Estética e - ANPUH



Estética e Corporação: A imagem na construção de identidades da TV brasileira

Sonia Wanderley*

Estética e ...

No início, dizem os pioneiros, a televisão era essencialmente o rádio com imagem, ou melhor, o rádio televisionado. Mas os profissionais sofriam com inúmeras dificuldades técnicas e muito desconhecimento de como trabalhar a imagem que, em última instância, deveria diferenciar a televisão do rádio:

“Só tem um desenho com um índio como aqueles que a gente vê nos filmes de faroeste. Também ficam tocando essas músicas sem letra que o rádio toca de madrugada. Se isso é televisão, então acho que não vai tirar o lugar do rádio. É de dar sono![1]”. (FANUCCHI, 1996: 26)

Sendo assim, a televisão obrigou-se a buscar profissionais que pudessem, através de alguma experiência no trabalho com a imagem, dar personalidade própria ao veículo. Quando a concorrência ganhou vulto, criar uma imagem diferenciada juntos aos telespectadores tornou-se fundamental para as emissoras, que, a princípio, não conseguiam fazê-lo através da programação.

Os pioneiros nesse setor foram essencialmente desenhistas, publicitários e cenógrafos teatrais. Convocados por sua capacidade de desenhar ou produzir comunicação visual, esses profissionais foram aproveitados pela tevê em diversas áreas, da produção à direção, e criaram identidades visuais tanto para os programas televisivos, diferenciando-os dos radiofônicos, como para as próprias emissoras.

O quadro abaixo indica os nomes mais citados por representantes do grupo televisivo, sendo representativo daqueles que souberam utilizar a imagem como linguagem nas três primeiras décadas de televisão no Brasil:

|Produtores de imagem |

|Nomes |Atividades |Emissoras |Outras atividades |

|Álvaro de Moya |Direção de criação |TV Tupi |Jornalismo impresso |

| | | |Desenhista de quadrinhos |

| |Direção artística |TV Paulista |Cinema |

| | |TV Excelsior |Publicidade |

| | |TV Bandeirantes |Professor universitário |

|Borjalo |Direção de programa |TV Rio |Jornalismo impresso |

| | | |Charge |

| |Direção geral de jornalismo |TV Excelsior |Produção independente para a TV |

| | | |(Esquire) |

| |Direção geral de programação |TV Globo | |

|Cyro Del Nero |Direção de arte |TV Excelsior |Cenógrafo teatral |

| |Direção cenografia | | |

| | | | |

| |Direção de arte |TV Globo | |

|Hans Donner |Produção visual |TV Globo |Designer |

|Helio Mugnaini |Cameraman |TV Record |? |

| |Cenografia | | |

|Mario Fanucchi |Produção visual |TV Tupi |Rádio |

| |Criação e produção | |Publicidade |

| | | |Professor universitário |

| |Direção artística |TV Cultura | |

|Syllas Roberg |Produção |TV Paulista |Desenhista e roteirista |

| | | |quadrinhos |

Tudo começou com Álvaro Moya, que, em 1950, na inauguração da TV Tupi/SP, era um jovem artista, apaixonado por cinema e preocupado em desenhar quadrinhos, apesar da campanha então existente contra esse produto cultural, diz ele (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000:28-32). Sua amizade com o pessoal da Rádio Tupi, como Cassiano Gabus Mendes, Dermival Costalima e Walter George Durst, resultou em uma indicação para desenhar os letreiros do show de inauguração, dia 18 de setembro de 1950. Eram cartazes em cartolina cinza, colocados em estantes de partituras de músicos e reproduzidos pela câmera ao vivo. O primeiro dizia: “PRF-3 TV apresenta”. Ele foi utilizado, segundo Moya, até 1960, quando a TV Tupi de São Paulo trocou o 3 do dial pelo 4.

Em 1955, Moya, acompanhando Costalima, seu antigo diretor, transferiu-se para a recém-inaugurada TV Paulista, onde ocupou o cargo de assistente de direção e diretor de TV. A experiência com os quadrinhos deu-lhe uma percepção diferenciada no corte das imagens e habilidade na utilização de uma linguagem mais ágil, adequada à televisão:

“Para fazer histórias em quadrinhos, tinha que saber escrever e li muita literatura, de autores como (...) Hamlet, Cervantes, Tolstoi, Balzac e os brasileiros. Vi muitos filmes, pois achava parecida a forma dos quadrinhos e as imagens do cinema. Fui orientado pelos críticos de cinema (...), sempre aprendendo (...)” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000:29).

