Fboms.aspoan.org



“Mega Eventos Esportivos, Turismo e Financiamento Público: o caso do Pan 2007 no Rio de Janeiro”

Alessandro Biazzi Couto - PACS (Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul)

Email: integração@.br

O Esporte enquanto prática social que envolve, além de atletas, torcedores, jornalistas, médicos, empresários etc adquire em nossa vida cotidiana uma dimensão impressionante. Para o pesquisador Vitor de Melo trata-se de “uma das mais importantes e influentes manifestações culturais da modernidade, eivada das representações de valores e desejos que permeiam o imaginário do século: a superação de limites, o extremo de determinadas situações (comuns em um momento em que a tensão e a violência foram constantes), a valorização da tecnologia, a consolidação de identidades nacionais, a busca de uma emoção controlada, o exaltar de um certo conceito de beleza. Para falar um pouco mais sobre a penetração dessa prática social por todo o mundo, basta lembrar que há mais países filiados à FIFA e ao COI do que à ONU.”[1]

Contudo, não podemos deixar de constatar também que essa paixão que move multidões é cada vez mais uma atividade apropriada e regulada por interesses de grandes empresas, divulgação de marcas transnacionais e cujo modelo é voltado para a realização de mega eventos esportivos. A grandiosidade do “espetáculo” da Olimpíada de Pequim no ano de 2008 representa bem este tipo de convergência de interesses privados, mas que também precisam se associar aos Estados, os quais canalizam investimentos públicos e articulação política para sua realização

Neste sentido, governantes brasileiros também buscam se associar ao esporte e obter possíveis ganhos, sejam eles econômicos (investimentos, incremento da atividade turística e obras de infraestrutura) ou de “capital simbólico” para suas carreiras políticas, atrelando os eventos a uma imagem positiva de suas cidades/países, que pretensamente beneficia todos os cidadãos, deixa um “legado positivo“. Trata-se de um discurso de forte apelo no Brasil devido a importância que o futebol adquiriu no país, mas que ao mesmo tempo torna difícil uma visão crítica no senso comum do brasileiro sobre as contradições e conseqüências sócio-econômicas, desse mega eventos esportivos.

A fim de tornar mais claras algumas dessas questões e permitir que os atores sociais possam intervir criticamente nestes projetos que vem sendo altamente incentivados no país nos últimos anos, pretendo expor alguns dos problemas e irregularidades na realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro e suas tentativas de sediar as Olimpíadas. Tratam-se de informações obtidas a partir de estudos acadêmicos, relatórios governamentais e informações da mídia, mas principalmente da participação do PACS no “Comitê Social do Pan“, uma rede da sociedade civil carioca criada em abril de 2005 e composta por organizações ligadas ao acompanhamento do orçamento público municipal, associações de moradores afetados pelas obras do Pan, federações esportivas, pesquisadores, dentre outros, cujo papel de reflexão e intervenção antes, durante e após os jogos nos serve de exemplo de resistência.

Desde a candidatura no ano de 2001, o objetivo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e da Prefeitura do Rio de Janeiro era fazer do jogos Pan-americanos uma “vitrine” para a cidade, o que lhe capacitaria para sediar as Olimpíadas no futuro. O Pan 2007 pretendia ser mais grandioso do que as edições anteriores e previa além de modernas instalações esportivas, transformações na infraestrutura urbana e uma agenda social. Apesar de seu sucesso midiático no que tange as competições e os espetáculo das cerimônias de abertura e encerramento , podemos afirmar que os Jogos foram um verdadeiro fracasso no que se refere a esse objetivos de prover um legado para a cidade, seus excessivos gastos públicos e um modelo inclusivo de gestão urbana aliado ao esporte.

