TEXTO



capítulo I

Psicologia da gravidez

“ANUNCIADO, O FILHO TOMOU LUGAR NA LINGUAGEM”

SZEJER, 2000; P.113.

1.1. PRÉ HISTÓRIA DA GESTAÇÃO

A história de cada um começa muito antes do nascimento e mesmo da concepção. Nossa existência enquanto sujeitos é marcada por muitas histórias, ditos, não ditos e mitos familiares que passam de geração em geração até se inscreverem de determinada forma em cada pessoa e contribuirem para a formação de sua personalidade.

Szejer e Stewart (2000) afirmam que cada sujeito é precedido por um banho de linguagem que ajuda a construir sua história. E a cada geração alguma coisa é acrescida a esta história, porém, os momentos mais marcantes incluem: a história daquele casal (como se encontrou, se conheceu, começou a namorar, etc.), a história de cada genitor separadamente, seus conflitos e sua biografia; o projeto da primeira gravidez e as concepções sobre maternidade e paternidade e por fim, a história desta gravidez específica caso não seja a primeira.

O contexto no qual se desenvolve a gravidez é extremamente importante pois a história dos pais e daquela relação irá influenciar no resultado da gestação e nos cuidados com o filho. Que lugar a criança ocupa nesta família? A gravidez foi planejada ou não? Os pais têm um bom relacionamento? Como foi a relação da gestante com sua mãe? Todas estas questões serão aprofundadas mais adiante, no entanto, é preciso saber desde já a importância desta investigação no atendimento à gestante, o que muitas vezes é negligenciado.

Mulheres que elaboraram mal seus traumas de infância e seus conflitos, podem se sentir incomparáveis à mãe, não podendo ser delas este lugar. A gravidez por vezes não ocorre nestas mulheres e quando ocorre vem carregada de problemas somáticos e psicológicos como inúmeras fantasias persecutórias de morte e dor, além de um enorme sentimento de culpa (Trotto, 1989).

A reação da família à gravidez e as idéias pré concebidas sobre um novo bebê na família, também influenciam enormemente nas ansiedades da gestante e podem contribuir para um gestação complicada ou ao contrário, atuar no sentido de aliviar a tensão. Cada membro da família tem que ser remanejado de posição: a irmã passa a ser tia, a mãe passa a ser avó, etc. Nem sempre todos os integrantes estão preparados para esta troca de papel de independe de suas vontades. A maneira como encaram a criação de crianças e as expectativas que possuem em relação a este novo membro da família irão repercutir no casal que espera um filho (Szejer e Stewart, 2000).

Segundo Cabral e Diniz (1998),outros fatores que influenciam bastante no resultado desta gestação são:

O contexto assistencial: Estrutura física do hospital, qualificação da equipe de saúde, entrosamento entre paciente e equipe.

História ginecológica e obstétrica prévia: malformações, abortos anteriores, patologias ginecológicas, entre outros.

Contexto sócio-econômico: Trabalho, lazer, moradia, transporte, contexto comunitário, religião, escolaridade.

O motivo pelo qual o filho é desejado, pode dar pistas de antemão da estrutura de personalidade daquela mulher e de qual será o provável desfecho desta relação. Um exemplo é o desejo de um filho para preencher necessidades neuróticas de um dos pais ou de ambos, como por exemplo, desejar um filho para se sentir útil, ter sempre companhia ou preencher um vazio. A gestação pode também trazer à tona sentimentos de rivalidade com os pais ou com os irmãos, como o caso de irmãs que engravidam quase ao mesmo tempo(Cabral e Diniz, 1998; Ferreira, 1993). Dependendo da disponibilidade e da necessidade do paciente, uma intervenção pode ser feita e mudar o curso desta relação. Outros exemplos de motivações podem ser: para confirmar a identidade sexual, para amar alguém que vai amá-los de volta, para ser imortalizado através de sua história e características (Rosenthal, 1994).

No entanto, o desejo pode ser apenas um desejo de estar grávida e não de ter um filho, o que causaria problemas de relação com a criança nascida. O desejo de gestar é sempre em parte inconsciente, o que explicaria inúmeras gestações não planejadas ocorridas por falhas de anticoncepção, esquecimentos, etc. (Andrade, 2004).

Segundo Szejer (2004), o desejo do pai pela mãe e vice-versa, daria origem ao terceiro desejo que é do bebê, possibilitando a existência e a continuidade da gravidez.

No caso da mulher, segundo a Psicanálise, o desejo de ser fecundada advém da grande valorização do falo. Os primeiros pensamentos acerca de ter e cuidar de uma criança surgem ainda antes do Complexo de Édipo, na relação primitiva com a mãe e isto é atualizado no Édipo, incluindo a figura do pai. Isto acontece com meninos e meninas. Este desejo fica apagado durante o período de latência e é novamente atualizado quando sua realização se torna possível: na adolescência. E assim, os desejos e fantasias em relação a um filho, são integrados à nova estrutura psíquica adulta. Quando a gravidez de fato ocorre, as fantasias da infância e adolescência, ressurgem e os conflitos em relação à figura materna surge com toda força, influenciando nos medos e expectativas da gestante (Kestenberg, 1982).

O desejo de gestar pode ser concebido também como uma sublimação dos impulsos sexuais da menina. A menina pequena estaria grávida de um bebê imaginário filho de seu amor pela mãe e que concentraria partes dela mesma e da mãe. No momento em que percebe que não pode conceber, a criança se revolta e começa a ter desejos de presentear a mãe com um bebê real (Kestenberg, 1982).

Para Freud, a menina aos poucos aceita seu próprio sexo mas um incômodo em relação à feminilidade permanece por muito tempo e só pode ser purgado através da gestação e de um filho preferencialmente do sexo masculino (Considera, 1982). A rejeição da maternidade e da feminilidade, advém da impossibilidade de se identificar com a mãe por conta das relações mal resolvidas e das frustrações impostas a ela (Considera, 1982).

1.2. – Psicologia da Gravidez e Parto

A Psicologia da gravidez não é mais a mesma de antigamente, as novas tecnologias têm exercido um papel importante na Medicina e no estilo de vida de homens e mulheres, fazendo com que a forma como encarem a gestação, seja diferente da de anos atrás quando não existia ultrassom, por exemplo (Rosenthal, 1994).

No entanto, há aspectos que permanecem universais e estes serão abordados a seguir. Racamier (apud Andrade, 2004), compara a maternidade à adolescência pois ambas se tratam de fases de mudança de status, alterações corporais e reativação de desejos infantis. Durante a gestação, a mulher passa do papel de filha para o papel de mãe, porém, isto não significa que psicologicamente essa mudança seja assim tão marcada. Apesar de ser mãe concretamente quando nasce o filho, a construção da maternalidade é eterna e pode se estender por várias gestações. A maternalidade é construída a partir das necessidades do bebê, tanto físicas quanto psicológicas, que vão sendo atendidas pela mãe (Lamour e Barraco, apud Andrade, 2004).

Na construção deste papel, existe três tipos de bebê: o bebê fantasmático que é inconsciente e traz consigo ditos e não ditos familiares. Este bebê influencia profundamente a relação dos pais com seu filho, assegurando a formação do vínculo afetivo. Existe também o bebê imaginário, idealizado, que persiste mesmo após o nascimento, com os planos futuros feitos para aquela criança. E existe o bebê real, da realidade, que se impõe como um desconhecido e pode absorver parte dos dois bebês anteriores de início e depois ir se diferenciando deles e se constituindo como uma pessoa única (Andrade, 2004).

Durante a gestação, a mulher passa por um período de transparência psíquica, conceito da psicanalista Monique Bydlowski (2004). Isso significa que nesse período, fragmentos do inconsciente e pré consciente chegam à consciência mais facilmente, experiências sexuais da infância são mais facilmente lembradas e há uma erotização generalizada do psiquismo, o que facilitaria um trabalho terapêutico no sentido de auxiliar a elaboração de alguns traumas e conflitos. Fantasmas esquecidos afloram sem serem barrados pela consciência. O trabalho nesse período deve ser no sentido de fazer a gestante falar da criança que ela foi para ajudar a criança que vai nascer. A autora percebeu que quando solicitadas a falarem livremente, havia um silêncio sobre a criança e a gravidez e a fala de um sujeito preocupado consigo mesmo e seus dramas (Bydlowski, 2004).

Deve-se ressaltar também a importância do lugar familiar ocupado pela gestante: ela é a primogênita, filha do meio, caçula? Sua visão de gestação se dará a partir deste lugar, como primogênita mimada, filha abandonada em meio a tantos outros, caçula rejeitada pelos irmãos, etc. Em algumas famílias, certos lugares não podem ser ocupados como o do segundo filho, por exemplo, que pode ser sempre preenchido por um natimorto ou aborto, o que significa que a criança que for ocupar este lugar, poderá sofrer as consequências (Szejer, 2004).

Interessante também é a reação em caso de gestação múltipla. Normalmente o homem recebe a notícia de forma positiva pois se sente fértil e vê a possibilidade de ver seu nome transmitido por mais pessoas. Porém, a mulher geralmente recebe de forma negativa pois seu corpo não está preparado para tal e as responsabilidades aumentam, assim como suas angústias e medos (Szejer, 2004).

A reação em relação à notícia de gravidez variam muito de acordo com a singularidade de cada mulher. Para uma mulher que teve responsabilidades muito cedo na vida, a gestação pode ser o último momento para aproveitar seu papel de filha e aflorar suas carências, enfim, ser cuidada. A mulher criada em um ambiente onde o prazer não era livremente experimentado, tende a ficar preocupada e não usufruir plenamente da gravidez pois o segredo de sua sexualidade é agora revelado abertamente. Outra pode se sentir abandonada devido a atenção estar toda voltada para o bebê (Leff, 1997).

Certas mulheres não conseguem abandonar a ambivalência afetiva em relação à própria mãe, fazendo um mecanismo de cisão onde a parte má da mãe fica excluída da consciência e a parte boa é mostrada. Então, a mãe se torna idealizada como algo impossível de se alcançar e se comparar. Algumas mulheres chegam a relegar completamente o trabalho de maternagem à avó do bebê (Leff, 1997). Importante destacar o quanto a avó do bebê influencia na gravidez pois revive seus conflitos, suas próprias gravidezes e pode se sentir idosa, despojada de seu lugar de mãe para se tornar avó, o que pode despertar certa rivalidade aberta ou disfarçaca em relação à filha (Szejer, 2000).

Segundo Tedesco (2002), duas vertentes compõem o mundo emocional da grávida: seu psiquismo atual e sua estrutura de personalidade pré-existente. A seguir, analisaremos alguns destes aspectos.

Didaticamente, a gestação será dividida em três trimestres para melhor compreensão de seus fenômenos, no entanto, nada impede que o sintoma de um trimestre se manifeste em outro ou persista além do tempo “padrão” para a maioria das mulheres e até mesmo de forma mais intensa (Lo Bianco, 1974).

1.2.1- Primeiro Trimestre

A relação da mulher com a gravidez e com o filho, se inicia a partir do momento que ela se percebe grávida, consciente ou inconscientemente. O grande desafio psíquico deste período e ver-se grávida e aceitar esta nova realidade, iniciando assim um reajuste de papéis; de filha para mãe, de filho para pai. Isto envolve um luto pela perda dos papéis anteriores e pelo corpo não grávido (Hallal, 1984).O conflito gira em torno da confirmação da gravidez, feita por exames laboratoriais, testes de farmácia, ultrassonografia ou pelos primeiros sintomas (Cabral e Diniz, 1998). Neste período predominaria a fixação na fase oral (Kestenberg, 1982). Em resumo, a tarefa-mor desta etapa da gestação é incorporar o feto como parte de seu self (Rosenthal, 1994).

Pode se confundir uma gestação não planejada com uma gravidez rejeitada mas mesmo que o filho não estivesse nos planos do casal, a gestação pode ser rapidamente aceita (Rosenthal, 1994).

Surgem também as primeiras iniciativas de interrupção da gravidez. Bydlowski (2004) afirma que por trás de alguns desses pedidos haja um medo de desmoronamento psíquico se a gravidez continuar porque estas mulheres têm um equilíbrio narcísico precário e se vêem invadidas por inúmeras angústias primitivas. Alguns autores afirmar também que certas mulheres engravidam apenas com o desejo de abortarem, sendo esta uma forma de punição masoquista.

Segundo Szejer (2004), o aborto é resultado de um conflito entre desejo e impossibilidade onde predomina a sensação de incapacidade. Trata-se de uma impossibilidade psíquica e não de um capricho. Segundo Kestenberg (1982), a boa vontade do marido parece ser decisiva em relação à aceitação ou rejeição da gravidez e na iniciativa do aborto.

Um dos primeiros sintomas parece ser a inquietação e a percepção de algo diferente. O conhecimento inconsciente da gravidez pode se manifestar através de sonhos e atos falhos, por exemplo (Ferreira, 1993).

Segundo Consonni et al. (2003), a incerteza da gravidez permite uma brincadeira imaginária por parte da mulher de se imaginar mãe ou não. Pode negar a gravidez ou aceitá-la, o que não poderá ser feito diante da realidade da confirmação. A confirmação da gestação é dada pela palavra de ordem do médico, que como autoridade, acaba com a incerteza e anuncia “Você está grávida” (Szejer, 2004).

Durante todo trimestre a mulher manifesta uma grande ambivalência afetiva em relação ao feto. Por um lado o deseja, por outro não. Esta ambivalência persiste por toda a gravidez, sendo que nos trimestres seguintes, geralmente predomina um dos lados. Nunca a gravidez é cem por cento aceita ou rejeitada. O desfecho dependerá da forma como a mulher administra a a culpa e a angústia geradas por esta ambivalência (Consonni et. al, 2003 ).

Segundo Leff (1997) o foco passa gradualmente da gestação para o bebê através dos trimestres.

Neste semestre predominam também os sintomas que indicam a adaptação do corpo ao novo estado. Segundo Lo Bianco (1974) “ o pensamento da sociedade acerca da inevitabilidade ou não de certos sintomas irá determinar a presença ou ausência dos mesmos (p.41).” Serão citados alguns exemplos:

Náuseas e Vômitos: Para Barron e Lindheimer (1991), esses sintomas caracterizam manifestações de ambivalência em relação à gestação, rejeição, imaturidade e medo da feminilidade. Pratarotti (1984) e Lo Bianco (1974) afirmam também que os vômitos podem manifestar uma incerteza com relação à gravidez e conferirem à mulher um status de gestante. Trotto (1989) afirma que os vômitos nem sempre significam uma rejeição à gravidez mas talvez ao ambiente que cerca a gestante ou alguma pessoa específica. Brown (1979) acrescenta ainda que os vômitos podem demonstrar reações de nojo e ansiedade em relação ao estado gestacional.

Hipersonia: A psicanálise associa o excesso de sono a uma regressão da gestante e identificação com o feto (Cabral e Diniz, 1998). Nesta época, a mulher se torna introspectiva e costuma se isolar dos demais. Isto atua como uma defesa que mantém conflitos emergentes, reprimidos e constribui para que as exigências fisiológicas sejam atingidas (Pratarotti, 1984).

Excesso de apetite: Pode ser associado à crença de ter que comer por dois, à fantasia de que o feto suga todas as suas reservas de energia (sendo portanto um elemento persecutório), à presença de sentimentos de hostilidade em relação ao feto, encoberta por uma vontade de fazê-lo viver e ficar forte e também à crença de que ao se alimentar, formará um filho com saúde perfeita (Cabral e Diniz, 1998; Ávila, 1998). Ao comer, a grávida alivia também suas ansiedades, já que o desejo de comer está ligado à ansiedades orais primitivas (Consonni et al, 2003). O excesso de apetite também pode envolver fantasias primitivas de que a concepção se dava pela boca (Trotto, 1989). Além disso, segundo Àvila (1998), a grávida “come” tudo o que lhe falta em afeto.

Desejos e Aversões: Podem ser explicados por alterações bioquímicas mas em alguns casos, manifestas deficiência de determinados minerais, expressa na vontade de comer terra ou tijolo, por exemplo, e também têm um forte componente psicológico, demonstrando insegurança, necessidade de atenção, regressão e ambivalência (Cabral e Diniz, 1998). Szejer e Stewart (2000), assinalam a importância desses desejos para a consolidação do papel de pai pois o homem percorre a cidade para encontrar algo que vá beneficiar seu filho. Trotto (1989) assinala uma regressão nos desejos, pois a mulher se comporta como uma menina caprichosa que quer ver realizadas todas as suas vontades. Para Szejer (2004), os desejos são o primeiro discurso do feto, que manifesta suas vontades.

Oscilações de Humor: Atribuídas costumeiramente à fatores hormonais, têm influência dos fatores psicológicos como a difícil tarefa de trocar de papel dentro da família e o sentimento de solidão por ter que passar por essa experiência sem ninguém poder substituí-la. Na experiência hospitalar, verifica-se também que algumas mulheres se utilizam da gestação para satisfazerem suas carências afetivas, mostrando-se mais frágeis, dependentes e submissas. Lo Bianco (1974) afirma que esta maior vulnerabilidade da mulher se deve ao fato de não poder resolver seus problemas com as estratégias utilizadas habitualmente, sendo um momento de grande tensão psíquica.

O primeiro trimestre caracteriza-se também como período de risco de abortamento, o que transparece normalmente em sonhos nos quais aparece sangue (Pratarotti, 1984).

1.2.2- Segundo Trimestre

Este trimestre se caracteriza pelo início dos movimentos fetais, onde a mulher começa a personificar o feto dependendo de como se move. Pode pensar que ele é mais agressivo, carinhoso, sonolento, etc. Imagina também seu rosto, a cor dos olhos e começa a fazer planos mais concretos para o filho, assim que sua barriga cresce e fica mais visível (Cabral e Diniz, 1998). Segundo Kestenberg (1982), a personificação do feto segundo seus movimentos é movida inconscientemente pelo ideal de ego da mãe, formando com grande influência de um superego punitivo. Neste trimestre costumam surgir as primeiras idéias sobre o nome do bebê, são comprados os objetos do enxoval e a relação pais-filho se torna mais sólida, principalmente por parte do homem, que através dos movimentos fetais, sente a concretude de seu filho e pode começar a estabelecer com ele um comunicação (Barron e Lindheimer, 1991). Durante este trimestre começam a aparecer alterações na sexualidade do casal, normalmente tendendo à inibição sexual pela ausência de desejo de um ou de ambos pois em nossa cultura, os papéis de mãe e mulher não podem ser misturados. Em alguns casos pode ocorrer aumento do desejo sexual por se sentir madura e fértil enquanto mulher ou pela despreocupação com a anticoncepção (Cabral e Diniz, 1998). Algumas mulheres ainda sentem o ato sexual como importante pois o sêmem do marido estaria alimentando o feto e possibilitando seu bom desenvolvimento (Kestenberg, 1982). Este é o período de maior estabilidade emocional da gestação pois o primeiro impacto da notícia já foi diluído, as manifestações somáticas diminuíram bastante e o parto ainda está distante. No entanto, uma preocupação neste período é evidente: com o crescimento da barriga e a modificação dos seios, surge o medo de ficar deformada e não voltar ao corpo original, o que pode ser interpretado também como medo de não voltar à identidade anterior e se tornar uma pessoa desconhecida de si mesma, um ser humano com mais perdas do que ganhos (Consonni et al., 2003). Pode surgir também a vergonha de andar na rua pois a gravidez demonstra o exercício da sexualidade, o que é problemático para algumas mulheres (Hallal, 1984). Porém, para Szejer (2004), este período não é assim tão estável, havendo o surgimento de pesadelos e terrores noturnos que substituiriam os sintomas somáticos do primeiro trimestre.

A partir deste trimestre, as fantasias e necessidades infantis aparecem com maior clareza e intensidade, demonstrando uma maior regressão. Destaca-se o surgimento destes desejos mesmo em mulheres antes maduras e sem problemas psicológicos. A mulher retira libido dos objetos e vai introjetando a libido cada vez mais, dirigindo-a ao próprio eu, se tornando cada vez mais narcísica, o que é necessário para a boa continuidade da gestação (Lo Bianco, 1974). As mulheres com um forte elemento masculino na personalidade podem se rebelar contra a dependência de outras pessoas e se tornarem insones e agitadas, tentando manter o mesmo ritmo anterior.

Ressalta-se ainda, o comentário da maioria das mães de que o bebê “chuta”. Segundo Soifer (1980), essa imagem do bebê agressivo é uma projeção fantasiosa de elementos persecutórios da própria personalidade. O medo de ser agredida, invadida e destruída pela própria mãe, o que também pode se manifestar na crença de que o bebê a suga por inteiro. Este medo do bebê “perseguidor” parece ser muito mais intenso nas mulheres inférteis (Langer, 1981).

1.2.3- Terceiro Trimestre

Este é sem dúvida o período de maior ansiedade para a maioria das gestantes por conta da aproximação do parto. Costumam surgir fantasias de conteúdo persecutório como: medo de ficar dilacerada, alargada, de estrangular o bebê por ter a vagina estreita, de morrer no parto, não saber reconhecer os sinais, etc. Estas fantasias são um misto de desinformação e mitos previamente existentes em sua família ou comunidade (Cabral e Diniz, 1998).

Os conflitos deste trimestre teriam caráter uretral-expulsório (Kestenberg, 1982).

Pratarotti (1984) afirma que as fantasias de um filho malformado são tão intensas quanto a crença da mulher em sua bondade ou maldade interior. Se através da relação com a mãe, se vê como uma pessoa má, imagina que a mesma deteriorou seu interior em vingança aos desejos incestuosos da filha. Sendo imperfeita por dentro, não pode gerar nada bom. O medo de morrer no parto aparece também como um desejo inconsciente de ser castigada por usufruir de sua sexualidade.

Neste trimestre surge ou se exacerba a preferência por um sexo específico. A preferência por um ou outro sexo demonstra os conflitos da gestante, suas identificações e seus mitos originários da cultura como: menino dá menos trabalho, menina faz companhia à mãe, entre outros. Segundo a Psicanálise, o desejo de um bebê do sexo feminino, se reflete em uma identificação com a mãe pré edípica, enquanto o bebê do sexo masculino é a imagem do pai ou de um substituto (Kestenberg, 1982). Segundo Ávila (1998), o desejo de um feto masculino, demonstra ainda a vontade de não competir com outra mulher e continuar com seu papel garantido, dando a luz a alguém diferente dela.

Neste trimestre também podem haver sonhos em que a mulher já aparece com o bebê nos braços ou crescido, manifestando a fantasia de poder não vivenciar o parto. No marido evidencia-se o medo de perder a esposa no parto, como uma manifestação de culpa inconsciente por ter feito “mal” a ela (Pratarotti, 1984).

Surge também outro tipo de ambivalência: a vontade de ver o bebê, se livrar do peso da barriga e o medo do parto e a vontade de continuar desfrutando das regalias da gravidez, além do medo de não saber cuidar do bebê. Surgem o medo do parto e os alarmes falsos deflagrados por crises ansiosas, além do medo de algumas mulheres de terem o filho morto dentro de si por não perceberem seus movimentos (Consonni et al, 2003).

Nesta época surge normalmente um constipação intestinal ligada à fantasias de que a concepção se dava pelo ânus, manifesta como uma retenção do bebê. Pode haver também uma relação inconsciente entre diarréia e aborto (Trotto, 1989).

No terceiro trimestre, ocorre também a versão do bebê no útero, por volta do sétimo mês, o que pode ser muito ansiógeno. Algumas mulheres percebem com isso que o bebê já não depende dela e que o parto se aproxima e é incontrolável. Pode haver fantasias de esvaziamento e a ansiedade ser muito alta a ponto de desencadear um parto prematuro (Soifer, 1980). A versão do bebê pode ser extremamente ansiogênica a ponto de favorecer a contratura dos músculos pélvicos, levando a uma posição patológica do feto ou ainda, antecipando o parto ou causando um aborto espontâneo (Àvila, 1998).

1.2.4- Parto

O parto é um momento muito temido por muitas gestantes, especialmente por ser um evento desconhecido e incontrolável do ponto de vista consciente (Cabral e Diniz, 1998). A mulher só pode sabê-lo por meio do relato de outras mulheres e dos profissionais de saúde. Normalmente se ouvem relatos dramáticos que repercutem na primigesta, causando temores e expectativas irreais. Surge também o medo da anestesia dada “na coluna” que pode deixá-la paralisada e assusta talvez mais do que o próprio parto (Consonni et al, 2003).

Para Faerchtein (2004), o parto é um momento de atualização da relação da gestante com sua mãe. O medo tão comum de ter um filho imperfeito, adviria do medo inconsciente de ser punida por ter invejado um dia a mãe. O parto reativa também a angústia de separação vivida com os primeiros objetos, entre eles, a mãe. É o primeiro passo de separação do filho da mãe, como se a mulher perdesse parte de si mesma (Consonni et al, 2003).

O medo do parto inclui também o medo do desconhecido que é o bebê e o sentimento de impotência diante de seus cuidados. O parto pode ser vivido como uma separação dolorosa e lenta e dependendo de como a gestante o conceba, pode influenciar nas mais variadas patologias obstétricas (Consonni et al, 2003). A mulher pode se sentir sozinha nesta experiência, já que ninguém poderá parir em seu lugar, além disso, o parto é a prova final de sua capacidade como mulher: será o filho saudável ou não? (Trotto, 1989).

O parto é muitas vezes um momento de grande constrangimento pois a menina, educada para sentar sempre com as pernas fechadas, agora exibe seus genitais a várias pessoas, algumas podem ser do sexo masculino, e é obrigada a conhecer seus genitais e o movimento de seu corpo, sempre negado e escondido (Maldonado, 1984).

Depois do parto, a mulher não será mais gestante e deixará de ser o centro das atenções da família, além de ter que se encaixar na nova posição de mãe e assumir todas as responsabilidades. Isto poderá influenciar no medo do parto (Trotto, 1989).

Muitas mulheres têm a fantasia de repetir em seu parto, o parto de sua mãe. Isto não mostra apenas uma forma da mulher se sentir segura com uma realidade conhecida, mas inconscientemente representa o próprio renascimento (Kestenberg, 1982).

Pode surgir também a grande ansiedade pela espera do bebê e o medo do desconhecido do parto se exacerbar a tal modo que se opte por uma cesariana, processo já conhecido e tranquilizador por não exigir uma posição ativa da mulher, não necessitar da posição ginecológica e ser dito como um parto sem dor devido à anestesia (Hallal, 1984).

Um temor frequente é o de dar à luz a um monstro. Este monstro imaginário personifica os próprios impulsos destrutivos da gestante em relação ao filho, aos pais, ao marido, aos irmãos ou a alguém do passado da gestante (Langer, 1981).

Caron (2000) observou que as mulheres que mais apresentam transtornos relacionados ao parto, são mulheres pouco maduras, dependentes da mãe e rígidas, que não conseguem se ver no papel de mulher e assumir novas responsabilidades, justamente por terem pouca flexibilidade psíquica. Ao contrário do que se pode pensar, a atitude da mulher durante a gestação, não prediz sua atitude no parto (Rosenthal, 1994).

O medo do parto, no entanto, não é apenas fantasia, a mulher pode se confrontar pela primeira vez com o conceito de morte, especialmente no caso de cesariana, que é uma cirurgia e envolve todos os riscos de tal (Soifer, 1980).

1.3. Psicopatologia da Gravidez

Para Loreto (2004) e Greenhill e Friedman (1974) a gravidez pode exacerbar conflitos psicológicos pré existentes, fazer eclodir psicopatologias ou funcionar como protetor da saúde mental da mulher.

Terminada uma breve discussão sobre o rumo psicológico de uma gravidez normal, se seguirão alguns dados sobre a psicopatologia da gravidez e suas principais manifestações:

Negação da Gravidez: Por que algumas mulheres mesmo com muitos meses de gestação não se dão conta da gravidez e por vezes procuram auxílio médico achando estarem doentes? É o caso da Srta. A., negra, 16 anos, aparece na emergência de um Hospital Universitário dos Estados Unidos dizendo ter inchaço, dores e uma massa abdominal. Com um simples raio X, verifica-se a gravidez. Nem a paciente, nem a mãe dela, nem o namorado e nem os médicos suspeitaram da gravidez de início. A partir deste caso, Milden, Winegardner e Smith, do departamento de Psiquiatria de um Hospital Maternidade americano, decidiram fazer uma pesquisa sobre esse tema.

Segundo os autores, a negação da gravidez é um fato corriqueiro, porém se torna cada vez mais raro considerados os últimos meses. A questão principal da pesquisa é se a negação da gravidez ocorre apenas em psicóticos.

Revisando a literatura, os autores descobriram que não há um perfil da mulher que nega a gravidez mas três posibilidades entre os casos estudados:

- O esquizofrênico paranóide: Mulheres que insistem em estar inchadas por algum tipo de gás, confundindo o trabalho de parto com uma menstruação forte e cólicas por indigestão. A negação nestas mulheres aparece como uma dificuldade em testar a realidade e uma defesa contra violentos impulsos dirigidos ao feto (Slayton e Soloff, 1981 apud Milden, Winegardner e Smith, 1985).

