors retain considerable control over what they choose to appeal to as a globalisation process which they claim to be powerless against (Hay, 1999:18).

Mas a globalização (mais uma vez, tanto no interior como no exterior do campo académico) não costuma ser representada apenas como uma força impessoal para justificar um determinado tipo de políticas económicas e sociais de cariz neoliberal; ela costuma, também, ser representada como uma inevitabilidade, como se fosse uma força da natureza. Como afirma um famoso colunista norte-americano (e republicano): “Globalization isn´t a choice, it’s a reality, it is like the dawn: even if I didn’t care much for the dawn, there isn’t much I could do about it” (Thomas Friedman, 1999:xxii). A globalização costuma, assim, ser frequentemente concebida em termos evolucionistas e teleológicos, como se a globalização representasse o estágio final de uma progressão linear, inevitável, irreversível e pré-determinada rumo a uma total integração económica, política e cultural. Como afirma Degutis, referindo-se à tese do «Fim da História», de Fukuyama (aqui seria, talvez, conveniente rever a citação de Waters, na pág. 81):  

  Assuming that globalization is the march of international capitalism, Francis Fukuyama famously argued for the grand view that Western free-market capitalism is the final end of history, that there is a fundamental process at work that dictates a common evolutionary pattern for all societies. In other words, the teleological goal of world history is world-wide free-market capitalism (Degutis, 2002:3).

No entanto, há determinados autores que criticam esta concepção teleológica da globalização, chamando a atenção para o seguinte:

Globalisation…tends to conjure a sense of inexorability, inevitability and immutability, mapping a path to an end-state (a condition of pure globalisation) never fully realised yet always in the process of being realised. This represents a dangerous conflation of process and teleology which can only serve to hide the complex causal processes which generate the evidence frequently cited in support of the globalisation thesis (Hay, 1999:17). The term ‘globalization’ conflates becoming with being by providing a word for a process and its end-state. The outcome is literally defined as inevitable, a highly unsatisfactory situation given that pure end-states have never ocurred. Those who most favour such a teleological interpretation are the holders of capital, who stand to benefit from pro-market reforms, and governments who invoke external constraints as a justification for welfare retrenchment (Bruff, 2004:14).

A globalização é, então, frequentemente concebida como um processo exógeno, impessoal e sem actores (logo, intangível), cuja (alegada) natureza intrínseca implicaria e forçaria, necessária e inevitavelmente, a uma convergência neoliberal em termos de políticas económicas e sociais, naturalizando-se e legitimando-se, assim, as consequências sociais negativas que essa mesma convergência possa trazer (principalmente para os sectores mais desfavorecidos e vulneráveis da população), na medida em que elas seriam apenas o resultado inevitável da obediência a imperativos económicos exógenos e não-negociáveis politicamente que a globalização inexoravelmente acarrateria. A globalização seria, assim, de acordo com as representações dominantes sobre a mesma, uma espécie de “carro desgovernado sem ninguém ao volante”, ou seja, o seu rumo estaria para além do controlo e da possibilidade de “direccionamento” e de “moldagem” por parte de quaisquer actores e instituições, e, portanto, os governos nacionais e as instituições internacionais não teriam outra opção senão adaptar-se “a ela”.

2.4- GLOBALIZAÇÃO E ESTADOS-NAÇÃO: OS ESTADOS-NAÇÃO VISTOS EXCLUSIVAMENTE COMO VÍTIMAS PASSIVAS DOS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

Uma outra tendência muito frequente no «hiperglobalismo neoliberal» e na «perspectiva globalista» - e que, em nosso entender, é indissociável da tendência para uma concepção reificada da globalização e da tendência para se conceber esta última como uma variável independente - é a de se conceber a globalização como uma “força externa”, “supra-estatal”, ou “supraterritorial”, que, “a partir de cima”, ou “do exterior”, constrangeria os Estados-nação, deixando-os de mãos atadas no que respeita à possibilidade de qualquer controlo e de regulação efectivas sobre o que se passa no interior do seu território. Ou seja, a “globalização” seria um processo causador de uma perda significativa de poder e de soberania por parte desses mesmos Estados-nação. Como, por exemplo, Castells refere: “The capacity of the nation-state is decisively undermined by globalization” (1997a:254). Na medida em que a globalização deixaria uma margem de manobra e de autonomia cada vez menor aos Estados-nação, estes últimos não teriam outra opção senão “adaptar-se” progressivamente a essa mesma globalização (leia-se: neoliberalizar as suas políticas económicas e sociais). Será, ainda, conveniente recordar que há alguns autores da perspectiva a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal», como por exemplo, Ohmae (1990;1995), que consideram que a globalização, além de ser um processo inexorável, seria um processo responsável pelo desaparecimento dos Estados-nação enquanto unidades de governança efectivas, e que a vida social “local” seria crescentemente dominada e estruturada por processos que ocorreriam a uma escala “global”. Richard Kilminster, por exemplo, seguindo também esta linha de pensamento, afirma o seguinte:

The term ‘globalization’ indicates that the transnational or global level is becoming increasingly autonomous, such that processes at the lower integrative levels (nation-state, region, community, kinship) are in the present period becoming increasingly governed by the order of the higher level (Kilminster, 1997:274; itálico nosso).

Parece, assim, haver uma tendência (tanto na «perspectiva globalista» como no «hiperglobalismo neoliberal»), para uma conceptualização da globalização que, implicita ou explicitamente, assenta numa lógica binária, presente em dualismos, como, por exemplo, «global-local» ou «global-nacional». Subjacente a esta lógica binária está, então, a ideia de que haveria uma determinação unidireccional do primeiro termo do binómio para o segundo, ou seja, os processos “globais” seriam a parte activa na relação entre esses mesmos termos e determinariam “do exterior”, e sempre a partir de uma lógica «top-down», os processos que ocorreriam a uma escala “local” ou “nacional” (como, por exemplo, acontece com Castells, em que a lógica estrutural e a-espacial do «espaço dos fluxos» parece ter-se autonomizado em relação à lógica do «espaço dos lugares», ao mesmo tempo que parece ter adquirido um domínio absoluto sobre este último). Assim, determinadas instituições que estariam confinadas a essas mesmas escalas (neste caso, os Estados-nação) não seriam mais do que vítimas passivas desses mesmos processos “globais” (como se os processos globais e locais/nacionais obedecessem a duas lógicas sociais e espaciais separadas e inteiramente distintas, e como se principalmente alguns Estados-nação não tivessem tido, e não continuassem a ter, um papel activo na emergência e na lógica de evolução do processo de globalização). Desta forma, no que respeita às representações sócio-espaciais dominantes associadas à globalização, em termos da relação entre as diferentes escalas geográficas, Andrew Herod e Melissa Wright dizem-nos o seguinte:

In most globalization studies, scale has frequently been thought in terms…of a ladder, where one climbs up the scalar rungs from the local through the regional and national to the global, or down these rungs from the global through the national and regional to the local. In such a metaphor, the rungs (the scales) are connected together by the sidepieces of the ladder yet are quite distinct, the one from another - each rung is a separate entity, even as each is connected to the other rungs to give the whole its structure…the global is seen to be “above” the local but is not seen seen to encompass it (Herod e Wright, 2002:6-7; itálico nosso).

Assim, em nosso entender, por detrás da concepção «estrutural-determinista» da globalização, que informa as perspectivas do «hiperglobalismo neoliberal» e da «perspectiva globalista» estão implícitos alguns dualismos, aparentemente de natureza ontológica, patentes, por exemplo, nas distinções «global-local» ou «global-nacional», ao mesmo tempo que parece estar implícita uma representação da escala global como se esta se constituisse como um domínio autónomo e como uma rede de fluxos sem qualquer afinidade ou afiliação aos lugares concretos. Ou seja, como afirmam Jamie Peck e Kevin R. Cox, respectivamente:

The networks of global connections are conceived as if they were just ‘hanging in the air’, constituting an exterior and superordinate force to which localities, regions and nation-states must respond…globalization is caricatured as a highly abstract system of ‘flows’ operating across boundaries, places being reduced to mere nodes in these floating network systems (Peck, 2003:xiii). Contemporary economies are seen as losing their status as places, becoming parts of a mere space of flows, with the result that agencies of the state, local, or national governments, are losing their power to regulate and distribute (Cox, 1997a:6; itálico nosso).

É a generalização desta ideia de que a escala global seria um domínio autónomo - e, ao mesmo tempo, a-espacial - que parece levar a que, tanto no «hiperglobalismo neoliberal» como na «perspectiva globalista», se tenda a privilegiar, em termos analíticos, essa mesma escala como ponto de partida para qualquer análise dos processos sociais contemporâneos, precisamente por se pensar que seriam os processos referentes a esta escala (aparentemente intangível) que determinariam e estruturariam tudo o que se passaria nas escalas “inferiores”. Um aspecto da tendência para a reificação da globalização (que tratámos no subcapítulo anterior) parece ser, então, precisamente, a reificação da escala global (bem como a reificação das outras escalas). Assim, como referem Bob Jessop, J.K. Gibson-Graham e Jan Aart Scholte, respectivamente (e aqui chamávamos a atenção principalmente para a primeira citação, de Jessop, que, em nosso entender, condensa de uma forma bastante feliz a relação que queríamos realçar entre a concepção da globalização como uma variável independente, entre uma concepção reificada da mesma e a reificação da escala global):

Far from globalization being a unitary causal mechanism, it should be understood as the complex, emergent product of many different forces operating at many scales. Indeed, in some ways, the global is little more than a hugely extended network of localities. Hence nothing can be explained in terms of the causal powers of globalization - let alone causal powers that are inevitable and irreversible and that are actualized on some intangible stage behind our backs or on some intangible plane above our heads (Jessop, 2003:2-3; itálico no original). The global does not exist, or at least in any stable and generic relation to other scales. Scratch anything “global” and you find locality - grounded practices in factories, stock exchanges, retail outlets and communities (Gibson-Graham, 2002:32). While globality is a discrete concept, it is not a discrete concrete condition. It is helpful, analitically, to distinguish different spheres of social space; however, concretely, the global is not a domain unto itself, separate from the regional, the national, the provincial, the local and the household. There is no purely global circumstance, divorced from other spaces, just as no household, local, provincial, national or regional domain is sealed off from other geographical arenas. So, social space should not be understood as an assemblage of discrete realms, but as an interrelation of spheres within a whole. Events and developments are not global or national or local or some other scale, but an intersection of global and other spatial qualities. The global is a dimension of social geography rather than a space in its own right. It is heuristically helpful to distinguish a global quality of contemporary social space, but we must not turn the global into a ‘thing’ that is separate from regional, national, local and household ‘things’ (Scholte, 2002:27; itálico no original e itálico nosso nas últimas duas linhas).

Não parece, assim, fazer muito sentido falar em processos sociais “globais”, “nacionais”, “regionais” ou “locais”, como se houvesse uma descontinuidade abrupta e de natureza ontológica entre as diferentes escalas, quanto mais não seja porque, como refere Jones (1997:67): “scale is an epistemological form rather than an ontological one - it is about how we understand the social world, rather than about some fundamental essence of that reality”. É justamente por frequentemente se considerar que existe uma descontinuidade absoluta entre as diferentes escalas geográficas que, em nosso entender, se deve rejeitar a «metáfora das escadas» (mencionada na página anterior) - que é precisamente a metáfora que está subjacente às representações sócio-espaciais dominantes da globalização e, portanto, a uma concepção «estrutural-determinista» da mesma.

Assim, no que respeita à relação mais específica entre a globalização, o território e as escalas geográficas, os pontos de vista expressos pelos seguintes autores parecem-nos ser bastante mais válidos (e realistas, principalmente no que se refere à relação que os dois últimos autores citados estabelecem entre a globalização e a actividade económica) do que os pontos de vista defendidos pela maioria dos autores das perspectivas a que designámos de «hiperglobalismo neoliberal» e de «perspectiva globalista» (que tendem a conceber a economia mundial como uma economia global descontextualizada):

Different scales of social life cannot be viewed as hierarchical, distinct and mutually exclusive, but rather as simultaneous and nested loci where social processes are played out…what is a global influence that isn’t in some way ‘localized’, and how many ‘local influences’ are really bounded in such a neat way? To go beyond this, it is useful to think of scales as relational. Swyngedouw (1997) makes a particularly strong case for a relational view of scale. Scales are, he argues, ‘simultaneous’ rather than hierarchical and thus without theoretical or empirical priority in the analysis of social life…The key is to understand economic, cultural and political processes, rather than taking any particular scale as the starting point for analysis…Once particular scales are no longer privileged in social analysis then processes can be traced across them rather than being contained within them (Kelly, 1999:396; itálico nosso). Globalization is not about one scale becoming more important than the rest…it is about changes in the very nature of the relationship between scales (Dicken et al, 1997:60; itálico nosso). We should see territories as integrally a part of a global political economy, and not separate from it (…) One of the fears associated with globalization is the idea that globalization represents a supersession of the twentieth-century ‘space of places’ by a new deterritorialized ‘space of flows’. We would contend that such an idea is sustainable only on the assumption - not uncommon in neo-classical or other rigidly formal and decontexualized methodologies in economics[20] - that economic behaviour is not rooted in territorially articulated social, cultural and institutional settings, and that such ‘embeddedness’ has no role to play in shaping economic outcomes. However, any cursory observation of the workings of firms and markets confirms that such an assumption is hard to sustain (Amin e Thrift, 1997:147/151-2). If, as Barber (1995) and others insist, all economies are embedded, then the global economy is no exception, but there is much work yet to be done convinvingly to pull apart the orthodox binarisms of global/abstract/disembedded market versus local/concrete/embedded market, on which so much contemporary commentary rests. Strategically useful in this respect is work that sets out to uncover the local and socio-spatial constitution of ostensibly “global” processes, or that problematizes explicitly transnational and extralocal forms of economic embedding and institutionalization (Peck, 2004a:50; itálico no original).

Consideramos, então, que um dos pressupostos teóricos que estão subjacentes à ideia de que a globalização seria responsável por uma erosão e por um declínio significativo do poder dos Estados-nação é precisamente a ideia da separação ontológica das escalas geográficas e, mais concretamente, a ideia de que a “globalização” operaria a partir de um domínio transnacional/global autónomo, social e territorialmente descontextualizado e em que a escala “global” é representada como hierarquicamente superior e distinta em relação à escala “nacional”.

Assim, no que respeita à relação mais específica entre o capital e os Estados-nação, haveria, segundo o «hiperglobalismo neoliberal» e a «perspectiva globalista», uma não-coincidência territorial entre a lógica “global” do capital e a lógica “nacional” dos Estados e, portanto, todos os Estados-nação teriam, necessaria e inevitavelmente, de sucumbir perante essa mesma lógica “global” (sendo a lógica “global” frequentemente concebida por estas perspectivas como a antítese de uma lógica territorial e nacional). O capital, representado em termos de forma institucional pelas empresas transnacionais, teria atingido um alcance planetário e um grau de desterritorialização e uma mobilidade (alegadamente) absolutas, ou seja, o capital estaria “acima” ou “para além” dos Estados-nação, formando uma estrutura global interdependente, enquanto que esses mesmos Estados-nação estariam, por assim dizer, “presos à terra” (estando, portanto, à partida, numa situação de desvantagem estrutural perante o capital). A globalização seria, assim, um processo de penetração não-recíproca da esfera nacional pelo capital global/transnacional - que seria o elemento activo - assistindo-se, assim, a uma primazia das forças económicas globais sobre as forças políticas nacionais. Os Estados-nação não seriam, então, mais do que meras vítimas passivas do capital “global”, perdendo para este o poder que outrora detinham. Não admira, portanto, que haja alguns autores que afirmem o seguinte:

Now, big decisions are made outside of all national boundaries, even as they shape lives within all such entities. It is as if global capitalism was headquartered somewhere off the globe (Persky, 1992:187; itálico nosso).

Em nosso entender, para além dos já referidos, há todo um conjunto de pressupostos teóricos associados a esta ideia dos Estados-nação como meros “peões passivos” nas mãos do capital global que são bastante discutíveis. Para já, este ponto de vista parece-nos ser bastante simplista, na medida em que assenta num determinismo económico indisfarçável no que respeita à relação entre a globalização do capital e as mudanças que, nas últimas décadas, se têm vindo a verificar nos Estados-nação. Nas representações e definições dominantes da globalização, esta, para além de ser concebida como uma variável independente, é representada como um processo de natureza essencialmente económica, da qual derivaria, de uma forma secundária, a dimensão política da mesma e, portanto, a acção política estatal - principalmente no que se refere a uma tendência para a neoliberalização das políticas económicas e sociais - é sempre entendida como uma variável dependente dessa mesma globalização. Tal acontece porque uma das características do determinismo económico é precisamente a de se considerar que é o «económico» que determina o «político» (bem como as outras dimensões da vida social) e que as mudanças económicas é que são o verdadeiro motor das mudanças sociais[21].

O facto de a globalização ser frequentemente concebida como uma variável independente (de natureza económica) e como uma reificação, sendo, portanto, representada como uma realidade “externa” e “independente” em relação aos Estados-nação, parece, então, ter contribuído fortemente para um fatalismo político em que se considera que os Estados-nação não teriam outra opção senão render-se a uma alegada lógica estrutural - e intrinsecamente neoliberal - da globalização. Assim, como referem Hans-Henrik Holm, Kevin R. Cox, Ben Rosamond e Hudson e Williams, respectivamente:

Globalization is seen as happening “out there” and the states have to deal with the effects…globalization is out there and we react to this globalization phenomenon, but the governments are said to be neither in control of it nor the cause of it (Holm: 2001:9). The economic events which the state needs to regulate in order to achieve its goals are said to be territorially beyond its grasp. This is the way in which capital comes into opposition with the state and its (effective) power. The result of this assumption is that the way in which the state has been involved in the construction of globalization, not just materially but also discursively, and how it has exaggerated its effects for its own purposes, is missed. Instead of examining as the starting point capital’s restructuring strategies in the context of «the long downturn», and as they are mediated by the state, globalization is introduced as, in effect, a deus ex machina (Cox, 2002:104; itálico nosso). Should globalization be constructed as a largely exogenous set of dynamics driven by the aggregation of worldwide market activity, or is it better thought of in terms of the interests and strategies of particular state and corporate actors? Is globalization something that affects us or is globalization something that we do? (Rosamond, 2000:37; itálico nosso). We should see the processes of globalization as ones of ‘linkage and interdependence’ connecting ‘in here-out there’…globalization should not therefore be conceptualized as a process somehow external to nation-states, not least because nation-states have played a key role in bringing about regulatory and other changes that have facilitated the emergence of processes and agencies of globalization (Hudson e Williams, 1999:6-7; itálico nosso, citado em Clarke, 2002:21).

Em nosso entender, estes autores tocam em pontos muito importantes e que - juntamente com as tendências referidas nos dois subcapítulos anteriores, bem como a concepção das escalas geográficas como domínios ontologicamente distintos e a concepção da escala global como um domínio autónomo e hierarquicamente superior - nos parecem corresponder a outras duas tendências que contribuem bastante para a ideia de que os Estados-nação seriam umas meras vítimas passivas dos processos de globalização. A primeira tendência consiste na omissão do papel activo dos Estados-nação na emergência e na lógica de evolução dos processos de globalização - principalmente por parte dos países que compõem o G-7 e a OCDE - omissão esta que, em nosso entender, se deve precisamente à concepção da globalização como uma variável independente e, portanto, a uma concepção reificada da globalização, em que esta é vista como um processo sem actores ou como “algo” que se processa para além da acção dos sujeitos[22]. A segunda tendência é a da separação da dimensão económica da dimensão política dos processos sociais (que está na origem da tendência para o determinismo económico) ou, mais especificamente, a separação do Estado e do capital. Em rigor, as duas tendências referidas estão interrelacionadas, ou seja, o facto de se considerar que a globalização implica uma perda significativa de poder dos Estados-nação pressupõe que a globalização do capital seja concebida como um processo que se foi e que se vai desenrolando de uma forma independente e exógena em relação à actuação dos Estados-nação:

To argue against the contemporary power of the state in the face of globalizing capital implies that the two are engaged in some kind of zero-sum game in which increasing power for one represents diminished power for the other (Kelly, 1999:390). The various writings of the state weakness approach rest on the shared assumption that capital acts and states are acted upon…in this approach there is a simple assumption of a unidirectional relationship between capital and state, in which the state is presented as the inactive agent or the victim of global economic processes (Zaky, 2004:3). Much of the literature on globalization assumes a separation of state and capital. This results in a fetishized view of the one acting on the other, with the central state dominant at one historical moment and now, apparently, with capital in the ascendancy (…)…in the globalization debate…the state and capital are characterized as doing things to each other (Cox, 2002:89/90; itálico nosso).

No entanto, no que se refere mais propriamente à primeira tendência (a da omissão do papel activo que os Estados-nação têm tido nos processos de globalização) há todo um conjunto de autores (para além dos já citados) que chamam a atenção para o facto de que a globalização é, antes de mais, uma criação política dos Estados-nação e que, em lugar de serem vítimas passivas, os Estados-nação se constituem como actores cruciais dessa mesma globalização. Como referem, por exemplo, Nicola Yeates, Linda Weiss, Doreen Massey, Hans-Henrik Holm e Philip Kelly, respectivamente:

Far from being victims of the forces unleashed by a social movement for global capitalism, states have supported, driven, steered and stabilised capitalist accumulation on a global scale (Yeates, 2003:5). Far from being simply a spontaneous product of free markets or new technologies, so-called globalization is in many respects a political creation. It is political…in the key sense that the opening up of financial markets has ocurred as a result of governments decisions (Weiss, 2000:11) We are constantly being told that individual countries are powerless in the face of multinational capital…but many governments (and most particularly those of the USA and the UK) are active participants in the promotion of the current form of globalization. It was the governments, not the companies, that signed up the Uruguay round of trade negotiations. Who gathered inside the splendid halls in Seattle for the World Trade Organization? Who began the process of nations giving away foreign exchange control? (Massey, 1998:1). Globalization became the political solution to the problems states confronted in the 70’s when Keynesianism was accused of not solving the problems of growth and unemployment. A new social compact resulted in policies promoting international investments, free trade and domestic liberalizations. Starting in the United States and Great Britain these policies spread among most OECD governments. (…) globalization is more than economic transactions. It is related to and dependent on governmental policies. Analitically we need to cast a wider net to get closer to the causal chains of globalization. Presently they are being obscured by facile neo-liberal rhetoric presenting globalization as a fait accompli. Governments present themselves as puppets on the globalization scene. They claim that if they want to be on stage they have to follow the dictates of the globalization puppeteer. But states are both puppets and puppeteers (Holm, 2001:6; itálico nosso). The World Trade Organization, the United Nations and its constituent bodies, the proposed Multilateral Agreement on Investments and other regulatory frameworks for the globalization of economic and political activity are all the projects of nation-state governments, not the imposition of some global authority. They may indeed represent a particular model of development and economic ideology, and they may also benefit some states more than others, but the fact remains that they are implemented by sovereign states (Kelly, 1999:390).

