PROCESSO N



PROCESSO N.º 70077111789 – TRIBUNAL PLENO

CLASSE: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

PROPONENTE: PREFEITO MUNICIPAL DE TRÊS PASSOS

REQUERIDA: CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE TRÊS PASSOS

INTERESSADO: PROCURADOR-GERAL DO ESTADO

RELATOR: DESEMBARGADOR JORGE LUÍS DALL’AGNOL

PARECER

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Complementar Municipal n.º 022/2012 de Três Passos, que deu nova redação aos incisos I e II do artigo 53 do Código Tributário Municipal. Majoração da alíquota do IPTU. 1. Inviabilidade de conhecimento do pleito quanto à alegada afronta ao Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores, à Lei Orgânica do Município e ao Código Tributário Nacional, normas infraconstitucionais. 2. Inexistência de vício formal no processo legislativo. 3. Desatendimento dos princípios da legalidade, vedação ao confisco, razoabilidade e proporcionalidade não verificados. Precedentes jurisprudenciais. 4. Eventuais excessos em situações concretas deverão ser solvidos, individualmente, por cada contribuinte. PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Três Passos, objetivando a retirada do ordenamento jurídico pátrio dos incisos I e II do artigo 53 do Código Tributário Municipal, na redação dada pela Lei Complementar Municipal n.º 22, de 05 de dezembro de 2012, do Município de Três Passos, por afronta ao disposto nos artigos 8º e 140 da Constituição Estadual, nos artigos 24, inciso I, e 146, inciso III, letra “a”, da Constituição Federal, e ao Código Tributário Nacional.

Segundo o proponente, a lei vergastada promoveu a imediata e abrupta majoração do IPTU para determinados imóveis, com a intenção de punir os proprietários de imóveis sem muro, cerca ou passeio em vias pavimentadas municipais, que foram os destinatários da exasperação do imposto. Citou a vedação ao confisco em matéria tributária. Noticiou que o processo legislativo que originou a lei impugnada padece de vício formal, visto que desatendeu a tramitação necessária à elaboração de lei complementar, violando o artigo 64, parágrafo 1º, da Constituição Federal, o artigo 62 da Constituição Estadual e a Lei Orgânica Municipal. Refere que, diante da falha administrativa que redundou na ausência de cobrança do tributo, a Administração Municipal está compelida a cobrar os exercícios de 2014/2017, para que não configure renúncia de receita. Colacionou jurisprudência. Pugnou, liminarmente, pela suspensão do ato normativo atacado (fls. 04/30 e documentos das fls. 31).

O exame da liminar pretendida foi postergado (fls. 342/343).

O Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Três Passos prestou informações. Aduziu que o projeto de lei complementar seguiu os trâmites regulares, não havendo vício de inconstitucionalidade a ser perseguido (fls. 361/363 e documentos das fls. 364/385).

O Procurador-Geral do Estado promoveu a defesa da norma, diante do princípio da presunção de constitucionalidade das leis (fls. 388/389).

Vieram os autos com vista.

É o breve relatório.

2. De plano, calha ser dito que a ação direta de inconstitucionalidade tem natureza objetiva, submetendo a análise do texto legal combatido a partir do prisma da abstração e generalidade, buscando verificar ofensa direta ao regramento constitucional estadual, sendo que a matéria de fato subjacente, associada aos reflexos da normativa guerreada na esfera patrimonial de cada contribuinte - ou o erro administrativo que redundou na cobrança cumulativa da exação - escapa aos limites cognitivos da ação ora em apreciação, não servindo como substrato hábil ao êxito da ação constitucional.

3. De outro turno, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, inviável a análise de eventual antinomia entre a lei apontada como viciada e outras normas de natureza infraconstitucional, como o Regimento Interno da Câmara Municipal, a Lei Orgânica do Município ou o Código Tributário Nacional. Na hipótese, ter-se-ia situação de ilegalidade, não de inconstitucionalidade, sendo inviável o controle abstrato aqui pretendido.

