Características Jurídicas do Penhor Mercantil
Características Jurídicas do Penhor Mercantil
Zhao Yi*
O penhor mercantil é um dos aspectos importantes do regime de garantia que, embora seja diferente do penhor do Código Civil e da hipoteca de bens móveis, reveste-se de algumas características destas figuras, nomeadamente quanto ao tipo de bens objecto de garantia. A constituição do penhor mercantil faz com que os direitos reais de funções diferentes, de tipos idênticos ou de tipos diferentes, sejam compatíveis entre si, o que vai alargar a sua competência. Este tipo de regime do penhor mercantil, que consiste na posse real do objecto e na sua não transferência, tem um papel muito importante na produção das grandes indústrias actuais.
I. Um avanço na história do regime de garantia
O regime de garantia é um meio jurídico para evitar os riscos económicos que, com o desenvolvimento da economia de mercado, se tornaram mais variados e complexos, sendo este um dos ramos mais activos do direito civil, dentro do qual o regime mais representativo é o regime de garantia sem desapossamento dos bens móveis.
O regime de garantia do direito civil tradicional baseia-se principalmente na hipoteca, no penhor e no direito de retenção. Após a segunda guerra mundial, alguns países de economia de mercado, cuja economia recuperou aceleradamente, enfrentaram o conflito entre os factores da actividade da economia de mercado e as normas do direito civil. Por um lado, houve uma necessidade enorme de acumulação de capital e por outro existia uma regulamentação rigorosa do regime da hipoteca; por um lado, existia um modo de produção industrial com grande número de equipamentos mecânicos e por outro havia uma grande restrição ao regime do penhor, dificultando a escolha às empresas e não permitindo o máximo aproveitamento dos equipamentos. Deste modo, a sociedade desejava que houvesse um regime que pudesse ampliar a garantia sobre bens móveis e ao mesmo tempo as potencialidades do direito de usufruto. «Por exemplo, a sociedade pretendia que não fosse necessário transferir a posse dos equipamentos mecânicos ou veículos para poder concretizar a garantia, tal como acontecia na hipoteca, razão pela qual a hipoteca era mais vantajosa e mais utilizada, sendo uma das vias para fazer face às necessidades desta economia a aplicação do regime da hipoteca aos bens móveis». A hipoteca de bens móveis é uma relação de hipoteca estabelecida através da não transferência da posse de bens móveis. No preâmbulo da legislação do direito civil actual de Taiwan afirmou-se que: «a característica dos bens móveis é a sua facilidade de transferência, por isso a pessoa que utiliza bens móveis como garantia no direito de crédito tem que transferir a posse desses bens para o credor, garantindo assim a eficácia do direito de crédito, caso contrário é difícil ao credor exercer o seu direito de garantia, podendo ainda haver prejuízos para terceiros. Não existiriam as desvantagens acima referidas se o credor possuísse os bens móveis, princípio que foi utilizado nas legislações em geral e que nós também seguimos». Em relação ao valor dos bens móveis e à necessidade de financiamento da indústria e do comércio empresarial, este regime de garantia, proveniente da antiga Roma, em que os bens móveis apenas podiam ser uma garantia no penhor, levou a uma modificação histórica.
De acordo com o princípio da liberdade contratual, nos Estados Unidos da América foi elaborado, em 1952, o Código Comercial Unificado, lei que regula todos os tipos de garantias utilizadas pelas partes nos contratos. Uma das garantias reguladas foi a garantia que é feita através de bens móveis e de bens móveis que fazem parte integrante de bens imóveis, que veio substituir os vários tipos de garantias anteriormente existentes. Com a simplificação dos vários tipos de garantias, procedeu-se ao mesmo tempo ao alargamento do âmbito dos bens móveis objecto de garantia. Alguns países europeus como a Inglaterra, a França e a Alemanha, relativamente à hipoteca de bens móveis, regularam o seu regime em lei especial ou no direito civil. Em relação ao regime da hipoteca de bens móveis da Ásia, Japão e Taiwan, este é relativamente mais elaborado. É o caso da Lei do Crédito para a Aquisição de Bens Móveis Agrícolas, do VIII ano da Dinastia de Zhao He; da Lei da Hipoteca sobre Veículos Automóveis, do XXVI ano da Dinastia de Zhao He; da Lei da Hipoteca sobre Aeronaves, do XXVIII ano da Dinastia de Zhao He; a Lei do Penhor sobre Maquinarias para Construção, do XXIX ano da Dinastia de Zhao He e do Código Comercial, que regulam as questões relativas à hipoteca sobre bens móveis agrícolas, veículos automóveis, aeronaves, maquinarias de construção e navios. Em Taiwan, entrou em vigor, em 1965, a Lei da Negociação de Garantias sobre Bens Móveis e os respectivos regulamentos de execução, revista posteriormente em 1970 e 1976. Esta lei teve como referência o regime da hipoteca sobre bens móveis dos Estados Unidos da América, regulando a hipoteca de bens móveis, a compra e venda condicional e o regime de alienação fiduciária em garantia.