- O paciente borderline, deficiente mental ou com transtorno de personalidade: A negação se manifesta porque não teria havido um bom cuidado materno ou privação deste contato, fazendo com que estas mulheres não pudesse se cuidar e nem cuidar de outrem, por vezes ferindo os bebês para não serem feridas. Como se houvesse um pacto de silêncio entre a mulher e a família para esconder a gravidez (Brozosky e Falit, 1971 apud Milden, Winegardner e Smith, 1985).

- O paciente histérico: O grupo com melhor funcionamento mental, produtos de famílias extremamente religiosas, com pressão para serem bondosas e evitar os impulsos sexuais. A negação seria devida a um conflito familiar onde a mulher se separou geograficamente mas não psicologicamente dos pais (Bascom, 1977; Milstein, 1983 apud Milden, Winegardner e Smith, 1985).

Com sua amostra de oito pacientes, a pesquisa demonstrou que essas mulheres eram muito dependentes das mães e havia um conluio de silêncio, fazendo com que chegasse muitas vezes à emergência com “dores estomacais”. Na amostra, surgiram pacientes caminhando para uma esquizofrenia , relação simbiótica com a mãe, mulheres rígidas, moralistas e inocentes e relação ambivalente, próxima e regressiva com as mães (Milden, Winegardner e Smith, 1985).

Rosenthal (1994) confirma a existência das 3 categorias acima citadas e acrescenta o fato de a negação ser frequentemente inconsciente, num processo onde o indivíduo tenta manter longe de si uma realidade inaceitável. O parto destas pacientes pode ser acompanhado por um surto psicótico, inclusive.

Hiperemese Gravídica: A hiperemese gravídica não é uma doença psicológica. Caracteriza-se por um quadro de vômitos incoercíveis, seguido por desequilíbrio hidroeletrolítico, cuja ocorrência é entre dois e três casos a cada mil partos (Galhardo e Ribeiro,2000). Entre os fatores que contribuem para este quadro estão: hormônios (HCG, hormônio da tireóide, progesterona), fatores imunológicos e fatores psicossomáticos. No entanto, serão discutidos aqui os aspectos emocionais relacionados a esta patologia que estão estreitamente relacionados com seu aparecimento. Segundo Goffi e Bagnoli (1978), a hiperemese seria causada por uma nítida ambivalência em torno da gravidez, além de gerar instabilidade psicológica e emocional. Galhardo e Ribeiro (2000), destacam a rejeição da gravidez como mola da patologia, assim como a tentativa de expulsão de algo desagradável no interior da mulher, a rejeição da feminilidade e do papel de mãe, a angústia com a nova situação e a rejeição ao coito, ao marido, autopunição ou imaturidade psicológica. Segundo Brandão (1988) dever-se-ia evitar afirmações taxativas como a de que a mulher quereria “vomitar” o filho. Guze (apud Haynal e Pasini, 1983) fala ainda de traços histéricos presentes nas mulheres com hiperemese.

Brown (1979) considera a hiperemese como fruto de culpa, conflito e estresse situacional, que normalmente são aliviados na admissão hospitalar. Nina (1997) aponta a presença de vômitos em mulheres predominantemente imaturas e dependentes de suas mães com alterações psíquicas antes da gravidez. Segundo este autor, o prognóstico seria bom pois estas pacientes teriam seus conflitos menos reprimidos, com maior possibilidade de elaboração durante a gravidez.

Rosenthal (1994) acrescenta que os vômitos são frequentemente associados à dores abdominais e representam uma somatização, ou seja, uma expressão de conflitos psicológicos pela via do corpo.

Schwab (1921 apud Langer, 1981) já considerava a hiperemese como uma tentativa de suicídio disfarçaca, uma espécie de greve de fome para protestar contra a gravidez, o que levaria lentamente à morte por inanição.

De acordo com Leff (1997), o vômito que leva à anorexia, pode significar uma recusa de alimentar o bebê e por consequência, a mãe má projetada nele.

Pseudociese : A pseudociese ou gravidez imaginária, muito comum em animais, é rara entre os seres humanos. Muitos autores destacam esta patologia como associada à desejo e pavor da gravidez na impossibilidade momentânea ou definitiva da mesma (França e cols., 1987; Pinheiro, 1988; Goffi e Bagnoli, 1978; Haynal e Pasini, 1983). Haynal e Pasini (1983) acrescentam ainda as seguintes motivações inconscientes: profundo desejo de gravidez para agradar ao marido, restabelecer um relacionamento ou ser novamente o centro de interesse. Normalmente os sintomas persistem e são recidivantes. Entre eles estão: produção de leite (galactorréia), aumento do volume do abdômen, ganho de peso, náuseas e até mesmo um possível falso trabalho de parto. França e cols. (1987) destacam o papel da depressão no surgimento da pseudociese e surgerem que o tratamento seja feito em primeiro lugar com esclarecimento da falsa gravidez e do entendimento de que não é um fingimento, para em seguida haver um tratamento psicoterápico. Pinheiro (1988) destaca ainda o fato de mulheres obesas por vezes se imaginarem grávidas quando possuem este desejo. O autor afirma que estas pacientes são de difícil manejo por não acreditarem que a gravidez é imaginária, só cedendo quando vêem a ultrassonografia ou raio X. Destaca também o fato de a pseudociese ser uma defesa contra a depressão mental.

Brandão (1988) destaca a importância de fatores endocrinológicos na gênese da pseudociese, sendo estes no entanto, secundários, e alerta para o fato de ter cautela no diagnóstico de gravidez em mulheres inférteis e muito desejosas de filhos.

A evolução da pseudociese é variável. Os sintomas podem desaparecer de súbito ou próximas da data do parto, estas mulheres podem sumir e reaparecer dizendo que o bebê sumiu ou morreu. Quando “descobertas” podem manifestar negação, dor ou vergonha por terem “fingido” esse tempo todo (Haynal e Pasini, 1983). Normalmente estas pacientes continuam afirmando estarem grávidas e procuram diversas instituições, se sentindo acusadas de mentir ou de estarem loucas (Quayle, 1997). A autora menciona um caso atendido por ela, onde a paciente, de 17 anos, usa inconscientemente a pseudociese para forçar o casamento com um primo por quem é apaixonada.

Segundo Quayle(1997) a pseudociese pode aparecer em homens e até mesmo em crianças e mulheres idosas. Estaria associada a sentimentos de culpa pela sexualidade, o desejo de uma gravidez não pelo filho mas pelos ganhos secundários, desejo de auto-punição (pela decepção que adviria) ou proteção contra o abandono de um parceiro ou familiar. A mulher demonstraria conhecimento inconsciente da patologia pois dificilmente se submeteria a exames (Rosenthal, 1994).

Para Rosenthal (1994), é ainda necessário diferenciar a verdadeira pseudociese dos seguintes casos: mulheres psicóticas onde a gravidez é um delírio, mulheres que simulam a gravidez em busca de ganhos secundários, patologias orgânicas como tumor pélvico e falsa gravidez advinda do excesso de hormônios administrados a mulheres inférteis.

Depressão: Nesta categoria, por vezes se unem várias patologias como depressão pós parto, psicose puerperal, baby blues e luto. No entanto, apenas a depressão gravídica será considerada para fins deste estudo. Estima-se que de 25% a 35% das mulheres tenham sintomas depressivos durante a gravidez, a maioria dos estudos identificou preponderância no primeiro trimestre (Kitamura et. Al, 1993; Kumar e Robson, 1984 apúd Yonkers e Steiner, 2001). Loreto (2004) assinala a presença de sintomas pessimistas em cerca de 70% das gestantes, sendo que apenas 16% preenchem critérios para depressão.

Brandão (1988) assinala o surgimento de um quadro de apatia e falta de interesse no segundo trimestre da gestação, especialmente em mulheres dependentes de suas mães e que se sentem incapazes de cuidar do recém nato. Mulheres estas, que em geral não se dão bem com seus maridos e sentem aversão aos filhos.

Del Rey e cols. (2000) aponta a associação entre expectativas negativas e o desenvolvimento de ansiedade e depressão durante a gravidez.

A depressão é mais comum no pós parto pois se associa à falta de capacidade para cuidar do bebê que certas mulheres se atribuem. No entanto, podem surgir depressões durante a gestação, que se supõe, sejam de qualidade diferente mas isto ainda não é claro. Deve-se imediatamente sondar o risco de suicídio e fazer as intervenções possíveis, inclusive medicamentosas se necessário (Rosenthal, 1994).

Segundo Bydlowski (2004), durante a gravidez, há uma volta do passado no psiquismo da gestante, devido ao afrouxamente de suas defesas, o que surge sob a forma de um afeto doloroso e uma tristeza irracional. Esse fenômeno poderia ser entendido como depressão mas antes de dar este diagnóstico, dever-se-ia investigar as primeiras idéias sobre gestação que esta mulher teve e de que forma foi invadida por este desejo.

Para Szejer (2004) faz parte da gravidez normal, que a mulher precise se diminuir, se deprimir para permitir o fortalecimento do embrião e seu surgimento como pessoa. As crises de choro normais, aparecem também como luto pelo papel de filha.

Fobia de Gravidez e Parto: Citada por Haynal e Pasini (1983), esta psicopatologia caracteriza-se por um medo irracional e desproprocional em relação ao acontecimento. O parto normalmente concentra muitos temores, mas estes podem ser levados ao extremo, causando grande angústia, podendo levar a uma descompensação psicótica. A estrutura de personalidade mais pregnante nesses casos é a neurose fóbica com um núcleo psicótico subjacente. Os autores caraterizam estas mulheres como sendo infantis, egocêntricas e temendo a penetração. A fobia do parto se manifestaria como medo de estrangular a criança. O prognóstico é em geral favorável, com exceção de mulheres que temem ser mães ruins e dar a luz a um monstro. Nestes casos, podem haver descompensação psicótica e/ou psicose puerperal, sendo necessário um acompanhamento mais próximo da gravidez.

Neuroses: Segundo Pratarotti (1984), as neuroses podem surgir ou se exacerbar no caso de mulheres que mantém o equilíbrio psicológico de forma precária e têm dificuldade de se adequar ao papel de mulher e de mãe. Geralmente surge ansiedade de forma difusa que pode chegar ao pânico. Surge também a histeria, que pode apresentar fenômenos conversivos ou dissociativos. A paciente se comporta como uma pessoa cheia de caprichos, que quer atenção e por vezes manipula as outras pessoas através de sedução. A paciente reclama todo o tempo e apresenta queixas difusas. A ansiedade difusa aparece para Del Rey e cols. (2001) como a psicopatologia mais presente entre as gestantes de sua amostra. Rizzardo e cols. (1985) aponta a ansiedade, em combinação com outras variáveis, como sendo preditora de complicações obstétricas, assim como a qualidade do suporte social prestado à mulher e o estresse sofrido.

Segundo Nina (1997), o estado mental é inespecífico e manifesta-se como irritação, confusão e até mesmo elação. A ansiedade é um estado básico e necessário, que no entando pode se organizar como uma forma patológica de defesa. A angústia surge como manifestações corporais de aperto no peito, nó na garganta, suor e calafrios. O pânico pode surgir como uma forma extrema de ansiedade, sendo súbito e agudo, paralisando o sujeito.

1.4. Considerações Sobre a Ultrassonografia em Obstetrícia

Faz-se mister falar da ultrassonografia em Obstetrícia como um tópico à parte pois as implicações deste exame não são poucas e interferem na dinâmica psicológica das gestantes, como vantagem ou desvantagem neste processo.

A psiquiatra Nara Amália Caron (2000) possui uma equipe de observadores atuando em uma clínica ultrassonográfica do Rio Grande do Sul e traz algumas contribuições importantes acerca deste momento do exame.

Segundo esta autora, o primeiro ultrassom é como se fosse um parto antecipado, que coloca frente a frente pais e bebê real antes do momento em que a mulher está psicologicamente preparada. Antigamente, com poucos recursos, isto só ocorria no momento do parto. Hoje, a confrontação do bebê real com o bebê da imaginação dos pais ocorre bem antes. A ultrassonografista funciona como se fosse uma parteira, mostrando à mãe pela primeira vez seu filho. Este momento pode suscitar trauma e desorganização para mulheres psicologicamente não preparadas ou em casos em que há notícia de malformação ou morte do feto. O clima deve ser sempre acolhedor e a médica deve estar disponível para responder às dúvidas surgidas neste momento, além de proporcionar algum suporte emocional quando a reação da mulher é muito intensa.

O feto normalmente carrega expectativas e frustrações em cima de si. Sua figura é desejada ou rejeitada de acordo com a fantasia que se faz sobre ele. O momento do ultrassom é um desafio à capacidade dos pais de elaboração, reflexão e flexibilidade, além de testar os limites de sua ambivalência e narcisismo (Caron, 2000). É um momento que marcará para sempre a relação da dupla.

A reação da mulher é muito variada, indo desde um interesse por uma gravidez antes rejeitada, até dificuldade de ver o feto na tela mesmo quando explicado várias vezes. A mulher pode perceber de súbito a grande responsabilidade que a aguarda e tomar consciência do seu papel de mãe. A mulher também pode usar a tela para “segurar” o bebê dentro em si em casos que sofre ameaça de aborto espontâneo. Muitas vezes a imagem real não consegue redimensionar medos e fantasias, daí a insistência da pergunta : “É normal?”

A autora observou o medo e a regressão das gestantes diante do primeiro exame, da confrontação de suas fantasias com a realidade, sendo que ao final, já estavam mais descontraídas e recompostas.

Um outro aspecto importante é a reação diante do sexo do feto, sendo predominante a tristeza quando o sexo é feminino, dada a desvalorização da mulher em nossa cultura. Outras vezes, a reação da mulher é favorável mas o homem reage com desprezo, pode fazer ameaças à mulher, bater a porta da sala ou simplesmente permanecer indiferente.

A presença do observador pareceu ter um papel tranquilizador para as mulheres, alguém com quem poderiam conversar ou simplesmente quem pudesse ouví-las, a sensação do “estar com”. Sugere-se que este é um novo campo de atuação para o psicólogo.

1.5 – Mecanismos de Defesa na Gravidez

Segundo Caron (2000), a gravidez é um momento de afrouxamento das defesas psíquicas e maior transparência do inconsciente, devido ao grande processo de elaboração que deve acontecer em termos de papel familiar e atualização de conflitos. No entanto, os mecanismos de defesa continuam operando para impedir o encontro da mulher com o insuportável de seus conflitos. Os principais mecanismos de defesa na gravidez são:

1) Negação: Usada especialmente para resolver o conflito da ambivalência. De um lado, uma tendência maternal e um desejo de dar filhos ao marido, ao pai, à mãe, etc., de outro, um terror de ter filhos, gerado pelos conflitos edípicos pendentes. De uma forma patológica, pode aparecer em mulheres que confundem a gestação com amenorréia ou outras patologias. No momento do parto, a negação pode aparecer como dissociação da personalidade e do corpo, como se o corpo fizesse o parto sozinho(Soifer, 1980). Pode haver também uma negação do corpo grávido, se manifestando na recusa de vestir roupas superiores ao seu tamanho ou no desenho de mulheres não grávidas repetidas vezes em um teste psicológico (Ávila, 1998).

2) Projeção: A gestante pode identificar o feto a uma imagem de horror, onde ele vai sugá-la, devorá-la ou chutá-la (como já descrito). Esta imagem se identifica com os impulsos hostis da mulher em relação à própria mãe grávida, sentimentos de inveja, rancor e ódio da fertilidade da mãe se convertem em um bebê perigoso que pode causar danos à coluna, aos rins ou ao intestino da gestante. No momento do parto surge como preocupação com as pessoas da equipe que não aparecem, a colega de quarto ou algum familiar. Se exacerbada, se manifesta como inércia (Soifer, 1980).

3) Mania: Os mecanismos maníacos surgem através das fantasias de ter um filho perfeito, bonito, comparando a bebês de comercial e propagandas, um filho que será leal e fará tudo o que ela deseja. Quando da exacerbação dos mecanismos maníacos, pode surgir uma grávida exultante de felicidade que diz mal se dar conta de seu estágio gravídico. Estes mecanimos vêm dar conta principalmente do temor de malformação do bebê, e normalmente são acompanhados de tentativa de expiação da culpa, masoquismo.Estas gestantes em geral somatizam e apresentam sintomas difusos como cãimbra, enjôo, calores e constipação. No momento do parto, a mulher pode desfazer essa defesa, diante do incontrolável, e entrar em ansiedade paranóide.

O medo do bebê malformado também pode aparecer num excesso de religiosidade ou medo de contrair doenças viróticas, ou ainda, na preocupação com o tamanho reduzido de sua barriga (Ávila, 1998).

Tedesco (2002) cita ainda dois outros exemplos dos mecanismos maníacos: hiperatividade e caprichos.

4) Retraimento Narcisista: Segundo Soifer (1980) este mecanismo é utilizado pela maioria das mulheres, na tentativa de aliviar as ansiedades decorrentes de tantos conflitos atuais e reeditados. É como se elas entrassem em si mesmas, numa tentativa de afastar todos os estímulos . Este mecanismo aparece no parto como uma sonolência da mulher, só respondendo quando se fala com ela.

5) Mecanismos Obsessivos: Surgem sob a forma de controle de tudo e de todos, impossibilidade de entender as indicações (anulação) e confusão de percepções (isolamento) (Soifer, 1980).

6) Fragmentação Esquizóide: A paciente necessita estar rodeada de diversos objetos e pessoas, nos quais ela deposita aspectos de si mesma para conter uma grande angústia de aniquilação. Se desfeito, os objetos se tornam persecutórios e isto leva a uma grande hostilidade da paciente, culminando em atitudes agressivas (Soifer, 1980).

7) Identificação Projetiva: Surge como solicitações de anestesia constantes no parto, o que delega ao médico o controle da situação. Surge também como confiança na equipe de saúde (Soifer, 1980).

8) Regressão: O psiquismo da gestante retorna às fases libidinais onde ficou fixado e retoma conflitos e ganhos daquela época. A gestante pode se comportar como uma criança, uma menina mimada que quer que atendam a seus desejos ou simplesmente ficar mais frágil. A regressão é necessária e desejada, dado o tamanho da tarefa de elaboração que deve ser realizado neste período (Soifer, 1980).

1.6. – O Homem Gestando Seu Filho

O papel do pai ainda tem sido bastante desvinculado do ato de gestar. O homem geralmente aparece como provedor material e financeiro. O pai é sempre o pai biológico. O desejo do homem de ser pai surge através da inveja da mulher e da capacidade de gerar filhos. Ainda na infância, ao ser proibido de brincar de bonecas e “casinha”, sente a primeira interdição no ato de ser cuidador de uma criança. No entanto, durante toda sua adolescência e vida adulta, o homem tem o desejo de provar sua fertilidade, virilidade e deixar descendência. Quando a gravidez de fato ocorre, o homem pode se ver tocado por inúmeros sentimentos, mesmo os mais contraditórios com sua posição consciente. Pode se ver tomado por inveja da mulher e/ou do filho, competindo com ele por atenção, querendo destruí-lo ou superprotegendo a mulher e se tornando “dono” dela. Tudo isso vai depender de suas relações com seus pais, amigos, irmãos e outros homens. O papel de pai começa a ser desempenhado aos poucos quando o bebê já é mais concreto e se move. O homem pode conversar com ele, dar-lhe um nome ou permanecer indiferente até o nascimento, quando o filho já pode ser visto e sentido. Alguns autores afirmam que o papel de pai começa no nascimento do filho (Souza, 1997). É importante destacar a importância da inclusão do marido/companheiro na história da gestação pois o casal se constitui num arranjo psicodinâmico. O pai da criança pode ajudar a mulher a ter uma boa gestação ou rivalizar com a criança e ainda ter inveja da fecundidade da mulher (Faerchtein, 2004). Certo grau de ansiedade sempre é vivenciado pelo pai da criança, que pode superproteger a grávida como formação reativa ou partir para aventuras extraconjugais, desprezar a mulher e o filho, sair de casa, etc. como forma de manifestar seu conflito (Pratarotti, 1984). Para o homem, a concordância em ter um filho significa a sublimação do desejo da maternidade e a recuperação do papel de proteção da mulher (Kestenberg, 1982).

Segundo Souza (2002) há sete tipos principais de pais. São eles:

➢ Participante: Considerado o tipo de pai ideal, é um homem de personalidade madura, que acompanha de perto a gestação e oferece suporte emocional à gestante, sempre atento às necessidades de ambos.

➢ Possessivo: Se comporta como “dono” da gravidez, controla todos os passos da mulher, vai às visitas médicas para controlar o estado de saúde da mulher, verifica todos os ultrassons e permanece em eterna atitude de desconfiança. Manifesta inconscientemente imaturidade e rivalidade com irmãos.

➢ Ausente: Alegam compromissos de trabalho na hora das consultas ou dizem que a gravidez é responsabilidade da mulher. O médico ou psicólogo dificilmente conseguem acessá-lo ou convidá-lo a participar de qualquer coisa. Geralmente, manifesta ausência de uma figura paterna de referência.

➢ Isolado: Ocorre uma regressão narcísica na tentativa de chamar a atenção para si, há também uma diminuição de atividades, apatia e desinteresse. Com isso, evita a emergência de angústias insuportáveis desencadeadas pela gravidez.

➢ Dependente: Comporta-se de forma imatura, forçando a grávida a trabalhar em atividades que antes eram desempenhadas por ele, apresentam somatizações frequentes e chamam a atenção para si.

➢ Competitivo: Incapazes de tolerar sua frustração por estarem relegados a segundo plano, apresentam-se como irritados, violentos e intolerantes, não oferecendo suporte à gestante.

➢ Invejoso: Homens poliqueixosos e sempre ocupados, retomam projetos parados, intensificam atividades de esporte e lazer e podem manter relacionamentos extraconjugais, demonstrando sua impossibilidade de conjugar as idéias de mulher e mãe e se vendo incapazes de vivenciar a gravidez junto com a mulher.

Ávila (1998), afirma que o medo de ver sangue manifestado por alguns homens, expressa o temor pelo sofrimento da mulher e a culpa por tê-la deflorado.

Segundo Szejer (2004), o homem passa por um processo muito semelhante ao da mulher, apresentando inúmeros medos e fantasias, que normalmente não são levados em conta. Com a aproximação do parto, o homem também pode entrar em angústia excessiva e ter vários sintomas somáticos, pequenos acidentes ou se ausentar física ou psicologicamente, tornando-se frio.

A dificuldade de o homem e a mulher se entenderem por formas de pensar diferentes, causa a maior parte dos conflitos. A mulher se sente carente, cansada, precisando de atenção, enquanto o homem pode não conseguir suprir todas as carências, ficar perdido sem saber o que fazer, se sentir culpado ou tratá-la como doente poupando-a de todas as tarefas por medo que aconteça algo com o bebê (Leff, 1997; Moreira, 1997).

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CAPÍTULO II

PSICOLOGIA DO LUTO

“DOMINAR O PASSADO É UM REQUISITO PARA A SAÚDE PSÍQUICA DO SER HUMANO”

CONSIDERA, 1982;P.35

2.1. A MORTE EM NOSSA SOCIEDADE

Antes de abordar o tema do luto, faz-se necessário abordar a questão da morte na sociedade ocidental. Segundo Leis (2003) encontramo-nos em uma época bastante sexualizada, na qual a morte, que sempre foi um fenômeno de grande destaque, encontra-se relegada a segundo plano por um lado, manifestando uma negação desta experiência; e por outro lado, mostra-se completamente exposta como num filme de horror, através de noticiários que falam de mortes cruéis e violentas. No lugar da “arte de morrer”, encontra-se um vazio, um silêncio sobre o qual a Medicina nada tem a dizer. Os pacientes hospitalizados são convidados a esperar até o último minuto de vida, a esticar sua existência mesmo submetidos a dolorosos procedimentos. “O principal objetivo (da Medicina) é encontrar a cura para todas as causas da morte” (Leis, 2003 p.4). Para os moribundos, sempre se fala das possibilidades de vida e nunca das de morte. O processo de morrer de velhice, é agora substituído por um morrer artificial:

(...) a sociedade se recusa a aceitar uma morte tão genérica como a chamada ‘ morte natural’ , obrigando a colocar em todos os casos uma causa bem específica e determinada. (...) Os velhos nunca morrem de velhice, mas do coração, de insuficiência respiratória ou de qualquer outra coisa do tipo.

(Leis, 2003; p.4-5)

Existem para este autor, três formas de enfrentamento da morte: a morte como passagem para um outro lado da vida, a morte como evento a ser refletido e a exclusão das duas anteriores, caracterizando o movimento da sociedade ocidental moderna , o recurso à imortalidade. A morte pessoal não é mais falada.A Medicina trouxe enormes avanços que poderiam ocultar esta realidade , a insegurança aumenta à medida que a morte não faz mais parte do contexto social. Por outro lado, aumentam drasticamente as representações da morte alheia, através das notícias de mortes cruéis já citadas: fotos de corpos dilacerados nos jornais, na televisão e no cinema. O ser humano declina em sua espiritualidade e em seu afeto e já não pode mais falar de si, apenas assistir a um espetáculo como forma de experimentar , de certa forma, a morte.

Hoje em dia fala-se muito da solidão dos moribundos, que não podem se comunicar, não podem falar de suas dores e angústias. No entanto, isto não é um fenômeno isolado, esta solidão é parte da solidão mais ampla que a sociedade impõe a seus participantes. O homem moderno está cada vez mais sozinho sem poder falar de si. A sociedade individualista não permite a formação de tantos laços solidários (Leis, 2003).

No entanto, apesar dessa negação da morte, não se morre sem ter uma idéia do que é a morte. Uma idéia cada vez mais assustadora pela falta de simbolização e de apoio do grupo social. Há um declínio da espiritualidade e uma acentuação da biologia e da química. Os seres humanos começam a crer na imortalidade como saída viável, retardam o envelhecimento, fazem plástica, tomam compostos especiais. A morte deixa de ser natural e real para ser um evento longínquo, imaginário.

Tudo isso contribui para a dificuldade de enfrentamento da morte, quando ela surge como realidade inexorável. A equipe médica se sente fracassada, a vida é prolongada a qualquer custo, o paciente não consegue elaborar sua experiência e a família se torna uma mera observadora, deixando os cuidados a pessoas mais competentes (Tinoco, 2003).

Uma menção importante deve ser feita aos rituais de despedida. O número de cremações vem aumentando, não se faz mais velório em casa e mesmo no cemitério, este deve durar o menos possível. As crianças são privadas do último adeus ao parente querido e o tempo de luto deve ser reduzido pois afinal “a vida continua” (Tinoco, 2003).

Mesmo durante a vida saudável, a morte causa horror. O corpo decadente é objeto de pânico. No hospital, os doentes devem cobrir tudo aquilo que não pode ser visto, as visitas não devem demorar e outras variáveis são controladas como a dor e o sofrimento do paciente, através de remédios ou de chamar um profissional como o psicólogo para aplacar as inúmeras queixas. A morte é comentada com o psicólogo, o assistente social e outras figuras periféricas, pois a necessidade do médico negar a morte pode ser tanta que o paciente inconscientemente percebe e tende a fazer o mesmo para poupá-lo. Teme que falando da morte, rompa uma relação significativa. Não conta também com os familiares pois vê que o processo de doença e morte está sendo muito desgastante e insuportável, e se cala, tentando manter a saúde mental e o equilíbrio daqueles que ama (Tinoco, 2003; Torrer e Guedes, 2003 apud Lima, 2005).

Tinoco (2003) ressalta a importância da educação para a morte, caracterizada como a abordagem deste tema desde a infância, ensinando um melhor processo de comunicação e expressão dos sentimentos e integrando esta realidade à vida comunitária.

Apesar desta extrema negação da morte persistir hoje em dia, nem sempre foi assim. A morte hoje é um evento que traz uma carga forte de emoção que deve ser evitada a qualquer custo pois a sociedade atual tende a evitar qualquer tipo de emoção forte, suprimir a tristeza e exaltar a felicidade e juventude eternas. A morte então, substitui o sexo como tabu. O sexo, que significa vida e criação, assume postura de destaque na mídia, enquanto que a morte , assume um caráter de transgressão e deve ser abolida (Ariés, 1977).

A primeira tentativa de negar a morte, se deu por tentar poupar o enfermo do sofrimento de saber de sua condição. Isto se aliou ao propósito da sociedade capitalista, onde o morto nada produz e é , portanto, desvalorizado, contribuindo para tornar o moribundo e a família, cada vez mais alienados de sua condição. No entanto, mesmo negada, a morte continua tendo caráter perturbador (Ziegler, 1977 apud Lima, 2005).

