O LÚDICO E O LAZER MATEMÁTICO ONTEM E HOJE: DAS …

[Pages:8]O L?DICO E O LAZER MATEM?TICO ONTEM E HOJE:

DAS RECREA??ES AOS HOBBIES COMUNS

The ludic and mathematical leisure now and then: from recreations to common hobbies

Josinalva Estacio Menezes? 1.jomene@.br

Resumo

Neste trabalho buscamos discutir as formas de lazer utilizadas pelos matem?ticos desde a antiguidade, com base no trabalho filos?fico de Huizinga, at? os dias de hoje, a partir de pesquisa emp?rica feita com professores de universidades brasileiras. Para a revis?o de literatura, examinamos tamb?m obras sobre literatura matem?tica. Para a pesquisa emp?rica, entrevistamos dez professores de cinco universidades de tr?s regi?es do Brasil. Os resultados obtidos levavam a concluir que as formas de lazer, embora muitas vezes comuns aos outros indiv?duos, est? imbu?do do trabalho, quando ?s atividades sugeridas nestes momentos, remetem a conte?dos matem?ticos, apresentados de forma recreativa. Palavras-chave: ludicidade, matem?tica, recrea??es.

Abstract

In this work we looked for the leisure forms used by the mathematicians from the antiquity to discuss, with base in the philosophical work of Huizinga, until the days today, starting from empiric research done with teachers of Brazilian universities. For the literature revision, we also examined works on mathematical literature. For the empiric research, we interviewed ten teachers of five universities of three areas of Brazil. The obtained results took to end that the leisure forms, although a lot of times common to the other individuals, it is dipped of the work, when the activities suggested on these moments, send to mathematical contents, presented in a recreational way.

Introdu??o

De modo geral, quando mencionamos a palavra matem?tica e a personagem a ela diretamente relacionada ? o matem?tico, parece existir um senso comum que se manifesta imediatamente apresentando, para a figura citada, conota??es de sisudez, excessiva abstra??o, permanente tens?o pela busca da produ??o do conhecimento perfeito, aliena??o, enfim, algo fora da realidade dos "outros mortais".

Quando examinamos, por?m, as rela??es entre os matem?ticos nas atividades sociais e a cultura, perpassadas pelos aspectos inerentes ao jogo e ao l?dico, o que se observa ? que, transferidas para o contexto apropriado, as formas de lazer dos matem?ticos, desde a antiguidade, est?o em conson?ncia com as formas de lazer dos outros seres sociais, uma vez que os matem?ticos est?o inseridos em alguma sociedade, portanto recebe influ?ncia direta da cultura da mesma.

Assim, nesse trabalho propomo-nos a discutir as formas de lazer utilizadas pelos matem?ticos desde a antiguidade, com base no trabalho filos?fico de Huizinga, at? os dias de hoje. Para isso, fizemos uma pesquisa bibliogr?fica na qual investigamos os diversos aspectos da ludicidade no contexto matem?tico, por um lado, e entrevistamos professores de matem?tica em v?rios n?veis, da atualidade, para saber as formas de lazer por eles utilizadas.

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O lazer e a cultura na antig?idade e as formas de express?o do lazer nos matem?ticos:

Em seu estudo Homo ludens ? o jogo como elemento de cultura, Huizinga (1996) faz uma an?lise profunda sobre a integra??o do conceito de jogo no de cultura, procurando determinar at? que ponto a pr?pria cultura possui um car?ter l?dico. Nele, Huizinga busca mostrar, do ponto de vista filos?fico ? muito mais que psicol?gico ou antropol?gico ? os elementos l?dicos presentes nas principais atividades de uma sociedade, inseridos na cultura, sendo o ser humano essencialmente "brincante". Esse pensamento est? bem expresso no trecho abaixo transcrito:

Em ?poca mais otimista que a atual, nossa esp?cie recebeu a designa??o de Homo Sapiens. Com o passar do tempo, acabamos por compreender que afinal de contas n?o somos t?o racionais quanto a ingenuidade e o culto da raz?o do s?culo XVIII nos fizeram supor, e passou a ser de moda designar nossa esp?cie como Homo faber. Embora faber n?o seja uma defini??o do ser humano t?o inadequada como sapiens, ela ?, contudo, ainda menos apropriada do que esta, visto poder servir para designar grande n?mero de animais. Mas existe uma terceira fun??o, que se verifica tanto na vida humana como na animal, e ? t?o importante como o racioc?nio e o fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo faber, e talvez ao mesmo n?vel de Homo sapiens, a express?o Homo ludens merece um lugar em nossa nomenclatura. Huizinga, em pref?cio do livro Homo ludens: o jogo como elemento de cultura, 1996, 4? ed..