A secção sobre o penhor do Código Civil de Macau que entrou em vigor em 1999, determina que «as disposições desta secção não prejudicam os regimes especiais estabelecidos por lei para certas modalidades de penhor». Quanto ao tipo de objectos que podem ser hipotecados, o artigo 684.º do Código Civil de Macau dispõe que «as coisas móveis que, para este efeito, sejam por lei equiparadas às imóveis» também podem ser objecto de hipoteca. Assim, podem ser hipotecados os veículos automóveis, aeronaves e navios. Esta disposição corresponde à teoria da garantia hipotecária vulgarmente conhecida, mas ao mesmo tempo adequa-se às necessidades de financiamento das empresas industriais e comerciais e regula os actos de hipoteca das empresas. O Código Comercial refere ainda que a dívida que se cauciona tem que resultar do exercício de uma empresa comercial para se poder constituir o penhor mercantil.
Podemos afirmar que, após o esforço e a discussão sobre a teoria e a prática de mais de cem anos nesta área, o regime da hipoteca de bens móveis tornou-se um dos aspectos mais importantes do regime de garantia.
II. Características jurídicas do penhor mercantil
O penhor é um direito real de garantia em que o credor tem sobre o devedor e sobre terceiros um direito especial, que consiste na posse de bens móveis para garantia dos seus direitos. Segundo a teoria tradicional, o penhor só produz efeitos quando existe transferência da posse, não podendo o credor pignoratício permitir que o autor do penhor o substitua na posse do objecto penhorado. O penhor mercantil é diferente do penhor tradicional, dispondo de uma dupla característica.
Segundo o artigo 912.º do Código Comercial: «o penhor mercantil pode ser constituído com ou sem desapossamento». E só pode ser efectuado sem desapossamento quando incida sobre bem afectado ao exercício de uma empresa, nomeadamente quando incida sobre bem cuja utilização seja imprescindível ao exercício da empresa. Só nas situações acima referidas é que pode haver a não transferência da posse para garantir os interesses do credor e regular o penhor. A utilização do penhor sem desapossamento para a constituição do penhor mercantil, também deve ter como finalidade garantir os interesses do empenhador e estimular as actividades das empresas industriais ou comerciais.
1. Semelhanças e diferenças entre o penhor mercantil e a hipoteca de bens móveis.
Quando o penhor mercantil é constituído com a condição de haver transferência da posse, dispõe inteiramente das características do penhor. Aqui, a entrega do objecto é uma forma de publicidade e não é necessário o processo de registo. Mas quando o bem objecto de penhor for um objecto imprescindível para o exercício da empresa, conforme o seu nível de importância na actividade empresarial, poderá ser constituído o penhor mercantil sem transferência da posse, independentemente da quantidade de vezes que o objecto é utilizado. Assim, o penhor mercantil dispõe das características da hipoteca. Por isso, o penhor mercantil sem desapossamento e a hipoteca de bens móveis são meios de garantia diferentes, mas que permitem a obtenção do mesmo resultado e têm várias características em comum. Sob o ponto de vista do objecto, tanto no penhor mercantil como na hipoteca de bens móveis estamos perante bens móveis; quanto ao direito de utilização, a hipoteca de bens móveis assegura os interesses do devedor hipotecário, garantindo o direito de utilização do possuidor dos bens móveis, e quanto ao penhor mercantil também neste se dá grande importância aos interesses do empenhador, determinando especialmente que, quando o bem objecto do penhor for um objecto imprescindível para o exercício da empresa, não é necessário haver a transferência da posse deste bem; em relação ao direito de propriedade, em ambos os tipos de garantia referidos não existe modificação do direito de propriedade, mas este direito está sujeito a restrições devido à constituição da garantia, tornando o direito de propriedade «um tipo de direito real que dispõe de flexibilidade passiva»1; sob o ponto de vista da modalidade, ambos podem ser constituídos sem desapossamento e sob o ponto de vista da publicidade, ambos necessitam de registo. Embora os dois tipos de garantia acima referidos tenham muitas semelhanças, são dois tipos de regimes de garantia distintos e devido às suas características desempenham diferentes funções nos diferentes âmbitos.