Na maior parte das análises que se debruçam sobre a relação entre a globalização e os Estados-nação, está, então, implícita a ideia de que enquanto que a partir dos anos 70 se foi assistindo a uma reestruturação capitalista, no sentido de uma crescente internacionalização das actividades económicas, os Estados-nação foram como que permanecendo estáticos, padecendo de uma inércia institucional, não se conseguindo, assim, renovar perante o novo cenário de internacionalização do capital, até, por fim, se terem tornado obsoletos e impotentes para controlar e regular esse mesmo capital, isto porque esse mesmo capital se teria (alegadamente) autonomizado e tornado cada vez mais independente em relação aos Estados-nação, devido à sua hipermobilidade e ao seu carácter “não-territorial”. Ou seja, mais uma vez, está aqui subjacente a ideia de que haveria uma primazia absoluta dos processos económicos sobre os processos políticos (que é precisamente o que caracteriza o determinismo económico) como se, na realidade, houvesse uma separação ontológica rígida entre a dimensão económica e a dimensão política dos processos sociais e como se houvesse, portanto, uma separação, também ela rígida, entre o Estado e o capital. No entanto, o que nós defendemos é que a relação entre Estado e capital, em vez de ser concebida como uma relação de oposição (e de primazia do segundo sobre o primeiro), deve ser concebida como um relação de interdependência funcional [23], o que significa, portanto, que o Estado e o capital devem ser vistos como mutuamente constitutivos, ou, como refere Ian Bruff: “state and capital shape each other’s evolution” (Bruff, 2004:10). Desta forma, principalmente no que se refere à relação entre a globalização e os Estados-nação, a dimensão económica dos processos sociais deve, em nosso entender, ser concebida como inseparável da dimensão política. Assim, como referem Christoph Hermann, Nitsan Chorev e Frances Fox Piven, respectivamente:

The reduction of trade barriers and the enhancement of capital mobility, together with the application of new information technologies, facilitated the emergence of big multinational corporations (Hermann, 2004: 3). In attempting to capture the elusive notion of “globalization”, scholars have most often referred to processes of international economic integration. But referring to globalization as a political process brings to the fore parallel non-economic aspects of the same process, thus incorporating into the analysis the fact that economic and political manifestations of any social phenomena are always closely related and necessarily intertwined. The process of globalization has not been an exception, as several trivial examples illustrate: the increased volume of international trade and the disaggregation of production and consumption across national boundaries have required states to reduce tariffs and non-tariff barriers; the spread and integration of financial markets would not have been possible without the de-regulation of those markets…these political and legal dimensions are not merely a reflection of pre-existing economic activity. Rather, political transformations, at times, precede and enable the economic trends. Globalization should therefore be viewed as a political process as much as an economic one (…) The case of the GATT/WTO shows that economic processes (here, open trade) would not have been possible without such structural transformations in the first place. Institutional changes, hence, are not a mere outcome of globalization but one facilitator of it (Chorev, 2004: 4-5/8-9; itálico nosso). I think a good deal of light can be cast on the globalization phenomenon if we shift attention away from markets and market determinism and turn to the politics associated with globalization (…) ideology does not only reflect experience. It can also be a powerful force in moulding the institutions which shape experience. A process like this helps to account for the institutional changes - like, for example, the dismantling of Bretton Woods - which facilitated international capital mobility, and of the new institutions such as GATT and NAFTA which are encouraging the expansion of trade. In these instances, a hegemonic ideology supporting the necessity and inevitability of the free movement of capital and goods helped to create the institutional conditions which then contributed to making the free movement of capital and goods a reality (Piven, 1995:110/112; itálico nosso).

A reestruturação capitalista que se tem vindo a verificar desde os anos 70 deve, então, em nosso entender, ser concebida como um processo, ou melhor, como um projecto político-económico e não apenas como um processo de natureza económica que foi evoluíndo de uma forma relativamente espontânea e automática, e que acaba, posteriormente, por ter determinadas consequências políticas (neste caso, o declínio e a perda de poder dos Estados-nação). Isto porque a internacionalização do capital requereu (e requer) uma intervenção activa - ainda que qualitativamente diferente - por parte dos Estados-nação e, neste sentido, consideramos que a erosão de uma forma de intervenção estatal não deve ser confundida com uma obsolescência generalizada desses mesmo Estados-nação[24]. As mudanças económicas que se têm vindo a verificar principalmente nas duas últimas décadas e meia, no sentido de uma crescente internacionalização do capital, dependeram, então, em grande medida, de um conjunto de mudanças políticas (motivadas, por sua vez, por mudanças ideológicas no sentido do estabelecimento de um progressivo consenso transnacional de cariz neoliberal) e não o contrário. A internacionalização do capital dependeu da própria «internacionalização do Estado» (Cox, 1987), e, portanto, a internacionalização do capital e a internacionalização do Estado devem ser concebidas como duas faces da mesma moeda. Assim, como referem Henry Wai-chung Yeung e Ash Amin/Ronen Palan e Tore Fougner, respectivamente:

The premise that the internationalization of capital has led to the loss of state autonomy is misleading…the internationalization of capital is critically dependent on the internationalization of the state in order to secure the continued reorganization of social relations in favour of capital accumulation on a world scale. To a large extent, the state provides the necessary conditions and institutions for the internationalization of capital…the premise reflects a continuous theoretical misconception that the state and capital (represented on a global scale by the Transnational Corporations) must be seen as two independent spheres, rather than as integral parts of the totality of capitalism. The state not only has initiated the necessary conditions (e.g., factors of production, property rights, social order, etc.) to enable the accumulation and internationalization of capital, but also continues to provide such conditions, albeit under different time-space circumstances. It is not whether capital’s internationalization results in the decline of the state, but rather of how the state continues to participate in capital’s internationalization in order to sustain the reproduction of capitalism itself (Yeung, 1998:296; primeiro itálico nosso; restantes no original) The repertoire of state and Transnational Corporations’ strategies is not a question of shift in the balance of power from state to TNCs or a new global corporatist alliance between the latter, but a process of evolution in which the existing institutional arrangements adapt and change both to accommodate and sustain capitalist accumulation in new forms. States are not separate from, or antagonist to, TNCs, but with firms, nested in a deeper shift towards new institutional forms (Amin e Palan, 2001:572). In spite of existing a tendency to naturalise and de-politicise the establishment of an open and competitive global marketplace with reference to “technological developments” and/or “market integration” we must acknowledge that neither market nor competitive behaviour are self-constitutive parts of a nature that will blossom if only “politics” gets out of the way. To the contrary, the realisation of a global markeplace depends not only on active state dismantling of “barriers” to the free flow of goods, services, capital and (perhaps?) labour, but also on the putting in place of the basic political, legal and institutional framework in and through which a market is constituted (property rights, contract rights, etc.) and policed on a continuous basis (competition policy) - this is, by harmonising nation-statal frameworks (Fougner, 2004:20).

Tudo isto parece, então, apontar não para um declínio irreversível e uma morte anunciada dos Estados-nação, mas antes para uma mudança da sua estrutura, forma e funções[25]. Robert W. Cox (1987) foi dos primeiros autores a desafiar a ideia de que os Estados-nação estariam a sofrer uma perda significativa de poder, propondo em alternativa o já referido conceito de «internacionalização do Estado». Cox defende que as novas políticas estatais, de cariz neoliberal, ao nível da saúde, da educação, da assistência social e dos impostos, bem como a reestruturação interna do Estado no sentido de uma progressiva descentralização, desregulação e privatização do património público, não implicam necessariamente que o Estado-nação se esteja cada vez mais a retirar de cena e a eclipsar-se, mas que esse mesmo Estado-nação se esteja antes a internacionalizar[26]. Segundo Cox, esta «internacionalização do Estado» não implica que este sofra uma perda significativa de poder, até porque, como o mesmo afirma: “power has shifted not away from the state but within the state, i.e., from industry or labor ministries towards economy ministries and central banks” (Cox, 1992:30; itálico no original). A «internacionalização do Estado» parece depender, então, de uma reestruturação interna desse mesmo Estado. Como afirmam Clyde Barrow, Ellen Wood, Nitsan Chorev e Pierre Bourdieu, respectivamente:

In fact, what some have interpreted as the retreat of the state is an internal realignment of power within the state apparatus to privilege the institutions, offices and agencies in closest contact with the centres of the global economy, while subordinating or disempowering those offices and agencies that draw support from domestic constituencies. The offices of presidents and prime ministers, treasuries and central banks now assume the leading role in state policy, while ministries of labour, health, welfare and education, among others, are being subordinated ideologically to the tenets of international competitiveness and further disempowered through budget and staffing reductions (Barrow, 2005:6). Globalization has certainly been marked by a withdrawal of the state from its social welfare and ameliorative functions, and, for many observers, this has perhaps more than anything else created an impression of the state’s decline (Wood, 2003:140). Philip McMichael (1996) describes as part of the “globalization project”, the budgetary constraints on the state led to cuts in ministries such as education, agriculture, health, and social services and at the same time privileged the financial and trade ministries that survived. This has meant that state agencies that support and regulate economic and social sectors affecting the lives of the poorer classes have lost resources to agencies more concerned with the sectors that connect with global enterprise (Chorev, 2004:7-8; itálico nosso). Todos os chamados “trabalhadores sociais”: assistentes sociais, educadores, magistrados de base e também, cada vez mais, professores, primários e de outros níveis de ensino, constituem aquilo a que eu chamo a mão esquerda do Estado, o conjunto dos agentes dos ministérios ditos despesistas que são a marca, no interior do próprio Estado, das lutas sociais do passado. Opõem-se ao Estado da mão direita, aos grandes responsáveis do Ministério das Finanças, dos bancos públicos ou privados e dos gabinetes ministeriais…penso que a mão esquerda tem a impressão de que a mão direita já não sabe ou, pior, já não quer realmente saber o que faz a mão esquerda (Bourdieu, 1998:4).

Possivelmente, uma forma mais adequada de tentar resolver teoricamente a questão da relação entre a globalização e os Estados-nação e de afastar, de uma forma convincente, a ideia de que esses mesmos Estados-nação estariam a sofrer uma perda significativa de poder em virtude dessa mesma globalização, será, talvez, a de começar por distinguir o Estado, como uma forma institucional genérica de governança, dos estados como entidades especificamente nacionais, ou seja, dos estados-nação realmente existentes. Em nosso entender, este ponto de partida pode, talvez, apresentar pelo menos duas vantagens acrescidas em relação à maior parte das análises produzidas nas perspectivas do «hiperglobalismo neoliberal» e na «perspectiva globalista». Em primeiro lugar, pensamos que esta distinção nos permite considerar a diversidade de experiências dos diferentes Estados-nação na sua relação com a globalização. Assim, como afirmam Eshrak Zaky, Alberto Martinelli, Ngaire Woods e Philip Kelly, respectivamente:

Obscuring diversity in state’s actions in both national and international spheres, such assumptions separate the economic from the political and rule out the possibility that states act differently in dealing with both international forces and local needs not just because they have different policy options to make but also because they participate differently in the process of globalization. This participation and policy choices are governed by their internal power structures as well as their positions and rank in the inter-states system of power (Zaky, 2004:4; itálico nosso). The commonplace idea of the demise of the nation-state doesn’t consider the great differences in both hard and soft power among different governments, and largely underestimate the continuing central role played by the most powerful countries in global politics (Martinelli, 2003:99). One way to think about the impact of globalization is to distinguish between ‘strong states’ and ‘weak states’…the strong states are those which shape the rules and institutions which have made a global economy possible…one example is the way US policies shaped the creation, implementation, and the breakdown of the Bretton Woods system (Woods, 2001:18). While smaller or less states might have experienced a decline in power, particularly when under very open economic regimes or the disciplinary surveillance of multilateral organizations such as the IMF, other states (such as the USA) experience no diminution, and perhaps even an enhancement, of geopolitical and geoeconomic power (Kelly, 1999:389).

Em segundo lugar, pensamos que esta mesma distinção entre «Estado» e «estados» nos permite questionar a lógica de jogo de soma nula frequentemente utilizada na análise da relação entre a globalização e os Estados-nação, em que se considera que um acréscimo da tendência para a globalização implica necessariamente que haja um decréscimo em termos de poder para esses mesmos Estados-nação. Mesmo num contexto de globalização, o Estado, como uma forma institucional genérica de governança, pode não ver necessariamente o seu poder diminuído, mesmo que os estados, entendidos como entidades especificamente nacionais, estejam a sofrer algumas “intromissões” na sua soberania[27]. Isto porque o Estado foi encontrando novas formas transnacionais de governança que, em alguns aspectos, acabam por compensar o abandono de algumas funções tradicionais e a cedência de alguma soberania por parte dos estados (ou seja, o que se perde, em termos de poder, por um lado acaba, de certa forma, por se ganhar do outro). O que, em nosso entender, é preciso compreender, então, são as mudanças, em termos qualitativos, ao nível do Estado e o impacto destas mudanças nos diferentes estados (e nos diferentes sectores da população, principalmente nos mais desfavorecidos, que, em nosso entender, são os que mais têm sofrido com estas mesmas mudanças). Assim, como afirmam alguns autores (embora as outras citações também sejam bastante importantes, chamávamos aqui a atenção para a distinção que é efectuada na primeira citação entre a dimensão política e a dimensão territorial do estado que, em alguns aspectos, corresponde à distinção que efectuámos entre Estado e estados-nação):

There is a tendency to conflate the geographical/spatial dimension of the nation-state with its institutional, political or instrumental dimension. There is an insufficient differentiation between national territory and national territoriality (political dimension), both of which are affected by the process of globalization...The idea of fluidity and instability of geopolitical formations does not negate their important role in governance regardless of the forms and size they take (e.g., city, nationally, regionally or transnationally-based forms). However, this instability reaffirms the dominance of the political aspect of the state over its geographical one and the greater ability of the first to tailor the second to its needs (Zaky, 2004:6; itálico nosso). Whereas the state may loose some of its traditional functions in the capital accumulation process (e.g.,control of capital flows), it may also gain other strategic functions through engaging with wider networks of political actors in globalization (e.g., regional and international organizations) (Yeung, 1998:293). A state may seek to enhance control over the external environment by entering into alliances and agreements with other states...The state thereby pools some sovereignty in return for increased coordinating capacity. This was the aim of member states of the EU, and it informs much of the thinking behind APEC and NAFTA. The promotion of ‘regional integration’ is thus one means by which states may reconstitute core capacities and bolster opportunities for national capital. In this way, states can be seen as perpetrators or ‘catalysts’, rather than victims, of a so-called globalizing tendency. Thus, while the EU member states are no longer the sole centres of power within their own borders (i.e., no longer ‘integral’ states), it may well be that the very alliance of European states has enabled each member state more rather than less control over the international economy — in particular, by ‘Europeanizing’ the market, and thus strengthening and creating barriers (both natural and formal) to inter-continental rivals (Weiss, 2000:9). There is thus a rescaling of governance, but this reshapes rather than removes the nation-state from the scene…It is a reconstitution of state power rather than its diminution (Kelly, 1999:391). The ideological shape of the state has changed dramatically, even if its size has not changed as much as neoliberal reformers would have us believe. In analytical terms, the wave of neoliberal globalization forces us to reformulate the spatial and scalar assumptions of governmentality, many of which had previously been anchored to the nation state. In this context, the terms nation and state can no longer be casually hyphenated as once they were (Peck, 2004b:397; itálico no original).

3- A GLOBALIZAÇÃO IMPLICA NECESSARIAMENTE UMA CONVERGÊNCIA NEOLIBERAL E UMA «RACE-TO-THE-BOTTOM»? GLOBALIZAÇÃO E SOCIAL-DEMOCRACIA: UMA EQUAÇÃO IMPOSSÍVEL?

Uma tendência que também se interrelaciona com todas as outras que já foram referidas anteriormente, e que é indissociável da ideia dos Estados-nação como vítimas passivas do processo de globalização, é a de que a globalização seria responsável por uma convergência neoliberal generalizada, desencadeando essa mesma globalização, inevitável e intrinsecamente, uma espiral descendente ou um progressivo nivelamento por baixo (aquilo a que os anglo-saxónicos designam por «race-to-the bottom») quer em termos de taxação dos rendimentos sobre o capital, quer em termos do nível das despesas sociais e dos direitos laborais. Daniel Drezner e Linda Weiss captam bem a lógica determinista e fatalista que está subjacente às teorias da «race-to-the bottom» associadas à globalização:

High rates of corporate taxation, strict labor laws…lower profit rates by raising the costs of production. Capital will therefore engage in regulatory arbitrage, moving to countries with the lowest regulatory standards. States, fearing a loss of their tax base, have no choice but to lower regulatory standards in order to avoid capital flight (…) The end result is a world where regulatory standards are at the lowest common denominator (Drezner, 2004:27/25; itálico nosso). The structural pressures of openness are supposed to work their effects on policy in the following way: economic openness creates a new capitalism of ‘entry’ and ‘exit’. As barriers to trade, investment and finance fall, governments increasingly compete to attract and retain mobile capital; they must therefore pursue policies that complement the preferences of multinational corporations and financial markets lest these highly mobile investors exercise the exit option and take flight to lower tax and welfare-conservative environment. As a result, financial openness and corporate mobility are expected to exert downward pressure on fiscal and social policy, forcing welfare retrenchment, corporate tax cuts, and shifts in the tax burden from capital to labour. This is the effect popularly known as a ‘race-to-the-bottom’ (Weiss, 2003:14; itálico nosso).

No entanto, é muito curioso verificar que a teoria da «race-to-the bottom» está muito longe de ser nova; ela já tem, pelo menos, 229 anos e não difere substancialmente da versão de Adam Smith (um economista liberal por excelência) quando este, na sua obra The Wealth of Nations, alertava para os perigos e limites do poder do Estado na taxação dos factores móveis de produção:

The proprietor of stock is properly a citizen of the world, and is not necessarily attached to any particular country. He would be apt to abandon the country in which he is exposed to a vexatious inquisition, in order to be assessed a burdensome tax, and would remove his stock to some country where he could either carry on his business or enjoy his fortune at his ease. By removing his stock he would put an end to all industry which it had mantained in the country which he left. A tax that tended to drive away stock from a particular country, would so far tend to dry up every source of revenue, both to the sovereign and to the society. (Smith, [1776]1976:848-9).

Seja como for, as teorias da «race-to-the bottom» associadas à globalização (e associadas principalmente à perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal») assentam numa lógica causal bastante simplista: a globalização - concebida, mais uma vez, como uma variável independente - produziria, mecânica e deterministicamente, uma convergência neoliberal (ou uma convergência para um modelo económico e social Anglo-Americano, que se caracteriza, entre outras coisas, por possuir um Estado Social residual), sendo esta convergência tida como a variável dependente dessa mesma globalização. A pressão para a convergência neoliberal adviria, então, da (hiper)mobilidade do capital associada à globalização, e os países que (alegadamente) mais sentiriam essa mesma pressão seriam precisamente aqueles que possuem um Estado Social mais desenvolvido (principalmente os países europeus), na medida em que, numa economia cada vez mais aberta, estes países estariam agora a competir com outros países que oferecem custos de produção muito mais baixos (precisamente devido ao facto de estes últimos oferecerem uma taxação empresarial muito baixa, uma mão-de-obra muito mais barata e “flexível” e de possuirem um conjunto de garantias sociais muito menores). Esta nova condição associada à globalização - a mobilidade do capital - parece assim (principalmente segundo a perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal») anunciar inevitavelmente a obsolescência e o fim da social-democracia e do Estado-Providência. Isto porque, como afirma John Gray: “the social democratic regime presupposed a closed economy (…) Such regimes will be threatened by downwards harmonisation as they progressively dismantle themselves, so they can compete on more equal terms with economies in which environmental, social and labour costs are lowest” (Gray, 1998:88/92). Assim, como refere Colin Hay:

It has become something of a popular truism that globalization spells if not quite the passing of the nation-state itself, then the demise of inclusive social provision and with it the welfare state. The competitive imperatives of a borderless world characterized by the near perfect mobility of the factors of production, it is frequently assumed, reveal the welfare state of the post-war period to be an indulgent luxury of a bygone era. Along with Keynesianism, social democracy and encompassing labour-market institutions it must now be sacrificed, if it has not already been sacrificed, on the altar of the competitive imperative - a further casualty of the ‘harsh economic realities’ summoned by globalization. Invariably such portentous accounts take the form of a dualistic history: of ‘old times’ and ‘new times’, then and now. Once upon a time, when European economies were closed, macroeconomic policy was Keynesian and capital bore a national stamp, the welfare state provided a series of positive externalities, principally wage restraint in return for investment incentives and a social wage. This, in turn, served to establish and sustain a virtuous cycle of high demand, high productivity, high growth. How times have changed. With open economies, a distinctly post-Keynesian ideational environment and heightened capital mobility, positive externalities have given way to negative externalities. The welfare state is now widely held to represent a burden on competitiveness, a burden manifest in punitive levels of taxation and assorted labour market (and broader supply-side) rigidities. These can only impede the proper functioning of the market and with it the competitive and comparative advantage of the economy (Hay, 2001a:38-9).

O que pretendemos, então, neste subcapítulo é tentar desafiar teorica e empiricamente as teses da «race-to-the-bottom» associadas à globalização e a ideia de que a globalização implicaria, necessária e inevitavelmente, uma convergência neoliberal (ou uma convergência para um modelo económico e social Anglo-Americano). Pretendemos, assim, demonstrar que não há nada de intrínseco na abertura económica associada à globalização que implique que o Estado-Providência e a social-democracia sejam algo de anacrónico e um entrave à competitividade das economias. Ainda que de uma forma não exaustiva, pretendemos demonstrar precisamente o contrário: não só a social-democracia e o Estado-Providência não devem ser concebidos como uma propriedade exclusiva de um tempo histórico ultrapassado (pressupondo uma economia fechada e estando associados a um tipo particular de estrutura de classes[28]), como também é precisamente nos países em que esta mesma social-democracia se encontra mais profundamente institucionalizada que, a nível mundial, ainda melhor se combina uma forte competitividade económica com um elevado nível de protecção social. Tendo em vista o objectivo referido será, então, conveniente, num primeiro momento, debruçarmo-nos com mais detalhe sobre os pressupostos teóricos que estão subjacentes às previsões teóricas das teses da «race-to-the-bottom» associadas à globalização (que são precisamente os pressupostos que estão implícitos na perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal») e as consequentes inevitabilidades que (alegadamente) decorreriam dessa mesma globalização:

The popular and extremely influential airport lounge/hyperglobalization business school literature shares with the open economy neo-classical macroeconomics many core assumptions… this perspective has proved to be exceptionally influential in public policy making circles in contemporary Europe and elsewhere…globalisation is here equated with perfect capital mobility and perfect competition under pure open economy conditions.  In business school variants, such assumptions are invariably presented as a wholly unproblematic, if nonetheless parsimonious, approximation of an external reality. Globalisation is thus depicted as a stable equilibrium, an end-point that has already been achieved (as distinct from a process or tendency) and as an entirely non-negotiable external economic imperative which exposes all economies within the global system to identical or near identical pressures and challenges (Hay, 2002a:4). The policy implications of such an account are painfully clear. As globalization serves to establish competitive selection mechanisms within the international political economy, there is little choice but to cast the welfare state on the bonfire of regulatory controls and labour-market rigidities. Compelling though such an alarming logic may sound, it serves us well to isolate the assumptions which ultimately summon this simple ‘logic of no alternative’. They are principally fourfold: That capital invests where it can secure the greatest net return on that investment and is possessed of perfect information of the means by which to maximise this utility; that capital enjoys perfect mobility and that the cost of exit is zero; That capital will invariably secure the greatest return of investment through minimizing its labour costs by seeking out a captive supply of cheap labour in flexible and deregulated labour markets and by relocating its productive activities in economies with the lowest rates of corporate taxation; This third assumption leads fairly directly to a fourth and final assumption: That the welfare state (and the taxation receipts out of which it is funded) represent nothing other than lost capital to mobile asset holders and have no positive (or even potentially positive) externalities for the competitiveness of the national economy (Hay, 2001a:50).

