Fatores associados à subnotificação de causas violentas de ...

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Fatores associados ? subnotifica??o de causas violentas de ?bito

Factors associated with under-registration of violent causes of death

T?nia de Jesus1, Eduardo Mota2

Resumo O estudo teve como objetivo identificar os fatores relacionados com a subnotifica??o de causas violentas de mortes ao Sistema de Informa??o sobre Mortalidade (SIM) de Salvador no ano de 2005. Com base no nome, idade e datas de nascimento e de ?bito, foram comparados 3.128 ?bitos de residentes, registrados no SIM no ano de 2005, cuja causa b?sica tinha rela??o com a cadeia de acontecimentos patol?gicos desencadeados a partir da viol?ncia, com os ?bitos registrados no Sistema de Informa??o Hospitalar do SUS e com os registros dos eventos violentos coletados nos jornais de Salvador. Foram encontrados 62 ?bitos subnotificados. Verificou-se que as causas violentas mais subnotificadas foram os homic?dios e as interven??es legais. Os eventos de inten??o indeterminada mascararam 46,4% dos homic?dios e a agress?o por arma de fogo n?o-especificada, 100% das interven??es legais. Do total das subnotifica??es, 87,1% ocorreram devido ? classifica??o inadequada da causa de ?bito por parte do Instituto M?dico Legal e 6,5% porque o corpo n?o foi encaminhado para o IML. Os principais fatores identificados foram: despreparo dos profissionais que registram; falhas no fluxo de encaminhamento de corpos para o IML; resist?ncia dos legistas em registrar as prov?veis circunst?ncias do ?bito. Palavras-chave: Notifica??o; viol?ncia; causas externas, registros de mortalidade Abstract This study aimed to identify factors related to under-registration of violent causes of deaths on the Information System on Mortality (SIM) of Salvador, Bahia, Brazil, in 2005. Based on the name, age and dates of birth and death of cases, 3,128 deaths of inhabitants registered in the SIM, whose basic cause was related to the chain of events leading to violence, were matched with the death cases registered in the Hospital Information System of the Unified National Health System, and with the registrations of the violent events collected in the newspapers of Salvador. We found 62 causes of death which were under-recorded. It was verified that the greater number of under-recorded violent causes were the homicides and legal interventions. Around 46% of the homicides were masked by events of uncertain intention and 100% of the legal interventions were marked as aggression by non-specified firearm. A total of 87.1% of the under-registration happen due to inadequate classification of death causes on the part of the Legal Medical Institute (IML) and 6.5% because the cadavers were not sent to IML as expected. The main factors identified were: the unpreparedness of professionals who made the registrations; flaws in the flow of sending cadavers to IML; and the jurists' resistance in registering the probable circumstances of the death. Key words: Notice; violence; external causes, mortality registries

1 Mestre em Sa?de P?blica pelo Instituto de Sa?de Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Subcoordenadora de Informa??es de Sa?de da Secretaria Municipal de Sa?de de Salvador. End: Rua Desenbargador Jos? Maciel dos Santos, 9 ? IAPI ? CEP 40330-475 ? Salvador (BA), Brasil ? Tel: (71) 3386-1102/9609-6156 ? e-mail: jesuscris@.br.

2 Professor associado do Instituto de Sa?de Coletiva da UFBA.

Cad. Sa?de Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 361-70 361

T?nia de Jesus, Eduardo Mota

Introdu??o

A partir da d?cada de 1980, verificaram-se no Brasil modifica??es importantes no padr?o de mortalidade por causa, sendo que a taxa de mortalidade por causas externas (grupo que inclui les?es, envenenamentos, todos os acidentes, inclusive os de tr?nsito, os suic?dios e homic?dios) passou da quarta para a segunda posi??o, ficando atr?s apenas das doen?as do aparelho circulat?rio. No per?odo, o perfil da mortalidade naquele grupo incluiu basicamente os acidentes de tr?nsito e os homic?dios, perfazendo o conjunto das chamadas mortes violentas (Lima e Ximenes, 1991; Souza, 1994).

O aumento crescente da viol?ncia, cuja maior express?o ? o homic?dio, tem adquirido caracter?sticas de pandemia, por isso tem se tornado motivo de preocupa??o de gestores, profissionais de sa?de e da sociedade em geral (Minayo, 1994; Souza, 1994). Assim, a viol?ncia tornou-se um problema priorit?rio de sa?de coletiva em v?rios pa?ses, uma vez que contribui para aumentar a morbi-mortalidade e a demanda por respostas do sistema de sa?de. A inquieta??o com este tema se materializa na produ??o de v?rios estudos, que apontam para a necessidade de formula??o de pol?ticas de preven??o e controle.