Sua atuação na TV Paulista garantiu-lhe uma bolsa de estudo, oferecida pelo governo dos Estados Unidos, em 1958, para aprender sobre televisão e história em quadrinhos na CBS Television, de Nova Iorque. Esse aprendizado permitiu-lhe um contato essencial com o mundo do show bussiness e a relação entre cinema, shows musicais e teatrais e o domínio da network.

Em sua volta ao Brasil, ganhou o Prêmio Roquete Pinto como melhor diretor de TV[2] (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000:29), sendo convidado para a direção artística da recém-inaugurada TV Excelsior, que pretendia ser a primeira rede nacional de televisão. Explorando principalmente a linguagem teatral, faz dupla com o cenógrafo Cyro Del Nero na criação de programas premiados, como Teatro 9, Teleteatro Brastemp e Teatro 63. Além disso, inova ao criar, pela primeira vez no Brasil, a identidade visual de uma emissora de televisão.

Antes dessa dupla, um jornalista foi o primeiro brasileiro a utilizar o desenho para diferenciar esteticamente uma emissora de TV no país. Mario Fanucchi é um dos pioneiros mais respeitados e citados quando o assunto é programação visual na televisão (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000:170-175). Mas, essa atividade chegou à sua vida por acaso.

Fanucchi começou sua carreira no rádio paranaense, em 1945. Atuando na Rádio Tupi paulista, já na década de 1950, como locutor, produtor e diretor de programas, era conhecido por gostar de fazer caricaturas dos colegas[3].

Foram essas caricaturas que o levaram para a tevê. Cassiano Gabus Mendes, então diretor da TV Tupi, o convidou para ser responsável pela comunicação visual da emissora. Junto com dezenas de cartazes com títulos de programas, elencos e nomes de músicas, o jornalista criou o símbolo que se firmaria como a identificação das Emissoras Associadas, o indiozinho da Tupi.

Além de Fanucchi, Mauro Borja Lopes, ou simplesmente Borjalo, foi mais um jornalista que a partir de sua experiência com charges, agora na imprensa escrita, foi utilizado na produção de programas para a televisão.

O jornalista e caricaturista[4] iniciou a vida de jornalista, ainda muito jovem, como chargista no jornal Folha de Minas e pouco tempo depois tinha seus desenhos publicados diariamente no Diário de Minas. No Rio de Janeiro, trabalhou nas revistas Manchete, O Cruzeiro e A Cigarra.

Seus trabalhos já estavam sendo publicados também no exterior[5], quando foi convidado por Fernando Barbosa Lima para fazer parte de sua produtora independente, a Esquire. Em seu primeiro contato com a televisão, Borjalo participou da equipe responsável pela produção de um dos mais importantes e premiados telejornais brasileiros, o Jornal de Vanguarda. Nele, desenhava caricaturas de personalidades nacionais de diversas áreas que eram manipulados e recebiam as vozes dos locutores.

Outro personagem que com sua história demonstra que a televisão, apesar das dificuldades iniciais e desconhecimento dos caminhos a seguir, desde os primeiros dias preocupou-se com sua produção visual é Cyro Del Nero. Seu início na televisão deveu-se ao amigo Manoel Carlos que, em 1956, pediu-lhe que preparasse “algo visual” capaz de vender a idéia de um programa à TV Excelsior, que estava para ser inaugurada: “Eu deveria ilustrar, fazer um book, um espelho do programa, para mostrá-lo ao diretor artístico da Excelsior, Álvaro Moya” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000: 63). O diretor gostou tanto de seu trabalho gráfico que o convidou para ser o diretor de arte da emissora. Três meses depois de contratado, passou a acumular a direção do Departamento de Cenografia.

Na TV Excelsior, na década de 1960, Cyro fez dupla com Moya, criando o primeiro programa de identidade visual para uma televisão brasileira. O telespectador passava a reconhecer a emissora à qual estava assistindo por sua imagem: “Pelo design, tipologia e estilo gráfico dos cartões identificadores dos intervalos”, afirma Del Nero. Os dois profissionais eram responsáveis também pela cenografia diferenciada dos shows da emissora.

