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O processo da trai??o?Por Amorim de Carvalho (in O Fim Histórico de Portugal, Ed. Prometeu)Os comunistas e os socialistas portugueses falam dos 229 dias para abater o fascismo em Portugal, desde 9 de Setembro de 1973 até ao golpe de estado militar de 25 de Abril de 1974; isto é, desde o dia em que 136 capit?es, tenentes e alferes, transportando-se burguesmente nos seus carros e em carros dos seus camaradas, se reuniram secretamente num palheiro de uma rica propriedade rural do Alentejo, pertencente à família de um deles, para falarem das suas reivindica??es profissionais, até ao dia em que eles fizeram o golpe de estado. A História falará dos 229 dias da incuba??o da trai??o. O golpe de estado de 25 de Abril, a que se chamou o ?movimento dos capit?es? e finalmente ?Movimento das For?as Armadas? (?M.F.A.?), come?ou por um descontentamento de tipo mercenário que abriu brechas na disciplina militar e que, a um certo momento, dada a extens?o da indisciplina, procurou revestir-se de uma explica??o política conferindo-lhe, aos olhos da na??o, uma aparência de honestidade e de significa??o nacional.Mostremos, com seus delineamentos de crua clareza, o que n?o chegou ao conhecimento do povo português e do estrangeiro, sen?o sob aspectos intencionalmente mal definidos ou muito furtivos ou moralmente disfar?ados.O número de cadetes, frequentando a academia militar donde saíam os oficiais do quadro permanente, diminuía consideravelmente, o que criava problemas, dada a existência da guerra no ultramar. A insuficiência de capit?es e de oficiais subalternos obrigava o governo português, presidido pelo prof. Marcello Caetano, a recorrer aos oficiais antigos milicianos (isto é, quadro complementar) vindos da condi??o civil (estudantes universitários e alguns tendo mesmo já os seus diplomas de nível superior, os quais já tinham feito o servi?o militar, participando na guerra do ultramar com o posto de alferes). Eles tinham sido postos na reserva com o posto de tenentes e, às vezes, de capit?es. Estes oficiais milicianos, se quisessem entrar no quadro permanente, frequentavam um curso intensivo de dois anos na academia militar, após o qual eram integrados no quadro permanente como alferes graduados em capit?es. Ora, os cadetes da academia militar frequentavam o curso normal de quatro anos que lhes dava o posto de alferes. Havia apesar de tudo um sistema moral de compensa??es justificáveis; porque o miliciano acabava o curso intensivo lá pelos 25-35 anos, enquanto que o cadete acabava o curso normal por volta dos 20 anos; o miliciano integrado no quadro permanente entrara na academia militar com uma prepara??o universitária parcial, ou até completa tendo obtido o respectivo diploma, enquanto que o cadete entrara apenas com uma prepara??o liceal; o miliciano já tinha participado na guerra do ultramar e ia participar nela pela segunda vez, enquanto que o cadete, é evidente, n?o tinha ainda participado na guerra. Mas o que era decisivamente importante, e de uma import?ncia moral inegável, é que a pátria sustentava uma guerra que lhe era imposta, o que justificava medidas transitórias e de circunst?ncia com o fim de suprir a falta de oficiais. Os militares que, após o 25 de Abril e o desastre económico que a sua incompetência provocou, fariam apelo, eles próprios aos sacrifícios da na??o, n?o quiseram compreender as graves circunst?ncias especiais relativas ao acesso do miliciano ao quadro permanente. Os militares exigiam, por exemplo, que os oficiais que foram milicianos (e que tinham frequentado a academia militar entre os 25 e os 35 anos), n?o fossem promovidos a capit?es, sem que os oficiais vindos dos cadetes (e que terminaram os cursos da academia militar aos 20 anos), n?o tivessem sido promovidos a capit?es. E, falando do ?prestígio do exército?, das ?perspectivas finais? de uma carreira militar ?atraente? (que os factos demonstraram ser a de um exército que n?o queria bater-se), os ?capit?es? punham todo o problema de um modo puramente mercenário: ?Pague-se aos capit?es que arriscam a vida para que sigam em frente os projectos de Cabora Bassa ou a explora??o das minas da Diamang, ao menos metade, do que ganha um engenheiro dessas obras ou dessas minas, o qual apenas corre o risco de que os capit?es n?o achem incentivos [de dinheiro, entendamos] que os levem a arriscar-se, e ver-se-á que, conquanto que a crise de quadros seja muito mais que uma quest?o de dinheiro [o ?prestígio?, sem dúvida?], utópico é querer galinha gorda com magra algibeira? [afinal de contas, trata-se sempre de dinheiro][1]. Esta passagem é tirada de um anexo à circular do movimento dos capit?es, datada de 23 de Outubro de 1973, isto é, seis meses antes do putsch de 25 de Abril.Até àquela data a indisciplina ligada às reivindica??es mercenárias tinha-se limitado a amea?ar o governo com a demiss?o colectiva dos oficiais de todas as gradua??es e de todas as armas, segundo se lê nos n?s 8 e 11 da circular citada acima de 23 de Outubro de 1973. A ideia de pátria tinha sido posta de lado. Como fazer desta vergonha um caso justificável perante a na??o? Só a partir de 24 de Novembro de 1973 é que o tenente-coronel Ataíde Banazol, que devia partir, dentro em pouco, em servi?o militar, para a Guiné portuguesa, sugere, numa reuni?o de capit?es, a viragem do comportamento mercenário ao comportamento político com a ideia de um golpe de estado. Ele queria que imediatamente se agisse, e apresentou mesmo o seu programa que n?o foi aprovado, mas a ideia da politiza??o espalhou-se lenta e constantemente. A urgência que o bravo (?) soldado punha no assunto ?explicava-se pelo facto de o seu Batalh?o seguir para Africa antes do fim do ano... Mais tarde, já na Guiné, o tenente-coronel Banazol leva a sua impaciência ao ponto de contactar camaradas do Movimento, no sentido de tomar conta de Bissau e fazer negocia??es directas com o PAIGC?