Estudos sobre o tema da viol?ncia utilizam principalmente os dados de mortalidade. Segundo Gawryzewsk et al. (2004), ? principalmente a partir destes dados que se estudam as causas externas, em raz?o da facilidade de obten??o e qualidade da informa??o. Embora as estat?sticas de mortalidade identifiquem somente o evento fatal, o conhecimento mais sistematizado que se tem sobre viol?ncia encontra-se nas informa??es de mortalidade por causas externas (Sim?es e Reichenheim, 2001).

A utiliza??o frequente dos dados de mortalidade em estudos sobre o tema tem despertado grande interesse quanto ? qualidade dessas informa??es. Pesquisas realizadas em diversas cidades do Brasil e em pa?ses como L?bano, ?frica do Sul, ?ndia, Ghana, R?ssia, e outros, utilizando diferentes metodologias com o objetivo de verificar a confiabilidade das informa??es constantes na Declara??o de ?bito (DO), principalmente em rela??o ? causa b?sica da morte, apontam a m? qualidade no preenchimento da declara??o, a imprecis?o do registro de causa b?sica, al?m da subnotifica??o de causas (Sim?es e Reichenheim, 2001; Sibai et al., 2002; London et al., 2002; Pridemore, 2003; Haraki, Gotlieb e Laurenti, 2005), o que representa um obst?culo para o conhecimento mais fidedigno da incid?ncia de casos.

Conforme Sibai (2004), os problemas de imprecis?o e subnotifica??o de registro de ?bitos s?o identificados na maioria dos pa?ses em desenvolvimento e est?o relacionados com o contexto social, estrutural e ideol?gico de cada localidade. A autora citada afirma que o registro de mortalidade ? menos

preciso quando a morte ? s?bita, marcada por estigma social, ou quando ocorre em certas minorias de classe social, e que, apesar do grande n?mero de estudos acerca do registro da mortalidade, a maioria est? dirigida para a valida??o e confiabilidade dos dados, e s?o raros os estudos que examinam as defici?ncias dos registros de ?bitos.

Njaine et al. (1997) enumeraram um conjunto de fatores relacionados com o subregistro de informa??es dos eventos violentos tais como: despreparo dos profissionais que lidam com o registro, desvaloriza??o cultural do registro nas institui??es p?blicas; envolvimento de policiais em crimes; estigma social criado em torno da popula??o v?tima da viol?ncia (pobres, negros residentes nas periferias urbanas), entre outros.

No munic?pio de Salvador, um dos principais problemas identificados no Sistema de Informa??o sobre Mortalidade (SIM) ? o sub-registro e a subnotifica??o de ?bitos. Pelo menos 20% das mortes por viol?ncia ocorridas no munic?pio n?o s?o capturadas pelo sistema. Al?m dos problemas citados, ? poss?vel identificar a subnotifica??o de algumas causas de ?bitos tais como AIDS e ?bito materno, posto que, com frequ?ncia, estes ?bitos entram no sistema com outras causas b?sicas, consideradas m?scaras para os referidos casos, o que est? de acordo com o estudo de Lemoa e Valente (2005).

As quest?es colocadas suscitam indaga??es acerca dos mecanismos da subnotifica??o da morte violenta no munic?pio de Salvador, das circunst?ncias envolvendo este tipo de morte que est?o sendo omitidas do sistema e do perfil social do grupo subnotificado.

O presente estudo tem por finalidade identificar os fatores relacionados com a subnotifica??o de causas violentas de mortes ao SIM, da Secretaria Municipal de Sa?de de Salvador, no ano de 2005, visando propor medidas que favore?am o aprimoramento do referido sistema e a melhoria da qualidade e a cobertura desses dados.

Metodologia Desenho do estudo Foi desenvolvido um estudo do tipo transversal, uma vez que este trabalho tinha o objetivo principal de fazer um estudo explorat?rio sobre a subnotifica??o de causas violentas de morte no munic?pio de Salvador em 2005 para identificar quais fatores poderiam estar associados ao processo de subnotifica??o.

Popula??o e ?rea de estudo No ano de 2005, a popula??o de residentes em Salvador, capital do Estado da Bahia, estimada pelo IBGE, dispon?vel no site do DATASUS, foi de 2.673.557 habitantes. Desta po-

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Fatores associados ? subnotifica??o de causas violentas de ?bito

pula??o, foram registrados no SIM 13.525 ?bitos, gerando um Coeficiente de Mortalidade Geral de 5,05 / 1.000 habitantes.

