Trabalho Infantil: um comparativo entre a revolução industrial e os ...

 TRABALHO INFANTIL: UM COMPARATIVO ENTRE A REVOLU??O INDUSTRIAL E OS DIAS ATUAIS.

Marisa Aparecida Cestari.1 Ricardo Marques de Mello.2

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma interven??o pedag?gica a respeito de um dos mais graves problemas do mundo contempor?neo: o trabalho infantil. A fim de refletir sobre o tema e articul?-lo ao conte?do program?tico da disciplina hist?ria, propusemos realizar um trabalho comparativo entre a explora??o do trabalho infantil na Revolu??o Industrial (iniciada no s?culo XVIII) e aquela praticada nos dias atuais (no Brasil e, especificamente, em Ipor? - PR), identificando semelhan?as e diferen?as entre os dois contextos. Para realizar essa interven??o, usamos os seguintes recursos pedag?gicos: 1) aulas expositivas, di?logos e intera??es te?ricas sobre a tem?tica, no intuito de desnaturar as condi??es hist?ricas da explora??o do trabalho infantil, relacionando a sua emerg?ncia e perman?ncia a determinados interesses econ?micos que foram e s?o sobrepostos ? dignidade e direitos, que hoje est?o legalmente institu?dos; 2) pesquisas orientadas; 3) confec??o de cartazes; 4) an?lise do Estatuto da Crian?a e do Adolescente; 5) elabora??o e encena??o de pe?a teatral. O cumprimento dessas etapas sequenciais teve como objetivo abordar a quest?o de modo mais gradativo e compreens?vel, despertando nos educandos o interesse e acesso a conceitos relacionados ao tema e a situa??es vivenciadas por eles, de maneira que o conhecimento produzido em sala de aula seja significativo e transformador da sua pr?pria realidade, fazendo da escola um espa?o que efetiva o processo de ensino-aprendizagem. Os resultados foram positivos, tanto no desenvolvimento das atividades quanto na intera??o e participa??o de todos os envolvidos. Ressaltamos que a ideia geral desenvolvida nesta atividade pode ser adequada a outras situa??es educacionais, funcionando, portanto, como par?metro para outras escolas e contextos.

PALAVRAS CHAVES: Trabalho Infantil; Revolu??o Industrial; Explora??o.

Introdu??o

O trabalho infantil, por muito tempo, foi considerado uma pr?tica natural como parte do processo de socializa??o das crian?as e adolescentes, al?m de ser visto como uma alternativa ? mis?ria e ? criminalidade. Contudo, a partir da d?cada de 1990, essa vis?o passou a ser reconsiderada mundialmente, disseminando-se a ideia de que o lugar da crian?a ? na escola. Tornou-se um problema de extrema relev?ncia social, que requer urg?ncia em seu estudo e busca por solu??es, uma vez que compromete grande parcela da popula??o.

1 Professora de Hist?ria da Escola Estadual Dr. Antenor P?mphilo dos Santos-EF. Integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paran? (PDE), turma de 2016. 2 Orientador do PDE da Universidade Estadual do Paran?, campus de Campo Mour?o.

A explora??o da m?o-de-obra infantil ?, na verdade, um problema muito antigo, um mal de profundas ra?zes hist?ricas, sempre presente e dif?cil de ser eliminado. O trabalho infantil, ainda hoje, ? uma realidade e causa de preocupa??o internacional, pois ? uma das consequ?ncias que reduz a dignidade de crian?as e adolescentes e diminui as condi??es m?nimas de ingresso e perman?ncia escolar.

Com mudan?as hist?ricas, atualmente a crian?a ?, em tese, reconhecida como sujeito e deve ter seus direitos assegurados. Por isso, a explora??o do trabalho infantil ? um problema que deve ser analisado por uma ?tica ampla, enfocando a responsabilidade de todos os segmentos governamentais, privados e, principalmente, da sociedade, colocando como prioridade medidas especiais com a finalidade dar um novo impulso ? erradica??o do trabalho de menores.

Entre as medidas que contribuem para o combate do trabalho infantil, h? aquelas de car?ter legal e econ?mico. Al?m dessas, ? poss?vel, e desej?vel, criar estrat?gias educacionais de esclarecimento, conscientiza??o e a??o direcionada ?s atividades que exploram ou propiciam a explora??o de crian?as e adolescentes.