O hospital, no início de sua fundação, era um lugar de morte. Acolhia pobres e peregrinos, pessoas em péssimo estado de saúde, que eram cuidadas por religiosos. Após a morte ter sido deslocada para as casas e as comunidades, ela retorna para o hospital mas por outros princípios. Descobrem-se os micróbios e os modernos tratamentos, a fisiopatologia se desenvolve e o hospital se torna o local mais adequado de controle da doença por ter equipamentos especiais. Com maiores avanços e a criação dos CTIs, o hospital se torna o local de possibilidade de prolongar a vida a qualquer custo, tornando a morte um fracasso (Foucault, 1979 apud Lima, 2005).

A negação da morte é evidente no hospital de várias formas. Seja na “maquiagem” do defunto, na criação de elevadores especiais para este transporte, nas regras implícitas que demostram que não se pode morrer em qualquer lugar e muito menos expondo os pacientes melhores a este espetáculo. Uma boa morte é a morte silenciosa, sem dor, sem sofrimento, sem nenhum apelo (Rodrigues, 2005).

Segundo Baldessin (2005), morre-se a cada dia mais mal informado. Apesar de ser a era da informação e da velocidade da comunicação, o hospital ainda traz tudo isto como desafio. As rápidas consultas e interações com o médico, as receitas ilegíveis, os termos técnicos (que funcionam como defesa contra a angústia), dificultam o entendimento e o enfrentamento do paciente e da família. O paciente muitas vezes perde o direito de decidir mesmo estando mentalmente são, deve aceitar certos procedimentos e remédios. A família decide por ele ou nem isso. “A dor estaria na vida e não na morte” (p.57).

Cresce a expectativa de vida e surgem cada vez mais doenças crônicas e perigosas, desconhecidas há alguns anos. Doenças degenerativas, dolorosas e incapacitantes. A negação da morte se torna uma atitude antibiológica porque se todos vivessem para sempre, os nascimentos teriam que ser limitados, não haveria espaço e nem comida para todos, o número de doentes cresceria enormemente, muitos pensariam já ter vivido demais (Baldessin, 2005).

O medo da morte está aliado ao medo da perda e ninguém quer perder. O grande narcisismo alimentado pela sociedade atual impede a vivência da perda, bloqueia os sentimentos. Segundo Saunders (1980 apud Baldessin, 2005), antes cuidar do sofrimento do que evitá-lo.

Caracterizamos a morte como “o que do ponto de vista físico, ocorre quando cessa a vida de um indivíduo, seja por causas naturais, motivos acidentais ou causas externas” (Burke, 1999 p.1).

É comum que se tenha medo da morte pois ela afeta o narcisismo normal. Destrói nossa auto-imagem e nosso senso de continuidade. Ao tentamos banir a morte de nosso imaginário, surge grande medo e angústia (Scott, 1993 apud Burke, 1999). Mas a morte física não é a única que existe, para Lévi Strauss (1996 apud Burke, 1999), existe também a morte simbólica, que fala de um preconceito e de uma exclusão. Poder-se-ia então, afirmar que o enlutado e moribundo, vivem também uma morte simbólica pois participam de um processo no qual a sociedade não quer prestar atenção. Choram quando o choro deve ser abortado e se lamentam quando o silêncio era preferível.

Segundo Burke (1999) e Tinoco (2003), a tendência é que a sociedade lide melhor com a morte a cada dia, fazendo com que se torne um procedimento natural e volte a se falada e ensinada. No entanto, este parece ser um processo bastante lento. As publicações e discussões sobre a morte têm acontecido com mais frequência, a problematização do tema está em voga, porém, o discurso da medicalização da morte ainda é bastante forte.

O homem é um ser diferenciado pois é o único animal que tem consciência da própria morte, sabe-a por antecipação, sofre com as dimensões de passado e futuro e tem a certeza de que seu caminho é dia após dia se aproximar da morte (Giacóia Jr., 2005).

A morte, além de ser o término de tudo, é também lugar daquilo que não se entende, não se simboliza, o caos total. Um abismo aterrador, que deve ser preenchido com diferentes crenças, culturais e religiosas, para proporcionar algum conforto em vida. Assim, a morte passa de um outro estranho para algo que tem sentido. A sociedade deve criar mecanismos para abarcar essa estranheza e integrá-la aos seus processos mentais e sociais. Criam-se ritos fúnebres para demarcar uma linha entre a vida e a morte, e assim separar os vivos deste terror. A vida segue em paz enquanto a morte desce para o mundo subterrâneo (Giacóia Jr, 2005).

Nos hospitais, a morte é a cada dia mais asséptica, silenciosa, biológica e clínica. A morte se torna um não-ser, uma ausência no lugar daquilo que deveria existir, uma disfunção orgânica incontrolável, algo que deve ser suprimido, removido, escondido. Inclusive as palavras denotam a falta de afetividade quando se ronda a morte como: “foi a óbito”, “ocorrência de um falecimento”, entre outros (Giacóia Jr, 2005).

Surgem inúmeras questões do campo da Bioética. O que é vida, o que não é, até onde vão os limites da tecnologia, até onde se respeita a vontade do paciente... Muitas questões ainda deixadas em aberto.

2.2. Luto, Pesar e Perda.

Segundo Hernandez (2001), se chama luto, a resposta emocional em relação a uma perda, que engloba pensamentos, sentimentos e comportamentos, dentro da enorme variedade cultural e institucional. Quando falamos de “perda”, estamos nos referindo, a uma situação real ou percebida, onde um objeto ou pessoa valiosa, estão fora de alcance.

Ainda segundo este autor, a primeira experiência de perda é o nascimento. Perda do ambiente protegido, perda da simbiose, etc. E a última perda é a morte, grande desconhecida. O autor destaca a divisão entre perdas reais e percebidas, enfatizando que uma perda percebida pode ser muito mais sentida que uma perda real, tudo depende do investimento afetivo naquele objeto.

Nasce-se e morre-se a cada dia para novos estilos de vida, novos projetos, entre outros, mostrando que o luto, em seus diversos graus de intensidade, é uma constante ma vida do ser humano. O que caracteriza a patologia do luto e da perda é a imobilidade que paralisa o sujeito e transforma um processo de crescimento e maturação da personalidade, em sofrimento.

Um erro dos profissionais de saúde é crer que a morte é uma crise. Esse pensamento faz com que se creia que uma intervenção breve possa solucionar o problema do luto, quando ele é um processo muito mais complexo, que depende de muitas variáveis e que não deve ser excessivamente minimizado. A atitude mais correta seria a de observar a reação do enlutado e permitir sua livre expressão de sentimentos, fornecendo suporte e continência à suas angústias, além das informações que se fizerem necessárias (Hernandez, 2001).

O luto pode ser também percebido como processos emocionais pontuais e sem ordem pré estabelecida, que surgem quando a perda acontece e se desenvolvem até o fechamento da “ferida” psicológica, processo que dura para a maioria dos autores, entre seis meses e dois anos (Hernandez, 2001).

O luto é um processo de restauração e fortalece a personalidade, facilitando o enfrentamento de futuras perdas. Há duas teorias principais sobre o processo psicológico do luto: a primeira, concebida por Otto Rank, que diz que o luto é uma ansiedade de separação e revivência do trauma do nascimento. A segunda, mais aceita e defendida por Bowlby e Parkes, afirma que o luto é resultado dos apegos afetivos. A dor é o preço que se paga pelo amor. Esta segunda teoria será discutida mais adiante quando os autores forem abordados separadamente (Hernandez, 2001).

O autor resume em um quadro, as fases do luto estudadas pelos principais autores, o que é bastante útil para se visualizar como a expressão de um pesar pode ser nomeada de diferentes formas.

|Lindemann |1944 |1. Choque e Incredulidade 2. Aflição Aguda 3. Retomada da |

| | |Vida Diária 4. Diminuição da Imagem do Falecido. |

|Engel |1964 |1. Negação 2. Aceitação Crescente 3. Restituição |

|Kubler-Ross |1969 |1. Negação 2. Raiva 3. Barganha 4. Depressão 5. Aceitação|

|Horowitz |1976 |1. Protesto, Negação 2. Intrusão 3. Obtenção 4. Conclusão |

|Schulz |1978 |1. Inicial 2. Intermediária 3. Recuperação |

|Davidson |1979 |1. Choque e Insensibilidade 2. Busca e Ansiedade |

| | |3. Desorientação 4. Reorganização |

|Bowlby |1980 |1. Embotamento 2. Busca 3. Desorganização e Desesperança 4.|

| | |Reorganização |

|Backer et al. |1982 |1. Ansiedade 2. Ira e Culpa 3. Desorganização |

|Martocchio |1985 |1. Choque e Incredulidade 2. Protesto 3. Angústia e |

| | |Desespero 4. Identificação 5. Reorganização e Restituição |

|Delisle-Lapierre |1984 |1. Crítica 2. Crucial 3. Criadora |

|Clark |1984 |1. Negação e Incredulidade 2. Aceitação Crescente 3. |

| | |Restituição e Recuperação |

|D´Angelico |1990 |1. Choque/Negação 2. Ira/Depressão 3. Compreensão |

Fonte: Hernandez (2001)

Segundo Franco (2002), pesar é: “ um complexo de pensamentos e sentimentos sobre a perda, que são vivenciados internamente” (p.1), enquanto que luto é “o pesar tornado público”.(p.1). Esta é uma distinção fundamental quando fala-se em Psicologia do Luto.

Ainda segunda esta autora, alguns mitos permeiam o imaginário popular, sendo um dos mais fortes, o de que o pesar deve ter um final. Final este entendido como recuperação, resolução completa das manifestações do luto. O pesar e o luto fazem parte de um processo e não são momentos estanques. Aos poucos o enlutado vai percebendo a realidade da perda e se movendo de uma outra forma pela vida, fazendo uma reconciliação com esta e reorganizando sua vida. A pessoa amada nunca será esquecida porém o enlutado poderá viver sem sua presença física, retomando seu dia a dia com as devidas adaptações e um propósito renovado. Porém, muitos fatores interferem nesse processo e no seu desenvolvimento, sendo o mais importantes: a natureza da relação com o falecido, circunstâncias da morte, sistema de apoio social, personalidade do enlutado e do falecido, contextos cultural e religioso, crises vitais do enlutado, gênero e rituais de luto (Franco, 2002).

Kitzinger (1985) concorda com esta opinião, afirmando que o luto nunca desaparece por completo e esta experiência se integra na vida do enlutado modificando sua personalidade. A autora cita algumas etapas pelas quais o enlutado pode passar como: choque e letargia, negação, sensação de irrealidade, sensação de estar enlouquecendo, desorientação, culpa e “controle automático” e cólera. O luto viria em ondas, primeiramente com uma carga sentimental muito forte e avassaladora que teria um alívio e mais tarde voltaria de forma forte novamente. O luto não é estado emocional estável e sim um processo variável. A autora também destaca a função do luto de preservar o vínculo com a pessoa falecida através de seus pensamentos e lembranças.

O corpo também reage ao luto. As manifestações mais comuns confundem-se com as de estresse crônico e depressão. A imunidade do organismo baixa e a pessoa fica mais predisposta a doenças. Pode surgir sensação de aperto na garganta, suspiros e soluços, falta de ar, fraqueza, suor frio, dificuldade de dormir, reações alérgicas, enxaquecas, problemas menstruais, entre outros. Um aspecto importante é a vida sexual no luto. A maioria das pessoas pensa que o enlutado não deve ter desejo sexual pois seria um desrespeito ao falecido (não só o sexo mas qualquer manifestação de alegria). Na prática, embora a maioria das pessoas realmente tenha uma baixa de libido porque sua energia está concentrada no luto, outras podem ter seu desejo sexual aumentado como forma de fugir da realidade dolorosa ou para buscar sensação de segurança e proteção nos braços do parceiro. O sexo pode tomar o lugar de palavras de consolo. Esta necessidade sexual aumentada pode trazer culpa pois não é socialmente aceita (Kitzinger, 1985).

O luto é também uma forma de proteção contra o vazio da perda, portanto, não é incomum que algumas pessoas queiram prolongar o luto indefinidamente. No entanto, o processo normal de luto pode ser perturbado também por imposições externas. Como já foi comentado no item anterior, a sociedade atual suprime a manifestação de quaisquer emoção mais vívida e o enlutado pode ser excluído socialmente caso manifeste dor psíquica após o tempo “suportável”. Muitas vezes as pessoas impõem um tempo de luto, normalmente até uma semana após o enterro, quando as cobranças de se retomar a vida normal começam. O choro do enlutado traz impaciência, reações de raiva ou tentativas desesperadas de consolo, culminando com o afastamento.

A experiência de luto é única. Mesmo o primeiro luto vivido por alguém, não será igual ao segundo. A pessoa enlutada deve passar por essa experiência sozinha, mesmo que tenha apoio social, precisa se reorganizar psicologicamente.

O luto reprimido não é curado, permanece desenvolvendo efeitos negativos sobre quem o reprime. Pode aparecer sob a forma de doenças orgânicas ou psicológicas ou ainda permanecer silencioso até o dia em que seja possível se manifestar. Um exemplo é o caso da pessoa que não chora por uma morte e anos depois, quando morre uma segunda pessoa querida, chora pelas duas, ou das pessoas que choram no enterro de pessoas que mal conheceram ou choram aparentemente sem motivo. O preço que se paga por evitar uma dor, é a diminuição da capacidade de sentir, podendo ser manifesta, por exemplo, pela incapacidade de manter relacionamentos íntimos (Kitzinger, 1985).

co, 2002).uais de luto (Fraapoio social, personalidade do enlutado e do falecido, contextos cultural e religioso, crises vitais

Cicely Saunders (1991 apud Elias, 2003), fala da dor da morte como uma dor total, incluindo os componentes físico, psicológico, espiritual, mental, social e financeiro. Elias (2003) conceitua a morte como uma dor simbólica, englobando apenas os aspectos psicológico e espiritual da perda. A autora enfatiza a importância da religiosidade no enfrentamento da morte tanto para o enlutado como para a pessoa que está morrendo. Importante não confundir religiosidade com espiritualidade. A religiosidade é uma face da espiritualidade, sendo esta última entendida como relação do ser humano com aquilo que transcende a consciência e o plano material. A autora fez uma pesquisa com pacientes terminais de câncer, se utilizando de relaxamento por imagens mentais e demonstrou ser esta, também uma técnica interessante para o manejo da ansiedade relativa à morte.

Menezes (2004), atuando como observadora no Hospital de Cuidados Paliativos pertencente ao INCA, afirma que o objetivo do trabalho de luto da família, é transformar a dor em saudade. O falecido jamais será esquecido, sua lembrança dolorosa deverá ser transformada em algo positivo. É enfatizada também a importância da reconciliação entre o falecido e seus parentes/amigos, quando possível antes da morte, pois ameniza a ambivalência da relação e faz com que a culpa pós óbito diminua, facilitando o processo do luto. Um ambiente acolhedor onde o enlutado possa falar sem ser censurado, funcionaria como facilitador do processo.

Markham (2000) enfatiza a importância do enlutado no próprio processo de luto pois a dor sentida é pela perda da relação afetiva e não tanto por pela pessoa que se foi. A autora concorda com Menezes no que diz respeito à importância da reconciliação com o falecido, e fala também da tolerância do enlutado consigo mesmo, de forma a não se cobrar a ter um comportamento normal imediatamente após a perda.

Maria Helena Pereira Franco, ao ser entrevistada pela revista Isto É , em 1999, afirma que a morte ainda é vista pela sociedade como um castigo. Os que sobrevivem costumam ter pena daquele que morreu, como se quem possui virtudes não merecesse a morte. Outro ponto importante abordado na entrevista é a questão do luto não franqueado, caracterizado como aquele não aceito socialmente, visto como um não evento, como a morte de um bichinho de estimação, um aborto espontâneo, a imigração, entre outros. O luto não franqueado não deve ser expresso porque é mal recebido e isto dificulta a elaboração de perdas que são significativas para a pessoa. Maria Helena ressalta ainda que nem sempre o tempo é o melhor remédio para o fim do luto, o tempo pode tornar o luto crônico e ter consequências devastadoras para a pessoa. A entrevistada postula o tempo do luto máximo como um ano mas afirma que não há regra fixa e que cada pessoa tem o seu próprio tempo.

Dance e Vyse (2004), conceituam o luto como “Os sentimentos e reações que temos quando perdemos algo ou alguém importante ou significativo para nós”(p.1). Os autores afirmam que o luto não é experienciado apenas quando perde-se uma pessoa querida mas em vários tipos de perda como: morte de um animal de estimação, perda do emprego, término de namoro, mudança de casa, saída de casa, perda da saúde ou perda de um sonho. O luto seria um processo indispensável para a retomada da vida. Os autores postulam as seguintes fases para o luto normal:

Choque, descrença: O enlutado pode estranhar a sensação de que não está sentindo nada, nem dor, nem saudade, apenas uma paralisação. Esta reação protege do desequilíbrio emocional que poderia ser causado pelo impacto da notícia.

Saudades: O enlutado pensa todo o tempo na pessoa que se foi. Pode ter sonhos constantes ou achar que viu a pessoa amada na rua.

Culpa e Arrependimento: A fase onde a pessoa se sente culpada por estar viva e pensa que poderia ter feito alguma coisa para evitar a morte.

Raiva: A raiva pode se dirigir aos médicos que não puderam curar a pessoa, ao próprio morto por ter abandonado o enlutado, a outrem por estar insensível á morte.

Solidão: Fase onde a pessoa se sente incompreendida, como se ninguém pudesse vivenciar aquela dor junto com ela ou entender o que se passa.

Depressão: Fala-se aqui da depressão clínica, tal como caracterizada pela Psiquiatria, onde há falta de interesse pela vida no geral, falta de apetite e sono, cansaço, desespero e tendências suicidas.

Alívio: Ocorre quando a pessoa falecida estava interferindo negativamente na vida do enlutado, por exemplo, o enlutado tinha que fornecer cuidados médicos ao doente, pagar suas contas ou se era maltratado por este.

Injustiça: Se confunde um pouco com a raiva. A pessoa entende que o falecido não fez nada de ruim para merecer a morte e o sofrimento.

Os autores ainda colocam como prazo para o luto normal, até dois anos.

O luto patológico foi descrito pela primeira vez por Lindemann em 1944, em artigo para o Jornal Americano de Psiquiatria. O autor descreveu este tipo de luto como merecendo uma intervenção mais agressiva. Os sintomas preditivos do luto complicado seriam: maior grau de disfunção orgânica, síndromes depressivas e ansiosas e duração de anos.

Prigerson e Jacobs (2001) aprofundam o tema do luto complicado ou patológico. O luto normal seria aquele que move o sobrevivente à aceitação da morte e à habilidade de continuar vivendo. Algumas características que apontariam o bom desenvolvimento desse processo seriam: a vida ainda ter sentido, uma boa auto-estima, senso de auto-eficácia, confiança nos demais e habilidade de reinvestir em outras relações.

Os autores dividem as fases do luto da seguinte forma:

Choque: Normalmente trazendo surpresa ao enlutado, de perceber o quando de dor se sente em um luto. Acompanha confusão mental e desorientação, podendo culminar com um estado dissociativo e funcionamento em “piloto automático” (sem raciocinar).

Angústia de Separação: Pensamentos insistentes sobre o falecido. A pessoa se torna desligada do mundo exterior. Tempos depois podem aparecer os sintomas de estresse agudo.

Negação da Perda e Evitação da Mudança: Apesar desta fase ser normal, os autores afirmam que os enlutados com padrão de personalidade evitativo, tendem a ter maiores dificuldades da conciliação do luto.

Raiva: Pode ser sentida por conta do abandono do falecido. A hostilidade é normalmente dirigida à equipe ou ao sistema de saúde por não ter conseguido curar o paciente.

Culpa: Pode surgir culpa pelo que poderia ter sido ou não feito em favor do paciente. Pode culminar em depressão ou tendências suicidas.

Para os autores, luto intenso após 6 meses da morte, é um preditor de complicações psicológicas.

Pringerson et al. (1997) realizou uma pesquisa nos Estados Unidos, associando o luto traumático a algumas patologias físicas e psicológicas. Das descobertas mais importantes feitas estão: o luto por um cônjuge estava fortemente associado à depressão do sistema imune, comparando-se um grupo de enlutados com um grupo controle, se observou a maior preponderância de patologias médicas e psiquiátricas no grupo dos enlutados. O luto traumático foi preditor de deficiências globais, problemas de sono, baixa auto-estima e humor deprimido até 18 meses após a perda. Uma outra associação encontrada foi com a ideação suicida.

Estes dados demonstram que o luto é uma fase delicada tanto para a saúde física como para a saúde mental, e que os profissionais de saúde devem estar sempre atentos para o desenrolar deste processo, de forma a prevenir algumas patologias.

Para Rando (1993 apud Domingos e Maluf , 2003), as características mais marcantes do luto patológico seriam: evitação de certos aspectos ou de toda a perda e resistência em se desligar do falecido, que pode ser demonstrada em uma imitação de seus trejeitos ou fala, por exemplo, o que é saudável até certo ponto. Segundo a autora, além das manifestações físicas e psicológicas já citadas, o luto patológico pode também levar à morte.

Domingos e Maluf (2003) em uma pesquisa com adolescentes enlutados, encontraram alguns fatores que segundo os sujeitos da pesquisa, dificultam a expressão dos sentimentos de pesar. Os principais são: sensação de não ser compreendido, tentativa de poupar os outros de sua dor, dificuldade de lidar com afetos, evitação da perda, inibição quando da tentativa de conversar com alguém, família fechada e pouco afetiva ou com estilo de negação de sentimentos.

Engel (1977) problematiza o luto enquanto doença, como é caracterizado por alguns. Segundo o autor, o luto não se encaixa na definição tradicional de doença. É uma reação psicológica normal a um fator claro: uma perda significativa. Constantemente as pessoas procuram o médico com sintomas vagos que não associam a nenhuma perda, e buscam alívio para tal. Na maioria das vezes, o médico não reconhece os sintomas do luto e medica com algum paliativo. O autor enfatiza a importância da concepção biopsicossocial, que traria muitos benefícios para ambos os lados. Sendo contemplados também os aspectos psicológicos e sociais, o diagnóstico do luto se tornaria mais fácil, assim como o encaminhamento para profissionais mais adequados.

Não se deve esquecer também da teorização de Elizabeth Kubler-Ross, psiquiatra que postulou pela primeira vez as fases do luto, utilizadas até hoje. Em seu livro “A Morte e o Morrer” (1981), Elizabeth conta sua experiência em entrevistar pacientes terminais e aprender com eles a experiência da morte. As fases citadas pela autora são:

Negação: Surge principalmente após uma comunicação abrupta do diagnóstico e tende a ser substituída por uma aceitação parcial. Pode durar até a morte ou não existir. Normalmente a negação se segue ao choque e ao torpor e se manifesta como uma descrença no diagnóstico ou minimização da doença. Pode culminar em uma tentativa de confirmação de que a perda não aconteceu.

Raiva: A pessoa questiona Deus e os médicos, sentindo-se injustiçada, impotente e frágil. A raiva pode ser dirigida a alguém externo, ao falecido ou á própria pessoa. Nem sempre o paciente está em franca agressividade mas pode manifestar uma raiva passiva com muitas queixas difusas. Surge também desconfiança das pessoas próximas.

Barganha: O enlutado quer fazer promessas e trocas com Deus, a equipe ou outras pessoas, se apegando a figuras de devoção, pedindo para não sofrer determinada intervenção médica naquele dia, buscando outros médicos de renome, etc. É um mecanismo ainda de esperança onde a pessoa se apega a figuras que considera onipotentes.

Depressão: Aumentam a angústia e a instrospecção e a pessoa se confronta com a realidade da perda e sua inevitabilidade. Surge uma imensa dor psíquica e isolamento dos demais. O paciente fica mais em silêncio e tende a se sentir sozinho. Segundo a autora, a depressão preparatória é saudável e deve ser estimulada.

Aceitação: Não é um estágio de felicidade e paz mas de conformação, resignação. Os olhares podem substituir as palavras e há uma sensação de missão cumprida. No caso dos sobreviventes a uma morte, a vida pode ser retomada. Ocorreu um desinvestimento afetivo do objeto amado.

Para Casarett, Kutner e Abrahm (2001), a palavra luto descreve uma resposta multifacetada para a perda. A discussão se o luto é ou não uma doença seria muito importante, porém, uma fonte de distração para a Medicina, que continua deixando esta questão de lado. Principalmente no que diz respeito às doenças físicas desencadeadas pelo estresse que o luto desencadeia.

Os autores conceituam diversos tipos de luto. Entre eles estão:

Luto Antecipatório: É o processo onde família e amigos se defrontam com a possibilidade de perda de uma pessoa querida. Seria uma síndrome multidimensional com os seguintes sintomas: raiva, culpa, ansiedade, irritabilidade, tristeza, sentimento de perda e queda do funcionamento normal.

Luto Agudo: Experimentado como uma reação dramática e perturbadora de estresse agudo. Pode incluir: negação, choro intenso, ansiedade, torpor, senso de desrealização e sintomas somáticos. O enlutado fica bastante agitado e desesperado pois acaba de receber a notícia da perda.

Luto Complicado ou Depressão: Marcado por uma impossibilidade de voltar aos padrões pré-perda ou estado de bem estar emocional. Necessita frequentemente de psicoterapia ou aconselhamento no luto (ver último capítulo). Os sintomas depressivos podem ter início até dois meses após a perda e persistir por vários meses. Grupos de risco seriam: pessoas jovens, mulheres e pessoas com pouco suporte social. O luto patológico pode ser difícil de ser reconhecido porque cada pessoa tem sua forma e seu tempo de luto.

Ainda acerca dos tipos de luto, Mello Filho (1989), conceitua o chamado “Luto Corporal”, ou seja, um luto que não se manifesta psicologicamente mas que aparece sob a forma apenas de sintomas físicos. Um exemplo seria um homem saudável cujo pai morre de diabetes, e o filho adquire diabetes emocional no período de luto, ficando curado após o término deste.

O diagnóstico do luto normal pode ser feito comparando o padrão de personalidade pós-perda com o padrão inicial e com suas reações em lutos anteriores, além de acompanhar o processo para ver se a pessoa está retomando suas atividades e interesses normais.

Para Sales, Criado e Vera (2000), o luto constitui-se no

paradigma do processo humano normal que a sociedade contemporânea tenta cada vez mais medicalizar dentro da carreira para eliminar as sensações de estresse do espectro de reações emocionais

(p.273)

O luto seria uma reação complexa e multidimensional, imprevisível, de caráter recorrente e flutuante e de intensidade geralmente decrescente, concordando com a opinião de autores citados anteriormente.

Para Melo e cols. (2004), a construção da personalidade prossegue enquanto em cada trabalho de luto, as perdas são reconstruídas e ressignificadas. Perda e ganho são duas faces da mesma moeda. Silva (2003), além de concordar com este comentário, acrescenta que os profissionais devem estar atentos a dois componentes normais de toda perda: a resposta emocional e a interrupção de atividades normais. Avaliando o grau de paralisação nestas duas áreas, qualquer intervenção deve ser feita de forma clara e honesta. O objetivo é atingir uma prevenção, a prevenção do luto patológico. Se possível, deve haver uma despedida daquilo que foi perdido e o psicólogo deve estar atento às fantasias do enlutado para baixar os níveis de ansiedade especialmente relativos à culpa percebida. O psicólogo pode se aliar a um membro mais forte para atingir toda a família de luto, contando com seu auxílio para ter abertura com os demais membros.

Devem-se tecer alguns comentários sobre o impacto do luto nos familiares. Todo diagnóstico grave afeta não só o paciente como familiares e amigos (o núcleo social da pessoa). A demanda psicológica dos familiares pode por vezes superar as do paciente. Nestes casos, surge a ansiedade familiar que pode se tornar de difícil manejo. É importante que o psicólogo faça o diagnóstico das pessoas envolvidas no processo de morte e luto, para detectar aquelas que têm prioridade na intervenção.

2.3. O Luto Por Um filho

Faz-se necessário abordar a questão da perda de um filho por este ser o luto mais complicado e demorado em relação aos demais. A morte de um filho, especialmente se criança, rompe com a ordem natural das coisas e quebra o processo de vinculação afetiva entre pais e filhos, causando uma maior desorganização psicológica.

Segundo Baldini e Krebs (1996), o tempo de luto irá determinar se a reação psicológica foi normal ou não. Os sentimentos de tristeza e culpa podem ser prolongar por meses, sendo mais acentuados na época de festividades, aniversário da criança e outras datas de forte vinculação afetiva. Além disso, quanto mais saudável era a criança antes da internação e/ou da morte, maior a raiva e desespero dos pais que pode ser projetada na equipe. Pode ser cogitada a hipótese de erro médico mesmo sem quaisquer indícios e também a evitação em participar dos procedimentos administrativos pós morte. A família é bastante afetada e pode permanecer influenciada por anos.