[2].Tudo isso mostra, antes de mais, a extens?o da indisciplina dos oficiais do movimento que, n?o contentes em se oporem à maneira pela qual os milicianos eram integrados no quadro permanente, negociavam segundo a lei da oferta e da procura, em que o comprador era o governo que representava a pátria em guerra, a na??o que pagava; e em seguida, mostra o deslizar para a política, enganando os mais ingénuos, através de uma estratégia que, é necessário dizê-lo, n?o conquistou imediatamente a compreens?o de todos os oficiais. O major Sanches Osório, que fez parte do movimento e é hoje um dissidente desiludido e um exilado político, diz no seu livro publicado em Espanha, referindo-se a um momento em que a ideia política estava já lan?ada, que o major Vítor Alves tinha apresentado um programa que continuava a ser ?uma síntese das reivindica??es... Devo dizer que este Programa foi recusado... Por várias raz?es, uma das quais suscitadas por mim… A meu ver n?o podia limitar-se a propor aumentos salariais ou melhoramentos nas condi??es sociais [condi??es sociais dos militares]?[3]. Tratava-se já de uma espécie de obsess?o ao nível do homem-massa, no pior sentido desta express?o, que se n?o poderia fazer aceitar à na??o sen?o através de uma politiza??o. E esta politiza??o n?o podia deixar de ser a que se opunha ao regime vigente. Se este regime fosse uma democracia pluralista ou um socialismo, tendo portanto outro contexto de ac??o político-social, a indisciplina militar finalizaria na institucionaliza??o do fascismo ou de qualquer outra forma de regime autoritário.Mas, voltando à realidade dos factos, é inegável que o processo da trai??o desenvolveu-se em duas fases bem delimitadas: o da reivindica??o profissional, de 9 de Setembro a 24 de Novembro de 1973, e a da politiza??o, de 24 de Novembro de 1973 a 25 de Abril de 1974. A prova disso está no facto de os oficiais vindos dos milicianos, e nos quais predominavam as ideias esquerdistas, se oporem às reivindica??es dos oficiais vindos dos cadetes da academia militar, uns e outros se insultando mutuamente. Os oficiais vindos dos milicianos alertavam a na??o (?este país... N?o poderá permitir a estagna??o, a oligarquia de uma minoria de interesses ultra-direitas?) e pediam para os chefes militares tomarem um atitude de firmeza ?para com aqueles que leviana, injustificada, discriminatória e anti-regulamentarmente est?o a minar o moral, a cavar fossos, a cortar amarras, a criar castas no seio de uma família que tem sido unida e que só de o ser, tem permitido que a Barca Nacional corte rectilineamente os desmistificados ventos da história?[4].Notemos nestes textos que os seus autores, considerados como sendo os mais esquerdistas, baptizam de ultra-direitistas os oficiais vindos dos cadetes e gabam-se de serem os defensores do ultramar português! Por outro lado, os ?capit?es? chamam ?capatazes de guerra? aos milicianos, considerando-os como oficiais de qualidade inferior[5], e reivindicam, também os títulos de principais defensores do ultramar!: ?Mais do que ninguém em Portugal têm desde a primeira hora do conflito em que a Na??o está empenhada, contribuído para a sua perenidade?[6].Tudo isso pertencia, portanto, à fase da reivindica??o profissional desencadeada pelos ?capit?es?, em que a linguagem patriótica parecia ser o mínimo necessário para se manter a decência militar; no entanto, o carácter de tipo mercenário das reivindica??es (?querer galinha gorda com magra algibeira?, ?point d'argent, point de suisse?) comprometia visivelmente uma linguagem de patriotismo e de ?prestígio? das for?as armadas, precisamente no momento em que a pátria exigia o sacrifício e a compreens?o. O interesse profissional dominou sobre as ideologias políticas, frequentemente as mesmas, das duas partes em conflito.A politiza??o do movimento dos capit?es era, apesar de tudo, a única solu??o. Praticamente, só foi a partir do mês de Dezembro de 1973 que se come?ou a orientá-lo ?para qualquer coisa de mais vasto, de mais largo do que as simples reivindica??es profissionais?[7]. Uma vez que este caminho foi seguido, tudo agora vai exibir um aspecto novo. A infiltra??o dos oficiais esquerdistas, comunistas, socialistas, vai conduzir a indisciplina mercenária do movimento (que levava já, aliás, no seu seio a trai??o) à mais abominável e vergonhosa trai??o que a História conhece - para repetir o que já escrevi no capítulo precedente; e é isso que vai conciliar ao nível político, os oficiais milicianos comunistas e esquerdistas e os oficiais do quadro permanente também comunistas e esquerdistas, enquanto que eles se opunham ao nível das reivindica??es profissionais. Mas a na??o, na sua enorme maioria n?o é comunista e apenas deseja uma democratiza??o segundo o exemplo das na??es do mundo ocidental e livre. Mantêm-se portanto certas aparências tácticas através de um plano de mentiras: falar-se-ia ao país e à opini?o internacional em termos de uma democracia pluralista (para a parte europeia de Portugal), e de uma autodetermina??o descolonizadora (para o ultramar português) que seria sistematicamente falseada.Após a rejei??o do programa redigido, ou praticamente redigido pelo major Vítor Alves, de que já falei, o major Melo Antunes, ligado ao ?Movimento Democrático Português? (que se transformou em satélite do ?Partido Comunista Português?), e que pretendia o abandono puro e simples do ultramar, sem autodetermina??es e sem discuss?es, redigiu um novo programa - onde interveio uma comiss?o constituída por oficiais esquerdistas. Lá pelos come?os do mês de Abril de 1974, o movimento dá conhecimento deste programa aos generais Costa Gomes e