Nesse sentido, o trabalho que desenvolvemos objetiva, por meio de um estudo comparativo entre o trabalho infantil na ?poca da revolu??o industrial e aquele dos dias atuais frente ?s legisla??es existentes e principalmente ao Estatuto da Crian?a e do Adolescente (ECA), suscitar reflex?es, comportamentos e atitudes que redundem em uma diminui??o desse fen?meno na nossa regi?o, urbana e rural.

A ideia de efetivar um comparativo do trabalho infantil na ?poca da revolu??o industrial com os dias atuais nesse projeto surgiu frente a alguns fatos que vem sendo observados com alunos da Escola Estadual Dr. Antenor P?mphilo dos Santos, situada no munic?pio de Ipor?, Paran?. Nessa institui??o, ? frequente a aus?ncia de estudantes, os quais alegam que ficam em casa cuidando do irm?o menor que est? doente, j? que a m?e precisa trabalhar, ou que necessitam ajudar aos pais em colheitas espec?ficas.

Ao iniciarmos um estudo mais profundo do tema, observamos que, na maioria dos casos, essa explora??o acontece devido ? necessidade de ajudar financeiramente a fam?lia que, ami?de, possui um perfil de pobreza e grande

quantidade de filhos. Al?m disso, geralmente s?o crian?as que t?m entre 5 e 14 anos, e que s?o exploradas em diversas modalidades de emprego: no campo, na cidade, no lar, na rua, em artesanatos, no com?rcio, em planta??es, minas e f?bricas.

Na maioria dos casos, o abandono da escola e o trabalho infantil s?o condi??es que andam juntos. Os pais n?o se encontram estimulados a manter seus filhos na escola, em vista dos atrativos que o mercado de trabalho possui, e geralmente esse ? o fator determinante para os altos ?ndices de trabalho infantil.

Diante dessa problem?tica, decidimos desenvolver um estudo de cunho hist?rico, que oportunizar? uma compara??o das condi??es por meio das quais o trabalho infantil se consolidou na primeira revolu??o industrial e como ele se materializa atualmente, com ?nfase para a nossa regi?o.

Al?m de pesquisas historiogr?ficas que embasam essa interven??o pedag?gica, usamos tamb?m a legisla??o brasileira sobre o assunto e as Conven??es internacionais ratificadas pelo Brasil na busca pela erradica??o da explora??o infantil, pela defesa dos direitos fundamentais das crian?as e dos adolescentes, pelo direcionamento das pol?ticas p?blicas, pela conscientiza??o da popula??o de seu papel social, bem como pela necessidade de sensibilizar a comunidade escolar sobre o cuidado e a prote??o das crian?as e adolescentes. Dessa forma, proporcionamos reflex?es e a??es sobre o tema dos direitos fundamentais de crian?as e adolescentes, contribuindo, na medida do poss?vel, para a erradica??o do trabalho infantil.

1) Fundamenta??o Te?rica

A explora??o da m?o-de-obra infantil ?, na verdade, um problema muito antigo, que tem acompanhado a Humanidade em sua evolu??o e em seus progressos, um mal de profundas ra?zes hist?ricas, sempre presente e dif?cil de eliminar.

Afirma Minharro, que h? relatos do uso de crian?as em trabalho, de precedentes muito remotos.

Narra-se que mesmo antes de Cristo verificava-se a exist?ncia de prote??o ?s crian?as e aos adolescentes que trabalhavam como

aprendizes. Infere-se assim, que desde ?pocas as mais remotas j? havia a utiliza??o da m?o-de-obra infantil (2003, p.15).

Antes da Revolu??o Industrial, crian?as tamb?m trabalhavam, mas n?o eram exploradas. Ajudavam na economia da pr?pria fam?lia, sem se preocupar com obriga??es, tempo e disciplina. Meninos executavam, com frequ?ncia, tarefas como semeadura, ordenha de vacas e alimenta??o de animais. As meninas ajudavam as m?es, geralmente nas tarefas da casa.

Na verdade, o trabalho infantil vem atrav?s dos s?culos, e em todas as culturas, sendo explorada indistintamente, mas somente se tornou um problema social a partir da Revolu??o Industrial.

As crian?as compartilhavam com seus pais no trabalho no campo, no mercado, e ao redor da casa logo que tinham idade suficiente para realizar alguma tarefa. [...] O uso de crian?as no trabalho n?o era visto como problema social at? a introdu??o do sistema fabril (GRUNSPUN, 2000, p.14).

