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Eduardo Chivambo Mondlane (Arquivo)
Eduardo Chivambo Mondlane: Uma contribuição imensurável no combate ao sistema colonial
Se passados 10 anos após a minha morte não mais se falar de mim, então a causa pela qual me tenho batido terá sido em vão – Dr .Eduardo Mondlane, numa das várias correspondências académicas que escreveu à sua esposa, Janet Mondlane.
É inegável que o fundador da FRELIMO e arquitecto da unidade nacional permitiu-nos que sejamos agora um povo uno e indivisível que somos agora. o Dr. Eduardo Mondlane será sempre venerado como o estamos fazendo hoje, por ocasião deste 40º aniversário da sua morte em plena luta pela nossa independência, porque ele já pertence à “galeria de ouro” dos que, como Mandela, Ghandi, Martin Luther King Jr. Nyerere e muitos outros, deram uma contribuição imensurável na erradicação dos sistemas diabólicos que no dizer de Alex Toqueville “durante milénios impingiam nas pessoas da raça branca um sentimento que as levava a tratar os negros e outras raças, como os índios com a mesma brutalidade com que nós, os homens, tratamos os outros animais”.
Maputo, Terça-Feira, 3 de Fevereiro de 2009:: Notícias
Para se ter uma ideia realística do quanto as pessoas de cor eram brutalizadas, acho melhor, por uma questão didáctica e histórica, transcrever passagens de algumas das obras primas da época, como os relatos feitos por este Toqueville, na sua brilhante obra ´A Democracia na América”, mas mais concretamente num capítulo com o subtítulo “as três raças da América”, como quando diz que “se avaliarmos por aquilo que se passa no mundo, podemos quase dizer que os europeus são para as outras raças da humanidade o que os homens eles próprios são para os animais: fazem delas subservientes e as usam, e se não podem usá-las, as destroem simplesmente.”
Mondlane viveu estas sevícias todas tanto aqui em Moçambique, onde lhe eram recusados todos os direitos só porque era negro, como nos países onde esteve como estudante do Ensino Superior, nomeadamente África do Sul, Portugal e Estados Unidos da América, onde então o racismo estava ainda no seu ponto mais alto e os negros eram sistematicamente brutalizados e tratados-tal como o diz Papini – como animais.
No mesmo parágrafo, este lendário escritor francês, e que pelos vistos se tinha recusado a ser formatado para ser também um racista, vinca que “a opressão que se abate sobre os negros é tal que os priva de quase todos os direitos e privilégios com que a raça branca desfruta”.
Um dos grandes méritos de Mondlane e que faz com que seja parte desses grandes homens que no mundo tiveram a visão de destrinçar entre o homem branco e o sistema que os embrutecia e os levava a discriminar pessoas de certas raças, é que ele também soube logo definir aquilo a que se devia lutar contra – “que eram os tais sistemas que incutiam nos brancos a ideia de que eram superiores em relação a pessoas de outras raças e que as podiam usar e abusar assim que o quisessem, sem que isso lhes criasse remorsos”.
É essa sua visão esclarecida que leva Mondlane a incutir nos moçambicanos que se iam juntando à FRELIMO, que o inimigo não eram os brancos, mas sim o sistema colonial e todas as suas sequelas diabólicas. Ele foi tão longe ainda na sua análise, fazendo ver que os próprios brancos eram psicologicamente vítimas do mesmo sistema, porque os levava a acreditar erradamente que os negros não eram pessoas normais como eles, e que, por isso mesmo, deviam os maltratar e usá-los como bestas para carga e que se para tal não servissem, os podiam eliminar fisicamente. É por isso que os que se recusavam a ser usados como bestas para carga eram mortos a sangue frio, com o aval das autoridades coloniais.
Graças à evangelização feita por Mondlane e outros pregadores da política anti-colonial e racista, como Luther King, Mandela e Samora Machel, hoje temos pessoas de todas as raças a viverem juntas em harmonia, graças a estes heróis como ele que hoje o recordamos. Hoje vemos gente de todas as raças a elegerem nos EUA um negro, Barack Obama. Ainda no último domingo, os republicanos elegeram, pela primeira vez em várias centenas de anos, também um negro de nome Michael Steele como presidente do seu partido que, como se sabe, chegou a ser campeão da política anti-negros naquele país. Tudo isto faz com que seja de facto imperioso que exaltemos sempre a grandeza de Mondlane e da sua obra humanista, porque ele foi um dos grandes messias da erradicação do colonialismo, do racismo e de outras.
É muito imperioso que se faça sempre uma referência viva e permanente destes terríveis tempos e todo o cortejo de factos horrorosos que ocorreram nele, sem complexos de ferir os sentimentos de quem quer que seja e nem tentar minimizar a dimensão com que ocorriam, porque, como dizia Cícero, só quando nos valemos da experiência do passado, nos tornamos adultos de facto.
Devemos sempre fazer uma evocação dos que, como Mondlane, lutaram com heroísmo invulgar no meio de tantas adversidades, limitações e riscos reais que sempre estavam à espreita das suas vidas, para que esses sistemas se erradicassem de uma vez por todas tanto em Moçambique, como no resto do mundo, como já é quase um facto universal, que tem na inédita eleição de Obama a presidente dos EUA como uma prova eloquente de que o racismo “foi de facto morto ou pelo menos está em agonia irreversível”, tal como preconizavam ele e outros heróis da luta contra este sistema diabólico, nomeadamente Luther King que, curiosamente, também foi morto há 40 anos por se opor à discriminação racial.