A experiência teatral levou-o a colocar no ar imagens do repertório das artes plásticas:

“Obras de Juan Miró, Dali e Magritte como cenografia para televisão; a reconstrução tridimensional de uma favela no palco; os candelabros da Traviatta, às 8 da noite do domingo, eram novidade absoluta em 1960. Além do prazer de cenografar para as personalidades teatrais, diretores (Ziembinsky, entre eles) e atores que trabalhavam também na Excelsior” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000: 64).

Os cenários realizados por Del Nero e os ambientes dos shows e programas marcaram época e foram copiados posteriormente. Na TV Globo, tornou-se diretor de arte, tendo sido responsável pela primeira abertura do Fantástico, além de diversas outras aberturas e vinhetas de novelas.

Seu depoimento é extremamente ilustrativo de como a estética no campo televisivo foi resultado da experiência de diversos setores artísticos, incluindo o teatro e as artes plásticas. Apesar do preconceito inicial de profissionais dessa área, a televisão transformou-se em um fecundo campo de trabalho para muitos jovens, artistas e técnicos, que vivenciaram a experiência de pensar o trabalho desenvolvido no veículo como arte coletiva sempre em movimento:

“Durante os últimos cinqüenta anos envolvi meus recursos artísticos com o livro, o teatro, o cinema, a fotografia, a moda, e vivi, sobretudo, o vertiginoso trabalho de equipe da televisão. A televisão me ensinou a trabalhar sem tempo hábil, sem os recursos sonhados, com resultados efêmeros e como se a realização fosse apenas de esboços. Nunca a satisfação de um trabalho completo” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000: 66).

Percebe-se o quanto a televisão, como expressão cultural de massa, concede um significado positivo ao produto que é tido como efêmero. Numa época em que arte e indústria se mesclam, o veículo reúne as artes industriais às plásticas para forjar sua identidade estética.

Assim, nos anos 1970, o desenho industrial chega à televisão brasileira. O melhor exemplo, do impacto produzido pela tecnologia e pela indústria na nova “arte popular” (HOBSBAWM, 1995:196), é o trabalho do designer Hans Donner. Nascido na Áustria, chegou ao Brasil com 25 anos, formado por uma das melhores escolas de design da Europa[6]. Em seu site, o artista destaca a importância da tecnologia para a criação, em 1976, do famoso globo vítreo, símbolo que identifica a TV Globo e que desde então vem sendo apenas modernizado:

“Para criar a primeira animação do logotipo da Globo, Hans e seu amigo Rudi Bohm usaram a máquina Oxberry da emissora de televisão de Viena. Compreendendo o potencial da máquina, ao ver as animações que haviam feito, a Globo comprou uma igualzinha – que, naquela época, custava algo em torno de meio milhão de dólares”[7].

Naquele momento, o mago da computação gráfica, como Hans Donner ficou conhecido, teve de invadir a televisão austríaca, à noite, para poder filmar a trucagem que deu origem ao primeiro trabalho que apresentou à TV Globo (ibidem: p.103). Com o sucesso da novidade, a emissora começou um processo de incorporação dessa tecnologia e do estilo futurista do designer austríaco ao seu parque industrial.

O sucesso de uma programação visual televisiva baseada na computação gráfica e no design foi copiado não apenas no Brasil. Nas duas últimas décadas do século XX, o trabalho de Hans Donner transformou-se em referência para televisões de diversas partes do mundo, da norte-americana às européias.

Em síntese, o conhecimento da conjuntura na qual se consolidou a televisão no Brasil é fundamental para a compreensão dessa mídia, não apenas como empresa, mas também como campo cultural que incorporou profissionais de diversas origens.

Com raras exceções, os que desempenharam cargos de direção artística na tevê brasileira na década de 1950 tinham cerca vinte e poucos anos. Jovens e originários da classe média tiveram acesso e foram influenciados pelas novas artes da imagem, tanto da fotografia quanto do cinema, bem como pelas mudanças na concepção estética que as técnicas industriais impunham às ‘artes tradicionais’, como as artes plásticas e o teatro.

... Identidade corporativa

A imagem deveria dar singularidade à tevê em relação ao rádio. Mas se profissionais que nela trabalhavam não sabiam, no início, como fazer isso, o público percebia: “A gente, lá em casa, vê televisão desde que começa até ‘Imagens do Dia’. O duro é esperar pelos programas vendo a cara daquele índio enfezado!”[8] (FANUCCHI, 1996:73).