Os ?bitos de residentes em Salvador ocorridos no referido munic?pio no ano de 2005 e registrados no SIM constitu?ram a fonte para a popula??o de estudo, da qual foram selecionados ?bitos eleg?veis para investiga??o quanto ? ocorr?ncia de subnotifica??o de causas violentas de morte.

Foram considerados casos de subnotifica??o de causa violenta de morte todos os ?bitos que, ap?s a investiga??o, apresentou causa b?sica diferente da registrada no SIM.

Crit?rio de elegibilidade Foram considerados ?bitos eleg?veis para investiga??o todos cuja causa b?sica registrada no SIM pudesse estar associada com a morte violenta ou ter rela??o com a cadeia de acontecimentos patol?gicos desencadeados a partir do ato violento, ou tivesse, em algum per?odo antes da realiza??o do estudo, mascarado um ?bito por causa violenta, totalizando 3.128 ?bitos.

Defini??o de termos Causa de Morte s?o todas as doen?as, afec??es m?rbidas ou les?es que produziram a morte ou contribu?ram para ela e as circunst?ncias do acidente ou viol?ncia que produziram quaisquer dessas les?es (Laurenti et al.,2006). Causa B?sica de Morte ? a doen?a ou les?o que iniciou a cadeia de acontecimentos patol?gicos que conduziram o indiv?duo diretamente ? morte, ou as circunst?ncias do acidente ou viol?ncia que produziram a les?o fatal (Laurenti et al.,2006). Viol?ncia ? o uso da for?a f?sica ou do poder real ou em forma de amea?a contra si pr?prio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em les?o, morte, dano psicol?gico, defici?ncia de desenvolvimento ou priva??o (OMS, 2002). Causa Violenta de Morte ? a circunst?ncia da viol?ncia que produziu a les?o fatal (homic?dio e suic?dio).

Vari?veis e indicadores Foram vari?veis deste estudo: sexo, idade, ra?a/etnia/ cor da pele (segundo classifica??o do IBGE), estado civil, escolaridade, causa b?sica do ?bito. Todas as vari?veis foram obtidas da declara??o de ?bito. Os indicadores utilizados foram as propor??es de ?bitos por causas externas subnotificadas, a mortalidade proporcional por causa violenta e segundo caracter?sticas sociodemogr?ficas antes e ap?s a reclassifica??o dos ?bitos, e a raz?o de mortalidade proporcional.

Fonte de dados Os dados foram obtidos a partir do SIM, no Sistema de Informa??o de Interna??o Hospitalar (SIH-SUS), do banco de dados constru?do a partir de eventos coletados em jornais de grande circula??o na cidade de Salvador, dos laudos de per?cia m?dica do Instituto M?dico Legal Nina Rodrigues (IMLNR). A utiliza??o de not?cias sobre acidentes e viol?ncias veiculadas nos jornais como fonte de informa??o adicional para melhoria da qualidade do preenchimento das declara??es de ?bitos est? embasada nos trabalhos de Laurenti et al., (2006); Casc?o e Flores (2006) e Varj?o (2008). Os autores fazem refer?ncia ? utiliza??o da imprensa como importante fonte de aprimoramento do SIM e, de acordo com Varj?o (2008), muitos fatos noticiados nos jornais t?m como fonte o boletim de ocorr?ncia policial, embora nem sempre a fonte da informa??o seja divulgada.

Procedimento de coleta dos dados Para a investiga??o da subnotifica??o de causa violenta de morte, o banco de dados do SIM de 2005 foi fracionado segundo causa b?sica selecionada e comparad, primeiramente com o banco de dados dos jornais. Os ?bitos n?o encontrados foram comparados ao banco de dados do SIH-SUS. Posteriormente, os ?bitos codificados como "inten??o indeterminada" e n?o encontrados nos referidos bancos foram investigados nos laudos do IMLNR. Para a compara??o dos bancos de dados, foi empregada a t?cnica de relacionamento probabil?stico de registros. O nome do falecido, a idade, as datas de nascimento e ?bito foram as chaves utilizadas para execu??o dos relacionamentos. O RecLink III, vers?o 3.0.4 foi o software escolhido para a execu??o da referida t?cnica (Teixeira et al., 2006). No processo de investiga??o da subnotifica??o de causas violentas de ?bitos por meio do relacionamento com o banco de dados do SIH-SUS, foram analisados, al?m das chaves estipuladas, o diagn?stico principal e o secund?rio, a data de interna??o, a data de sa?da e os procedimentos solicitados e realizados. Os registros do SIH-SUS cujo per?odo entre a data de sa?da do hospital e a data do ?bito excedeu 365 dias n?o foram utilizados para reclassifica??o da causa b?sica do ?bito. Para melhor compreens?o dos processos envolvidos na notifica??o e subnotifica??o de causas violentas de morte, foram realizadas tr?s entrevistas com pessoas-chave do Centro de Estat?stica da Pol?cia (CEDEP), Departamento de Pol?cia T?cnica (DPT), e IMLNR.