Depois de recuperados do choque da notícia, os pais tendem a se culpar e perguntar o que deu errado, confirmando a idéia da morte como falha. Pode haver agressões, impulsividade e discussão, especialmente se um ou ambos os pais não convivia com a criança. Mesmo após a explicação médica, os pais podem permanecer culpando-se.

As autoras afirmam que o período de doença antes da morte, é um fator positivo pois ajuda a família a se acostumar com a idéia da morte e possibilita a criação ou disponibilização de defesas psicológicas, além de permitir que o trabalho de luto antecipado seja feito, facilitando a absorção de novas informações sobre o quadro clínico e amenizando o impacto da notícia.

A morte de um filho é também ameaça à morte da mãe, simbolicamente falando, por isso, mobiliza tanto. A mãe pode sentir que está perdendo parte de si mesma e relembrar seguidamente os momentos de felicidade que teve com o filho. O que parece ser mais doloroso é a quebra de expectativas e planos, projeções dos pais para a vida daquele indivíduo que não serão realizadas.

No caso da morte de um bebê ou criança pequena, o luto é mais difícil ainda pois a mãe ainda tem vívidas as experiências de gravidez e parto. Kitzinger (1985) afirma que é como se um cordão umbilical invisível continuasse ligando mãe e filho. Portanto, um bebê natimorto pode ser uma perda tão dolorosa quanto a de um bebê maior. Segundo a autora, o desejo de maternidade é tão potente quanto o de satisfação sexual. Surge também a dúvida na hora de contabilizar os filhos. Quando perguntada sobre quantos filhos tem, a mulher fica em dúvida se contabiliza o filho falecido ou não. Pode haver um sentimento de raiva das coisas cotidianas como o nascer do sol e as pessoas vivendo suas rotinas, isto ocorre porque a mulher se sente sozinha ao viver tanta dor e a vida prosseguir nos seus eixos. Por vezes também surge raiva ou inveja de mulheres que passeiam com seus filhos ou gestantes.

Muitas vezes, a vontade inicial é substituir o filho morto com uma nova gravidez. Este desejo pode ser levado às vias de fato ou impedido quando se percebe que a criança perdida não é substituível. Deve-se encontrar um lugar simbólico para o bebê morto, o que abre espaço para o lugar de um novo bebê. Mesmo assim, a vinda de um novo filho pode trazer sentimentos de insegurança aos pais, que não sabem se poderão amar outra criança tanto quanto aquela que se foi. Surgem comparações e outras vezes, o nome dado ao novo filho pode ser o mesmo do falecido. Podem surgir também desejos intempestivos de uma relação sexual, com mais intensidade que o normal. Isto ocorre como tentativa consciente ou não, de preencher um vazio e mostrar poder sobre a morte, poder de reconstrução (Kitzinger, 1985). Um melhor prognóstico no luto, se dá quando a família possui apoio social (nos membros mutuamente e de pessoas externas, comunidade ou profissionais). O trabalho de luto com esses pais, se dá de forma semelhante aos outros tipos de luto. O processo de luto vivido por pais e família no aborto espontâneo, será contemplado com maiores detalhes no próximo capítulo.

Segundo Kassab (2004), o luto por um filho é um dos lutos mais difíceis de serem feitos porque o filho é considerado uma extensão dos pais e ocupa um importante lugar no narcisismo dos mesmos. Desde o Complexo de Édipo, homem e mulher consideram a idéia de ter um filho, que vai amadurecendo ao longo da vida. Quando este desejo se torna realidade, os pais amam o filho como se amassem a si mesmos e a morte deste filho é vista como uma separação radical, muitas vezes descrita como tirar uma parte de si. Além disso, com a morte do filho morrem também os planos e projeções feitas para este, que são muitas vezes os próprios sonhos dos pais que não puderam ser realizados.

Bowlby (1985) fala do desejo dos pais de substituírem a criança falecida, o que causa problemas no novo filho, especialmente a identificação com o falecido, anulando sua própria personalidade. A criança substituta pode ser cercada de cuidados para que não morra e nem fique doente, fazendo com que esta espere a morte, e quando ela não vem há uma grande angústia. As mães que tem este tipo de comportamento, já tinham previamente fortes características neuróticas.

2.4. Uma Visão Psicanalítica do Luto

2.4.1. O Luto em Freud

Freud, em seu texto “Luto e Melancolia”, de 1917, afirma que o luto é uma reação normal a qualquer tipo de perda e não apenas a morte. Mesmo que a pessoa enlutada se afaste de sua atitude normal, o luto não pode ser considerado patológico. No trabalho de luto, o teste de realidade demonstra que o objeto não se encontra mais ao alcance e a pessoa deve desinvestir toda libido posta nele. Este trabalho é bastante doloroso e difícil pois tudo o que foi projetado e investido naquela pessoa, deve voltar para o indivíduo ou ser reinvestido em outros objetos. Porém, o desinvestimento não poderá ser feito de uma só vez, fazendo com que as lembranças vinculadas ao objeto, continuem super investidas, sendo descatexizadas lentamente e conforme o psiquismo puder elaborar a perda.

Durante o luto, o sujeito se torna fechado em si mesmo por conta do grande trabalho que o ego está realizando, o que faz com que se perca temporariamente o interesse pelo mundo externo. A auto-estima é mantida normal e a perda é sempre consciente. O mundo se torna vazio e pobre e o luto compele o indivíduo a desitir do objeto, declarando-o morto e oferecendo um incentivo de vida.

Amorim e Viana (2003), trabalhando sobre o mesmo texto de Freud, conceituam o luto como “(...) o afeto que tem sua expressão provocada pelo impacto da perda.”(p.13) ou “ (...) um afeto que resulta do desligamento ou desinvestimento de certa quantidade de energia.”(p.13). Se coloca a grande dificuldade de se conceituar o luto. Ora ele é tratado como um afeto específico a certas situações e ora como uma ressonância de certas situações afetivas. O que é comum em todas as descrições é que o luto é uma reação a uma perda, um desinvestimento. Ainda segundo as autoras, a grande diferença do luto para a melancolia, seria a familiaridade de seus processos. Ficar enlutado é um processo normal e compreensível, enquanto que perder o interesse pelo mundo externo não o é. No entanto, o processo de luto não é plenamente conhecido. O luto serviria como um indicador de condições patológicas associadas à perdas.bivalto, ao passo que sucumbe a ele na melancolia.

A melancolia seria uma forma de luto patológica, caracterizada por desânimo profundo, falta de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de qualquer atividade, diminuição da auto-estima, culminando com um excesso de culpa e auto recriminação. O objeto perdido não é necessariamente um objeto morto mas algo que já não pode ou não se deixa ser amado pelo sujeito. Muitas vezes o paciente não sabe dizer o que perdeu, a perda pode ser inconsciente. O ego se torna absorvido num trabalho incessante sem motivo aparente e torna o sujeito inibido para suas atividades normais.

Freud aponta três pré condições para o surgimento da melancolia: perda do objeto, ambivalência e regressão da libido ao ego, sendo que as duas primeiras também estão presentes no luto, sendo a última característica apenas da melancolia.

O ego torna-se empobrecido e vazio (e não apenas o mundo externo). O ego fica desprovido de valor devido a uma parte de si ter ido embora junto com o objeto, por conta de uma identificação com o mesmo. Há uma predominância da pulsão de morte nesse processo, o que pode ser visto pela recusa em se alimentar, dormir e ter os cuidados básicos consigo, nos casos mais graves, podendo levar a um suicídio passivo.

Freud afirma que o melancólico conhece verdadeiramente a si mesmo pois sabe bem seus defeitos e tem razão de se auto-acusar, no entanto, a melancolia continua sendo uma doença. O paciente se desmascara através de uma doença. O ego se cinde e uma parte toma a outra como objeto de acusação. A grande diferença entre o luto e a melancolia, é que no luto, apenas o objeto foi perdido e na melancolia, parte do próprio ego foi perdida pois estava identificada com o objeto. Quando o melancólico se auto-recrimina, na verdade está recriminando a uma pessoa ou objeto (que foi) amado, mas que por conta desta identificação, foi colocado dentro do próprio ego.

O paciente tomado pela melancolia, antes investiu sua libido em um objeto e por uma perda desta relação significativa, a libido catexizada voltou para o próprio ego. Porém, voltando para si, não foi utilizada em prol do mesmo, mas para manter de certa forma, a relação objetal perdida. O objeto perdido foi incorporado ao ego por meio de uma identificação. Pode-se perguntar por que diante de uma mesma perda, uma pessoa reage com um luto normal e outra com uma atitude melancólica. Freud nos traz luz sobre esta questão, afirmando que certas pessoas têm predisposição para a melancolia pela forma como suas relações objetais foram formadas. Em primeiro lugar, estas pessoas possuem uma forte fixação sobre o objeto amado e em segundo lugar, a catexia objetal é frágil e de pouco poder, sendo a libido facilmente convertida para o ego sob a forma de narcisismo. Uma grande questão é que como toda relação objetal, há ambivalência. O amor pelo objeto se volta para o ego, assim como o ódio pelo mesmo, fazendo com que se retorne à etapa sádica e se queira impingir sofrimento ao objeto. Como a libido está voltada para o ego, este também passa a ser alvo das investidas sádicas, justificando o aparecimento das auto acusações.

Freud acredita que a melancolia se dissolve com o tempo, assim como o luto. Tempo este para que se faça o teste de realidade e se verifique a ausência do objeto. O objetivo é que a libido investida se torne livre para investimento em outros objetos.

Um outro ponto importante ainda colocado neste texto, aborda a questão da mania. A melancolia apresenta grande tendência de se tornar mania. Uma justificativa dada por Freud é o triunfo do ego sobre o objeto, colocando de lado o conflito, ao passo que sucumbe a ele na melancolia. A energia investida é tornada livre muito rapidamente, enquanto que no luto, é mais difícil aparecerem quadros maníacos porque o teste de realidade demonstra ausência do objeto e o sujeito é obrigado a abolir lentamente sua relação com o mesmo.

O fim da melancolia se dá normalmente por duas vias: após uma luta inconsciente de amor e ódio, que se passa no ego, o objeto é abandonado como destituído de valor, após ser depreciado e humilhado; uma outra saída é a fúria como o mesmo terminar.

2.4.2. O Luto em Melanie Klein

Melanie Klein aborda o tema do luto mais profundamente em seu texto “O Luto e Suas Relações com os Estados Maníaco Depressivos” , de 1940. Para explicitar melhor a teoria do luto desta autora, precisa-se voltar à teoria das relações objetais.

Para Melanie Klein, o bebê (e mais tarde também o adulto), passaria por duas posições norteadoras de suas relações objetais. A primeira e mais precoce é a posição esquizo-paranóide. O bebê ainda não tem uma visão integrada de sua mãe e se relaciona com objetos parciais ( o seio, a mamadeira, etc.). Por conta de uma grande angústia, produz uma cisão em seu inconsciente, entre objetos bons e maus. O objeto bom proporciona a satisfação e o conforto enquanto que o objeto mau frustra e é extremamente perseguidor. Contra ele, o bebê dirige seus impulsos sádicos, na tentativa de destruí-lo e permanecer apenas com o objeto bom. Por conta destes ataques, o bebê teme a represália do objeto, dando origem a sentimentos de perseguição e o temor de ser destruído, o que é minimizado por um bom ambiente e uma mãe cuidadora.

Após esta fase, há a posição depressiva, onde o bebê já é capaz de unir as duas imagens e perceber que se trata de um único objeto com características boas e más, tomando para si afetos depressivos e culpa por ter danificado a parte boa do objeto, dando origem a comportamentos de reparação e cuidado. A posição depressiva é vencida pela neurose infantil e outros complexos tomam seu lugar, no entanto, resquícios desta e da posição esquizo-paranóide permanecem para sempre no ego e se alternam em diferentes momentos da vida. Cristalizadas, dão origem às doenças psicótica e depressiva.

Um excesso de ansiedade depressiva e medo de que os objetos bons sejam destruídos, dá origem à agressividade como forma de protegê-los e também ao próprio ego. Podem surgir defesas maníacas (negação da perda) ou na falha destas, obsessivas, na tentativa de controlar os objetos maus.

A ligação do luto com a posição depressiva está no fato de que quando se perde um objeto amado, sobrevém o medo de perder também seus objetos bons internalizados. Os objetos maus parecem se tornar predominantes e há uma tendência de se reinstalar o objeto perdido dentro do ego. A posição depressiva arcaica é revivida como se o sujeito tivesse feito mal ao objeto bom com seus impulsos sádicos da fase anterior. Surge uma instabilidade e medo da destruição, o que é amenizado pela reintrojeção não só do objeto perdido mas dos pais bons. Boas experiências na infância auxiliam na boa resolução do luto.

Normalmente o enlutado se sente desconfiado das outras pessoas por conta de seus sentimentos de ambivalência da relação perdida, no entanto, é necessário que se renove os elos com o mundo externo e o mundo interno destruído seja reconstruído.

Segundo a autora, durante o luto, o sujeito passa por um “estado maníaco depressivo modificado e transitório, vencendo-o depois de algum tempo; assim, ele repete (...) os processos que a criança normalmente atravessa no seu desenvolvimento inicial.”(p.397).

O enlutado pode correr o risco ainda, de ver sua raiva dirigida ao objeto perdido, fazendo surgir uma sensação de triunfo e por consequência, uma culpa maior ainda. O triunfo sobre o falecido não é de todo ruim, está presente em todas as situações de luto normal e tem como objetivo retardar o processo, amenizando o impacto da perda e a tornando menos dolorosa, no entanto, pode ser percebido pelo sujeito como algo impróprio e trazer recriminações. Outro processo que ajuda na resolução do luto é a idealização do objeto perdido, manifesta na reação de ressaltar as qualidades do falecido. Isto traz certo alívio ao enlutado que se livra de sentimentos persecutórios oriundos de seus maus objetos inconscientes.

Gradualmente, o enlutado vai retomando a confiança no mundo externo, quando percebe um ambiente seguro e se apóia em suas boas experiências passadas, e assim fortalece seu vínculo com a pessoa que perdeu. Comportamentos obssessivos que surgem nesta fase, como organização de objetos, são um resquício da forma utilizada na infância para lidar com a posição depressiva.

O choro, muito comum no luto, é uma expressão de alívio, como se o sujeito pudesse se livrar da tensão e dos objetos maus que o atormentam. Os objetos internalizados, assim como ele, estão em pesar.

Com o fim do luto, surge a esperança, a reelaboração da existência e muitas vezes, o sujeito se reassume como mais maduro e mais fortalecido. Os objetos bons ganham nova vida e as relações são atualizadas. Há um recuo do ódio. A relação com o objeto perdido se torna uma relação de dependência afetiva baseada no amor e no intuito de preservar e reparar o objeto. O sofrimento induz ao amor ao objeto e à sublimações de vários tipos. Os objetos bons internos, após terem sido perdidos, são reconquistados e protegidos.

Uma diferença entre a posição depressiva arcaica e o luto normal é que quando o bebê sofre ao perder seu objeto bom, está ainda na presença dele, enquanto que a perda na idade adulta, é sofrida por um objeto realmente ausente. O adulto deve resgatar suas experiências de confiança na infância, para saber resolver o luto.

O sujeito no luto, não introjeta o objeto perdido pela primeira vez, mas o reintrojeta, restaura-o. E não apenas o objeto mas também seus pais bons da infância, enfim, o sujeito renconstrói seu mundo.

O luto não vivido e não sofrido pode dar origem a uma paranóia, a um estado maníaco depressivo ou a uma severa inibição afetiva. O equilíbrio mental é mantido a muito custo neste último caso.

Para finalizar, a autora afirma que no luto normal, na melancolia e nos estados maníaco depressivos, a posição depressiva é reativada. O paciente maníaco depressivo é aquele que não pôde fazer seu luto por não ter experiências boas na infância, impossibilitando a internalização de objetos bons. A posição depressiva nesse caso nunca é finalizada. No luto, a posição depressiva é reativada e novamente vencida por mecanismos semelhantes aos utilizados na infância.

2.4.3. O Luto em John Bowlby

Como citado anteriormente, Bowlby considera que a perda é consequência de nossos apegos. O ser humano tem a tendência de se apegar, ou seja, construir vínculos afetivos de vários tipos, com outros seres humanos. Quando há uma quebra destes vínculos, há o sentimento de pesar e perda. Portanto, o luto é normal e faz parte da vida de qualquer indivíduo. No entanto, não é um processo fácil e por isso, merece atenção .

Apego seria

qualquer forma de comportamento que resulta na consecução ou conservação por uma pessoa, da proximidade de alguma outra diferenciada e preferida.

( Bowlby, 1985, p.38)

Existem vários tipos de apego que variam de acordo com a personalidade das duas pessoas. A criança busca uma resposta emocional da figura de apego e no caso de esta figura não estar sempre presente, ser indiferente ou castigadora, podem surgir padrões de apego inseguros ou ansiosos, tornando a criança muito apegada, chorosa e insegura. O comportamento de apego seria instintivo e permaneceria ao longo de toda vida não sendo prova de infantilidade no adulto. A meta de qualquer comportamento de apego é manter o vínculo com a figura de apego. Durante este vínculo, muitas emoções surgem. A criação do mesmo é comparada à paixão, enquanto que a ruptura é vista como sofrimento. Junto com o comportamento de apego surge o cuidado, com a função de também preservar o vínculo. A forma como o apego se estabelece na infância vai ditar muitos dos modos de funcionamento do indivíduo na vida adulta, em especial o comportamento relativo às perdas. A perda de uma figura importante leva à reações de agarramento e chamado, além de aflição e tensão fisiológica.

O autor afirma que grande parte das doenças mentais são derivadas de processos de luto patológico, especialmente a histeria, a hipocondria e a depressão. Segundo ele, o processo de luto começa com a retirada de investimento emocional no falecido e segue seu curso até o enlutado poder estabelecer relações saudáveis com outra pessoa. É enfatizado que a identificação, ao contrário da opinião de outros autores, não é o único e nem o principal processo envolvido no luto. A premência de recuperar a relação com o falecido é aspecto presente mesmo depois de confirmada a perda. O luto traz consigo uma impulsão ao chamamento, à busca de um vínculo rompido. Um outro fator comum é a presença de raiva do falecido, que pode ser voltada à outra pessoa ou à si mesmo. O autor postula a idéia de “luto infantil”, dizendo que a criança é capaz de vivenciar o luto embora de uma maneira diferente, e que disto dependerá as reações de perda na vida adulta.

O processo de luto é comparado à cicatrização de uma ferida e aos processos de cura, de forma que o indivíduo enlutado é disfuncional em alguns aspectos e o luto vai levando à restauração de funções.

O luto começa no momento do recebimento da notícia do diagnóstico fatal ou do falecimento. A primeira etapa do luto é o torpor, que pode ser interrompido por explosões de raiva. A notícia é tida como irreal e se segue uma negação e afastamento de tudo vinculado com a morte. A notícia é assimilada depois de certo tempo. Antes disso, o enlutado pode parecer tranquilo ou desligado. Pode surgir a raiva dirigida contra a equipe médica ou alguma pessoa próxima, a quem é atribuída a culpa pela morte. A segunda etapa é a descrença e tentativa de modificação da realidade. A notícia é contestada com veêmencia e deixa em suspenso um efeito doloroso. Qualquer evidência contrária é negada. Pode surgir atividade intensa, além de busca desordenada de informações, mecanismos maníacos, apego desesperado ao falecido, cuidado intenso com os demais familiares, tentativa de negligenciar outras atividades, além de perda de apetite e insônia. Nesta etapa também é muito comum a culpa por não ter evitado a morte, a idéia de que Deus castigou a pessoa ou recriminação a outras pessoas. A morte real é sofrida com um choque insuportável e pode surgir o medo de retornar a locais que lembrem do falecido, além de experiências de ilusão e alucinação. A emoção surge muito intensa e o falecido é nomeado como se estivesse vivo. Pode ocorrer também o efeito inverso, qualquer assunto sobre a morte é evitado, os pertences do falecido são dados ou escondidos, na tentativa de se evitar uma dor maior. A terceira fase, é de desorganização e reorganização. Um importante indicador do progresso desta fase, é o apoio social. Um bom suporte percebido de familiares e pessoas próximas, um espaço possível para compartilhar afetos e idéias livremente, é um indicador de que o luto poderá ser resolvido de uma forma não patológica. Nesta fase podem também surgir doenças em pessoas com estrutura psicológica mais frágil, especialmente em crianças. Pode haver tentativa de substituição da relação com o falecido por uma outra, em casos de dependência afetiva. Nestes casos, o luto pode ficar suspenso, fazendo com que a nova relação não seja plenamente vivida.

O autor aborda também a questão do luto patológico. Características importantes desta forma de luto são: reações intensas à perda, raiva e auto-acusação dominantes e persistentes e ausência de pesar, além de depressão e sintomas como histeria e hipocondria. Tudo isso foi denominado “luto crônico”. Normalmente o luto crônico tem início abrupto após algumas semanas de ausência de pesar. Pode ser disparado por fatores mínimos ou eventos que lembram a perda.

Bowlby chama a atenção para o fato de que os mecanismos de defesa são muito parecidos pois todos levam a certa exclusão e evitação da perda. Eles se dividiriam em: processos de entorpecimento e evitação da lembrança, processos de desvio de atenção para coisas agradáveis, crenças na reversibilidade da perda, aceitação da perda irreversível junto com crença na persistência do vínculo com o morto, processos de projeção da raiva em outras pessoas e processos de separação do fato e dos afetos.

O autor chama a atenção para que o afeto expresso pelo enlutado é um índice pouco confiável de seu estado de luto. Uma pessoa em grande sofrimento pode aparentar tranquilidade e confiança dependendo da situação.

As principais características do luto crônico são: início tardio e abrupto, persistência de raiva e ressentimento além das primeiras semanas, tentativas reais de suicídio, ausência consciente de pesar, cuidado compulsivo com os outros, tratamento de lembranças, localização inadequada do falecido e euforia.

No caso da ausência de pesar, as pesquisas do autor demonstram que isto ocorre principalmente em pessoas auo-suficientes, independentes, auto-controladas e que desprezam o sentimentalismo. Estas pessoas fazem uma imagem de força, não choram e fogem de qualquer tipo de ajuda dizendo que estão bem. Há o medo de um colapso emocional e desejo de não transmitir fraqueza. Podem surgir sintomas físicos e a aparência da pessoa ser dura ou formal.

Pode surgir também um comportamento de cuidado compulsivo, ou seja, o enlutado elege alguém que tenha passado por uma perda ou seja carente em algum aspecto, e presta-lhe cuidados quase forçados, podendo torná-lo seu escravo e ser extremamente possessivo. Esta ligação ocorre pela identificação projetiva.

O enlutado pode guardar objetos do falecido na tentativa de que ele volte e ao mesmo tempo não desejar esta volta. Pode se desfazer imediatamente de vários objetos, sem critério, inclusive dando ou se desfazendo de coisas preciosas.

O falecido pode ser mal localizado em termos de identificação ou projeção. Isto ocorre com frequência no luto incompleto, onde a localização pode se fazer dentro do eu (a pessoa adquire aspectos psicológicos do morto), causando doenças físicas e psicológicas por identificação; dentro de outras pessoas, quando se compara o morto a algum parente vivo, por exemplo; ou dentro de animais e objetos inanimados, quando alguém lamenta desproporcionalmente a morte de um animal de estimação ou a quebra de um objeto sem muito valor.

Há ainda a reação eufórica, podendo chegar à hipomania. Isto pode ser explicado pela irrealidade que a perda tem para aquela pessoa ou o sentimento de continuidade do morto dentro de si. A reação eufórica é instável e pode ser substituída a qualquer momento pelo pesar. O enlutado pode ter a sensação de que o morto vive dentro de si ou de ser duas pessoas.

O autor estudou ainda as personalidades predispostas ao luto patológico e encontrou as principais características: inúmeras perdas na infância, elevado grau de apego ansioso combinado com ambivalência nas relações, disposição para prestar cuidado compulsivo e pessoas que se vêem independentes das relações afetivas, seguras mas com uma base frágil.

As pessoas com elevado nível de apego ansioso seriam fortemente fixadas em um objeto mas com pouca tolerância à frustração. Diante da perda desenvolveriam um comportamento de agarramento e não aceitação. As pessoas predispostas ao cuidado compulsivo são vistas como nervosas, dependentes, agarradas, temperamentais e neuróticas. Esse comportamento tende a surgir na infância ou na adolescência. O terceiro grupo é formado por pessoas que desenvolvem frágeis vínculos afetivos e se sentem independentes das relações humanas e auto-suficientes, dificultando a expressão do luto. Um outro fator acrescentado posteriormente pelo autor foi o tipo de casamento e modelo de vínculo. Percebeu-se que os casais que tinham modelos de relacionamento “gato e rato” (brigas e reconciliações constantes) e “crianças inexperientes” (evitação de conflito), tiveram maior dificuldade após a morte de um dos cônjuges, por ambos modelos representarem um apego ambivalente e inseguro.

2.4.4. O Luto em John Parkes

Parkes (1998) é também um autor muito citado quando se fala em luto. Ele afirma que um quarto de todas as consultas médicas era fruto de algum tipo de perda (não apenas por morte). O autor também concorda, como os anteriores, que o luto contribui para doenças psicossomáticas e psiquiátricas, incluindo doenças cardíacas e suicídio.

As perdas não são necessariamente ruins, no entanto, suas consequências ainda são sub diagnosticadas e subtratadas. Um dos motivos possíveis seria o fato de que a perda aconteceu e não se pode voltar atrás, então, um dos meios de se lidar com ela seria ignorá-la.

Para este autor, o luto é uma síndrome não patológica que inclui como sintomas a necessidade imperiosa de se fixar ao passado, chorar, procurar o que foi perdido ao mesmo tempo que se quer progredir na vida, explorar o novo mundo que agora surge e reexaminar a vida. A maioria das pessoas tenta suprimir esta experiência e evitar lembranças do acontecido, o que é extremamente prejudicial pois levaria a um luto crônico, distorcido e à depressão.

Parkes concorda com Kitzinger, no que diz respeito ao luto vir em ondas, sendo que ocorrem episódios de estresse agudo, espaçados por períodos de alívio e execução das funções normais como dormir, comer, etc.

Para este autor, as fases do luto normal seriam: choque, irritação e depressão, desorganização e desespero e reorganização. No entanto, assim como as anteriores, estas fases não devem ser vistas de forma rígida pois podem se sobrepôr, finalizar e retornar após uma lembrança do evento ou alguma fase pode ser surprimida.

Parkes cita também alguns fatores de risco para o luto patológico como: circunstâncias traumáticas, mortes múltiplas, mortes por suicídio, mortes por homicídio, baixa auto-estima, pouca confiança nos outros, doença psiquiátrica prévia, tentativa de suicídio e ausência de suporte social. Cita ainda fatores específicos que também aumentariam o risco de luto patológico como: relação ambivalente com o falecido, apego dependente ou inseguro.

Em relação ao luto patológico, o autor cita as seguintes características:

Fisiológicas

- Depressão do sistema imune

- Aumento da atividade da supra renal

- Aumento da prolactina sanguínea

- Aumento do hormônio do crescimento

- Desordens psicossomáticas

- Mortalidade elevada por problemas cardíacos

Psiquiátricas Não Específicas

- Depressão

- Ansiedade ou Pânico

Psiquiátricas Específicas

- Transtorno do Estresse Pós Traumático

- Luto Suprimido ou Retardado

- Luto Crônico

2.4.5 – O Luto em Lindemann

Como já foi afirmado anteriormente, Lindemann foi o primeiro autor a cunhar a expressão “Luto Patológico” e fazer os primeiros esclarecimentos sobre o tema. Um artigo pioneiro do autor foi “The Symptomatology And Management of Acute Grief” (A Ssintomatologia e Gerenciamento do Luto Agudo), publicado na Revista de Psiquiatria Americana em 1944 e que ainda serve de base para muitos estudos sobre luto.

O autor (1979) concorda com os demais que o luto não é uma entidade psiquiátrica, senão uma reação normal a uma situação estressante. O luto é uma síndrome com componentes psicológicos e somáticos, pode ser imediamente expresso, assim como adiado, exagerado ou aparentemente suprimido e pode surgir distorcido caracterizando o luto patológico, que com intervenção terapêutica se transforma em luto normal e segue seu curso.