De acordo com Thompson (1987), a crian?a era uma parte inerente da economia industrial e agr?cola antes mesmo antes de 1780 e, como tal, permaneceu nessas condi??es at? ser incorporada pelo sistema educacional. Por?m, ? com o processo de produ??o industrial que a intensidade e as formas de explora??o do trabalho infantil assumiram propor??es sem precedentes na hist?ria.

O in?cio da Revolu??o Industrial ocorreu na Inglaterra no s?culo XVIII, aproximadamente em 1780 at? aproximadamente meados do s?culo XIX. No campo estava acontecendo os cercamentos, que consistia, basicamente, na transforma??o das terras comuns em pastos para a cria??o de ovelhas e, consequentemente, para a produ??o de l?. Essa mudan?a levou um n?mero consider?vel de pessoas a migrarem para as cidades, aumentando a popula??o das regi?es habitadas.

[...] O ?xodo rural provocado pelos cercamentos permitiu que grandes empres?rios e nobres ? robber barons (os bar?es salteadores) ? se apossassem de pequenas propriedades agr?colas por compra ou processos judiciais. Paralelamente, as levas de camponeses que se transferiram para as cidades formaram um grande contingente de m?o de obra dispon?vel ? o chamado ex?rcito industrial de reserva ?, essencial para a Revolu??o Industrial (VICENTINO, 1997, p. 289).

Vig?rio aponta que um dos problemas mais dif?ceis que os patr?es da fase inicial da Revolu??o Industrial enfrentavam era o de efetivar sele??o de homens capazes de aprender as novas t?cnicas e que fossem pass?veis a se submeterem ? disciplina imposta pelo processo produtivo da ind?stria. Diante desse dif?cil contexto de recrutamento de trabalhadores, as crian?as figuraram como op??es vi?veis.

No que se refere ? ind?stria t?xtil, as primeiras tentativas de recrutamento de m?o-de-obra adulta revelaram-se in?teis. Uma vez que as primeiras f?bricas estavam dependentes da energia h?drica, situavamse junto a pequenas correntes em ?reas isoladas e pouco populosas, onde o n?mero de trabalhadores n?o era suficiente. Al?m disso, os habitantes locais demonstravam alguma relut?ncia em entrar nestas estruturas desconhecidas que mais lhes pareciam penitenci?rias e workhouses do que locais de trabalho. De modo a recrutarem m?o-deobra, foi necess?rio recorrer ? importa??o de trabalhadores. As crian?as foram consideradas perfeitas para o efeito, dado constitu?rem m?o-deobra barata e serem soci?veis e af?veis, para al?m de terem dedos ?geis capazes de desempenhar as tarefas simples exigidas (2004, p. 45).

De acordo com Bonifazi e Dellamonica (2002), o in?cio da Revolu??o Industrial foi marcado pela explora??o do trabalho de crian?as, chamadas aprendizes, a partir de seis anos de idade, as quais eram obrigadas a trabalhar, ?s vezes at? catorze horas por dia, a semana inteira.

Para Alvim (1994), o trabalho infantil foi uma das caracter?sticas mais marcantes da Revolu??o Industrial. A vis?o era de que as crian?as pobres deveriam trabalhar, porque o trabalho protegeria do crime e da marginalidade, uma vez que o espa?o fabril era compreendido em oposi??o ao espa?o de rua, considerado desorganizado, desregrado e prop?cio a infra??es variadas. Al?m disso, o trabalho das crian?as permitiria um aumento da renda familiar, ao mesmo tempo em que poderia ser concebido como uma escola, a "escola do trabalho". O trabalho das crian?as era usado nas f?bricas e nas minas de carv?o, sendo que muitas morriam devido ? quantidade exagerada de horas trabalhadas, por conta da insalubridade do ambiente e pela consequente desnutri??o.

Al?m disso, conforme explicam Gomes e Gottschalk, o trabalho infantil nas f?bricas implicava em uma grande redu??o de custos:

O emprego de [...] crian?as na ind?stria nascente representava uma sens?vel redu??o de custo de produ??o, a absor??o de m?o-de-obra

barata, em suma, um meio eficiente e simples para enfrentar a concorr?ncia. Nenhum preceito moral ou jur?dico impedia o patr?o de empregar em larga escala a m?o-de-obra feminina e infantil (2006, p. 420).

As vantagens eram significativas, pois as crian?as obedeciam facilmente as ordens que um adulto dificilmente obedeceria, podendo, assim, ser controladas com facilidade, custando menos, pois recebiam sal?rios menores, que, em muitos casos, eram pagos somente com alojamento e alimenta??o.