Em primeiro lugar, as respectivas modalidades de constituição são diferentes. A condição da eficácia do direito de hipoteca é o registo. O artigo 683.º do Código Civil determina que «a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes». Os bens móveis que são considerados bens imóveis para efeitos de hipoteca são: os veículos automóveis, as aeronaves e os navios, que estão sujeitos a registo. O Decreto-Lei n.º 49/39/M dispõe que o registo da hipoteca de veículos automóveis é feito de acordo com as regras da hipoteca de bens imóveis. A parte relativa ao registo de bens imóveis do Código de Registo Predial determina que os factos constitutivos de hipoteca só produzem efeitos, mesmo entre as próprias partes, depois de serem registados. O Decreto-Lei n.º 10/98/M consagra também uma regra semelhante para a questão da hipoteca sobre aeronaves. Assim, o processo de registo é uma das condições para a eficácia da hipoteca de bens móveis. A constituição do penhor mercantil com desapossamento só começa a produzir efeitos com a transferência da posse do bem objecto de penhor, enquanto que a constituição do penhor mercantil sem desapossamento deve ser efectuada por escrito e conter os elementos relativos ao crédito, ao empenhador e ao bem objecto de penhor. A falta dos elementos indispensáveis acima referidos influenciará directamente a eficácia do contrato. É necessário referir que, embora no Código Comercial esteja definido que o penhor mercantil sem desapossamento está sujeito a registo, não define que este registo é apenas uma forma de publicidade que confere efeitos contra terceiros ou tem efeitos sobre o direito real.
Por outro lado, a garantia do direito de crédito é diferente. Enquanto o Código Comercial determina que «para que o penhor seja mercantil é necessário que a dívida que se cauciona resulte do exercício de uma empresa comercial», a hipoteca de bens móveis não define condições quanto à natureza e ao âmbito da dívida.
Existem ainda diferenças quanto ao objecto. Segundo o Código Civil de Macau, os bens móveis sujeitos a hipoteca são considerados juridicamente idênticos aos bens imóveis para efeitos hipotecários e têm um carácter específico. Também dispõe especialmente que «as aeronaves sujeitas a registo não podem ser objecto de penhor» (N.º 10/98/M). Podem ser objecto de penhor mercantil todos os maquinismos, móveis e utensílios instalados, tais como: as caldeiras, os fornos que não sejam parte integrante do imóvel, as instalações químicas e os demais elementos materiais fixos afectados ao exercício de uma empresa. Podemos considerar que o objecto da hipoteca de bens móveis e do penhor mercantil dispõem de um certo tipo de características específicas. O Código Civil determina que o tipo de bens abrangidos pela hipoteca de bens móveis estão limitados a «coisas móveis que, para este efeito, sejam por lei equiparadas às imóveis» e o Código Comercial, por sua vez, determina que o objecto do penhor mercantil sem desapossamento é «o bem imprescindível ao exercício da empresa».
As semelhanças e diferenças acima referidas, entre o regime do penhor mercantil e o regime da hipoteca de bens móveis, mostram que o penhor mercantil tem um regime jurídico específico diferente do regime de garantia geral consagrado no Código Civil. Baseando-nos na teoria da garantia no direito civil tradicional, este tipo de regime de garantia, que corresponde às necessidades do desenvolvimento da economia e da sociedade, está consagrado numa lei especial e garante através de um modo específico os interesses legais do credor, devedor e terceiros. São as seguintes as características jurídicas encontradas na análise do seu carácter específico:
2. Características jurídicas do penhor mercantil.
a) As garantias das obrigações têm características específicas.