A sintomatologia do luto normal é basicamente: sensação de estresse vindo em ondas, nó na garganta, respiração curta, necessidade de suspirar, sensação de vazio no abdômen, falta de energia e tensão mental. Os sintomas são precipitados especialmente por visitas, menção ao falecido e recebimento de pêsames. Segundo o autor, a parte sensorial é bastante afetada e surge certa irrealidade do mundo, um ambiente não-familiar e distanciamento de outras pessoas. O enlutado pode ter medo de falar sobre suas sensações e ser taxado como insano. Outra reação comum é a busca por falhas que tenham levado à morte, o que pode se tornar uma busca incessante por um culpado. A raiva surge com frequência em pedidos de não ser incomodado e querer ficar só, o que não consegue ser explicado pelo enlutado. Como esta ausência é vista como inadequada, muitas pessoas forçam contatos sociais e aparecem de forma fria e formal. Há também uma pressão para fala, especialmente no que concerne a perda, ansiedade, vontade de andar sem rumo e a busca por algo prá fazer por não conseguir relaxar. São buscadas atividades sem objetivo, desorganizadas mas que envolvam esforço físico. No entanto, o enlutado permanece sem iniciativa e depende de alguém que incentive sua vida, podendo absorver esta pessoa que funciona como “muleta”.

Lindemann(1979) considera como patognomônicas para o luto as seguintes condições: preocupação com a imagem do morto, culpa, reações hostis e modificação dos padrões habituais de conduta.

Pode surgir no enlutado algum sintoma pertinente à enfermidade de dizimou o morto. Surge hipocondria e visitas constantes à médicos.

Assim como Bowlby, Lindemann concorda que o trabalho de luto tem curso variável e possui como objetivo a constatação da perda definitiva e a formação de novos vínculos afetivos. Muitas vezes uma pequena intervenção terapêutica é capaz de mudar o curso de um luto que era patológico. Da evitação do assunto, o paciente pode passar a falar alegremente do morto idealizando-o.

O luto patológico é considerado uma distorção do luto normal e se caracteriza por alguns aspectos essenciais discutidos a seguir:

Reação Retardada: Consiste num adiamento do luto, muitas vezes por conta de processos administrativos em relação a velório, enterro, etc. A pessoa permanece “fria” enquanto cuida de parentes desconsolados ou providencia os papéis necessários como atestado de óbito. Até este ponto, o luto retardado é normal. O problema ocorre quando o luto é adiado por meses ou anos. Uma segunda perda pode desencadear o processo de luto adiado por muito tempo. Outro desencadeante pode ser o ambiente, a lembrança da situação ou ter a idade que o morto tinha. O autor cita o caso de uma mulher de 38 anos que ao perder a mãe, desencadeou o processo de luto do irmão, morto 20 anos antes de forma dramática.

Reação Distorcida: Durante o adiamento do luto podem surgir padrões de comportamento anormais para o enlutado. Estes padrões são a superfície de um luto patológico e podem ser modificados com uma intervenção psicológica breve. Alguns exemplos são o excesso de atividade não acompanhada de pesar, ao contrário, de um senso de enorme bem estar. Surge o desejo de se aventurar e fazer inúmeras coisas ao mesmo tempo, podendo alguma ser parecida com atividades antes executadas pelo falecido. Outro exemplo é o comportamento hipocondríaco já citado de ter a mesma doença ou sentir as mesmas dores que o falecido. Surgem também condições psicossomáticas como a colite ulcerativa, que segundo estudos do autor, está relacionada ao trabalho de luto. Surgem alterações a nível social como irritação, isolamento, falta de motivação, agressividade, além de ódio de determinadas pessoas sem motivo. Os enlutados com frequência lutam contra este sentimento de hostilidade, se forçando a situações sociais e aparecendo formalmente como uma expressão vazia lembrando alguns quadros esquizofrênicos. Como já citado, surge também excesso de atividade, falta de sono e apetite além de pouca iniciativa. Os pacientes são facilmente ludibriados nesta fase, dando seus pertences, vendendo por preços absurdos, entrando em sociedades com estranhos e perdendo muitas vezes sua situação econômica. Algumas vezes, o luto patológico toma a forma de depressão com agitação, insônia, auto-acusações e necessidade de punição masoquista. Pacientes com personalidade obsessiva e história de depressões anteriores teriam pior prognóstico e mais chance de desenvolverem depressão ansiosa.

Difícil é também o luto por pessoas chave na vida do enlutado mas com as quais possuía relação ambígua e carregada de hostilidade. Normalmente há uma reação de luto intensa onde a raiva é o sentimento preponderante. Surgem também mudanças sociais enormes nestes casos como quando morre o chefe de família. Pode haver perda financeira, mudança de casa, entre outros.

Lindemann (1979) chama a atenção para o fato de que não só o luto exagerado deve ser tratado mas também o luto suprimido, que é mais silencioso. Duas dificuldades no trabalho com o enlutado é conseguir a expressão livre de seus sentimentos, sem que se ache insano e a expressão da raiva que é reprimida quase sempre. O psicólogo deve tentar reduzir o estresse emocional até um nível tolerável.

O autor fala ainda sobre o luto antecipatório, afirmando que o luto é apenas uma das reações de separação. A separação pela morte tem como característica a irreversibilidade e finalidade. No luto antecipado, o paciente se defronta com seu ajustamento a uma morte potencial (ambígua) e passa pelas fases de luto e/ou depressão antes do falecimento efetivo e se ajusta às possíveis mudanças pós morte. Antecipar o luto é certamente um modo de auxiliar durante o pós morte porém traz também alguns problemas quando no caso em que o doente sofre melhora e pode ter alta. O vínculo fica severamente prejudicado pois o “enlutado” tem que novamente reincorporar o parente à rotina e isso pode trazer grande ambivalência.

Lindemann afirma ainda que as doenças não estão confinadas dentro dos indivíduos (como numa estrutura de personalidade) mas que certos eventos modificam as relações interpessoais e podem levar à doença. A intervenção deve ter sempre um caráter preventivo no sentido de evitar o luto patológico. A síndrome do luto flutua em intensidade e se torna cada vez mais tolerável até se extinguir quando a pessoa consegue novamente se apegar a outras. O trabalho de luto consiste na aceitação dos sentimentos dolorosos envolvidos, na revisão de experiências vividas com o falecido e no teste de desempenho de novos papéis na vida social que possam preencher o vazio deixado pelo falecido.

O autor , como já mencionado, associa a colite ulcerativa a uma tentativa de luto malsucedida. O ego do enlutado se mistura ao ego do falecido levando a uma atitude hipocondríaca. No luto patológico, a pessoa tem dificuldade de lembrar da imagem do falecido, toma atitudes pouco recomendáveis como se mudar, se isolar dos amigos ou trancar num armário os pertences do falecido.

A pessoa pode adquirir também características da personalidade do falecido. Uma mulher pode perder o pai e se tornar masculina, outra que perde um filho pode se tornar carente e dependente como uma criança. O trabalho mais difícil no luto seria a redistribuição de papéis.

CAPÍTULO III

ABORTO ESPONTÂNEO

“ERA UMA MONTANHA RUSSA DE ESPERANÇA E DESESPERO. APÓS CADA TENTATIVA FRACASSADADA ERA DIFÍCIL PENSAR POSITIVO.”

NEVILLE, 2002, P.1.

3.1. CONCEITUANDO O ABORTO ESPONTÂNEO

Conceitua-se abortamento como

a interrupção da gestação antes de completar 20 semanas[1] ou 139 dias, com expulsão parcial ou total dos produtos da concepção com ou sem identificação do embrião ou feto vivo ou morto, pesando menos de 500g.

(Kunde e Cunha Filho, 1997,p.387)

Existem várias formas de se classificar o abortamento. Os principais tipos segundo a Organização Mundial de Saúde (apud Silva, 2004) são:

Quanto à forma de expulsão do ovo: espontâneo ou induzido.

Quanto ao tempo de gestação: subclínico (antes de 4 semanas), precoce (entre 4 e 12 semanas) e tardio (após 12 semanas).

Quanto à expulsão do feto e anexos: completo, incompleto ou retido.

Quando ao número de abortos: habitual (mais de 3 abortos seguidos).

Quanto às patologias associadas: infectado (com infecção uterina) ou séptico (com infecção sistêmica).

As causas do aborto são divididas em maternas e fetais. As causas fetais mais comuns são falhas genéticas, respondendo por 50% de todos os abortos. As patologias mais encontradas são: trissomias (especialmente do 16, 13, 15, 21 e 22), seguida de monossomia dos cromossomos sexuais e poliploidias. Ocorrem também inversões de genes, mutações e translocações. Outra causa fetal de abortamento é a circular de cordão umbilical (Kunde e Cunha Filho, 1997; Silva, 2004).

As causas maternas se dividem em: causas anatômicas como formatos do útero incompatíveis com a gestação, miomas, incompetência istmocervical, etc.; patologias endócrinas como insuficiência do corpo lúteo (produzindo pouca progesterona), doenças da tireóide e diabetes insulino dependente; patologias imunológicas como as doenças auto-imunes (lúpus, síndrome do anticorpo fosfolípide) ou a doença hemolítica do recém nascido ( conhecida como a doença do fator Rh) e patologias infecciosas como sífilis, AIDS, sarampo, rubéola, toxoplasmose, entre outras. Outras causas possíveis são a hipertensão arterial sistêmica e infecção ativa por Clamídia. Também têm forte influência no processo de abortamento o consumo de álcool, cigarro e drogas ilegais, idade materna acima de 35 anos, medicamentos e alterações do ciclo menstrual (Moreira, 2003; Kunde e Cunha Filho, 1997; Silva, 2004). Além dos fatores biológicos, há também os fatores ambientais (exposição a Raios X, mutação de genes maternos, poluentes, etc.) e psicológicos, discutidos mais adiante.

Conceitua-se o aborto espontâneo por exclusão, ou seja, é todo aquele aborto que não foi induzido, resultando em uma expulsão natural pelo corpo do feto (completa ou não). Em inglês usa-se o termo “miscarriage”, que não tem correspondente em português e quer dizer algo que não foi adequadamente seguro ou contido. A maior parte dos abortamentos espontâneos ocorre antes do diagnóstico clínico da gravidez. Estima-se que 78% das gravidezes terminem em perda (Pena, 1986). No entanto, apesar de o aborto espontâneo ser mais comum do que o imaginado, trata-se de uma experiência dolorosa na maioria das vezes e que não é adequadamente manejada pelos profissionais de saúde como veremos mais adiante.

3.2. Aspectos Biopsicossociais da Gestação de Risco

O aborto espontâneo pode ser ou não precedido por uma gravidez de risco. A precedência da gravidez de risco pode ser um facilitador da elaboração da perda pois a mulher já teve tempo de se preparar para um possível fracasso da gravidez, como pode também ser um complicador do luto, aumentando a sensação de culpabilidade e fragilidade do próprio corpo.

Segundo Zugaib (1994), a gestação de risco é aquela onde a mãe ou o feto apresentam chances aumentadas de morte ou morbidade. Rocha (2004) complementa dizendo que risco é sempre uma probabilidade e não uma certeza e que o enfoque de risco é essencialmente preventivo, buscando-se os fatores complicadores e suas possíveis soluções. Gomes et al. (2001) apontam a origem da palavra “risco”, que advindo do vocábulo riscare significaria ousar, ou seja, o risco seria uma opção e não um destino, confirmando a idéia de que o risco é uma tendência. Ainda segundo os autores, toda gravidez seria de risco, porém algumas apresentam risco ligeiramente aumentado e necessitam de cuidados intensificados.

Os fatores de risco da gravidez se dividem em: fatores médicos, fatores psicológicos e fatores sócio-econômicos. Entre os fatores sócio econômicos podemos citar: pobreza, baixo nível educacional, profissão dos pais, ambiente (saúde, moradia, higiene), ausência de parceiro e desnutrição durante ou antes da gravidez. Entre os fatores médicos se encontram: história de infertilidade, antecedente de aborto espontâneo, gravidez tubária, parto de natimorto ou parto prematuro, malformações uterinas, multiparidade, patologias maternas (cardíacas, sanguíneas, pneumológicas, tireoidianas, endocrinológicas, etc.), assistência pré natal ausente ou insuficiente, história de sangramento vaginal, gemelaridade, gravidez prolongada e uso de álcool ou fumo. Os principais fatores psicológicos são: dificuldades de lidar com a sexualidade, pouco apoio social, estressores diários, alto nível de ansiedade/depressão, não aceitação da gravidez e existência de perdas anteriores (Rocha, 2004; Zugaib, 2004; Murphy e Robbins, 1993).

Para Murphy e Robbins (1993), a gestação de risco intensifica as alterações emocionais comuns da gravidez. Os procedimentos que deveriam proteger mãe e filho de complicações médicas, podem trazer uma maior dificuldade de vínculo e facilitar o surgimento de uma atitude negativa em relação à gravidez, criando inclusive hostilidade dirigida para o feto. Klaus e Kennell (1993) citam o exemplo de mães de bebês prematuros, cuja gravidez foi de risco. A equipe médica se esforça para manter os bebês vivos e em boas condições. Quando os mesmos vão para casa, tempos depois acabam retornando à emergência com baixo peso, debilitados e feridos por agressões dos próprios pais.

O tratamento de alto-risco reforça os sentimentos de anormalidade e fragilidade da mulher. Se surge uma doença específica da gestação, como a hipertensão gravídica, a mulher se vê às voltas com a patologia, a gestação e uma possível hospitalização, ampliando em muito a crise de identidade já vivida. Pode surgir também a agressão do marido, muito comum quando desperta sentimentos de inveja neste. Os sentimentos despertados por uma possível hospitalização na gravidez, são os mais variados possível: raiva, descrença, ansiedade, medo e depressão (Murphy e Robbins, 1993). Há de se considerar que a gestante possa nunca ter estado internada e ter dificuldades de se familiarizar com as rotinas rígidas do hospital, a ausência de elementos familiares próximos e o desconhecimento de certos exames e procedimentos médicos comuns na gestação de risco. Não é incomum aparecerem gestantes de outras cidades e estados, sem família no Rio de Janeiro e que necessitam ficar internadas, gerando muita ansiedade frente ao desconhecido da gravidez e do hospital. Contribui para isso, a ausência de médico fixo na rede pública o que dificulta a vinculação destas mulheres com uma figura de confiança.

A gravidez de risco apresenta a necessidade de fazer um luto pela gravidez saudável, pelas expectativas e talvez pelo filho saudável ou bem formado. Pode surgir um mecanismo de defesa de negação ou choque quando a internação ocorre. A paciente permanece “aérea”, desligada de tudo à sua volta, não conseguindo absorver as informações dadas, por mais detalhadas que sejam. Esse mecanismo protege temporariamente contra a realidade insuportável porém se prolongado, trará problemas na adesão ao tratamento, podendo a gestante se submeter a atos perigosos, não fazer repouso ou não tomar os medicamentos corretamente. A mulher pode ainda pensar que fracassou como mãe, que seu corpo é por demais frágil para sustentar o bebê e que ela não fez o que era necessário (Murphy e Robbins, 1993).

Em relação aos exames, como já citado, a paciente pode não entender o que significa uma amniocentese, a cardiotocografia, os exames de circulação sanguínea como a dopplerfluxometria e outros procedimentos que se façam necessários, desconhecendo seus riscos e não podendo fazer a opção adequada, além de cria inúmeras fantasias a respeito de dor e sofrimento do feto durante os exames. Os autores enfatizam a importância da paciente ser bem informada e de haver uma negociação quanto aos procedimentos adotados, sendo médico e paciente partes do tratamento.

Uma dificuldade encontrada na internação é que a paciente por vezes se sente bem e não entende a necessidade do repouso. Em pacientes mais jovens, é mais complicado devido à rebeldia própria da adolescência. Há o tédio, a falta de visitas e por vezes a falta de quem conversar quando as pacientes da mesma enfermaria são de idades muito destoantes. A internação promove a perda da autonomia e da capacidade de tomar decisões. As pacientes mais regredidas podem ficar inteiramente nas mãos dos médicos, crendo que seguindo as condutas adequadamente poderá ter certeza absoluta da salvação do bebê. Quando isto não ocorre, há um grande sentimento de frustração e raiva.

As pacientes também interagem entre si na enfermaria, podendo informações distorcidas e fantasias se disseminarem com rapidez espantosa. Isto pode causar problemas pois uma paciente pode querer ir embora do hospital ao comparar seu prognóstico com o de uma outra com patologia diferente, ou uma paciente pode indicar ou contra-indicar determinado medicamento a uma outra.

Surgem também a preocupação real com o parceiro que ficou em casa, que por vezes cobra a volta da esposa e a existência de relações sexuais, ameaçando-a de encontrar outras mulheres, a preocupação com os outros filhos em casa, que podem não ter com quem ficar, além das preocupações normais com a ida regular à escola, alimentação e segurança, especialmente quando moram em local violento como as favelas dominadas pelo tráfico. A mulher pode ter um apego forte aos filhos maiores e pouco vínculo com a gestação atual, trazendo ambivalência, culpa e depressão. A sociedade cobra que se cuide do novo filho mas a paciente pode não ter vontade e querer ir embora do hospital, se sentindo culpada. A isto se somam as perdas financeiras por um possível abandono de emprego, desemprego ou preocupação com o futuro da família. Quando não internadas, as mulheres podem não deixar de fazer as tarefas domésticas ou buscarem empregos além de sua capacidade de gestante, por necessidade econômica imperiosa. Surge então a raiva dirigida ao feto que a afasta de sua família, emprego e vida social, especialmente numa gravidez não desejada. Surge a pressão familiar pela desistência do tratamento, a chantagem emocional dos outros filhos ou mesmo o surgimento de doenças precipitadas pelo emocional como febres, diarréias, anorexia, etc. (Murphy e Robbins, 1993).

Os autores sugerem que se faça uma educação para a saúde com essas pacientes, incluindo explicações sobre procedimentos de rotina, conhecimento da UTI neonatal, abordagem do tema da perda fetal e acolhimento dos parceiros quando possível. A abordagem do tema da UTI pode ser bastante assustador a princípio, no entanto, os autores consideram que a fantasia dos pais é bem pior que a realidade e que a ida do bebê para a UTI sem aviso e preparação prévia, traria um choque muito maior aos pais. Em alguns hospitais maternidade, essa preparação é feita através de fotos, uso de bonecos com gaze e tubos comuns de UTI, vídeo e descrição da unidade e da criança que será visitada. A escolha é sempre facultada à mãe. Os autores também sugerem a preparação para a cesariana já que é o procedimento mais comum na gestação de risco.

Klaus e Kennell (1993) citam estudos que mostram que o perfil psicológico da gestante de risco, difere das que possuem uma gestação normal. Entre as características mais marcantes estariam: atitudes negativas em relação à gestação, maior imaturidade emocional, maior narcisimo corporal, labilidade emocional, excessivas queixas físicas, falta de resposta aos primeiros movimentos fetais e falta de preparação para a chegada do bebê (Cohen; Blau apud Klaus e Kennell, 1993).

Merkatz (apud Klaus e Kennell, 1993) afirma que as mulheres hospitalizadas antes do nascimento do bebê apresentaram preocupação em primeiro lugar com a saúde deste e em segundo lugar com a sua própria. Surge a solidão e temores em relação à família, aliviadas pela não limitação das visitas neste caso. As gestantes de alto risco mencionam a preocupação de todos com o bebê e de poucos com ela.

Um estudo realizado no Canadá por Costa, Brender e Larouche (1998), tentou prever as complicações obstétricas através de fatores psicológicos e encontrou certo sucesso. As variáveis psicológicas medidas foram: apoio social, estresse global, ajustamento conjugal, recursos pessoais e estilos de vida, além da ansiedade estado. O estresse foi subdividido em duas categorias: estresse diário (aborrecimentos) e estresse específico da gravidez.

Das 102 mulheres que participaram do estudo, 63% experimentaram alguma complicação na gravidez. As mulheres de gestação de risco diferiram das demais em um sem número de variáveis. Altos níveis de ansiedade estado e estresse diário, além de maior preocupação com a imagem corporal, sintomas somáticos, mau funcionamento conjugal, vida sexual pobre e preocupação com a saúde do bebê e parto, foram associados à complicações gestacionais.

As primigestas encontraram maiores dificuldades na gestação. Os autores afirmam que o efeito da paridade é primariamente um efeito médico mas também pode ser psicossocial indiretamente. Outro achado foi que o consumo de cafeína foi maior em mulheres com complicações intraparto.

Alvarado, Medina e Aranda (1996) em seu artigo “Componentes Psicossociais do Risco Durante a Gestação”, falam sobre a importância do apoio social relacionado ao desenlace da gravidez. Segundo os autores, suporte social seria a percepção do sujeito em termos de ser amado, cuidado e valorizado. Não se restringiria a estar rodeado de pessoas mas teria preferencialmente um componente afetivo. Relações sólidas e pessoas vistas como auxiliadoras, serviriam como um efeito tamponandor (buffer effect) dos efeitos do estresse sobre o sujeito. Características psicológicas preditoras de gravidez e parto complicados, além do pouco suporte social seriam: dependência afetiva, insatisfação com o feminino, desejo de um parceiro protetor, ansiedade sobre o desfecho da gravidez, apreensão exagerada, introversão e sensibilidade. Os autores também destacam a importância dos recursos pessoais: enfrentamento, vulnerabilidade, resiliência, etc. e dos eventos vitais como falecimento de pais/parentes, doença orgânica não relacionada à gravidez, mudança, entre outros.

Deve-se notar também a problemática de adquirir uma doença rara durante a gestação. A gestante fica assustada com a patologia, o provável desfecho para si e para o bebê, as recomendações médicas, o prognóstico, os tratamentos desconhecidos, entre outros. Nestes casos, recomenda-se o trabalho de grupo para servir de continente às angústias da paciente e para comparação com as demais.

3.3. Alguns Estudos Sobre Perda Fetal

Martins e cols. (1998) realizaram um estudo no Hospital da Faculdade de Medicina da USP, entrevistando 13 pacientes que haviam abortado espontâneamente, acerca de várias questões envolvendo o acontecimento. Como resultado, descobriram que o número de mulheres que desejavam e as que não desejavam ver o feto, era equilibrado, indicando dificuldade de tomar essa decisão. A atitude final da mulher estava fortemente influenciada pela equipe médica. A maioria das mulheres tinha dúvidas sobre a causa do aborto. Este fato refletia a insegurança da equipe médica em relação a um diagnóstico. As pacientes estavam bastante preocupadas se o bebê seria jogado no lixo, o que reflete desconhecimento sobre os procedimentos neste caso. A maioria das mães desejava enterrar o bebê, algumas preferiam evitar o contato por medo de se impressionarem com a visão do bebê. Outro fato importante descoberto na pesquisa foi que a idade gestacional precoce e a existência de outros filhos, não diminuía o sofrimento das pacientes, o que é habitualmente considerado.

Quayle, Neder e Zugaib (1995) realizaram estudo também em São Paulo, como 50 pacientes de aborto espontâneo e 50 pacientes de grupo controle, se utilizando de entrevistas e testes psicológicos. Como resultados, encontraram uma lembrança bastante nítida e detalhista do evento de aborto. A maioria das pacientes (85%) se referia ao feto como “filho” e apenas 11% dos sujeitos considerou a perda como normal ou parte da vida. Surgiu frequentemente o medo de não suportar outros abortos ou não poder gerar uma criança saudável. Uma minoria dos sujeitos (2%) afirmou ser um destino a se conformar, enquanto que 24% afirmou ser a primeira perda de uma cadeia de outras. O sentimento depressivo esteve fortemente presente nas pacientes de abortamento (84%), embora não se esteja falando da depressão psiquiatricamente caracterizada. Apenas 4% dos sujeitos referiram aceitação da perda. Importante e digno de nota o fato de que apenas as mulheres que já haviam tido abortamento tardio, classificaram o abortamento precoce como menos doloroso, todas as demais valorizaram a perda como experiência emocional única.

Um fator de exacerbação do luto foi a falta de explicações sobre as causas do aborto. Surgia então uma tendência à explicação cultural como azar, vontade divina ou castigo. A prática religiosa não pareceu diminuir o sentimento depressivo das pacientes. Outras descobertas significativas foram o fato de o número maior de abortos vividos não “anestesiar” os sentimentos da paciente em uma nova experiência e o fato de o grupo de abortamento não apresentar maior índice de personalidade mórbida que o grupo controle.

Um estudo realizado em Londres por Nikcevic, Kuczmierczyk e Nicolaides (1998) sobre enfrentamento, ansiedade e depressão pós perda gestacional, mostrou que após 15 dias do abortamento, 42% das mulheres tinham níveis significativos de ansiedade e 15% tinham depressão. Após o acompanhamento de um ano, os níveis não se alteraram. Segundo os autores, outros estudos de follow up mostraram flutuações de humor nos meses seguindo o abortamento, com picos de estresse em datas significativas. O estudo também sugeriu maior morbidade psiquiátrica entre pessoas de classe baixa, além de maior ansiedade em mulheres com perdas fetais prévias. A depressão estava fortemente associada à sentimentos de responsabilidade e culpa pelo abortamento, além de uma baixa auto-eficácia. Mulheres com baixa auto-estima tendem a se responsabilizar, enfrentando a perda como falha pessoal, reforçando ainda mais a baixa auto-estima.

Um estudo americano realizado por Ney e cols. (1994) sugere que a perda gestacional leva a um conflito psicológico tão intenso que deixa para a mulher, pouca energia para lidar com as exigências da vida. Além disso, o conflito pode deixá-la distraída e com isso, tendendo a interpretar mal algumas informações, levando à má tomada de decisão. A vida pessoal, a saúde e as relações interpessoais ficam deterioradas e também pode surgir depressão, suprimindo o sistema imunológico e facilitando o aparecimento de doenças. Foram associdas com a Depressão Maior, perdas mais numerosas e recentes, além de apego ao ex companheiro (no caso de separação). Ansiedade e depressão podem aparecer mais frequentemente após o nascimento de uma criança saudável se houve um aborto anterior, pois o estado psicológico da mãe pode dificultar o apego ao novo filho e a amamentação ao seio.O luto pode ser dificultado pelo conluio de silêncio que normalmente ocorre.

Um estudo tailandês realizado por Prommanart e cols. (2004), demonstrou que metade de sua amostra de mulheres pós abortamento, apresentava sintomas de luto moderado ou severo não reconhecido pelos médicos. Os autores sugerem acompanhamento destas pacientes no mínimo por 6 meses após a perda. O bebê foi identificado como um indivíduo, aumentando o apego com a criança não nascida. A pesquisa também mostrou a significância do estado civil. Mulheres solteiras ou divorciadas poderiam contar com menos suporte social, trazendo maior dificuldade de lidar com o problema e maior índice de desespero (medido por uma escala).

Um estudo de coorte realizado por Hughes, Turton e Evans (1999) na Inglaterra, abordou mulheres que tiveram partos de natimorto. A pesquisa sugere o tempo de um ano para recuperação do luto. Mulheres que conceberam rapidamente após a perda, eram mais ansiosas e deprimidas que o grupo controle.

Outro estudo realizado pelos mesmos autores em 2001, abordava a associação entre parto de natimorto e Transtorno do Estresse Pós Traumático (TEPT). Os autores encontraram 20% de mulheres com esta patologia após o parto de natimorto e 29% se for considerada toda a vida e não somente o pós parto. Um fator protetor foi um bom suporte emocional logo após o parto, além do encorajamento a ver e segurar o bebê falecido se for da vontade da mãe. O nascimento de um bebê saudável em uma próxima gestação teria efeito “curativo”. Outra descoberta foi que as mulheres que apresentaram TEPT, possuíam mais risco de depressão e ansiedade-estado.

Franche (2001), pesquisando a perda gestacional no Canadá, incluiu o senso de auto-crítica tanto da mulher como do homem, como um bom preditor da intensidade do luto após uma perda gestacional. Uma característica marcante das mulheres com luto patológico foi a culpabilização pela perda, fortemente associada com índices de depressão, enquanto que os homens tinham mais problemas com o luto relacionados ao ajustamento marital percebido, o que sugere que a perda influencie o auto-conceito da mulher e o ajustamento percebido no casamento pelos homens. A mulher tende a intepretar a perda como uma falha pessoal enquanto que os homens tendem a sentir um afastamento na relação conjugal. Ao contrário de estudos anteriores, a pesquisadora encontrou entre as mulheres que engravidam logo após a perda, menores índices de ansiedade e depressão, o que poderia ser explicado pelo fato que de apenas casais em melhor estado psicológico conseguiriam conceber uma criança saudável.

Wong e cols. (2003) estudaram a reação da equipe de saúde e das mulheres ao abortamento espontâneo e concluíram que: as mulheres possuíam poucas informações sobre o aborto e desejavam seguimento do atendimento após a alta, a equipe de saúde tendia a minimizar o impacto da perda para a mulher, havia um forte senso de falha pessoal e culpa por parte das mulheres, além de reações de cuidado instáveis por parte da equipe.

Santos, Rosemburg e Buralli (2004) realizaram um estudo qualitativo com mulheres sobre perdas fetais através da técnica da história oral. Entre as reações mais comuns, encontraram: tentativa de culpar o médico pelo aborto, opinião de que o médico era frio, necessidade de acompanhamento médico após a alta, sentimentos de frustração, revolta, culpa e tristeza, além de sentimentos de perda de si ou de parte de si. Surgiu uma grande necessidade de apoio por parte de família e instituições religiosas. Algumas mulheres valorizaram a experiência como oportunidade para amadurecimento.