An?lise Para o estudo dos dados, os ?bitos por causas externas subnotificados foram agrupados em seis categorias de an?lise

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T?nia de Jesus, Eduardo Mota

conforme codifica??o de causa b?sica de ?bito da CID 10, assim sendo, foram adotadas como categorias o homic?dio (X85 a Y09), interven??o legal (Y35), suic?dio (X85 a Y09), acidente de tr?nsito (V01 a V89), outros acidentes (W20 a X59) e inten??o indeterminada (Y10 a Y34).

Foram calculadas as propor??es de ?bitos por causas externas subnotificados segundo categoria de an?lise adotada para o estudo e causa b?sica registrada no SIM, al?m da mortalidade proporcional por causa violenta antes e ap?s a reclassifica??o dos ?bitos, a raz?o de mortalidade proporcional e o percentual de subnotifica??o segundo tipo de causa. Tamb?m foram calculadas propor??es e raz?o de mortalidade proporcional por causa violenta segundo caracter?sticas sociodemogr?ficas antes e ap?s a reclassifica??o dos ?bitos subnotificados.

Resultados Dos 3.128 ?bitos selecionados para investiga??o de subnotifica??o de causas violentas de mortes, 563 registros formaram pares verdadeiros quando relacionados com os bancos de dados dos eventos coletados nos jornais e no SIH/SUS, respectivamente 269 e 294 registros, e deste total 62 declara??es de ?bitos tiveram causa externa subnotificada (Tabela 1). As causas externas mais subnotificadas ao SIM foram os homic?dios (45,2%) e as interven??es legais (32,3%), classifica??o utilizada para as mortes em decorr?ncia de confrontos com policiais. Do total de homic?dios subnotificados, 46,4% foram mascarados pelas causas do grupo dos fatos e eventos de inten??o n?o-determinada (Y10 a Y34). A causa mais frequente no referido grupo foi o contato com objeto contundente de inten??o n?o-determinada (Y29) que concentrou 17,9% do total. As mortes por interven??o legal foram mascaradas pela agress?o, disparo por arma de fogo n?o-especificada X95 (Tabela 2). A mudan?a na distribui??o das propor??es de ?bitos por causas violentas ap?s a reclassifica??o das causas foi pequena, com exce??o das mortes por interven??o legal, cuja raz?o de mortalidade proporcional foi de 2,2. O percentual de subnotifica??o dos ?bitos por causa violenta foi de 4,0%, significando que para cada 100 mortes violentas registradas no sistema, 4 tiveram causa b?sica subnotificada em 2005. As mortes em decorr?ncia das opera??es policiais (interven??o legal) tiveram percentual de subnotifica??o de 57%, os homic?dios e suic?dios de, respectivamente 3 e 4% (Tabela 3). As maiores propor??es de subnotifica??o de ?bitos por causas violentas ocorreram entre homens na faixa et?ria de 15 a 49 anos, solteiros, de cor negra, com escolaridade entre 1 e 7 anos de estudo. As altera??es nas propor??es de mortes por

causas violentas segundo caracter?sticas sociodemogr?ficas ap?s reclassifica??o dos ?bitos foram pequenas (Tabela 4).

Os principais motivos de subnotifica??o de causa externa de ?bito foram a classifica??o inadequada da causa de ?bito por parte do IML (87,1%) e a falha no fluxo de encaminhamento do corpo para necropsia (6,5%), que ocorre quando um ?bito devido a uma causa externa deixa de ser encaminhado para o IML (Tabela 5).

Foi verificada a ocorr?ncia de quatro casos de falhas no fluxo de encaminhamento de corpo para a necropsia nos hospitais Roberto Santos (50%) e no HGE (50%). Tr?s casos eram de pessoas acima de 40 anos (75%) e um caso foi de uma crian?a de 1 ano (25%). Estes casos de subnotifica??o ocultaram ao sistema uma prov?vel morte acidental ou intencional por contato com l?quidos quentes (?gua fervendo), duas mortes de inten??o indeterminada e uma morte por acidente com motociclista. A hip?tese levantada ? que os corpos n?o seguiram para o IML a pedido de familiares, contudo s?o necess?rios outros m?todos de investiga??o para confirma??o ou descarte da hip?tese sugerida.