O que buscaremos verificar no contexto da matem?tica, ? que desde a antiguidade, passando pela ?poca do racionalismo, com a produ??o e publica??o das recrea??es matem?ticas, at? os dias de hoje, com o desenvolvimento dos jogos matem?ticos pedag?gicos, os elementos l?dicos discutidos por Huizinga nesta atividade espec?fica, inserida nas culturas em quest?o tamb?m est?o presentes.

As marcas do jogo est?o presentes em todas as grandes atividades arquet?picas da sociedade humana. Uma delas ? a linguagem, o que permite ao homem comunicar, ensinar, comandar, distinguir as coisas, defini-las e constata-las, design?-las e eleva-las ao dom?nio do esp?rito, o qual salta entre mat?ria e coisas pensadas. Segundo Huizinga, "Por detr?s de toda express?o abstrata se oculta uma met?fora, e toda met?fora ? um jogo de palavras." (p. 7).

Defini??es de jogo e sua inser??o na cultura

Vale comentar que outra atividade ? o mito enquanto transforma??o ou imagina??o do mundo exterior, em processo mais elaborado. "Em todas as caprichosas inven??es da mitologia, h? um esp?rito fantasista que joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade. Os cultos aos mitos s?o feitos de um esp?rito de puro jogo."(p. 7)

Olhando as caracter?sticas do jogo, temos que ? fundamentalmente uma atividade volunt?ria. N?o sendo imposto, costuma ser praticado nas horas de ?cio, tornando-se uma necessidade na medida em que o efeito provocado por ele o transforma numa necessidade, e tornando-se um dever quando constitui uma fun??o cultural reconhecida, como o culto e o ritual. O jogo ? desinteressado, pois como n?o pertence ? vida comum, situa-se fora do mecanismo de satisfa??o imediata de necessidades e desejos.

O jogo ? tempor?rio, limitado no tempo. A quarta caracter?stica do jogo ? a ordem, j? que nele reina uma ordem espec?fica e absoluta; a menor desobedi?ncia a esta ordem "estraga" o jogo. O jogo ? tenso. E este elemento de tens?o e solu??o, ? que confere ao jogo um certo valor ?tico, na medida em que s?o postas em prova as qualidades do jogador, permeia principalmente os jogos de destreza e estrat?gia, esse ?ltimo nosso alvo de interesse.

O jogo ? regrado. Todo jogo tem suas regras, as quais s?o absolutas e n?o permitem discuss?o. Quanto a essa ?ltima caracter?stica, curiosamente observa-se mais toler?ncia com o trapaceiro, que finge jogar seriamente, do que com o desmancha-prazeres, o que abandona o jogo por incapacidade ou imposi??o alheia, o qual n?o ? tolerado, sendo banido do grupo.

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Na cultura, a observa??o dessas caracter?sticas ? imposi??o t?o s?ria, que pode, segundo algumas culturas, alterar o curso natural dos fen?menos e impedir o sucesso dos resultados das atividades a ela inerentes, como o resultado de uma colheita condicionada a uma dan?a executada fielmente por competi??es sagradas em uma cultura chinesa.

De acordo com a defini??o de Huizinga, que nos parece ser a mais adequada, em vista da abrang?ncia que ela possui, " o jogo ? uma atividade ou ocupa??o volunt?ria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espa?o, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigat?rias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tens?o e de alegria e de uma consci?ncia de ser diferente da "vida quotidiana"".(p. 33).

Dizer que a cultura surge, na concep??o de Huizinga, desde seus primeiros passos, sob forma de jogo, significa dizer que em suas fases mais primitivas a cultura possui um car?ter l?dico, ou seja, que ela se processa segundo as formas e o ambiente do jogo, embora n?o seja f?cil delimitar em que ponto a cultura emerge dele. Essa rela??o se torna mais evidente nas formas mais elevadas dos jogos sociais, competitivos, pois os jogos solit?rios dificilmente criam cultura. Por seu car?ter antit?tico, agon?stico, se faz constantemente presente na civiliza??o, permitindo que a cultura se desenvolva como jogo e no jogo.

O car?ter l?dico da competi??o se faz notar nas caracter?sticas presentes nesta que remontam ?s do jogo, tais como a tens?o, o respeito ?s regras, a satisfa??o que a vit?ria traz.