Arck e cols. (2003) enfatizaram o papel do estresse como gatilho para abortamentos espontâneos através de sua pesquisa “Estresse e Marcadores Imunológicos no Aborto Espontâneo”, publicada em uma Revista americana.

Sugiura-Ogasawara e cols. (2002) em estudo realizado em uma maternidade no Japão, demonstraram a importância de fatores psicológicos pré-gestação na ocorrência de múltiplos abortos espontâneos, especialmente a ansiedade-estado. Enfatizaram o risco de depressão em até 6 meses após um aborto espontâneo, além do fato de as mulheres que sofrem abortos habituais terem mais propensão à transtornos psicológicos. Os autores chamam à atenção para o fato de o estresse crônico também ser causador de depressão (no caso de abortos habituais). Um estado depressivo pré gestacional pode influenciar na ocorrência de aborto espontâneo.

O estudo de Janssen, Cuisinier e Graauw (1998) demonstrou forte correlação entre a intensidade do luto e fatores como: maior tempo de gestação antes da perda, maior grau de sintomas neuróticos, sintomas psiquiátricos pré gestacionais e ausência de filhos vivos.

Malacrida (2000), em estudo canadense, afirma que o casal que sofre uma perda gestacional tende a receber menos suporte social e ter sua perda minimizada pelos demais. O pouco suporte recebido pela família e amigos ficou aquém das expectativas e até mesmo gestos como recebimento de flores, cartões e visitas hospitalares não ocorreram, o que foi entendido pelo casal como uma não valorização da experiência de perda. A equipe de saúde foi vista como não cuidadora e instável, não oferecendo suporte adequado. Pouco foi dado em termos de informações claras ou espaço aberto para desabafo dos pais sobre sua culpa. A Igreja foi vista como pouco suportiva também, sendo recusados alguns batismos de natimortos. Houve uma grande dificuldade para conseguimento de Declarações de Óbito. A mensagem subliminar foi “não se pode perder o que nunca se teve.”

Moreira (2004) , realizando uma pesquisa em Bauru, São Paulo, obteve os seguintes resultados: o nível de conhecimento sobre aborto espontâneo foi insatisfatório, aumentando à medida que aumentava o nível de escolaridade. As melhores respostas foram dadas por mulheres com companheiro fixo, de idades variando entre 21 e 30 anos e pertencentes a outras religiões que não a católica e a evangélica. A ocorrência de aborto espontâneo entre a população estudada foi de 21,08%. Os fatores de maior risco para o aborto foram o tabaco, seguido de alterações no ciclo menstrual. As mulheres que relataram a ocorrência de aborto espontâneo disseram não ter sido devidamente esclarecidas quanto à causalidade do evento e a maioria não sabia o destino que teria o corpo do bebê.

Wolff, Nielson e Schiller (1970), numa pesquisa sobre reações emocionais ao parto de natimorto, observaram que as pacientes entrevistadas faziam vários planos para o futuro, o que podia ser visto como uma forma de resolver o luto. Oitenta por cento das gravidezes foram planejadas imediatamente após o parto do natimorto, o que representava um papel importante na manutenção do equilíbrio psíquico mas ao mesmo tempo indica o efeito do não preenchimento de algumas fantasias. Metade das mulheres se culpava pela morte ou projetava a culpa em outros, um quarto atribuiu a morte à vontade divina e um quarto evitava entrar em contato com essa realidade. Metade das pacientes discutiram sobre a conduta da equipe, vista como fria e distante. As demais entrevistadas perceberam a equipe como suportiva e calorosa. Um fato digno de nota foi o comentário de que a maioria das mulheres procurou outro obstetra para a gravidez subsequente, indicando hostilidade em relação ao médico.

Radestad e cols. (1996), realizando um estudo na Suécia, sobre partos de natimorto, observaram que a morbidade psiquiátrica era elevada entre aquelas mulheres que não recebiam cuidado integral logo após o ocorrido. Havia uma correlação significativa entre esperar mais de 24 horas para o início do parto após o diagnóstico de morte fetal e o aparecimento de sintomas de ansiedade. Não ver o bebê morto e não poder ficar com ele o tempo necessário, facilita a ocorrência de sintomas de ansiedade e depressão pela ausência de lembranças. Para reduzir a ocorrência de complicações psicológicas, os autores sugerem que a mulher possa conhecer e se despedir do bebê e a equipe não deve forçar a paciente a segurar o bebê caso não deseje.

Rand e cols. (1998) pesquisaram o comportamento parental após a morte perinatal com observações durante 12 anos. Os pais da pesquisa demonstraram, em sua maioria, desejo de ver o bebê, tocar nele, dar um nome e fazer ritos fúnebres, uma forma de tornar a perda real e facilitar o processo de luto. Muitos queriam informação e follow-up, o que acabava muitas vezes não acontecendo. Os autores reforçam a necessidade de deixar para os pais a escolha de ver ou não o bebê, tocá-lo e personalizar o evento.

Condon (1987), pesquisando na Austrália, afirma que o determinante do estado psicológico da mulher, é uma vulnerabilidade de personalidade combinada com um manejo pobre da situação de crise. A ansiedade seria aumentada por um reasseguramento “vazio” no sentido de minimizar a situação de perda. Uma sugestão por parte do autor seria fornecer à mulher uma imagem do bebê para que o luto possa ocorrer, além de possibilitar a discussão dos sentimentos, o fornecimento de informações sobre o ocorrido e a repetição de alguns termos quantas vezes for necessário. Uma gravidez dentro de seis meses após o parto de natimorto seria grande preditora de complicações psicológicas.

Quayle (1991) , num estudo com 150 grávidas em São Paulo e sem história de abortamento prévio, não encontrou maior morbidade entre o grupo de risco e identificou os mecanismos de defesa mais utilizados : identificação projetiva (35,6%) e projeção (26,6%). A lembrança da gravidez e do aborto eram nítidas mesmo depois de um tempo, para 89% das mulheres houve a perda de um filho, a maioria encontrou explicação externa para o fenômeno e um complicador da resolução do luto foi a falta de contato com o feto morto.

Rousseau e Fierens (apud Quayle, 2000) mostraram que após 9 anos da perda, 25% das mulheres mostraram sinais de luto patológico e 34% estabeleceram padrões patológicos de vínculo com os outros filhos.

3.4. Aspectos Psicológicos do Abortamento Espontâneo

Segundo Pines (1989), após o aborto espontâneo, normalmente surgem sensações de perda, sofrimento, depressão prolongada, luto e perda da auto-estima. Durante a gravidez, os fatores psicológicos confluem fortemente para o desenlace da mesma, podendo contribuir para o aborto. O conflito mais importante é a incapacidade sentida para a maternidade e a dificuldade de sair do papel de filha para o de mãe. Quando ocorre a gravidez, o sentimento é o de perda de um filho pois a mulher já sente o bebê como parte de si própria, o imagina com um sexo definido e com uma aparência de bebê a termo desde o início.

A hemorragia que é sintoma comum na gravidez, podendo se prolongar até o último mês, é um sinal de alerta para as pacientes com história de aborto e desperta muita ansiedade. Segundo a pesquisa de Domar e Dreher (2000), o perfil das mulheres que abortam é ser mais submissa, dependente e com hostilidade mascarada. A perda do aborto é muito dolorosa porém subestimada, especialmente nos três primeiros meses, especialmente por dois motivos: primeiro por ser comum a perda gestacional e depois porque nos primeiros meses o bebê é visto como uma não-pessoa, um aglomerado de células. Costuma-se dizer que foi melhor deste jeito pela malformação do bebê (maioria dos casos de aborto), o que não contribui para tranquilizar a mulher. A reação ao aborto varia de pessoa para pessoa, algumas mulheres desejam substituir a criança assim que possível, outras jamais pensam em ter filhos.

Segundo Quayle (2000), o tema do aborto espontâneo é pouco explorado por ligar-se à questão da morte e da perda. A palavra abortar em si já tem o significado pejorativo de afastar-se da vida e das origens. Ainda hoje a mulher é transpassada por crenças antigas sobre o aborto: um castigo pelo adultério, pelo maltrato de alguém, por um aborto provocado, pelo casamento entre parentes, pela rejeição do bebê, etc. A mulher que aborta tem um lugar incompleto, perde seu status de mãe, pode se sentir defeituosa, estragada por dentro, incapaz de fazer algo que dê certo. A mulher ainda é frequentemente desautorizada a chorar pela equipe de saúde. O aborto é uma interrupção tão brusca quanto o parto, inesperada e desconhecida quanto aos procedimentos médicos envolvidos. A mulher pode se sentir também desacreditada quando desconfiam que induziu o aborto. Muitas se sentem ofendidas por tal afirmação, já que a mulher de aborta voluntariamente é socialmente mal vista.

Enxergar o aborto como punição pode satisfazer o masoquismo da mulher e aliviá-la de alguma culpa por achar que está pagando pelo que fez. Berle e Javert (apud Quayle, 2000), investigando o perfil de personalidade destas mulheres, identificaram a obsessividade, a dependência e a sensibilidade à críticas como muito presentes. Grimm (apud Quayle, 2000) acrescenta ainda: danos na capacidade de planejamento, controle emocional deficitário, sentimentos hostis mascarados, maior conformismo, dependência e tendência à culpa.

Para Debray (apud Quayle, 2000), o aborto seria uma descarga de angústia não elaborada através da via motora. O aborto seria decorrência do medo de perder as referências conhecidas e de elaborar perdas reais, utilizando-se uma defesa melancólica.

O pré natal bem feito é visto como uma garantia de sucesso da gravidez. A descoberta de uma anomalia no filho é de certa forma também a morte da mulher como mãe. Logo depois do aborto observa-se também hostilidade em relação à família e desejos de suicídio por parte da mulher para unir-se ao filho.

Segundo Silva e Iozzi (2002), quando o bebê morto continua dentro da mulher , ela pode sentir seu interior apodrecido e ter fantasias de ser consumida, contaminada e mesmo punida. Deve-se observar também a reação do parceiro/pai da criança, que tende a ser forte porque assim é socialmente esperado porém pode ser sentido pela mulher como insensível. O mais difícil para o enlutado é conviver com seus sentimentos de raiva e hostilidade. Nestas horas vem à tona a forma como a pessoa lidou com estes sentimentos até o presente e talvez a dificuldade de lidar novamente com eles. A mulher pode ainda nunca superar o luto, considerando a tristeza como fidelidade ao filho morto (Viorst, 1986 apud Silva e Iozzi, 2002).

Segundo Markham (2004) pode ocorrer uma reação retardada. O choque anestesia a dor e a mulher chora tempos depois com a lembrança de algum acontecimento. A autora sugere que os sentimentos de culpa pós aborto têm origem em sentimentos de culpa anteriormente já presentes. A dor da perda é duplamente cruel pela ausência do corpo do bebê.

Segundo Kavanaugh, Trier e Korzec (2004), a família e os amigos não sabem como dar suporte aos pais enlutados pela perda gestacional, assim, os pais se percebem pouco apoiados e podem se isolar com um sentimento de inadequação. Os sujeitos da pesquisa afirmaram sentir raiva com conselhos não solicitados sobre como se sentir ou agir, especialmente quando dados por pessoas que nunca perderam um bebê. Os mesmos afirmaram ser difícil quando a família achava a perda insignificante e a subvalorava. Os sentimentos dos homens eram sempre desprezados e eles se sentiam na obrigação de serem fortes e confiantes para apoiar suas esposas. Os parentes normalmente se sentiam sem ação, o que acabava levando a comportamentos de evitação da perda e comentários que diminuíam a magnitude da perda.

Para Boyce, Condon e Ellwood (2002), as dificuldades do luto do aborto espontâneo são: a ausência de uma memória concreta do feto (tendo que contar com uma vida em potencial e as expectativas em cima disto), o sentimento de culpa e auto-crítica da mulher, que quando não há causa para o aborto, pensa ter feito algo de perigoso e a dificuldade de conceber (infertilidade), quando há. Os riscos de transtornos psicológicos pós aborto estavam aumentados segundo os autores, especialmente depressão, transtorno obsessivo compulsivo e transtorno do estresse pós traumático. O parceiro da mulher pode ter também grande sentimento de perda, sendo frequentemente negligenciado pelos agentes de saúde, o que deve ser alvo de maior atenção.

Para Brier (1999), uma outra dificuldade no aborto espontâneo é a perda da atenção especial que a mulher recebia enquanto gestante, além da perda da maternidade idealizada, o sentimento de unidade com o feto e a perda da auto-estima por não ter conseguido completar uma função fisiológica básica. A experiência do aborto espontâneo é permeada de ambiguidade e surpresa, não havendo tempo para um preparo psicológico, além disso, como afirmam outros autores, há há dificuldade da concretude do corpo do bebê. Ainda segundo este autor, a maioria das pacientes relata não receber cuidados médicos adequados e atenção. Com isso, surge hostilidade contra o médico e busca de outros profisionais em gravidezes posteriores como já citado. Fatores que trariam um alto de grau de estresse numa perda gestacional seriam: gravidez extremamente desejada, infertilidade prévia, personalidade masoquista, abortos prévios, história de perdas, mulheres sem filhos vivos, ausência de suporte social e mau enfrentamento de perdas anteriores.

Ocorrem sentimentos normais de culpa, inadequação e desesperança em relação a gravidezes futuras, além da necessidade de culpar alguém pela morte. A necessidade de entender porque o aborto ocorreu advém de um senso de controle que a mulher precisa ter da situação, como se saber a causa do aborto, prevenisse outros. Pode surgir também inveja de mulheres grávidas e mães com seus filhos. O retorno da menstruação pode ajudar a resolução do luto, trazendo a esperança de uma nova gravidez e reassegurando a mulher de que suas funções corporais funcionam normalmente. É comum surgirem episódios depressivos e auto-crítica, especialmente sob a forma de culpa e medo de ter exagerado em alguma coisa. As raízes desse sentimento de culpa são a ambivalência normal de toda gravidez. Surgem dúvidas sobre a competência reprodutiva da mulher e medo de nunca poder gerar um filho sadio. Esse medo é diminuído nos abortos que possuem uma causa médica, vistos como tratáveis.

As reações de luto do pai parecem compatíveis com a idade gestacional. Os homens choram menos, têm menos necessidad de falar da perda, tem menos risco de depressão e tendem a voltar à rotina mais rapidamente. Eles costumam indagar a esposa porque a continuidade das reações de luto, o que pode trazer complicações conjugais. A mulher pode pensar que o homem não se importa e o homem pode achar que a mulher está reagindo exageradamente (Brier, 1999).

Segundo Neville (2002), cada aborto é uma experiência muito pessoal. O aborto espontâneo é a perda gestacional menos reconhecida. Há a crença errônea de que a dor é proporcional ao tempo de gestação. Logo depois da concepção, processos fisiológicos e psicológicos entram em ação, o corpo se prepara para a maternidade. Quando a gravidez é interrompida, a mulher fica preparada para um evento que não vai acontecer. O papel dos pais é alimentar e proteger a prole e eles nunca imaginam que vão viver mais do que ela. Por isso, a perda de um filho pode trazer um senso de falha pessoal e culpa. Uma primeira perda pode trazer ansiedades sobre a fertilidade futura. Os pais normalmente esperam que a Medicina cure tudo, no entanto, o índice de abortos continua o mesmo de 50 anos atrás. Muitas mulheres falam de um caos interno, o que é piorado pela rápida alta hospitalar e ausência de acompanhamento médico.

Segundo Nichol (apud Neville, 2002), os sintomas predominantes após uma perda gestacional são: Ansiedade generalizada, insônia, medos persistentes, cansaço excessivo, dores de cabeça, pesadelos, depressão, medo de um colapso emocional, pânico e pensamentos incomuns.

Iles (1989) afirma que o aborto espontâneo é usualmente visto como natural e incapaz de trazer tensão emocional. A mulher deveria sentir alívio por expulsar um feto que seria deformado ou doente, dando-lhe muito trabalho durante a vida. O problema é que desde cedo a mulher já visualiza o feto como alguém completo, especialmente com os exames de ultrassom, que começam tão cedo na gravidez. A mulher se apega à gravidez e pode se sentir culpada de produzir um feto defeituoso. Segundo Simon (apud Iles, 1989), as mulheres que abortam espontaneamente, tendem a mostrar mais conflitos masoquistas e rejeição do papel feminino quando comparada às que abortam terapeuticamente.

Normalmente os sintomas de perda não podem ser antecipados, por isso, seguem não detectados até a alta hospitalar, trazendo riscos maiores de desequilíbrio psicológico futuro.

O marido e os outros filhos podem também sentir raiva por a mulher tê-los privado de um futuro filho/irmão.

A psicóloga Diane Mc Greal realizou uma pesquisa na Austrália com casais sobre o aborto espontâneo, publicada no Manual da Bonnie Babies Foundation, uma associação de apoio para pais que perderam seus filhos. A autora investigou a reação de homens e mulheres à perda gestacional e chegou à conclusão de que as formas de reagir são diferentes e podem levar ao rompimento matrimonial. Os homens tendem à ignorância da situação, enquanto que as mulheres tendem à recorrer ao pensamento positivo e à religião.

O aborto espontâneo tende a ser referido como uma não-perda ou não-evento. Um meio importante de auxiliar no luto seria legitimar a dor dessas pessoas, reconhecendo a importância da perda. O homem passaria pelas fases do luto mais rapidamente que a mulher, criando um descompasso de expectativas que pode levar ao fim de uma relação estável. A mulher pode ver o parceiro como frio e fechado, o que aumenta o isolamento desta e a não comunicação entre o casal. O homem pode ver a mulher como super-emocional. As estratégias mais utilizadas pelos homens, segundo a escala de enfrentamento utilizada na pesquisa, são: preocupação, ignorância do problema, suporte social, dedicação ao trabalho, foco na solução do problema, amizade e guardar os sentimentos para si. Já as mulheres se utilizam mais de: redução de tensão, suporte espiritual, pensamento positivo, acolhimento, auto-crítica, relaxamento, recreação, foco no problema e não enfrentamento. As mulheres utilizariam mais frases como: “Veja um psicólogo”, “Fale com mais alguém que viveu isso”, “Não quero ver outras mulheres grávidas.”, “Gostaria de conversar sobre isso”, “Não desisto dos meus sonhos”, entre outras, enquanto homens usariam mais frases como: “Seja positivo”, “Tente não pensar nisso.”, “Concentre-se em outras coisas” (Mc Greal, 2002).

A dor física que normalmente acompanha a experiência de perda, desaparece dentro de alguns meses, a dor emocional aguda, no entanto, pode prosseguir por anos. Surgem então sentimentos de medo, raiva e tristeza.

Malacrida(1999) chama a atenção ainda para o fato de que pais com perdas gestacionais tendem a receber menos suporte material/financeiro do que pais com perda de filhos maiores.

Rosenthal (1994) enfatiza a importância das novas tecnologias. Os pais acham que nada pode dar errado com os novos equipamentos e que a Medicina pode curar tudo. Com a morte, há imediatamente a raiva da equipe médica. A autora também afirma que a recusa de um bebê para adoção pode ter as mesmas repercussões emocionais de uma perda gestacional.

Pratarotti(1984) coloca a ambivalência exacerbada em relação à gravidez como um dos fatores de risco para o aborto espontâneo, confirmando a opinião de Pines (1989) como já citado.

Segundo Stotland (1991), a gestação de risco, que pode preceder o aborto espontâneo, traz medos sobre a capacidade materna, medo de perda do controle, dor e danos ao corpo, sentimentos de culpa e vergonha, medo de danos ao bebê, carência emocional e dificuldade de relacionamento interpessoal. O autor fala ainda da necessidade dos pais de ver o corpo do bebê depois da morte. Os médicos podem evitar a visita se percebem que o bebê é deformado mas a fantasia dos pais costuma ser bem pior do que a realidade, deixando a escolha facultada para eles.

Pauline Boss (1998) usa o termo “perda ambígua” para denominar aquela perda que não é clara para a família e que gera confusão sobre quem está dentro e quem está fora do sistema. O membro ambíguo pode estar fisicamente ou psicologicamente fora do sistema. Exemplos seriam: pessoas desaparecidas, reféns, em coma ou desenganadas. Inclui-se aí a perda gestacional, afinal quem teve um filho e este morreu é realmente mãe ou pai? A situação de perda ambígua traz estresse crônico para a família que não consegue definir a perda. Há impotência dos membros da família para resolver a situação e o risco do surgimento de depressão e conflito no sistema. No extremo, a família pode ficar imobilizada. No caso do aborto, deve-se observar a reação dos casais para identificar até que ponto a perda foi reconhecida ou não.

Como visto até agora, percebe-se que a perda gestacional é mal manejada pelas equipes de saúde e traz enormes consequências para a saúde física e psicológica dos casais enlutados. As sugestões de como se abordar terapeuticamente estes pacientes, estão descritas no capítulo seguinte.

capítulo IV

EQUIPE DE SAÚDE : INTERVENÇÕES POSSÍVEIS

“AO PARIR ELA TRAZ CONSIGO A VIDA E A MORTE”

TROTTO, 1989 (P.778)

4.1. ATENDIMENTO PSICOLÓGICO À BEIRA DO LEITO

A primeira intervenção do psicólogo pode ser feita ainda na enfermaria, auxiliando o médico a dar a notícia do falecimento do bebê. Nem sempre isto é possível porque a notícia pode ser dada na consulta pré natal ou durante um exame. Sabe-se que existem médicos bastante humanizados que não necessitam da ajuda de um outro profissional neste momento, porém, a maior parte dos casos que chegam aos ouvidos dos profissionais de saúde mental é de profissionais despreparados e que dão a notícia de uma forma muito brusca, por vezes irônica e com certa hostilidade. Percebe-se que se trata não de um ato intencional do médico mas de uma forma de defesa frente à angústia e à sensação de fracasso provocada pela perda. Neste tópico, serão considerados os casos em que a paciente, por algum problema de saúde, se internou e recebeu a notícia da perda gestacional dentro da enfermaria.

Quem dá a notícia de óbito não é psicólogo, pois isso é uma atribuição médica. O médico acompanhou toda a evolução do paciente e é ele quem pode dizer o que aconteceu e quais as prováveis causas médicas do aborto. Muitas vezes o psicólogo é solicitado a dar notícia, pois o médico não consegue suportar a angústia dos familiares. Esta oferta deve ser recusada. Se o médico tiver muita dificuldade, o psicólogo pode se oferecer para ir junto no momento da comunicação e cuidar das manifestações emocionais da família, fazendo o papel de apoiador. O psicólogo pode também conversar previamente com o médico para entrarem em consenso sobre de que forma a notícia poderá ser dada. Neste ponto, Baile e Beale (2001) possuem um artigo na área de Oncologia, dando algumas dicas sobre como dar más notícias.

Os autores afirmam que dar más notícias é muito ruim em qualquer ocasião mas especialmente quando o paciente projeta raiva no médico. Atitudes de se distanciar ou deixar as notícias mais palatáveis utilizando-se de um otimismo exagerado ou ainda evitar os aspectos mais desagradáveis da doença, são consideradas não favoráveis. O médico deve utilizar uma abordagem compreensiva, empática, do paciente, se mostrando disponível pois verificou-se que o momento da notícia é sumamente importante para o desenvolvimento ou não de reações patológicas de luto.

A maioria dos profissionais de saúde não está preparada para lidar com a morte e é normal que surjam as mais variadas angústias e também sentimento de impotência. Uma sugestão dos autores é chamar outro membro da equipe para estar no momento da comunicação mas também pedir que o receptor da notícia esteja acompanhado de um familiar. O médico poderá também discutir o caso com um colega mais experiente.

Os pacientes muitas vezes recebem a informação de forma distorcida por conta da ansiedade e podem ter pensamentos mágicos de cura (quando esta não é mais possível) e projetar habilidades milagrosas no médico. O médico poderá perceber quais são as expectativas do paciente e qual o grau de informação correta este possui, para diferenciá-lo na hora de abordar. Uma outra estratégia seria começar a falar e fazer uma pausa, de forma que o paciente conclua que houve o óbito. A frase deve ser acompanhada por outra que evidencie suporte como por exemplo: “Sei que é um momento difícil mas faremos de tudo para ajudá-lo.” Devem ser evitadas frases vazias como “Não há mais nada que se possa fazer”, frases com excessivos termos técnicos (ex: sua placenta se degenerou por conta da neoplasia trofoblástica) ou eufemismos que se traduzam em falsas esperanças (talvez haja um jeito...) pois estes minimizam a ansiedade do paciente mas posteriormente ele se sente enganado. O médico deve ser sempre sincero e honesto.

A validação dos sentimentos do paciente por parte do médico contribui para reconectar a relação de ambos. Após a notícia, o médico deve observar a reação do paciente. Se este fica em silêncio por muito tempo pode se perguntar o que ele está pensando. Deve-se verificar também a causa do sofrimento, que na maioria das vezes é o óbito mas nem sempre.

Parkes (1998) afirma que o profissional deve observar o que a família está pronta para saber e não supor que ele já sabe tudo o que precisa ser dito. O autor dá algumas dicas sobre como dar melhor as más notícias. Entre elas estão: pedir a alguém mais que esteja presente (da família), encontrar o ambiente adequado, incitar perguntas, monitorar o que foi entedido, dar tempo à família para que reaja, dar apoio verbal e não verbal, ficar com a família até que eles tenham condição de sair do hospital e oferecer outras oportunidades para clarificações.

É importante também falar dos sinais de ansiedade e da normalidade dos mesmos, que não são sinais de uma doença fatal. Pode surgir o medo de sair na rua, o coração disparar, as mãos suarem e isto paralisa a vida da pessoa. Como consequência, pode surgir também o Transtorno do Pânico e a Agorafobia.

Quando o tempo passa, as pessoas sentem necessidade de voltar à vida normal e talvez isso tenha que ser autorizado pelo profissional de saúde pois pode parecer que voltar a viver e ser feliz sejam uma afronta ao morto, uma falta de respeito.

No caso do aborto espontâneo, pode haver duas fases de más notícias. A primeira quando se constata uma anomalia no feto (que pode vir acompanhada com necessidade de internação) e a segunda quando do óbito propriamente dito ou quando cessam as medidas terapêuticas.

Prigerson e Jacobs (2001) trazem em seu artigo, uma lista de coisas a serem ditas e outras a não serem ditas. Seguem-se algumas recomendações extraídas deste artigo (“Cuidando de Pacientes Enlutados”).

Coisas a Serem Ditas

➢ Sinto muito/ Meus pêsames

➢ Não posso imaginar a dor que você está sentindo

➢ O que você lembrou dele hoje?

➢ Dizer o nome do falecido

➢ Falar sobre o falecido

➢ Você tem alguma dúvida sobre a causa da morte?

➢ Como você está se sentindo? Como a morte te afetou?

Coisas a Não Serem Ditas

➢ Me ligue se precisar (é uma ajuda passiva)

➢ Tudo bem?

➢ Sei exatamente como se sente

➢ Foi melhor assim

➢ Ele está feliz agora, não está sofrendo.

➢ Foi a vontade de Deus.

➢ Era a hora dele.

➢ Desculpe ter tocado neste assunto.

➢ Vamos mudar de assunto?

➢ Você devia pensar em outras coisas agora.

➢ Você devia estar feliz porque foi rápido.

➢ Você é forte, vai saber lidar com isso.

➢ Não chore, está tudo bem (negação da perda).

➢ Você é jovem, vai ter outro filho.

➢ Foi melhor do que ter um filho defeituoso.

Uma forma de apoio ainda na enfermaria é o chamado assessoramento (OMS, 1995). Este consiste em uma comunicação direta entre a mulher e uma pessoa que ajuda, não necessariamente o psicólogo. Este serviço é feito por pessoas treinadas, podendo ser médico, assistente social voluntário, religioso, etc. O assessor possui uma escuta sensível e respeitosa. A mulher é convidada a expôr suas necessidades, preocupações e dúvidas. O profissional procura ser empático e usar linguagem simples, fazendo também os encaminhamentos necessários. O sigilo é mantido como numa consulta psicológica comum. O manual da OMS fala ainda que é importante para a paciente saber de seu estado de saúde, especialmente se após uma gestação de risco, por isso, o follow up é muito importante.

Em alguns casos, é importante colocar a paciente em outra enfermaria que não junto das puérperas pois pode ser muito angustiante ver outras mulheres com seus bebês, isto traria uma sensação de vazio (Kellner e Lake, 1993).

