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|NRE – Curitiba |Município – Curitiba |

|Nome: Luciano Ezequiel Kaminski |E-mail: badale@.br |

|Escola: Colégio Estadual Pe. Cláudio Morelli |Nível – Médio – Série – 2ª |

|Disciplina: Filosofia | |

|Conteúdo Estruturante – Estética | |

|Conteúdo básico – Teoria da arte - música | |

|Conteúdo específico – Teoria Crítica | |

|Relação Interdisciplinar 1 – Arte |Validador |

|Relação Interdisciplinar 2 – Física |Validador |

|Validador da disciplina | |

MÚSICA E TEORIA CRITICA

OUVIMOS?

A afirmação de que a juventude perdeu o gosto pela “verdadeira arte” teria algum fundamento? De fato perdemos o bom gosto e a possibilidade de experimentarmos a verdadeira essência da beleza e da criação estética? Carecemos de sensibilidade?

|[pic] |ATIVIDADE |

|Ilustração de Alexandra Badaró |Como sugestão inicial, se possível, ouvir um trecho da obra:|

| |“A cavalgada das Valquírias”, da òpera “As Valquírias”, de |

| |Wilhelm Richard Wagner. Disponível em: |

| |

| |?select_action=&co_obra=3588, ou outra composição que |

| |experimente diferentes sons e ritmos. Importante analisar |

| |diferentes conformações de sons, ritmos, estilos. |

É preciso entendermos algumas noções básicas da formação do som, para que possamos discutir os elementos filosóficos da música a partir de alguma base comum.

1. O som e o silêncio

O que diferencia o som de um pássaro do som de uma música? Se ambos parecem ter alguma melodia, ritmo, repetições, seria possível afirmar que ambos são canções?

Para respondermos a esta questão, precisamos entender o que é a música. Precisamos mesclar conhecimentos de Arte e de Física para compreendermos melhor como se formam os sons e porque denominamos alguns deles de “música”.

Dado inicial: os corpos vibram. Conforme a quantidade e intensidade de vibrações é possível a captação do som pelo nosso aparelho auditivo. O som é uma onda (na verdade um feixe de ondas) de vibrações intensas e em quantidades tais que o nosso ouvido recebe no ar. O “toque” também faz vibrar o ouvido, o que permite percebermos e diferenciarmos os sons. Imaginemos que o ar é um espaço com alguma densidade que é modificada pelo som. Em outras palavras, o som não é uma outra matéria viajando pelo ar, mas é a modificação deste espaço em vibrações.

Se pudéssemos esquematizar o fenômeno da audição de forma mecânica, poderíamos dizer que o som é uma onda de vibrações que caminha pelo ar, é percebida pelo ouvido e interpretada pelo cérebro. Mas, tanto a questão da percepção quanto da interpretação do som vão mais longe de que esta simples descrição mecânica. Sentimos, percebemos, interpretamos com o corpo inteiro, de uma só vez. A tal ponto que o mesmo som poderá trazer efeitos diferentes ao ouvido de diferentes pessoas. Além de uma interpretação diferente também.

O som, a onda de som, tem um comprimento, uma altura e um espaçamento entre os seus “fios”. Num desenho esquemático poderíamos visualizá-la da seguinte forma:

A quantidade de som se dá pelo comprimento da linha, que determina o seu tempo de duração. A altura que a linha consegue alcançar, determina se o som é mais grave ou mais agudo. E a distância entre as linhas determina a frequência do som, isto é, o quanto ele pulsa por segundo. Neste caso, demos um exemplo com uma linha de som contínua, mas podemos também pensar em intervalos entre linhas. Mais curioso ainda, é podermos pensar que na própria linha existem intervalos de ausência de som que também determinam e dão contorno ao som. Permitem que reconheçamos determinadas mudanças de vibração oscilatória do ar como um simples barulho ou uma música, por exemplo. O som é a complexa gama de interconexões de sinal e ausência, uma ausência em função de um sinal. Essa cadeia de sinal/ausência permite o tímpano comprimir e descomprimir de acordo com os detalhes de cada onda de som. Pode-se dizer que sempre buscamos, no maior dos silêncios, alguma pulsação. Mesmo que seja a do nosso próprio coração, esta que, por sinal, nos dá alguma marcação familiar, um ritmo, uma contagem de tempo entre o sinal e a ausência.