Discuss?o Apresentam-se como resultados desta an?lise as altas propor??es de subnotifica??o de homic?dios (45,2%) e interven??o legal (32,35%), os eventos de inten??o indeterminada (Y10 a Y34) e o disparo por arma de fogo n?o-especificada (Y24) como principais m?scaras para subnotifica??o dos referidos ?bitos, respectivamente; o perfil sociodemogr?fico do grupo subnotificado, a classifica??o inadequada da causa b?sica de ?bito por parte do IML, bem como as falhas de fluxo de encaminhamento de corpos para a necropsia, foram os principais motivos de subnotifica??o de causa violenta de morte. Estes achados s?o consistentes com estudos de outros autores. Sim?es e Reichenheim (2001), analisando a confiabilidade das informa??es de causa b?sica nas declara??es de ?bitos por causas externas no munic?pio de Duque de Caxias (RJ), identificaram que a maioria das subnotifica??es de causas externas ocorre devido ? m? classifica??o da causa b?sica emitida pelo IML, e a principal causa externa subnotificada s?o os homic?dios. Matos et al. (2007), em pesquisa realizada em Belo Horizonte (MG), al?m de terem encontrado resultados similares, identificaram que, entre os ?bitos de inten??o indeterminada, foi poss?vel recapturar 6,0% a mais de casos de homic?dios e que falhas no fluxo do encaminhamento de corpos para a necropsia podem introduzir vi?s importante na caracteriza??o do perfil de morte por causa violenta.

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Tabela 1 - N?mero de ?bitos registrados no Sistema de Informa??es sobre Mortalidade, registros encontrados e causa externa subnotificada segundo causa b?sica registrada no SIM e outras fontes utilizadas para investiga??o das declara??es de ?bitos - Salvador, Bahia, 2005

Causa B?sica registrada no SIM

n? de registros no SIM

V20 -V29 Acidente de moto V01 - V09 Acidente de pedestre K66.9 - Afec??es do perit?nio sem especifica??o W65 - W74 Afogamento X93 -X95 Agress?o por arma de fogo Y00 - Agress?o por meio de objeto contundente R00 - R99 Causas mal definidas J81 Edema pulmonar n?o especificado W85 - W99 Exposi??o ? corrente el?trica X00 - X09 Exposi??o ao fogo n?o controlado W20 - W49 Exposi??o a for?as mec?nicas inanimadas Y10 - Y34 Fatos eventos de inten??o indeterminada K92.0 - Hemat?mase K92.2 - Hemorragia gastrointestinal I61 - Hemorragias cerebrais I63 - Infarto cerebral I21 - Infarto do mioc?rdio K92.1 - Melena W75 - W84 - Outros riscos e acidentes ? respira??o K22.3 - Perfura??o traum?tica do es?fago K65 - Peritonites J93 - Pneumot?rax W00-W19 - Queda Y83 -Y84 - Rea??o anormal causada por interven??o cir?rgica A41 - Septicemias Total

39 141

1

48 860 49

243 119 14

14

9

108

53 14 233 4 671 1 12

1

48 3 162 55

226 3.128

Compara??o BD Jornal

Total

n? de

n? de causas comparado

registros

externas com SIH\SUS

encontrados subnotificadas

5

1

34

12

2

129

-

-

1

7

3

41

217

23

643

1

1

48

4

1

239

2

2

117

1

1

13

5

2

9

-

-

9

14

14

94

-

-

53

-

-

14

-

-

233

-

-

4

-

-

671

-

-

1

-

-

12

-

-

1

-

-

48

-

-

3

1

1

161

-

-

55

-

-

226

269

51

2.859

Compara??o BD SIH\SUS

n? de registros encontrados

6 14 -

n? de causas externas

subnotificadas -

-

-

26

-

-

-

18

-

16

-

-

-

1

-

0

-

14

-

13

1

3

-

35

1

4

-

39

-

-

-

-

-

-

-

23

-

1

-

32

1

6

1

43

1

294

5

Total de DO consultadas no

IML

n? de

n? de causas

registros

externas

encontrados subnotificadas

Total de causas externas subnotificadas

-

-

1

-

-

2

-

-

0

-

-

3

-

-

23

-

-

1

-

-

1

-

-

2

-

-

1

-

-

2

-

-

0

80

6

20

-

-

1

-

-

0

-

-

1

-

-

0

-

-

0

-

-

0

-

-

0

-

-

0

-

-

0

-

-

0

-

-

2

-

-

1

-

-

1

80

6

62

Fatores associados ? subnotifica??o de causas violentas de ?bito Cad. Sa?de Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 361-70 365

Fonte: SIM\SIHSUS\BDJORNAIS\ IML. SIM: Sistema de Informa??o sobre Mortalidade; SIH\SUS: Sistema de Informa??es Hospitalares do SUS; BD JORNAIS: Banco de dados coletado dos jornais; IML: Instituto M?dico Legal.

