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Afoxé Oju Omim Omorewá: do terreiro ao palco – A performance artística como mecanismo de empoderamentoPor Daniela Beny Polito MoraesResumo: Tomando como ponto de partida as práticas artístico-culturais e sociais do Afoxé Oju Omim Omorewá situado na cidade de Maceió/AL, mais precisamente no bairro do Jacintinho, que possui altos índices de vulnerabilidade social entre a popula??o de jovens negros, esta comunica??o visa refletir sobre as atividades do referido Afoxé como ferramenta de empoderamento e de produ??o de alteridade. A motiva??o em abordar o tema deu-se das observa??es feitas em campo e entrevistas com as Ialorixás e coordenadoras do Afoxé, Nany Moreno e Isabel Caetano, durante a produ??o etnográfica para escrita da monografia “A codifica??o corporal da Dan?a de Ians? nas coreografias do Afoxé Oju Omim Omorewá”, desenvolvida em 2014 para finaliza??o do curso de Especializa??o em Antropologia na Universidade Federal de Alagoas, pesquisa da qual, esta comunica??o tornou-se desdobramento e objeto de reflex?o. Assim sendo, trarei conceitos a acerca da Antropologia da Performance com referência nos escritos de Richard Schechner e, em paralelo, aspectos da Antropologia Teatral desenvolvida pelo teatrólogo Eugenio Barba, baseando as práticas da performance artística na vivência cultural de cada indivíduo como possibilidade de cria??o. Trarei também uma explana??o geral acerca da produ??o dos espetáculos do Afoxé e de suas práticas internas ao que diz respeito à capacita??o profissional de seus componentes.Palavras-chave: Afoxé, Antropologia da Performance, empoderamentoOS SUJEITOSA comunica??o “Afoxé Oju Omim Omorewá: do terreiro ao palco – A performance artística como mecanismo de empoderamento” trata-se de um desdobramento da pesquisa “A codifica??o corporal da Dan?a de Ians? nas coreografias do Afoxé Oju Omim Omorewá”, apresentada em Agosto de 2014 para finaliza??o da Especializa??o em Antropologia na Universidade Federal de Alagoas, sob orienta??o da professora Ph.D. Silvia Aguiar Carneiro Martins e que agora está em aprofundamento dentro do Programa de Pós-Gradua??o em Artes Cênicas/PPGARC, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte sob orienta??o da professora doutora Teodora de Araújo Alves, sobre o título “Os elementos da Dan?a de Ians? como possibilidade de treinamento para o performer”. Considero importante trazer esta contextualiza??o do andamento e das características que esta pesquisa foi tomando ao longo do tempo, por crer que, tanto no campo da Antropologia como no universo das Artes Cênicas estudam as artes como ferramenta de empoderamento de determinadas comunidades, a arte como elemento fundamental de reconhecimento de uma identidade social.A escolha do Afoxé Oju Omim Omorewá se deu pela proximidade que tenho com seus componentes e por acompanhar parte da trajetória artística do grupo, a aproxima??o com a Ialorixás responsável pela coordena??o do Afoxé, Nany Moreno (Silvana de Souza) e Isabel Caetano, o que facilitou o acompanhamento dos ensaios e colaborou na media??o para realiza??o das entrevistas. De acordo com texto escrito disponibilizado para esta pesquisa pela própria Nany: O Afoxé surgiu da demanda por atividades culturais de sua comunidade terreiro (filhos de santo, de frequentadores e moradores do entorno da casa de Axé, localizada no bairro do Jacintinho), das experiências geradas na convivência de sua organizadora com os diversos grupos, da necessidade de instalar em Maceió um novo Afoxé que além de contar as lendas e mitologias dos Deuses africanos (Orixás) tem em suas letras, críticas e comentários sobre a situa??o da religi?o, de seus rituais, da trajetória dos afrodescendentes, do cotidiano de seu bairro, seus personagens, lutas e vitórias sociais (mimeo – projeto “10 anos do Afoxé Oju Omim Omorewá – Teatro Deodoro é o Maior Barato”, 2013).OS OBJETOSTendo em vista os apontamentos feitos nos próprios materiais produzidos pelo Afoxé, percebemos aqui uma preocupa??o com o resgate n?o apenas dos aspectos religiosos da cultura afro-brasileira, mas também elementos relacionados com a identidade étnica-cultural, transformando elementos do Candomblé – que já como religi?o apresenta o caráter de resistência das tradi??es de um continente que havia passado por um processo de diáspora – na prática artística. ? curioso observar que, há uma tendência nos terreiros de Candomblé a cria??o de grupos artísticos como mecanismo de resistência e de combate aos mais diversos tipos de preconceito que circundam os religiosos de matriz africana, dentre os vários afoxés da cidade de Maceió, cabe destaque ao Afoxé Segundo o antropólogo Raul Lody (1976)Afoxé é um cortejo de rua que tradicionalmente sai durante o carnaval em Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. ? importante observar nessa manifesta??o os aspectos místico, mágico e por conseguinte religioso. Apesar dos afoxés apresentarem-se aos olhos dos menos entendidos como simples blocos carnavalescos, fundamenta-se os praticantes em preceitos religiosos ligados ao culto dos orixás, motivo primeiro da existência e realiza??o dos cortejos. Por isso, afoxé também é conhecido e chamado por Candomblé de rua (LODY, 1976, p. 3)Tomando como ponto de partida a Fenomenologia segundo a perspectiva de Thomas Csordas (2008), que aponta que A fenomenologia é uma ciência descritiva dos princípios existenciais, n?o de produtos culturais já constituídos. Se nossa percep??o ‘termina nos objetos’, o objeto de uma antropologia fenomenológica da percep??o é capturar aquele momento de transcendência no qual a percep??o come?a, e, em meio à arbitrariedade e à indetermina??o, constitui e é constituída pela cultura (CSORDAS, 2008, p. 107).Trabalhei diretamente debru?ada na experiência do indivíduo dentro do fen?meno ao qual está situado e inserido. Como um de meus procedimentos de pesquisa, utilizei a entrevist-semi estruturada, e durante um dos encontros com minhas interlocutoras perguntei tanto à M?e Nany quanto à M?e Bel, como elas definem o Afoxé, M?e Bel respondeu da seguinte forma: Pra mim o Afoxé é o Candomblé de rua, é aquela parte profana, porque a gente n?o pode ir pra rua com a nossa parte religiosa, com os nossos Orixás, nossas letras falam sobre os Orixás, mas n?o é aquele c?ntico que a gente canta no terreiro, a gente coloca o Orixá de maneira respeitosa, mas num c?ntico profano (CAETANO, 2014)Sendo assim compreendemos que há uma celebra??o, pois o Orixá é reverenciado e homenageado, há um ritual, uma vez que o Afoxé se apresenta paramentado com um figurino específico, instrumentos e demais objetos que constituem um significado para os seus participantes, porém n?o há o ritual do ?mbito religioso, pois n?o s?o cantados pontos de fundamento nem de chamamento do Orixá, mais ou menos dentro dos par?metros trazidos por Lody (1976).Por sua experiência empírica, M?e Bel acabou de exemplificar o que Schechner (2013) teoriza ao dizer que:Muitas pessoas identificam o ritual com as práticas religiosas. Na religi?o, rituais d?o forma ao sagrado, comunicam doutrina e moldam indivíduos dentro das comunidades [...] rituais religiosos s?o claramente marcados. Nós sabemos o quanto nós os performamos [...] Rituais s?o, normalmente, divididos em dois tipos principais: o sagrado e o secular. Rituais sagrados s?o aqueles associados como a express?o ou promulga??o de cren?as religiosas. Entende-se que esse sistema de cren?as religiosas envolve o comunicar-se, orar, quando n?o invocar for?as sobrenaturais (SCHECHNER, 2013, p. 50-53).Creio que o tr?nsito que existe do ambiente sagrado para o ambiente artístico, se