Quando temos um som em sincronia, em harmonia, com continuidade agradável, podemos reconhecer com maior facilidade essa cadeia de sons. É pela repetição de padrões que podemos reconhecer e nos familiarizarmos com determinados sons. Isso explica, por exemplo, os diferentes estilos musicais que as culturas inventam pra si. Em cada caso haverá uma familiaridade de acordo com as experiências de seus povos. Isso tudo tem a ver com as tradições, com os elementos e sons que a relação de cada povo tem com a natureza, com aspectos religiosos, enfim, com uma variedade grande de elementos que compõem a historia e a riqueza da música.

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José Miguel Wisnik, afirma que “... o complexo corpo/mente é um medidor frequencial de frequências.” (1989, p. 19) e que tais padrões seguem elementos da natureza e do próprio corpo, como pulsação, reações musculares, respiração, piscar, andar, raios, dentre outros. Neste ponto mesclam-se o elemento racional, que calcula, mede e esquematiza os sons (veja por exemplo os elementos de uma partitura, que nada mais são do que a racionalização dos sons), e elementos psquícos, que marcam numa unidade mental um ritmo ou pontos de inflexão na cadeia dos sons. Em meio a elementos racionais e psíquicos, podemos dizer que a “cola” de tudo isso é a presença do emocional que, de certa forma, gruda em determinados sons, ritmos e cadências, que lhe são mais ou menos aprazíveis. Não é à toa que determinados modos e ritmos numa música recebem nomes relacionados a sentimentos e movimentos que aqueles momentos querem expressar (Allegro, Triste, Moderato, Andante, Vibrante, por exemplo).

Como então podemos definir música? É a combinação estrategicamente pensada e sentida entre diferentes sons, ritmos e melodias. Os sons entram numa espécie de diálogo, com tempos, alturas, coloridos vocais, que passam a se diferenciar do simples ruído ou barulho natural. A música é, portanto, uma linguagem que não apenas comunica (como a dos animais, por exemplo), mas que produz sentido, produz um mundo. A música é uma, dentre outras formas de linguagem humana, que não apenas expressa, mas produz expressão, desperta um mundo de emoções, ideias, sentimentos, esperanças, medos, tensões, enfim, a música é expressão e produção de vida. No dizer de Wisnik, o “... som afinado diminui o grau de incerteza do universo.” (1989, p. 27) A música é uma das formas que o ser humano possui para familiarizar-se com o mundo, com os outros e consigo mesmo.

É disso que trata a arte, das várias dimensões da vida e da morte, do micro e do macrocosmos, do exterior e do interior. A música, enfim, é um jogo que transforma ruído e silêncio em som ordenado, criativo e provocador. É a experiência do sagrado e do profano, é ritual, é sacrifício. É lugar do pensamento e da reflexão, do jogo de poder e das ideologias. Para alguns, a música é a arte por excelência. Para outros, é a decadência.

Mas afinal, o que estamos ouvindo ultimamente?

2. TEORIA CRÍTICA DA ARTE

Bem é sabido que a vida corrida e carregada de compromissos torna difícil a conquista da felicidade que, este mesmo mundo que nos cobra lucro, riqueza e prosperidade, promete. Em outras palavras, temos o desejo de uma vida tranqüila e a realização dos nossos sonhos e projetos, mas a realidade parece tornar distante essa expectativa justamente no meio do caminho para tudo isso. Não precisamos de muito esforço para percebermos que um dos resultados disso é uma certa frustração. Um descontentamento com a vida de uma forma geral, o que agrega consigo outras conseqüências. Politicamente, por exemplo, o afastamento da esperança de um mundo mais justo e o afastamento da própria dinâmica das decisões coletivas.

Poderíamos pensar ainda numa dimensão estética no rol destas consequências. Um distanciamento da arte, ou daquilo que alguns poderiam chamar de Arte (com letra maiúscula, para indicar a “verdadeira”), ou ainda, a dificuldade de uma experiência verdadeira com a arte.

Alguns filósofos da escola de Frankfurt, na Alemanha, nos meados do século XX estudaram a relação arte-mercado-sociedade, a partir conceito de indústria cultural. Devemos pensá-lo dentro da lógica do sistema capitalista, ou seja, a partir da lógica do mercado, onde tudo gira em torno do lucro, do comércio e da produção em larga escala. A arte não ficou fora deste contexto. O mercado descobriu na música, no cinema, nos shows, uma grande oportunidade de negócio. Entretanto, para que o sistema não corra riscos, é preciso criar também o mercado, ou seja, inventá-lo. Dito de outro modo, é preciso criar a necessidade nas pessoas de consumirem aquele determinado produto. Daí as técnicas de propaganda, com a idéia de que “você precisa disso, você não pode viver sem aquilo...” A indústria encontrou na reprodução tecnológica da criatividade uma grande oportunidade de riqueza.

