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Composições necessárias de outros mundos

Rolnik em Cartografia Sentimental

“Para os geógrafos, a cartografia - diferentemente do mapa,

representação de um todo estático - é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem.

Paisagens psicossociais também são cartografáveis.

A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos - sua perda de sentido - e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos.

Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um antropófago”. (p. 23)

Precisei recorrer a Rolnik para me deixar estar na leitura e no registro de percursos de minha passagem na educação. Na cadência deste tempo de desmanchamentos de mundos e compondo outros, a utopia velada brota em afetos, desejos e fazeções cotidianas.

Dei início à atividade profissional na Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo/RS junto ao Programa “Pacto pela Aprendizagem: Todos tem o direito de aprender” em 2011, quando a Rede Municipal de Educação atendia aproximadamente 26 mil estudantes matriculados.

Naquela ocasião, as 55 escolas apresentaram os nomes de, aproximadamente, 1800 crianças e adolescentes com a necessidade de um atendimento mais específico, pois havia comprometimentos orgânicos, deficiências, dificuldades de aprendizagens, sofrimentos psicossociais ou, em seu histórico, uma ou mais reprovação.

Profissionais do setor de Inclusão e Diversidade realizaram o planejamento da conversa com as escolas sobre cada um mencionado e, a partir disto, assessoras da SMED e coordenadoras das escolas municipais de ensino fundamental (EMEFs) eliminaram mais da metade das solicitações. Juntas perceberam que poderiam suprir as necessidades dos estudantes proporcionando atendimento em Laboratórios de Aprendizagem, Salas de Recursos Multifuncionais, no Núcleo de Apoio Pedagógico/NAP e, ainda, a participação no Programa Mais Educação.

A proposta do PACTO compreendia que esse público precisava de um olhar atento e outras alternativas de percursos. Foram criadas ações que possibilitassem a aprendizagem, incluindo, se necessário, consultas e tratamentos na área da saúde através da Secretaria Municipal de Saúde e, através dos Centros de Referência de Assistência Social /CRAS e Unidades de Referência de Assistência Social/URAS, acompanhamento na área social com o suporte da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

Trabalhando na área do Programa do PACTO, eu me empenhava para que as demandas, inclusive as consultas, solicitadas pelas escolas fossem o mais rapidamente atendidas. A demanda maior na área da saúde referia-se às consultas com neurologista.

Aquele momento de atendimento clínico da criança/adolescente, acompanhada do familiar responsável, juntamente com a ficha elaborada pela escola que trazia o motivo da consulta, nas Unidades Básicas de Saúde, propiciava aos médicos o entendimento do caso clínico. Quando julgavam necessário, direcionavam o encaminhamento para avaliação neurológica. Então, nem todo estudante indicado pelas pedagogas, na visão da clínica médica, consistia em situação que merecesse uma investigação neurológica. Foi significativo para muitas crianças terem a percepção da consulta médica e do contato com o/a doutor/a nesta oportunidade, pois antes acontecera quando eram bem pequenas ou se restringia à vacinação.

No final de 2012 passei a fazer atendimento no Núcleo de Apoio Pedagógico/NAP na área da psicologia. Isto me permitiu outro tipo de aproximação com as crianças, adolescentes e suas famílias. Também, oportunizou-me outra relação com as educadoras das escolas.

Vejo que cada profissional tem seu modo singular de educar, de agir na educação, de ter o olhar e a atitude do cuidado com a criança e adolescente, a compreensão e produção do seu próprio viver e querer ser feliz, o sentimento de pertencimento à humanidade. Mesmo que a legislação e diretrizes sejam as mesmas, no âmbito da Rede Municipal de Educação de Novo Hamburgo, e que haja a equipe diretiva organizando e estruturando o trabalho e as combinações coletivas em cada escola, a liberdade e o compromisso de vivenciar a experiência educativa cabem a cada educador(a).

Nós, profissionais do NAP, somos privilegiadas/os no período das devolutivas quando podemos compartilhar com professoras experiências de visibilidade do potencial da criança/ adolescente. Sentimos em algumas a ousadia de criar e de instigar o espaço de aprendizagem mútuo e recíproco na relação professora- estudante e, mais, encorajar o vínculo da humanização.