mostra através da for?a dos elementos ritualísticos presentes nas apresenta??es do Omorewá, nesse ponto, considero que, ritual e performance encontram-se t?o conectados quanto aos elementos sagrados inseridos no ambiente artístico, segundo Schechner (2013):As performances possuem várias finalidades, incluindo entretenimento, ritual, constru??o de uma comunidade e socializa??o. Essas fun??es podem ser resumidas como a tens?o din?mica entre eficácia e entretenimento [...] A performance se origina da necessidade de fazer que as coisas aconte?am e entretenham; obter resultados e brincar; mostrar o modo como s?o as coisas e passar o tempo; transformar-se em um outro e ter o prazer em ser você mesmo; desaparecer e se mostrar; incorporar um outro transcendente e ser ‘apenas eu’ aqui e agora; estar em transe e no controle; focar no próprio grupo e transmitir ao maior número de pessoas possível; jogar para satisfazer uma necessidade pessoal, social ou religiosa; e jogar somente com contrato ou por dinheiro! A mudan?a de um ritual para performance estética ocorre quando uma comunidade participativa se fragmenta, tornando-se ocasional, com clientes pagantes. O movimento da performance estética para o ritual acontece quando um público formado por indivíduos se transforma em uma comunidade. As possibilidades de movimento em qualquer das dire??es est?o presentes em todas as performances (SCHECHNER, 2013, p. 83)Levando-se em conta a performance e o ritual em todas essas perspectivas e nuances de tr?nsito e em várias esferas da experiência do indivíduo, nota-se a característica de transmiss?o de conhecimento tanto da performance quanto do ritual, é importante lembrar que as culturas afro-brasileiras s?o primordialmente de tradi??o oral e, quando se trata da dan?a (englobando aqui corporeidade, percuss?o e jogo), dá-se com o Orixá em terra – no estado do médium em transe – a comunica??o n?o-verbal, onde o conhecimento ancestral é transmitido pela codifica??o do corpo que dan?a, trazendo em seu léxico gestos que, aos iniciados, recontam lendas dos Orixás e, aos n?o-iniciados, sugerem movimentos de trabalho – que est?o diretamente relacionados às fun??es que cada Orixá exerce no plano espiritual.O corpo dentro da perspectiva da religiosidade afro-brasileira tem espa?o de destaque nesse processo de elocu??o de nossa ancestralidade, Inaicyra Falc?o (2002) enfatiza o lugar do corpo e das possibilidades de representa??o dentro da prática das dan?as afro:O corpo é um elemento portador de conhecimento e de express?o, levado em considera??o a comunica??o da dan?a. Cada pequena parte desse instrumento tem sua import?ncia no processo. Conhecê-lo possibilita ao indivíduo uma consciência dos seus poderes e de sua limita??o física, permitindo uma forma coerente de comunica??o (FALC?O, 2002, p. 82).Mas, qual seria a rela??o entre a forma de transmiss?o de conhecimento das tradi??es afro-brasileiras e o empoderamento desenvolvido pelo Omorewá?Alves (2006) ao apontar as perspectivas e possibilidades de constru??o, empoderamento e desvelar através do corpo, nos aponta que: Há significados e intencionalidades na express?o verbal e n?o verbal de cada corpo e de muitos corpos que se constroem na intera??o com o mundo. Corpos que dizem e ouvem, que criam e recriam, que aprendem e ensinam ao longo de suas histórias de vida. Fazem-se verdadeiros em seus rituais, em suas celebra??es, em suas atitudes. Formulam seus conceitos, suas concep??es, seus conhecimentos (...) Pela via da corporeidade, através da express?o do ser no mundo, e, sendo esta express?o uma dan?a afro-brasileira, entendemos que há uma enuncia??o de sentidos e significados próprios da etnicidade do sujeito, de sua cultura, de sua sociedade de origem (ALVES, 2006, p. 61)A seguir, discorrerei brevemente sobre os três espetáculos produzidos