Não foi por acaso que houve muita gente que chorou copiosamente em todo o mundo, quando Barack Obama pronunciou o seu discurso de vitória a quatro de Novembro último. Aquilo foi prova eloquente de que as feridas e chagas desses tempos horrorosos porque os negros passaram aqui em África, na Europa e na América, ainda estão bem vivas em muitos, tanto mais que não passa muito tempo que se pôs oficialmente fim a essa brutalidade contra as pessoas não brancas.
O seu chorar provou, uma vez mais, que há momentos em que um certo acontecimento nos leva de volta ao passado, e tornamos a viver esse passado terrível que neste caso foi a discriminação e brutalidade contra as pessoas da cor de Obama, causando-nos um sentimento melancólico que nos traz de volta a dor em que estivemos, então. É como quando nos recordamos dos nossos familiares e amigos que já morreram. Há momentos que quando somos levados a chorá-los retroactivamente, podendo ser quando escutamos uma das belas músicas que eles gostavam. No lugar de nos alegrarmos por escutar essa música, choramos, justamente porque no lugar de nos embalar, faz-nos recordar alguém querido que a morte tirou do nosso convívio. É o que aconteceu com os que, como o líder da luta contra o racismo, Jesse Jackson, choraram quando viram Obama a ser proclamado vencedor da corrida à Casa Branca e o ouviram, incrédulos, a discursar perante uma moldura multirracial e emocionada, falar desses terríveis maus tratos a que eles foram sujeitos, apenas e tão somente porque eram negros. O que sentiram então foi um misto de satisfação e de revivência dessa odisseia trágica em que eram tratados como animais selvagens.
É por isso que se reveste de importância vital esta decisão do Governo do Presidente Armando Guebuza, de se evocar as datas em que os que nos libertaram desta tragédia colectiva do povo negro tombaram. Deve ser aplaudida por todos nós, porque como Cícero nos ensinou, só deste modo se pode garantir que mesmo os que não viveram esses tempos horrorosos e trágicos possam, por assim dizer, embeber-se dessa história tenebrosa e saibam de onde viemos e aonde vamos, e para que aqueles que são mais velhos, nunca se esqueçam, como nos alertava outro nosso grande herói e companheiro de luta de Mondlane, o Presidente Samora Machel, através de uma das suas predilectas canções “não vamos esquecer o tempo que passou”.
Evocando Mondlane e a sua obra, estamos a garantir que os mais novos possam crescer e sejam efectivamente adultos e não eternamente crianças de estatura adulta, como bem o vincou Cícero.
É imperioso evocá-lo, porque ele merece essa nossa gratidão, porque alicerçou com a sua sapiência e fervor humanístico as bases que nos permitiram que nos libertássemos do colonialismo e do racismo, a tal ponto que agora o mundo esteja a viver, paulatinamente, o “Século Negro” de que apenas falava profeticamente Giovani Papini.
Para que se entenda quão importante foi Mondlane, para que hoje pudéssemos viver já como cidadãos livres de um país que já existe e não mais uma colónia portuguesa, e se estejam a produzir outros milagres noutros cantos do globo antes nunca imaginados como termos um Barack Obama e o acesso massivo à educação das nossas crianças que antes lhes era negado pelos colonialistas, é pertinente transcrever neste artigo, mais passagens de obras históricas que descrevem com mestria lapidar o quão os negros eram brutalizados.
Um dos escritores europeus que tal como vários outros que então eram contra a brutalização dos negros e que certamente ajudaram o nosso Mondlane a amadurecer na sua análise, e definir melhor o inimigo, foi Giovani Papini e que vinca num dos capítulos do seu livro “A Vigia ao Mundo”, que “até finais do Século XX, o homem de cor de pez e felugem, era simplesmente tratado como besta para carga, um personagem literário, um tema de eloquência ou de estudo, ou acessório de vária decoração”.
Na sua dissertação tão épica, Papini vinca que durante tantos séculos os negros foram tidos como escravos de trabalho, sob o açoite ou “escotada”… pelos desapiedados senhores de ontem que os subjugavam''.
Como aflorei ao longo deste artigo, para os moçambicanos que têm hoje uma idade que está para além da média ou já na tal terceira ou já no seu prolongamento, sabem por experiência própria que o que Papini descreve aqui foi mesmo assim. Foi esta subjugação que levou homens como Mondlane a acreditarem que antes valia morrer lutando pela liberdade do que viver tragicamente mergulhado na subjugação e opressão. Assim, aceitaram arriscar as suas próprias vidas, para que as gerações futuras pudessem, um dia, levar uma vida digna num mundo em que todos os homens são iguais, e desfrutam dos mesmos direitos e oportunidades como acontece agora. É que, como previa profeticamente Luther King, já chegou o tempo em que somos valorizados pelo que somos e não pela cor da nossa pele como era no tempo dele, como se viu agora com a eleição de Barack Obama por brancos, negros e pessoas de outras raças.
• Gustavo Mavie, da AIM
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