A competi??o e os desafios nos matem?ticos

V?rias refer?ncias ? competi??o transmitidas pelas tradi??es ligadas ? religi?o, aos rituais, ?s guerras, mostram, em suas diversas formas, que a import?ncia dela se deve ao seu car?ter l?dico. Mais ainda, a competi??o sugere, em alguns povos, formas t?o puras que parece superior a outros mesmo de civiliza??o mais avan?ada, o que nos permite reconhecer nas ra?zes dos rituais sagrados a imperec?vel necessidade humana de se viver em beleza, somente satisfeita pelo jogo. Seja em forma de luta, de demonstra??o de superioridade econ?mica ou pessoal, est? presente nas mais diversas formas e nas mais diversas e longu?nquas.

No contexto matem?tico, a competi??o com este sentido tamb?m se faz presente.

Cardano e Tartaglia

Em Garbi (1997), ? relatada uma s?rie de casos de competi??o entre matem?ticos de v?rias ?pocas, choque entre talentos no ?mbito das equa??es alg?bricas. Estes epis?dios mostram que os "grandes g?nios" tamb?m t?m suas qualidades, defeitos, paix?es, fraquezas e esp?rito competitivo no sentido de demonstrar a superioridade intelectual sobre seus colegas de interesse, "cujas ess?ncias eram as vaidades e outros sentimentos menos elevados" (p. 30).

? conhecido o epis?dio sobre Cardano e Tartaglia sobre as equa??es do terceiro grau, valendo resumi-lo aqui. Girolamo Cardano (Pavia, 1501 ? Roma ? 1576) era excepcional cientista, tamb?m dedicado ? astrologia. Protegido do Papa Greg?rio XIII, teria sido acusado de heresia por haver divulgado o hor?scopo de Jesus Cristo; como astr?logo do Vaticano, escreveu um livro louvando a Nero, o grande perseguidor de crist?os do Imp?rio Romano.

Foi no trabalho intitulado "L?ber de ludo Aleae" que introduziu a id?ia de probabilidade que se usa modernamente, onde tamb?m ensinou como trapacear nos jogos. Definiu-se como desbocado, espi?o, melanc?lico, traidor, invejoso, solit?rio, obsceno, incomparavelmente vicioso e total desprezador da religi?o. Seu trabalho considerado como o maior legado ? ?lgebra na ?poca foi o ARS MAGNA (Nurenberg-Alemanha, 1545). Esta obra introduziu o conceito de n?mero negativo, no contexto da contabilidade usual da ?poca.

Seu oponente, Nicol? Fontana, apelidado Tartaglia ? gago (Br?scia,1500 ? 1557), teve vida desventurada, pobre, dif?cil e ?spera. Tendo demonstrado seu talento desde a tenra idade, n?o pode freq?entar a escola normalmente e estudou por conta pr?pria, tornando-se professor de

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ci?ncia em Verona, Vicenza, Br?scia e Veneza. Foi o primeiro, cem anos antes de Galileu, a realizar c?lculos na t?cnica da artilharia.

Scipione del Ferro e Tartaglia

Consta que cerca de 1510 Scipione del Ferro encontrou uma forma geral de resolver equa??es do tipo

x3 + px + q = 0,

tendo morrido sem publicar sua descoberta. Fior desafiou Tartaglia, o qual aceitou o desafio, sabendo que aquele tinha posse do m?todo do falecido Scipione del Ferro. N?o s? achou a solu??o da equa??o proposta, como ainda achou uma f?rmula geral para as equa??es do tipo

x3 + px2 + q = 0,

desconhecida por Fior. Tartaglia resolveu os problemas propostos por Fior, e ainda prop?s problemas para o

mesmo, o qual n?o resolveu nenhum deles. Como nesta ?poca Cardano, que estava escrevendo a Pratica Arithmeticae, soube que Tartaglia achara a solu??o geral para a equa??o do 3? grau; havia desistido de incluir tal solu??o no seu trabalho por ter sabido que um certo Luca Paccioli haveria dito n?o haver tal solu??o, pediu-a a Tartaglia para publicar no seu trabalho. Este, alegando pretender public?-la negou, e foi duramente ofendido por Cardano.

Posteriormente, usando de artimanhas e jurando n?o divulgar, Cardano convenceu Tartaglia a fazer a antes negada revela??o, e publicou em 1545, na Ars Magna, tendo sido denunciado pela sua v?tima. Outros desafios teriam ocorrido, mas a f?rmula ficou conhecida como sendo de Cardano.