T?nia de Jesus, Eduardo Mota 366 Cad. Sa?de Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 361-70

Tabela 2 - N?mero e *percentual de tipos de causas externas subnotificadas segundo causa b?sica registrada no Sistema de Informa??o sobre Mortalidade - Salvador, Bahia, 2005

Total

Grupos de causas externas subnotificadas

Causa B?sica registrada no SIM

informado Homic?dios Interven??o legal Suic?dio Acidente de tr?nsito Outros acidentes Inten??o indeterminada

no SIM n %

n

% n%

n

%

n

%

n

%

A41 - Septicemia n?o especificada I61.9 - Hemorragia intracerebral NE

222

--

-

-

--

-

-

1

50

-

-

227

--

-

-

--

1

14,3

-

-

-

-

J81 - Edema pulmonar n?o especificado

119

2 7,1

-

-

1 33,3 -

-

-

-

-

-

K92 - Hemat?mese

53

--

-

-

--

-

-

-

-

1

50

R99 - Outras causas mal definidas e NE mortalidade 185

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

W19 - Queda sem especifica??o

117

1 3,6

-

-

-

1

14,3

-

-

-

-

W69 - Afogamento e submers?o em ?guas naturais

37

3 10,7

-

-

--

-

-

-

-

-

-

W87 - Exposi??o a corrente el?trica NE

11

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

V09 - Pedestre traumatizado em outros acidentes de 123

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

transporte e NE V29 - Motociclista traumatizado em outros

15

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

acidentes de transporte e NE

V49 ? Ocupante de autom?vel traumatizado em

31

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

outros acidentes de tranporte e NE V95 - Acidente de aeronave a motor causando

1

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

traumatismo ao ocupante

X09.1 - Exposi??o ao fogo - Habita??o coletiva

1

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

X09.9 - Exposi??o ao fogo - Local NE

10

1 3,6

-

-

--

-

-

-

-

-

-

X95 - Agress?o por meio de disparo de outra arma

856

--

20

100 - -

2

28,6

-

-

-

-

de fogo ou NE

Y00 - Agress?o por meio de um objeto contundente

49

1-

-

-

--

-

-

1

50

-

-

Y11 - Envenenamento por exposi??o a psicotr?picos

2

--

-

-

1 33,3 -

-

-

-

-

-

- indt

Y20 ? Enforcamento, estrangulamaento e sufoca??o,

6

3 10,7

-

-

--

-

-

-

-

-

-

inten??o n?o determinada

Y24 - Disparo de outra arma fogo e NE de inten??o

5

2 7,1

-

-

--

-

-

-

-

-

-

n?o determinada

Y26 - Exposi??o a fuma?a, fogo e chamas, inten??o

6

3 10,7

-

-

--

-

-

-

-

-

-

n?o determinada

Y29 - Contato com objeto contundente, intenc?o

35

5 17,9

-

-

--

1

14,3

-

-

-

-

n?o determinada Y30 - Queda, salto ou empurrado de um lugar

5

--

-

-

1 33,3 -

-

-

-

-

-

elevado, inten??o n?o determinada Y34 - Fatos ou eventos NE e inten??o nao

21

--

-

-

--

2

28,6

-

-

-

-

determinada Y83 - Rea??o anormal em paciente ou

53

--

-

-

--

-

-

-

-

1

50

complica??es tardias causada por procedimentos

cir?rgicos e outros procedimentos m?dicos sem

men??o de acidente ao tempo do procedimento

Total

2.190

28 45,2 20

32,3 3 4,8 7

11,3

2

3,3

2

3,3

Fonte: SIM\SIHSUS\BDJORNAIS\ IML * Percentual calculado em rela??o ao total de causa externa subnotificada. Nota: Dos ?bitos selecionados, foram exclu?dos 938 ?bitos que estavam nos grupos, para os quais n?o ocorreram casos de subnotifica??o de causa externa de morte.