Para que o penhor seja mercantil é necessário que a dívida que se cauciona resulte do exercício de uma empresa comercial. Tendo as garantias dos direitos reais uma característica funcional, o seu objectivo consiste em assegurar o direito de crédito. Segundo o princípio da legalidade dos direitos reais, as garantias do penhor, da hipoteca, do direito de retenção e os tipos, a constituição e a eficácia destas garantias estão definidas segundo este princípio, mas não há limitações especiais para o âmbito de garantia do direito de crédito. Quanto à sua natureza, o penhor mercantil tem uma dupla característica e do ponto de vista da forma não é totalmente igual ao penhor do Código Civil, uma vez que o seu objecto está intimamente relacionado com o exercício da empresa. Esta forma de penhor sem desapossamento teve em consideração o valor produtivo do objecto de penhor e a sua situação. Não pode ser constituída a garantia sob a forma de penhor mercantil, a não ser que a dívida que se cauciona resulte do exercício de uma empresa mercantil. Esta regra, por um lado favorece o credor na avaliação da capacidade do devedor ou do empenhador para o pagamento da dívida e por outro lado corresponde à necessidade de desenvolvimento das empresas. Devido ao facto de se «poder constituir um único penhor mercantil» sobre os bens móveis da empresa, pode ser constituída a garantia enquanto os bens estão a ser utilizados pela empresa, mas quando se executa o direito de crédito não se atende apenas ao valor do objecto. Assim, a limitação do âmbito das dívidas caucionadas pelo penhor mercantil é determinada pelo carácter especial do objecto do penhor.
b) Âmbito do penhor mercantil.
De acordo com o Código Comercial, pode ser constituído um único penhor mercantil sobre todos os maquinismos, móveis e utensílios instalados e destinados ao exercício de uma empresa. Consideram-se como maquinismos: as caldeiras, os fornos que não sejam parte integrante do imóvel, as instalações químicas e os demais elementos materiais fixos afectados ao exercício de uma empresa. Em comparação com o objecto de garantia do Código Civil, o âmbito do objecto do penhor mercantil tem um carácter limitativo: (1) as maquinarias para serem objecto de penhor necessitam de estar já instaladas e de estar afectadas ao exercício da empresa; (2) exceptuando bens imóveis, todos os elementos de produção da empresa podem ser objecto de penhor mercantil; (3) segundo o princípio «uma coisa, um direito», cada equipamento e as suas partes integrantes são uma coisa singular e podem ser objecto de um direito real. Desta forma, cada objecto pode ser individualmente ou conjuntamente objecto de garantia real, de acordo com o seu valor.
c) Forma especial de transmissão do objecto.
O penhor mercantil é ainda designado por «penhor» por ter a característica principal do penhor. A transferência do objecto é a principal forma de constituição do penhor e é também a principal forma de publicidade da modificação do direito real. O objecto do penhor é normalmente entregue ao credor pignoratício. O Código Comercial determinou que no penhor mercantil também é necessário efectuar a entrega do objecto, mas a forma da entrega é mais flexível, não sendo necessário entregar o objecto real e sendo ainda possível entregá-lo a uma terceira pessoa escolhida pelas partes. Se se tratar de bens não «imprescindíveis», as partes podem escolher a forma de penhor com ou sem desapossamento, caso contrário o penhor «deve ser feito sem desapossamento». Esta é a característica principal que destingue o penhor mercantil do penhor do Código Civil.
d) Modalidades para a constituição do penhor mercantil.
Uma das modalidades para a constituição do penhor mercantil é a transferência da posse do bem objecto de penhor. A constituição do penhor mercantil tem duas modalidades.
• Formas contratuais
A condição para a constituição do penhor mercantil sem desapossamento é este ser efectuado através de um contrato formal, isto é, ser efectuado por escrito.
A forma escrita não é uma forma necessária do contrato civil. A condição de eficácia para a constituição do penhor mercantil sem desapossamento é a forma escrita. «A determinação da forma escrita como condição necessária para a constituição do penhor mercantil, sob pena de nulidade, tem por objectivo clarificar as relações jurídicas»2.