Alguns poderiam olhar com naturalidade para tal situação, afinal de contas, a arte só passa a ter algum valor caso tenha condições de mercado, isto é, que possa cair no gosto popular e, deste modo, virar um produto de vitrine. Entretanto, isto parece reduzir o valor da produção do artista ao mercado. Além do que temos a vinculação da própria criação do artista para o mercado, o que faz recuar a margem de criatividade e liberdade tanto do artista quanto do público para limites mercadológicos. Existe aqui o risco de produzirmos não apenas arte para um mercado, mas pessoas para este mercado. Indivíduos sem identidade, voltados ao consumo, com sensibilidade pouco apurada e sem gosto próprio. Aqui é que podemos aproximar a idéia de indústria cultural com a de cultura de massa. Uma indústria que produz arte e produz uma massa, a multidão sem rosto, sem definição, consumidores.

Mas a vinculação da arte ao mercado não é uma novidade do capitalismo. Afinal, a arte sempre de algum modo foi vendida ou estava atrelada a interesses que não eram necessariamente a própria arte em si mesma. Pode-se tomar, a título de exemplo, a arte medieval, que estava voltada para fins religiosos ou políticos. Existem os mais otimistas que acham a mistura arte e mercado interessante. O mercado serviria como um palco comum por onde se entrelaçam tanto a arte popular quanto a arte erudita. Teríamos uma espécie de grande caldeirão de produções sem definições estanques e linhas demarcatórias muitas das vezes mais preconceituosas do que justas.

Veremos agora de que forma dois filósofos da Escola de Frankfurt tratam desta questão para que possamos entender o problema do ponto de vista conceitual.

2.1. Adorno e a decadência do gosto

Em seu texto “O Fetichismo na Música e a Regressão da audição” Adorno se refere à decadência do gosto musical como algo que não é nada novo. Dá-nos a entender que, embora a música, em diversas épocas, procure defender valores acima dela própria (a paz, a harmonia, o sagrado, por exemplo), sempre acaba por ocorrer um barulho indisciplinado que desmonta toda a tradição e os rituais considerados mágicos e corretos que estariam associados a ela. Tal descompasso acaba tornando os ouvidos desacostumados com a normalidade que a tradição apregoa. A música torna-se apenas motivo de diversão, com pouca ou nenhuma originalidade. Perde-se a compreensão do todo e a possibilidade de termos uma experiência original. O que significa trata tal experiência original?

Voltemos à realidade, da qual falávamos no início desse texto, de uma vida sem graça, vazia de sentido. Ela acaba sendo preenchida de barulho. No dizer de Adorno: “A música de entretenimento preenche os vazios do silêncio que se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências” (1999, p. 67). A música de entretenimento - entenda-se a música da moda, do mercado – é tão somente o eco do vazio de sentido de vida. Com isso deixamos de experimentar toda a riqueza da vida, a dinamicidade dos espaços novos que a arte inventa, dos tempos para além do relógio e do calendário que a música inspira, a experiência com o sagrado, a diversão com o profano, enfim, ficam de fora da nossa experiência uma diversidade e profundidade de sensações, idéias, conhecimentos, vibrações que tornariam a vida mais rica e original.

Muitos aspectos curiosos derivam desta constatação de Adorno. Uma delas é a de que o prazer, no sentido mais amplo da palavra e, principalmente, no seu sentido estético, fica perdido diante de uma música comercial. Tem-se um prazer momentâneo, que anula outro tipo de prazer, ao qual poderíamos chamar de espiritual, estético, cósmico, original, intenso, universal, holístico, relativo à liberdade, ao sublime, ao absoluto. A redução ou “banalização do prazer”, acaba por constituir-se num dos elementos chave na compreensão da sociedade capitalista contemporânea. Banaliza-se o prazer, a vida, o trabalho, o lazer, tudo em troca de um mero momento de fuga. Fuga essa que, contrariamente ao que se poderia imaginar, nos torna cada vez mais escravos de um gosto que não nos pertence, de uma vontade que não é a nossa, de um padrão que fere a criatividade de uma experiência original. Uma redução estética que implica numa redução do indivíduo. Nas palavras de Adorno: “A liquidação do indivíduo constitui o sinal característico da nova época musical em que vivemos.” (1999, p. 73)

