Moçambique para todos



A descolonização da Faixa de Gaza, e a dos Soares e Cunhais

a.santos martins*

TRINTA anos depois do abandono das antigas províncias ultramarinas portuguesas de África, pelos políticos e político-militares que tomaram o Poder depois da Abrilada de 1974, veja-se como foi diferente a descolonização da Faixa de Gaza, empreendida pelo governo israelita de Ariel Sharon — um governo «de direita», esclarecido, firme e corajoso.

António Almeida Santos, que foi o ministro da Coordenação Interterritorial no período da nossa «descolonização exemplar» e, depois, presidente da Assembleia da República, escreveu já as suas «memórias» daquele período, mais de duas mil páginas que o ministro dos Negócios Estrangeiros da altura, Mário Soares, disse há dias (na SIC) que está a rever...

Espero ansiosamente a publicação, para ver se Almeida Santos vai habilitar, finalmente, os jovens portugueses, com a verdade verdadeira. E não «aquela» com que tantos trampolineiros, desde há trinta anos, vêm manipulando os «parolos». Que, segundo eles, só «têm direito» às versões (fraudulentas) que dão cobertura a criminosos que por aí se pavoneiam como «pais da democracia» e alimentam (também com «jobs» na «acção cultural») os seus filhotes políticos.

Observe-se como, ainda que rangendo os dentes na operação «Mãos Amigas», actuaram as Forças Armadas e policiais israelitas, superiormente comandadas. E aproveite-se para recordar o que fizeram os chamados «capitães de Abril» relativamente aos portugueses que estavam em Angola, Guiné (Bissau), Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.

Ernesto Melo Antunes, tido como o ideólogo do autoproclamado Movimento das Forças Armadas, acabou por fazer o seu «mea culpa» quando já estava com os pés para a cova, reconhecendo o «erro grave» de que foi co-responsável, com a «cedência ao voluntarismo excessivo dos movimentos» (ditos «de libertação»), a marcação de datas para as independências sem que estivessem reunidas as mínimas condições de segurança, a subordinação à «influência das grandes potências» (URSS e EUA). Mas outros responsáveis (pelos «Acordos» de Argel, do Alvor, de Lusaka...) continuam por aí, impunes, endeusados pelos seus camaradas e cúmplices e pela gente ignara que ainda hoje não se apercebeu que então começou a tragédia que em Portugal se vem agudizando com o rolar dos anos e não se sabe onde conduzirá...

Voltando à ocupação dos territórios palestinianos, e outros, por Israel, diga-se que ela aconteceu com a complacência (e cumplicidade) de Washington precisamente num período em que o Poder nos Estados Unidos da América do Norte também se assanhava contra a nossa presença em África.

Trinta e tal anos depois, e com apenas oito mil colonos judeus no meio de milhão e meio de palestinianos, a ocupação da Faixa de Gaza tornou-se insuportável, em termos de defesa, para Telavive. Daí a retirada, com alguma resistência facilmente ultrapassada. Mas o que se deve vincar, é que essa retirada se fez com o máximo de garantias para os colonos. Desde logo, uma casa para cada família em Israel, indemnizações que vão dos 150 mil aos 400 mil dólares —e a segurança dada por uma poderosa força militar e policial para o regresso...

Em contraste gritante com o que aconteceu com os repatriados das antigas províncias ultramarinas portuguesas!

Ariel Sharon não deixou os colonos entregues a si próprios, sob o risco de serem liquidados por extremistas palestinianos. Não! E este pormenor conduz-me ao que aconteceu na antiga África Portuguesa, particularmente em Angola e Moçambique, vastíssimos territórios com centenas de milhar de colonos portugueses espalhados de Norte a Sul, de Este a Oeste.

Os chamados «capitães de Abril», e mais os Soares, Cunhais e outros políticos que então tomaram o Poder, não se preocuparam minimamente com a segurança desses portugueses (dos melhores). Não fosse o convívio quase fraterno que havia entre europeus e africanos e podiam ter acontecido—face à tremenda irresponsabilidade dos políticos e políticos-militares de Lisboa! —, banhos de sangue por todo o lado...

Quem viveu em qualquer daquelas parcelas ultramarinas, entre 25 de Abril de 1974 e finais de 1975 (a «independência» de Angola foi proclamada em 11 de Novembro deste ano em Luanda, já com os representantes do MFA a milhares de quilómetros), sabe perfeitamente que se tratou de um abandono infame e vergonhoso por parte do novo (e caótico) Poder instalado em Lisboa. Lembro que, no dia da «independência» de Moçambique (25 de Junho de 1975), na cidade-capital de um distrito do Noroeste (antes fortemente flagelado pela guerrilha), a bandeira verde-rubra foi arreada, e recebida pelo comandante local da PSP...

A força policial tinha meia dúzia de elementos, mas foi essa meia dúzia o que foi deixado para trás, para a «transferência de poderes» — sem o mínimo de condições para dar segurança aos colonos que continuavam naquela terra.