António de Spínola que sugerem certas altera??es. ? necessário dizer que o general Spínola publicara, em 23 de Fevereiro, o seu livro ?Portugal e o Futuro?, que obteve um enorme sucesso; era aí proposta uma democratiza??o do regime dentro de uma federa??o ligando Portugal ao seu ultramar, após uma autodetermina??o que Spínola previa como nos sendo favorável, e este general declarava que a solu??o das guerras no ultramar era política e de maneira nenhuma militar. Os esquerdistas agarraram-se obstinadamente a esta última afirma??o, separando-a do contexto.Alguns oficiais do movimento, nos quais o sentimento da pátria n?o se extinguira completamente ou em que este sentimento p?de despertar no meio de trágicas contradi??es, pretenderam ver já um programa no livro do General Spínola[8], cuja tese será estudada no capítulo seguinte; havia uma tese, sem dúvida, ou, pelo menos, o livro continha todas as linhas essenciais para uma solu??o digna e de uma grande import?ncia histórica, sobretudo após a situa??o de facto criada pelo 25 de Abril; mas isso opunha-se aos planos de apropria??o do movimento dos capit?es pelos esquerdistas e comunistas - o que era o essencial para estes, e que estava acima, para estes também, da ideia de pátria. Esta trama desenvolveu-se fora do conhecimento da na??o até ao momento em que o movimento das for?as armadas tomou o poder e tirou a máscara.Logo após o sucesso do golpe de estado, o movimento delegaria o poder - segundo a letra do programa - a uma ?Junta de Salva??o Nacional? ?para a qual estavam já designados a priori os generais Spínola e Costa Gomes?[9]. Mas era do general Spínola que perante a na??o e perante a opini?o internacional era considerado como o chefe do movimento triunfante, que os esquerdistas queriam fazer o seu testa de ferro. O prestígio adquirido em ?frica, sobretudo na Guiné portuguesa como governador desta província, durante o governo de Marcello Caetano, o grande sucesso que teve o seu livro (?ao fechar o livro dirá mais tarde Marcello Caetano – tinha compreendido que o golpe de Estado militar, cuja marcha eu pressentia há meses, era agora inevitável?), e o próprio facto que até Marcello Caetano recusou transmitir o poder a um homem que n?o fosse Spínola, julgando que este era, pelo seu inegável patriotismo, o que melhor podia defender a pátria, em perigo, do desastre comunista, - tudo isso indicava o general Spínola para chefe do movimento.Mas este esbo?o do processo da trai??o n?o apresentaria todas as suas essenciais linhas, se n?o se falasse do que se sabe do comportamento destes dois generais durante os meses e os dias que imediatamente precederam o golpe de estado: o comportamento do general Costa Gomes com a ideia preconcebida da trai??o (os factos confirmaram-na) que vai até romper com o seu maior amigo, o general Spínola; e o comportamento deste último general que, pela sua boa fé, pelas suas lamentáveis fraquezas, pela exagerada confian?a nele próprio e no seu carisma, julgando-se capaz de dominar e controlar finalmente os acontecimentos, deixou-se apanhar nas armadilhas que outros lhe armaram.Dois meses antes do golpe de estado de 25 de Abril, o general Spínola reafirmou a Marcello Caetano que era ?um militar disciplinado que n?o participava em conspira??es nem dava golpes de Estado?; e o general costa Gomes dizia pessoalmente a Marcello Caetano que este devia ?continuar a fazer o sacrifício de estar no governo?. No dia 14 de Mar?o (mês e meio antes do 25 de Abril), o general Costa Gomes aderia, como praticamente todos os oficiais generais que foram pessoalmente prestar fidelidade ao governo, ao princípio que as for?as armadas deviam subordinar-se à realiza??o dos objectivos nacionais fixados pelos órg?os que a constitui??o reconhecia; simplesmente ?tinha relut?ncia em vir publicamente tomar um compromisso em nome das For?as Armadas sem as consultar, muito embora concordando em que o princípio fazia parte da ética militar (mas, argumentava, por isso mesmo n?o era preciso reafirmá-lo)?; e o general Spínola explicava a sua ausência pela ?fidelidade que julgava dever ao seu chefe imediato? que era o general Costa Gomes, chefe do estado-maior general, Spínola sendo o vice-chefe[10].Ora, desde o dia 5 de Mar?o de 1974, para n?o citar sen?o datas incontestáveis ou incontestadas até hoje, Costa Gomes e Spínola estavam já ao corrente do programa do movimento (?a partir desta data iniciava-se um vaivém de cópias do programa para os generais Costa Gomes e Spínola, os quais iam propondo altera??es, depois discutidas pela Comiss?o Coordenadora do Movimento?)[11]; já no mês de Agosto de 1973 ou nos primeiros dias do mês seguinte (oito meses, mais ou menos, antes do golpe de estado militar), o general Costa Gomes informou Marcello Caetano que ele tomara contacto directo com o movimento dos capit?es (nessa altura tratava-se ainda de um movimento de indisciplina mercenária e de reivindica??es profissionais) e que ele lhes assegurara que ?tomaria daí por diante a defesa da causa deles?[12]. Estava-se, ainda longe da politiza??o. E, desde os seus come?os, o movimento (tratava-se ainda, repito-o, de uma indisciplina de tipo mercenário de reivindica??es profissionais) tinha certamente uma liga??o indirecta com Spínola, através de alguns dos seus adeptos que faziam parte do movimento[13].Todas estas maquina??es s?o repugnantes, ainda que se saiba que o general Spínola, ao contrário do general Costa Gomes, tinha os seus escrúpulos: emitindo a sua opini?o sobre as reivindica??es profissionais dos capit?es, o general Spínola n?o deixou de lhes dizer ?que, embora tivessem raz?o, eles estavam a ultrapassar os limites da disciplina militar, na medida em que se tinham agrupado como for?a de press?o da base e até pretendiam formar uma ?Ordem de Oficiais? e fomentar uma ?Associa??o de Sargentos?. Errado - pensava ele - porque, em vez de se acreditar na capacidade de recupera??o da estrutura militar, pretendia-se introduzir um processo de ?reivindica??o sindical? que desarticularia a institui??o?