A música enquanto mercadoria não é capaz de entregar ao consumidor todos os elementos que a compõem, sustentam e que a tornam possível. O que ela é capaz de fornecer fica reduzido a um fetiche. Aliena-se na música de entretenimento – e o que é mais perigoso, no indivíduo que a consome – a idéia de totalidade, a composição de suas partes, do trabalho de elaboração, dos sentimentos, idéias, crenças, mitos, e ritos que ela pode comportar. Eis um conceito importante em Adorno, o de fetichismo musical. O conceito de fetichismo é emprestado, na verdade, do marxismo, que já tratava deste assunto em termos de relações de trabalho e modos de produção. Agora, Adorno aplica as regras da alienação também ao sistema de consumo de arte.

O prazer que sentimos na música de entretenimento acaba por produzir justamente o seu contrário. Consumimos um produto que não nos pertence – pertença no sentido de sentir-se partícipe da composição. Ganhamos em troca a angústia da posse de um produto e da não experimentação de uma obra. O prazer enlatado nos leva à angústia da eterna necessidade da posse, da compra, mas deixa de lado o prazer estético. O filósofo denomina esta realidade de “masoquista cultura de massa” (1999, p. 80) Um eterno sofrimento em busca de um prazer que nunca chega. Nos tornamos escravos do produto.

Adorno continua sua análise sobre o mercado da música com o conceito de “regressão da audição”. Com ele, poderemos compreender melhor os efeitos da música de entretenimento sobre a sensibilidade. É preciso reconhecer que o mercado da música não apenas restringe nossa liberdade ou limita nosso gosto. Ocorre que a sociedade de consumo deixa nossos ouvidos surdos, empobrecidos. Não estamos falando da surdez fisiológica, mas de um tipo especial de surdez: a do conhecimento da música. A “regressão da audição” é exatamente uma estagnação no nada, a quase impossibilidade de nos colocarmos de corpo, alma e espírito na música. Não se trata de regressão no sentido de uma volta ao passado, às tradições, nem mesmo uma volta à infância perdida. É, na verdade, uma constante volta ao nada de conhecimento musical. Compramos, escutamos, mas não sabemos exatamente do que se trata.

Obviamente não se trata de uma simples pesquisa sobre a vida do autor ou do intérprete, mas de conhecimento musical como um todo. Nas palavras de Adorno:

Os ouvintes perdem com a liberdade de escolha e com a responsabilidade não somente a capacidade para um conhecimento consciente da música – que sempre constitui prerrogativa de pequenos grupos – mas negam com pertinácia a própria possibilidade de se chegar a um tal conhecimento. Flutuam entre o amplo esquecimento e o repentino reconhecimento, que logo desaparece de novo no esquecimento. (1999, p. 89)

Mais alguns elementos importantes podemos destacar nessa regressão da audição. É a impossibilidade de avanço no saber, implicando na permanência na ignorância auditiva, o que impedem uma fruição livre e rica da música. Não conhecemos, adiamos sempre o melhor para um depois que nunca chega. E não chega porque não temos tempo, paciência, dinheiro, fontes apropriadas, e muitos outros desvios. O que nos resta? O prazer da compra do próximo sucesso.

Pode-se entender, por tudo isso, porque nosso ouvido fica mal acostumado, calmo demais, sente muito pouco. Desejamos músicas com muitos enfeites, finais já conhecidos, rimas consagradas. Menos detalhe, mais barulho. Nosso ouvido ficou atomizado, ouve apenas as partes que quer, sem a audição (ou percepção) da totalidade. Um querer, além do mais, que não é próprio do sujeito, mas que segue as regras do consumo. Adorno confirma esta exigência do próprio consumidor quando afirma que “Os ouvintes e os consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes é imposto insistentemente.” (1999, p. 91) Basta comprar, sem pensar.