Por esta altura, há precisamente 30 anos, em Angola, numerosas famílias de outros colonos portugueses, no Sul do território, tentavam escapar às matanças provocadas pelo MPLA, UNITA e FNLA. os três movimentos com quem o Poder «do 25 de Abril» tinha assinado os famigerados Acordos de Alvor e que, ainda antes da «independência», já se guerreavam entre si.

Houve então quem arriscasse trazer familiares e amigos nas suas traineiras apinhadas de gente até Portugal, desde Porto Alexandre.

Houve os que se arrojaram mesmo, com as suas frágeis embarcações artesanais, a atravessar o Atlântico, rumo ao Brasil.

Outros, que não eram pescadores, mobilizaram-se para uma viagem de três mil quilómetros, até Windhoek (então ainda sob soberania de Pretória), com travessia, a exigir enorme coragem, do deserto do Kalaari (Sudoeste Africano).

Para que este grande êxodo (em cerca de duas mil viaturas) se verificasse com o mínimo de segurança, os colonos pediram ajuda aos cabecilhas do tal Movimento das Forças Armadas — ajuda que lhe foi pura e simplesmente recusada!

Para os que estavam em Luanda— e um ano após os que tinham muito dinheiro (como Almeida Santos, em Lourenço Marques) — se terem posto a salvo com os seus haveres, conseguiu-se finalmente, mas apenas desde a capital angolana, e no meio dos combates, uma «ponte aérea» apoiada pelo estrangeiro e por organizações internacionais.

À chegada a Lisboa, conforme então noticiava o «Jornal Novo», davam-se «20, 50 ou 100 escudos» aos repatriados que chegavam sem nada, «para as primeiras despesas».

Estes «retornados» da tal «ponte aérea» tardia, e só a partir de Luanda, eram uma minoria dos abandonados. Por que é preciso não esquecer que, em Angola, Moçambique e outras colónias africanas, viviam centenas de milhar de portugueses de Portugal e ainda os filhos já nascidos naqueles territórios. Gente que só em parte, pequena parte se podia considerar próspera, mas ainda assim quase todos eles a viver ali felizes, dados os horizontes de esperança e por estarem a trabalhar na construção de grandes países.

De um momento para o outro, tudo ruiu. Fragorosamente! E foi o «salve-se quem puder»...Perderam-se empregos, casas, oficinas e muitas propriedades onde os portugueses faziam uma agricultura e uma pecuária evoluídas, voltadas para o mercado interno e para a exportação, numa África onde os naturais —como continua a acontecer, trinta anos depois! — só agricultavam para sua subsistência e pouco mais. Perderam-se as fábricas que permitiam a crescente industrialização daqueles países. Perderam-se estabelecimentos comerciais nas cidades e vilas, mas também «no mato», nas zonas mais inóspitas (e de baixíssima densidade populacional), únicos estabelecimentos («cantinas») que permitiam aos naturais o acesso, por permuta com os produtos da terra, a bens de primeira necessidade como o vestuário, o calçado, também a bicicletas e a aparelhos de rádio a pilhas... E permitiam ainda o acesso a medicamentos que evitavam a mortandade que hoje se verifica em África!!!

Contrariamente ao que aconteceu na Faixa de Gaza, a imensa maioria dessa gente foi abandonada de forma iniludivelmente criminosa. Pelos «capitães (majores, coronéis, brigadeiros e generais) de Abril» e os políticos que a eles se «grudaram» durante a chamada Revolução dos Cravos. E que nos últimos trinta anos têm distribuído entre si, cúmplices e mais amigalhaços as melhores fatias do «bolo», desde os altos e médios poleiros no Estado e seus «arredores»—com os melhores vencimentos, um ror de prebendas e gordas reformas—até aos negócios de armas. Exactamente: até aos negócios de armas!

Foram tempos terríveis para quase um milhão de compatriotas nossos. Mas porque se tratava de gente com «competências muito acima da média da sociedade portuguesa» (como reconhecem os sociólogos que ao longos dos anos vêm estudando o «fenómeno»)—essa gente foi, numa parte muito substancial, enriquecer países como a África do Sul e o Brasil. E a outra parte, que veio para Portugal, acabou por ajudar a combater a tragédia iminente que se desenhava com a tal Revolução dos Cravos.

Estes factos são conhecidos dos nossos mais velhos, mas as novas gerações precisam saber — e a retirada israelita da Faixa de Gaza é uma boa oportunidade para lembrar—que há em Portugal «grandes democratas» responsáveis por uma descolonização que só foi exemplar no crime mais abominável...

Aconteceu há 30 anos! E 30 anos passados já se receia em Portugal o «Finis Patriae».

Abrenúncio!...

Mas é conveniente não esquecer nunca os que abriram as covas para o enterro de todos os nossos valores!

(*) Jornalista

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