Entendemos que nem sempre o fluir permeia o cotidiano educativo. Atritam, estranham e deslizam trocas de intensidades múltiplas entre os sujeitos da comunidade escolar. As gestoras influenciam e interagem nas atividades deste território dentro dos limites de seus olhares. Cada um e cada uma carregam histórias de saberes, vivências e trajetórias de produções.

Pedir às professoras para terem o cuidado com a criança/adolescente significa também terem o cuidado consigo mesmas. Quem faz a escuta dessas professoras no cotidiano do trabalho? Ela própria se escuta? E, ao não ser e/ou não se sentir escutada, muitos procedimentos tornam-se normais, atitudes mecanizadas, relacionamentos burocratizados e afetos frígidos. Já vimos o amargor e enfado do final de expediente?

Achará normal tomar medicação para se acalmar e dar conta de encarar o dia de relacionamentos, de trabalho e, às vezes, dores no corpo. “Para alguns, encontrar médicos que resolvem tudo apenas com pílulas vai ao encontro de suas próprias crenças – e de sua necessidade de proteção” (Brum, 2015, p.60). E a autora se coloca: “Só consigo viver porque a cada dia minha questão crucial não é me adaptar a um tempo que não é o meu. Mas encontrar formas de me recusar a viver segundo valores que para mim não fazem sentido, me recusar a viver no tempo do outro” (2015, p.62).

A escolha é uma constante companheira do viver. Há o livre arbítrio do sujeito, a autonomia e maturidade de pessoa adulta, com acesso ao mundo acadêmico, pertencente a uma categoria profissional, trabalhadora de uma rede pública e cidadã na sociedade. A professora não precisa estar só. O coletivo move, às vezes, com voragem, em reviravoltas, como fios trançados nas tramas suficientemente forte para (des?)ampará-la na travessia ao encontro de seus próprios tempos e valores.

E quanto à criança agitada na sala de aula, um corpo inquieto, por que? Por que não acalmá-lo? Como? Qual o lugar que ocupa em sua família? Qual a vinculação de sua família com a escola, e a criança com sua professora? O diálogo sem tempo, no espaço familiar e no ambiente escolar, é realizado de maneira atribulada com tarefas um, dois e várias, refeição com televisão ligada e recreio na correria.

“A socialização das crianças pequenas, desde as primeiras formações das sociedades da corte, consistia (como ainda hoje) no aprendizado de uma série de controles corporais. … Freud considerava o desenvolvimento de uma instância psíquica encarregada do auto-controle como um avanço da civilização. A auto-disciplina afetiva e corporal é condição do engajamento dos sujeitos na ordem social, diria Foucault, para quem a submissão voluntária é o braço subjetivo do poder.”(Kehl, 2006)

Quando a alternativa apontada à inquietude, à insubordinação e rebeldia é o encaminhamento da criança/ adolescente à consulta com neurologista … Assim, fica fácil o desencadeamento à medicalização para melhorar a concentração em sala de aula (e a professora garantir o 'domínio' da sala de aula).

Quantos saíram da avaliação neurológica do PACTO sem serem engolidos pela medicalização? Encaminhamos estudantes para avaliação neurológica sem acreditar que dificilmente sairiam da consulta não medicalizados. Alguns profissionais da medicina ainda dizem, como cumprindo a missão de orientar à mãe, que aquele remédio vai deixar o filho forte e ajudar na memória para aprender mais.

Deparamo-nos com a/o médica/o que reduz sua ação profissional, estreita sua dimensão ética e opta por centrá-la no ato prescritivo, sem vivenciar diálogos, sem possibilitar a produção da vida nesta oportunidade do encontro-consulta.

Como a mãe vai discutir com a/o “doutor(a)” e questionar a importância e necessidade deste produto? A escola se queixa do filho e a mãe, em casa, às vezes, não dá conta do filho por motivos vários. Ou, ainda, quer se ver livre da incomodação em seu ouvido feita pela professora da escola. Uso o termo 'filho' porque 77% da lista do PACTO são meninos. Meninas dos corpos dóceis não incomodam…

A professora, por sua vez, não dá conta de um grupo de guris por motivos diversos, inclusive, pressionada pelas próprias fragilidades pedagógicas mescladas com o status, onipotência e narcisismo deste lugar. Como enxerga os movimentos que favorecem e dificultam a aprendizagem do estudante? Quando considera que a criança cresce fisicamente, experiencia múltiplas vivências culturais e expande seus saberes?