Esse o entendimento que vem sendo assentado nessa Corte de Justiça:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE FARROUPILHA QUE ALTERA ZONEAMENTOS FISCAIS E DISPÕE SOBRE A ATUALIZAÇÃO DOS VALORES VENAIS PARA FINS DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA - IPTU. SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS DO CALÇADO E DO VESTUÁRIO DE FARROUPILHA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA ENTRE A ATIVIDADE DE REPRESENTAÇÃO E O OBJETO DA AÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA ACOLHIDA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL. JUÍZO DE INCONSTITUCIONALIDADE DEPENDENTE DE PRÉVIA ANÁLISE DE ATOS NORMATIVOS INFRACONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DESSE COTEJO EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. LEI MUNICIPAL QUE PROMOVE A READEQUAÇÃO DO ZONEAMENTO FISCAL E ATUALIZA VALORES VENAIS DOS IMÓVEIS À REALIDADE DO MERCADO LOCAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA VEDAÇÃO AO CONFISCO. ATUAÇÃO LEGISLATIVA QUE TEVE POR BASE ESTUDO PRÉVIO REALIZADO PELA ADMINISTRAÇÃO PARA CORRIGRIR DISTORÇÕES E DEFASAGEM HISTÓRICA VERIFICADAS NOS VALORES VENAIS DOS IMÓVEIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DO CALÇADO E DO VESTUÁRIO DE FARROUPILHA ACOLHIDA. AÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70073037715, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 18/09/2017)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. DESCABIMENTO DO CONTROLE PELA VIA CONCENTRADA. Conforme resta claro a partir da leitura da petição inicial, o Partido Progressista do Município de Rolador questiona a validade da Lei Municipal n.º 1.185, de 03 de dezembro de 2013, tendo em vista disposições da Lei Orgânica Municipal e do Regimento Interno da Câmara de Vereadores, cuja análise se afigura essencial para a caracterização do ato de promulgação como atentatório contra os princípios constitucionais da legalidade e da publicidade, conforme alega. O apontado malferimento ao texto das Constituições Federal e Estadual, nesse passo, é apenas reflexo à crise de legalidade alegada e precipuamente existente, o que inviabiliza o controle de validade da Lei Municipal questionada pela via eleita. PETIÇÃO INICIAL MONOCRATICAMENTE INDEFERIDA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70058359191, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 06/10/2016)

4. O guerreado artigo 53 do Código Tributário Municipal de Três Passos, na redação conferida pela Lei Complementar Municipal n.º 22/2012, apresenta a seguinte redação:

A alíquota é majorada nos percentuais indicados quando forem verificados os casos seguintes:

I - nos imóveis localizados em vias pavimentadas, sem construção de muro ou cerca (grades ou tela), em 50% (cinqüenta por cento); (Redação dada pela Lei Complementar nº 22/2012)

II - nos imóveis localizados em vias pavimentadas, sem construção de passeio ou em desacordo com o estabelecido pela legislação, em 100% (cem por cento). (Redação dada pela Lei nº 22/2012)

Pelo que foi possível dessumir dos termos da peça inaugural, a alteração legislativa produzida padeceria de inconstitucionalidade material - diante da majoração abusiva do imposto na hipótese - e de inconstitucionalidade formal - em face do iter procedimental adotado na tramitação do projeto.

Examina-se.

Não se vislumbra vício de ordem formal no processo legislativo que originou a lei ora parcialmente impugnada, cujo andamento seguiu o rito inserido no Regimento Interno e as deliberações interna corporis dos integrantes da Casa, consoante explicitado nas informações encaminhadas pela Câmara Municipal de Vereadores de Três Passos e documentos que a instruem[1].

Também se infere da norma em relevo que as alterações havidas nas alíquotas restaram promovidas por lei complementar, na forma preconizada pelo inciso III do artigo 146 da Constituição Federal:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

(...)

Além disso, no caso em apreço, ao contrário do sustentado pelo proponente, o pedido de votação em regime de urgência do projeto de lei encaminhado pelo Chefe do Poder Executivo encontra-se devidamente fundamentado na exposição de motivos da proposição legislativa em liça[2].

Mais: apenas à guisa de reforço argumentativo, cumpre referir que o atual proponente da ação direta de inconstitucionalidade ocupava, à época da edição da legislação atacada, o cargo de Secretário Municipal da Administração, constando, inclusive, a sua assinatura no ato legal telado[3].

De outro quadrante, não se verifica, no diploma legal submetido à apreciação, afronta ao princípio constitucional da legalidade.

Em que pese o aumento substancial da alíquota do imposto predial e territorial urbano nas hipóteses legais elencadas - imóveis localizados em vias pavimentadas, sem construção de muro ou cerca (grades ou tela) ou do passeio público, a legislação vergastada observou os preceitos constitucionais tributários pertinentes, notadamente o da legalidade, nos termos preconizados pelos artigos 5º, inciso II, 30, inciso III, 150, incisos I e II, e 156, incisos I e parágrafo 1º, de aplicação obrigatória pelos Municípios, por força do artigo 8º da Carta Provincial, in verbis:

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 30 – Compete aos Municípios:

(...)

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

(...)

Constituição Estadual:

Art. 8º – O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na CF/88 e nesta Constituição.

Quanto ao aventado caráter confiscatório da novel normativa, tem-se como inocorrente na espécie.

A proibição do confisco, na seara tributária, está inscrita no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

Segundo Roque Carrazza[4], o princípio da não confiscatoriedade exige do legislador conduta marcada pelo equilíbrio, pela moderação e pela medida na quantificação dos tributos, tudo tendo em vista um direito tributário justo.