Total n 1 1 3 1 1 2 3 1 1

1

1

1

1 1 22

2 1

3

2

3

6

1

2

1

62

Fatores associados ? subnotifica??o de causas violentas de ?bito

Tabela 3 - N?mero e propor??o de ?bitos por causas violentas segundo tipo de causa, total registrado no SIM, total subnotificado, total ap?s corre??o, percentual de subnotifica??o e raz?o de mortalidade proporcional segundo causa, Salvador, Bahia, 2005

Causa violenta

Homic?dios Interven??o legal - homic?dio Suic?dio Acidente de tr?nsito Total de mortes por causa violenta

Total de registros no SIM

n

%

1.022

73,3

15

1,1

77

5,5

280

20,1

1.394

100

?bitos de causa subnotificada

n

%*

28

2,7

20

57,1

3

3,8

7

2,4

58

4

Total ap?s corre??o

n

%

1.050

72,1

35

2,4

80

5,5

287

19,7

1.452

100

RMP

1 2,2 1 1 -

Fonte: SIM\SIHSUS\BDJORNAIS\ IML. * Percentual calculado em rela??o ao total ap?s corre??o. Nota 1: Dos 2.190 ?bitos registrados no SIM, foram exclu?dos 796, que n?o se enquadraram no grupo de causas violentas de morte, totalizando 1.394 registros. Nota 2: Dos 62 ?bitos subnotificados, foram exclu?dos 2 por acidente de tr?nsito e 2 por causas indeterminadas, por n?o se tratarem de mortes por causas volentas, totalizando 58 ?bitos com causa subnotificada.

Tabela 4 - N?mero e propor??o de ?bitos por causa violenta registrados no SIM e subnotificados e total ap?s corre??o segundo caracter?sticas sociodemogr?ficas dos casos, Salvador, Bahia, 2005

Caracter?sticas

?bitos registrados ao SIM

n

%

?bitos subnotificados

n

%

Total ap?s corre??o

n

%

Sexo

Masculino

1.254

90

55

94,8

1.309

90,2

Feminino

140

10

3

5,2

143

9,8

N?o informado

0

0

0

0

0

0

Total

1.394

100

58

100

1.452

100

Faixa et?ria em anos

1 a 4

8

0,6

1

1,7

9

0,6

5 a14

26

1,9

1

1,7

27

1,9

15 a 49

1.227

88

41

70,7

1.268

87,3

>50

130

9,3

15

25,9

145

10

N?o informado

3

0,2

0

0

3

0,2

Total

1.394

100

58

100

1.452

100

Escolaridade em anos

Nenhuma

31

2,2

1

1,7

32

2,2

1 a 3

446

32

22

37,9

468

32,2

4 a 7

592

42,5

21

36,2

613

42,2

8 a 11

257

18,4

6

10,3

263

18,1

12 e+

40

2,9

3

5,2

43

3

N?o informado

28

2

5

8,6

33

2,3

Total

1.394

100

58

100

1.452

100

Estado civil

Solteiro

1.178

84,5

43

74,1

1.221

84,1

Casado

162

11,6

10

17,2

172

11,8

Vi?vo

11

0,8

1

1,7

12

0,8

Separado judicial

19

1,4

1

1,7

20

1,4

N?o informado

24

1,7

3

5,2

27

1,9

Total

1.394

100

58

100

1.452

100

Ra?a\Cor

Branca

41

2,9

3

5,2

44

3

Negros

1.189

85,3

43

74,1

1.232

84,8

Ind?gena

1

0,1

0

0

1

0,1

N?o informado

163

11,7

12

20,7

175

12,1

Total

1.394

100

58

100

1.452

100

Fonte: SIM\SIHSUS\BDJORNAIS\ IML.

Cad. Sa?de Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 361-70 367

T?nia de Jesus, Eduardo Mota

Tabela 5 - N?mero e propor??o de ?bitos subnotificados segundo motivo da subnotifica??o, Salvador, Bahia, 2005

Motivo de subnotifica??o

n%

Classifica??o inadequada do IML

54 87,1

Falha no fluxo de encaminhamento de corpo para 4

6,5

necropsia

Erro de codifica??o

3

4,8

Erro de digita??o

1

1,6

Total

62 100

Fonte: SIM\SIHSUS\BDJORNAIS\ IML.

Ainda de acordo com os autores citados, na grande maioria dos casos, o IML possui informa??es suficientemente detalhadas para esclarecer a intencionalidade da agress?o, entretanto n?o repassa aos ?rg?os respons?veis pelas estat?sticas oficiais via DO. Diante do exposto, o IML, ?rg?o da Secretaria de Seguran?a P?blica, passa a ser uma importante fonte de subnotifica??o de causas violentas de morte, quando voluntariamente se omite diante da viol?ncia, desencadeando n?o s? a ocorr?ncia de distor??es nas causas oficiais de mortalidade, como tamb?m a ado??o de pol?ticas p?blicas inadequadas e a utiliza??o tendenciosa do dado distorcido por grupos de diversos interesses pol?ticos.