pelo Afoxé apresentados num palco teatro, nos anos de 2012, 2013 e 2014.AS FERRAMENTAS: HIST?RICO DO AFOX? OJU OMIM OMOREW? Desde 2003 o Omorewá vem desenvolvendo uma série de atividades com jovens da comunidade, iniciados ou n?o no Candomblé. Esse trabalho realizado nos arredores do bairro do Jacintinho visa potencializar a autoestima e autoafirma??o de seus integrantes, combater o preconceito, a discrimina??o racial e religiosa, viabilizando além da experiência artística, o contato com a cultura ancestral africana. Com influências e inspira??o em grupos como Ilê Aiê, de Salvador, Afoxé Oxum Pandá, Povo de Odé e Bongar de Recife, o Omorewá leva para o palco do Teatro Deodoro espetáculos que tratam da História do povo brasileiro e da mitologia e cotidiano das religi?es africanas, imprimindo em cena um discurso politizado e politizante, capaz de tocar todos os tipos de público com a beleza e o respeito em homenagear os Orixás. Neste capítulo, apresento atividades artísticas e sociais do Afoxé, trazendo para conhecimento de que se debru?a sobre esta monografia informa??es quanto ao processo de cria??o artística dos espetáculos realizados no palco do Teatro Deodoro, além de fotografias, trechos das músicas que fazem parte do repertório de cada apresenta??o e elementos simbólicos de cada show relacionados com o tema dessa pesquisa que desenvolvi.3.1 - ESPET?CULO “OJU OMIM” – O CANDOMBL? EM CENAA dedica??o de M?e Nany e M?e Bel é o que torna o Omorewá uma grande família que agrega candomblecistas ou n?o, além de colaboradores e apoiadores. Com apenas cinco componentes em 2003, o Omorewá se identificava como um grupo percussivo que, ao longo dos seus onze anos de existência foi tomando forma de grupo de dan?a, chegando a contar com mais de quinze dan?arinas e que nos últimos anos vem absorvendo elementos teatrais em seus espetáculos, se tornando assim o primeiro afoxé a se apresentar no palco do Teatro Deodoro, em 2012, com o espetáculo “Ojo Omim” que nasceu da reverência e homenagem aos Orixás, propondo-se, além de falar sobre os Orixás e trazer para a cena as representa??es de alguns deles como Exu, Ogum, Xang?, Ians?, Oxum e Yemanjá, levantar a bandeira da conscientiza??o quanto a preserva??o do meio ambiente, as nascentes, os rios, pondo em primeiro plano a água doce como origem da vida e um dos elos com a espiritualidade. Partindo da perspectiva da homenagem a cada Orixá em específico, a estrutura do espetáculo se mostra como num Xiré, onde se canta para cada Orixá e o mesmo se manifesta em alguns médiuns, porém por se tratar de um espetáculo, isso se faz com a apresenta??o de uma can??o composta especificamente para a apresenta??o deste determinado Orixá e as dan?arinas tomam a frente do palco apresentando a coreografia com elementos do Orixá homenageado. No caso do espetáculo Oju Omim a homenagem à Ians? vem com a can??o Lá no Infinito – composta por M?e Nany.L? NO INFINITO Lá no infinitoOnde tudo é mais bonitoOnde sopram os ventos de OyáOnde a cachoeira cantaOnde os deuses se encantam,Me fascina e me faz dan?ar.Onde tem tanta belezaTem ancestralidade e riquezaE negras mulheres a dan?arRitmo de Candomblé, ritmado AfoxéEssa é a cultura que traz meu axé.Deixa passar meu povoDeixa dizer de novoQue sou um negro lutadorResistência na HistóriaSomos guerreiros quilombolasTradi??o da cultura Nag?.Parte deste espetáculo encontra-se disponível em rede social Youtube (<:;), podendo ser acessado pelo público em geral. 