O impaciente telespectador referia-se à primeira logomarca do canal 3 de São Paulo, feita a partir daquela que identificava a emissora de rádio, do mesmo grupo empresarial: “Um índio com expressão severa, tendo uma das mãos em pala e a outra segurando um arco” (idem, p. 74).

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Figura 1

O austero símbolo, produzido dentro do contexto da década de 1930, refletia a leitura nacionalista de Assis Chateaubriand diante de um país marcado por lutas políticas, rebeliões e ideologias em disputa[9]. Em 1950, o símbolo da nação – representada simbolicamente pelo indígena, espreitando o seu devir – deslocado de seu contexto temporal, não produzia o mesmo efeito social. Ilustrando os longos intervalos, necessários em tempos da televisão ao vivo, ele era apenas um “índio enfezado”.

A solução foi dar suavidade ao ícone, de forma que sugerisse maior aproximação com o público, obrigado àquelas longas esperas. Surgiu o indiozinho antenado da Tupi, dando identidade à programação por ele apresentada ao telespectador (Figuras. 2 e 3).

Como afirma, Mário Fanucchi, além de atender a “preocupação da empresa” em “manter a conotação indigenista” na identidade da TV Tupi, acreditava-se que, “por se tratar de uma criança (...), despertaria a tolerância dos telespectadores irritados com os longos intervalos”, além de atrair a simpatia das crianças, neutralizando a “rejeição de seus pais pelo índio adulto”(FANUCCHI, 1996:77-78).

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Figura 2 Figura 3

As mudanças que o hábito de assistir televisão vinha provocando no cotidiano privado familiar já transpareciam nas ações de profissionais e executivos da televisão. Em resposta ao “pedido de ajuda dos pais de crianças hipnotizadas pela televisão a ponto de perder o sono” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000:171), Fanucchi, em parceria com o maestro Erlon Chaves, compôs o jingle institucional “Já é hora de dormir[10]”, apresentado às nove horas da noite, durante dez anos, junto com a imagem do indiozinho da TV Tupi deitado em uma rede (Fig. 4).

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Figura 4

Demonstrando a cumplicidade entre as estratégias de desenvolvimento da televisão e as da publicidade, depois de dez anos, esse jingle foi incorporado a um comercial de cobertores produzido por Boni e permaneceu no ar por mais uma década.

Apesar de sozinha no primeiro ano de existência da televisão no país, a TV Tupi dava os primeiros passos no sentido de ganhar a fidelidade do público para o entretenimento televisivo, utilizando para isso a proximidade de seu símbolo com o universo infantil[11] (FANUCCHI, 1996:77). A mesma estratégia foi desenvolvida por outras emissoras: o tigre, da TV Record paulista, a dupla de crianças, importada da Argentina pela TV Excelsior ou o coelho da TV Bandeirantes (Figuras 5, 6, e 7).

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Figura 5 Figura 6 Figura 7

Foi a TV Excelsior, todavia, a primeira a dar um salto profissional na utilização de marcas que compusessem, verdadeiramente, uma identificação empresarial das emissoras associadas ao seu nome. Em 1963, como parte de uma reestruturação administrativa que caracterizaria o rompimento com o que denominamos primeira geração do campo televisivo[12], o canal 9 paulista contratou a dupla de administradores profissionais da Rádio Bandeirantes, Edson Leite e Alberto Saad, que deram início a mudanças significativas na programação e na imagem da emissora junto ao público.

A nova administração, além de contratar, a peso de ouro, os mais significativos artistas e técnicos de outras emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro, promoveu campanhas de caráter publicitário tendo em vista sua popularização junto ao público. Essas campanhas foram iniciadas pelo publicitário Mario Régis Vita e contaram com a participação do cenógrafo teatral Cyro Del Nero. Elas apresentavam ao público os artistas incorporados à Excelsior, através do slogan “Eu também estou no 9”.

A estratégia mostra a profissionalização do campo televisivo que se torna cada vez mais necessária a partir do aparecimento de novas emissoras, concorrentes da fidelidade de uma audiência ainda bastante pequena comparada aos custos para implantação das estações de televisão.

Em 1963, a concorrência resumia-se a existente entre a Tupi e Record, em São Paulo, e, no caso do Rio de Janeiro, entre a Tupi e TV Rio. O projeto da Excelsior modificou essa relação de forças. Em adição à publicidade de uma programação renovada, a emissora passou a se preocupar com um projeto de personalização de sua imagem no vídeo.