O Código Comercial determina que os contratos deverão incluir os seguintes cinco elementos: (1) identificação do credor e do devedor e, sendo o caso, do empenhador; (2) a indicação do bem ou bens objecto de penhor e os elementos indispensáveis à sua identificação; (3) local onde se encontra o bem ou bens e indicação da empresa a que estão afectados; (4) o montante da dívida ou elementos que permitam a sua determinação; (5) o lugar e a data de pagamento.
A forma escrita define claramente os direitos e deveres das partes, impedindo o dolo e a simulação e define especialmente as características dos bens objecto de penhor, isto é, especifica o objecto, sendo assim uma condição para garantir os interesses do credor pignoratício.
De acordo com o artigo 915.º do Código Comercial, o contrato escrito do penhor mercantil sem desapossamento deve ter reconhecimento presencial das assinaturas dos contratantes (...). Isto é, é necessário proceder ao reconhecimento das assinaturas das partes para o contrato poder produzir efeitos. O objectivo do reconhecimento presencial é reconhecer a autenticidade das assinaturas das partes. O órgão ou a pessoa que efectua aquele reconhecimento confere fé pública ao contrato, mas quanto ao seu âmbito este reconhecimento limita-se apenas à autenticidade da assinatura e não abrange a legalidade do conteúdo do contrato.
O artigo 1.º do Código do Notariado de Macau dispõe que «a função notarial tem essencialmente por fim dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais». Determinando ainda que «para os efeitos do disposto no número anterior, o notário pode prestar assessoria às partes na expressão da sua vontade negocial».
Os órgãos com função notarial são os notários públicos e os notários privados.
O conteúdo e a forma de execução do reconhecimento presencial estão definidos no Código do Notariado, onde se dispõe que «é presencial o reconhecimento da letra e da assinatura, ou só da assinatura, posta em documentos escritos e assinados ou apenas assinados na presença do notário, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao acto».
De acordo com a disposição acima referida, a condição de eficácia do contrato de penhor mercantil sem desapossamento é a assinatura ser efectuada na presença do notário.
• Formas de entrega
De acordo com o artigo 914.º do Código Comercial, a condição para a constituição do penhor com desapossamento é a entrega do bem objecto de penhor ao credor pignoratício, a terceiro escolhido por ambas as partes ou a entrega simbólica. As formas de entrega são: (1) declarações ou averbamento nos livros de registo das entidades públicas onde se encontrem depositados os bens objecto de penhor; (2) tradição ou endosso ao credor pignoratício do título de crédito representativo do bem objecto do penhor; (3) qualquer outro meio que seja indóneo a conferir ao credor pignoratício a disponibilidade exclusiva sobre os bens objecto do penhor mercantil.
Na realidade, as formas de entrega acima referidas incluem duas formas: a entrega com desapossamento e a entrega sem desapossamento. A entrega do bem objecto de penhor a terceiros, a entrega do título de crédito, a transmissão por endosso ou as declarações feitas em anexo nos livros de registo das entidades públicas onde estão depositados os bens objecto de penhor, não são diferentes das formas de transferência dos bens em geral. Quando o bem objecto de penhor não é sujeito a desapossamento, nem existe título de propriedade mas podem ser emitidos «títulos de crédito», isto «permitirá conceder ao credor outras formas de disposições exclusivas sobre o bem objecto de penhor mercantil» para proceder a uma entrega simbólica. Tanto a entrega do título de crédito como a confirmação do direito de propriedade específica através de formas contratuais, são objecto do direito subjectivo através da cessão do direito de propriedade de bens móveis, desta forma têm as características do penhor mercantil.
e) Eficácia do registo.