O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de Setembro de 2008[2] aponta que os gastos totais, inicialmente previstos em 2001 em torno de 400 milhões de reais, chegaram ao patamar de aprox. de 3,3 Bilhões de reais. Apresenta ainda vácuos e irregularidades significativas na prestação de contas do Ministério do Esporte, que acabou arcando com a maior parte dos custos dos jogos, fruto da falta de planejamento do Comitê Organizador e do aporte insuficiente de recursos dos patrocinadores. Dentre estes problemas destacamos o aumento dos preços das obras em função dos atrasos que atingiram quase todas as instalações; o alto custo total para estadia de cada atleta, estimado pelo TCU em R$ 1.137,00 por dia, muito superior as diárias de aprox. R$ 600 nos luxuosos hotéis da Barra da Tijuca que hospedaram dirigentes; os indícios de superfaturamento nas tochas utilizadas no revezamento e o fato de que a Olympo Marketing, agência do Comitê Olímpico Brasileiro e também presidida por Carlos Nuzman, ter prestado seu serviços ao Pan 2007 sem licitação, apropriando-se de 17% das receitas de venda dos direitos de mídia e do patrocínio dos jogos.[3]

O relatório do TCU abrange prioritariamente os gastos federais, no entanto o orçamento municipal foi altamente comprometido, dado o direcionamento de recursos para a construção de instalações e obras viárias, sendo a maior parte das iniciativas da dita “Agenda Social do Pan” relegadas, infelizmente, a segundo plano com a proximidade dos jogos, como aponta o Fórum Popular do Orçamento.[4] No âmbito da gestão urbana, obras tidas como chave como o metrô para a Barra da Tijuca e a despoluição das lagoas foram totalmente esquecidas pelos governantes, sendo significativa a ausência de um legado para a cidade neste âmbito.

De fato, parte da mídia e o relatório do TCU corroboram algumas das críticas levantadas pelo membros do Comitê Social do Pan no que se refere as intervenções urbanas. Dentre as mais relevantes cabe destacar a privatização do maior centro de convenções da cidade, o RIOCENTRO, por um preço subvalorizado; as ameaças de remoção de comunidades carentes sem compensação digna ou qualquer política habitacional; a tentativa de construção de um Shopping Center no Estádio de Remo da Lagoa descaracterizando seu uso esportivo; a construção de um garagem para barcos na Marina da Glória em um local tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional, as intervenções no entorno do Autódromo Nelson Piquet, que teve sua pista original descaracterizada; e o aproveitamento elitista da Vila do Pan, financiado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado para projetos populares, mas que deu lugar a apartamento de classe média alta e construída em um terreno altamente problemático em termos de solo e infraestrutura circundante.

Em síntese, percebemos que o planejamento geral do Pan e essas intervenções urbanas arbitrárias são ações alheias a uma política social e de turismo por meio do esporte que beneficie a população da cidade, em particular seus segmentos mais pobres. Os jogos se concentraram basicamente no entorno do bairro da Barra da Tijuca, uma fronteira em expansão de grandes empreendimento imobiliários e em benefício dos ricos, reproduzindo um padrão de expansão do grande capital já conhecido nos centros urbanos. De fato, uma parte dos recursos federais dos jogos foi voltada para o armamento da polícia militar do Estado do Rio, em continuidade com uma política de segurança que busca controlar as periferias.

Se a ausência de uma agenda social e de intervenções urbanas como legado já seriam suficiente para uma análise negativa desse modelo, é lamentável constatar que a maior parte das instalações esportivas do Pan tem sido subutilizada ou mesmo abandonada. O Estádio Olímpico do Engenhão, cujos custos chegaram a 350 milhões de reais, foi um verdadeiro candidato a “elefante branco”, até ser concedido ao clube de futebol Botafogo, que não aproveita a mais moderna pista de atletismo da cidade. O “Velódromo da Barra” encontra-se totalmente inutilizado; a “Arena Multiuso”, que abrigou as competições de Basquete e Ginástica, se transformou em uma casa de shows de um grande banco internacional e o “Parque Aquático Maria Lenk”, que encontra-se sob administração do COB, não é rentável e existem indícios de que seria inviável reformá-lo para atender as demandas do Comitê Olímpico Internacional por mais assentos para os Jogos Olímpicos. Cabe lembrar ainda que nenhuma das arenas, todas financiadas com dinheiro público, estão abertas ao uso por parte dos cidadãos.