3.2 - ESPET?CULO “AG? – IYAB?S PEDEM PASSAGEM” – A ANCESTRALIDADE E O EMPODERAMENTO FEMININOEm 2013, comemorando os dez anos de funda??o, o Omorewá teve seu projeto “Afoxé Oju Omim Omorewá 10 anos”. Contemplado pelo 2? Prêmio de Incentivo Cultural para Comunidades de Terreiros, promovido pela Universidade Estadual de Alagoas –UNEAL em convênio com o MinC – Ministério da Cultura. O espetáculo “Ag? - Iyabás pedem passagem” e o 1? Concurso de Beleza Negra, homenageou as divindades femininas do Candomblé cantando a beleza da mulher negra, segundo M?e Nany em entrevista: Falar da Iyabás pra mim foi fácil demais, além de que eu queria fazer uma homenagem n?o só a elas, mas as mulheres, que est?o sempre na batalha, sempre na luta do dia-a-dia. Por isso também o concurso de beleza negra. Por que n?o colocar a mulher negra no palco sem ser num desfile de moda ou de biquini? Foi tudo muito emocionante, um show muito poderoso, com as Iyabás aben?oando, textos lindos feitos pela Rose [Silva, atriz convidada para o espetáculo] (MORENO, 2014)O este concurso de beleza conseguiu mobilizar quinze jovens negras de diversas casas de axé como de outros lugares, com concorrentes entre 15 e 35 anos, as participantes eram escolhidas pela vota??o do público presente no dia do espetáculo, onde os requisitos de beleza, simpatia, presen?a e desenvoltura das coreografias foram levados em considera??o. Apesar das críticas o afoxé vê o concurso sobre o prisma positivo da afirma??o da identidade da mulher negra, dada principalmente pelo empoderamento do próprio corpo com a??es simples como o penteado.As composi??es de M?e Nany selecionadas para esse espetáculo, buscam enaltecer as características das iyabás, normalmente vinculada à causa negra, buscando elementos históricos da composi??o do povo brasileiro e de nossa miscigena??o e a trajetória destes expatriados que foram trazidos ao Brasil como escravos. Dentre elas uma composi??o me chamou aten??o em especial por citar elementos que abordam fatos vinculados ao Quilombo dos Palmares. O espetáculo Ag? Iyabás pedem passagem encontra-se disponível na íntegra em: , também podendo ser acessado pelo público geral.YEMANJ? M?E DO QUILOMBOMeu povo furtado da ?frica tem sangue negroLevaram sua vida e seus sonhos qual peso de ouroNegros Omorewá.Pobres irm?os no a?oiteFortes mulheres aos montesLutando contra a escravid?oMenino negro na corteQuilombo luta à noiteBuscando sua liberta??o.A busca da m?e Yemanjá é por seus negrosQuilombo criam seus filhos fugindo pro morroMorro dos Palmares.Outro irm?o no a?oiteMorre Zumbi numa noiteVejo chorando YemanjáMas nascem guerreiros mais fortesQuilombos venceram a morte,Nossa vitória Omorewá, nossa vitória Omorewá.3.3 - ESPET?CULO “CH?O BATIDO – TERRA DE NEGROS E MESTI?OS” – A MESTI?AGEM BRASILEIRAPara completar a trilogia dos espetáculos para teatro, o Omorewá traz “Ch?o batido – terra de negros e mesti?os” traz um olhar mais voltado para a mesti?agem do povo brasileiro, prestando homenagem aos ancestrais das religi?es brasileiras, como caboclos, índios, pretos velhos. Durante entrevista M?e Nany discorreu sobre o espetáculo: A gente vai falar sobre um Brasil mesti?o, essa mistura de povo, a gente apesar de ser muito misturado se olha de um jeito muito desigual, muito preconceituoso um para outro, inclusive de um negro para o outro. Tem essa história de que um negro n?o olha no olho de outro negro porque tem vergonha de se ver, de perceber a própria imagem, e é esse preconceito que a gente quer combater. O show vai ser a chegada do navio negreiro, com as mulheres, com figurinos mais rústicos, sem luxo, porque os negros escravizados n?o trouxeram luxo. Agora teremos uma das meninas do grupo interpretando um trecho do texto ‘Navio Negreiro’ de Castro Alves. Para esse espetáculo pesquisamos também a Santeria Cubana, dan?as de tribos africanas, toque do Ilê com jongo e pra finalizar um grande samba de roda (MORENO, 2014)A quest?o religiosa por trás das práticas artísticas do Omorewá se mantem preservada e posta com respeito dentro do grupo, principalmente pela heterogeneidade dos seus participantes. Quando indagada sobre como definiam o Omorewá como um grupo apenas artístico