«O Direito Real exerce um controlo directo sobre os bens objecto de penhor, tendo um efeito de exclusão e de prioridade. Assim, tem que haver necessariamente uma forma de publicidade para demonstrar a existência e a modificação do direito real, permitindo às partes e a terceiros conhecer a existência e os fenómenos do direito real, caso contrário, com a exuberância das negociações actuais e com as frequentes modificações do direito real, poderão haver confusões, não sendo possível assegurar a garantia do negócio. Por isso, devido às exigências actuais, surgiu o «princípio da publicidade» e o «princípio da fé pública», que são dois grandes princípios da modificação do direito real.»3
A posse e o registo são as duas principais formas de publicidade do direito real, pois de acordo com o princípio do direito civil tradicional, a forma de publicidade do direito real relativo a bens móveis é a posse e dos bens imóveis é o registo. O penhor mercantil sem desapossamento, tem como característica o controlo abstracto do valor de troca do bem objecto de penhor e esta característica especial não tem uma manifestação exterior, por isso, o Código Comercial dispõe que «a constituição de penhor mercantil sem desapossamento está sujeita a registo». O artigo 2.º do Código de Registo Comercial determina que «está sujeito a registo, o penhor mercantil sem desapossamento como facto relativo à empresa». Quanto à eficácia do registo, o artigo 9.º do mesmo código determina que «os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros, mas só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo». Nisto consiste a oponibilidade do registo. Assim, o efeito principal do registo é a «publicidade» e o efeito secundário é a «oponibilidade».
«O direito real tem o efeito de exclusividade absoluta, carecendo a sua aquisição, extinção e modificação de uma característica que permita que este possa ser identificado exteriormente, deixando assim transparecer a sua situação jurídica, o que evita danos a terceiros e garante a segurança do negócio. Este tipo de característica que permite que o direito real possa ser identificado exteriormente é a forma de publicidade da sua modificação4.»
A forma de publicidade da modificação do direito real sobre bens imóveis, em geral, é o registo. Os actos de registo também conferem fé pública, o que garante segurança a terceiros de boa fé. É por isso que a hipoteca de bens móveis também utiliza o regime de registo. «O princípio da fé pública indica que a forma de publicidade mostra o direito real mesmo inexistente ou de conteúdos diferentes, por isso quando as pessoas acreditam nesta forma de publicidade e procedem às trocas comerciais, a lei confere o mesmo efeito jurídico como se existisse o direito real concreto. Nisto consiste o princípio de garantia. A publicidade é um regime de garantia para terceiros de boa fé que participaram no negócio, nisto consiste a fé pública»5. No entanto, o direito civil de muitos países confere efeitos diferentes ao registo. Os países que dão ênfase à independência dos actos do direito real e à teoria dos actos jurídicos abstractos, promovem o princípio do registo constitutivo, isto é, consideram a forma de publicidade do registo ou a entrega como as condições de constituição ou de eficácia da modificação do direito real, ou seja, defedem o princípio formal. Caso na constituição das garantias sobre bens imóveis não seja feito o registo, e na modificação do direito real dos bens móveis não se proceda à entrega do bem, então não serão produzidos efeitos contra terceiros nem entre as partes. O registo que confere fé pública é um regime de publicidade rigoroso que favorece a transparência da relação jurídica e a segurança do negócio. Outros países promovem o princípio de oponibilidade pelo registo. Para estes, o registo é apenas uma condição para oposição de um direito. Outros países ainda promovem o princípio da consensualidade e o princípio do formalismo. Em ambos a modificação do direito real carece de publicidade, mas os princípios acima referidos não conseguem resolver satisfatoriamente o problema da garantia sobre bens móveis pois existe um «conflito dos direitos surgidos pela carência de publicidade e pela desintegração dos direitos»6.
O Código Comercial de Macau e o Código de Registo Comercial seguem a teoria dos actos jurídicos concretos dos direitos reais e consagram o princípio da oponibilidade pelo registo. O artigo 284.º do Código Civil de Macau define que «a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição do terceiro for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação (...)». Assim, se um terceiro de boa fé «tiver prejuízos e não tomar em consideração as situações que iriam acontecer no direito real sem estarem sujeitas à forma de publicidade, é garantida totalmente a segurança do comércio jurídico, não se evitando o prejuízo do interesse do verdadeiro titular e sacrificando a protecção estática da segurança»7.