Ao receber o estigma de doente e improdutiva, a criança/ adolescente tem precisão de ser tratada; e, ao ser excluída, parece contar com a proteção do discurso da inclusão. Assim, sua 'doença' torna-se descontextualizada dos determinantes socio-históricos e políticos. Sobra para crianças e adolescentes carregar responsabilidades que pertencem à grande família, comunidade escolar, sociedade e aos formuladores e gestores das políticas públicas.

Como entender que estudantes das escolas públicas não aprendam por não terem as condições necessárias, sendo possuidores de problemas individuais? Quando a escola será para todos em nossa realidade brasileira? As educadoras poderiam chegar mais pertinho de cada criança e adolescente para sensibilizar seu compromisso de compartilhar o saber acumulado historicamente e experienciá-lo no processo de ensinagem. Há milhares de anos milhares de povos fizeram seus ensaios de acertos e erros e foram expandindo e gerando conhecimentos e novas práticas. A multiplicidade nas culturas, linguagens e dinâmicas de vida é demonstração do acervo de saberes da humanidade. E o processo de transformação é infindável enquanto mantivermos acordados a convivência solidária das diferenças, a partilha do conhecimento, a importância da vida de cada um e a de todos os seres do planeta, enfim, a consciência planetária.

Não é justo dar início à patologização e ao processo de medicalização quando os comportamentos diferem e/ou divergem daqueles aceitos socialmente. Parece aceitável domar o sujeito, mesmo que a “fera” seja uma criança de apenas 6 anos de idade e 20 quilos com um coquetel de medicação. Ou que seja o garoto de 12 anos e seus 40 quilos? Não podemos nos tornar cúmplices do encobrimento da potência da vida e do desejo de uma criança/ adolescente que manifesta sinais de sofrimento, questionamentos e, certamente, se disponibiliza a sentir-se escutada, reconhecida e amada. Vale à pena nos sensibilizar, humanizar as relações e aprender na convivência com o outro.

Há uma velada e complexa cumplicidade entre médico- indústria farmacêutica- mercado aliado ao consumismo que coloca necessária a medicalização. Este negócio bem sucedido tornou o Brasil no segundo maior consumidor de metilfenidato (Ritalina, Concerta) do mundo em 2015; esta droga está sendo prescrita para adultos e crianças portadores de transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

O que fazer frente a esta banalização do medicamento? Apresento, a seguir, medidas que foram tomadas a partir de estudos de pesquisadores de universidades de diversos países, da organização de grupos de profissionais e, certamente, da pressão sobre organismos do governo para conter esse procedimento desumano e destituído de compromisso ético.

1- Manifesto do Fórum sobre Medicalização da Saúde e Sociedade

Em 2010, em torno de mil profissionais das áreas de Saúde e Educação, estudantes e representantes de entidades participaram do I Seminário Internacional "A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos", em São Paulo. Criaram o Manifesto do Fórum sobre Medicalização da Saúde e Sociedade para “mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento”.

O Manifesto coloca:

“Entende-se por medicalização o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades”.

“A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em “portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem”.

2- Entrevista de Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, ao Portal Unicamp.

O Departamento de Pediatria da FCM-Unicamp é membro fundador do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade que, atualmente, conta com mais de 40 entidades acadêmicas profissionais e mais de 3.000 pessoas físicas no Brasil. Buscam difundir as críticas que existem na literatura científica além de construir outros modos de acolher e de atender as necessidades das famílias dos jovens que vivenciam e sofrem com esses processos de medicalização. Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, concedeu entrevista ao Portal Unicamp.

“essa droga pode trazer dependência química, pois tem o mesmo mecanismo de ação da cocaína, sendo classificada pela Drug Enforcement Administration como um narcótico. Se a criança já desenvolveu dependência química, ela pode enfrentar a crise de abstinência. Também pode apresentar surtos de insônia, sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos, alucinações e correm o risco de cometer até o suicídio. São dados registrados no Food and Drug Administration (FDA).” “Além disso, aparecem outros sintomas como cefaleia, tontura e efeito zombie like, em que a pessoa fica quimicamente contida em si mesma.”