Al?m dos problemas relacionados com a qualidade dos dados fornecidos pelo IML na DO, ainda existem falhas no encaminhamento de corpos para a necropsia. Este fato ? considerado grave, uma vez que a lei brasileira determina que, em caso de morte n?o-natural, decorrente de acidente ou qualquer tipo de viol?ncia, o sepultamento seja feito ap?s necropsia realizada pelo IML. Esta condi??o independe do tempo decorrido entre a causa externa que incidiu sobre o indiv?duo e o ?bito, ou seja, o corpo deve ser encaminhado para o IML sempre que o nexo causal for estabelecido.

O resultado mais surpreendente desta pesquisa foi a alta propor??o de subnotifica??o das interven??es legais, que est? relacionada com atua??o do Estado na repress?o aos "bandidos", estere?tipo destinado aos indiv?duos do sexo masculino, pretos, jovens e pobres. A causa b?sica que mascarou estes ?bitos foi a agress?o e o disparo por arma de fogo n?o-especificada ? X95. ? importante ressaltar que todas as vezes que uma morte por interven??o legal (Y35) ? codificada como agress?o, acaba sendo computada como homic?dio, ficando velado ao sistema os ?bitos em decorr?ncia de confrontos com a pol?cia, o que reduz a incid?ncia de viol?ncia policial resultando em morte.

Njaine et al. (1997) afirmam que a qualidade do preenchimento de alguns dados sobre morte violenta ? extremamente prec?ria tanto na Secretaria de Seguran?a P?blica, quanto na Secretaria de Sa?de. Segundo os autores, essa situa??o refor?a a hip?tese de que n?o ? importante identificar nem o agressor

nem a v?tima, na medida em que suas vidas valem pouco (ou nada), e que esse evento fatal n?o redundar? em nenhuma justi?a ou em nenhuma indigna??o da sociedade.

As entrevistas realizadas com m?dicos legistas do IML e com delegada do CEDEP deixaram claro que nem sempre os m?dicos legistas t?m condi??es de determinar a intencionalidade da les?o, principalmente em virtude do mau preenchimento da guia de solicita??o de necropsia, que dificulta as conclus?es dos legistas. Entretanto, existe uma percep??o entre os entrevistados que o IML, enquanto institui??o, tem acesso a um conjunto de informa??es (laudo de bal?stica, laudo cadav?rico, laudo de laborat?rio central, relat?rios hospitalares) que outras institui??es n?o t?m, possibilitando o esclarecimento da causa violenta de morte em muitas situa??es.

A avalia??o do conte?do das entrevistas revela uma diferen?a de significados da informa??o da causa b?sica de morte violenta entre a sa?de e a justi?a. Para a sa?de, a referida informa??o tem significado epidemiol?gico e o campo 56 da declara??o de ?bito se refere ?s prov?veis circunst?ncias de morte n?o-natural. A sa?de n?o est? interessada em esclarecer e tipificar um crime, pois esse ? o papel da Justi?a. Para a Justi?a, a mesma informa??o tem significado legal e judicial e interfere na pena do infrator, assim com o homic?dio ? diferente de les?o corporal seguida de morte, de resist?ncia seguida de morte, de homic?dio doloso e homic?dio culposo. Isto explica, em parte, porque, apesar de o referido campo da declara??o conter a observa??o "informa??o de car?ter estritamente epidemiol?gico", os m?dicos legistas t?m tanto receio de envolvimentos futuros com autoridades policiais ou judiciais.

Para que um ?bito por causa violenta seja adequadamente classificado e notificado ao sistema, ? necess?rio que o boletim de ocorr?ncia policial e a guia de solicita??o de exames policiais estejam bem preenchidos, que os relat?rios hospitalares estejam transcritos para a guia de forma precisa e objetiva, que os servi?os de emerg?ncia estejam devidamente orientados quanto ao procedimento a ser adotado em caso de retirada de objetos do corpo do indiv?duo, uma vez que este processo pode danificar provas e alterar o formato da les?o; que o fluxo de encaminhamento do corpo seja cumprido em caso de morte por causa externa; e que os IMLs disponham de condi??es adequadas para a realiza??o das suas fun??es. Matos, Prioreti e Baratas (2007) afirmam que a maioria dos servi?os transcrevem para a guia policial apenas dados de evolu??o cl?nica.

Os achados desta pesquisa evidenciaram que a qualidade do preenchimento do boletim de ocorr?ncia policial e da guia de solicita??o de necropsia n?o ? satisfat?ria, em virtude de ser

368 Cad. Sa?de Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 361-70

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