ou religioso, M?e Nany deixou muito claro como a rela??o com a religiosidade se estabelece dentro do grupo: Religi?o e arte tem liga??o sim, porque a maioria do pessoal é do Candomblé e aqueles que n?o s?o a gente procura n?o envolver com a religi?o. A partir do momento que a gente come?ou a montar o grupo, fui lá, consultei os búzios pra saber se ia dar tudo certo, a gente tem a liga??o com religi?o por isso, tudo que a gente faz consulta primeiro os Orixás, mas outros procedimentos que outros afoxés fazem, a gente n?o faz. A gente canta sim algumas músicas relacionadas ao Candomblé, mesmo que as pessoas pensem que é uma música qualquer, mas pra nós tem um significado diferente. Quando as pessoas chegam até a gente, mas n?o s?o da religi?o, a gente explica que Afoxé n?o é Candomblé, explica tudo pra ver se a pessoa se adapta ou n?o (MORENO, 2014)O espetáculo conta com dezesseis can??es, entre composi??es próprias de M?e Nany e composi??es que fazem parte do repertório de outros artistas, já conhecidas do grande público. Dentre as composi??es originais, gostaria de destacar uma: Senhora dos temporais, que será apresentada neste show, assim como as coreografias do ritual religioso comunicam o arquétipo e a mitologia do Orixá, as cantigas – também conhecidas como ponto cantado – também trazem essas informa??es. Mesmo se tratando de uma composi??o para a performance artística, esta música também comunica elementos mitológicos, Disponível em: , como vídeo n?o listado.SENHORA DOS TEMPORAISEla é dona dos raiosSenhora dos furac?esGuerreira independente E n?o teme a nada n?oSenhora que traz mistériosA dona do barrac?oEla traz sua espada em punhoE n?o teme a nada n?oAmada do rei guerreiroE filha do rei da pazSenhora que varre a terraAo som dos seus ventos e temporais.? Oyá Obá Xiré, Obá Xaré Loja.Ent?o encontramos aqui as referências de quais manifesta??es da natureza representam a presen?a de Ians? e quais s?o os seus domínio. Há uma breve abordagem da sua fun??o espiritual e se apresenta alguns elementos da sua genealogia e parentesco – “Amada do rei guerreiro” seria uma referência ao Orixá Xang?, seu marido e companheiro de batalhas e “E filha do rei da paz” faz referência à algumas lendas onde Ians? é filha de Oxalá.Para o espetáculo “Ch?o Batido – terra de negros e mesti?os”, o Omorewá conta com a participa??o na percuss?o: Sandro Santana, Adeilson Alexandre, Neiton Júnior - Juninho, Ana Luiza, Jadilson Santos, Renata Guedes, Carlos Douglas, Núbia Rafaela, Alessandra Aline, Jo?o Pedro e Sérgio Santana. Na dan?a: Cristiana Monteiro, Isabela Olímpio, Francis Regina, Juliana Couto, Maysa Kelly, Vitoria Caroline, Yara Sirilo, Jeane Yara e Luiz Gonzaga. Como backing-vocal: Cleyton Rosa, Iraculda Sirilo e Iva Clecia. Voz de Nany Moreno e Isabel Caetano, além dos convidados Ana Fabíola do Coral Voz Nago de Pernambuco, Igbonan Rocha, Neta Silva, Siry Brasil do Grupo Muzenza de Salvador e Dayane Ribeiro.Sobre a linha do tempo dos espetáculos do Afoxé, gostaria de considerar a preocupa??o em contemplar os elementos componentes de uma cultura afrodescendente, que prima pela preserva??o e memória da ancestralidade. A divis?o da trilogia de espetáculos do Omorewá deixa esse aspecto muito claro, sendo o primeiro show prestando reverência ao Candomblé, o segundo as entidades femininas da religi?o e, agora, homenageando elementos de outros segmentos religiosos que s?o agregados principalmente dentro da Umbanda e do Catimbó.3.4 - RESPONSABILIDADE SOCIALAlém das atividades artísticas e a liga??o religiosa o Omorewá, também se preocupa com a prepara??o de seus componentes para o mercado de trabalho. Pela sede do grupo estar situada no bairro do Jacintinho, um dos mais populosos de Maceió e com altos níveis de criminalidade e vulnerabilidade social principalmente entre os jovens negros, M?e