Cida Moysés - “Ocorre que isso não é efeito terapêutico. É reação adversa, sinal de toxicidade. Além disso, no sistema cardiovascular é possível ter hipertensão, taquicardia, arritmia e até parada cardíaca. No sistema gastrointestinal, quem já tomou remédio para emagrecer conhece bem essas reações: boca seca, falta de apetite, dor no estômago. A droga interfere em todo o sistema endócrino, que interfere na hipófise. Altera a secreção de hormônios sexuais e diminui a secreção do hormônio de crescimento. Logo, as crianças ficam mais baixas e também essa droga age no peso. Verificando tudo isso, a relação de custo-benefício não vale a pena. Não indico metilfenidato para as crianças. Se não indico para um neto, uma criança da família, não indico para uma outra criança”. “Quando se fala em 5% a 10% de pessoas com determinado problema, o conhecimento médico exige que se assuma que isso é um produto social, e não uma doença inata, neurológica, como seria o TDAH, e muito menos genética.”

Portal Unicamp – Quem está sendo medicado?

Cida Moysés – “São as crianças questionadoras (que não se submetem facilmente às regras) e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias e que ‘viajam’. Com isso, o que está se abortando? São os questionamentos e as utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente de 1.000 anos atrás porque muita gente questionou, sonhou e lutou por um mundo diferente e pelas utopias. Quando impedimos isso quimicamente, segundo a frase de um psiquiatra uruguaio, 'a gente corre o risco de estar fazendo um genocídio do futuro'. Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes e mundos diferentes.”

3- Portaria 986/2014 - Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo.

A Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo através da Portaria 986/2014 instituiu a regulamentação da dispensação do medicamento metilfenidato por meio de um protocolo que envolve a análise de uma equipe multiprofissional.

De acordo com a nova portaria, que passou a valer na data da publicação (12 de junho de 2014), “o tratamento medicamentoso deve ser considerado somente depois do levantamento detalhado da história da criança ou jovem e avaliação por equipe multidisciplinar em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) Infantil ou serviços com vínculo com o SUS, combinado com intervenções terapêuticas de natureza psicossocial e de educação”.

4- Entrevista de Wagner Ranña, psiquiatra com experiência em saúde mental da infância e docente do Instituto Sedes Sapientiae/SP dedicado à saúde mental, à educação e à filosofia, para a CartaCapital.

“Começamos a passar para a criança a cultura de que um comprimido resolve tudo na vida, de que não existe mais solução pelo pensamento, pela conversa, pelo afeto e pela compreensão. O mundo todo é agitado, as pessoas são desatenciosas umas com as outras, e as crianças é que acabam tachadas de hiperativas.” “...a maioria são só crianças agitadas. E, no mundo da rapidez, ironicamente, elas são colocadas como doentes. Estamos desperdiçando jovens que poderiam ser sujeitos muito ágeis, como atletas e músicos.”

5- Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente/ CONANDA

Jornal Zero Hora: “Conselho pede fim da prescrição de remédios a crianças” em 19 de dezembro de 2015.

O jornal ZH foi discreto ao noticiar que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente/ CONANDA publicou a resolução em que recomenda o fim da prescrição excessiva de medicamento para crianças e adolescentes no tratamento de problemas relacionados à aprendizagem, ao comportamento e à disciplina. “O uso deve ocorrer somente com diagnóstico preciso feito por uma equipe multiprofissional e segundo as normas do Ministério da Saúde.”

6. E o que nós podemos fazer em nossa Rede?

Penso em muitas educadoras que tem a origem de sua família no meio rural, senão os pais, mas avós e ‘bisas’ que vivem ainda na colônia. Sabem da lida com a terra e o fruto da terra, o trato com a planta e a poda minuciosa, o tempo de plantio que repara o movimento da lua, interferências climáticas e a transformação de paisagens. A natureza requer um manejo cuidadoso, delicado, atento e preciso, diariamente.

O tempo e o ritmo do amadurecimento de cada planta, quando observados, torna o alimento gostoso, viçoso e harmonioso. Por que não aprendemos com a natureza?

As crianças e adolescentes, estudantes, em geral, são a razão de existir escola. Milhares de famílias, mais de mil professoras e várias outras especialidades de profissionais e de serviços estão imbricados no universo escolar da Rede Municipal de Novo Hamburgo. As escolas também tornam-se territórios de transformação de paisagens, se provocam fluxos de vidas. E isto afeta a todos implicados com o processo educativo. A abertura de passagens nos territórios existenciais depende de cada uma/um de nós, da descoberta do meu querer e o movimento do fazer acontecer. Como acordar o desejo de estar ali, como professora/educadora, conviver equilibrando leveza com um grupo de estudantes, sonhar junto e perseguir a utopia em pequenas realizações?