[14]. Era o bom senso.Chegados à fase final da politiza??o do seu movimento de massa - no sentido mais pejorativo do termo -, politiza??o da qual se p?s em evidência a trama, os capit?es teriam hesitado entre o general Costa Gomes, que eles achavam, n?o sem raz?o, mais sensível aos seus fins e que era já o seu conselheiro[15], e o general Spínola[16], para escolherem aquele que seria o chefe do movimento; mas, gra?as ao seu incontestável prestígio e finalmente gra?as ao sucesso que obteve o seu livro ?Portugal e o Futuro?, a escolha caiu no general Spínola.Logo que venceu o golpe de estado militar de 25 de Abril, o general Spínola tornou-se presidente da junta de ?Salva??o Nacional?, e também presidente da república.Proclamou-se aos quatro ventos que as for?as armadas tinham deposto, sem um só tiro, o ?fascismo? em Portugal. Discutir-se-á, mais adiante, o conceito de fascismo; por agora bastará reter a ideia de que o fascismo é um regime totalitário, portanto um regime ditatorial, que, entre outras características fundamentais, tem a seguinte: o regime fascista é sustentado pela for?a das armas que adquirem a preponder?ncia política. P?r-se-á portanto o problema de saber qual era a espécie de fascismo que as for?as armadas depuseram em Portugal, que já n?o dispunha do seguro aparelho militar de que disp?em todos os fascismos, e que come?ara já há muito tempo a esfor?ar-se por p?r o exército à margem da política e do governo da na??o.Está fora de dúvida que o totalitarismo fascista, que se definiu em Itália com Mussolini, exerceu uma grande influência, determinando ?uma série de movimentos e de regimes que, como precisamente os movimentos e regimes democráticos e comunistas, tiveram um t?o grande papel na vida moral, social e política da Europa na primeira metade deste século?[17]. Portugal, onde a revolu??o de 28 de Maio de 1926 instaurou uma ditadura militar, sofreu esta influência durante a administra??o de Salazar (a cria??o das for?as paramilitares tais como a ?Legi?o? e a ?Mocidade Portuguesa? testemunha-a), que se substituiu à ?coliga??o heterogénea, sem programa político preciso? dos vencedores de 1926, cujo ?único acordo era o estabelecimento de um poder forte, garante da ordem, apoiando-se no exército?[18]. Mas, por um caso psicológico e paradoxal para um ?fascista?, Salazar, animado de espírito legalista e cioso do seu poder autoritário pessoal, ainda que tendo apoiado a ditadura nos militares, parecia, ao mesmo tempo, p?-los em segundo plano, pois ele chamava cada vez mais a si a for?a política pela qual ele se tornava o árbitro de um regime paternalista. Com efeito ?a partir da promulga??o da Constitui??o Política de 1933 o Dr. Salazar procurou sempre afastar as For?as Armadas da ac??o política, embora mantendo um militar na Presidência da República como elemento de contacto e como fiador da observ?ncia da doutrina do regime?[19]. Esta estratégia era absolutamente oposta aos métodos fascistas (e comunistas) em que a carreira militar, pelo papel que tem na própria defesa dos regimes fascistas (e comunistas), n?o pode deixar de ser materialmente atraente, bem paga. Havia, certamente, uma polícia política, a ?Polícia Internacional e de Defesa do Estado?, e mais tarde a ?D.G.S.?, mas em caso de oposi??o entre a polícia política e o exército, n?o se pode de maneira nenhuma dizer que este predominava sobre primeira. ? que Salazar contava com o seu prestígio pessoal. O seu sucessor, o prof. Marcello Caetano, levou ainda mais longe a ideia de se n?o apoiar o regime paternalista nas for?as armadas. ?Fora dolorosa - diz no seu livro - a experiência dos dezasseis primeiros anos do regime republicano com constantes interven??es militares na vida pública sob a forma de golpes de Estado e de revolu??es, e os tempos do início da Ditadura n?o tinham deixado melhores recorda??es da ingerência dos quartéis na política. Normalizar a vida cívica do País implicava, pois, necessariamente, a redu??o das For?as Armadas ao seu papel de instrumento ou meio de realiza??o dos objectivos nacionais fixados pelos órg?os a que a Constitui??o desse competência para o fazer?[20].Assim, contrariamente ao que se passa nos regimes comunistas e nos regimes verdadeiramente fascistas, que n?o podem subsistir sem a for?a brutal de um exército ao seu servi?o e, por conseguinte, bem paga, em Portugal a carreira militar tinha deixado de ser atraente; pediam-se aos militares sacrifícios pela pátria, mas n?o se comprava o seu apoio político: ?os jovens oficiais (…) vinham come?ando a n?o entender muito bem por que lhes eram impostos tantos sacrifícios, por que raz?o eram obrigados a combater sem discutir, por que eram mal pagos...?[21]. - ?O exército já n?o constituía uma carreira de promo??o social?. - ?Os seus vencimentos pode?riam acaso comparar-se com os ganhos dos fazendeiros, n?o falando já das grandes companhias (…)??[22]. - ? preciso que o oficial do quadro permanente deixe ?de ser abrangido pela denomina??o de ?funcionário público?, o que é só para efeitos de vencimento-base, que n?o para outro tipo de subsídios (vidé ajudas de custo, previdência, horas extraordinárias, etc.)… Há que acarinhar? aqueles a quem ?se deve a manuten??o do Ultramar?[23]. - ?Eis que aparece também agora (felizmente) a classe de sargentos a lutar pela melhoria da sua situa??o… Há também que resolver urgentemente o grave problema da situa??o das pra?as, nomeadamente no que respeita ao seu vencimento (pré) (…) à assistência e previdência social para as mesmas e respectivas famílias?