Um dos argumentos centrais das teses da «race-to-the-bottom» associadas à globalização é o de que, num contexto de abertura económica das fronteiras nacionais e, portanto, de uma crescente mobilidade do capital, os países capitalistas mais avançados entrariam numa competição cada vez mais feroz para atrair esse mesmo capital, o que forçaria esses mesmos países a baixarem progressivamente as suas taxas de impostos (principalmente os que recaem sobre as empresas), tentando, por essa via, não só garantir que o capital investido no interior das suas fronteiras lá se mantenha, como também proporcionar um ambiente económico o mais atractivo possível para o capital de origem estrangeira. Dados os pressupostos teóricos de partida da competição perfeita numa economia mundial puramente globalizada e da mobilidade absoluta do capital, nas teses da «race-to-the-bottom» considera-se, portanto, que estes mesmos países não teriam outra opção senão seguir esta lógica darwiniana de harmonização descendente, dando assim origem a uma convergência para taxas cada vez mais baixas de impostos, principalmente no que se refere aos impostos sobre os rendimentos do capital. Desta forma, como afirmam Christian Lammert e Philip Genschel, respectivamente:

The increased mobility of capital across national borders is alleged to put pressure on governments to decrease the overall tax burden and therefore to cut aggregate expenditures, especially on welfare. Governments are also forced by capital mobility to shift the tax mix away from progressive and relatively mobile direct (high income and capital) taxes towards more regressive and immobile indirect (consumption and labour) taxes. This tax competition to attract global capital, is supposed to lead to a race to the bottom in corporation tax rates and finally to a fiscal crisis of the state (Lammert, 2004:2; itálico nosso). During the 1990s, there was a lot of concern in Europe that globalization would undermine the fiscal basis of the welfare state. Newspapers were full of dire warnings from policy makers who saw the coming of “cut throat tax competition” (Maystadt 1994: 2) and bemoaned the loss of “billions of Euro” to unfair tax poaching (Lafontaine and Strauss-Kahn 1999: 18). G-7 summits, the European Commission, and the OECD issued alarmist reports on “harmful tax competition” (OECD 1998c; European Commission 1996a). Scholars warned of “beggar-thy-neighbour policies” (Tanzi und Bovenberg 1990: 187) and an impending “race to the bottom” that would force “down the share of total government revenue generated by taxes on business and capital income” (Scharpf 1997: 531). “In equilibrium, the tax rate on capital in each state will be driven to zero” (Frey 1990: 89) with potentially serious consequences for public goods provision and distributional equality (CEPR 1993; Sinn 1997). “The end of redistribution” (Steinmo 1994) seemed near. Doomsday for the welfare state (Genschel, 2001:2; itálico nosso).

A mobilidade do capital associada à globalização representaria, assim, segundo as teses da «race-to-the-bottom», uma ameaça séria à continuidade da sustentabilidade financeira do Estado-Providência, não só porque obrigaria os países mais desenvolvidos a reduzirem drasticamente as suas despesas sociais (por forma a reterem e a atrairem o máximo de investimento possível, dado que, nesta perspectiva, se considera que o Estado-Providência não é mais do que um custo para o capital e que este último, dada a sua crescente mobilidade, tenderia a implantar-se cada vez mais em países socialmente pouco desenvolvidos), mas também porque essa mesma mobilidade faria com que estes países entrassem numa espiral descendente, principalmente em termos de taxação dos rendimentos sobre o capital, provocando, assim, uma quebra significativa das receitas fiscais estatais - o que causaria uma grave erosão da base fiscal do Estado-Providência. Para suportar este argumento, os adeptos das teses da «race-to-the-bottom» costumam apontar para as mudanças nas taxas marginais de impostos. Estes fazem notar que, nos países capitalistas mais avançados, os governos têm vindo progressivamente a baixar essas mesmas taxas marginais de impostos, quer sobre os indivíduos, quer sobre as empresas, desde meados dos anos 70 (Steinmo, 1993). Assim, enquanto que, em 1981, nos países capitalistas mais avançados, a taxa marginal de imposto mais elevada sobre os rendimentos do capital (vulgo IRC) era, em média, de 45%, em 1995, essa mesma taxa já tinha descido, em média, para 35% (Swank e Steinmo, 2002). No entanto, há autores, como John Campbell, que chamam a atenção para um facto muito importante:

Marginal rates are only one dimension of a tax regime, and not the most important one to the extent that few individuals or corporations actually pay marginal tax rates, especially in the higher tax brackets. This is because they take advantage of a number of so-called tax expenditures, that is, deductions and other loopholes in the tax code, which effectively reduce the amount of tax they pay. This is why it is more important to examine the effective tax rate, which is the percentage of reported income or profits actually paid in tax by individuals or corporations, respectively, after they take advantage of these tax expenditures. Both marginal and effective rates reflect the tax burden for different income groups as specified by the tax code, but effective rates are a better indicator of the full complexity of the law. As a result, the effective tax rate provides a more realistic view of the institutional structure of the tax code than the marginal rate. The effective tax rates have not been reduced much because while governments were cutting marginal rates, they were also scaling back or eliminating investment tax credits, exemptions, and other tax expenditures that had lowered the taxes that individuals and corporations really paid. Between 1981 and 1995 the effective tax rate on capital declined only slightly on average from 38 to 36 percent in the advanced capitalist countries. In this regard there is a rather limited evidence of a race to the bottom (Campbell, 2002:20; itálico nosso).

De facto, as teses da «race-to-the-bottom» (sem ser nas relativamente inconsequentes taxas marginais de impostos) não parecem ter qualquer suporte empírico. Come se pode ver em anexo, nas décadas normalmente associadas à emergência e intensificação da globalização (décadas de 1980 e 1990), em nenhuma das categorias visadas (receitas fiscais totais, impostos sobre os rendimentos do capital, impostos pagos à segurança social pelo patronato e impostos sobre os rendimentos individuais) se observa qualquer espécie de «race-to-the-bottom», ou uma espiral descendente, no que se refere ao nível das receitas fiscais nos países capitalistas mais avançados, muito menos nos países europeus, que, de um modo geral, possuem um Estado-Providência mais desenvolvido. Antes pelo contrário. Mas vamos por partes.

No que respeita à categoria das receitas fiscais totais, se as teses da «race-to-the-bottom» estivessem correctas, seria de esperar que a mobilidade do capital associada à globalização tivesse provocado uma progressiva convergência para níveis cada vez mais baixos no que se refere às receitas fiscais totais (comprometendo, assim, a base fiscal do Estado-Providência). No entanto, como se pode observar no quadro 1 e no gráfico 1 (ver em anexo s.f.f.), nos países pertencentes à OCDE, as receitas fiscais totais têm vindo, de facto, a aumentar, em média, nas últimas décadas. O quadro 1 mostra que, entre 1970 e 1998, a média das receitas fiscais totais (em percentagem do PIB), em 18 países da OCDE, aumentou de 32% para quase 40% do PIB e que as medianas aumentaram de 33% para 39% do PIB (nos países europeus representados nesse mesmo quadro, entre o mesmo período, a média aumentou de 33.7% para 42.5%, enquanto que, nos países não-europeus, essa mesma média aumentou apenas de 25.8% para 31.9%). Além disso, no que se refere ao conjunto dos países representados nesse mesmo quadro, as medidas de dispersão correspondentes também aumentaram. O desvio-padrão (associado à média), durante o mesmo período, passou de 6.1 para 7.2, e o intervalo interquartis (associado à mediana) passou de 8.1 para 9.9. Neste caso, as medidas de dispersão indicam quão perto os países se tendem a agrupar em torno da média das receitas fiscais totais. Os valores mais baixos das medidas de dispersão indicam que há um maior agrupamento em torno da média, ou seja, indicam a existência de uma maior tendência para a convergência em torno de um valor comum do que os valores mais altos. Assim, no que se refere ao conjunto dos países, não só as receitas fiscais totais aumentaram em vez de descer, como também não houve nenhuma convergência para um nível comum de taxação nos países referidos. Em ambas as dimensões, os dados empíricos contradizem a tese da «race-to-the-bottom» fiscal.

No que respeita aos impostos sobre os rendimentos do capital, tanto o quadro 2, como o gráfico 2, mostram que, nas últimas décadas, não houve nenhum alívio da carga fiscal sobre os rendimentos do capital nos países da OCDE, apesar da crescente mobilidade que esse mesmo capital tem vindo a ganhar principalmente nas duas últimas décadas. Antes pelo contrário. O quadro 2, que dá conta da evolução das receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital em 18 países da OCDE (medida em percentagem do total das receitas estatais), mostra que, entre 1975 e 1998, a média dessas mesmas receitas aumentou de 10.7% para 13.4% do total das receitas estatais. Enquanto que nos países europeus, com um Estado-Providência tradicionalmente mais generoso, entre o mesmo período, essa mesma média aumentou de 7.1% para 11.9%, nos países não-europeus, também entre o mesmo período, essa média desceu de 20% para 17.2%.

No que se refere aos impostos pagos à segurança social pelo patronato, o gráfico 3 mostra que, principalmente na última década, nos países da OCDE, a média destes mesmos impostos (em percentagem do PIB) também têm vindo a aumentar, principalmente na década de 90, ainda que moderadamente. Por fim, no que respeita aos impostos sobre os rendimentos individuais, o gráfico 4 mostra que, entre 1980 e 2001, nos países da OCDE, estes mesmos impostos (em percentagem do PIB), têm-se mantido num nível bastante estável, o que acaba também por contradizer um dos argumentos centrais das teses da «race-to-the-bottom» associadas à globalização, que previa que, devido à crescente mobilidade do capital, a carga fiscal recairia cada vez mais sobre os factores de produção menos móveis (ou seja, os trabalhadores).

O que pode causar algum espanto nesta evolução das receitas fiscais de que tentámos dar conta, é que, de um modo geral, as receitas fiscais dos países capitalistas mais avançados aumentaram precisamente no mesmo período em que também aumentou a mobilidade do capital. Parece, então, haver, de facto, uma relação positiva, em vez de uma relação negativa, entre a mobilidade do capital associada à globalização e o nível das receitas fiscais arrecadadas por estes mesmos países. Mais: nos países europeus representados na amostra, não só a média dos aumentos ao nível das receitas fiscais totais foi maior do que a média dos aumentos nos países não-europeus, como ainda, ao nível das receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital, enquanto que nos países europeus houve um aumento da média das receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital, nos países-não europeus, essa mesma média baixou. Ou seja, parece haver, também aqui, uma relação positiva, em vez de negativa, entre a mobilidade do capital associada à globalização e o nível das receitas fiscais arrecadadas pelos países que, de um modo geral, apresentam um Estado Social mais desenvolvido, o que contradiz em absoluto as teses da «race-to-the-bottom» associadas ao «hiperglobalismo neoliberal». Os dados empíricos apresentados parecem, então, deitar por terra a tão badalada ideia de que a abertura económica das fronteiras nacionais desencadearia, necessária e inevitavelmente, uma «race-to-the-bottom», ou uma espiral descendente, principalmente no que se refere à taxação dos rendimentos sobre o capital nos países capitalistas mais avançados, e que a globalização provocaria, também necessária e inevitavelmente, uma erosão da base fiscal do Estado-Providência.

O que se pode, talvez, extrapolar destes dados (mas também de outros que iremos apresentar mais à frente), é que o aumento da possibilidade potencial de fuga do capital, dada a sua condição de crescente mobilidade, não precipita necessariamente uma fuga maçiça desse mesmo capital dos países económica e socialmente mais desenvolvidos. Ou seja, apesar de o capital ameaçar várias vezes jogar o “trunfo” da mobilidade, esse mesmo “trunfo” (principalmente no que se refere a estes mesmos países e a determinados sectores económicos) não é tantas vezes jogado como teoricamente o poderia ser[29]. Se, de acordo com um estudo efectuado pela KPMG, os países da OCDE, em 2001, ainda apresentavam, em média, uma taxa sobre os rendimentos do capital de 33%, enquanto que essa mesma taxa, nos países emergentes da América Latina e da região da Àsia-Pacífico, era, em média, de 30% (Leblond, 2002), porque é que, então, nos países económica e socialmente mais desenvolvidos, não se tem vindo a assistir a uma «race-to-the-bottom», principalmente no que se refere às receitas e às taxas de impostos, principalmente nos que recaem sobre os rendimentos do capital? Embora, mais à frente, queiramos tentar responder a esta e a outras questões de alguma forma relacionadas com ela de uma forma mais detalhada, a resposta parece assentar parcialmente no seguinte:

Both states and capital want a secure investment environment, which meets with the most developed states’ requirements to enhance national economic growth rates (as well as revenue extraction), while simultaneously enabling the enhancement of global capital’s profits. And global companies accept (albeit grudgingly) that the price of this is the payment of taxes in order to maintain these same states (Hobson, 2003:56). Richard Baldwin and Paul Krugman (2001) find that European countries with large clusters (“agglomeration”) of capital—whereby capital benefits from the presence of other capital (e.g., supply chains, knowledge sharing, strengthened infrastructure, etc.)—have higher tax rates than those countries that offer lesser agglomeration benefits. These agglomeration benefits allow countries to demand higher taxes without seeing capital leave their territory (Leblond, 2002:25).

Cabe, ainda, perguntar: se a alegada hipermobilidade do capital possibilita que as escolhas dos locais para a implantação desse mesmo capital sejam cada vez mais feitas apenas em função dos baixos custos de produção, porque é que, por exemplo, o continente africano se encontra, de um modo geral, cada vez mais excluído dos fluxos do capital global? Dada essa mesma alegada condição de hipermobilidade do capital, em que as preferências deste alegadamente recairiam cada vez mais nos países com salários mais baixos, com uma taxa mais baixa de impostos sobre as empresas e com um Estado Social pouco desenvolvido, porque é que não se tem vindo a assistir, nos últimos anos, a uma fuga maçiça de capital dos países económica e socialmente mais desenvolvidos[30]? Porque é que as conclusões de um estudo recente, efectuado pela Deloitte & Touche, apontam para a continuidade de um (aparente) paradoxo?

Our research suggests a continuing global investment paradox. While foreign direct investment into high-wage countries has remained fairly steady from 1999 to 2003 (the last five years for which data are available for following comparative analysis), around an average of about US$22 billion per year, global investments into fast-growing, low-wage economies declined nearly 67 percent over the same period to just US$4 billion in 2003. Despite what would appear to be major opportunities for FDI (foreign direct investment) in emerging markets, such as China and India, most U.S. manufacturers are putting most of their investment bets on the developed markets of Western Europe, North America (Canada), and Asia-Pacific (including Australia). For example, U.S. manufacturing FDI into India fell to just over US$50 million in 2003, down 80% from nearly US$250 million in 1999. Investments by U.S. manufacturers into China — a hotbed of global manufacturing expansion — reached $760 million in 2003; down more than 52% from nearly US$1.3 billion in 1999, although recovering slightly from a low of US$575 million in 2002[31].

De facto, apesar de as concepções hiperbólicas da globalização associadas ao «hiperglobalismo neoliberal» continuarem a ser extremamente influentes nos círculos económicos e políticos dominantes (nacionais e internacionais), essas mesmas concepções parecem, no entanto, assentar nos seguintes mitos:

The ruling myth holds that globalization is no longer a trend in capitalist development, but a full-fledged reality. Capital flows are global, competition is global, manufacturing is global, and labor migration is global. This myth is joined at the hip with the myth of least-cost location, which says that the danger of industry fleeing to offshore sites is immediate and universal because capital is instantly fluid and utterly indifferent to where it operates manufacturing plants. It means that workers in all countries are in direct competition for the same jobs, and that the cheapest and most docile labor will be the winner in the capitalist beauty contest. It means that any government that taxes or regulates or otherwise pollutes the ‘local business climate’ will drive off investors to distant shores, hurting its own working people. Globalism is thus the perfect excuse to do nothing -- that inhibits the freedom of capital. We are helpless before it (…) The dominant myth says that industrial location is driven by the cost of labor, hence employers will move away from high wage areas to places where lower wages prevail. If this were true, however, all industry would have moved to Mississippi or Haiti long ago. On the contrary, most of the world’s industry is found in the advanced capitalist countries (and within them in the principle urban centers, such as Chicago, Detroit or LA) where costs, including wages, are generally the highest, not the lowest. The Northern Triad nations of North America, Northern Europe and Japan still command over 70% of the world’s output, employment, investment and income, and the ongoing complaint of most of the world is the difficulty of ever catching up. Behind this myth lies the whole edifice of conventional economics, which says that capitalists make optimizing calculations based on market prices under conditions of perfect competition and constant returns; thus the chief dynamic of production is the drive to minimize costs, including those of hiring workers (Walker, 1999:5/8; itálico nosso).

O principal mito, associado ao «hiperglobalismo neoliberal» (bem como a muitos autores da «perspectiva globalista»), parece ser, então, o de se considerar que, em termos económicos, uma das principais características da globalização seria o «fim da geografia», ou seja, a independência das actividades económicas em relação aos territórios concretos e à sua localização geográfica (desterritorialização) - devido ao (alegado) facto de o capital ter adquirido uma mobilidade absoluta, e que, portanto, a globalização (per se) desencadearia, necessária e inevitavelmente, uma «race-to-the-bottom» (em termos fiscais, laborais e de despesas sociais) e um processo de homogeneização e de convergência neoliberal, como se esta mesma convergência, principalmente no que se refere à residualização do Estado Social, se constituisse como a única via possível para a competitividade das economias num contexto de globalização.

No que respeita ao referido mito do «fim da geografia» associado à globalização, há alguns autores que têm produzido argumentos bastante interessantes (e bastante válidos, em nossa opinião) contra a tendência muito frequente, por parte de vários autores das perspectivas do «hiperglobalismo neoliberal» e da «perspectiva globalista», de acentuarem apenas, de uma forma unilateral e hiperbólica, a tendência para a desterritorialização das actividades económicas associada a essa mesma globalização (em alguns casos, essa mesma desterritorialização é concebida mesmo como se fosse total e absoluta). Assim, como afirmam Michael Storper, Kevin R. Cox e Philip Kelly:

The image of the global economy as a sort of delocalized ‘space of flows’ of human, physical and financial capital controlled from major headquarters, manifestly fails to grasp the nature of the new competition. It fails to grasp the complex ties among these global agents (especially the technology-based oligopolists) and the painstakingly constructed, territorially specific economic tissues without which they cannot function (Storper, 1992:91). The traditional categories in which the globalization debate has been framed - foreign direct investment, commodity trade, the global business hierarchy, the global supply structure of commodities, knowledge and technology - seem instinctively to indicate the steady deterritorialization of economic power. But upon closer observation, these conceptual categories are inadequate to the job of shedding light on the question of territorialization and deterritorialization. It is, indeed, quite curious that a fundamentally geographical process labeled with a geographical term - “globalization” - is analyzed as a set of resource flows without considering their interactions with the territoriality of economic development (Storper, 1997b:27). Territorialized economic development refers to development that is dependent on resources that are territorially specific or place-dependent: resources, that is, which enjoy properties of locational nonsubstitutability (Cox, 1997a:6). These resources can range from asset specificities available only from a certain place or, more importantly, assets that are available only in the context of certain inter-organizational or firm-market relationships that necessarily involve geographical proximity, or where relations of proximity are markedly more efficient than other ways of generating these asset specificities. Geographically proximate relations constitute valuable asset specificities if they are necessary to the generation of spillover effects-positive externalities in an economic activity system. So territorialization is often tied to specific interdependencies in economic life (Storper, 1997b:20). These aspects of local embeddedness mean that industrial capital is not as mobile as is frequently assumed by global commentators who tend to extrapolate from the financial sector (Kelly, 1999:392). Globalization does not just mean deterritorialization and enhanced locational substitutability, but also encompasses those conditions, those social relations that result in enduring commitments to particular places, which can in turn be sources of competitive advantage and so serve to reinforce those commitments (Cox, 1997a:5).

O que estes autores da disciplina de Geografia Económica tentam, então, fazer não é apenas acentuar (também unilateralmente) o que seria outro lado da moeda, ou seja, a continuidade da importância de determinadas especificidades territoriais para a actividade económica, apesar do contexto actual da globalização; eles tentam, antes, chamar a atenção para o facto de que para termos o quadro completo, no que respeita à globalização, e para chegarmos a uma melhor compreensão desta, devemos ter em conta os dois lados da moeda, ou seja, devemos tentar adoptar uma perspectiva mais dialéctica e tentar dar conta da interacção entre a desterritorialização e a territorialização das actividades económicas associadas a essa mesma globalização[32]. Além disso, eles também pretendem moderar os exageros, muito frequentes na maior parte dos autores do «hiperglobalismo neoliberal» e da «perspectiva globalista», no que se refere a uma alegada fluidez e mobilidade absolutas do capital, como se actualmente, na realidade, houvesse uma total substitutabilidade dos locais para o investimento produtivo, tentando, portanto, apresentar um quadro mais realista no que respeita à relação entre a globalização, a actividade económica e a dimensão territorial dessa mesma actividade. É com base neste quadro, em nosso entender mais realista, que podemos, talvez, começar a compreender melhor porque é que, dada a alegada condição de hipermobilidade do capital, não temos vindo a assistir a uma fuga maçiça deste mesmo capital dos países economica e socialmente mais desenvolvidos, tal como seria de esperar de acordo com a perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal» e a «perspectiva globalista». Desta forma, como afirmam Kevin R. Cox e Colin Hay/Matthew Watson, respectivamente:

The standard approach to globalization emphasizes the expanding horizons of locational substitutability now available to capital. But for many firms this option can be exaggerated (Cox, 1997a:17). The first thing to note here is that the conditions for the enhanced substitutability implied by globalization arguments - the deskilling of labor processes, improvements in transportation and communication, and the vertical integration of labor processes within firms - are highly overgeneralised. They have ocurred to variable degrees, and where they have ocurred the effects of all three have been very uneven. Given the wide variety of products and conditions of production, this should not be surprising. Deskilling is not nearly as universal or as inevitable as is implied by much of the literature. There is still a great deal of relatively skilled work, not learnt quickly, which would be difficult to relocate to a Third World or even Second World environment. Many of these labor processes are found in the so-called technology or knowledge-intensive industries, and these have proven resistant to decentralization (Cox, 1997b:119). The assumption that capital enjoys perfect mobility and that the cost of exit is zero is demonstrably false - or, at least, demonstrably false for certain types of capital. For whilst portfolio capital may indeed exhibit almost perfect mobility - its effectively instantaneous flows conducted in the flickering of a cursor and incurring negligible exit costs - the same is simply not the case with invested as distinct from (potential) investment capital. For, once enticed and attracted to a particular locality, formerly mobile direct investment ‘bed down’, acquiring an array of significant sunk costs as virtual/immaterial assets are translated into human and physical capital. Consequently, once installed, exit options become seriously depleted and incur significant loss (in terms of irredeemable sunk costs). Thus, whilst it may be entirely ‘rational’ for foreign direct investors to proclaim loudly and exaggerate wildly their mobility and their much vaunted exit options - especially if they can make these sound credible - it is not surprising that the threat of exit is so rarely acted upon. What we do witness, however, is the quite predictable phenomenon of what might be termed an ‘exit threat business cycle, indicative perhaps of the hollowness of most exit threats (Hay, 2001:51). In no sense, then, should we understand productive capital as essentially rootless, restless, footloose and fancy-free, forever on the move in search of lower unit costs, leaving an ever widening track of devastation and unemployment in its wake (…) Irrespective of the claims embodied in the globalisation hypothesis, the physical barriers of territorial geography are still of intrinsic importance in terms of the location of productive investment, as even the briefest of glances at international flows of foreign direct investment reveals (…) The mobility of productive capital is routinely over-stated in popular debates on globalisation, therefore: consequently, so too is the extent to which such mobility options discipline government activity (Hay e Watson, 1998:13/15/16).