Nós, profissionais do NAP, temos percebido que nosso diálogo com as assessorias da SMED pertencentes ao setor da Inclusão e Diversidade (o que já vem acontecendo) e pedagogas do setor do Ensino Fundamental e professoras das escolas faz-se necessário. Os conhecimentos teóricos, os saberes acumulados e experienciados e as incertezas entre profissionais não podem ser desperdiçados, esquecidos e, apenas, ganhar vigor em ocasiões especiais. O que a professora tem elaborado no dia-a-dia do trabalho em sala de aula? Como realiza os seus registros? Como as percepções desmancham certezas? Como dialoga com as crianças/adolescentes? É preciso dar significado à sua interação com o outro e se permitir outras descobertas de si, especialmente por estar neste lugar.

O cotidiano do processo educativo não nos permite ficar numa zona de conforto acomodado e escorregadio. Precisamos compartilhar o compromisso cuidadoso e solidário com essas crianças/ adolescentes, acompanhando-as em suas composições necessárias de outros mundos, amparando-as e provocando-as em seus projetos de vida.

Como podemos nos aproximar dessa professora adoentada ou com o olhar adoecido, que se incomoda com os jeitos de certos meninos? O seu olhar vê cenas, gestos, expressões que a tocam e deixam-na desconcertada, raivosa, medrosa, às vezes, perdida de si.

Como desabrochar a paixão de conhecer essas crianças/ adolescentes que interagimos, ganhar amorosidade em nosso olhar e aprender com elas?

O Pacto provocou a tomada de iniciativa em muitas escolas e em muitas educadoras. Ações interessantes foram criadas e os questionamentos permitiram a expressão da palavra, do corpo e do sentimento em múltiplas abordagens tornando o cotidiano novo.

A SMED já oferece a cada ano uma agenda de formação técnica e as diretoras/es e coordenadoras/es podem levar as demandas de formação discutidas e sugeridas pelas professoras.

Que outros movimentos são necessários para que a/o educador/a sinta possibilidades de agir diante de sua vida, brinque com as palavras e formule criativamente novas versões de sua história, de suas marcas de sofrimento, talvez, de violências?

As relações das vidas que transitam no espaço escolar combinam com acolhimento e vínculo, energia e prazer, liberdade de criar, produzir e socializar conhecimento, autonomia para rupturas necessárias. O planeta Terra combina com diferenças e não desigualdades, nas mais diversas sociedades para a continuidade da vida.

Rolnik diz dos processos de formação e desconstrução de territórios, como “territórios existenciais”, isto é, o que tem dentro de cada um, e define sua forma de significar e interagir com o mundo. Este agir diante da vida é singular, ou seja, de cada um, e por isto mesmo é múltiplo, pois temos sempre tantos mundos quantos são aqueles que o habitam (2006, p.23).

Referência Bibliográfica

Brum, Eliane. A menina quebrada. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2015.

Jornal Zero Hora, 19 de dezembro de 2015, p.27.

Kehl, Maria Rita. Artigos e Ensaios. Corpos estreitamente vigiados. 2006.

Moysés, Maria Aparecida Affonso. Evento "Medicalização da Educação, da Saúde e da Sociedade. 17 de jul de 2013 - Vídeo Adriano Gosuen. site

Portal UNICAMP. A ritalina e os riscos de um 'genocídio do futuro', entrevista com Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, 05/08/2013 – Texto Isabel Cardenal.

Revista Carta Capital. Entrevista com Wagner Ranña, médico psiquiatra docente do Instituto Sedes Sapientiae— publicado 04/10/2015 - Texto Ingrid Matuoka.

Rocha, Sílvio. Escola Cidadã em Novo Hamburgo: participação, qualidade e aprendizagem. Novo Hamburgo: Prefeitura Municipal, 2012.

Rolnik, Suely. Cartografia Sentimental. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.

Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo - Portaria 986/2014.

Maria do Rocio Coutinho Fritzen

psicóloga e mestre em educação, atua no Núcleo de Apoio Pedagógico/ NAP/SMED-NH

mariarocio@novohamburgo..br

fevereiro/2016

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