Nosso ouvido, acostumado com músicas de mercado, com as mesmas cadências, ritmos e rimas, fica ingênuo, empobrecido de novas experiências, infantilizado. Nega-se a conhecer novos formatos de sons, ritmos, harmonias, enfim, experimentar os choques de experiências musicais que acabam por enriquecer e enobrecer o prazer estético da música. Temos uma espécie de coação que se estabelece de duas formas: a externa ou social, no sentido da exigência da compra do produto cultural; e a interna ou perceptiva, no sentido de uma escuta calada, cega ao novo, limitada ao básico, sem exigência de esforço para compreender a complexidade de arranjos, sentimentos, contrastes, de erros intencionais ou não, das tensões e angústias que a música convida a experimentar. Nosso “comportamento perceptivo” (ADORNO, 1999, p. 92) fica caracterizado pela desconcentração, pela falta de tensão e pela resignação. Não percebemos a estrutura, apenas o colorido. Não suportamos as pressões e exigências que a riqueza da música exige. Ficamos na experiência vazia do mero divertimento.

Ao compararmos com o processo de produção nas fábricas, o processo de composição musical acaba se reduzindo a uma mera técnica, na qual o músico deve dominar uma série de movimentos já determinados, para um resultado que todos já esperam e exigem. Eis a denúncia de uma fraude. A indústria que promete o novo, acaba por fornecer o padrão, o mesmo de sempre. A música fica impossibilitada de oferecer uma experiência de arrebatamento e estranhamento da vida cotidiana. Apenas nos contentamos com paliativos, “... no fundo as pessoas percebem-se traidoras de uma possibilidade melhor, e simultaneamente percebem-se traídas pela situação reinante.” (Adorno, 1999, p. 102)

O que impera? A indústria cultural que, com promessas de satisfação no consumo, o que faz é justamente acomodar o público ao sofrimento indefinido. A indústria cultural acaba por denunciar a crise de seus próprios “valores”, para a qual encontram-se os paliativos no mercado. Um círculo vicioso e lucrativo.

Além destas críticas contundentes à indústria cultural, Adorno não se mostra contente com algumas saídas para este clima de “masoquismo da audição”. Por exemplo, a idéia de que estaríamos fora da cultura de massas ao consumirmos óperas e músicas clássicas, adquirirmos coleções de Mozart, Vivaldi e outros. O que se acaba por fazer, neste caso, é justamente cair nas malhas do mercado. São falsas saídas que, no final, apenas indicam a incapacidade da audição moderna se render à riqueza da música. São paliativos que, por um lado, restringem o acesso à arte erudita a poucos, muitas vezes numa falsa impressão de erudição. Além do que não promovem qualquer coisa que se queira chamar de democracia musical, nem mesmo o desenvolvimento do ouvido.

Ainda assim, é possível lançarmos um olhar positivo para o futuro? Parece que Adorno não deixa muitas boas novas. Mas não seria fácil demais simplesmente dizermos que o mercado corrompeu qualquer forma de arte verdadeira, sincera, complexa, com recheios de conhecimento? Não seria uma redução até meio fantástica dizer que “tudo acabou” em termos de criatividade artística e percepção estética? Temos uma deixa de Adorno para sua própria queixa, falando sobre a música de Schoenberg e Webern:

A sua música dá forma àquela angústia, àquele pavor, àquela visão clara do estado catastrófico ao qual os outros só podem escapar regredindo. (...) Todavia, somente os indivíduos são capazes de representar e defender, com conhecimento claro, o genuíno desejo de coletividade em face de tais poderes. (1999, p. 106)

Em outras palavras, para o filósofo, é pela individualidade consciente, carregada de conhecimento de técnicas e teorias, bem como pelos reflexos sociais de tais conhecimentos, que é possível pensarmos numa arte sadia, rica, livre, aberta ao novo e sem medo do passado. Indivíduos maduros.

2.2 BENJAMIN E A PERDA DA AURA DA ARTE

O filósofo alemão Walter Benjamin também procurou analisar o fenômeno da cultura de massa. Entretanto, ele o toma na perspectiva dos efeitos que as novidades tecnológicas, aplicadas às artes, produzem na sensibilidade do expectador. Sua análise se deteve na fotografia e, principalmente no cinema, porém, poderemos transpor sua análise também ao fenômeno musical. O mesmo salto que houve entre a pintura e a fotografia, ou entre o teatro e o cinema, podemos pensá-lo para os concertos ao vivo, que hoje podem ser gravados em estúdios com recursos de última geração.

Benjamin procurou responder se a reprodução e comercialização da arte para as massas não roubaria dela o seu potencial criativo, formador e transformador do mundo. Vamos nos deter em suas reflexões a partir de seu texto “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”, escrito em 1935.

Segundo Benjamin, as obras de arte sempre foram passíveis de reprodução (de cópia): quando alunos copiavam obras de seus mestres para aprender a desenvolver técnicas, os falsários que copiavam clandestinamente obras de arte famosas com fins lucrativos, são alguns exemplos. Mas o que se vê atualmente é algo diferente: uma reprodução rápida, em grande quantidade e voltada para um grande mercado consumidor – as massas.