Desta forma, apesar de, principalmente nas teses da perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal», se defender a ideia de que a globalização implicaria necessariamente que as relações de produção tivessem já adquirido um carácter fluído (como se estas se estabelecessem num plano supraterritorial), o que nós defendemos é que, em termos de actividade económica, a localização geográfica e as especificidades territoriais continuam a ser de uma importância vital num contexto de globalização. Aliás, não será concerteza por acaso que, mesmo num período em que o capital - produtivo e financeiro - adquiriu uma maior mobilidade[33], se continua a verificar uma concentração geográfica tão evidente desse mesmo capital nos países da chamada Tríade (América do Norte, Europa Ocidental e Japão, juntamente com as economias industrializadas do Pacífico). Tal acontece, em nossa opinião, porque a tão badalada «competitividade» não assenta apenas, de uma forma redutora, na redução dos custos de produção. Se assim fosse, teríamos já assistido a uma fuga maçiça de capital dos países economica e socialmente mais desenvolvidos, principalmente daqueles que possuem um Estado-Providência mais desenvolvido. O capital tende, sobretudo, a ser atraído pelas perspectivas de um investimento lucrativo (e pouco arriscado), e não simplesmente a ser atraído pelos baixos impostos sobre os rendimentos do capital, pelos baixos salários e pelos fracos níveis de protecção social, ou seja, esse mesmo capital tende a ser atraído para os locais que lhe garantam, sobretudo, a maior taxa de lucro possível no médio prazo. Assim, como afirmam vários autores:

To the extent that the politics of globalization in its distributional variant relies on notions of the increasingly mobility of firms, then it depends on a particular conception of capitalist competition: that it is cost reducing…Obviously, firm competitive strategies can by no means be so reduced. Firms also compete through their products - their quality, reliability, novelty, costs of operation, ease of repair, durability (…) lowering input costs is not the point: profitability is the ultimate objective, and reducing input costs is only one of the strategies possible (Cox, 1997b:120/129). Competitiveness is often seen as an issue of cost reduction to remain in business. Yet this is a shallow way of looking at the issue since many industries trade on quality, not quantity. BMW, after all, has not been shut down by KIA (Blyth e Hopkin, 2004a:5). The assumption that capital can compete in a more intensively environment only on the basis of productivity gains secured through tax reductions and cost-shedding and that the welfare state is, for business, merely a drain on profits…is to extrapolate wildly and inappropriately from labour-intensive sectors of the international economy in which competitiveness is conventionally enhanced in this way to the global economy more generally. It fails to appreciate that foreign direct investors in capital-intensive sectors of the international economy are attracted to locations like the Northern European economies neither for the flexibility of their labour markets nor for the cheapness of the wage and non-wage labour costs that they impose, but for the access they provide to a highly skilled, reliable and innovative labour force. High wages and high non-wage labour costs (in the form of payroll taxes) would seem to be a price many multinational corporations regard as worth paying for a dynamic and highly skilled workforce (Hay, 2004:521). It is by no means clear that high-spending welfare regimes, regulated labour markets or relatively high levels of taxation on capital gains automatically repel investors, particularly if they are accompanied by high quality infrastructure, high skill levels and low crime rates (Hopkin, 2000:3). The proposition that states are under pressure to cut taxes and reduce expenditure is attacked by scholars who examine data of industrialized countries and demonstrate that the evidence does not back up this claim. Nor does the evidence suggest that Multinational Enterprises relocate investment to areas where there are lower wages and lower taxes. Rather, contemporary research into actual patterns of MNEs investment discloses that in the new knowledge-intensive economy, factors such as the availability of skilled and semi-skilled labour, good infrastructure and proximity to market are crucial ingredients of choices of location (Woods, 2001:16). What determines the ‘geography of production’? To be sure, the development of areas such as the Macquiladoras indicates that factor prices is one determinant. But a more important economy is customer and market proximity, that is ‘Marshallian’ agglomeration economies. According to Dicken (1998:76), this is ‘the most important single factor in helping to explain the geography of economic activity’ today (Ryner, 2002:104).

É precisamente esta conjunção de factores e de especificidades territoriais referidas por estes últimos autores que parecem explicar porque é que, por exemplo, os países da Escandinávia se constituem como uma região tão atractiva, em termos de captação de investimento directo estrangeiro. Ou seja, as determinantes geográficas da captação desse mesmo investimento por parte dos países Nórdicos parecem assentar na existência de uma mão-de-obra altamente qualificada e dinâmica, na alta produtividade do trabalho, na existência de uma infraestrutura física e institucional de alta qualidade, num desenvolvimento tecnológico de topo[34], numa forte componente de investigação e desenvolvimento e no que o último autor citado designa por “‘Marshallian’ agglomeration economies”[35]. Além disso, a própria localização geográfica da Escandinávia parece ser de uma importância crucial para a captação desse mesmo investimento directo estrangeiro[36]. A competitividade económica dos países Nórdicos está, então, muito longe de ser prejudicada pelos impostos e salários elevados pagos pelas empresas que investem nesses mesmos países, ou seja, estes mesmos países conseguiram atingir dos graus mais elevados de competitividade a nível mundial, apesar - ou por causa - de se constituírem como os Estados-Providência mais desenvolvidos do mundo. Essa mesma competitividade pode-se atestar a partir dos seguintes factos:

During the years 1996-2000…the annual growth of the Finnish GDP of 5.1 percent in this period was faster than that of the United States (4.3 percent), Japan (1.3 percent), and the average for the European Union (2.6 percent). This growth was driven by the information-technology (IT) cluster that includes Nokia, but is not limited to it. In the 1990s, labor productivity in the Finnish business sector grew by an annual average of 3.5 percent and in the manufacturing sector the growth was 7 percent, led by the telecommunications sector, which increased its productivity by an annual 25 percent. The value of stocks on the Helsinki Stock Exchange climbed by 894 percent in the five-year period between 1996 and the end of 2000. (It was even higher in the peak year of 1999 and still remains, in the downturn of the economy, many times higher than at the beginning of this period)…in 2000 the IMD ranked Finland as the third most competitive economy of the world - the World Economic Forum (WEF) ranked it the most competitive (Castells e Himanen, 2003:11-12; sublinhado nosso). From 1993 to 2000, in Sweden, industrial production rose by about 60 percent, equivalent to annual growth of about seven percent. Similarly, the services sector grew from 48 to 60 percent of the economy from 1990-2000, a significant part of which is the growth in the IT sector where Sweden has emerged as a world leader and an investment hub for global business. Given this new pro-business environment, Sweden performs well in international comparison of enterprise demographics. Though enterprise birth rates are marginally higher in the UK than in Sweden, other large welfare states, such as Norway and Denmark, have higher enterprise birth rates than all other LMEs (Liberal Market Economies). Once established however, Swedish enterprises survival rates are consistently higher than those recorded in other countries. In fact, the death rate of enterprises in LMEs such as the UK is almost double that of Sweden. Given this, it is hard to make the claim that the welfare state creates a bad environment for business. This picture is further enhanced by international comparison of labor productivity and unit labor costs. Looking at output per employed person in manufacturing, and taking 1992 as the baseline year (index value 100) LMEs such as the US and the UK racked up impressive gains in productivity (index values of 154.6 and 128.4 respectively). However, this same BLS time series shows Sweden having nearly doubled its labor productivity in constant dollar terms over the decade to an index of 196.4. Similarly, unit labor costs in manufacturing over the same period, again taking 1992 as the baseline, shows that while the US and UK made some gains in reducing unit labor costs (from 100 to 74.8 and from 100 to 99.4, respectively), Sweden’s unit labor costs plummeted by over fifty percent in real terms over the same decade (from 100 to 48.2) (Blyth e Hopkin, 2004b:11).

Se, como ouvimos constantemente ad nauseaum, numa economia aberta e globalizada, o Estado-Providência se constitui como um fardo e como um entrave ao crescimento económico, prejudicando, portanto, a competitividade das economias, então porque é que, de acordo com o Global Competitiveness Report 2002, publicado pelo Fórum Económico Mundial, todos os quatro países da Escandinávia se encontravam no top ten da competitividade global (Kottaridi e Nielsen, 2003:2)[37]? O que é deveras impressionante nestes mesmos países (principalmente para quem parta de pressupostos teóricos neoliberais) é que, ao longo destes últimos anos, se tem conseguido aumentar ainda mais a sua competitividade económica ao mesmo tempo que se tem conseguido conciliá-la com elevadíssimos níveis de protecção social. São precisamente estes países que ainda apresentam os níveis mais baixos de desigualdades sociais do mundo. Assim, se tivermos em conta a evolução do índice que dá conta do nível de desigualdades sociais, em termos de distribuição do rendimento - o índice de Gini[38] - vemos, por exemplo, que na Suécia e na Finlândia, esse nível se tem mantido bastante baixo e estável ao logo das últimas três décadas. Na Suécia, em 1975, o valor desse mesmo índice era de 0.215, enquanto que, em 2000, esse valor ainda era de 0.252 (Blyth e Hopkin, 2004b:12). Na Finlândia, enquanto que, em 1970, o valor do índice de Gini era de 0.270, em 1998, esse valor era de 0.295 (Castells e Himanen, 2003:78/82).

Para se ter uma melhor perspectiva destes números, é sempre interessante compará-los com os dos países que, de um modo geral, são tidos como apresentando o modelo económico e social ideal (de cariz neoliberal) e como o único modelo eficiente e viável num contexto de globalização. Nos Estados Unidos, enquanto que, em 1979, o valor do índice de Gini era de 0.301, em 1998, esse valor já tinha disparado para 0.446, que é precisamente o mesmo valor de Singapura (!) (Blyth e Hopkin, 2004b:12; Castells e Himanen, 2003:78). No Reino Unido, enquanto que, em 1979, o valor desse mesmo índice era de 0.270, em 2000, esse valor já era de 0.345. (Blyth e Hopkin, 2004b:12). Além disso, apesar da admiração muito generalizada da performance económica dos últimos anos conseguida pelo governo de Tony Blair (em termos de crescimento económico e de criação de emprego), Andrew Shepard afirma o seguinte: “Since Labour came to power the Gini index has increased once more…Income inequality over the past two years (2000-2002) has been higher than in any other period covered by our data (1979-2002)” (Shepard, citado em Blyth e Hopkin, 2004b:14). É, também, bastante interessante verificar, por exemplo, que a Suécia de hoje ainda é menos desigual do que o Reino Unido era em 1979. Além disso, em termos de segurança social, também se deve ter em conta, por exemplo, o seguinte:

Denmark has one of the most egalitarian distributions of income in the world, with collectively funded services as an important part of the standard of living. The society is not divided into insiders and outsiders, with a distinct ‘welfare class’ that the employed pay for but do not identify with. Only 3 percent of households in which the principal wage earner was unemployed were below the poverty line compared to nearly 50 percent in the UK (Hirst, 1999:91-2; itálico nosso). On pensions and unemployment benefits…the generosity of Swedish social security was on average the same in 1998 as in 1980. In fact, the unemployment benefit in 1998 is even more generous than formerly (Blyth e Hopkin, 2004b:12).

No que respeita às desigualdades salariais, medidas através do rácio entre o decil 9/decil 1 da população activa, em que é medido, portanto, o rácio entre os trabalhadores que auferiam os maiores salários e os que auferiam os menores salários, na Finlândia, em 1979, esse mesmo rácio era de 2.4, aumentando apenas marginalmente para 2.5 em 1995. Na Suécia, em 1979, o referido rácio era de 2.1, vindo também a aumentar apenas marginalmente para 2.2 em 1995. No Reino Unido, em 1979, esse rácio era de 2.4 (tal como na Finlândia no mesmo ano), vindo depois a aumentar para 3.3 em 1995. Nos Estados Unidos, enquanto que esse mesmo rácio era de 3.2 em 1979, em 1995, já era de 4.3, ou seja, já era mais do dobro do rácio da Suécia (Howell, 2002:10).

Como referem Castells e Himanen (2003), a exclusão social é algo que é difícil de medir. No entanto, estes afirmam que as taxas de encarceramento normalmente são um bom indicador global da escala de exclusão social num determinado país. Assim, de acordo com estes últimos autores, no ano 2000, a taxa de encarceramento na Finlândia era de 62 presos por cada 100 000 habitantes. Segundo Colin Hay (2003:17), a taxa de encarceramento para a Suécia, Dinamarca e Noruega, era, respectivamente, de 68, 59 e 59 presos por cada 100 000 habitantes. Nos Estados Unidos, de acordo com um relatório do Departamento de Justiça norte-americano (disponível em: ), em 1997, a população prisional era de 1.785.079 indivíduos. Este último valor representa uma taxa de encarceramento de 648 presos por cada 100.000 habitantes. De acordo com Colin Hay (2003), essa mesma taxa já era, mais recentemente, de cerca de 686 presos por cada 100 000 habitantes (no final de 2001, de acordo com o referido relatório do Departamento de Justiça, a população prisional norte-americana já andava perto dos 2,1 milhões de indivíduos). Para se ter uma melhor ideia do que é que isto representa, em Portugal, por exemplo (de longe o país da União Europeia com a taxa de encarceramento mais elevada), essa taxa era, em 1997, de 145 presos por 100.000 habitantes (Wacquant, 2000: 76), enquanto que em Singapura, em 2000, segundo Castells e Himanen (2003:79), a taxa de encarceramento era de 255 presos por cada 100 000 habitantes. No que se refere às taxas de pobreza, segundo dados recolhidos pela Organização Internacional do Trabalho das Nações Unidas referentes a 2000 (ver Gráfico 6 em anexo, s.f.f.), as taxas de pobreza na Finlândia, Noruega, Dinamarca e Suécia variavam entre cerca de 6 a aproximadamente 7 %, enquanto que, no Reino Unido, essa mesma taxa era cerca de 22.5% e, nos Estados Unidos, era, aproximadamente, de 27.5% (Ghai, 2004:23).[39]

Como é que é possível, então, que, nos países nórdicos, e num contexto de globalização, se tem conseguido conciliar uma fortíssima competitividade económica com tão elevados níveis de protecção social (que, no clima politico-ideológico actual, são tidos como intrinsecamente inconciliáveis), se, ainda por cima, acrescentarmos o facto de que estes mesmo países (principalmente a Suécia e a Finlândia), no princípio dos anos 90, foram atingidos por uma grave recessão económica[40]? Aliás, foi precisamente por causa desta mesma recessão que muitos autores utilizaram o exemplo destes países, neste mesmo período, para demonstrar que a globalização implicaria, necessaria, inevitavel e intrinsecamente, uma convergência neoliberal, principalmente no que se refere a uma residualização do Estado Social, tentando fazer passar a ideia de que a tentativa de manutenção desse mesmo Estado Social é que era responsável por essa mesma recessão económica. Um dos vários autores que, por exemplo, se pronunciaram nesse sentido foi precisamente um conhecido economista sueco, Assar Lindbeck (1994), que faz parte da academia dos prémios Nobel há vários anos, e que é responsável pela atribuição desses mesmos prémios, mas de Economia (Esping-Andersen, 1996). No entanto, depois de “assentar a poeira”, veio-se, posteriormente, a verificar que essa recessão se devia essencialmente a factores de natureza contingente e conjuntural, e não a factores estruturais que se prenderiam com a existência de um Estado-Providência demasiado generoso e tido como estruturalmente incompatível com a globalização. Hoje em dia, já há vários autores que utilizam esses mesmos factores de natureza contingente e conjuntural para explicar, de uma forma mais adequada, as verdadeiras causas da recessão económica dos países nórdicos, no início da década de 1990:

The recession was…caused by a combination of the partial failure of the liberalization of financial markets … which made both companies and individuals take on debts on inflated real-estate values; and the simultaneous downturn of the Western economies (another crisis of capitalism they overcame) along with the collapse of the Soviet Union…which were the major markets for Finland (Castells e Himanen, 2003:83). As Garrett’s data for the period between 1990 and 1995 make clear, the rapid rise in unemployment and a partial haemorrhaging of portfolio investment capital cannot be attributed easily to globalization. Thus, while Finland suffered from the effective evaporation of a substantial export market (the USSR) post-1989, the Scandinavian economies more generally were thrown in recession by the end of the Cold War. The decision, by both the Finnish and Swedish governments, to peg their exchange markets to the Deutsche Mark could scarcely have been timed to exarcebate further such inauspicious domestic circumstances, encouraging speculative attacks on both currencies, wiping out currency reserves, pushing up short-term interest rates and precipitating large outflows of portfolio investment. The result was heightened unemployment at a time of low and domestic international demand. This, as Garrett demonstrates well, can be explained quite comfortably without appeals to arguments about globalization (Hay, 2000b:150). Sweden’s troubles followed on a series of major macroeconomic policy mistakes, such as the credit-fuelled and inflationary consumer boom that followed the precipitate loosening of credit controls in the mid-1980s. This negated the benefits of the earlier major devaluation of the Krona and forced policy back toward an explicit target against the Deutshmark. Also crucial to business threats in the early 1990s was uncertainty as to whether Sweden would join European Union, a vital concern in such a highly export-oriented economy (Hirst, 1999:90-1). There is a danger of overestimating the impact of globalisation by attributing to it every setback for social democratic forces. Garrett insists that the reverses experienced by the Swedish economy of the early 1990s were the consequence of the collapse of the Soviet Union plus German reunification plus a botched macroeconomic policy, rather than the irresistible press of global forces upon an overgenerous welfare state (Blyth, 2001:13).

Uma forma de responder à anterior questão da conciliação, ou, melhor, da combinação de uma forte competitividade económica com tão elevados níveis de protecção social por parte dos países nórdicos, mesmo apesar da recessão económica sofrida por esses mesmos países no início da década de 90, é começar por referir que, apesar dessa mesma recessão (e apesar de alguma perda temporária de regalias sociais), estes países conseguiram, no essencial, manter a estrutura do seu Estado-Providência praticamente intacta[41]. Ou seja, o “segredo” dessa mesma combinação e da forma como estes países conseguiram, ainda, dar a volta por cima da referida recessão económica, parece residir precisamente nas características específicas do Estado-Providência desses mesmos países e no seu forte enraizamento institucional. Assim, como afirmam Manuel Castells e Pekka Himanen (e aqui, mais uma vez, pensamos que, em princípio, e com um elevado grau de probabilidade, se pode extrapolar, de alguma forma, o caso Finlandês para o caso dos outros países escandinavos, apesar de não termos dados concretos sobre os mesmos, no que se refere a este assunto):

Finland was able to continue its transformation into an informational economy during the recession because the welfare state made the development socially acceptable. Of course, another key reverse link is that it is the public provision of education, health and social security that ensures a sufficient number of highly educated people in good shape to work in the informational economy (Castells e Himanen, 2003:89). The Finnish welfare state includes totally free, high-quality, public education from kindergarten to the university (with one of the highest combined educational enrolment rates in the world), universal public health coverage (granted as a right based on citizenship), and a generous social system with universal retirement and unemployment insurance, which has made Finland a country with one of the smallest number of poor in the world (ibid.:12). The Finnish information society creates the financial basis for the welfare state. Without tax income, society could not finance its welfare state. And without increased productivity, taxes would be too high to be acceptable to people. The information society therefore needs to grow faster than the costs of the welfare state…The competitive productivity of the economy is also necessary to keep companies in the country. There can be higher labor and social costs only if there is higher productivity; otherwise, companies will relocate to places with a lower taxation. So, at a basic level, the informational economy and the welfare state are not antagonistic, but a successful informational economy is a requirement for a generous welfare state. It is only through the transformation of its economy that Finland could continue as a welfare state even through a severe recession (…) Finland shows that a fully fledged welfare state is not incompatible with technological innovation, with the development of the information society, and with a dynamic, competitive new economy. It provides the human foundation for labor productivity necessary for the informational mode of development, and it also brings institutional and social stability, which smoothes the damage to the economy and to people during periods of potentially sharp downturns. This welfare state is not sustainable without a high level of taxation. But taxation is not an economic problem as long as productivity and competitiveness grow faster than taxes, and as long as people recognize the benefits they receive in the form of social services and the quality of life. In this sense, Finland stands in sharp contrast to the Silicon Valley model that is entirely driven by market mechanisms, individual entrepreneurialism, and the culture of risk - with considerable social costs, acute social inequality, and a deteriorating basis for both locally generated human capital and economic infrastructure (ibid.:87-8/166-7).

Além disso, pensamos que, em princípio, este modelo económico e social dos países da Escandinávia[42] poderá, talvez, apresentar outra grande vantagem, que se prende com a resolução do outro grande factor - para além da globalização - que é tido como incontornável e como tornando inevitável uma redução progressiva das despesas sociais, o aumento da idade da reforma e as mudanças nas formas de cálculo das pensões (que são quase sempre justificados pelos políticos e pelos economistas a partir de uma lógica que, de alguma forma, assenta num contra-senso, que é o de se desmantelar progressivamente o Estado-Providência, e os direitos sociais associados a ele, como a única forma de o poder manter no futuro). Esse factor, que se prende com a sustentabilidade a longo prazo do próprio Estado-Providência é, claro está, o envelhecimento demográfico, e, principalmente, as consequências deste na erosão da base fiscal do Estado-Providência. No entanto, se, como afirma Esping-Andersen (1996:7), “population ageing does not automatically imply crisis. In part, the cost of ageing depends on long-run productivity growth. The OECD (1988:70) estimates that real earnings growth at an annual average rate of 0.5-1.2 percent (depending on nation) will suffice to finance the additional pension expenditures”, e se, referindo-se ao modelo social nórdico (ou social-democrata), o mesmo autor afirma que “With high rates of productivity growth the system can be sustained” (ibid.:13), poderíamos, então, talvez, afirmar - a partir da informação avançada por Mark Blyth/Jonathan Hopkin (2004b) e Castells/Himanen (2003) sobre a competitividade, sobre o crescimento económico, e, sobretudo, sobre os aumentos significativos da produtividade e a forma como estes têm coberto os custos do Estado-Providência nestes mesmo países - que, pelo menos no caso da Finlândia e da Suécia, o envelhecimento demográfico, por si só, poderá, talvez, não se traduzir automaticamente, em termos de médio/longo prazo, numa progressiva erosão da base fiscal do Estado-Providência, até porque, como afirma Peter Taylor-Gooby, nas suas conclusões sobre o Estado-Providência sueco: “In the sense that satisfactory economic growth has been restored without retrenchment and pensions appear viable for the next half-century, the welfare system has adjusted to meet the challenges” (Taylor-Gooby, 2001:18; itálico nosso).

Seja como for, apesar da ideia largamente difundida e dominante de que, principalmente num contexto de globalização, o Estado-Providência corrói a competitividade das economias e que já não é financeiramente sustentável (tornando inevitáveis os cortes nas despesas sociais), pensamos ter demonstrado, através do exemplo dos países nórdicos, que a relação entre a globalização, a sustentabilidade financeira do Estado-Providência e a competitividade económica está muito longe de ser uma relação tão linear, e tão negativa, como é normalmente concebida, principalmente pela perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal».

No caso particular da Finlândia, pensamos que ficou claramente demonstrado, através de Castells e Himanen (2003), que o facto de o Estado-Providência se encontrar bastante enraizado institucionalmente teve uma importância crucial não só na ultrapassagem da forte recessão económica que esse país atravessou (permitindo-lhe atravessar essa mesma recessão com bastante estabilidade social), como também parece ter sido essencial para uma transição bastante bem sucedida para uma economia fortemente assente no conhecimento e nas novas tecnologias (precisamente devido aos altos níveis de qualificação média promovidos por um sistema público e gratuito de ensino, e que apostou fortemente, nos últimos anos, de acordo com Castells e Himanen, nas novas tecnologias e na literacia de Internet). No entanto, há vários autores que defendem que, de um modo geral, e apesar de, actualmente, estar a sofrer ataques até dos próprios partidos tradicionalmente conotados com a social-democracia, o Estado-Providência apresenta um conjunto de externalidades positivas para a competitividade económica mesmo num contexto de globalização, das quais destacaríamos apenas as seguintes:

1. Macroeconomic stabilization effects. High levels of social expenditure will tend to promote economic stability insofar as they have the counter-cyclical economic effects. This is particularly the case with unemployment benefits which will tend to bolster demand in times of recession. Similarly, transfer payments to the working class are more likely to stimulate consumption (and hence demand) than tax concessions to the middle classes. Consequently, redistributive welfare regimes, particularly those prepared to inject demand into the economy during times of recession, are likely to facilitate macroeconomic stabilization across the economic cycle. 2. Public housing provision boosts consumption. The subsidization or direct provision of housing frees capital for consumption, thereby raising the aggregate level of demand within the economy. 3. Support for women’s employment increases supply of labour. Quite simply, the provision of nursery places and pre-school care is likely to facilitate access (particularly that of women) to the labour-market and hence to improve the supply of labour with consequent benefits for the productivity of the economy. Moreover, where access to the labour-market can be facilitated in this way (as, for instance, in Sweden in recent years), the ratio of net welfare contributors to net welfare recipients will increase, easing fiscal pressures generated by demographic change. 4. Human capital is enhanced through education and training…Here the welfare state has a central role to play, ensuring flexible high-quality training and reskilling programmes oriented directly towards the delivery of the skills required by the economy. The implications of such a theory are that welfare retrenchment, though frequently couched in terms of competitiveness, may come at a considerable price in terms of the ability of the domestic economy to compete on any basis other than cost alone in international markets (…) Europe’s most open economies (Britain excepted) have, throughout the post-war period, always sought competitiveness on the basis of quality not cost. They have thus sought to promote internal flexibility within the firm rather than external flexibility in the labour-market, permanent innovation in production as opposed to productivity gains on the basis of hire-and-fire and the elimination of supply-side rigidities, high and stable levels of both human and physical capital formation, and inclusive and encompassing labour-market institutions. Within such a model, far from representing a supply-side rigidity, the welfare state is not only a competitive advantage it is a competitive necessity (Hay, 2001:54/56/58).