Neste contexto, a alegria, satisfa??o e emo??o de Tartaglia deve ter sido enorme, dadas lembran?as de sofrimento e fome passadas na inf?ncia, a agress?o sofrida pelos inimigos franceses, os esfor?os para estudar sozinho, as humilha??es pelos defeitos f?sicos, o prazer de ter vencido onde tantos tinham fracassado.

Ludovico Ferrari e Zuanne de Tonino da Coi

Outra contenda citada por Garbi ocorreu entre Ludovico Ferrari (Bolonha, 1522-1560) disc?pulo de Cardano, e Zuanne de Tonini da Coi .Disc?pulo de Cardano, oriundo de condi??es humildes, foi ensinar por conta pr?pria em Mil?o, e via prote??o do Cardeal de M?ntova, galgou boas posi??es, incluindo a de professor de Matem?tica na Universidade de Bolonha.

Zuanne submeteu a Cardano uma quest?o que envolvia a equa??o

x4 + 6x2 ? 60x + 36 = 0 Ferrari encontrou, junto com a solu??o para o problema, a solu??o geral para as equa??es de quarto grau, m?todo que Cardano tamb?m publicou na Ars Magna, em continuidade ? solu??o de Tartaglia. O jogo est? fortemente ligado ao conhecimento. ? no dom?nio do pr?prio esp?rito humano ? o do conhecimento e da sabedoria ? que encontramos semelhan?as nos costumes agon?sticos entre as culturas de forma mais impressionante. Estas foram algumas das formas que citamos aqui.

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As recrea??es matem?ticas: o "descanso" da produ??o das teorias

A rela??o do conhecimento com as caracter?sticas do jogo pode ser identificada na seguinte argumenta??o: O conhecimento ? para o homem primitivo uma fonte de poder m?gico, pois todo saber ? saber sagrado; esta sabedoria ? exot?rica capaz de fazer milagre, pois todo conhecimento est? ligado ? ordem c?smica; esta ordem, decretada pelos deuses e conservada pelo ritual de preserva??o da vida e salva??o do homem est? salvaguardada no conhecimento das coisas sagradas, seus nomes secretos e na origem do mundo.

Os desafios, enigmas, as adivinha??es s?o elementos fortemente presentes nos mais conhecidos e preciosos livros do conhecimento. Em algumas culturas, existem concursos de enigmas onde a vida ? posta em jogo, como tema principal da mitologia.

No caso de uma pergunta enigm?tica, sua resposta n?o est? necessariamente no uso da reflex?o ou do racioc?nio l?gico. Em princ?pio, s? h? uma resposta certa, a qual ser? encontrada quando se conhecem as regras do jogo, as quais s?o de ordem gramatical, po?tica ou ritual?stica, da? a necessidade de se conhecer essa linguagem especial.

Aos enigmas e adivinha??es s?o atribu?dos efeitos m?gicos importantes das rela??es sociais. O conhecimento nesses casos d? uma posi??o de superioridade ritual independente da condi??o social na cultura em quest?o, e todas essas formas de express?o das quest?es do conhecimento remontam ? matem?tica.

A? entram as diversas formas de recrea??es matem?ticas. Sob diversas formas, v?rias obras t?m sido publicadas a partir do s?culo XVII, com Gaspar de Blachet, Sieur de M?riziac (1612), essas recrea??es, como o pr?prio nome sugere, eram problemas do ?mbito matem?tico, cujo objetivo era descansar do trabalho matem?tico, visando o relaxamento, a divers?o. As formas do enunciado e as situa??es abordadas sugeriam lazer para estes, e eram repassados para os demais indiv?duos chegando at? n?s nos dias de hoje.

Poesia e arte tamb?m encerram seus elementos l?dicos. Desde a Antiga Gr?cia, nos ?mbitos da competi??o sagrada, do conhecimento, da sabedoria, dos desafios, existe uma liga??o entre a express?o religiosa e filos?fica e a express?o po?tica. A poesia da antiguidade ? enigma, divertimento, arte, inven??o de enigmas, doutrina, persuas?o, profecia, feiti?aria, adivinha??o, competi??o. Nas principais obras religiosas, seus ensinamentos, contos, epop?ias e escritas em geral, sua express?o mais pura se apresenta na forma po?tica. Enquanto fun??o original de fator das culturas primitivas, a poesia nasceu durante o jogo e enquanto jogo (sagrado, mas nos limites da extravag?ncia, da alegria e do divertimento).