Tenhamos em mente a reprodução operada pelo mercado da música, desde os LP´s, fitas cassetes, até os CD´s, Mp3, IPod´s e outras mídias. A transformação da execução ao vivo de uma obra musical em uma gravação, que poderá ser reproduzida aos milhares, comercializada às multidões, traz consequências que precisam ser analisadas com maior cuidado.

Para Benjamin, a reprodução das artes deve recolocar velhas questões sob novas condições. Sempre que ocorre a decadência de algum padrão, deve surgir daí algo novo, quase sempre muito “avançado”, extravagante, fora do comum, e que salva a arte de um possível fim. Além disso, tais mudanças também produzem alterações significativas no modo como os indivíduos percebem a realidade, ou seja, mudanças nos sentidos do corpo e no modo como as percepções são interpretadas. O filósofo elabora um conceito que permite compreendermos um âmbito geral para estas alterações – o conceito de aura.

Benjamin afirma que, para além da perfeição técnica da reprodução, “... falta sempre algo: o hic et nunc (o aqui e agora) da obra de arte, a unidade de sua presença no próprio local onde se encontra.” (1980, p. 7) O que seria essa unidade? Para o filósofo, uma obra de arte é autêntica apenas quando ela naturalmente se dá ao olhar e à contemplação do espectador. Um obra de arte está sempre vinculada à uma tradição, à uma história, às alterações materiais que ela sofreu com o tempo (envelhecimento, perda de cor, por exemplo). Qualquer reprodução tecnológica que perca isso, rouba da obra a sua aura, isto é, a sua unidade, sua autenticidade, “... transformam o evento produzido apenas uma vez num fenômeno de massas.” (BENJAMIN, 1980, p. 8) A perda da aura fica mais evidente na medida em que essas reproduções se voltam ao mercado, isto é, ao consumo de milhares, que não têm conhecimento ou vivência dessa tradição para apreciá-la de forma justa.

Além do que, do ponto de vista de quem as reproduz o interesse é apenas comercial e não artístico. No caso de uma obra reproduzida com fins comerciais, tanto a produção da arte quanto a sua contemplação ficam prejudicadas pela falta do original e pela distância do peso de sua tradição, história e os detalhes do “ao vivo”. A arte se torna objeto de liquidação.

A reprodução, segundo Benjamin, afasta o espectador dos ambientes originais, desvaloriza a unidade da presença da própria obra. Isso significa perda de autenticidade que “... é tudo aquilo que ela [a obra de arte] contém e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico.” (1980, p. 8)

A perda da aura implica em retirá-la de sua função ritualística. Quando percebemos pela via da contemplação, entramos numa relação diferenciada com o objeto contemplado. A arte fica reduzida à exibição comercial, voltada ao divertimento. Enquanto que esse mesmo objeto artístico, sob o véu de sua aura, guarda uma distância que lhe é própria e fundamental. Como uma imagem que se presta ao culto. Permanece sempre inatingível, longínqua. Na distância e no ritual de contemplação, o objeto guarda sua unidade e ganha seu valor de autenticidade. Tal valor se perde à medida em que outros interesses mais práticos entram na relação, como por exemplo, o interesse do colecionador, do comerciante ou expositor de arte.

A perda da aura produziu uma desfuncionalização da arte em seu aspecto social. A grande massa de consumidores, alienada num gosto enlatado, perde também sua capacidade crítica e o sentido de fruição estética. A arte perde sua força de transformação social, de denúncia e de poder de reflexão. Ocorre o que Benjamin chama de “... um divórcio crescente entre espírito crítico e o sentimento de fruição.” (1980, p. 21) A impossibilidade de fruição livre, de um contato íntimo com a obra na sua genuína apresentação, de um diálogo com o autor/ator do espetáculo, tornam a vivência da arte uma experiência mecânica, como também apontava Adorno anteriormente.