Diante das evidências de que os jogos Pan-Americanos em 2007 foram cercados de uma série de irregularidades[5] e tendo-se em mente todos os problemas apontados pela “CPI do Futebol” no Congresso Nacional, é lamentável que os brasileiros apóiem em grande medida (ou pelo menos sejam apaticamente coniventes com) o direcionamento de recursos públicos para a realização da Copa do Mundo de 2014 e as seguidas candidaturas da cidade do Rio de Janeiro para as Olimpíadas- (estima-se que só a candidatura gere gastos em torno de 100 milhões de reais). Fora o fato de que esses recursos poderiam ser empregados em outras áreas prioritárias (saúde, educação, saneamento básico etc), ou mesmo no esporte de base, o que não tem sido feito. Os mega eventos esportivos previstos nos próximos anos são capitaneados pelas mesmas lideranças de federações e comitês em que (sobre os quais) já repousam uma série de críticas e denúncias, atendem aos interesses de grandes empresas transnacionais e contam com a anuência de políticos que raramente levam em conta os benefícios e prejuízos de longo prazo dos eventos.

Tanto o caráter celebratório em torno das competições esportivas quanto a desinformação, contribuem para a reprodução deste quadro. Como exemplo, além da propalada candidatura as Olímpíadas de 2016, a cidade do Rio e o governo federal já se comprometeram, a sediar os “Jogos Mundiais Militares” cujos gastos seriam de 1,27 bilhões de reais, segundo a Folha de São Paulo.[6] O governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, tem invocado constantemente esse mesmo tipo de “espírito olímpico” danoso para defender a privatização do Aeroporto Internacional do Galeão, sem estudos técnicos mais precisos sobre suas conseqüências. Tratam-se de temas em grande parte negligenciados pelos atores sociais críticos e que necessitam de um maior acompanhamento a fim de que o interesse público e das classes populares se faça valer nesse projetos, seja na pressão por mudanças, seja na resistência para que intervenções arbitrárias não sejam impostas em nome do esporte.

Com a realização da Copa do Mundo em 2014 no Brasil, essa questão se coloca na ordem do dia. Prefeituras de grandes cidades entraram em disputa para sediar os jogos e os ministérios do Turismo e do Esporte já organizaram seminários com empresários para discutir os rumos da competição, que atrai um público de turistas tão alto quanto os jogos olímpicos, mas que prevê deslocamentos múltiplos entre cidades - e a reforma da infraestrutura que atende aos estádios de futebol no país - por vezes bastante precária. Por fim, o modelo de mega eventos esportivos deve ser questionado, mas é preciso ir além dessas críticas e pressionar os agentes governamentais para que a Copa de 2014 não repita os tantos erros do PAN 2007, e que a sociedade civil se articule suficientemente para ter um protagonismo político crítico em torno dos temas do orçamento público, do turismo, da gestão urbana e do esporte enquanto política social .

-----------------------

[1] DE MELO, Victor “JOGOS PANAMERICANOS E A CIDADE DO RIO DE JANEIRO: CONTRIBUIÇÕES?” - Disponível na homepage do “ Comitê Social do Pan” - que conta ainda com uma série de artigos e documentos críticos sobre o PAN 2007.

[2] Disponível em

[3] Cabe ressaltar que a mesma agência de marketing também é responsável pela campanha das Olímpiadas RIO 2016.

[4]

[5] Infelizmente a tentativa de se aprovar uma CPI do Pan na Câmara Municipal do Rio foi engavetada, contudo tanto o relatório do TCU, a página da web do “Comitê Social do Pan” e do Fórum Popular do Orçamento contêm amplos dados sobre o Pan 2007.

[6] Disponível em

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download