O início se assemelhou às estratégias já utilizadas por outras emissoras. A dupla de crianças, Ritinha e Paulinho, foi apresentada ao público durante o anúncio da nova programação de 1963, passando a freqüentar os intervalos comerciais da emissora em diversas situações (Figuras 8 e 9).

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Figura 8

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Figura 9

Mas a TV Excelsior foi mais longe. Estabeleceu a logomarca como definição empresarial (Fig. 10) e utilizou-se do design gráfico para vinhetas de apresentação de programas, elucidação de problemas técnicos, bastante comuns naqueles dias, bem como de avisos de utilidade pública. Com isso a emissora estabelecia-se como um divisor de águas entre duas gerações do campo televisivo também pelo estabelecimento do primeiro programa visual de identidade corporativa.

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Figura 10

A programação visual da Excelsior refletia a mentalidade coletiva da época de que se estava construindo uma nova nação, moderna e integrada, por meio do desenvolvimento tecnológico. Além do destaque que passou a dar a temáticas nacionais na programação, a identidade visual da emissora foi talhada com o mesmo objetivo: trilhas sonoras e vinhetas utilizavam quase que exclusivamente música brasileira.

Embora trabalhando com pressupostos diferentes da Tupi, buscou estabelecer sua identificação junto ao telespectador de forma nacionalista. Mesmo na década de 1960, a idéia de uma ‘programação nacional’ já se constituía através dos primeiros links Rio-São Paulo realizados pela emissora[13]. Na memória daqueles que participaram desse processo, o fato é visto, emblematicamente, como “o primeiro salto para a futura integração nacional”(OLIVEIRA SOBRINHO, 2000:253).

A transferência simbólica entre o advento da televisão no país e a sua inclusão no rol das nações desenvolvidas seria levada ao extremo pelo regime militar.

Principalmente nos períodos Médici e Geisel, a participação dos empresários do campo televisivo na consolidação do nacionalismo autoritário do regime é efetiva, com destaque para a TV Globo, que se constituiu em um espaço privilegiado na defesa dos valores da Doutrina de Segurança Nacional (DSN).

Um exemplo disso foi a campanha institucional realizada pela TV Globo, através de seu Boletim de Divulgação, no ano de 1973, início das mudanças em sua programação, originando o “padrão globo de qualidade”[14].

Na verdade, a mentalidade que fundamenta esse projeto já está presente na escolha do símbolo que passaria a identificar a TV Globo, tornado público em novembro de 1972:

A IMAGEM

DA

COMUNICAÇÂO

Figura 11

As idéias básicas para a elaboração da logomarca, encomendada a Ciro Del Nero, como síntese do conceito “É para você que a Rede Globo trabalha”, são apresentadas no próprio Boletim: “[O logotipo levou] em conta, basicamente, o losango da Bandeira Brasileira emoldurado por linhas paralelas que o cercam por três lados. No lado livre a presença da Rede Globo, e, no centro, a frase síntese: a imagem da comunicação” (BOLETIM DE DIVULGAÇÃO, 1972:1).

Considerando-se que a utilização da bandeira nacional como símbolo era, naquele momento, interpretada como uma adesão ao regime militar, fica explícita a incorporação da emissora na campanha estatal nacionalista. Da mesma forma, a frase A imagem da comunicação - uma auto-referência à emissora – inserida no espaço onde originariamente estaria a máxima Ordem e Progresso, provoca a transferência de todo o seu significado para a logomarca da TV Globo.

Emblematicamente, a campanha criada para divulgar e dar identidade à nova programação deixa transparecer os princípios que norteavam a afirmação da emissora no campo televisivo. A ‘ordem’ significando a centralização administrativa, fundamento do seu processo de profissionalização, que a faria conquistar o ‘progresso’ – um quase monopólio de audiência a partir de meados da década de 1970. É o próprio Roberto Marinho quem afirma:

“(...) Sabemos que todo e qualquer empreendimento, seja em que área for, só se sustenta, no regime da iniciativa privada, se tiver rentabilidade. As empresas de comunicação não podem fugir a essa fatalidade (...) Já se vê, pois, que, da mesma forma, a TV Globo, ao procurar, como procura, a sua independência econômica, trata de fazer face às grandes despesas com que tem de arcar, mantendo em dia todos os seus compromissos financeiros (...)”[15].