Diferente de Adorno, porém, Benjamin consegue entrever alguns pontos positivos que vieram com as técnicas de reprodução. Em sentido amplo, o filósofo afirma que elas possibilitam uma ampliação no alcance dos sentidos para regiões do real que a percepção natural não teria. Ou seja, o que temos é um aprofundamento da percepção, o que também implica na ampliação do conhecimento. Segundo o filósofo, a tecnologia fornece “... um levantamento da realidade incomparavelmente mais preciso.” (1980, p. 22) Isso porque ela permite isolar uma quantidade maior de detalhes, ângulos e campos de percepção. As dimensões do real se ampliam. As coisas ficam maiores, numa espécie de alargamento das dimensões perceptivas o que, por sua vez, permite à imaginação compor novas relações. Fazemos um levantamento mais completo da realidade, nos detalhes que outrora, a pintura, escultura, teatro e poesia não tinham acesso. A reprodução técnica das artes para Benjamin, “ (...) nos faz enxergar melhor as necessidades dominantes sobre nossa vida...”. “O espaço se alarga”, “o movimento que assume novas dimensões”, permite-se o “engrandecimento das coisas”, o “desvendar novas estruturas da matéria”. (1980, p. 23)

Mesmo que a arte possa ser vista apenas como lazer comercialmente lucrativo, e que a diversão guarde alguma distância da “arte pura”, não se deve esquecer que por estas novas tecnologias, a arte passa a ser apreciada de uma outra forma. A tecnologia aplicada à arte permite que a sociedade se compreenda e assimile novas atitudes em relação à vida, pois “... a arte nos confirma tacitamente que o nosso modo de percepção está hoje apto a responder a novas tarefas”, às quais estamos, cotidianamente, recusando a cumprir. À arte cabe cumpri-las.

Sendo assim, a questão sobre o que ouvimos pode agora ser pensada e repensada sob um novo olhar. Se o que denominamos “arte” não mais se reduz às formatações clássicas ou acadêmicas, por outro lado não podemos reduzir a criatividade às regras de um consumo sem reflexão ou compromisso com a liberdade. É preciso termos alguma bagagem cultural sim, mas não devemos esquecer que somos também produtores e não apenas receptores ou consumidores de cultura. Neste sentido, cabe apurar nossos ouvidos e depurar o que ouvimos. Não nos fecharmos o novo, nem ao difícil, ou reduzirmo-nos ao fácil. Afinal, arte é para ser vivida. E em abundância!

REFERÊNCIAS:

ADORNO. T. W. O fetichismo da música e a regressão da audição. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1999. Col. Os Pensadores. Pp. 65-108.

_____. Idéias para a Sociologia da Música. Trad. Roberto Schwarz. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores. Pp. 259-273.

ARANTES. A. A. O que é cultura popular? 14ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.

BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. Trad. José Lino Grünnewald. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores. Pp. 3-28.

ROCHLITZ, R. O desencatamento da arte. A filosofia de Walter Benjamin. Trad. Maria E. O. Assumpção. São Paulo: EDUSC, 2003.

WISNIK, J. M. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo: Cia das letras, 1989.

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ATIVIDADE

A partir do que vimos sobre a composição dos sons, poderíamos pensar a idéia de um estilo universal, padrões universais de musicalidade? Se possível, procure exemplos de sons e músicas de diversas culturas, com o fito de encontrar algum elemento comum. Ao final, produza um texto argumentativo para apresentar à turma.

A Escola de Frankfurt foi, na verdade, um grupo de filósofos, dentre eles, W. Benjamin, T. Adorno, Horkheimer e J. Habermas, com questões muito próximas. Em linhas gerais discutiam questões sociais, econômicas e políticas. No campo da filosofia estética, à luz das idéias marxistas, o grupo procurou ver, além de outros assuntos, as conseqüências para a arte da modernização tecnológica e do desenvolvimento do mercado consumidor.

ATIVIDADE

Investigue e discuta com seus colegas quais são, ou quais deveriam ser, os critérios que os estúdios e meios de comunicação utilizassem para a escolha de qual música mereceria ser publicada. Seria o mercado da música um palco realmente democrático?

Produza, a partir da discussão, um painel com dois lados: a) as imagens das bandas ou cantores de sucesso nos últimos meses; b) as imagens daqueles pouco conhecidos e/ou músicos independentes. Além disso, procure as letras das músicas ou mesmo as próprias canções e analise até que ponto o mercado escolhe o “melhor”.

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Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno (1903-1969), filósofo, sociólogo, musicólogo, compositor alemão, membro da Escola de Frankfurt. ( - acesso em março/2009)

ATIVIDADE

Discuta em grupos, produza um texto argumentativo e apresente para a turma, sobre a relação consumo e alienação política. Em que medida a transformação da população em potenciais consumidores, vinculando a identidade ao valor econômico de consumo, também não reduz sua capacidade de crítica e de participação política?