Pode-se sempre dizer - e este é um contra-argumento bastante previsível - que, actualmente, o sucesso económico actual do Estado-Providência se resume ao enclave nórdico, e que, por exemplo a Alemanha, um dos exemplos que mais frequentemente se costuma apresentar como representante da “Euroesclerose”, em termos de crescimento económico e da criação de emprego - e que também possui uma forte tradição em termos de Estado-Providência - tem sofrido várias dificuldades económicas, e que as causas dessas mesmas dificuldades residem precisamente na permanência dos direitos sociais e laborais associados a esse mesmo Estado-Providência. Só que o que normalmente não é dito em relação à Alemanha é o seguinte:

That Germany effectively bought an entire-non-functional economy, integrated its labour market, and suffered only an unemployment rate of 7.4 percent in 1995 seems to have escaped notice by some (Blyth e Spruyt, 2003:618). The costs of reunification are substantial (estimated at a transfer in excess of four per cent of GDP to the East since 1991 (Taylor-Gooby, 2001:14).

Além do mais - talvez não seja coincidência - que é precisamente no período em que na Alemanha mais se tem imposto políticas do tipo “terapia de choque”, ou seja, um tipo de políticas económicas (demasiado) austeras e restritivas, de cariz neoliberal, que, nesse país, se tem assistido às maiores dificuldades económicas e à repetição consecutiva de défices excessivos em relação ao PIB (tal como em Portugal). Por outro lado, os países nórdicos, que possuem dos Estados-Providência mais desenvolvidos do mundo (e que, apesar das várias medidas de liberalização económica a que foram sujeitos ao longo dos últimos anos, têm continuado a levar a cabo uma política social de orientação social-democrata), ainda não foram alvo de nenhum procedimento de défice excessivo, que se saiba. Aliás, um dos maiores mitos associados à social-democracia e ao Estado-Providência é, talvez, o de que estes só podem, e só puderam ser mantidos ao longo da História, à custa de défices orçamentais. No entanto, como afirmam Varghese e Blyth, respectivamente:

Garrett shows that social democratic regimes were negatively correlated with budget deficits during their peak years (1966-73), thus disputing the image that their success was based on Keynesian deficit financing (Varghese, 2001:722). If capital is now so globally mobile that deficits are out of the question, why is it that in the pre-globalization period (1950-1970) deficit financing was not actually practiced very much at all? Indeed, far from the popular picture of social democratic governments in the post-war period constantly running deficits to promote an inflationary and unsustainable employment level, the fact is that most OECD countries in this period did not run deficits. Even the poster children of neo-liberal reform, the UK and Sweden, do not fit this pattern. The UK’s first post-war deficit was recorded in 1975, while Sweden’s ocurred in 1976. To what extent then are markets eager to punish behaviours that never took place? Indeed, why should social democracy be constrained by the lack of a policy option that it did not exercise in the first place? (Blyth e Hopkin, 2004b:4-5).

Se o Estado-Providência, do ponto de vista económico, não representa mais do que um mero desperdício, e se uma política social de orientação social-democrata é intrinsecamente ineficiente, conduzindo apenas a défices orçamentais excessivos, porque é que, então, não se tem vindo a assistir a défices excessivos nos países escandinavos, e porque é que a persistência de uma forte tradição, em termos de Estado-Providência, nestes mesmo países, tem produzido resultados económicos tão positivos (ao mesmo tempo que tem conseguido manter os níveis de desigualdades sociais tão baixos)? Por outro lado, se o neoliberalismo é o único modelo económico e social viável e eficiente, porque é que, então, até hoje (principalmente na Europa) este está muito longe de ter produzido qualquer espécie de milagre económico - antes, pelo contrário, como é inequivocamente demonstrado por Robert Brenner (1998; 2001) - ao invés do período do pós-guerra, que até ficou conhecido como “os 30 anos gloriosos” (já para não falar na correlação óbvia e evidente entre a existência de um maior nível de desigualdades sociais nos países com uma maior propensão liberal, em termos de políticas económicas e sociais)[43]? Se o modelo económico e social escandinavo é tão (ou, em alguns aspectos, mais) competitivo, em termos económicos, do que o modelo anglo-americano, e incomparavelmente superior em termos de minoração das desigualdades sociais, porque é que, por exemplo, na União Europeia, não se tenta antes copiar esse mesmo modelo escandinavo, tentando, de alguma forma, transplantá-lo para a escala europeia, em vez de se copiar e transplantar cada vez mais o modelo anglo-americano, de cariz neoliberal e monetarista? É aqui que entra a ideologia, a política e as relações de poder:

It may be that there is nothing in the logic of post-Fordist socio-technological forces per se that is incompatible with social democratic economic rationality. But this does not preclude the possibility that contemporary social power relations are inherently structured so as to make it impossible to create an institutional framework - or a mode of regulation - that could provide the support that the abstract potentials of a post-Fordist de-commodification strategy would require. It may be that such welfare capitalism potentially contains an impeccable socio-economic rationality, but that the structural configuration of the socio-political context is such that it precludes the mobilisation of power resources and collective agency that could realise such a mode of regulation (Ryner, 2002:9; segundo itálico nosso). Of course, neo-liberal fundamentalism is profoundly political. It rests on an economic determinism which attempts to trump the very ideas of democratic choice and political intervention. After years of being rehearsed by such mentors such as the International Monetary Fund (IMF) and the World Trade Organization (WTO), most of us can recite the mantra by memory. We begin with the religious conviction that all markets, including the international market, are neutral mechanisms which, if left alone, produce competitive and efficient outcomes which eventually ‘trickle down’ to all. Second, we recall that the emergence of the global economy puts the same demands on all governments. They must maximize exports, reduce spending on social programmes, curtail regulation of business, and facilitate the integration of national economies into regional and international markets. As Margaret Thatcher first pronounced, ‘there is no alternative’ (Brodie, 2002:113; itálico nosso). E se tudo isto não passasse de facto do pôr em prática de uma utopia, o neoliberalismo, assim convertida em programa político, mas de uma utopia que, com o auxílio da teoria económica da qual se reclama, logra pensar-se como a descrição científica do real?…Dito isto, esta “teoria” originariamente dessocializada e desistoricizada dispõe hoje mais do que nunca dos meios de se tornar verdadeira, empiricamente verificável. Com efeito, o discurso neoliberal não é um discurso como os outros…à maneira do discurso psiquiátrico no asilo, segundo Erving Goffman, é um “discurso forte”, que só é tão forte e tão difícil de combater por ter a seu favor todas as forças de um mundo de relações de força que contribui para fazer tal como é, nomeadamente orientando as escolhas económicas daqueles que dominam as relações económicas e acrescentando assim a sua força própria, propriamente simbólica, a essas relações de força (Bourdieu, 1998:129; segundo itálico nosso).

Em nosso entender, uma das formas insidiosas através da qual este discurso neoliberal se tem vindo progressivamente a transformar em senso comum - por intermédio de um longo trabalho de inculcação simbólica levado a cabo por determinados actores sociais e instituições com vista a esse fim[44] - manifesta-se na própria forma como se costuma contrastar o modelo económico e social anglo-americano com um (alegado) modelo «europeu». Ou seja, normalmente é referido que o «modelo social europeu» se encontra esgotado, dando-se frequentemente - mais uma vez - o caso da Alemanha como exemplo típico da “Euroesclerose”, em termos de crescimento económico e de criação de emprego, em contraste com o modelo anglo-americano, que apresenta níveis de crescimento e de criação de emprego superiores ao modelo europeu. Tudo isto não só para concluir que o modelo anglo-americano é intrinsecamente superior e, portanto, deve ser o exemplo a seguir, mas também para concluir que as causas do fraco crescimento económico europeu e o seu alto desemprego residem, obviamente, na “rigidez” do seu mercado de trabalho e na generosidade excessiva do seu modelo social, misturando-se países tão diferentes entre si, como, por exemplo, a Espanha, a Suécia e a Alemanha, no mesmo saco “Euroesclerótico”, sem ter minimamente em conta a diversidade dos diferentes países e dos diferentes regimes de Estado-Providência europeus (diferença de regimes essa que fica bem patente através das obras de Esping-Andersen). No entanto, nos últimos anos, têm vindo a aparecer alguns economistas (como, por exemplo, Philip Arestis e Malcolm Sawyer), que consideram que as causas do fraco crescimento económico e dos elevados níveis de desemprego na Europa não se devem à “rigidez” do seu mercado de trabalho nem à excessiva generosidade dos Estados-Providência europeus, mas sim precisamente à progressiva institucionalização, à escala europeia, de um modelo económico que se centra excessivamente no combate à inflação, o que acaba por estrangular esse mesmo crescimento económico e a criação de emprego (e por beneficiar, sobretudo, o capital financeiro). Aliás, não será concerteza por acaso que, há uns anos, as declarações do vice-presidente da Reserva Federal Americana provocaram um escândalo mediático, por este ter sugerido que era precisamente a política monetária excessivamente restritiva que estava a contribuir fortemente para os altos níveis de desemprego na Europa (Kirshner, 1999:614). Além disso, no que se refere a uma suposta homogeneidade do elevado desemprego europeu relativamente ao baixo desemprego dos Estados Unidos, há um facto muito importante, referido por David Howell:

As Stephen Nickell points out, “while it is sometimes convenient to lump all the countries of Western Europe together in order to provide a suitable contrast to North America, most of the time it is a rather silly thing to do”. Figures 4a and 4b show a wide range of unemployment rates across Europe. Indeed, there is no obvious grouping of European nations in either of these bar charts. In the 1983-88 period, Sweden, Norway, Switzerland and Austria, had rates that were much closer to those of Japan (less than 3 percent) than such close European neighbors as Denmark, France, the Netherlands and Belgium (9-12 percent). The same holds true for the more recent 1989-94 period, as figure 4b shows: several European nations with highly developed welfare states - Austria, West Germany, Sweden and Norway - had unemployment rates that averaged between 4 and 6 percent, while Ireland and Spain had rates about 15 and 19 percent. Clearly, the European unemployment varies enormously across, and in some cases - for instance, the UK and Italy - within countries. These figures also suggest that the U.S. experience is less distinctive than commonly believed. Several European countries with strong labor market institutions had lower unemployment rates than the United States in both the 1983-88 and the 1989-95 periods. These included Sweden, Austria, West Germany, Switzerland and Norway. At least through the early 1990s, the U.S. was not the outlier in unemployment the way it was for both real wages (low) and inequality growth (very high)…Figure 5 compares unemployment rates in 1994 and 2001 for 14 OECD member countries. Apart from Austria (3.8%), the standard measure of unemployment was lowest in the U.S. (6.1%) in 1994. But by the first quarter of 2001, six of the countries shown here shared with the U.S. the distinction of rates below 5 percent. Indeed, three countries achieved unemployment rates substantially below the 4.5 percent U.S. rate: Austria (3.7%); Ireland (3.8%); and the Netherlands (2.3%). By late 2001, Sweden’s unemployment rate was below that of the United States[45] (Howell, 2002:10-11; itálico nosso).

Desta forma, o que pretendemos, no fundo, demonstrar com o exemplo dos países escandinavos, e a forma como estes mesmo países conseguiram combinar uma forte competitividade económica com elevados níveis de bem-estar social, é que há uma alternativa em relação ao modelo económico e social anglo-americano e, portanto, a globalização não traz consigo uma lógica neoliberal pré-determinada que lhe seja intrínseca e que torne inevitável o desmantelamento do Estado-Providência e a erosão dos direitos sociais e laborais associados a ele. Em nosso entender, não há nada de intrínseco na abertura económica associada à globalização que implique o desmantelamento desse mesmo Estado-Providência, até porque os países que tradicionalmente sempre tiveram um Estado-Providência mais desenvolvido - os países nórdicos - são também precisamente aqueles que sempre apresentaram dos mais elevados graus de abertura económica (Bruff, 2004). Assim, como afirmam Colin Hay, Paul Hirst, Mark Blyth, Mauro Guillén e Pauline Prior/Robert Sykes, respectivamente:

Stylized rationalist and open economy assumptions deliver a spurious necessity to social and economic policy choices. Overly parsimonious rationalist assumptions have played a crucial role in consolidating, normalizing and, above all, depoliticizing a neoliberal economic paradigm which is disingeniously presented as a simple and necessary accomodation to global economic realities (…) however depoliticized and normalized neoliberalism has become, it remains a political and economic choice, not a simple necessity…our ability to offer alternatives to neoliberalism rests now on our ability to identify that there is a choice in such matters and, in so doing, to demistify and deconstruct the rationalist premises upon which its public legitimation has been predicated (Hay, 2001:521-2; primeiro itálico no original; restantes nossos). Welfare states can adapt despite intensified international competition: there is no inevitable ‘race to the bottom’…welfare state crises are frequently the legacy of accumulated specific features and of past macro-economic policy failure and concessions. They have specific national and institutional causes and are not mere examples of a generalised crisis of the welfare state brought on by globalisation…reform need not be mere retrenchment, it can contribute to enhancing economic performance as in the Netherlands (Hirst, 1999:93; itálico nosso). Empirically, we have confirmed the finders of other scholars that globalization does not necessarily create more problems for generous welfare states than for more limited welfare states (Blyth, 2004b:16). The most persuasive empirical work to date indicates that globalization per se neither undermines the nation-state nor erodes the viability of the welfare state (Guillén, 2001:254). Globalization is not a monolithic exogenous force that impacts directly and with equal impact on nation-states, but rather a complex set of ideological and practical processes, some of which are accepted, internalized and acted on by national governments. Within this broader view of globalization, the argument of Leibfried and Rieger (1998), that welfare state change is due more to the ideological projects of governments seeking to restructure, than to the impact of economic globalization processes, seems closer to the evidence presented here (Prior e Sykes, 2001:197; itálico nosso).

Seja como for, nos debates públicos, a ideia de que a globalização produziria, necessária e inevitavelmente, uma convergência neoliberal, principalmente no que se refere a uma retracção do Estado-Providência, continua a ser apresentada como um dogma e como uma fatalidade. Isto porque, de acordo com a perspectiva do «hiperglobalismo neoliberal» - que já se tornou numa espécie de senso comum - na medida em que a globalização criaria um conjunto de pressões comuns para todos os Estados-nação - pressões essas que derivariam da alegada hipermobilidade do capital - seria precisamente nos Estados-Providência mais desenvolvidos que mais se faria sentir essa mesma pressão (porque seriam os que mais estariam ameaçados por uma fuga maçiça de capital para os países com um Estado Social pouco desenvolvido, dados os menores custos que esse menor desenvolvimento representaria para o capital). Ou seja, os Estados-Providência mais desenvolvidos seriam as primeiras vítimas da «race-to-the-bottom» (na vertente de despesas sociais), dado que a globalização colocaria os países com um Estado-Providência mais desenvolvido em competição directa com os países que praticam «dumping social». Nada mais simples. Mas será mesmo assim?

Será que, nas duas últimas décadas (precisamente aquelas que costumam ser associadas à emergência e intensificação da globalização) se tem vindo, efectivamente, a assistir a uma progressiva convergência neoliberal - causada pela globalização - para um modelo social do tipo anglo-americano (que se caracteriza precisamente por ter não só tradicionalmente, como também, cada vez mais, um Estado-Providência residual)? Será que, também nas duas últimas décadas, tal como seria de esperar segundo as teses da «race-to-the-bottom» associadas à globalização, se tem vindo a assistir a uma redução significativa das despesas sociais nos países capitalistas mais avançados, como um todo, independentemente do seu legado histórico institucional, em termos de regime de Estado-Providência? Antes de começarmos a responder a estas perguntas será, talvez, conveniente que partamos de uma definição clara e precisa do conceito de convergência. Assim, como afirmam Torben Iversen e Jonas Pontusson:

Suppose that we are interested in some unidimensional and readily measurable feature, such as the level of social spending.  Clearly it is perfectly conceivable that two countries would partake in a common trend (decline) without becoming more alike … convergence presupposes that the rate of change is greater in the country that started with the higher level of social spending” (Iversen e Pontusson 2000: 3; itálico nosso).

Se tivermos em conta este critério de convergência e a informação empírica a que tivemos acesso, a resposta às questões postas anteriormente só pode ser negativa. Não só não parece haver nenhuma relação entre a globalização e uma maior retracção dos Estados-Providência mais desenvolvidos, como também não houve nenhuma progressiva convergência para um modelo social anglo-americano, como também, ainda, não houve nenhuma redução das despesas sociais nos países capitalistas mais avançados (antes pelo contrário). Mas começemos pelo fim. Como se pode observar no quadro 4 (no segundo grupo de colunas) (ver em anexo s.f.f.), entre 1984 e 1997 (que são anos que também correspondem aos que normalmente se associam à intensificação da globalização), salvo raríssimas excepções, as despesas sociais totais (em percentagem do PIB) aumentaram em todos os países visados. No que se refere à relação entre a globalização e as pressões comuns - associadas à mobilidade do capital - que esta alegadamente colocaria, de um modo geral, sobre os países capitalistas mais avançados para estes procederem a uma retracção do Estado-Providência (pressões essas que alegadamente se fariam sentir mais, em particular, sobre os países com um Estado-Providência mais desenvolvido) Duane Swank (2002), depois de construir uma bateria de indicadores impressionante, e através de vários testes estatísticos, chega às seguintes conclusões:

The simple version of globalization theory predicts that…rises in capital mobility will contribute to welfare state retrenchment everywhere (…) There is a notion that there has bee a “run to the bottom”, or that internationalization has engendered a movement toward the lowest common denominator of residual market-conforming social policies…As table 3.3 reveals, conventional wisdom is not supported. That is, there is no evidence that rises in international capital mobility are systematically associated - net of other forces shaping social welfare effort - with retrenchments on social welfare provision. To the contrary, two dimensions of international capital mobility - borrowing on international capital markets and liberalization of capital controls - are actually positively and significantly related to total welfare spending. Total financial flows, direct foreign investment, and interest rate differentials are unrelated to social welfare provision across the entire sample. Moreover, I also examined the social welfare impacts of a variety of alternative measures of international capital mobility. These include total capital movements, foreign direct investment, and capital market borrowing standardized by gross domestic investment and the broader measure of liberalization of restriction on financial flows. These supplementary tests confirm that capital mobility is either unrelated to social welfare effort or, in the case of a minority of dimensions, is positively related to social welfare provision (…) As our tables reveal, there is no evidence that international capital mobility has produced, net of other forces, rollbacks in social protection in the larger welfare states relative to small welfare states as the convergence hypothesis predicts…at least for some dimensions of capital flows, rises in international capital mobility are associated with small extensions of social welfare effort in large welfare states[46] (…) With regard to the direct effects of internationalization, the preceeding analysis offers little evidence for the conventional view that rises in capital mobility are systematically related to retrenchments, rollbacks, and neoliberal restructuring of the welfare state. Nor do the findings support the idea that globalization creates the most serious challenges for relatively larger welfare states; there is virtually no evidence of a globalization-induced “run to the bottom” or “run to a middle ground” of more market-conforming social policy (…) There is no evidence to support a conventional globalization thesis: aggregate trade openness and other dimensions of trade, such as the volume of imports and exports between developed capitalist democracies and “low-wage economies”, are not associated with welfare retrenchment (Swank, 2002:77/86/91/117/120; itálico nosso).

No entanto, neste ponto, temos que ser bastante claros sobre o que queremos e o que não queremos dizer. Apesar de termos demonstrado, através do quadro 4, que as despesas sociais dos países capitalistas mais avançados não têm vindo a descer (antes pelo contrário) e que, através das conclusões de Swank, não se pode dizer que uma maior mobilidade do capital associada à globalização implique automaticamente que haja, de um modo geral, uma retracção do Estado-Providência nesses mesmo países - principalmente daqueles que possuem um Estado-Providência mais desenvolvido - com isto não queremos dizer que, de um modo geral, não estejamos a assistir a uma retracção desse mesmo Estado-Providência. Isto porque, como principalmente refere Colin Hay:

The aggregate evidence masks the degre of real welfare retrenchment since the market-conforming nature of that process has served to increase welfare pressures by effectively trading inflation for unemployment. Consequently, although aggregate spending has proved ‘sticky’, once we control for increased welfare demand we observe both a narrowing of the scope of social provision and retrenchment in terms of the value of benefits to claimants (Hay, 2001:40). While in aggregate terms welfare expenditure (as expressed as a proportion of GDP) has continued to rise in most OECD economies, once we control for demand-inflationary pressures (such as demographic change, increased unemployment and escalating healthcare costs) there is unambiguous evidence of systematic welfare retrenchment (Hay, 2003b:s/pag.). Existing theories of globalization have often led to false predictions as to the inevitability of retrenchment in the welfare systems of individual countries. However, it is clear that retrenchment, where it has ocurred, is often not directly linked to globalizing forces, but rather to particular national economic and political choices. These choices are often ideologically based when they involve expenditure on welfare systems (Prior e Sykes, 2001:208).

O que queremos dizer, então - e foi principalmente por isto que citámos há pouco Duane Swank - é que, em nosso entender, não é a globalização per se que é responsável pela retracção do Estado-Providência, mas sim a crescente difusão, generalização e institucionalização dum consenso transnacional neoliberal - ou «Consenso de Washington», como muitos lhe chamam - cada vez mais associado ao discurso «hiperglobalista neoliberal», e que já se tornou numa espécie de senso comum entre a maior parte dos economistas e políticos mais influentes (mesmo nos políticos pertencentes a partidos tradicionalmente conotados com a esquerda e com a social-democracia), e que deu origem ao que muitos designam por «pensamento único». Mais uma vez, insistimos na ideia de que se a mobilidade do capital associada à globalização tornasse necessária e inevitável uma espiral descendente no que se refere à retracção do Estado-Providência, então os países nórdicos já teriam sofrido uma fuga maçiça de capital, ou então já teriam desmantelado o seu Estado-Providência há muito tempo (o que, em nenhum dos casos, como vimos, veio a suceder). Para nós, a questão fundamental, então, é a seguinte:

…the extent to which the parameters of the politically possible are circumscribed not by the ‘harsh economic realities’ and ‘inexorable logics’ of competitiveness and globalisation, but by perceptions of such logics and realities and by what they are held to entail…The space for alternative welfare trajectories does indeed exist, but it is no longer perceived to exist (Hay, 1998:529; itálico no original). Social democratic corporatism may not have been undermined by globalization per se; but it may very well have been undermined by ideas about globalization - ideas about its corrosive effects on welfare states and encompassing labour market institutions…the perception that globalization brings with it the heightened mobility of investment capital may lead (indeed, may well already have led) social democrats to internalize the preferences of capital and, in so doing, to sacrifice their social democracy on the altar of globalization (Hay, 2000b:151; itálico nosso). It is the political discourse of globalization rather than globalization per se that summons the inexorable ‘logic of no alternative’ in terms of systematic welfare retrenchment (…) The discourse of globalization has been appropriated in order to render economically ‘necessary’ the politically contingent logic of neoliberalism (Hay e Watson, 2001:1/3; itálico nosso) The ideology of neo-conservatism is having a comfortable ride on the back of globalization…globalization has breathed a new life into the neo-conservative ideology of social welfare. Whilst governments of the centre and the left are increasingly deterred from following a progressive social policy agenda, rightist governments have a field day in rationalizing the reduction of social expenditure. Coming after the neo-conservative assault, globalization appears as one more giant step towards sharp reductions in social welfare programmes and the delivery of social services. The difference, however, is that globalization provides a far more powerful justification than neo-conservative ideology for retrenching the welfare state. For neo-conservatism at least appears to be a matter of political and ideological choice, albeit one which claims to best promote competitiveness and economic growth. Globalization, on the other hand, appears as an external constraint - not a matter of political choice at all, but rather of economic necessity (Mishra, 1996:317; itálico nosso). Right or wrong, the explanation of globalisation itself has become a political force helping to create the institutional realities it purportedly merely describes (Piven, 1995:108; itálico nosso). The truth effects of discourses of economic globalisation are somewhat independent of the veracity of the analysis (Rose, 1996:354). Global investors do not need to go to the trouble of shifting their capital around the world to punish European welfare states if the proponents of neoliberalism can win the ideological contest…It may well be that the concerted attempt by neo-liberal propagandists to convince Western leaders that there is no alternative to welfare retrenchment has simply been successful, and the European left has insufficient ideological resources to contest this now dominant view (Hopkin, 1999:3-4; itálico nosso).