Cabe assinalar que o princípio do não confisco tem os seus parâmetros delineados a partir de outros princípios constitucionais incidentes em matéria tributária, no dizer de Andréia Minussi Facin, que fornecem critérios e que auxiliam a interpretação do que seja efeito de confisco e sua aplicação ao caso concreto, sendo os mais significativos: o princípio da garantia do direito de propriedade, o princípio da capacidade contributiva, o princípio da razoabilidade e o princípio da igualdade[5].

Nessa linha de raciocínio, ao legislador ordinário, quando se trata da majoração de tributo de sua competência, são colocados limites, tanto na fixação da alíquota, quanto na verificação da capacidade econômica do contribuinte, com o fito de coibir a imposição de carga tributária que comprometa o direito fundamental à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, caput, da Constituição Federal.

Todavia, não há um balizamento objetivo, um limite, a partir de quando a tributação passa a ter efeito de confisco, de forma que deve ser levado em linha de conta o princípio da razoabilidade, como método de adequação de possíveis antinomias entre os demais princípios constitucionais e substrato eficiente para o fim de excluir todos os excessos da Administração, inclusive os cometidos em sede tributária.

O Supremo Tribunal Federal sublinha que a caracterização do vedado efeito confiscatório pressupõe a análise de dados concretos e de peculiaridades de cada operação ou situação, conforme referido acima, não se podendo presumi-la tão somente em virtude do aumento da alíquota:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. VEDAÇÃO DO USO DE TRIBUTO COM EFEITO DE CONFISCO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO - II. AUMENTO DE ALÍQUOTA DE 4% PARA 14%. DEFICIÊNCIA DO QUADRO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO NO JULGAMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A caracterização do efeito confiscatório pressupõe a análise de dados concretos e de peculiaridades de cada operação ou situação, tomando-se em conta custos, carga tributária global, margens de lucro e condições pontuais do mercado e de conjuntura social e econômica (art. 150, IV da Constituição). 2. O isolado aumento da alíquota do tributo é insuficiente para comprovar a absorção total ou demasiada do produto econômico da atividade privada, de modo a torná-la inviável ou excessivamente onerosa. 3. Para se chegar a conclusão diversa daquela a que se chegou no acórdão recorrido, também no que se refere à violação do art. 5º, XXXVI da Constituição, seria necessário o reexame de matéria fática, o que encontra óbice da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE 448432 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-05 PP-01374 RDDT n. 180, 2010, p. 192-194)

Ademais, o efeito confiscatório, como já assentado pela mesma Corte Suprema, há de ser aferido frente à totalidade da carga tributária:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL COMO PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO CONHECIDA. – [...]. A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade, consagrado no art. 150, IV, da Constituição. Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. - A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte - considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. [...].(ADC 8 MC/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 13/10/1999).

Com tais aportes, volvendo ao caso vertente, não se pode afirmar que a lei objurgada desatendeu aos princípios acima referidos ou aos ditames da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que já havia uma restrição estabelecida sobre os mesmos imóveis, sendo que o percentual respectivo foi apenas objeto de majoração[6].

Na mesma trilha:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. Nº 048, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2014 MUNICIPIO DE CAPÃO DA CANOA. ATUALIZAÇÃO DA PLANTA GENÉRICA DE VALORES IMOBILIÁRIOS DO MUNICIPIO. PRELIMINAR DE OFENSA REFLEXA REJEITADA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE EVENTUAL AFRONTA A LEI ORGÂNICA MUNICIPAL E AO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES. VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL INEXISTENTE. 1. Preliminar de extinção do feito por inconstitucionalidade reflexa rejeitada, porquanto a petição inicial indica expressamente os dispositivos da Constituição Estadual que teriam sido violados (artigos 19 e 140). 2. Não conhecimento do presente feito no ponto em que pretende o reconhecimento de violação, pela norma impugnada, ao Regimento Interno da Câmara Municipal de Capão da Canoa e à Lei Orgânica do Município, visto que é defeso apreciar violação à norma infraconstitucional em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Precedentes desta Corte. 3. A atualização da planta genérica de valores imobiliários do Município de Capão da Canoa, promovida pela Lei Complementar Municipal nº 048, modificou a base de cálculo do IPTU, observando os princípios da progressividade, da capacidade contributiva e do não-confisco. Hipótese em que o valor venal do imóvel pode variar de acordo com a valorização, localização e o uso do bem, entre outros fatores. 4. O preceito constitucional da anterioridade nonagesimal é inaplicável às alterações realizadas na base de cálculo do IPTU, nos termos do artigo 150, § 1º, da Constituição Federal. 5. Inexistência de violação aos arts. 19 e 140 da Constituição Estadual, combinados com o art. 37, 150 I, III, c, e IV, da Carta Federal. PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE CONHECIDA E, NO PONTO, JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70063687669, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 21/09/2015)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE GRAMADO. PLANTA GENÉRICA DE VALORES. ATUALIZAÇÃO DOS VALORES VENAIS DOS IMÓVEIS. INÉPCIA DA INICIAL NÃO VERIFICADA. OFENSA A ARTIGOS DA LEI MAIOR DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA POR MUNICÍPIOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 8º DA CARTA ESTADUAL. LEI DE EFEITOS CONCRETOS. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO POR ADI. DESATENDIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, VEDAÇÃO AO CONFISCO, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NÃO VERIFICADOS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70063645600, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 27/07/2015)