No que se refere ao Brasil, a hist?ria do trabalho infantil acompanhou o processo de ocupa??o e coloniza??o do territ?rio, com o uso de m?o de obra infantil ind?gena e negra, sobretudo nas fazendas.

Ao longo do tempo, modificaram as atividades laborais, mas a explora??o do trabalho precoce ainda atingia n?meros excessivos.

Desde a ?poca da Col?nia e do Imp?rio as crian?as ind?genas e escravas eram incorporadas ?s atividades das fazendas, das casasgrandes e engenhos como for?a produtiva e m?o-de-obra barata, vivenciando j? bem novos a realidade do trabalho. E mesmo com a aboli??o da escravatura a realidade das outrora escravas n?o mudou muito, visto que novas estrat?gias foram criadas pelos senhores de engenho para preservar as rela??es sociais de trabalho e dar continuidade ? explora??o da m?o-de-obra infantil existentes na ?poca (DEL PRIORE, 1999, p. 20).

No in?cio do s?culo XIX, come?aram a surgir algumas tentativas normativas de prote??o ? inf?ncia, como ? o caso do projeto apresentado por Jos? Bonif?cio, na Constituinte de 1823, que visava ? prote??o dos filhos de escravos, dispondo que "[...] a escrava, durante a prenhez e passado o terceiro m?s, n?o ser? ocupada em casa, depois do parto ter? um m?s de convalescen?a e, passado este, durante o ano n?o trabalhar? longe da cria" (VERONESE, 1999, p. 11).

Entretanto, as Constitui??es de 1824 e 1891, a do Imp?rio e a primeira da Rep?blica, respectivamente, foram omissas com rela??o ? inf?ncia. Nascimento (2003) cita que a primeira lei a proteger a inf?ncia no Brasil foi editada pelo Decreto n.? 1.313, de 17 de janeiro de 1891, ou seja, ap?s a aboli??o da escravatura. Pelo decreto sobredito, o legislativo brasileiro buscou um ajustamento da pol?tica brasileira ?s pol?ticas adotadas por pa?ses estrangeiros em rela??o ao trabalho infantil.

Apesar das v?rias tentativas de regulamentar o trabalho infantil, o que ocorria no Brasil, no come?o do s?culo XX, com o primeiro surto da industrializa??o brasileira, era um grande n?mero de crian?as e adolescentes trabalhando na ?rea industrial, que se sujeitavam ?s longas jornadas de trabalho em condi??es m?ximas de explora??o, j? que inexistiam leis ou organismos que fiscalizassem com efici?ncia tais empresas (VERONESE, 1999).

J? na Constitui??o de 1988, foi restabelecida a idade m?nima de 14 anos de idade para o ingresso no mercado de trabalho, salvo na condi??o de aprendiz a partir dos 12 anos, e tamb?m foi eliminada qualquer possibilidade de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, aos menores de 18 anos (BRASIL, 2006).

Dois anos ap?s a promulga??o da Constitui??o de 1988, foi publicada a Lei n? 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Crian?a e do Adolescente (ECA), especificamente voltado para ordenar juridicamente mat?rias relativas ? prote??o de crian?as e adolescentes em v?rias ?reas.

Todo o aparato legal visa a atender a uma concep??o, que se intensificou na segunda metade do s?culo XX e, no Brasil, se materializou no ECA, de que lugar de crian?a ? na escola, e que cabe ao Estado combater formas veladas ou expl?citas de explora??o de m?o de obra infantil, agindo, simultaneamente, a favor da educa??o e do futuro de crian?as e adolescentes.

2) Procedimentos Metodol?gicos

O projeto de interven??o pedag?gica foi colocado em pr?tica no primeiro semestre de 2017, com alunos do 8? ano do Ensino Fundamental, na Escola Estadual Dr. Antenor P?mphilo dos Santos- EF, no munic?pio de Ipor?/PR. As atividades foram dispostas em cinco etapas, totalizando uma carga hor?ria de 32 horas.

2.1. Primeira etapa: introdu??o ao tema

Nessa primeira etapa foi apresentada a todos os alunos a inten??o da pesquisa, juntamente com o material e o objetivo pretendido, visando, com isso, explicar a ideia que nortearia a atividade e as pr?ticas que seriam desenvolvidas nesse sentido. Essa primeira etapa foi dividida em duas partes.

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