[24], etc.Todos estes insuspeitáveis textos mostram que a condi??o de vida ou de morte de um regime fascista (ou comunista), isto é, a existência de um exército bem pago, n?o existia já em Portugal, e o governo português tinha-a descurado ao ponto de provocar as reivindica??es profissionais donde saiu o golpe de estado. O próprio carácter militar deste golpe de estado confirma-o. Em 25 de Abril de 1974 n?o havia portanto fascismo em Portugal; o que havia, era um regime que continuava a ser paternalista e n?o se liberalizava, n?o se democratizava até ao pluralismo dos partidos por medo ao partido comunista que, por ideologia, é anti-democrático e anti-liberal: ?Liberaliza??o? -sempre expliquei - diz o jurista Marcello Caetano no seu livro - que a um professor de Direito Público n?o podia deixar de se impor a ideia de governar com respeito das justas liberdades dos indivíduos e dos grupos? mas ?entre quantos reclamam liberdades figuram muitos que as n?o querem sen?o para terem aberto o caminho do poder totalitário que logo as suprimirá?[25]. Os factos confirmaram-no. Pode-se admitir a abertura das institui??es democráticas aos partidos comunistas (e, pelas mes?mas raz?es, aos partidos fascistas) nos países em que os princípios democráticos e de liberdade est?o de tal maneira enraizados na consciência da maioria, que os comunistas (e os fascistas) apenas podem ter um papel de crítica, provavelmente útil e fecundo se se tratar de uma critica no bom sentido da palavra. Quando esta condi??o n?o se verifica, a primeira condi??o para instaurar uma democracia é a de afastar da jovem democracia as for?as políticas que apenas se serviriam dela para a destruir. Claro que ao dizer tudo isto, serei apelidado de fascista pelos comunistas (talvez, também, de comunista, pelos fascistas), mas s?o slogans que pertencem a um certo nível de embrutecimento que caracteriza a crise actual do pensamento ocidental[26].Se o governo do professor Salazar se mantinha gra?as ao seu extraordinário prestígio pessoal, apesar de todas as críticas de que foi alvo, se ele estava politicamente acima de um exército cada vez mais afastado do poder político, mas que, no entanto, defendia o regime em raz?o do grande prestígio do professor de Coimbra, - o governo de Marcello Caetano manteve-se pelo medo que a maioria da na??o tinha do futuro, em face de uma oposi??o muito dominada, ou que parecia muito dominada, pelo esquerdismo. Mas n?o deixemos de acentuar que a maioria acreditava na probidade governativa de Marcello Caetano, mesmo quando n?o se estava de acordo com a sua política. Assim, nas elei??es de 1968 (deputados), o governo de Marcello Caetano obteve uma inegável vitória, reconhecida mesmo por pessoas responsáveis da oposi??o que fizera uma campanha eleitoral abertamente esquerdista e contra a guerra do ultramar[27].N?o quero, de maneira nenhuma, dizer que certas perspectivas de mudan?a política n?o galvanizaram a na??o, quando essas perspectivas lhe pareciam uma democratiza??o e n?o um deslize para o comunismo e o abandono sem dignidade do ultramar; os dois casos mais característicos foram a campanha eleitoral em favor da candidatura do general Humberto Delgado à presidência da república (1958) e o entusiasmo dos primeiros dias que se seguiram ao golpe de estado de 25 de Abril, quando a na??o acreditava ainda na honestidade democrática do movimento, o que quero dizer e p?r em evidência, é que o ?fascismo? português dos primeiros anos atenuara-se, moderara-se progressivamente (sob as influências do pensamento democrático revivificado após a segunda grande guerra), solidificando-se num paternalismo autoritário que, ao mesmo tempo, se esfor?ava por n?o precisar do apoio comprado das for?as armadas habituadas, em Portugal, aos golpes de estado.Esta política seria um beco sem saída se n?o se fizesse apelo ao sufrágio democrático, substituindo e afastando o flagelo dos governos e dos regimes militares. Marcello Caetano fez apelo ao sufrágio; mas havia ainda uma contradi??o entre este apelo ao sufrágio (o de 1968 deu-lhe uma extraordinária vitória, já se disse) e o n?o reconhecimento do pluralismo de partidos. De qualquer maneira, a administra??o de Marcello Caetano levava já nela uma democratiza??o potencial, ou, mais exactamente, o sentido de uma solu??o democrática, e anti-militarista, - portanto, de maneira nenhuma fascista, se n?o se quiser deformar os conceitos[28]. Os espíritos superficiais e facciosos falam, para explicar a facilidade do golpe de estado de 25 de Abril, de um estado fascista ?apodrecido?[29], em vez de falarem de um processo evolutivo que afastara esse estado, cada vez mais, do fascismo. O que estava podre, e tragicamente podre, era o exército; foi por isso que ele n?o soube nem quis apoiar a solu??o democrática de que Marcello Caetano teve medo. ? por isso, ainda, que, tendo transformado um movimento de tipo mercenário num golpe de estado político, as for?as armadas enganaram a na??o; porque, apresentando-lhe um programa democrático aberto a todos os partidos e a toda a discuss?o de ideias, ainda que tendo suas lacunas e seus subterfúgios, as for?as armadas nada fizeram democraticamente; tudo foi feito demagogicamente, como em todos os fascismos ou em todos os comunismos. Aliás o programa ?prestava-se a ser interpretado de diferentes maneiras?; e quando o professor Palma Carlos (chefe do primeiro governo provisório) pediu que se lhe explicasse o sentido da ?estratégia antimonopolista? inscrita no programa (uns entendiam-na no sentido neocapitalista, e os outros prestavam-lhe um matiz comunista), ninguém lho soube explicar claramente[30]. Tratava-se de uma ambiguidade intencional ou de ausência de ideias precisas? Um ponto que os militares golpistas desejavam era o de n?o se permitir partidos políticos, mas somente associa??es ou movimentos políticos que, mais tarde, poderiam dar origem a partidos. ?Este ponto, aliás, é muito claro no Programa?