Skoolicas e cols. (1993) dão algumas dicas úteis para a equipe de saúde de como se conduzir em um caso de óbito neonatal. O objetivo do acompanhamento seria conduzir a família no sentido de estabelecer e reforçar a memória do luto. A isto segue-se: estabelecer uma aliança de confiança com os pais, oferecer informações consistentes, reconhecer a perda de controle por parte da família, antecipar a morte do bebê quando possível e adotar uma atitude compreensiva frente a dor da família. A isto, acrescem-se como subtópicos: avaliar a capacidade da família de lidar com a notícia, oferecer liberdade de escolha, enfatizar o papel positivo dos pais enquanto cuidadores, discutir aspectos técnicos de forma simples, falar abertamente sobre autópsia e se disponibilizar mesmo após a alta da paciente.

Ayarra e Lizarraga (2001) complementando as informações sobre como dar más notícias, afirma que deve-se começar pela escolha do local adequado, onde haja privacidade. Evita-se o telefone pois não é possível ver a resposta emocional da pessoa, assim como as horas noturnas onde um apoio eventual pode ser menor. A paciente deve sempre que possível estar acompanhada de alguém da família.

Entre as estratégias a serem utilizadas estão: o silêncio, as frases curtas como vocabulário neutro (não curável ao invés incurável), a abertura a perguntas e ao final, um resumo do que foi dito. O profissional deve ter uma escuta ativa e uma postura de não interromper a descarga emocional do paciente, a não ser que queria se matar, por exemplo, aí deve ser contido. O médico deve ser empático (solidário emocionalmente) e não simpático. Segundo Cabodevilla (apud Ayarra e Lizarraga, 2001), o profissional simpático se joga no sofrimento junto com o paciente, chora e se desespera, enquanto que o profissional empático compreende a situação e consegue dar suporte.

Existem 6 etapas para se dar as más notícias segundo as autoras:

- Preparar o ambiente (local)

- Averiguar o que o paciente sabe e quais as suas fantasias

- Descobrir o que o paciente quer saber

- Dividir a informação de forma gradual

- Responder aos sentimentos do paciente

- Traçar um plano de cuidados

No caso do aborto espontâneo, este último item pode dizer respeito ao oferecimento de suporte psicológico em grupos ou individual.

O Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, em 2002 lançou o programa “OncoTalk”, destinado a auxiliar os médicos a terem uma melhor comunicação com seus pacientes. O programa tem 8 módulos, sendo que o número 2 se chama “Dando Más Notícias”. Neste capítulo, se recomenda o uso do programa “SPIKES”,onde cada letra significa uma postura.

S (setup) Este passo diz respeito à preparação. Preparação do ambiente e do médico, no sentido de ter um plano montado em sua mente, incluindo as possíveis dificuldades do trabalho. O médico poderá conversar com outro profissional antes e tirar as dúvidas sobre a abordagem. No momento da notícia deve olhar nos olhos do paciente e criar um clima de intimidade.

P (perception) O médico deve perceber a reação do paciente à doença, a possível negação ou afiliados (evitação de assuntos, otimismo excessivo).

I (invitation) Este passo é um convite ao paciente de dizer até onde ele quer saber.

K (knowledge). O médico deve sempre utilizar linguagem compatível ao nível de escolaridade do paciente. Pode começar dizendo “Tenho más notícias para você”, dizer o que deve ser dito e permanecer em silêncio.

E (empathize) O médico pode usar frases que traduzam empatia como “Deve estar sendo difícil prá você”. Poderá também perguntar de que forma pode ajudar e o que mais o preocupa no momento.

S (summarize and strategize) O médico resume então a informação dada e planeja o próximo passo.

O manual sinaliza ainda algumas barreiras comuns no diálogo como: se sentir responsável pela tristeza do paciente, ignorar a contratransferência, querer adivinhar o que o paciente está sentindo, colocar a cura como ideal, falar demais.

Trotto (1989) sublinha que um atitude compreensiva não é o mesmo que ser “bonzinho”, caridoso ou mesmo apenas segurar a mão da paciente, mas sim ter uma atitude profissional empática (se colocar no lugar do outro), continente (acolhedora) que prioriza o estudo da dinâmica do paciente para saber qual a melhor forma de auxiliá-lo. Não significa também se misturar com o paciente e chorar junto com ele. Se o psicólogo não consegue se distanciar, é melhor oferecer o caso a outro colega.

Uma dificuldade de ouvir estas pacientes é também a diferença de nível cultural e de vocabulário. Os termos técnicos são geralmente mal entendidos e por vezes o profissional rejeita a explicação do senso comum por ser teoricamente menos correta. Os profissionais podem não conseguir se colocar no lugar da paciente por terem uma realidade muito diferente da dela (Trotto, 1989).

O espaço de atuação da psicóloga na enfermaria não é nítido. Segundo Trotto “trabalha nos corredores” (p.779). Assim como o médico receia o emocional desconhecido, o psicólogo receia o físico desconhecido, por isso é importante um trabalho integrado, cada um sabendo até onde vão os seus limites. Não se espera que o psicólogo tenha uma sala (a não ser para psicoterapia). Deve-se atuar nos corredores, nas enfermarias, nos leitos, na sala de espera, junto da enfermagem. Aliás, a enfermagem é um corpo profissional importantíssimo a quem pedir auxílio. Como ficam muitas horas ao lado dos pacientes, sabem como se portaram durante a noite e nos demais horários em que o psicólogo não está, podendo dar informações valiosas sobre o estado emocional dos pacientes, assim como os profissionais de nível técnico (auxiliares, copeiros, secretárias, faxineiros), que geralmente sabem de tudo o que se passa na enfermaria.

Parkes (1998) enfatiza o trabalho de luto antecipatório, fazendo uma ponte entre a esperança e a evitação do assunto. O autor afirma que o melhor para o paciente é ir recebendo a notícia em pequenas fatias. Em inglês se utiliza a palavra breaking (bad news) que significa exatamente “quebrar” (más notícias).

Abeche e Rohde (1997) afirmam que não se deve confrontar a paciente se ela está negando ou ainda despejar sobre ela uma carga emocional que não está pronta para absorver. O médico deve estar disponível para o atendê-la mesmo durante o plantão pois se trata de uma emergência médica. A equipe geralmente adota duas posturas: isolamento ou identificação excessiva com a paciente, que é tida como coitada e digna de pena, dando vontade de pô-la “no colo” como uma criança. O momento de retirada do feto deve ser discutido com o casal, evitando a urgência geralmente pedida pela mãe, que pode mostrar uma tentativa de evitação da dor da perda. Além disso, os médicos devem incentivar os pais a verem o feto, exceto em casos de malformações muito grosseiras. Deve haver também a presença fundamental da assistente social, que auxilia os pais em questões objetivas como a providência do enterro.

Greenhill e Friedman (1974) concluem que o médico ( e subentenda-se também o psicólogo)

“deve ser um porto seguro para a paciente, estando disponível a atender a todas as perguntas, expressas ou não, para amenizar o medo, dar apoio emocional e inspirar confiança.”

(p.150)

4.2. Atendimento Individual Focal

Normalmente, o atendimento individual das pacientes enlutadas se faz de uma forma focal, ou seja, não se trata de uma psicoterapia de longa duração mas de um atendimento psicológico voltado mais para o suporte do paciente e cujas sessões se estruturam basicamente sobre a questão do luto e assuntos envolvidos. Podem ser trabalhadas questões do passado da paciente se for necessário mas são buscadas prioritariamente questões do presente e do futuro (planos para o futuro). A psicoterapia também se faz de forma mais diretiva. As sessões devem ser mais estruturadas que em um atendimento psicanalítico, por exemplo. Muitas vezes, a paciente se nega a ter um acompanhamento psicoterápico e só aceita conversar com o psicólogo uma única vez (às vezes durante a internação). Nestes casos, o terapeuta deve ser ainda mais diretivo, buscando descobrir os maiores pontos de conflito para que possa intervir e fazer pontuações claras (sem no entanto “forçar” as defesas da paciente) que possam continuar repercutindo depois. O psicólogo deve deixar o espaço aberto para a paciente caso queira retornar em um outro momento e fazer os encaminhamentos necessários (o que será visto num outro tópico).

Brown (1979) menciona as principais técnicas a serem utilizadas ambulatorialmente. São elas: ventilação, educação, busca de causas compreensíveis, suporte e reasseguramento, complementadas por suporte psiquiátrico se necessário.

A técnica da ventilação se caracteriza em falar de seus medos e preocupações livremente como que numa catarse. Quando a paciente pode se expressar sem interrupções, pode perceber a irracionalidade de alguns medos e suas dificuldades aparecerem de forma mais explícita. Colocar os sentimentos sob a forma de palavras pode favorecer a visão de um novo ângulo da situação, além de promover a sensação de alívio por ter se livrado de algo desagradável. A atitude do terapeuta deve ser a de ouvir compreensivamente e sem manifestar horror ou incômodo quando por exemplo a paciente menciona desejos de suicício ou fala que queria ter abortado o bebê. Esta escuta compreensiva traz a sensação de estar sendo entendido e não julgado. Outra atitude profissional seria a de não interromper a paciente mesmo que seja repetitiva ou prolixa, além de pedir mais detalhes das situações-chave, deixando que ela descreva o bebê exaustivamente, fale de seus planos para a gravidez, de que forma foi dada a notícia da perda ou do horror da sala de cirurgia. O choro também não deve ser interrompido. Deve ser evitado o “falso consolo” que traz alívio ao psicólogo e sensação de incompreensão por parte do paciente. O falso consolo é aquele onde o psicólogo diz: “Está tudo bem”, “Não chora não que logo você vai ter outro filho”, entre outras.

A educação consiste em prover informação sobre o processo fisiológico e psicológico do aborto espontâneo, o que não é feito durante o pré natal. Este processo é importante porque falta de informação ou distorções podem elevar a ansiedade, inclusive porque as pacientes chegam ao hospital com histórias contadas por vizinhas e parentes de forma dramática e que normalmente não refletem a realidade. Além disso, estar informada, dá à paciente um senso de controle sobre situações não familiares. No entanto, as informações não devem ser dadas aleatoriamente mas de acordo com as dúvidas da paciente e o que ela deseja ou não saber. Forçar a paciente a ouvir explicações “científicas” (ou pior, em termos técnicos) sobre o abortamento, pode ser extremamente doloroso.

A busca de causas compreensíveis ocorre quando a paciente possui em sua história, algum aspecto que está interrompendo ou rigidificando o processo de luto. Consiste em a paciente identificar em seu passado, focos de conflito, dificuldades com a morte de pessoas significativas e reações de desajustamento à perdas. A ansiedade exacerbada costuma estar ligada a algum conflito não resolvido ligado com perdas, podendo ser um luto “congelado”, defesas inadequadas contra a angústia ou mesmo uma perda ambígua. Ajudar a paciente a identificar essa fonte de ansiedade e fazer uma conexão com o presente pode auxiliar a elaboração da perda. A maioria das mulheres conseguem fazer a conexão com algum auxílio, as que têm muita dificuldade podem estar negando a perda ou envolvidas em algum mito familiar onde há um conluio de silêncio sobre a morte de uma pessoa.

A técnica de suporte serve para ajudar uma pessoa paralisada pelo excesso de ansiedade e prevenir disfunções psicológicas maiores. O suporte pode ser dado por qualquer profissional de saúde, amigos, religião e família, consiste em estar disponível para a pessoa enlutada, sendo continente de suas angústias. É importante não só que o suporte seja dado como que seja percebido pela paciente como tal. O suporte, mais do que uma rede de apoio social, fala de uma rede de apoio afetiva. O suporte faz com que a paciente não se sinta sozinha, desamparada mas que há alguém com ela para que possa “suportar” junto a dor da perda.

Reasseguramento é uma técnica usada para restaurar a confiança da paciente, afirmando seu valor e sua capacidade como pessoa e enfatizando a inevitabilidade das circunstâncias, contribuindo para aliviar a culpa e o sentimento de fracasso.

Além da psicoterapia, pode ser necessária uma retaguarda medicamentosa, utilizando principalmente ansiolíticos, já que o luto é normal e não deve ser medicado com antidepressivos. Podem ser utilizados também hipnóticos no caso de insônia persistente.

Este tipo de atendimento é normalmente feito com a mulher, no entanto, quando necessário podem ser feitos atendimentos com o pai, os irmãos, os avós, etc. de forma individual ou conjunta. Não há número limite de atendimentos, tudo varia de acordo com a singularidade de cada caso.

Oliveira (2001) menciona algumas coisas importantes em relação ao atendimento de crianças. Através de um estudo de caso, demonstra a importância da reação do pai em relação ao luto sadio dos filhos. A autora, através de psicoterapia individual, forneceu um suporte psicológico ao pai, para que este pudesse ser continente com seus filhos após a perda da esposa. As crianças não puderam participar o velório da mãe, o que foi maléfico, pois trouxe a sensação de que ela desapareceu. A psicóloga, então, sugeriu que as crianças participassem da missa de sétimo dia, para que entendessem o significado da morte dentro de sua perspectiva religiosa. O ideal é que a verdade seja dita de forma compreensível evitando os já conhecidos “viajou”, “foi para o céu”, “foi fazer companhia à fulano”, etc. Neste caso foi necessária também a orientação às professoras e à coordenadora, que não sabiam do falecimento, e ao pai, explicando o processo normal de luto nas crianças. Foi necessário que a psicóloga orientasse o pai também em relação às manifestações psicossomáticas a filha logo após o enterro, que simbolizavam um pedido de ajuda e o desamparo. O pai sofreu acidentes seguidos logo após a morte, demonstrando actings out provenientes das angústias de viver o luto. O caso ilustra bem as vivências infantis quando da perda de alguém significativo. Porém, no caso do aborto espontâneo, o luto tem mais chances de se “congelar” pois a própria família torna o assunto um tabu. Não incluem a criança nos rituais (quando há) e não se fala o que houve com o irmãozinho tão esperado. Não se vê o corpo da criança e nem se fornecem maiores informações, muitas vezes porque os próprios pais não as têm. As crianças podem se sentir culpadas por terem em algum momento desejado a morte do irmão por ciúmes. Quando este conflito não é resolvido podem ocorrer muitas afecções psicossomáticas, algumas bastante graves. Pode surgir também a agressividade, o que é bastante comum. A angústia mais comum, porém, é a do desaparecimento do bebê, muitas vezes nem sentido como concreto, como quando a mãe ainda não tinha uma barriga muito explícita. Pode parecer à criança que a mãe estava mentindo, o que eventualmente pode ser dito para omitir a explicação verdadeira. As crianças possuem uma grande capacidade de adaptação, que por vezes é bloqueada pelo luto dos pais, que não encontrando explicações para a perda, não conseguem nomear este sentimento para os filhos. É muito ruim também a gravidez de substituição. A criança mal se recuperou da perda de um irmão e deve ficar feliz por estar ganhando outro, o que pode torná-la preocupada com a saúde da mãe e deste novo irmão, cercando-o de cuidados ou mesmo pensando que ela pode morrer também.

Segundo Kellner e Lake (1993), o psicólogo deve observar os obstáculos mais comuns na superação do luto, que são: Tentativa de confirmar quem morreu, tentativa de obter suporte emocional e comparação dos sentimentos com os demais. Para os autores, muitos pais ficam presos no luto por não identificarem concretamente o feto. Não há fotos, batismo, enterro ou qualquer outro sinal de que aquela pessoa tenha existido. As mães podem pensar que o filho não morreu e foi dado a outra família. Uma forma de devolver o controle das circunstâncias à família é permitir a ela fazer suas próprias escolhas. Isto inclui: ver ou não o corpo do bebê (se decidirem ver, o corpo deverá ser previamente preparado), saber ou não a causa do aborto, dar um nome, ficar com algo do bebê como um tufo de cabelo, bracelete de identificação, impressões dos pés num cartão ou um atestado do hospital. A equipe do hospital também deve estar disponível para esta mãe possa retornar se quiser. É comum também que a equipe apresse o enterro ou a autópsia para se livrar logo dos papéis. Pode ser que a família se demore um pouco a decidir o destino do corpo e isto deve ser respeitado enquanto possível.

Um segundo obstáculo é a busca de apoio emocional. Embora muito saudável, muitas vezes esta busca é infrutífera pois os profissionais de saúde buscam se afastar ou tamponar as ansiedades da família com frases como “foi melhor assim”, “ainda bem que você não o conheceu”, que funcionam como uma mensagem subliminar que diz “você não deveria chorar por isso”. A paciente acaba se sentindo incompreendida e inadequada já que todo ambiente social diz que ela não deveria chorar. É comum que a equipe projete a raiva do fracasso nos pais, achando-os culpados, pensando que não fizeram tudo o que foi necessário ou que incomodam com tantas perguntas. O psicólogo deve estimular a expressão livre da paciente/família e enfatizar alguns aspectos normais do luto. Deve-se falar que o luto não é doença, que a família não é responsável pela perda, que o processo não é estável e que cada um responde a ele como pode. Deve-se incluir também perguntas sobre a vida sexual do casal, que normalmente fica comprometida (Kellner e Lake, 1993).

Um terceiro obstáculo é a comparação com os demais. As mães normalmente se comparam com os pais e com outras mulheres. Geralmente há disputas conjugais sobre quem sentiu mais a perda e acusações mútuas. Os autores conceituam isto como “luto incongruente” já que o pai faz o luto diferente da mãe. O homem necessita ser forte e apoiar a esposa. A mulher chora e é vista como super emocional.

O psicólogo deve estar atento à vontade de uma nova gravidez e deve avaliar se o luto já está resolvido ou mitigado de forma a possibilitar uma nova gravidez sem problemas. Gravidezes de substituição devem ser evitadas por darem à nova criança um lugar confuso na família. Devem ser observadas também as condições médicas da mulher e em alguns casos, o aconselhamento genético é indicado.

Uma fonte de apoio importantíssima são as pacientes que já passaram pela mesma experiência.

No caso do aborto espontâneo precoce, sabe-se que muitas das direções dadas anteriormente não podem ser utilizadas pois não há o “corpo” do bebê. Mas a mulher pode guardar com ela o diário que fez durante a gravidez, os “papéis” que provam que o bebê existiu, alguma coisa do hospital ou do enxoval que estava sendo preparado.

Deve-se checar a religiosidade da família e as crenças na vida pós morte pois podem pensar que o bebê está em um local horrível por não ter sido batizado, por exemplo, e isto pode ser importante foco de ansiedade (Stotland, 1991).

Pringerson e Jacobs (2001) sugerem que o enlutado busque suporte social (autêntico). Buscar amigos empáticos que estejam disponíveis a partilhar a dor da perda, além de buscar grupos de apoio trazem um alívio da carga emocional. Outra sugestão é que o paciente desenvolva novas habilidades e rotinas, além disso, é importante manter uma vida ativa e ocupada pois como o diz o ditado popular, mente vazia é alvo de inúmero pensamento ruminatórios e depressivos. Outra idéia é manter um diário ou alguma outra forma de colocar as experiências emocionais em palavras.

4.3. Atendimento Familiar Centrado na Perda

Segundo Boss (1998), deve ser avaliado o grau de ambiguidade da perda. Se considera o aborto espontâneo como perda ambígua pois muitas vezes depois da retirada do feto do útero, os pais não o vêem, não fazem um enterro e não usam rituais de despedida, constituindo uma perda incompleta e difícil de ser elaborada. Segundo a autora, deve-se verificar o grau de ambiguidade que a família vê na perda, para depois poder planejar uma intervenção. A ambiguidade é uma grande fonte de estresse para a família pois o ciclo vital daquele membro é deixado em suspenso. Esta ambiguidade deve ser explicitada para que as pessoas se sintam compreendidas em sua dificuldade e falta de clareza. Aquele membro está vivo ou não está?

Em segundo lugar, a autora postula um setting onde as diversas gerações possam estar juntas e falar da perda, para que busquem um sentido comum à família, sem no entanto, querer que as pessoas elaborem a perda de forma idêntica.

O terceiro passo seria prover informação tanto quanto possível sobre o ocorrido, seja por parte do psicólogo, seja por parte dos médicos, pressionados a darem mais informações sobre o processo do aborto, as possíveis causas, a porcentagem de ocorrência, as previsões futuras, etc.

Em quarto lugar devem ser oferecidas as mais diversas fontes de apoio como religião, telefones de grupos de auto-ajuda, outros profissionais, direcionamento para outras atividades (físicas, artísticas, etc.).

Em último lugar, mas não menos importante, deve-se estimular a família a conversar sobre a morte, buscar um significado para ela e rearrumar os papéis familiares sem aquela pessoa.

Quando há a ausência física mas a presença psicológica do falecido, como é o caso do aborto, a família pode recorrer a rituais de despedida, que podem envolver a comunidade se esta foi muito envolvida na perda. Pode ser realizado um culto religioso, um “enterro” simbólico, uma reunião na casa de um dos parentes para se falar daquela pessoa, a desarrumação do quarto do bebê, etc.

É importante também nestes casos, a flexibilização dos papéis familiares, podendo os homens auxiliarem nas tarefas domésticas quando a mulher amanheceu num dia ruim, os mesmos ajudarem no suporte aos mais afetados sem deixarem estas tarefas exclusivamente para as mulheres que podem ficar muito sobrecarregadas. A família deve ser estimulada a continuar seus rituais sem se isolar ou paralisar a vida. Pode ser sugerida uma viagem ou estada na casa de algum parente, para servir como período de descanso.

O mais importante no caso da perda ambígua é fazer a nomeação da situação pois uma vez identificada, a situação pode ser manejada e não paralisar mais a família sob o forte impacto do estresse.

Segundo Mc Goldrick (1998), as perdas não elaboradas podem trazer danos não apenas a quem passa por elas mas aos futuros descendentes que nem conheceram o falecido pois podem ocorrem conluios de silêncio que impedem a elaboração da perda e se transformam numa situação vaga de “mal estar” onde as coisas não se encaixam e determinadas pessoas cumprem papéis rígidos, seja de se identificar com o falecido, seja de se opôr a ele ou mesmo de ser uma pessoa conformista e pouco questionadora sobre a ordem familiar, mantendo o silêncio e os estereótipos.

Para a autora, os ritos de passagem são essenciais, além de se permitir sentir ambivalência pelo morto ao invés de idealizá-lo. Os papéis devem ser flexíveis e se rearranjarem após a morte, sem no entanto, buscar substitutos para o falecido.

Em termos de terapia familiar, uma abordagem primordial seria identificar os padrões de adaptação à perda, de preferência construindo um genograma para ligá-la a perdas passadas.

Uma má adaptação familiar se traduz por: sensação do tempo estar parado para a família, onde só se preocupam com o passado ou com planos futuros, ignorando o presente por ser muito difícil se lidar com ele; medo de sofrer novas perdas, se fechando para o mundo culminando com incapacidade de se apegar; transformar a casa ou o quarto do falecido em um ambiente intocável, uma espécie de memorial ao morto; negação da existência do falecido. Acrescem-se a isso, os mecanismos maníacos que se desenvolvem após o falecimento como uso de drogas, tentativas de suicídio e inúmeros acting outs.

O objetivo do terapeuta é reconhecer se o fantasma do falecido continua pairando sobre a casa. No caso do aborto é comum que os pais comecem a apresentar sintomas psicossomáticos em série, acidentes repetitivos, sua vida se paralisa ou uma depressão se inicia. Pode ocorrer também a gravidez de substituição. O terapeuta deve confrontá-los com a realidade da morte, observando suas capacidades psicológicas para tal, com o risco de provocar um surto psicótico em pacientes fragilizados. Uma outra sugestão é estimular os rituais funerários, fazendo com que as diferentes gerações compartilhem de histórias passadas. A família deve se sentir livre para recordar a morte, fazer um brinde ao falecido ou um discurso, sem no entanto, se tornar uma coisa obsessiva, caracterizando um luto patológico. As famílias sem narrativa da morte, não podem conferir sentido à sua experiência. O luto também pode liberar energias criativas a serem investidas em novos relacionamentos, pode ser um ponto de mutação, de reflexão sobre a vida e mudança de antigos padrões (Mc Goldrick, 1998).

Ritualizar a perda envolve três fases: reconhecer a perda, simbolizá-la através de um ritual e prosseguir a vida. O ritual mostra aquilo que a família quer “enterrar” junto com o falecido e que características cada membro quer internalizar com ele.

Entra aqui a questão do número de sessões e de quando fazê-las com toda família ou apenas com alguns membros. A autora sugere que quando alguns membros estão elaborando melhor a perda do que outros, a terapia deva começar com estes e posteriormente ir englobando os demais elementos. Em outros casos, pode ser benéfico reunir toda a família de uma única vez, desintoxicando-os da perda através da análise das perdas encobertas e fazendo com que cada membro possa apresentar sua visão sobre o fato. A terapia familiar não desencoraja o uso de estratégias particulares como a visitação do túmulo, escrever uma carta para o bebê ou conversar com pessoas mais próximas.

O pior luto é aquele que a pessoa tem que fazer sozinha, por isso, a ajuda a algusn familiares pode também auxiliar aqueles membros que não queiram participar da terapia. Eles podem ser ajudados com um maior suporte dos parentes presentes e algumas orientações de como lidar com o luto do outro. Se sentindo mais fortes, poderão ajudar os mais fracos.

Super-ritualizar a perda não é benéfico. Um caso é o das famílias que deixam o quarto do bebê intocável, se recusam a dar suas roupas por quererem guardar de lembrança, visitam o cemitério obsessivamente, etc. Estes rituais aprisionam a energia familiar e impedem seus membros de partir para novos relacionamentos.

A autora dá exemplos de perguntas que podem ser utilizadas durante a entrevista. São algumas delas: Qual a reação de cada membro à perda? Quem estava presente no momento da morte, quem viu o falecido, quem gostaria de ter visto, como estava a família no momento da morte, como eram as relações de afeto com o falecido, que destino foi dado ao corpo, quem visita o túmulo, qual o grau de silêncio em torno da morte, quais eram os planos para a vida daquela pessoa, quais as crenças religiosas da família, etc.

Paul e Grosser (1998) desenvolveram uma técnica chamada de “Luto Operacional”, onde a família toda é reunida e o membro mais ligado à perda é estimulado a falar de suas emoções com detalhes, contando também o contexto da perda. Esta narrativa produz ressonância nos demais membros que são convidados a rever suas interpretações e sentimentos. Esta técnica também pode ser usada no caso do aborto espontâneo.

4.4.Trabalho com Grupos de Luto

Sales, Criado e Vera, tiveram uma experiência com grupos de luto complicado e podem nos fornecer uma prévia de como é feito este trabalho. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) também há um grupo de luto em funcionamento, baseado no modelo de Grupos Operativos. O conceito foi cunhado por Pichón Riviére e se refere a um conjunto de pessoas com um objetivo comum operando como equipe (Portarrieu e Tubert-Oaklander, 1986). Os pacientes são entrevistados por psicólogos do setor de Psicologia Médica e quando se observa que o luto (mesmo antigo) está paralisando a vida destas pessoas, são convidadas a participarem do grupo que se desenvolve por 6 meses e tem a duração de 1 hora e 30 minutos. O grupo é coordenado por duas terapeutas e tem a participação de 6 a 8 pacientes com diferentes tipos de perda.

Os pacientes da pesquisa de Sales, Criado e Vera, eram pacientes que não respondiam a uma terapia de apoio ou insight e que o luto se cronificava, rigidificando o modo de funcionar do paciente.

Podemos citar alguns problemas específicos do grupo de luto:

1.Cada paciente tende a pensar que seu luto é único e é impossível compará-lo à dor dos outros pacientes.

2. Podem se estabelecer rivalidades sobre os diferentes tipos de luto contemplados no grupo e até disputas para saber qual é o mais difícil.

3. Há o risco de medicalizar (ou psicologizar) o processo de luto.

4. Não há uma forma universal de se tratar o luto.

5. O grupo pode ficar paralisado de pena e dor sem conseguir dar sugestões benéficas aos participantes ou mesmo disputar quem sofre mais e quem ganha mais atenção do terapeuta.

6. Os que conseguem elaborar melhor a perda podem se sentir culpados.

7. Sugestões benéficas a um podem ser maléficas a outros.

8. Aumento da compulsão à repetição e narrativa da perda sem insight.

9. Dissociação entre narrativa e sentimentos.

10. Atitude de “nós contra o mundo”.

11. O grupo pode ser estigmatizante.

12. Substituir a dependência do falecido com a dependência ao grupo.

13. Manutenção do papel de doente para continuar no grupo.

14. Sentir a dor dos demais como prejudicial a si mesmo, como um peso a mais.

15. Perguntas difíceis para o terapeuta como: Por que os jovens morrem?

Segundo os mesmos autores, as vantagens do grupo de luto são:

1. Falar com os demais sobre a perda permite refletir sobre a própria vida.

2. Explicitar a dor faz o paciente voltar para a realidade da situação.

3. Facilidade de recuperar-se.

4. Ruptura da imagem de fortaleza do enlutado.

5. Suporte social quando todos se afastam.

6. Questionar o estereótipo de que algumas mortes são insuperáveis.

7. Identificação com os pares.

8. Espaço para ser o que realmente se é sem máscaras.

9. A criação de laços emocionais permite que o insight não fique só no racional.

10. Ajuda na superação de conflitos com a pessoa falecida.

11. O grupo pode dar um “perdão simbólico” para algumas atitudes.

12. Surgimento de rituais de passagem.

13. Surgimento de redes de amizade e solidariedade.

14. Recordar que a morte faz parte da vida.

15. Busca de ações: processos, busca de enterro digno, alterações familiares, etc.

As estratégias terapêuticas utilizadas pelos autores foram: validação da dor do enlutado, respeito aos membros que queriam se manter em silêncio, informação sobre o luto enquanto processo normal, deixar que todos falem quando quiserem, inclusive dando detalhes sobre a perda (quando ficar muito cansativo, o próprio grupo vai sinalizar), favorecer a comparação entre os processos de luto, evocação de respostas positivas em outros contextos de perda, fomento da reação emocional , estímulo ao conforto físico se adequado (dar a mão a outro, abraço), pouco direcionamento das sessões, favorecimento das atividades coletivas fora do grupo, fazer o grupo perceber como os demais os vêem, apoio às iniciativas do grupo, compartilhar experiências e sugestões, favorecer contato com pertences do morto, valorização das ações.