A poesia de car?ter religioso se manifesta no Vates desde a Antiga Gr?cia at? o pr?prio jogo de perguntas-respostas em forma de verso, que pode funcionar como armazenamento de conhecimentos ?teis. As rela??es entre poesia, mito e joo, mostram que a fun??o vital da poesia com seu pleno valor s? ? desempenhada plenamente na atividade l?dica da comunidade.

Quanto ? arte, em suas diversas manifesta??es, s?o identificadas apenas algumas caracter?sticas do jogo. Como esta identifica??o n?o ? t?o claramente delineada quanto as outras formas de atividade, isto ?, n?o ? claro at? que ponto m?sica, artesanato, artes pl?sticas, dan?a, arquitetura identificam o seu car?ter l?dico, n?o nos deteremos neste aspecto.

Uma declara??o de amor ? matem?tica

Repetiremos aqui uma bela DECLARA??O DE AMOR ? MATEM?TICA, da autoria de Gild?sio Magalh?es (IX EBEM, Salvador, 2000):

Matem?tica ? feminino ? poesia, ? arte, ? beleza, ? harmonia, ? precis?o, se preciso, ? muito perfeita, enfim. Est? no come?o de tudo

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N?o tem in?cio nem fim Na dan?a h? matem?tica

Na m?sica ... na cantoria, tamb?m Na simetria das flores,

Na natureza ... na fragr?ncia Na sabedoria, por?m,

H? muito mais o que pensar Do que um simples rimar N?o saber?amos falar Se n?o fosse a matem?tica Nossos dilemas s?o l?gicos, Sentimentais, pois n?o somos m?quinas! Ms de onde vem o valor da mente, Sen?o da matem?tica?

Os infi?is n?o tiveram inf?ncia, Muito menos poesia.

Desconhecem a matem?tica Da beleza... da magia.

MATEMAGIA? Eu queria era ser m?gico Ser matem?tico em guerra Quereria ser pr?tico Brincar de matemagia

Casei-me com uma mulher Que tamb?m ? matem?tica Amo a ambas a mesma intensidade Realizo meu sonho de inf?ncia S? n?o sei (ainda) fazer m?gica

A Filosofia e o L?dico

Finalmente, chegamos ao contexto da Filosofia. Na busca das formas l?dicas neste aspecto da cultura, encontramos no centro do c?rculo desta concep??o de jogo a figura do sofista grego 1.

O sofista, um prolongamento da figura central da vida cultural da ?poca arcaica, tomou formas de feiticeiro, profeta, vidente, traumaturgo e poeta, melhor designado como Vates. Suas duas fun??es mais importantes em comum com o antigo chefe cultural foram a de exibir seus conhecimentos excepcionais, os mist?rios de sua arte, e simultaneamente derrotar seus rivais nas competi??es p?blicas.

A mitologia e a hist?ria da Gr?cia Antiga est?o fartamente recheadas de exemplos e personagens que se vangloriam dos maiores e mais valorosos feitos pela humanidade, sendo o mais freq?ente a capacidade de responder a qualquer pergunta.

O nome dados ?s proezas dos sofistas ? epideixis, que significa exibi??o, e por cujos ensinamentos recebem honor?rios. Era considerado um verdadeiro jogo apanhar o advers?rio num conjunto de argumentos, ou ent?o aplicar-lhe um devastador golpe.

Apresentar perguntas em forma de dilemas cujas respostas s? podiam ser erradas se constitu?a em ponto de honra, e o car?ter l?dico da arte dos sofistas era conhecido deles pr?prios, a exemplo de G?rgias para quem seu Elogio de Helena um jogo, e seu tratado Da Natureza era um estudo l?dico.

Foram os sofistas os criadores do meio em que se formou a concep??o hel?nica da educa??o e da cultura, embora a sabedoria e a ci?ncia dos gregos n?o eram aprendidas nem produzidas na escola. Ap?s algumas reflex?es mais, somos levados ao pensamento de que a Filosofia, como forma de conhecimento pol?mica, e como toda forma de conhecimento desse tipo, s? pode ser compreendida em termos agon?sticos, o que a remete ao jogo.

1 O sofista ? aquele que argumenta com sofismas, sendo sofisma um argumento falso ou racioc?nio defeituoso intencionalmente feito para induzir em erro.