[31]; adivinha-se, aí, a ideia de manter as for?as armadas como árbitro permanente da situa??o política militarista. No que diz respeito à imprensa, à rádio, à televis?o, ao teatro e ao cinema, o programa p?e-nos sob controle das for?as armadas, criando uma comiss?o ad hoc para impedir e punir (o que se fez, indo até à suspens?o ou supress?o de jornais) a ?agress?o ideológica?, isto é, toda a crítica perturbando a opini?o pública, isto é, oposta aos militares e, por conseguinte proveniente (assim se decretava) ?dos meios mais reaccionários?. O programa, querendo parecer democrático, está, no seu conjunto, mal elaborado, cheio de lugares comuns, de enunciados intencionalmente vagos ou incompletos, e demagógicos, de uma esperteza saloia que denuncia bem o fim de fazer dos militares-parasitas os únicos amos e os principais exploradores da na??o e dos trabalhadores explorados num regime totalitário. Mas, sem experiência política e sem cultura política, n?o puderam libertar-se dos partidos (naturalmente dos partidos de esquerda que visavam o totalitarismo) e, ent?o, por sua vez, os militares foram os joguetes destes partidos e das suas rivalidades.Tudo foi traído: o programa e a na??o, a democracia (onde o programa a afirmava), e a pátria (onde a letra parecia patriótica). Durante alguns meses, o general Spínola foi a esperan?a dos portugueses e dos democratas mais sinceros; mas, colocado neste pandemónio ao mesmo tempo trágico, grotesco e carnavalesco, o general chegou ao ponto de sancionar o que ele próprio n?o queria, contra todas as teses do seu livro ?Portugal e o Futuro?, até ao momento extremo em que teve que se demitir de presidente da república.O general Spínola perdeu, assim, o carisma no qual ele próprio demasiadamente confiara; mas teve no meio de toda esta tragédia, o seu momento mais alto, que fez estremecer de emo??o ai maioria da na??o, quando pronunciou o discurso da sua demiss?o, referindo-se à ?maioria silenciosa? que o apoiava. Será que ele é capaz de recuperar o prestígio perdido e colaborar com os melhores portugueses capazes de salvar o que se possa ainda salvar?Em todo este processo de trai??o conduzindo ao 25 de Abril e às suas consequências, é necessário distinguir os militares que bem tiveram consciência da trai??o cometida; os que se deixaram enganar pelas palavras; e os que, sem qualquer convic??o política, teriam continuado a olhar sobretudo os seus interesses ligados a um regime militar gra?as ao qual teriam acesso aos postos principais. A ingenuidade, a fraqueza de carácter e a estupidez de uns, fizeram com que eles fossem pastoreados pela ambi??o e a astúcia dos outros. Mas a História inexorável julgará a todos segundo as suas responsabilidades e dirá quem, entre eles, valerá mais.Acabo de esbo?ar a trama complexa de uma trai??o, sem apresentar todos os detalhes de uma minuciosa investiga??o de historiador, mas coloquei em evidência os aspectos morais essenciais que se quer esconder em Portugal e que a opini?o pública internacional ignora.Os factos, propriamente políticos, que dizem respeito à mudan?a do regime em Portugal, e ao abandono (e sem dignidade) do ultramar português com as popula??es brancas que o fizeram, interpenetram-se; mas foi este último que deu o golpe decisivo na existência histórica de Portugal. Entendo por existência histórica de um país a sua realidade efectiva na História, com a contribui??o que este país deu ou dá à cultura e à civiliza??o. Considerando a dialéctica massa-elite (cap. I) no plano das na??es, direi que uma na??o de existência histórica é uma na??o-elite, contrariamente às na??es-massas às quais falta relevo suficiente e significa??o especial na História. N?o quero dizer que uma na??o-massa n?o possui necessariamente homens-elite capazes de contribuir para o progresso da cultura e da civiliza??o do mundo; mas sem homens-elites que fa?am valer certas circunst?ncias favoráveis, nenhuma atingirá, jamais, o nível de uma existência histórica de na??o-elite. A minha pátria, que tinha uma existência histórica, feita e mantida pela vontade, apenas, dos seus heróis e dos seus grandes homens, foi destruída, ao fim de quase mil anos, pela vontade dos seus pequenos homens, um bando de traidores - os militares de um exército podre, que se recusaram a defendê-la e fizeram o jogo dos seus inimigos.A História mostra-nos que há factos que s?o verdadeiras catástrofes nacionais pela sua repercuss?o psicológica e intelectual nas popula??es dos países atingidos. Trata-se de um traumatismo colectivo resultando de um desnivelamento abrupto, absurdo, irracional (ou tido como tal) entre o que era e o que é, qualquer coisa como uma demiss?o histórica. A queda da Grécia e a queda de Roma, estas duas admiráveis na??es-elites, s?o os dois mais notáveis e irreparáveis casos da história antiga; a dupla queda da Alemanha, após as duas grandes guerras, é um dos exemplos da história contempor?nea; a Alemanha, aliás, dolorosamente e relativamente recuperada, permanece dividida em dois estados. Devo também citar um exemplo muito particular: o de Israel, que sofreu duas catástrofes nacionais, as duas diásporas: a do cativeiro em Babilónia (597-538 a. C.) e a da queda de Jerusalém (70 d. C.)