Nany promove periodicamente oficinas dentro do próprio grupo, visando assim estimular o desenvolvimento de determinados segmentos profissionais que ajudam na manuten??o financeira do próprio grupo, como no sustento de seus componentes.Para M?e Bel, Grupo é assim, família é assim, a gente tem que ajudar um ao outro. A gente tem a preocupa??o de ensinar as pessoas a fazer as coisas, agora a gente tá montando figurinos, a gente ensina as meninas a costurar, já demos oficinas de colares pra cara uma fazer os seus adere??es, já demos oficina de maquiagem, de cabelos (CAETANO, 2014)E M?e Nany complementa, A gente ensina, chega junto quando a pessoa precisa, n?o é só o Omorewá Cultural, é o Omorewá social. Tudo que a gente tem do grupo é de doa??o, ent?o serve para o grupo usar, pra consertar o próprio figurino, pra os meninos pegarem os instrumentos e dar oficina. A gente ensina tudo porque amanh? ou depois serve pra pessoa como trabalho mesmo (MORENO, 2014)Mesmo que nem todos os participantes sejam candomblecistas, a configura??o da divis?o das tarefas dentro do grupo muito se assemelha aos terreiros de Candomblé mais tradicionais, pois, enquanto se encontra no processo de aprendizagem o Iya? se dedica a outras atividades dentro da casa a qual faz parte, desde as obriga??es religiosas até a manuten??o do espa?o físico.Apesar de toda a organiza??o, a manuten??o de um Afoxé se torna muito dispendiosa e, assim como a maioria dos grupos artísticos-culturais de Maceió, o Omorewá se mantém basicamente de trabalhos paralelos de M?e Nany e M?e Bel, ou pelos cachês das apresenta??es feitas dentro de projetos de difus?o cultural, onde M?e Nany me relatou como se dá a produ??o do Afoxé, Tudo que é feito é tirado do bolso da gente, tem também os trabalhos e oficinas que a gente dá pelo grupo, aí paga as contas que tem que pagar e o que sobra investe no grupo. O que n?o é justo pra gente é cobrar dos meninos do grupo uma mensalidade, muitos n?o trabalham, n?o é justo porque já est?o no grupo sem ganhar nada, todo cachê que entra, que n?o é muito, a gente decide com todos se é pra dividir ou pra ficar com o grupo. Tem gente que realmente precisa receber seu cachê, mas eu, Bel e Dé (um dos percussionistas do grupo), a gente n?o recebe cachê, guarda pra comprar as coisas que precisa. ?s vezes a gente conta com um apoio que em cima da hora n?o sai, fica muito difícil, principalmente quando é ano eleitoral (MORENO, 2014)Além das oficinas internas para capacita??o dos próprios componentes do Omorewá, o grupo também se dedica à composi??o das músicas que fazem parte do repertório, geralmente homenageando a ancestralidade e a memória do povo negro, num ato de afirma??o de identidade e de orgulho das raízes africanas. Fazem parte do repertório as músicas: “?guas Cristalinas” – que seus trechos ilustram os tópicos desta monografia, “Terra M?e” e “Lá no infinito”, todas compostas por M?e Nany, que conta com mais de vinte músicas de sua autoria.REFER?NCIASALVES, Teodora de Araújo. Herdan?as de corpos brincantes: os saberes da corporeidade em dan?as afro-brasileiras. Natal: EDUFRN – 2006.BARBA, Eugenio, SAVARESE, Nicola. A Arte Secreta do Ator – Um dicionário de Antropologia Teatral. S?o Paulo: ? Realiza??es - 2012.BENY, Daniela. A codifica??o corporal da Dan?a de Ians? nas coreografias do Afoxé Oju Omim Omorewá, 68 p., Especializa??o em Antropologia, Universidade Federal de Alagoas/UFAL, Maceió – 2014.BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 4. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil – 2001.CAETANO, Isabel. Entrevista I [Jul. 2014]. Entrevistador: Daniela Beny Polito Moraes. Maceió, 2014. 1 arquivo .mp3 (44 min.)CSORDAS, Thomas J. Corpo/Significado/Cura. Porto Alegre: UFRGS Editora – 2008.FALC?O, Inaicyra. 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