No entanto, se tivermos ainda em conta o critério de convergência referido anteriormente, o facto de termos vindo a assistir, nos últimos anos, a uma tendência para a retracção do Estado-Providência não quer dizer que a mobilidade do capital associada à globalização esteja a produzir uma convergência para um modelo social anglo-americano ou para um regime «liberal» (segundo a tipologia de Esping-Andersen). Como se pode observar no gráfico 9 (ver em anexo s.f.f.), que dá conta da evolução das transferências sociais em percentagem do PIB, nos diferentes regimes de Estado-Providência (a partir da tipologia de Esping-Andersen, 1996), entre 1970 e 1995, não tem havido nenhuma espécie de convergência para um «regime «liberal» (ou anglo-americano, de natureza mais residual). Se fosse esse o caso, a forma da distribuição seria oval, o que não acontece. De facto, o que salta à vista nesse mesmo gráfico é que, nos últimos anos, o regime «nórdico», ou «social-democrata», tem vindo a ficar cada vez mais generoso, e não o contrário, que é precisamente o oposto do que seria de esperar segundo as teses da convergência, que prevêm uma progressiva harmonização descendente para um modelo social «liberal» (e residual). Ou seja, foi precisamente num período de intensificação da globalização e, portanto, de uma maior mobilidade do capital, que os Estados-Providência mais desenvolvidos do mundo se tornaram ainda mais generosos, o que não podia ser mais contraditório com as teses da convergência e da «race-to-the-bottom». Ou seja, nesse mesmo gráfico, o que salta à vista é a permanência da divergência, em vez de convergência, em termos de modelo social. Tal acontece, porque, segundo Mark Blyth e Colin Hay:

Contrary to the convergence hypothesis, institutional constraints on welfare retrenchment appear decisive in determining the extent to which governments respond to globalization by cutting back social protection (see Kitschelt et al 1999; Pierson, 2001). Countries with majoritarian electoral systems, decentralized wage bargaining, federal arrangements and limited welfare states have tended to reduce social provision, while those with inclusive electoral institutions, centralized wage bargaining, unitary structures, and more encompassing welfare institutions have tended not to (Swank, 2002). In other words, the countries that have cut back social protection in recent years have for the most part been those that had less generous welfare arrangements in the first place. As such, globalization has not simply forced the abandonment of anti-inequality strategies in many countries in a race to the bottom (Blyth, 2004:2; itálico nosso). There is plenty of evidence of a pervasive process of neoliberalisation, as reflected, for instance, in greater welfare conditionalities, greater labour market flexibilisation, a greater emphasis upon responsabilities than rights…neoliberalisation has, unremarkably, been pursued to date with the greatest enthusiasm in societies already characterised by the liberalism of their existing welfare regime (such as Britain)…such tendencies are strongest where existing social models are already the weakest (Hay, 2003:16).

No entanto, poder-se-ia contrapôr, ainda em relação ao gráfico apresentado anteriormente, que, tal como Colin Hay alertava, apesar de se poderem observar subidas de percentagem nas transferências sociais em percentagem do PIB, dado o envelhecimento demográfico e o aumento do desemprego das últimas décadas, as despesas sociais não teriam acompanhado o aumento real das necessidades sociais e que, portanto, o regime de Estado-Providência «nórdico» (tal como os outros), em termos reais, ter-se-ia tornado menos generoso - o que, de alguma forma, poderia reabilitar a tese da convergência. É por isso mesmo que Colin Hay (2003), já a contar com essa variação e com o aumento das necessidades sociais ao longo do tempo, constrói um «índice de generosidade do Estado-Providência»[47]. Assim, tendo em conta que a base do índice (100) correspondia ao ano de 1985, em 1995, os valores do índice de generosidade de Estado-Providência do regime «nórdico», ou «social-democrata», já eram, para a Dinamarca, Noruega, Finlândia e Suécia, 131; 124; 116; 113, respectivamente. Ou seja, mais uma vez, se demonstra que, num contexto de intensificação da globalização, foram precisamente os países que correspondem ao modelo «nórdico» que mais conseguiram suster e aumentar ainda mais os seus (já elevados) níveis de «generosidade de Estado-Providência», indo estes resultados, mais uma vez, no sentido totalmente oposto ao das teses da convergência e da «race-to-the-bottom» associadas à globalização. Apesar de, em certo sentido, se poder falar de uma retracção do Estado-Providência, essa mesma retracção tem sido muito desigualmente distribuída e está longe de se poder atribuír à globalização - porque senão, mais uma vez, se houvesse uma relação directa entre a globalização e a retracção do Estado-Providência, essa retracção ter-se ia feito sentir mais nos Estados-Providência mais generosos, que correspondem ao regime «nórdico», o que não veio a acontecer, antes pelo contrário. Mas, então, a que é que se pode atribuir a tendência crescente de neoliberalização do chamado «modelo social europeu»? Em nosso entender, o processo de neoliberalização em curso deve-se, fundamentalmente, como já foi referido, à crescente interiorização de um consenso neoliberal e monetarista - e «hiperglobalista» - por parte da grande maioria dos economistas (académicos e profissionais) e dos políticos mais influentes a nível nacional e internacional, e, sobretudo, à institucionalização supra-nacional desse mesmo consenso - e não a um ajustamento económico “automático”, que seria determinado pelos processos de globalização. Assim, como referem Colin Hay e Linda Weiss, a propósito do processo de neoliberalização a que se tem vindo a assistir, cada vez mais, na Europa:

The first causal factor of neoliberalisation is the deflationary bias enshrined at the heart of Economic and Monetary Union by the Maastricht convergence criteria and now reflected in the letter of the Stability and Growth Pact. Though chosen, this driver of neoliberalisation has become institutionalized. It is not, however, as fixed or immutable in its character as the mythical process of globalisation (Hay, 2003:16; itálico nosso). While the nation-states of the Economic and Monetary Union are also clearly constrained in their monetary policy autonomy, the primary dynamic at work here is one of regional interdependence and political choice, not the more abstract, structural process of global markets (Weiss, 2003:17; itálico e sublinhado nossos). Yet we should be wary of simply substituting Economic and Monetary Union and European economic integration for globalisation as the independent variables in generating an almost identical narrative about the inevitable imposition of neoliberalism…For there is certainly no compelling evidence that European economic integration itself imposes a neoliberalising dynamic. Indeed, if anything, the evidence would point in the opposite direction with reassuringly resolute and positive correlations for EU-European economies between such things as levels of inward FDI on the one hand and state expenditure and welfare generosity as shares of GDP on the other…The second [causal] factor [of neoliberalisation]…is the very idea of globalisation. As I have been at pains to demonstrate, the idea of globalisation as a non-negotiable logic of economic discipline and compulsion, may exert a powerful causal influence irrespective of its empirical paucity as a thesis. In other words, the idea that globalisation entails neoliberalisation has become something of a self-fulfilling prophecy and, as such, an independent driver of neoliberalisation in contemporary Europe (Hay, 2003:16-7; itálico nosso)

Conclusão

The moment one seriously questions the existing liberal consensus, one is accused of abandoning scientific objectivity for the outdated ideological positions. This is the point that one cannot and should not concede: today, actual freedom of thought must mean the freedom to question the predominant (neo)liberal post-ideological consensus.

Slavoj Zizek (2001: 542)

What surprise can there be at the ‘death of politics’ when all major political players accede to market strictures, setting the laissez-faire economy as something beyond politics?

Frank Webster (2001:11)

Chegados a este ponto, será então, conveniente procedermos a um pequeno sumário conclusivo da presente pesquisa.

Hoje em dia, é muito interessante verificar que, tanto dentro como fora do campo académico, a globalização já faz parte dos discursos do senso comum, ou seja, já se tornou naquele tipo de palavras com as quais se discute, mas sobre as quais não se discute. Por isso mesmo é que, na presente tese, tentámos discutir o mais séria e aprofundadamente possível o conceito de globalização.

Na primeira parte, que tratou dos debates sobre a globalização, mas também ao longo de toda a tese, tentámos chamar a atenção principalmente para duas coisas. A primeira é que as perspectivas dominantes sobre a globalização assentam numa concepção hiperbólica, reificada e «estrutural-determinista» dessa mesma globalização. A segunda coisa para a qual tentámos chamar a atenção foi para a importância das consequências práticas das ideias e representações dominantes sobre a globalização e para os efeitos perversos da apropriação de um discurso «hiperglobalista»/«globalista» por parte das elites económicas e políticas nacionais e internacionais, com o objectivo de legitimar e naturalizar a crescente imposição de um tipo de políticas económicas e sociais de cariz neoliberal.

Na segunda parte, tentámos criticar a concepção «estrutural-determinista» da globalização que está por detrás das perspectivas dominantes que se foram criando sobre essa mesma globalização. Esta concepção «estrutural-determinista» da globalização assenta, em nosso entender, principalmente em quatro tendências, tendências estas que procurámos demonstrar e fazer notar que estão profundamente interrelacionadas.

A primeira tendência é a do determinismo tecnológico que está patente na explicação da emergência e expansão da globalização, sendo esta concebida, em grande medida, por autores como por exemplo, Castells, como o resultado de uma revolução tecnológica, principalmente no domínio das novas tecnologias de informação e comunicação.

A segunda tendência é a de se conceber a globalização essencialmente como um fenómeno de natureza espácio-temporal e, ao mesmo tempo, a de se concebê-la como uma variável independente, ou como uma variável explicativa - o que implica, portanto, que se conceba essa mesma globalização como um processo causal em si mesmo ou como um processo singular que explicaria determinadas tendências que se podem observar empiricamente.

A terceira tendência, é a de se conceber a globalização como uma reificação, ou seja, o de conceber a globalização como um processo mega-estrutural que ganhou vida própria e que se desenrola independentemente da acção dos sujeitos, sendo dirigido e composto apenas por forças abstractas e impessoais (quer sejam elas forças de mercado, forças tecnológicas ou forças de natureza espácio-temporal).

A quarta e última tendência é a de se considerar que os Estados-nação não passariam de vítimas passivas do processo de globalização, e, portanto, estes não teriam outra alternativa senão sucumbir e adaptar-se a uma lógica estrutural neoliberal, supostamente intrínseca à globalização.

Não nos podendo deter detalhadamente sobre cada uma das tendências referidas anteriormente, sob pena de nos embrenharmos demasiado nelas, o que diríamos em relação às duas primeiras tendências é que não nos devemos deixar impressionar demasiado pelos extraordinários avanços tecnológicos, principalmente no domínio das novas tecnologias de comunicação e de informação, nem pelas inéditas possibilidades de interconectividade e de compressão espácio-temporal tornadas possíveis pela aplicação dessas mesmas tecnologias. Ou seja, não nos devemos centrar excessivamente nos processos de desenvolvimento tecnológico nem nos fenómenos de compressão e de distanciamento espácio-temporal em si mesmos, como se estes pudessem explicar por si só a emergência e a expansão da globalização, mas devemos antes, em nossa opinião, conceber estes fenómenos como fazendo parte integrante de uma dinâmica mais abrangente, mas também mais intensificada do capitalismo. A tendência para um desenvolvimento tecnológico constante e para uma progressiva compressão espácio-temporal são propriedades que estão, por assim dizer, inscritas no código genético do capitalismo desde a sua emergência e, portanto, o que temos vindo a assistir desde meados dos anos 70 é, sobretudo, uma intensificação das propriedades sociais que caracterizam o sistema capitalista desde o seu início.

Assim, em nosso entender, as transformações tecnológicas e as transformações espácio-temporais associadas à globalização não devem ser concebidas como variáveis explicativas ou como variáveis independentes dessa mesma globalização. Na nossa opinião, a presente forma de globalização, bem como essas mesmas transformações a ela associadas, devem antes ser concebidas, como variáveis dependentes de um processo de reestruturação capitalista, ou de uma nova estratégia de acumulação capitalista, que se tem vindo a fazer sentir nas últimas décadas, e que visa aumentar as taxas de lucro (que tinham vindo a baixar drasticamente a partir do início da década de 1970) à custa de uma crescente polarização sócio-económica e à custa do sacrifício dos direitos sociais e laborais associados ao Estado-Providência. Isto porque são precisamente estes direitos sociais e laborais associados ao Estado-Providência que, através de um enorme aparato propangadístico levado a cabo pelos ideólogos neoliberais, são apontados como o bode expiatório da crise e estagnação económicas dos anos 70 e da chamada “Euroesclerose” que se vive, actualmente, nos países europeus.

Além disso, no que se refere às restantes tendências mencionadas anteriormente, em vez de a globalização ser concebida como uma reificação, ou seja, como um processo mega-estrutural e sem actores, e como um processo em que os Estados-nação não passariam, portanto, de meros joguetes e vítimas passivas, consideramos que a presente forma neoliberal dessa mesma globalização deve ser concebida como o resultado de um processo em que os próprios Estados-nação (principalmente os Estados Unidos e a Inglaterra, mas também os outros países pertencentes ao G7 e à OCDE) tiveram um papel proactivo, constituíndo-se esses mesmos Estados-nação - juntamente com instituições internacionais como o FMI, a OMC, o Banco Mundial, a União Europeia e as empresas multinacionais - como os principais actores dessa mesma forma neoliberal de globalização.

Quanto à terceira (e última) parte, apesar da crescente generalização de um discurso da globalização associado a uma concepção da competitividade económica assente apenas numa lógica de redução de custos económicos (independentemente dos custos sociais), pensamos ter demonstrado que o modelo económico e social nórdico não só é tão competitivo economicamente como o modelo anglo-americano (em alguns aspectos até chega mesmo a ser mais competitivo), como também, e ao mesmo tempo, produz - incomparavelmente - uma muito maior coesão social. O exemplo dos países da Escandinávia serviu-nos, então, para tentar demonstrar que a globalização não implica, necessária e inevitavelmente, um acréscimo das desigualdades sociais e um maior sofrimento humano associado a estas mesmas desigualdades. Ou seja, como afirmam Philip Kelly e Doreen Massey, respectivamente:

Globalization need not simply mean the globalization of a particular model of economic and social policy. If instead it is taken to be simply a process of extensification and intensification of social connectedness across space, rather than a normative and inevitable end-state, then it can be interpreted as either progressive or regressive (or somewhere in between), depending upon how such processes are harnessed and used (Kelly, 1999:385-6; itálico nosso). We are faced here with a problem of language. The word ‘globalisation’ has been hijacked to mean only the particular form of globalisation (neo-liberal and overwhelmingly concerned with the economic) that we suffer at the moment. But ‘globalisation’ really just means global interconnectedness, and it could take other forms, on different terms and embodying different kinds of power relations (Massey, 1998:2; itálico nosso).

O que tentámos, então, demonstrar é que, o processo de neoliberalização em curso deriva, sobretudo, tanto na sua origem como no seu desenrolar, de um conjunto de escolhas políticas (escolhas políticas essas que resultam, em boa parte, da progressiva formação e institucionalização de um consenso ideológico transnacional de cariz neoliberal) e não de uma racionalidade ou lógica económica pré-determinada e intrinsecamente neoliberal que seria uma simples acomodação inevitável à nova condição que a globalização progressivamente representaria. Consideramos, então, que (caso houvesse vontade e condições políticas para tal), no que se refere ao caso concreto da União Europeia, o modelo económico e social escandinavo se poderia constituir como uma alternativa economicamente viável e socialmente muito mais justa em relação ao modelo económico e social anglo-americano. De alguma forma, tentámos, também, alertar para as (in)evitáveis consequências, em termos de desigualdades sociais, que a progressiva importação desse mesmo modelo anglo-americano para a Europa acarretam. Neste momento, devido ao facto de o paradigma neoliberal se ter conseguido impôr progressivamente como senso comum, quando se fala na «reforma do Estado-Providência» pensa-se logo, de facto, em desmantelamento do mesmo, como se fosse algo de inevitável. No entanto, mais uma vez, o exemplo dos países nórdicos é a prova de que tal não é inevitável. A reforma do Estado-Providência levada a cabo nesses países - tal como é testemunhado, por exemplo, por Castells e Himanen (2003) - tem sido levada a cabo com imenso sucesso, sem, no entanto, beliscar os direitos sociais adquiridos. Dado que, neste momento, no clima político-ideológico actual, a questão da viabilidade do Estado-Providência e da Social-Democracia num contexto de globalização já nem têm sequer discussão - porque estes últimos são considerados como algo de datado - assistindo-se, portanto, a um fechamento do universo discursivo em torno dessas mesma questões, o que procurámos, então, fazer foi tentar contribuir, por muito pouco que seja, para que se abra, um pouco mais, o espaço de discussão em torno desse mesmo Estado-Providência e da Social-Democracia.

ANEXOS

Quadro 1- Receitas fiscais totais em 18 países da OCDE (em percentagem do PIB)

| |1970 |1980 |1990 |1998 |

|Australia |22.9 |27.4 |29.3 |29.9 |

|Austria |34.9 |39.5 |40.2 |44.4 |

|Belgium |35.7 |43.1 |43.1 |45.9 |

|Canada |31.2 |32.0 |36.1 |37.4 |

|Denmark |40.4 |43.9 |47.1 |49.8 |

|Finland |32.5 |36.2 |44.7 |46.2 |

|France |35.1 |40.6 |43.0 |45.2 |

|Germany |32.9 |33.1 |32.6 |37.0 |

|Ireland |29.9 |31.5 |33.6 |32.2 |

|Italy |26.1 |30.3 |38.9 |42.7 |

|Japan |19.7 |25.4 |30.9 |28.4 |

|Netherlands |37.1 |43.4 |42.8 |41.0 |

|New Zealand |27.4 |33.0 |38.1 |35.2 |

|Norway |34.9 |42.7 |41.8 |43.6 |

|Sweden |39.8 |47.1 |53.7 |52.0 |

|Switzerland |22.5 |28.9 |30.9 |35.1 |

|United Kingdom |37.0 |35.3 |36.0 |37.2 |

|USA |27.7 |27.0 |26.7 |28.9 |

| | | | | |

|Mean |31.54 |35.58 |38.31 |39.56 |

|Median |32.70 |34.20 |38.50 |39.20 |

|Standard deviation |6.06 |6.73 |6.97 |7.15 |

|Interquartile Range |8.08 |11.58 |10.10 |9.88 |

Fonte: John Campbell (2002:64)

Quadro 2- Receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital em 18 países da OCDE (como percentagem do total das receitas fiscais estatais)

| |1975 |1985 |1998 |

|Australia |15.5 |11.5 |19.4 |

|Austria |6.9 |5.0 |6.3 |

|Belgium |10.5 |7.9 |21 |

|Canada |20.9 |13.9 |15.9 |

|Denmark |3.9 |6.0 |7.8 |

|Finland |3.4 |2.9 |9.7 |

|France |10.1 |9.4 |13.8 |

|Germany |5.2 |7.6 |5.6 |

|Ireland |6.2 |3.9 |12.4 |

|Italy |11.3 |14.4 |12 |

|Japan |29.4 |30.7 |22.3 |

|Netherlands |13.1 |13.4 |19 |

|New Zealand |12.8 |8.9 |11.5 |

|Norway |3.1 |26.7 |14.1 |

|Sweden |3.8 |5.7 |9.9 |

|Switzerland |6.3 |5.7 |8.4 |

|United Kingdom |8.8 |18.2 |14.3 |

|USA |21.6 |13.6 |16.9 |

| | | | |

|Mean |10.71 |11.41 |13.35 |

|Median |9.45 |9.15 |13.10 |

|Standard deviation |7.27 |7.58 |5.00 |

|Interquartile range |7.58 |8.05 |6.90 |

Fonte: John Campbell (2002:66)

Quadro 3- Evolução dos rendimentos, exportações e fluxos de capital entre 1985-2002 conforme o grau de riqueza dos países (em biliões de dólares e em percentagem)

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Fonte: Gunter e Hoeven (2004:11)

Quadro 4- Aumentos das despesas sociais (em percentagem do PIB) por regime de Estado-Providência

| |Total state spending |Social spending | | |

|1984 |1997 |increase |1984 |1997 |increase | | | | | | | |Liberal | | | | | | | | | | | | | |Australia |36.40 |33.20 |-3.20 |13.8 |18.1 |4.3 | | | | | | | |Canada |45.30 |42.40 |-2.90 |16.2 |16.9 |0.7 | | | | | | | |Ireland |47.70 |33.20 |-14.50 |17.9 |17.9 |0.0 | | | | | | | |UK |47.10 |40.90 |-6.20 |21.1 |21.6 |0.5 | | | | | | | |USA |33.10 |31.40 |-1.70 |14.1 |16.0 |1.9 | | | | | | | |Nordic | | | | | | | | | | | | | |Denmark |62.60 |56.80 |-5.80 |28.9 |30.5 |1.6 | | | | | | | |Finland |40.20 |51.80 |11.60 |22.3 |29.3 |7.0 | | | | | | | |Norway |42.10 |44.10 |2.00 |19.7* |25.4 |5.7 | | | | | | | |Sweden |59.20 |59.00 |-.20 |30.0 |33.3 |3.3 | | | | | | | |Corporatist | | | | | | | | | | | | | |Austria |49.30 |49.80 |.50 |24.3* |25.4 |1.1 | | | | | | | |Belgium |60.70 |51.40 |-9.30 |26.7 |23.6 |-3.1 | | | | | | | |France |51.50 |52.60 |1.10 |26.4 |29.6 |3.2 | | | | | | | |Germany |47.40 |48.10 |.70 |23.6 |26.6 |3.0 | | | | | | | |Netherlands |49.40 |50.00 |.60 |30.2 |25.1 |-5.1 | | | | | | | |Mediterranean | | | | | | | | | | | | | |Greece |53.80 |44.60 |-9.20 |16.9 |22.2 |5.3 | | | | | | | |Italy |43.10 |50.40 |7.30 |21.0 |26.8 |5.8 | | | | | | | |Portugal |41.10 |43.50 |2.40 |11.4 |18.7 |7.3 | | | | | | | |Spain |35.20 |39.90 |4.70 |17.8 |20.9 |3.1 | | | | | | | |South-East Asian | | | | | | | | | | | | | |Japan |32.30 |35.00 |2.70 |11.4 |14.4 |3.0 | | | | | | | |Average |46.2 |45.2 |-1.00 |20.7 |23.3 |2.6 | | | | | | | |

Fonte: Peter Taylor-Gooby (2001:23)

Gráfico 1- Receitas fiscais totais (em percentagem do PIB)

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Fonte: Christian Lammert (2004:4)

Gráfico 2- Receitas dos impostos sobre os rendimentos do capital

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Fonte: Christian Lammert (2004:5)

Gráfico 3- Receitas dos impostos sobre os rendimentos individuais (em percentagem do PIB)

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Fonte: Christian Lammert (2004:6)

Gráfico 4- Receitas das contribuições para a Segurança Social - patronato (em percentagem do PIB)

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Fonte: Christian Lammert (2004:8)

Gráfico 5- Evolução da captação dos fluxos de investimento directo estrangeiro conforme o grau de riqueza dos países (em biliões de dólares)

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Fonte: Gunter e Hoeven (2004:15)

Gráfico 6- Taxas de Pobreza em alguns países da OCDE

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Gráfico 7- Evolução da distribuição da riqueza entre as 1000 pessoas mais ricas do Reino Unido e as 50% da população menos ricas (em biliões de libras)

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Fonte: David Gordon (2004:7)

Gráfico 8 Percentagem da população a viver com baixos salários no Reino Unido em relação à população total (1961-2002)

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Fonte: David Gordon (2004:8)

Gráfico 9- Desemprego na OCDE 1983-88

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Fonte: David Howell (2002:59)

Gráfico 10- Desemprego na OCDE 1989-94

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Fonte: David Howell (2002:59)

Gráfico 11- Desemprego na OCDE em 1994 e 2001 (Abril)

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Fonte: David Howell (2002:60)

Gráfico 12- Transferências sociais (em percentagem do PIB) por regime de Estado-Providência

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Fonte: Colin Hay (2003:10)

Gráfico 13- Relação entre os gastos com as despesas sociais (em percentagem do PIB) e a taxa de encarceramento

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Fonte: Colin Hay (2003:10)

Gráfico 14- Relação entre o índice de desmercadorização de Esping-Andersen( e as taxas de encarceramento

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Fonte: Colin Hay (2003:17)

Gráfico 15- Relação entre a percentagem de trabalhadores a tempo inteiro com baixos salários e a pobreza infantil

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Fonte: David Gordon (2004:16)

Gráfico 16- Relação entre os gastos com as despesas sociais (em percentagem do PIB) em pessoas com idade para trabalhar e a pobreza infantil

[pic]

Fonte: David Gordon (2004:17)

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[1] Como ilustração da crescente importância que a temática da globalização tem vindo a ter no universo das ciências sociais refira-se, por exemplo, o próprio surgimento das designações de «globalization theory» ou de «globalization studies» (isto no mundo anglo-saxónico), em que se encara a globalização como um campo de estudos autónomo, campo este em que, por sua vez, de um modo geral, está subjacente a ideia da globalização como uma causa universal das profundas mudanças sociais contemporâneas. Neste sentido, pode-se, dizer que as designações de «globalization theory», «globalization studies» ou «perspectivas globalistas» são praticamente intercambiáveis - até porque, nos três casos, os autores mais frequentemente citados são basicamente os mesmos que aqui utilizámos.