[32]. O caso particular destas duas perdas de existência histórica como estado, é que Israel subsistiu (como povo judeu - ainda que disperso, fragmentado - por causa da for?a religiosa que, desde as suas origens, cimentara o estado) e sobreviveu a estas duas catástrofes. Daí surgiu o sionismo, movimento para a restaura??o de um estado judaico, que foi finalmente criado em 1947 (estado de Israel)[33]. As causas destas catástrofes nacionais podem portanto ser de diferentes naturezas, de diferentes extens?es e profundidades, as consequências variando, umas reversíveis e outras irreversíveis; cada na??o terá a sua catástrofe, que é a perda da sua existência histórica, no quadro de um conjunto de elementos étnicos, históricos, geográficos, etc., que explicavam a sua existência como na??o e estado político.A existência histórica de Portugal come?ou com os descobrimentos e manteve-se pela coloniza??o, bem caracteristicamente portuguesa, do ultramar (cap. III). N?o se quer dizer que esta existência histórica terminaria, mais ou menos, tarde, com a independência das províncias portuguesas, no fim do processo normal da coloniza??o. Já falei de uma autodescoloniza??o no próprio seio da coloniza??o portuguesa, da qual tornarei a falar no capítulo seguinte. A independência do Brasil, antiga colónia portuguesa, n?o foi, de maneira nenhuma, para Portugal, uma catástrofe. Foi uma autodescoloniza??o. Com suas incontestáveis repercuss?es económicas, criando problemas, ela tinha toda a lógica, toda a racionalidade do que, nos come?os do capítulo III, falando do conceito de pátria, considerei como a transferência do conceito-sentimento de pátria, pelo qual os portugueses criavam um novo Portugal, um segundo Portugal, e pelo qual Portugal, do ponto de vista ampliado da sua cul?tura, da sua civiliza??o e da sua miss?o cultural e civilizadora, se prolongava e se revia na própria independência do Brasil. O recente estabelecimento de uma cidadania luso-brasileira reconhecida pelas duas constitui??es do Brasil e de Portugal (antes, claro, do golpe de 25 de Abril), prova-o de maneira notável: os portugueses no Brasil tendo os mesmos direitos e deveres que os cidad?os brasileiros, reciprocamente, os brasileiros em Portugal têm os mesmos direitos e deveres que os cidad?os portugueses. N?o sei se haverá caso idêntico na história das outras na??es. Pode-se verdadeiramente falar de uma comunidade da língua e da cultura portuguesa, transatl?ntica.A trai??o do movimento das for?as armadas, que fez o 25 de Abril, impediu, para as províncias portuguesas de ?frica, a continua??o deste espírito especificamente português bem marcado pela sua coloniza??o autodescolonizadora.Os militares do golpe de estado, e os seus cúmplices ou comparsas comunistas e socialistas, divulgaram, em Portugal e no estrangeiro, que a guerra no Ultramar estava perdida, e para sustentarem essa horrível mentira, invocaram até o general António de Spínola. ? falso: o general Spínola nunca escreveu tal coisa. Num dos seus livros publicado em 1972, escreveu: ?Numa guerra deste tipo de guerrilha, as for?as da ordem ganham-na se a n?o perderem, assim como a subvers?o a perde se a n?o ganhar?, e alguns meses antes do golpe de estado, no seu livro ?Portugal e o Futuro?, escreveu: ??s For?as Armadas apenas compete, pois, criar e conservar pelo período necessário - naturalmente n?o muito longo - as condi??es de seguran?a que permitir?o solu??es político-sociais, únicas susceptíveis de p?r termo ao conflito?. A verdade é que nas vésperas do golpe de 25 de Abril de 1974, isto é, ?no dia 24 de Abril de 1974, o terrorismo em Angola parecia definitivamente esmagado. A F.N.L.A. - que sucedeu à U.P.A. de sinistra memória - agonizava em pequenos redutos montanhosos do Congo, abandonada pela popula??o, vivendo de abastecimentos e municiamentos que à custa de dificuldades sem conta o Zaire lhe fazia chegar às m?os. No Leste, pouco povoado, fugindo à animosidade da popula??o local e às for?as do exército, a U.N.I.T.A. [outro movimento terrorista] arrastava-se de floresta para floresta mercê do auxílio que recebia da Z?mbia. O M.P.L.A. [um terceiro movimento terrorista, comunista] tinha umas centenas - a custo uns escassos milhares - de simpatizantes na cintura industrial de Luanda.Angola era, ent?o, um grande país, pacífico, próspero e muito rico, em que as popula??es de todas as cores e etnias confiavam firmemente nas for?as armadas a que tinha sido entregue a sua defesa.Logo após o 25 de Abril, porém, as fronteiras foram franqueadas ao inimigo, os europeus e movimentos que lhes eram afectos foram desarmados, e permitida a livre entrada de tropas e armas para os movimentos terroristas ao mesmo tempo que se determinava, unilateralmente, um cessar fogo que, no dizer de um dos mais proeminentes vultos do movimento, correspondia a renunciar a ganhar a paz aceitando perder a guerra.Nessa altura a F.N.L.A. passou a ser abertamente abastecida e municiada pelo Zaire, pelos Estados Unidos e pela China, a U.N.I.T.A. pela Z?mbia e pela China. O M.P.L.A. - comunista - passou a ser abastecido pelas for?as armadas portuguesas e pelos países comunistas?[34].Tudo se passou ao mesmo nível de trai??o na Guiné portuguesa e em Mo?ambique, e, de uma maneira mais discreta, ainda que com a mesma significa??o no plano moral, em Cabo Verde e em Timor[35], como em S. Tomé e Príncipe (territórios onde nem sequer havia guerra).Reduzindo abruptamente Portugal a um pequeno território da Península Ibérica, arrancando-lhe o mundo geográfico da sua miss?o cultural e civilizadora, os militares traidores provocaram o traumatismo nacional da sua demiss?o histórica, o fim da sua existência histórica, em duas palavras; o fim histórico de Portugal.Vários partidos políticos portugueses associaram-se plenamente a esta trai??o: os partidos comunistas e o partido socialista. Eles devem ser devidamente estigmatizados. Outros partidos, praticamente calaram-se perante esta trai??o: devem ser também devidamente chamados ao julgamento da História.---------------------Notas:[1] No original francês: ?Traduz-se livremente o provérbio português: ?querer galinha gorda com magra algibeira?, que corresponde à locu??o: ?point d’argente, point de suisse?, – locu??o que vem das tropas mercenárias suí?as, no tempo em que os governos estrangeiros as obtinham pagando-as com dinheiro?.