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As formas de express?o do lazer nos matem?ticos

Voltamos a lembrar que os matem?ticos, enquanto integrantes de alguma sociedade, faziam parte do dia a dia e da cultura da mesma. Portanto, as situa??es relatadas at? o momento, desde a Antig?idade passando pelas recrea??es, as formas de lazer dos matem?ticos, por um lado, s?o comuns aos outros seres sociais em vista do que j? foi comentado; por outro lado, t?m seus "apartes" quando apresentam as formas pr?prias de expressar suas cria??es. Restanos saber do lazer dos matem?ticos de hoje.

Entrevistando dez matem?ticos de cinco estados de tr?s diferentes regi?es do pa?s, indagamos sobre as formas de lazer utilizadas pelos mesmos e de seus colegas de universo de trabalho/comunidade, buscamos saber a semelhan?a com as formas de lazer mais comuns conhecidas. Os sujeitos eram de ambos os sexos, com faixa et?ria dos 25 aos 50 anos, trabalhando em universidades ou escolas de ensino b?sico.

Nos dias de hoje, em especial no contexto do ensino no Brasil, dadas as condi??es s?cioecon?micas em geral, e do profissional do ensino em particular, os professores s?o obrigados a empreender longas e duras jornadas di?rias de trabalho, restando poucas horas para o lazer.

Assim, pelo que foi analisado, n?o ocorre atividades freq?entes que envolvam matem?tica no escasso tempo de lazer dos matem?ticos; os argumentos costumam girar em torno do fato que j? lidam tanto tempo com a matem?tica, durante o dia/semana no trabalho, que nos momentos de lazer, e reuni?es com amigos, de trabalho ou n?o, o assunto sobre o qual menos interessa falar ? matem?tica. Assim, nas horas de lazer os matem?ticos v?o a campo de futebol, l?em livros sobre literatura nacional ou estrangeira, fazem programas com os familiares, visitam shoppings, v?o a shows, recebem os amigos em casa, promovem almo?os ou recep??es de anivers?rio, em casa de um dos componentes do grupo ou em um restaurante/barzinho, jogam xadrez ou outros jogos grupais, e assim por diante.

Existem alguns casos em que matem?ticos divertem-se fazendo matem?tica ou estudando matem?tica. Nesses casos, os matem?ticos est?o se divertindo enquanto se dedicam a resolver desafios matem?ticos e de l?gica, problemas que consideram interessantes ou que foram propostos a eles.

Em outras palavras, alguns matem?ticos continuam as pr?ticas antigas relatadas neste trabalho. Outras, s?o atividades comuns da sociedade atual. Essa atitude ? razo?vel, em vista das conseq??ncias desagrad?veis que o n?o desligamento do trabalho pode trazer em termos de preju?zo para a sa?de.

Considera??es finais

Do ponto de vista social, estes resultados levam a crer que os matem?ticos n?o parecem se distinguir dos outros profissionais e indiv?duos, no que se refere ?s op??es de atividade para as horas de descanso. Ao mesmo tempo, remetem ?s formas de divers?o e lazer relatadas no passado. Isso nos leva a concluir que o lazer na matem?tica e seus processos atravessam os tempos, pouco diferenciando os matem?ticos nas diferentes ?pocas.

Refer?ncias

AABOE, A. Epis?dios antigos da hist?ria da matem?tica. Rio de Janeiro: SBM, 1984.

BALL, Rouse. R?cr?ations math?matiques et probl?mes des temps anciens et modernes. Paris: Librairie Scientifique A Hermann, 1907, vol. I, II, III.

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Educa??o e Tecnologia na Era do Conhecimento | 8 BLANCHET DE MERIZIAC, G. Probl?mes plaisant et d?lictables qui si font par les nombres. Paris: 1612. BOLT, Brian. Divertimentos matem?ticos. Barcelona: Labra, 1974. BOUCHENY, Gaston. Curiosit?s et recreations math?matiques. Paris: Librairie Larrousse, 1939. COSTELLO, Matthew J. The greatest games of all time. New York: John Wiley & Soons Inc. GARBI, Gilberto Geraldo. O romance das equa??es alg?bricas. S?o Paulo: Makron Books do Brasil, 1997. GUY, Richard K. & WOODRAW, Robert E. The lighter side of mathematics. Proceedings of the Eugene Strems Memorial Conference of Recreational Mathematics and His History. The MAA, 1994. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. S?o Paulo: Perspectiva, 1996, 4? ed. (1? Edi??o em 1938). V?RIOS AUTORES. Os melhores Jogos do mundo. S?o Paulo: Editora Abril Cultural, 1979.

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