O grupo contou com 2 terapeutas, 16 participantes e observadores eventuais (estagiários). Funcionou durante 8 meses e com 1 hora e meia de duração. O grupo começava com temas pré selecionados e fluía livremente. Alguns dos temas foram: Modo de dar a notícia da morte, visão ou não do corpo, doação ou não de órgãos, destino do corpo, história prévia da relação com o falecido, contexto existencial, uso de álcool e drogas como alívio, somatizações e crises de ansiedade, vias de se livrar da dor, morte como reflexão, entre outros. O grupo funcionava com quatro objetivos: Acreditar na morte, permissão de sentir a dor, assumir os papéis pendentes e reorganizar a vida.

Abaixo seguem exemplos das dinâmicas utilizadas neste mesmo grupo:

- Linha da vida: Cada pessoa desenha uma linha que represente sua trajetória vital até o dia presente e depois discute com os demais.

- Trabalho em grupo no quadro negro: Cada um dá sua opinião sobre a pergunta ou o tema proposto. Tudo é anotado no quadro negro e depois discutido. Exemplo de temas: sonhos com o falecido, luto é doença? O que as famílias esperam de nós?

-Recapitulação de aspectos positivos e negativos do grupo.

- Relaxamento muscular progressivo.

- Relaxamento mental com imagens/visualização positiva.

- Escrever sobre uma pessoa que tenha superado bem o luto.

- Trazer um objeto de casa e dar a alguém do grupo se quiser, explicando o que aquele objeto significa e porque quer dá-lo.

- Escrever uma carta para o falecido.

Os autores observaram que as pessoas mais difíceis de participarem das 4 etapas do processo tinham as personalidades: narcisista (perda como ferida irreparável), histriônica (amplia dramaticamente a dor sem sentí-la de fato), obsessiva (busca de um culpado e desvio do sentimento de dor), dependente (não consegue se estabilizar sem um apoio) e depressiva (carência de motivação para mudanças em geral). De uma forma geral, os autores caracterizaram estas personalidades através de dois fatores: evitação do sentir envolvendo-se em outras atividades ou projetando a dor nos outros e vivência de intensos sentimentos de culpa.

Worden (1991) afirma que o grupo deve ser fechado (sem entrada de novos membros), limitado de 8 a 10 membros, de frequência semanal e com duração de 2 meses (sessões de 90 minutos). Deve possuir 2 terapeutas, sendo um o principal e com objetivo de: apoio emocional, educação ou socialização. A seleção deve ser rigorosa e o grupo, o mais homogêneo possível. Não devem ser incluídas pessoas com perdas muito recentes ( antes de 1 mês e meio). Evita-se pessoas com perdas múltiplas ou perdas-tabu como morte por suicídio ou HIV. O profissional que faz a triagem deve moldar as expectativas dos pacientes para o que o grupo pode oferecer. Três necessidades devem ser contempladas para que as pessoas continuem no grupo (Schutz apud Worden, 1991): Inclusão (o grupo tem a ver comigo?), controle (significo alguma coisa para eles?) e afeto (se preocupam comigo?). Se alguma destas necessidades for frustrada, é possível que o paciente não retorne.

Problemas comuns em um grupo de luto são: atribuição de uma importância maior a um tipo de perda do que a outras (enfatiza-se a não comparação), excesso de recomendações (só recomendar se solicitado), moralismo que aparece nas frases “tem que” (oferece-se como sugestão e não dever), paciente muito calado (deve-se incitar a todos que falem na primeira sessão), afeto inadequado com a discussão (o terapeuta pergunta o que a pessoa pode estar pensando).

4.5. Grupos de Suporte na Enfermaria

Este trabalho de enfermaria será exemplificado através dos grupos de “pós óbito” realizados no Hospital do Câncer IV que se destina a cuidados paliativos. O grupo é feito por uma psicóloga mas com a participação de todos os profissionais de saúde. A reunião é feita uma vez por mês com os familiares de todos os pacientes que faleceram naquele mês e conta com cerca de 20 pessoas. As cadeiras do auditório do hospital são dispostas em círculo e os profissionais se sentam em meio aos familiares (Menezes, 2004).

Começa-se com um comentário da psicóloga pedindo que todos se apresentem (inclusive os profissionais) e falem um pouco da história da doença do paciente e da internação. O objetivo do grupo é saber como os familiares estão lidando com a perda. O tema central da reunião é a vida daquele paciente, a consciência da doença, o sofrimento, os tratamentos, e vai passando para sentimentos dos familiares, a culpa, a raiva e a tristeza. Como não é um grupo psicoterápico, a psicóloga faz apenas algumas pontuações sobre como existem limites pessoais, o desconhecimento sobre algumas doenças, fatos normais do luto e o limite da própria vida. É um grupo de suporte emocional que visa prevenir o luto patológico. Segundo a psicóloga, deve-se transformar a dor em saudade.

Utiliza-se a técnica de imaginação através de paisagens agradáveis e definição dos objetivos a serem alcançados. A coordenadora permanece de olhos abertos observando a reação de cada um. Ao fim, cada um conta o que imaginou e porque. A reunião termina com uma reflexão sobre o limite da vida e um incentivo ao prosseguimento na caminhada. Todos aplaudem e há um lanche.

A reunião é espaço de elaboração de luto dos familiares e dos profissionais que participam, que têm elogiado bastante o trabalho.

Sugere-se que as famílias de aborto espontâneo sejam convidadas a um trabalho parecido. E como a psicóloga elogia aqueles que puderam comparecer a um ambiente de lembranças tão difíceis, assim deve ser feito.

4.6. Terapia do Luto/Aconselhamento do Luto

Em primeiro lugar, se faz necessária uma distinção entre aconselhamento no luto e terapia no luto. O aconselhamento refere-se a uma prática comum nos Estados Unidos, que pode ser realizada por qualquer profissional treinado e diz respeito a um processo de acompanhamento no luto, feito de preferência fora do hospital ou do consultório. Acompanhamento do luto normal. A Terapia do luto fala de um processo psicoterapêutico com foco na situação de luto e de tempo pré determinado. Só pode ser realizada por profissionais de saúde mental, de preferência no consultório e se destina a pessoas com luto patológico. É realizada quase sempre de forma individual, enquanto que o aconselhamento pode ser individual ou grupal (Worden, 1991).

O aconselhamento no luto possui 4 objetivos principais. São eles: aumentar a realidade da perda, ajudar a pessoa lidar com afetos, reajustamento após a morte e despedida do falecido e retomada da vida.

Parkes (apud Worden, 1991) afirma a existência de três tipos de aconselhamento no luto: serviços profissionais, voluntários treinados e grupos de auto-ajuda. Para fins deste estudo será abordado apenas o primeiro deles.

O aconselhamento no luto se inicia em geral na primeira semana após o enterro pois considera-se que antes disso, o estado de choque do paciente não permita uma abordagem adequada. Porém, o conselheiro poderá entrar em contato com a família antes para marcar as sessões. Dentre os locais possíveis de atendimento estão o hospital, o consultório, um jardim e principalmente a casa da pessoa. O lugar deve ter privacidade. O aconselhamento pode ser feito também de forma preventiva, num luto antecipatório ou com pessoas potencialmente de risco. Os fatores de risco de predispõem a um luto patológico são: sexo feminino, jovem, crianças pequenas em casa, pouco suporte social, classe econômica baixa, perdas paralelas, perda em um momento de crise vital, ambivalência na relação com o falecido, estratégias de evitação da morte, morte súbita e mau histórico no lidar com perdas (Worden, 1991).

Considera-se o aconselhamento como tendo 10 passos a serem seguidos. São eles:

1) Ajudar o enlutado da dar conta da realidade da morte: O conselheiro deve tornar a perda mais concreta. Várias técnicas podem ser utilizadas neste caso. A principal delas é fazer a pessoa falar sobre a morte com detalhes: como ocorreu, onde, como estava a família neste momento, como foi a doença, o enterro, etc. Outra técnica é que o enlutado visite o túmulo do falecido ou contemple objetos que foram dele. Pode-se começar a falar da pessoa no passado: “fulana era...”. O conselheiro deve ser paciente mesmo que o enlutado seja repetitivo ou por demais prolixo. Isto propicia uma experiência emocional corretiva pois o conselheiro toma atitude diferente da dos demais membros da família.

2) Identificar e expressar os sentimentos: Muitos sentimentos podem estar encobertos, especialmente a raiva e a culpa. O falecido pode ser visto de forma idealizada. A raiva teria origem em dois pontos: a frustração e a sensação de desamparo. Se esta não é dirigida a alguém, volta para o próprio sujeito, manifestando-se como depressão e podendo facilitar ideação suicida. O conselheiro deve incluir na anamnese perguntas sobre suicídio.

Lidar com a raiva geralmente não é fácil. Fazer perguntas diretas como : “Você tem raiva dele?” podem trazer indignação e prejudicar o vínculo profissional, por isso, o autor sugere a expressão “sentir falta” em perguntas como “O que você sente falta nele?” (expressão de sentimentos positivos) e “O que você não sente falta nele?” (expressão de sentimentos negativos). A pessoa pode começar a dizer os defeitos e conflitos em relação ao falecido e cabe ao conselheiro facilitar a livre expressão dos mesmos e no final fazer um balanço tentando trazer uma imagem mais realista do morto. Ver o falecido apenas negativamente pode ser uma defesa contra a dor. Neste caso, o enlutado deve ser estimulado a falar sobre o que ele gostava no morto.

Outro sentimento problemático é a culpa, que pode ser real ou não. São comuns frases como: “Acho que não fiz o suficiente por ele”. Neste caso, o conselheiro pode perguntar ao paciente quais as medidas que ele tomou pelo morto até se esgotarem todas. O próprio paciente pode notar que fez o necessário. Caso isso não ocorra, o conselheiro pode mostrar que todos somos limitados e que não se pode prever os futuro dos acontecimentos. No caso da culpa real, pode-se utilizar o psicodrama para fazer o paciente falar simbolicamente com o falecido, escrever uma carta para ele pedindo perdão ou no caso de grupo, o grupo dá o perdão simbólico.

Deve-se avaliar também de que forma o enlutado expressa sua tristeza: se contém o choro (especialmente em público) e se se permite ficar triste. Chorar sozinho é bom mas chorar publicamente e receber apoio é mais terapêutico. O enlutado pode ter medo de sobrecarregar os demais com seus problemas. Caso não esteja conseguindo chorar, pode ser avaliado o motivo disto. Alguns pacientes pensam que chorar pode detonar uma avalanche emocional sobre eles, perdendo todo controle sobre seu comportamento. Estes devem ser estimulados a chorarem durante a sessão.

3) Reorganização da vida : Neste item se utiliza muito a técnica de solução de problemas. Esta consiste em identificar as dificuldades práticas surgidas após a morte e propôr soluções a cada uma delas. A solução deve partir do paciente, que em geral é solicitado a fazer um brainstorming (tempestade de idéias), colocando no papel todas as soluções possíveis por mais irracionais de pareçam e depois selecionar duas ou três para pôr em prática.

Deve ser abordado o assunto da sexualidade pois no caso de perda do cônjuge, perdeu-se também o companheiro sexual. No caso do aborto espontâneo, este tema é particularmente importante pois a vida sexual sofre vários transtornos. O assunto deve ser abordado com cuidado e depois de haver um certo vínculo com o paciente. Deve ser abordada a vontade de ser tocada e abraçada e não apenas o ato sexual em si.

Outro aspecto é aconselhar o enlutado a não tomar grandes decisões no momento de luto agudo como mudar de emprego, de casa, entre outros. Deve-se enfatizar que este não é o momento e não que a atitude é inadequada. Pode-se pontuar a tentativa de fugir do sofrimento mudando de ares.

4) Facilitar a reorganização dos papéis: O enlutado deve progressivamente despojar-se da energia emocional ligada ao falecido e começar a criar novos relacionamentos. O morto deve encontrar um novo lugar na vida da pessoa. Muitas pessoas pensam que superar o luto é esquecer o ser querido ou substituí-lo. Estas fantasias devem ser trabalhadas pois podem emperrar o processo de luto. A tentativa de substituição do laço é comum e pode trazer alívio imediato mas dificulta a entrada em contato com a dor e com a profundidade da morte, podendo fazer com que o luto nunca seja totalmente superado.

5) Dar tempo para o luto: Pode parecer óbvio que o desligamento de um laço afetivo leva tempo mas nem sempre isto é tão óbvio para o paciente e a família. O conselheiro pode entrar em contato com a família em datas específicas que sejam importantes para a família para averiguar o andamento do processo de luto e até mesmo antecipar estas situações antes que elas ocorram. Pode pedir, por exemplo, para que o enlutado descreva como ele acha que será o natal sem aquela pessoa.

6) Interpretar o comportamento normal: Neste ítem, o conselheiro adianta para o paciente alguns sintomas esperados do luto como: sensação de estar enlouquecendo, alucinações, alto grau de distratibilidade, sintomas de ansiedade, luto “em ondas” (ver capítulo 2) e outros.

7) Enfatizar as diferenças individuais: O conselheiro deve enfatizar que nem todas as pessoas se comportam de forma igual diante do luto e que o enlutado não deve se comparar com vizinhos ou familiares.

8) Oferecer apoio continuado: Apoio continuado significa que mesmo ao término das sessões, o conselheiro deverá ficar disponível para a família, especialmente em datas críticas (aniversário, natal, ano novo, etc.) para novas intervenções. A família deve começar a ter esperança e perspectivas a longo prazo.

9) Examinar estilos de enfrentamento: O conselheiro deve perguntar sobre uso/abuso de álcool e drogas, que revelam uma má adaptação à perda, além de comportamentos auto-destrutivos, excesso de agressividade, acidentes e evitação do contato com a perda, que pode ser observado pelo afastamento de qualquer objeto ligado ao falecido.

10) Identificação de patologias e encaminhamento: Segundo o autor, o conselheiro tem papel semelhante a um porteiro pois acolhe as demandas e repassa a quem de direito. O encaminhamento ao psiquiatra ou ao psicólogo é imprescindível quando se faz necessário, por isso, o conselheiro deve ser treinado a identificar as patologias mais comuns.

Algumas técnicas adicionais além das citadas podem ser utilizadas. Seguem alguns exemplos:

Utilização de linguagem evocativa como trocar “perda” por “morte”.

Pedir ao enlutado que traga objetos do falecido, fotos, vídeos, etc.

Diário do luto, escrever cartas ou poesias para o falecido.

Desenhar figuras que traduzam o relacionamento com o falecido.

Encenação de momentos de medo por parte do enlutado.

Reestruturação cognitiva.

Manutenção de um livro de memórias do falecido.

Imaginação dirigida ou técnica da cadeira vazia.

Na terapia do luto, como já foi dito, o objetivo é remover o empecilho que retarda ou prolonga o processo de luto. O tempo é limitado de 8 a 10 sessões onde apenas a perda será explorada como foco. Para algumas pessoas trata-se de “reabrir o caso” pois estão há muito tempo com o luto em suspenso. Pode surgir resistência sob a forma de evitação do foco e distração com assuntos irrelevantes. Isto deve ser pontuado pelo terapeuta. É também importante não ignorar as doenças físicas manifestadas pelo paciente e dar o melhor encaminhamento. O terapeuta deve sondar das expectativas do paciente e tentar incutir-lhe alguma esperança e conforto (Worden, 1991).

A terapia do luto começa com a revivescência da imagem da pessoa falecida. O enlutado deverá lembrar do falecido e de tudo o que se relaciona com ele, fazendo um trabalho semelhante ao do aconselhamento no luto, onde se tenta entrar em contato com aspectos positivos e negativos do morto, buscando um equilíbrio e uma visão realista da situação.

Em uma segunda etapa, o terapeuta tenta identificar as etapas onde o luto se apresenta problemático. O bloquei pode ser na tarefa I (realidade da perda), na tarefa II (aceitação sem sentimento congruente), na tarefa III (desamparo) ou na tarefa IV (não querer abandonar o vínculo). As intervenções são as mesmas que no aconselhamento de luto.

O terapeuta, numa terceira etapa, verifica a presença de objetos simbólicos. Este conceito foi criado por Volkman (apud Worden, 1991) e descreve uma espécie de objeto transicional que o enlutado escolhe para lembrar do morto. Pode ser um objeto pessoal do morto, algo que lembre dele ou um objeto presente na hora da morte. O enlutado se apega a ele, passando muitas vezes a carregá-lo consigo e apresentado grande angústia na ausência deste. Funciona como uma espécie de amuleto que representa o vínculo. Estes objetos mostram um certo triunfo sobre a perda e são usados para amenizar a ansiedade de separação. No luto normal isto também é comum aparecer, só que desaparece assim que o vínculo emocional se enfraquece. O terapeuta pode avaliar a existência desses objetos e pedir que o enlutado traga para a sessão, discutindo seu possível conteúdo emocional.

O terapeuta também pode avaliar o que Volkman chama de “desejo crônico de reunião”, ou seja, uma dificuldade de aceitar a perda e ficar esperando que o morto volte a qualquer momento. Deve ser explorado o motivo pelo qual o enlutado não consegue absorver o caráter definitvo da perda.

Devem ser trabalhas as fantasias sobre terminar o luto, o que o enlutado acha que é e como será sua vida após isso.

Por fim, o paciente deve conseguir fazer seu adeus final, podendo “conversar” com o morto através de uma técnica psicodramática, escrever uma carta ou ir fazendo seu adeus aos poucos com frases como “preciso deixar você ir”.

O objetivo de todas estas técnicas é liberar material afetivo, enfraquecendo o vínculo e possibilitando a colocação do morto em um novo lugar na vida da família. Pode-se verificar a eficácia das técnicas através de comentários do paciente sobre como se sente aliviada, um aumento dos sentimentos positivos pelo morto, alívio de sintomas físicos e psicossomáticos e volta para atividades antes abandonadas.

4.7. Encaminhamento a Outros Profissionais

Quem geralmente encaminha ao Psiquiatra é o Clínico Geral ou Obstetra da paciente, mas em alguns casos pode ser o psicólogo. Segundo Stotland (1991) não há diferença entre perturbações psiquiátricas prévias à gravidez e posteriores. Faz parte de qualquer pré natal bem feito, a avaliação de problemas psiquiátricos prévios e familiares, uso e abuso de drogas, violências sexuais e físicas, etc. Assim, o obstetra já tem uma noção do risco que aquela paciente corre de se descompensar em um momento crítico. Motivos pertinentes de encaminhamento são risco de suicídio e/ou homicídio e psicose. Na dúvida, o médico não deve deixar a paciente sozinha nem para dar um telefonema. A equipe deve avaliar também a capacidade da paciente de absorver informações e seguir os tratamentos prescritos.

Quando enviada ao psicólogo, este deverá avaliar a ideação suicida/homicida da paciente, se realmente é real, para chamar a atenção ou se trata apenas de uma frase dita num momento de exaltação. O luto, como não é doença, não deve ser medicado a princípio, a não ser com algum hipnótico em caso de insônia persistente e um ansiolítico se houver descompensação séria. O autor postula um tempo de 1 ano para entrada de medicação antidepressiva.

O encaminhamento psiquiátrico é geralmente muito difícil de ser feito e causa constrangimento no profissional, não só pelo sentimento de impotência diante daquele caso como quanto do estigma do psiquiatra como “médico de louco”. O autor sugere que o médico/psicólogo conte ao paciente sobre o encaminhanto o mais breve possível e o motivo. Verifique o que o paciente sabe sobre o psiquiatra, as idéias pré concebidas que tem e se tem intenção ou não de ir procurá-lo. A tarefa de explicar não deve ser deixada ao psiquiatra, o que é comum. O profissional que encaminhou pode dar o nome do psiquiatra e dizer “Quero que o sr. vá ver o Dr. Fulano”, sem dizer que este é psiquiatra ou dar qualquer motivo. O paciente pode se sentir traído, abandonado ou “passado adiante”. O encaminhador deve deixar claro que quer saber notícias do paciente ou continuar com ele, se for o caso. Deve deixar claro o motivo da consulta e mostrar que a ida ao psiquiatra é um cuidado importante para a saúde do paciente. Os motivos podem ser variados como: “A senhora está precisando tomar um remédio para melhorar a ansiedade”, “Não sei bem o que está provocando estas dores”, entre outros.

Pringerson e Jacobs (2001) afirma que a atenção de um profissional de saúde mental deve ser oferecida desde o início. O paciente deve ficar em observação para risco de suicídio e depressão maior. Quando existir história psiquiátrica prévia, a pessoa deve ser imediatamente encaminhada ao psiquiatra. A depressão deve ser tratada como uma depressão comum, como Antidepressivos tricíclicous ou ISRS. Pesquisas mostraram que os sintomas de luto e os de depressão são diferentes e reagem de formas diferentes às intervenções. Enquanto a depressão respondeu bem à psicoterapia interpessoal e aos antidepressivos tricíclicos, os sintomas de luto patológico responderam melhor aos modelos de intervenção em crise e grupos de suporte (Reynolds et. al., 1998 e Pasternak e cols., 1991 apud Pringerson e Jacobs, 2001). Os autores recomendam a terapia de grupo no luto, especialmente a que mescla componentes da terapia comportamental.

4.8. Uso no Genograma como Ferramenta Auxiliar

O Genograma constitui-se em uma ferramenta de mapeamento da família, uma radiografia da família naquele momento. É um esquema que se utiliza de símbolos padronizados para dar uma dimensão geral de como aquela família funciona num dado momento. Inclui datas de nascimentos e mortes, casamentos, separações, institucionalização de membros, uso e abuso de drogas, histórico de doenças e relacionamentos familiares. Revela muitas vezes fatos que o paciente desconhece ou não lembra e repetições patológicas dentro da família (Burd e Baptista, 2004).

O genograma é uma ferramenta interessante de ser utilizada no aconselhamento no luto pois pode mostrar as fontes de apoio social disponíveis para o paciente, o histórico de perdas na família, as perdas não ditas (abortos, natimortos), a história de doença psiquiátrica e suicídios na família, além dos pontos de conflito. No caso do aborto espontâneo, pode-se verificar a concorrência de algum evento vital estressor durante a gestação ou anteriormente, a substituição de filhos, a situação marital e possíveis identificações com genitores que tenham sofrido perdas semelhantes.

O genograma é de fácil aplicação e rápido. O entrevistador deve dispôr de uma folha de papel ofício, lápis e borracha. Após uma breve explicação para o paciente do que vai ser feito e o objetivo, o entrevistador colhe dados pessoais do paciente (nome, idade, data de nascimento, moradia, profissão, etc.) e começa a partir dele a montar a árvore de irmãos, depois dos pais, dos avós e dos bisavós se for significativo. Monta também a família do cônjuge e os filhos existentes. Ao lado do genograma deve haver também um cronograma com datas de falecimentos e mortes, causas das mortes, institucionalização de membros, migrações, gravidezes e tudo o mais que for importante, não esquecendo a profissão e religião dos membros. Após terminada a estrutura do genograma, o entrevistador forma a rede de relações entre o paciente identificado e os demais membros, sendo descritas como: próximas, muito próximas, distantes, conflituosas ou afetivas (“normais”). Por fim, envolve-se como uma linha as pessoas que habitam na mesma casa que o paciente. O mapa dá uma idéia rápida do que se levaria meia hora ou mais para perguntar numa consulta comum. O genograma é objetivo e o paciente responde a questões com “sim” ou “não” ou múltipla escolha. Neste momento, o paciente não se expressa detalhando os dados mas apenas respondendo as perguntas de forma direta. Com a complementação do genograma, o psicólogo pode orientar a terapêutica dele e de outros profissionais.

CONCLUSÃO

Através dos dados mostrados neste trabalho, verifica-se que a maioria dos trabalhos sobre aborto espontâneo tem origem em outros países, tendo sido encontrados apenas dois artigos brasileiros sobre o tema. As próprias técnicas de intervenção especificamente direcionadas ao luto como o aconselhamento e a terapia do luto, não são técnicas brasileiras. Os próprios estudos sobre a morte brasileiros, realizados por pioneiras como Wilma da Costa Torres (já falecida) no Rio de Janeiro e Júlia Kóvacs em São Paulo, são recentes. Existem cada vez mais livros e fóruns de discussão sobre o luto se espalhando por todo Brasil. Dá-se destaque ao Instituto 4 Estações em São Paulo, cujos cursos versam especificamente sobre este tema e contam com a presença de Maria Helena Pereira Franco, estudiosa do assunto e à Primeira Jornada Carioca Sobre Luto realizada ao final de 2005 e com tanto sucesso que foi repetida em outro dia.

Entretanto, os pacientes enlutados ainda têm recebido pouco auxílio no Brasil. Os trabalhos de enfermaria existem de forma muito escassa e podemos pressupor que muitos destes pacientes ficam sem auxílio até que apresentem alguma descompensação psicológica e/ou sintomas psicossomáticos de difícil explicação. De grande importância são os grupos pós óbito como o realizado no INCA IV e os grupos de luto que se reiniciam na UERJ, em um trabalho preventivo do luto patológico.

Em relação às famílias de aborto espontâneo os trabalhos são mais escassos ainda, dando destaque às assistente sociais do Hospital Maternidade Carmela Dutra no Lins de Vasconcelos, que iniciaram um projeto de acompanhamento pós aborto que embora não tenha objetivo de terapia e sim de garantia da consulta médica no Planejamento Familiar, tem funcionado como importante fonte de informação e apoio a estas mulheres. O trabalho individual de psicoterapia ou suporte é imprescindível, no entanto, faltam trabalhos voltados para os grupos e acompanhamento após a alta hospitalar. Muitas pessoas, inclusive profissionais de saúde, desconhecem os riscos que um luto patológico pode trazer à vida da pessoa e este desconhecimento reflete também a angústia de lidar com a morte. A equipe da Maternidade pensa em trabalhar em um local de vida e não de morte.

As técnicas para se trabalhar o luto e as más notícias são abundantes e vão desde o psicodrama até a psicanálise estrita. Cada paciente é único e responde melhor a um certo tipo de intervenção, por isso, há espaço para todos.

Há um vasto campo de trabalho para o psicólogo no apoio ao luto. Luto da mulher, luto do pai do bebê, dos avós, dos irmãos. A maior dificuldade é saber onde intervir e em que momento. O profissional que deseja trabalhar em hospital deve necessariamente passar por um curso e/ou treinamento sobre luto para que saiba identificar o luto patológico e dar o devido encaminhamento, seja para o médico comum, psiquiatra ou psicólogo, além dos grupos de auto-ajuda, muito desconhecidos e relegados a segundo plano mas eficazes.

Deve-se enfatizar também a importância da religião e da comunidade no auxílio às famílias enlutadas por terem perdido seus bebês. Os profissionais de saúde por vezes se esquecem que os recursos ditos científicos não são os únicos e nem sempre os mais eficazes. Não existe uma “receita de bolo” sobre como tratar o luto. Cada paciente é único, cada profissional é único e cada relação é única, além de considerar o contexto assistencial. Cabe ao psicólogo, conhecer a bibliografia sobre luto, os trabalhos atuais e os cursos, mas acima de tudo, demonstrar empatia, respeito e interesse pela pessoa do paciente.

Não deve-se desprezar também a visita domiciliar e outros tipos de intervenções menos comuns pois são instrumentos valiosos de apoio e auxílio do paciente.

Conclui-se que o psicólogo tem um vasto trabalho pela frente: conscientizar as equipes de saúde sobre a importância do apoio no luto, fazer grupos de reflexão nas equipes, se reciclar, ter educação continuada na graduação e pós graduação, montar grupos de pacientes enlutados, apoiar não são a mulher enlutada mas o homem , as crianças e os demais familiares, montar seminários e cursos sobre o luto, oferecer estágios nestas áreas, além do tradicional atendimento psicoterápico focal e de longa duração.

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[1] Ou 22 semanas dependendo do autor.

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