Segundo o princípio da oponibilidade pelo registo, o registo é apenas uma condição para a oposição, o que manifesta totalmente o princípio da autonomia dos negócios jurídicos, isto é, a celebração de um contrato é feita de acordo com a intenção comum das partes. Embora esteja consagrada «a sujeição a registo», o registo é apenas um «fardo». A disposição do Código do Registo Comercial que define que os factos que não estão registados podem ser invocados entre as próprias partes, mas só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, indica claramente que o registo é um regime que garante que a situação legal do bem seja publicitada, sendo a sua função garantir a publicidade dos actos mais importantes da actividade económica, isto é, tornar esses actos conhecidos por todos». No regime em que se dá ênfase ao título, nos actos jurídicos concretos e na consensualidade, a concretização desta função é assegurar a ordem do negócio. Assim, se a pessoa interessada não fizer o registo por razões de descuido ou por razões de segredo comercial, os factos não produzirão efeitos contra terceiros. Fazer ou não o registo é uma escolha que corre por conta e risco das partes. O Código Comercial determinou ainda que o penhor mercantil sem desapossamento está sujeito a registo, mas será que este registo também é um «fardo»? O artigo 916.º do Código Comercial determinou ainda que «se o empenhar de novo sem que no novo contrato se mencione, de modo expresso, a existência do penhor ou penhores anteriores incorre na responsabilidade própria dos fiéis depositários», isto é, o empenhador tem o dever de mencionar a terceiros quem tem a posse do bem e a responsabilidade do fiel depositário em relação ao credor. Logo após esta afirmação determinou que «a existência do penhor ou penhores anteriores que, em qualquer caso, preferem por ordem de datas», mas esta disposição não indica claramente se é por ordem de datas da assinatura do contrato ou do registo. Deste modo poderemos ficar perante duas situações: 1. se o mesmo bem for objecto de dois penhores e ambos forem registados, o primeiro empenhador não terá problemas, pois foi ele quem fez o primeiro registo, mas não será possível estabelecer esta ordem de prioridade se o primeiro empenhador tiver feito o registo mais tarde; 2. mas se o mesmo bem for objecto de dois penhores, o penhor que, embora tenha sido constituído posteriormente, for registado primeiro prefere sobre aquele que foi constituído anteriormente mas não foi registado. Assim, não saberemos como explicar a disposição segundo a qual «em qualquer caso, preferem por ordem de datas». Será esta uma excepção ao princípio da oponibilidade do registo?
Existem opiniões que consideram que a característica do direito de penhor é a entrega, a condição de vigência do penhor mercantil é a assinatura do contrato escrito, o registo é declarativo e devido à inexistência do registo coercivo não haverá medidas sansionatórias, pelo que o registo é arbitrário. O penhor mercantil entrará em vigor a partir da data da assinatura do contrato e não do registo, por isso a ordem conta-se a partir da data da assinatura do contrato. Se entendermos que o ponto de referência é a data da constituição do contrato, é óbvio que isto não corresponde ao princípio da publicidade, ao princípio da fé pública e à garantia dos interesses que estes mesmos princípios consagram no direito de Macau. Como refere o Manual do Direito Real: «o direito de penhor das coisas necessita da entrega, porque o próprio direito de penhor das coisas é um acto relacionado com terceiros, é um tipo de acto executado com prioridade. Isto significa que, o efeito do direito de penhor não se produz apenas entre as partes, mas também ultrapassa as partes (super partes). Por isso, na constituição do penhor é necessário tomar em especial atenção os interesses dos terceiros, para que outros credores saibam que o bem já foi penhorado». Embora em Macau ainda não existam regulamentos sobre as medidas sancionatórias pela falta de registo, o artigo 9.º do Código de Registo Comercial revela claramente a relação entre os efeitos do registo e os efeitos contra terceiros e também prova claramente que o princípio da oponibilidade a terceiros surge quando é constituído o contrato por escrito e depois de ter sido feito o registo. O artigo 677.º do Código Civil determinou que, tratando-se de penhor sujeito a registo, este produzirá os seus efeitos a partir do registo. O penhor mercantil sem desapossamento tem a característica concreta do penhor mercantil, quando é feito através de contrato escrito para superar as lacunas que poderão existir no título de posse e constituído através da concessão do poder de disposição exclusiva ao credor pignoratício. Assim, há também opiniões que consideram que o «registo» do penhor mercantil não é apenas um modo de publicidade, mas tem também as funções de declaração e de criação dos direitos reais. Isto significa que a ordem de datas do penhor mercantil existente determina a eficácia do penhor mercantil, nisto consiste a ordem da prioridade do registo.