[2] Não se pretende aqui apresentar um resumo da teoria de Giddens (1990; 1991) - até porque estaria incompleto - mas apenas mostrar a forma como este autor utiliza a problemática do «distanciamento espácio-temporal» para a explicação da globalização, e porque, além disso, a sua teoria é bastante representativa de uma lógica de argumentação bastante em voga, hoje em dia, no que respeita à globalização.

[3] Giddens considera que a profunda ruptura histórica operada pela Modernidade pode ser atestada pelos seus efeitos, nomeadamente por uma aceleração do ritmo da mudança social relativamente às sociedades pré-modernas, por um alargamento do alcance geográfico dessa mesma mudança (tendendo para uma integração global das relações sociais) e por um desenvolvimento de formas institucionais da vida social sem precedentes históricos, em termos qualitativos. Assim, a Modernidade caracterizar-se-ia, segundo o mesmo, por uma conjunção específica de quatro ordens institucionais - o capitalismo, o industrialismo, a vigilância e a centralização dos meios de violência - que emergiram, em conjunto, na Europa do séc. XVIII, com a formação dos modernos Estados-nação. Giddens advoga, assim, um pluralismo causal no que respeita à Modernidade, criticando e rejeitando os clássicos da Sociologia precisamente pela sua alegada unidimensionalidade analítica, ao quererem procurar, de uma forma redutora, a forma institucional, ou a tendência dominante, dessa mesma Modernidade, que explicaria e determinaria todas as outras. Giddens considera, então, que por detrás desta combinação específica de formas institucionais se encontram as principais fontes de dinamismo da Modernidade - a separação do espaço e do tempo, o desenvolvimento de mecanismos de descontextualização e a apropriação reflexiva de conhecimento - cujas tendências universalizantes tornam as relações sociais cada vez mais inclusivas.

[4] Quando Castells afirma que “a mighty whirlwind governs our actions…”, ou quando refere que “capitalist classes…are appendixes to a mighty whirlwind…(1997a:359; 1996:474, respectivamente), este está, na realidade, a referir-se à globalização, que é representada pelo mesmo como um remoinho ou um vendaval (“whirlwind”) que varre tudo o que aparece no seu caminho (cf. 1997a:61).

( Zeitgeist significa «espírito da época».

( Apesar de não termos a tradução directa, pensamos que, por aproximação, Weltgeist significa «concepção universal do mundo».

[5] Neste preciso ponto, Castells (1996:29) tem uma nota de rodapé que diz o seguinte: Melvin Krazberg, one of the leading historians of technology, wrote: “The Information Age has indeed revolutionized the technical elements of industrial society”. As for its societal effects: “While it might be evolutionary, in the sense that all changes and benefits will not appear overnight, it will be revolutionary in its effects upon our society” (itálico nosso). Aqui seria conveniente relembrarmo-nos da citação de Graham, de há três páginas atrás, sobre a metáfora do «impacto» da tecnologia na sociedade e o determinismo tecnológico que está implícito neste tipo de conceptualização. Ao socorrer-se deste autor para reforçar o seu ponto de vista, Castells está, ao mesmo tempo, a revelar que se identifica com este tipo de análises que partem do princípio de que as mudanças tecnológicas é que seriam o motor das mudanças sociais.

[6] Ao projectar a «dinâmica das redes» para um universo de auto-regulação, Castells cái no determinismo tecnológico que, por vezes, recusa, bem como num estruturalismo extremo, ao reduzir os actores sociais a meros joguetes e suportes das estruturas sociais, reificando a lógica estrutural e organizacional das redes de informação e de produção, que parecem ter ganho uma vida própria - o que o leva a cair num fatalismo pessimista e distópico no que concerne às possibilidades de mudança social na «sociedade em rede», precisamente pelo facto de o mesmo considerar que “the network society…is characterized by the preeminence of social morphology over social action” (1996: 469), ou que “the logic of the network is more powerful than the powers in the network” (1996:193).

[7] Como refere Kevin R. Cox (2002:90-91; itálico e sublinhado nossos): “My own view is that…globalization is one, but only one, response, to what Robert Brenner (1998) has termed «the long downturn», by which he means the period since 1970. This has been one of lower profitability, lower rates of increase in capital stock, decreased rates of increase in labor productivity and in wages in manufacturing - a sharp contrast, in other words, to the record of much of the 1950s and 1960s…The general policy response to the long downturn has been an attempt to reimpose the law of value through the implementation of a neoliberal agenda…privatizations, the marketization of state functions, deregulation, an onslaught on labor through the rewriting of labor law…and the move away from corporatist arrangements between state, labor and business”.

[8] Esta é, em nosso entender, uma das principais razões para que, principalmente na perspectiva «hiperglobalista neoliberal» (mas também na «perspectiva globalista»), se considere que o Estado-Providência é um modelo económico e social datado e estruturalmente incompatível, na sua essência, com a globalização das economias.

[9] Bauman (1998) chega mesmo ao ponto de propôr que se reescreva toda a História da Humanidade, com base naquilo a que designa de descoberta retrospectiva da centralidade da distância espacial e da velocidade da comunicação na constituição de todas as sociedades, enquanto que Giddens (1990) considera que a nova problemática central das ciências sociais deveria ser a problemática do «distanciamento espácio-temporal», e que esta problemática deveria substituir todas as outras que estão subjacentes às perspectivas sociológicas existentes; Scholte (1999) considera que as ciências sociais tradicionais foram moldadas (e toldadas) por um «territorialismo metodológico» que as impede de ver a realidade da globalização, e que, por isso mesmo, é necessária uma mudança paradigmática em que seja dada uma especial atenção à «supraterritorialidade» e à «desterritorialização» das relações sociais. Castells (1996), por seu turno, com o seu conceito de «sociedade em rede», pretende dar conta de uma nova realidade social dominante, que se organiza em torno do «espaço dos fluxos» e do «tempo atemporal».

[10] Outro autor que captou, embora de uma forma mais subtil, esta progressiva inversão entre explanandum e explanans efectuada pela «globalization theory», no que respeita à introdução da globalização num esquema geral de explicação das mudanças sociais, é Ankie Hoogvelt: “What is being argued here is that, owing to the present reconstitution of the world into a single social space, that self-same historical process (which produced globalization) has now lifted off and moved into a new ballpark. If, previously, global integration in the sense of a growing unification and interpenetration of the human condition was driven by the economic logic of capital accumulation, today it is the unification of the human condition that drives the logic of further capital accumulation” (Hoogvelt, 1997:121; itálico nosso). Ou seja, na concepção de globalização da «globalization theory» está implícita não só uma inversão entre explanandum e explanans, mas também uma (con)fusão entre estes dois últimos no seu esquema geral de explicação. Um exemplo desta lógica, mas que se encontra presente, de um modo geral, na maior parte das definições e concepções de globalização da «globalization theory», é-nos dado por Richard Langhorne: “globalization is an ongoing process and a contemporary condition, the result of that process” (Langhorne, 2001:3). Mas, como afirma Justin Rosenberg, que já tinha chamado a atenção para a circularidade implícita em muitas definições e concepções da globalização: “globalisation cannot be both explanandum and explanans, i e, it cannot simultaneously be the process of which it is itself the outcome” (2000:4).

[11] Como afirma Vanaik, partindo de uma perspectiva semelhante à de Rosenberg: “Deterritorialisation is a spatial category but it simply cannot bear the burden of the explanatory weight put upon it. If changes in communications technology are what is most behind deterritorialisation then most such changes in the infrastructure of communications, including telephony, took place well before the late twentieth century. Satellite technology and computers cannot explain the advent of 'globalized' social relations. The most that can be claimed for their impact is that certain interactions/relations have been somewhat intensified by the emergence of such technologies” (Vanaik, 2001:3).

[12] Bauman também partilha deste ponto de vista quando afirma o seguinte: “It suddenly seems clear that the divisions of the continents and of the globe as a whole were the function of distances made once imposingly real thanks to the primitiveness of transport and the hardships of travel …‘distance’ is a social product; its length varies depending on the speed with which it may be overcome…All other socially produced factors of constitution, separation and the maintenance of collective identities - like state borders or cultural barriers - seem in retrospect merely secondary effects of that speed” (Bauman, 1998: 15; itálico nosso).

[13] “Globalization can thus be defined as the intensification of worldwide social relations which link distant localities in such a way that local happenings are shaped by events ocurring many miles away and vice versa” (Giddens, 1990:64).

[14] Como afirma Rosenberg, a propósito da obra de Bauman sobre a globalização (precisamente aquela obra em que este último autor, no início da mesma, chega ao ponto de propôr que se reescreva toda a História da Humanidade, com base naquilo a que designa de descoberta retrospectiva da centralidade da distância espacial e da velocidade da comunicação na constituição de todas as sociedades): “Although these claims retain their rhetorical sound and fury, the overwhelming analytical significance of space and time gradually recedes. And as the ‘mist of mystery’ clears, the argument comes to rest on a different, and altogether more familiar, shore. The spatio-temporal transformations which we call ‘globalization’ are, it turns out, ‘triggered (though by no means determined) by the radical leap in the technology of speed’ (Bauman, 1998:70). What drives them is, according to Bauman, their use by ‘capital’ to secure, extend and obscure the exploitative and distributive mechanisms through which inequalities of wealth and power are reproduced in the contemporary world. And since Bauman does not offer to use space and time to explain the mechanisms themselves (but only their invisibility and their successful insulation from effective protest), one must assume that the intellectual horns of the new problematic, so vigorously thrust forward at the start of the book, have been well and truly drawn in by the close. And wisely so, because ‘globalization theory’…pushes the categories of space and time into a role which they cannot be imagined to fulfil” (Rosenberg, 2000:164-5).

[15] Como refere Michael Storper: “Castells writes that ‘the space of flows is not placeless, although its structural logic is…’ by which I take him to mean that there is a supraplace force, i.e., an abstract law of development, which makes the space come about, and not the actions of individuals or institutions in real places” (Storper, 1997b:258; itálico nosso)

[16] Como refere Castells: “This disjunction between…two spatial logics…shifts the core economic, symbolic and political processes away from the realm…where political control can be done” (1997a:124; itálico nosso). Ou seja, é a disjunção sistémica entre duas lógicas espaciais que é responsável pelo cenário que Castells descreve, e não a acção de determinados actores e instituições concretas.

[17] Como contraponto a esta concepção da globalização, relembremos Colin Hay, quando este afirma: “globalization is not an “it”. It is not a thing. It is not a self-contained process with its own causal powers” (Hay, 2003a:4; itálico nosso).

[18] “Reification is the process by which we project our meanings into the world, and then we perceive them as existing in the world, as having a reality of their own” (Wenger, 2000:58).

[19] De facto, não parecem ser, como Castells refere, as “redes globais de trocas instrumentais”, abstractas e impessoais, que são responsáveis por esta conexão e desconexão, mas antes redes de empresas específicas, Estados-nação e blocos de poder específicos que desconectam indivíduos, grupos, regiões e países muito específicos e que, à partida, têm uma maior probabilidade de serem “desconectados” como, por exemplo, os trabalhadores sem qualificações, as mulheres e os países do 3º Mundo - e não quaisquer indivíduos, países, etc., ao acaso. Na trilogia de Castells há, de uma forma muito detalhada, muita informação sobre aqueles que são excluídos, mas o mesmo não acontece com aqueles que excluem. O processo de exclusão (ou, mais propriamente, o processo de formação do que Castells designa por 4º Mundo) parece ser, assim, um processo sem rosto, ou, mais uma vez, um processo abstracto e impessoal, em que nenhum grupo ou classe social parece poder ser responsabilizado. Em nosso entender, tal se deve não só à matriz excessivamente estruturalista de Castells, como também ao determinismo tecnológico omnipresente na sua concepção de globalização e à sua concepção reificada dessa mesma globalização.

[20] Não deixa de ser irónico, isto tendo em conta a matriz neo-marxista de Castells, que autores como Michael Storper considerem o seguinte em relação a ele: “Ironically, Castells’s space of flows resembles nothing more closely than the vision of neoclassical economics with respect to territory: a grid of homogeneous, interchangeable, frictionless, perfectly substitutable inputs.” (Storper, 1997b:238).

[21] Seguindo esta linha de pensamento fortemente assente no determinismo económico, Kenichi Ohmae, um dos autores mais representativos do «hiperglobalismos neoliberal», afirma o seguinte: “In today’s borderless economy, the workings of the «invisble hand» have a reach and strength beyond anything Adam Smith ever could have imagined…Economic activity is what defines the landscape on which all other institutions, including political institutions, must operate…The often instantaneous movement of people, ideas, information, and capital across borders means that decisions are swayed by the threat that needed resources (or economic activity) will go elsewhere (Ohmae, 1995:119). No entanto, apesar de esta representação da globalização já se ter tornado numa espécie de senso comum, não podíamos estar mais em desacordo com ela, e é por isso que concordamos inteiramente com as seguintes afirmações: “The predominant usage seems to be that globalization is a distinctive process: many analyses talk of states, economies, sectors and systems adapting or responding to the ‘process of globalization’ or the new conditions of the ‘global economy’. This is, of course, a central structuring conception of political economy - there are economic processes and relationships that are distinct from and establish the (fundamental) conditions for secondary social or political systems and actors. But it is also a view of globalization as an external ‘driver’ of other changes in social, political or cultural formations” (Clarke, 2001:20; itálico nosso). “The political is far more than merely residual to a determining economic essence. Indeed, in the absence of decisive, facilitating political interventions, the material processes of globalization would be unsustainable” (Hay e Watson, 2001:8; itálico nosso). “In positing an inter-disciplinary, indeed post-disciplinary, approach to globalization we do not wish to imply that there is a singular process of cultural, political or economic globalization, nor that globalization itself constitutes a singular process or dynamic. Rather, our claim is that there are multiple processes of globalization, that these interact in specific and contingent ways, that such processes are unevenly developed over time and space, are complex and often resisted and, moreover, that they are simultaneously social, cultural, political and economic. Accordingly, an account which privileges (empirically or, worse, causally) one ‘moment’ (whether social, cultural, political or economic) can only but fail to capture the complexity and contingency of contemporary change” (Hay e Marsh, 2000:3; itálico nosso).

[22] Para que fique já claro, em nosso entender, os Estados-nação (principalmente os mais poderosos economica e politicamente), bem como as empresas multinacionais (do sector produtivo e financeiro) e as organizações internacionais, como a OCDE, o FMI, o G7, a OMC, o Banco Mundial e a União Europeia, foram e são os principais actores da corrente forma de globalização.

[23] Como afirma Bob Jessop: “Instead of being just a political instrument set up and controlled by capital, the capitalist state is an essential element in the social reproduction of capital - a political force that complements the economic force of competition between individual capitals and assures the immanent necessities that cannot be secured through the latter (Jessop, 1990:37).

[24] Como é referido por Dicken et al. e por Leo Panitch, respectivamente: “In our process-based conception of globalization it is not necessary for nation-states to disappear, to loose their place as a key site of struggle and regulatory practice, or to become insignificant or marginal actors. Rather, globalization is associated with a qualitative reorganization of the structural capacities and strategic emphases of the nation-state…the impact of the process of globalization is measured not in the crude terms of whether there is ‘more’ or ‘less’ of the nation-state, but in its changing structure and orientation” (1997:162; itálico nosso). “There is the problem of tending to ignore the extent to which today´s globalization is authored by states and is primarily about reorganizing rather than bypassing them (Panitch, 1996:85; itálico nosso).

[25] No que respeita às mudanças na estrutura do Estado, Kevin R. Cox afirma o seguinte: “…regulatory forms are themselves aspects of state structure and this structure, which is what ultimately empowers and constrains the state in particular directions, is an object of class struggle in which the occupants of state roles themselves often participate (…) when Mrs. Thatcher famously said «there is no alternative», all that she was doing was reasserting the necessary unity between state and capital in the face of the contradictions subsequent to the shift in the balance of class forces brought about by «the long downturn» (Kevin Cox, 2002: 90/92; itálico nosso).

[26] Robert Cox identifica a «internacionalização do Estado» com três processos: “First, there is a process of inter-state consensus formation regarding the needs of the world economy that takes place within a common ideological framework (i.e., common criteria of interpretation of economic events and common goals anchored in the idea of an open world economy). Second, participation in this consensus formation is hierarchically structured. Third, the internal structures of states are adjusted so that each can best transform the global consensus into national policy and practice” (Cox, 1987:254; itálico nosso).

[27] No entanto, como afirma Eshrak Zaky (2004:6; itálico nosso): “nation-states are not the victims of global forces but are their engineers and globalization itself is a nation-state phenomenon, where national policies are deliberately designed to surrender national sovereignty” Estas “intromissões” na soberania dos estados-nação têm, então, uma origem política, elas não resultam, portanto, do processo abstracto e anónimo de globalização, mas sim de determinadas decisões políticas concretas, tomadas por actores sociais concretos. No que respeita, por exemplo, à União Europeia, Holm diz-nos o seguinte: “In the EU only constitutional independence seems to be preserved. Governments increasingly harmonize their regulative rules and actively pursue the breakdown of borders between their societies. The implementation of the Schengen agreement in Europe whereby all physical border controls are removed provide a vivid illustration of this…but are governments now actively giving away sovereignty? Within much of the globalization literature it is argued that governments are forced. Technological and market forces are mandating governments to implement identical policies. This should be most clearly seen within the EU. Yet most studies of the EU development point to the fact that political choices have been the central driving forces behind EU integration…Governments do accept qualitative changes in their sovereignty because they seek to enhance the credibility of the commitments. Governments give away sovereignty (make globalization) when they feel that this is the most effective way to control or seek compliance from other governments. The Economic and Monetary Union is the ultimate example of policy coordination in the financial area. Here, governments have given up the ability to regulate interest rates, money supply and exchange rates in return for influence over monetary policy within a wider area. Governments fearful of other governments “cheating” in the future opted for delegating power and authority to a supranational institution. The European Central Bank was created with an anti-inflation mandate, and with a set of rules that governments had to follow in their economic policies in the future. The costs of governments defecting were considered higher than the cost of giving up certain government powers (Holm, 2001:13-14).

[28] Como refere Paul Hirst: “Social democracy is generally presented by its critics and advocates of the new Third Way in the form of caricature. The caricature presents social democracy as statist and bureaucratic, as tied to an obsolete class system, as corporatist and dependent on national economic sovereignty that has passed away in the era of open economies…social democracy’s aim was and is to stabilise and humanise capitalism, containing the scope of market forces…it attempts to minimize the cost of capitalism for individuals, either through growth and employment enhancing policies, and/or through welfare state provision for the contingencies of unemployment, ill-health and old age…this distinguishes it from social market versions of the welfare state, that it attempts to tackle and reduce major unjustifiable inequalities in power and wealth…these goals certainly require the exercise of the public power, but not rigid statism…welfare provision certainly does not require top-down bureaucracy and services can be provided to a substantial degree through the third sector, through publicly-funded citizens’ organizations in civil society. Social democracy does not need to be conceived in class terms, it was always seen in the general interest of the mass of the population (Hirst, 1999:86-7; itálico nosso).

[29] Como afirma Mark Blyth e Jonathan Hopkin: “Capital flight, the great constraint to be avoided, often times does not occur as the theory…would dictate. For example, in the run up to the Swedish elections in 1994 several of Sweden’s largest firms sponsored a newspaper advertisement that threatened a capital strike if the Swedish social democratic party (SAP) was elected. Yet such a threat - as clear an example of a ‘capital mobility as constraint’ argument one could wish for - merely seemed to push the SAP’s vote. After the election and the victory of the SAP, none of the firms that made the threat actually left Sweden” (Blyth e Hopkin, 2004a:6). Neste contexto, é interessante relembrar uma frase já citada, de Paul Hirst e Grahame Thompson, quando estes perguntam o seguinte: “The real question to ask of MNCs (multinational corporations) is not why they are always threatening to up and leave a country…but why the vast majority of them fail to leave and continue to stay put in their home base and major centres of investment?” (1992: 368; citado em Cox, 1997:6).

[30] Como se pode observar no quadro 3 e no gráfico 5 (ver em anexo s.f.f.), entre 1985 e 2002, não só não tem havido nenhuma fuga maçiça de capital dos países mais ricos, como também estes mesmo países continuam actualmente, a arrecadar a fatia de leão em todas as categorias visadas, como fica bem patente no quadro 3 (crescimento do PIB, exportações de bens e serviços, captação de investimento directo estrangeiro e de investimento de natureza financeira). Aliás, a desproporção entre a pequena minoria dos países mais ricos e a grande maioria de todos os outros países do mundo, em todas as categorias referidas, continua a ser tão avassaladora que, quase nos arriscaríamos a dizer que uma leitura atenta desse mesmo quadro e gráfico é capaz de converter um “globalista empedernido” num “céptico radical”. Se não tanto, pelo menos permite-nos relativizar bastante o conceito de globalização e questionar seriamente os exageros «hiperglobalistas».

[31] Disponível em:

[32] Como afirma Kevin Cox: “This is not to say that some production is not being deterritorialized. But the situation is a complex one which is difficult to generalize. One can find, even in the same sector, high levels of globalization in production systems combining both the deterritorialization and territorialization of activity. So in some of their activities firms may be able to deterritorialize, while in other aspects of their input chain resources for which substitutes are difficult to find elsewhere continue to be important” (Cox, 1997a:6; itálico no original).