E o fundamento empregado pela municipalidade para proceder à precitada exasperação - em relação aos imóveis situados em vias pavimentadas desprovidos de muro, cerca ou passeio público - é claro e parece razoável, estando relacionado à coibição da especulação imobiliária, à necessidade de ordenação do espaço público e de observância da função social da propriedade, desestimulando os proprietários a manterem seus imóveis fechados, ou subutilizados.

Por isso mesmo, a própria Carta Federal autoriza, em prol da política de desenvolvimento urbana, medidas restritivas à propriedade, como a edificação compulsória ou a majoração do imposto em relevo ao longo do tempo, na forma estatuída no seu artigo 182, parágrafo 4º, in verbis:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

De tal sorte, como pontifica Carrazza[7], nada impede que as alíquotas aumentem progressivamente, ano a ano, à medida que o proprietário for perseverando no mau aproveitamento de seu imóvel urbano.

Em arremate, eventuais excessos pontuais, em que verificado o abuso ou a desproporcionalidade na cobrança, devem ser deslindados pelos munícipes interessados pelas vias ordinárias de direito, no exame individual de cada caso concreto.

Em idêntico toar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS COMPLEMENTARES DO MUNICÍPIO DE VENÂNCIO AIRES ESTABELECENDO NOVA PLANTA DE VALORES PARA APURAÇÃO DE VALOR VENAL DE IMÓVEIS URBANOS E ESTABELECENDO PRAZOS E FORMAS DE PAGAMENTO. QUESTÕES PRELIMINARES ATINENTES À LEGITIMIDADE. ATIVA, PROCURAÇÃO SEM PODERES, INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL, PERDA PARCIAL DO OBJETO DA AÇÃO E IMPOSSIBILIDADE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÕES DE MÉRITO. PROGRESSIVIDADE DO IPTU. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. PROIBIÇÃO DE CONFISCO. Rejeitam-se as questões preliminares desvinculadas da realidade processual, porque (a) partido político tem legitimidade para propor a ação, (b) a procuração tem poderes específicos para a ação, (c) a petição inicial atende aos requisitos legais e processuais, (d) as duas leis complementares formam o objeto da ação e estão em vigor, (e) a ação direta de inconstitucionalidade representa a ação certa para discutir a constitucionalidade da lei. No mérito, são constitucionais as leis complementares da alteração da planta de valores para apuração de valor venal dos imóveis e do estabelecimento de prazos e condições para pagamento do tributo. A alteração de valor do imposto devido, ainda que individualmente elevado no seu resultado se comparados o imposto anterior e o resultante, decorre da lei que atualiza a planta de valores e da espécie do tributo, que tem por base o valor atual do imóvel, das quais decorre a progressividade do imposto, presume-se a capacidade contributiva e demonstra-se a inexistência de confisco. Só a lei pode promover tal alteração, sem prejuízo de que o munícipe, como contribuinte individualmente prejudicado, postule administrativa ou judicialmente o que entender, na hipótese de incorreção na avaliação do imóvel e no valor do imposto cobrado. IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70058096264, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 12/05/2014)

5. Pelo exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

Porto Alegre, 11 de maio de 2018.

CESAR LUIS DE ARAÚJO FACCIOLI,

Procurador-Geral de Justiça, em exercício.

(Este é um documento eletrônico assinado digitalmente pelo signatário)

CN/IH

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[1] Fls. 361/363 e documentos das fls. 364/385.

[2] Documento da fl. 35.

[3] Documento da fl. 42.

[4] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 100.

[5] Em Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 80, maio/2002, pág. 09.

[6] Legislação anterior:

A alíquota é majorada nos percentuais indicados quando forem verificados os casos seguintes:

I - nos imóveis localizados em vias pavimentadas, sem construção de muro ou cerca (grades ou tela), em 20% (vinte por cento);

II - nos imóveis localizados em vias pavimentadas, sem construção de passeio ou em desacordo com o estabelecido pela legislação, em 30% (trinta por cento);

[7] CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. Curitiba: Juruá, 2001, p. 101.

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