O artigo 9-312 do Código Comercial Unificado dos Estados Unidos da América dispõe que «sobre um objecto podem ser constituídas várias garantias e, em caso de conflito, estas preferem pela ordem em que foram registadas». O Japão e Taiwan também têm disposições idênticas. O artigo 10.º do Código de Registo Comercial de Macau dispõe que «o registo efectuado em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem, relativamente aos mesmos factos ou bens, segundo a ordem da data e, sendo da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes».
O Código Comercial de Macau e o Código de Registo Comercial afirmam que sobre o mesmo objecto podem ser constituídos vários penhores mercantis, desde que no novo contrato se mencione, de modo expresso, a existência do penhor ou penhores anteriores e se os dois penhores já foram registados, então preferem por ordem de datas do registo. «Quando sobre o mesmo objecto existirem duas garantias não concretizadas, prevalece a garantia que é concretiza em primeiro lugar sob a forma de registo ou de transferência da posse. Aqui não é dada importância à existência ou não dos direitos e interesses da segunda garantia na sua concretização. Este princípio pode ser considerado a aplicação da teoria «race of diligence among crediters» do direito comum»8. Esta teoria diz claramente que: «o possuidor que não faz o registo não se inclui na ordem de prioridade («não pode participar na competição»), mas a garantia produz efeitos. Caso não haja competição, o titular do direito sobre determinada coisa é o titular prioritário»9. Analisando a afirmação acima referida, podemos concluir que «no nosso regime, o registo é em geral declarativo, com excepção do registo da hipoteca que tem carácter constitutivo(...). Quando a lei define claramente que o registo «não produz qualquer efeito», isto significa que o registo tem um carácter constitutivo, como acontece no regime da hipoteca, isto é, o registo é uma condição de vigência, é apenas uma condição para a garantia produzir efeitos contra terceiros. Assim, o negócio pode continuar a produzir efeitos sem se fazer o seu registo, mas perante terceiros é como se fosse inexistente»10.
Existem ainda opiniões que consideram que o Código Comercial não contém uma disposição clara sobre os efeitos do registo da hipoteca, ou seja, uma disposição que diga claramente que a hipoteca só produz efeitos quando for sujeita a registo. Daí concluímos que o registo do penhor mercantil também tem o poder de oponibilidade e não é uma condição de vigência. Mas, sendo assim, é difícil definir o sentido de «preferir por ordem de datas», isto é, como entender a disposição «a existência do penhor ou penhores anteriores que, em qualquer caso, preferem por ordem de datas» (artigo 916.º). Ao definir o direito de prioridade apenas através da data da assinatura do contrato, sem ter em conta a data do registo, a prioridade será a da constituição, isto é, a constituição excluirá o registo, o que não corresponde ao princípio fundamental do Código Comercial de Macau. Pelo contrário, se a prioridade for estabelecida segundo o registo, então, esta disposição significa que, não se pode constituir o penhor mercantil sem fazer o registo, porque o registo é uma condição obrigatória para a constituição do penhor mercantil.
f) A responsabilidade do «fiel depositário» do penhor sem desapossamento.
De acordo com a disposição do Código Comercial o empenhador do penhor sem desapossamento é considerado como possuidor do objecto em nome de outra pessoa, isto é, na realidade, o empenhador apenas guarda o objecto, dispondo apenas do mesmo na qualidade do representante do possuidor. Assim, o empenhador assume a responsabilidade de «fiel depositário». A regra da «posse em nome de outrem» vem garantir as características jurídicas do penhor mercantil devido à não transferência do objecto. Nesta situação, embora o empenhador tenha a posse e a utilização do objecto, todos os actos que podem causar a modificação da relação de posse do objecto penhorado, o aumento ou a diminuição do seu valor, a modificação do direito de propriedade sobre o objecto ou a constituição de garantias sobre o mesmo, carecem do consentimento escrito do credor pignoratício. Estes deveres e responsabilidades do empenhador do penhor mercantil correspondem, necessariamente, à transformação dos direitos e deveres existentes relativamente aos credores pignoratícios do penhor em geral.
De acordo com as características do penhor mercantil acima referidas, podemos concluir que o penhor mercantil é uma garantia do direito real que consiste no direito de crédito que o credor tem sobre o devedor ou sobre terceiros e na transferência ou não da posse dos bens móveis como garantia do exercício da empresa.
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