[33] No que se refere ao capital financeiro, que é muito frequentemente concebido como se fosse verdadeiramente global, supraterritorial e como se gozasse de uma mobilidade absoluta, para além dos argumentos apresentados no subcapítulo “A perspectiva céptica”, convém, também aqui, moderar o «hiperglobalismo» que está na maior parte das vezes subjacente às análises que se debruçam sobre os mercados financeiros, que tendem a considerar que existe, actualmente, uma integração total e perfeita ao nível desses mesmo mercados. Assim, como afirmam Colin Hay/Matthew Watson e Mark Blyth, respectivamente: “Interestingly, and perhaps counter-intuitively, empirical evidence tends to suggest that financial capital’s ‘hyper-mobility’ is also somewhat exaggerated. In the conventional wisdom of globalisation, financial assets are moved instantaneously around the world via a series of electronic impulses in order to depress existing interest rate differentials. As such, we should expect to see a rapid convergence of international interest rates. Such a dynamic has failed to materialise, however. Indeed, Robert Zevin has demonstrated that the correlation between short-term interest rates in the world’s major financial centres is no greater in our ‘virtual’ age than it was in the Victorian age (...) Far from long-term financial assets moving freely across borders on a supra-territorial plane throughout all markets, globalising tendencies are only evident in the short-term speculative flows which typify the currency markets. In the words of The Economist, ‘despite all the hyperbole, a global capital market does not yet exist ... capital markets do not fully transcend national boundaries’ (Hay e Watson, 1998:16-17). “If global financial markets were really so integrated as some of the hyperglobalists believe, we would be deprived of one of the great spectacles of the global economy - the repeated feeding frenzies of speculation against vulnerable currencies.” (Blyth, 2000:9). Para uma boa análise que explica porque é que, actualmente, o capital financeiro não goza de uma mobilidade absoluta e porque é que também continua a existir, também a este nível, uma concentração geográfica tão evidente desse mesmo capital nos países capitalistas mais avançados, consultar Patrick Leblond (2002), International Competition in Taxation and Financial Regulation: Why There is No Race to the Bottom, disponível em:

[34] Em termos de desenvolvimento tecnológico, de acordo com o “Technology Achievement Index” das Nações Unidas, a Finlândia, por exemplo, em 2001, atingiu o 1º lugar, em termos mundiais, ficando mesmo à frente dos Estados Unidos, que alcançou o 2º lugar. Enquanto que o valor desse mesmo índice, para os Estados Unidos, era de 0.733, para a Finlândia esse mesmo valor era de 0.744 (cf. Castells e Himanen, 2003:5).

[35] Como afirmam Kottaridi e Nielsen: “The main drivers of foreign direct investment into the Nordic countries lie on its relative comparative advantage stemming from agglomeration forces related to knowledge-driven economic activity” (Kottaridi e Nielsen, 2003:2; itálico nosso). Estes últimos autores chamam ainda a atenção que, para melhor compreender este fenómeno (e para perceber porque é que, em particular, estes países conseguem captar tanto investimento directo estrangeiro e serem tão competitivos economicamente) se deve reformular as teorias clássicas, no que refere à geografia da produção e do comércio, devido às mudanças qualitativas que a economia mundial tem vindo a sofrer nas últimas décadas: “A main strand in the literature involves the Heckscher-Olin trade theory, which focuses on differences in relative factor endowments as determinants of trade patterns and specialization. The model rests on the basic assumptions of perfectly competitive environments, constant returns to scale and production of homogeneous goods. ‘New trade’ theories and the literature on ‘geography and trade’, on the other hand, departs from the classical assumptions and add elements of increasing returns and differentiated production in an imperfectly competitive environment to explain trade and specialization. Globalization and the telecommunications revolution have shifted the nature of comparative advantage of the more advanced economies towards an increased reliance on knowledge-based economic activity (i.e., innovation and R&D). Consequently, economic activity based on knowledge assets tend to cluster within particular geographic regions in order to take advantage of knowledge spillovers via local proximity - the so-called agglomeration effects (ibid.:5; itálico nosso).

[36] Como afirmam, mais uma vez, Kottaridi e Nielsen: “what makes these countries particularly attractive to FDI is a combination of access to knowledge assets and large markets (i.e. the European Single Market, Russia and Eastern Europe). In particular, Finland’s shared border and long tradition of trade with the former Soviet Union together with its good infrastructure has positioned it as a gateway to the “New Europe” (Kottaridi e Nielsen, 2003:3-4).

[37] De acordo com estes mesmos autores, a Finlândia ocupava o 2º lugar desse mesmo ranking, sendo apenas ultrapassada pelos Estados Unidos, que ocupavam o 1º lugar. No entanto, comparando a edição de 1997 com a de 2002 desse mesmo documento, apenas a Noruega se encontrava nesse mesmo top ten, o que indica uma evolução bastante positiva num tão curto espaço de tempo. Além disso, estes mesmo autores afirmam que, de acordo com a edição de Setembro de 2002 do World Economic Outlook, publicado pelo FMI, o crescimento da economia mundial atingiu apenas o valor de 2.2% em 2001 (a taxa de crescimento mais baixa desde o abrandamento económico que se tem vindo a fazer sentir desde o início da década de 1990), e que, apesar desse mesmo abrandamento ser bastante sincronizado no que diz respeito aos países capitalistas mais avançados, ele fez-se sentir bastante menos na região da Escandinávia (Kottaridi e Nielsen, 2003:2).

[38] “In the Gini index, the value 1 means absolute inequality, in which one person gets everything and all others nothing, and the value 0 means absolute equality, in which everyone gets exactly the same” (Castells e Himanen, 2003:9).

[39] Em nosso entender, só uma visão muito estreita da economia (que parece ser a que hoje claramente predomina) é que faz com que, muito frequentemente, os Estados Unidos e o Reino Unido sejam bastante elogiados e referidos como casos de sucesso económico estrondoso, principalmente nos últimos anos, e como simbolizando os exemplos universais a seguir em termos de modelo económico e social. Normalmente são apontados os indicadores de crescimento económico e de criação de emprego destes mesmos países como provas irrefutáveis desse mesmo sucesso, sem nunca mencionar o que é que se esconde por detrás desses mesmos indicadores. Em primeiro lugar, como os números anteriormente referidos claramente demonstram, apesar de se ter vindo, nos últimos anos, a assistir a bons níveis de crescimento económico tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, os rendimentos que advêm desse mesmo crescimento têm vindo a ser cada vez mais desigualmente distribuídos. Ou seja, esse mesmo crescimento tem-se vindo a fazer cada vez mais à custa de uma crescente polarização sócio-económica. Além dos números já apresentados, ver em anexo, s.f.f., nos gráficos 7 e 8, a evolução das crescentes desigualdades, em termos de distribuição do rendimento, no Reino Unido. No gráfico 7, que dá conta da evolução da distribuição da riqueza entre as 1000 pessoas mais ricas do Reino Unido e as restantes 50% da população menos ricas (em biliões de libras), é bastante notória e impressionante a forma como, principalmente nos anos mais recentes (que correspondem à governação de Tony Blair), os rendimentos das 1000 pessoas mais ricas se têm vindo praticamente a equiparar ao rendimento das restantes 50% de pessoas menos ricas de toda a população. No gráfico 8, que dá conta da evolução da percentagem da população activa a viver com baixos salários, também no Reino Unido, salta à vista que, nos anos que correspondem à governação neoliberal de Margaret Thatcher, houve um aumento exponencial dessa mesma percentagem (enquanto que, em 1979, a percentagem da população que vivia com baixos salários era cerca de 9%, em 1992, quando Thatcher saíu, essa percentagem já era de 25%). Ver, também, em anexo, s.f.f., os gráficos 13, 14, 15 e 16, que, para além dos dados já apresentados, em nosso entender, complementam bastante bem esses mesmos dados, no sentido de darem conta da relação sistemática e coerente que queremos aqui fazer notar, entre o nível de generosidade do Estado-Providência (ou a falta dele) e os níveis de desigualdades sociais. Repare-se, por exemplo, nos gráficos 13 e 14, a posição ocupada pelos Estados Unidos. Nos gráficos 15 e 16, repare-se nas posições ocupadas pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido em relação aos países escandinavos. Quanto ao emprego criado, segundo Ilona Kovács (2002:127), no Reino Unido, 95% dos empregos criados nos últimos anos são precários. Quanto aos Estados Unidos, apesar de não termos a mesma percentagem correspondente, esta última autora refere o seguinte em relação a esse mesmo país: “Toda a transformação do emprego é bem simbolizada pelo facto de a maior entre as 7000 agências de trabalho temporário nos EUA Manpower é hoje a maior empregadora com 600 000 pessoas, ou seja, com mais 200 000 do que a General Motors e mais 345 mil do que a IBM…A esmagadora maioria dessas agências não paga férias, nem as faltas por doença, não oferece seguro de saúde, nem tem planos de reforma” (Kovács, 2002:126). Além disso, como refere Barbara Ehrenreich (2004), nos Estados Unidos, o fenómeno dos «working poor» não pára preocupantemente, de aumentar, não só por causa da crescente “flexibilidade” e precariedade do mercado de trabalho, mas também por causa das mudanças estruturais profundas e repentinas que se têm vindo a assistir nos modelos de protecção social estatal que, das duas uma, ou obriga os beneficiários da (já fraca) ajuda estatal a trabalhar em troca dessa ajuda («workfare») - ajuda essa que incidia, sobretudo, sobre as mães solteiras independentemente de elas terem, ou não, sítio para deixar as crianças enquanto trabalham em regime de «workfare» - ou então, simplesmente, os beneficiários dessa ajuda vão deixar de o ser, já que, através das políticas de «welfare-to-work», a maior parte deles vai deixar de receber essa ajuda, sendo, assim, “conduzidos” para o mercado de trabalho precário. Como referem Joel F. Handler e Jamie Peck, respectivamente, referindo-se a estas políticas de «workfare» e de «welfare-to-work»: “The Personal Responsability and Work Opportunity Act («PRWORA») of 1996, abolished AFDC («Aid to Families with Dependent Children»), and replaced it with Temporary Assistance to Needy Families («TANF»). The legislation explicitly stated that welfare is no longer an entitlement…Work requirements are to be strictly enforced through sanctions and time limits. Cash assistance is limited to a maximum of two consecutive years with a five-year lifetime limit…States were required to move an increasing percentage of welfare recipients into the workforce over the next six years, starting with 25 percent of the adults in the single parent family in 1997 and increasing to 50 percent by 2002…These welfare-to-work requirements are to be enforced by funding cuts in the block grants…The PRWORA also reduced food stamps in a number of ways, including a general tightening of eligibility. As with Medicaid, welfare families are no longer automatically enrolled. Funding was reduced or eliminated for child nutrition and meals programs…New York City lacks child care for 61 percent of the children whose mothers are supposed to participate in workfare. The state comptroller estimates that the New York state will need child care for 61 000 children by the year 2001, but only 27 500 slots are in the budget. There are currently 20 000 children on waiting lists for child care (…) California already has a waiting list of 225 000 poor children for subsidized day care” (Handler, 2004:25-6/35/56; itálico e sublinhado nossos). “In New York City, some 45000 people, mainly women, sweep the streets and clean the subways and parks. They do the work once done by unionized municipal employees. But instead of a paycheck and a living wage, they get a welfare check that leaves them far below the poverty line, and they have none of the benefits and protections of unionized workers…The «workfare» campaign is directed not only at cash assistance for families headed by mothers - the main focus in the U.S. - but at unemployment and disability benefits, and even housing, medical and food assistance (…) The «workfare» offensive against the traditional welfare state and its rights-based benefits is an effort to construct a new system of labor regulation, to enforce work under the new conditions of casualization, falling wages and underemployment (…) Contemporary «workfare» policies rarely involve job creation on any significant scale, along the lines of the old-fashioned public-work programs; they are more concerned with deterring welfare claimants and necessitating the acceptance of low-paid, unstable jobs in the context of increasingly «flexible» labor markets. Stripped down to its labor-regulatory essence, workfare is not about creating jobs for people that don’t have them; it is about creating workers for jobs that nobody wants (…) The status of being on welfare is replaced by the transitory experience of being processed (back) into work through workfare. The logic is to «churn» the welfare/workfare population, to hold them close to or push them into the job market, and to systematically remove alternative means of support in order to enforce (low) wage dependency” (Peck, 2001:ix/x/6/12; itálico e sublinhado nossos).

[40] Como referem Manuel Castells e Pekka Himanen, referindo-se ao caso da recessão económica finlandesa: “Measured by GDP and employment, Finland’s recession in 1990-3 was deeper than in any other industrial country. The GDP decreased by 13 percent and the unemployment rate went up from 3.5 to 17 percent in 1994” (Castells e Himanen, 2003:83).

[41] Manuel Castells e Pekka Himanen, estão-se aqui a referir ao caso finlandês, mas os casos dos outros países escandinavos não devem, provavelmente, andar muito longe, no que se refere à manutenção da estrutura do Estado-Providência: “As the Finnish economy was mainly growing between 1966 and 1990, the recession must be seen as the biggest test of the Finnish welfare state…What did this recession do to the Finnish welfare state? Because of the importance of the question, the Finnish Academy began a major research program in 1998 called “The economic crisis of the 1990s”, involving more than one hundred experts from different fields, to focus on the impact of the recession. The program concluded in the fall of 2001. Based on an extensive analysis of the empirical data, the research program’s main conclusion is that - in spite of significant cuts in social and health expenditure, and the introduction of stricter controls on the use of services - the main educational, health, and social service components of the Finnish welfare state remain fundamentally unchanged. The Finnish welfare state continues to be based on the public school system, universal health insurance, non-employment related retirement insurance, and so on” (Castells e Himanen, 2003:83).

[42] Apenas a título de curiosidade, o co-autor da obra que temos estado a citar de Castells - Pekka Himanen - pode ser visto como um exemplo vivo, ou como um produto das virtualidades do próprio modelo económico e social que temos estado a descrever, já que ele é o mais jovem doutorado de sempre na Finlândia.

[43] Como pergunta François-Xavier Merrien: “La dénonciation de l’approche keynésienne et les vertus accordées aux recommendations de la nouvelle économie sont-elles de l’ordre de la vérité scientifique ou dérivent-elles de la force de la nouvelle communauté épistémique, elle aussi dominante? ” (Merrien, 2002 :226; itálico nosso). Na nota de rodapé correspondente a esta frase, e na mesma página, o mesmo autor define o conceito de «communauté épistémique» da seguinte forma: “un réseau composé d’experts qui ont en commun un modèle de causalité et un ensemble de valeurs politiques. Ils sont unis par la croyance forte de ce modèle et dans l’engagement de traduire cette croyance en politique publique et que, ce faisant, le bien-être de l’humanité en sera amélioré”. Também neste sentido, Paul Krugman afirma: “Endless rounds of meetings and speeches…occupy most of the time of the economic opinion leaders. Such interlocking social groupings tend at any given time to converge on a conventional wisdom, about economics among other things. People believe certain stories because everybody important believes them. Indeed, when a conventional wisdom is at its fullest strength, one’s agreement with that conventional wisdom becomes almost a litmus test of one’s suitability to be taken seriously” (Krugman:1995:36).

[44] Estamos aqui a pensar, mais concretamente, no papel importantíssimo, desde meados dos anos 70, do aparato propagandístico levado a cabo pelas redes de «think-tanks» de inspiração neoliberal (como, por exemplo, a Sociedade do Monte Peregrino, a Comissão Trilateral, o American Enterprise Institute, o Adam Smith Institute ou a Heritage Foundation) na mudança de paradigma económico e na mudança do clima político-ideológico que contribuiu fortemente para a eleição de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, passando, assim, o neoliberalismo do combate ideológico e teórico para a acção política directa. Assim, como afirmam Dezalay/Garth, Jamie Peck e John Campbell, respectivamente: “Les universitaires dominés de Chicago se retrouvent aux cotés de financiers et des politiciens populistes, sous la banière de la Heritage Foundation” (Dezalay e Garth, 1999:4). “Milton Friedman and his acolytes at the University of Chicago had been working for some time to develop a distinctly neoclassical form of economic theory…in opposition to the dominant Keynesian rationality of the economics establishment. For two decades, this endeavour remained marginal to economics, but by the early 1970s, the tide began to turn. The social turbulence and economic uncertainties of that period may have caused many in the social-science community to question the fundamentals of capitalism, but the ascendant mode of orthodox economic theory proposed an entirely different explanation: the economic difficulties of Western Europe and North America were consequences of government failure. Markets were not, according to this view, the causes of the problems of the 1970s, they were their cure. And the policy solution should come in the form of the rigorous imposition of market rule - first and foremost through monetary means. The intellectual architects of the neoclassical counter-revolution, peripheral figures in the economics profession since Keynes, now found themselves fêted. Hayek and Friedman both won the Nobel Prize for economics in the mid-1970s. And Friedman would become a very ‘public’ economist - as Keynes had before him - developing a significant presence in the financial press and on the TV networks, where the simple nostrums of market fundamentalism played well. Think-tanks represent a third strand in this emerging neoliberal network, explicitly focused as they have been on the construction of a new ‘commonsense’ around problem diagnosis and policy formation. In the strife-torn environment of 1970s Britain, leading economic commentators, policy advisers and financial journalists were being successively won over by neoliberal arguments, questioning the very rationales for government intervention and proposing new responses based on privatization and deregulation. The London-based Institute of Economic Affairs assumed a central role in these neoliberalizing debates…in the US…a newly animated network of think-tanks, most of which had substantial financial support from the business community, were promoting the message that economic freedom was a sine qua non for a free society”. (Peck, 2003:170-1; itálico e sublinhado nossos). “During the 1970s…Keynesianism fell into disrepute creating an environment of intellectual crisis among economists and decision makers who began searching for an alternative program. Of course, other academics and pundits tried to advance alternative programs. The most important was industrial policy, an approach that called for more, not less, government intervention into the economy. For instance, industrial policy called for the creation of corporatist economic decision-making institutions, new government agencies to channel investment capital to key industries and firms, and other expensive and complex forms of intervention. However, the neoliberal view was backed by a much more sophisticated and well-funded organizational infrastructure than the alternatives. Conservative think tanks, such as the Heritage Foundation and the American Enterprise Institute, aggressively promoted neoliberalism in general and the supply-side position in particular. In contrast to the moderate and liberal think tanks that supported industrial policy and other views, conservative think tanks had developed great expertise in packaging and marketing the programs of academic economists to decision makers and viewed political advising more as an exercise in intellectual salesmanship than scholarship. Advocates of other programs were at a distinct disadvantage without comparable forms of organizational support” (Campbell, 2002:38; itálico e sublinhado nossos). Neste sentido, subscrevemos a seguinte posição de Diane Stone: “Our approach treats knowledge, discourses or ideas as a tool of power used by dominant interests in maintaining the capitalist order. Knowledge knetworks are part of ‘the micro-politics of contemporary hegemony’ and symptomatic of the ‘war of position’. Think tanks, foundations, consultants and research institutes are one component of ‘globalizing elites’: that is a directive strategic element within globalizing capitalism. Ideas do not have independent power (as implied in discourse approaches) but are closely related to social and political interests via networks. Ideas are treated in a constructivist manner as intersubjective meanings that shape perceptions of social structure. However, the identification of the agents, innovators, or carriers of knowledge and how they use ideas to legitimise policy is also important. What becomes considered to be the truth involves gaining control over material resources and this includes knowledge networks (Stone, 2004:8; itálico e sublinhado nossos). Sobre os «think tanks» neoliberais ver, por exemplo, Yves Dezalay e Bryant Garth (1999), Le Washington Consensus: Contribution à une sociologie de l´hégémonie du néoliberalisme, nas Actes de la Recherche en Sciences Sociales (não temos o número da revista) e Keith Dixon (1999), Os Evangelistas do Mercado: os intelectuais ingleses e o neoliberalismo, Ed. Celta.

[45] (Ver gráficos 6, 7 e 8, em anexo s.f.f) Além disso, em função do que os autores seguintes referem, as ideias de que, nos Estados Unidos existiria uma fraca intervenção estatal no mercado de trabalho (típica dos Estados com uma tradição mais liberal), e que os níveis de desemprego seriam substancialmente mais baixos do que na Europa, necessitarão, talvez, de ser revistas: “Western and Beckett used Bureau of Justice Statistics data to recalculate US adult male unemployment performance by including the incarcerated in the total labor pool. They found that ‘in Europe, unemployed males outnumber male prison inmates between 20 and 50 to 1. In the United States the ratio of unemployed to incarcerated was less than 3 to 1’ (Western and Beckett, 1999:12). Clearly, such a difference in the incarceration rate impacts the labor market since including the incarcerated in the unemployment calculation reveals the potential size of the labor market without this labor market intervention, and thus what adjusted unemployment would be. Western and Beckett argue that their recalculated series ‘shows that U.S. labor market inactivity never falls below 7% in the 1980s (ibid.:13). Indeed, ‘if all inmates are included among the unemployed, labor utilization in Europe is higher for 15 of the 19 years of the 1976-1994 period’ (ibid.:14). The authors’ calculations reveal that in 1995, the official unemployment rate was 7.1 percent for Germany and 5.6 percent for the U.S. However, once recalculated to include inmates in both countries, German unemplloyment rises to 7.4 percent while U.S. unemployment rises to 7.5 percent (ibid., Table 2:37)…The U.S., it seems, intervenes in labor markets just as much as European governments do, and this does indeed seem to improve unemployment performance, but going by this example, none of this has much to do with the institutions that make it a «Liberal Market Economy» and that hypothetically give it superior performance” (Blyth, 2003:221; itálico nosso). “The US is, invariably, presented as the model to be emulated, combining good economic performance with near full employment. Yet, the US’s seemingly impressive labour market performance comes at a, rarely acknowledged, price. There is a significant trade-off between social spending and structural inequality and, in turn, between equality and both crime and incarceration rates…If the rapid expansion of the penal system in the 1980s and 1990s in the US is regarded as an intervention in the labour-market and the incarcerated are counted among the ranks of the unemployed, the US male jobless rate rises to a level above the European average for most of the period since 1975. It hardly needs to be pointed out that incarceration on a per capita basis is rather more expensive than unemployment benefit. More importantly, since the job prospects of ex-convicts are significantly eroded such that they invariably leave prison to join the ranks of the long-term unemployed, the impressive employment performance of the US in the 1980s and 1990s has in fact depended in large part on a high and increasing incarceration rate at an increasing cost to the US taxpayer. Arguably,, the US has a very expensive non-welfare state (Hay, 2003:18; itálico nosso). “The United States enjoys comparatively low unemployment, but a disturbing rise in jobs that pay below-poverty wages. The level of many social benefits has folllowed suit, producing unprecedented levels of poverty…in the United States…poverty and polarization…may threaten the social order and thus burden the public sector on alternative expenditure accounts. The American male prison population is above one million (and is rising) pushing up spending on prisons, law and order. Security guards and law enforcement are among the fastest growing occupations; the annual per-inmate cost of incarceration is almost twice that of the tuition costs at Harvard University (Esping-Andersen, 1996:8). Assim, deve-se ter em conta que a redução das despesas com a segurança social não constitui, de facto, uma verdadeira e própria economia para as finanças públicas, mas somente a transferência de recursos entre os diferentes sectores do Orçamento: das despesas sociais para as despesas com a repressão - do «Estado Social» ao «Estado Penal». Mais: o que se parece, então, passar nos Estados Unidos, nas últimas décadas, é o uso da prisão em massa como estratégia de luta contra a pobreza.

[46] O que este autor entende por “large welfare states” , corresponde ao que nós, à falta de melhor termo, temos vindo a designar por “Estados-Providência mais desenvolvidos”, e que, na tipologia de Esping-Andersen (1996), correspondem, grosso modo (pelo menos no que se refere à proporção do PIB destinada às despesas sociais), aos modelos «social-democrata» (ou nórdico) e «continental». O que Swank entende por “small welfare states” corresponde ao modelo social «liberal» da tipologia do mesmo Esping-Andersen, de natureza mais residual. Tendo em conta esta distinção, Swank afirma, ainda, o seguinte: “Using the mechanics of interaction discussed above, it is easy to derive the specific impacts of rises in exposure to world capital markets in small (welfare spending is 10 percent of GDP), and large (30 percent of GDP) welfare states. In moderate and large welfare states, the welfare impact of rises in borrowing on international capital markets is insignificant; in small welfare states (Australia, Japan, the United States) it is negative. Again this pattern of social policy effects is the exact opposite of that predicted by globalization theory” (Swank, 2002:91; itálico nosso).

[47] “The way to control for variation in welfare need over time is to construct an (aggregate) index of welfare generosity. This compares actual expenditure with what we would expect were consistent levels of generosity to have been mantained but given exhibited variations in need or demand. The index developed here is extremely crude and captures only variations in demand relating to two factors: (i) the proportion of the population over 65; and (ii) the proportion of the population registered unemployed. The index is standardized at 100 for 1985” (Hay, 2003:11).

( O índice de desmercadorização de Esping-Andersen mede o grau de envolvimento do Estado na amenização das desigualdades sociais geradas pelo mercado

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