O certo é que, através do estudo dessas campanhas para forjar as identidades corporativas da televisão brasileira, o historiador atento pode perceber a importância adquirida pelo veículo na significação de conceitos, valores e práticas que deram coerência à cultura política nacionalista que, nas décadas de 1950-60, mudava de tonalidade política, mas permanecia forte no imaginário de diferentes segmentos sociais, sendo incentivada pelo grupo de poder como forma de legitimação das relações sociais estabelecidas.

Referências bibliográficas

BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux; mémoires et espoirs collectifs. Paris: Payot, 1984.

BALANDIER, George. O Poder em Cena. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

BARBERO, Jesús Martin. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 1997.

BOLETIM DE DIVULGAÇÃO, Rio de Janeiro: Rede Globo, novembro de 1972.

CHARTIER, Roger. A História cultural - entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1990.

FANUCCHI, Mario. Nossa próxima atração – o interprograma no Canal 3. São Paulo: Edusp, 1996.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

OLIVEIRA SOBRINHO, J. B. de (Boni). 50 anos de TV no Brasil. São Paulo: Globo, 2000.

RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Editora UFRJ/FGV: Rio de Janeiro, 1996.

REVISTA BRIEFING, São Paulo: Ed. Logus, ano 3, nº 25, setembro/1980.

SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna - intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

WANDERLEY, Sonia. Cultura, política e televisão: entre a massa e o popular (1964-1979). Tese de doutorado. Niterói: UFF, 2005.

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* Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj. Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense – UFF.

[1] Declaração de um técnico da Rádio Difusora de São Paulo, em outubro de 1950.

[2] Prêmio outorgado pela TV Record a todos os profissionais da televisão. Moya garantiu o seu pela produção do teleteatro “50 Mil Dólares”, baseado em trabalho de Hemingway.

[3] Depoimentos dados por Mario Fanucchi. Disponível em: .br. Acesso: 17/06/2004.

[4] Depoimentos de Borjalo. In: .br. Acesso: 17/06/2004.

[5] Os desenhos de Borjalo de foram publicados nas páginas do Picture Post de Londres, do Paris Match de Paris e de Epoca de Milão.

[6] A secular escola Höhere Graphische Bundeslehr-und Versuchanstalt, em Viena.

[7] Disponível em: portuguese/tvprojects/index.htm. Acesso: 26/06/2004.

[8] Trecho de carta enviada à TV Tupi, em 17 de dezembro de 1950. Quando cita “Imagens do Dia”, o telespectador está se referindo ao primeiro programa noticioso apresentado pela TV Tupi, que fechava a programação diária do canal 3.

[9] A Rádio Tupi do Rio de Janeiro foi inaugurada em 25 de setembro de 1935 e a de São Paulo, dois anos depois. Elas deram início a uma cadeia de emissoras radiofônicas, todas denominadas por nomes de tribos indígenas, que ficaram conhecidas como “Taba Associada”. O caráter ufanista do fundador dos Diários Associados refletiu-se, inclusive, na inauguração de sua emissora radiofônica carioca. Além do Hino Nacional, tocado pela Orquestra Sinfônica Brasileira, foi executada pela primeira vez a música Aquarela do Brasil, de Ary Barroso.

[10] “Já é hora de dormir /não espere mamãe mandar /um bom sono pra você / e um alegre despertar.”

[11] O próprio Fanucchi afirma que o indiozinho da Tupi foi criado a partir dos personagens de Walt Disney, grande influência para os desenhistas na década de 1950.

[12] A construção dessa noção baseia-se no conceito de campus de Bourdieu e integra a idéia de geração, apresentada por Jean-François Sirinelli, no artigo “Os intelectuais”, que compõe a obra “Por uma História Política, organizada por René Rémond.

[13] A firma inglesa Marconi, que havia feito a primeira rede nacional de TV no país, unindo São Paulo- Rio de Janeiro-Belo Horizonte-Brasília, durante a inauguração da nova capital brasileira, era representada no país por Mario Wallace Simonsen, proprietário da Excelsior. Cf. declaração de Álvaro Moya a Oliveira Sobrinho, José Bonifácio (Boni). op. cit. p. 29.

[14] Um estudo detalhado dessa campanha pode ser visto na tese de doutoramento da autora. Cultura política e televisão: entre a massa e o popular (1964-1979), defendida no ICHF, UFF, em 2005.

[15] Trecho de carta de Roberto Marinho ao Jornal do Brasil, publicada em 04/02/1979.

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