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Arnold Franz Walter Schönberg, ou Schoenberg, (1874-1951), compositor austríaco de música erudita e criador do dodecafonismo, revolucionário e influente estilo de composição do século XX. Suas primeiras obras, apesar de ligadas à tradição pós-romântica, já prenunciavam um método composicional inovador, que evoluiu para a atonalidade e, mais tarde, para um estilo próprio, o dodecafonismo. Schönberg foi também pintor e importante teórico musical, autor de Harmonia e Exercícios Preliminares em Contraponto. ()

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Anton Webern (1883–1945), compositor austríaco pertencente à chamada Segunda Escola de Viena, liderada por Arnold Schoenberg, cujo estilo e poética musical foi chamada de música dodecafônica, Música expressionista ou Música pontilhista. Ele se tornou conhecido e admirado entre os músicos pós-modernos pelas inovações rítmicas, timbrísticas e dinâmicas que formariam o estilo musical conhecido como serialismo. ()

ATIVIDADE

Discuta em grupos sobre a viabilidade desta possível saída que Adorno propõe. Dentro da lógica e ritmo de vida que a sociedade contemporânea exige, isto poderia se dar de que forma? A escola teria algum papel na produção de indivíduos com conhecimento de arte?

Pesquise exemplos que da sua comunidade, ou os que a mídia apresenta, sobre escolas de música que são criadas em comunidades carentes. Apresentem para a turma e discutam a relevância destes projetos.

[pic]drinkingupstream. (acesso em abril/2009)

Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892-1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Também fez parte da escola de Frankfurt. () - acesso em abril/2009

ATIVIDADE

Nos últimos tempos percebemos uma procura no mínimo interessante de produtos musicais veiculados em mídias tecnológicas mais antigas, como o vinil, por exemplo. A que se deve essa busca – que poderíamos denominar de cultura “retrô” – por elementos artísticos de um passado recente? Como você analisaria essa volta a tecnologias antigas a partir do conceito de aura?

Investigue outros exemplos deste retorno ao passado e produza um texto para apresentar à turma.

ATIVIDADE

Atividades:

1) Escreva um texto analisando os aspectos positivos que as reproduções tecnológicas das obras de arte possibilitam ao ser humano. Até que ponto elas encaminham para novas formas de arte ou para novas formas de alienação?

2) Elabore um quadro/painel com as transposições para a percepção auditiva das alterações nos sentidos que o cinema promoveu na visão. O que estamos ouvindo mais e melhor?

3) Em dupla, desenhe um quadro no seu caderno com as diferenças e semelhanças entre Adorno e Benjamin, no tocante à visão mais positiva ou negativa da indústria cultural.

Debate

Organize um debate na sala a partir das seguintes questões:

1) A partir do que foi discutido neste Folhas, é possível dizer que ouvimos música? Barulho? Ou diversão?

2) Será que o conceito de arte no sentido clássico ainda permanece diante da produção cultural voltada para o mercado?

3) Como poderíamos pensar (e produzir) a arte para além das exigências do mercado?

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.br- acesso em abri/2009

Pitágoras, filósofo e matemático pré-socrático, defendia que o universo era composto de corpos que emitem sons. Estes sons formariam uma música das grandes e das pequenas esferas, pois tais sons entrariam numa harmonia, imperceptível ao nosso ouvido, mas que fundaria, uma espécie de matemática do universo, de matemática dos sons. Foi ele que iniciou um sistema de escrita musical muito próxima do que temos ainda hoje. Matemática, filosofia, música, geometria, teologia, estavam casados numa espécie de metafísica do som.

ATIVIDADE

Pela explicação acima, a música é um componente essencial da vida cultural, social e existencial dos seres humanos. A vida sem música seria pobre demais. Entretanto, parece que conseguimos empobrecer a própria música. Você conseguiria argumentar (a favor ou contra) a tese do empobrecimento musical? Que elementos indicariam o contrário? Que situações e exemplos podem ser dados no sentido de evidenciar a riqueza da música brasileira? Como explicitar este assunto em âmbito mundial? Produza um texto a partir das discussões e

ATIVIDADE

Escreva um texto no qual se poderia pensar a idéia do masoquismo cultural relacionado ao consumismo desenfreado em que vivemos. Que outros componentes, além desta pobreza de prazer estético, indicada no texto acima, poderiam explicitar a necessidade sem medida de consumo.

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