[2] Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, O Movimento dos Capit?es e o 25 de Abril (Lisboa, Moraes, 1975), p.332-n.[3] Sanches Osório, El enga?o del 25 de Abril en Portugal (Madrid, Sedmay Ediciones, 1975), p. 23.[4] Documentos difundidos no mês de Julho de 1973[5] Anexo à circular de 23 de Outubro de 1973[6] Exposi??o dos capit?es da Guiné portuguesa, datada de 28 de Agosto de 1973 e dirigida ao presidente da república (Américo Tomás), ao presidente do conselho (Marcello Caetano) e a outros membros do governo. A palavra ?perenidade?, no texto, refere-se, para ter um sentido, à palavra ?Na??o? e n?o a ?conflito?. Os actuais militares portugueses vindos dos cadetes da academia militar, n?o sabem, em geral, escrever.[7] Vid. entrevista de Otelo Saraiva de Carvalho in ?Expresso? (Lisboa, 27 de Julho de 1974).[8] Sanches Osório, ibid., pág. 25.[9] Id., ibid., pág. 50.[10] Marcello Caetano, Depoimento (Rio de Janeiro - S?o Paulo, Record, 1974), pág. 202.[11] A. Rodrigues, C. Borga, M. Cardoso, O Movimento dos Capit?es e o 25 de Abril (Lisboa, Moraes, 1975), pág. 19.[12] Marcello Caetano, Depoimento (Rio de Janeiro - S?o Paulo, Record, 1974), p. 187. - O livro do prof. Marcello Caetano, do qual eu tiro estas notas, respira a verdade dos factos e a honestidade. Raramente um vencido escreveu um depoimento t?o sereno como o do prof. Marcello Caetano; n?o contém uma única palavra onde transpare?a ódio contra os seus adversários; a palavra mais dura que aí se pode encontrar é a que se refere ao secretário-geral do partido socialista português: era ?um apagado advogado… Mário Soares, de seu nome, n?o representava grande coisa no País - salvo a influência das for?as estrangeiras que o manobravam?. Depoimento é um livro cheio de interesse histórico escrito por um verdadeiro português e patriota: n?o se o pode negar, se se quiser ser honesto, mesmo que n?o se esteja de acordo com as ideias políticas do seu autor.[13] A. Rodrigues e outros, ibid., p. 269. - Este livro é perfeitamente favorável ao movimento reivindicativo dos capit?es, mas o que importa s?o a exactid?o das datas e a objectividade dos factos para uma interpreta??o objectiva.[14] A. Rodrigues e outros, ibid., pág. 273.[15] Id., ibid., pág. 274.[16] Id., ibid., pp. 333-4.[17] Renzo De Felice, Comprendre le Fascisme, trad. do italiano por Marc Baudouy (Paris, Seghers, 1975), pág. 25.[18] Albert-Alain Bourdon, Histoire du Portugal (Paris, P.U.F., 1970), pág. 116.[19] Marcello Caetano, ibid., p. 202.[20] Marcello Caetano, ibid., p. 202.[21] A. Rodriguese outros, ibid., pp. 306-7.[22] Id., ibid., p. 349.,[23] Exposi??o-tipo elaborada, em 1973, por vários oficiais e que foi assinada e apresentada por centenas de oficiais.[24] Circular do movimento (Outubro de 1973) n?o difundida por raz?es estratégicas (A. Rodrigues e outros, ibid., pp. 325-6).[25] Marcello Caetano, ibid., p. 69.[26] ?…O termo fascista foi utilizado duma maneira cada vez mais geral e sem discrimina??o. Foi utilizado para descrever o único regime de tipo fascista saído indemne da guerra, o regime franquista em Espanha… Mas também foi utilizado para definir o regime de Salazar em Portugal e o de Peron na Argentina… Come?ou-se a falar de um renascer do fascismo após 1958 e a vinda, de novo, ao poder de De Gaulle em Fran?a… Durante a guerra fria, mas mais recentemente ainda, o movimento comunista, os Soviéticos e os Chineses qualificaram como fascista mais do que um aspecto da política dos Estados Unidos e dos seus aliados. Numerosos s?o os que também apelidaram de fascistas certos governos, especialmente da América latina, que, no entanto, seguiam mais o exemplo do conservantismo tradicional e que, além disso, participavam da experiência histórica particular destas regi?es. O mesmo se dirá do regime dos coronéis e dos generais na Grécia. Os Chineses, por sua vez, falaram recentemente da Uni?o Soviética como de um Estado ?social-fascista?… Neste clima, nasceu a exigência - científica e prática -, proveniente de vários lados, desde há alguns anos, n?o apenas de p?r fim a este uso indiscriminado e deformante do adjectivo fascista (houve mesmo quem propusesse, paradoxalmente que se o banisse pelo menos temporariamente do nosso vocabulário), mas também de procurar estabelecer definitivamente o que se deve entender por fascismo…?. - Renzo De Felice, Comprendre le Fascisme, trad. do italiano por Marc Baudouy,Paris, Seghers, 1975), pp. 16-8.[27] ?Nos meus papéis havia fotocópias de declara??es espontaneamente redigidas e assinadas pelos representantes das listas de oposi??o em certas assembleias a congratular-se com a forma correcta como tudo tinha decorrido. Lembro-me de que uma dessas declara??es tem a assinatura do Prof. Lindley Sintra... Conversei nos dias que se seguiram à elei??o com vários elementos da oposi??o: todos reconheceram a vitória do governo e que o acto eleitoral havia sido o mais correcto de quantos, até aí, haviam visto em Portugal sob qualquer regime? (Marcello Caetano, ibid., pp. 60-1). Das elei??es de 1973, as últimas que se realizaram sob a administra??o de Marcello Caetano, é inútil falar, porque a oposi??o desistiu, no último momento, de ir às urnas.[28] O regime deposto n?o deixou nunca de fazer a corte aos intelectuais da oposi??o que, sem abdicarem das suas ideias, n?o se mostraram insensíveis. Os escritores José Régio, Miguel Torga, Domingos Monteiro, Armindo Rodrigues, Tomás de Figueiredo e Fidelino de Figueiredo n?o recusaram os prémios literários que o jornal considerado ?fascista? ?Diário de Notícias?, abertamente salazarista e, depois, marcellista, lhes atribuiu. Fidelino de Figueiredo foi mesmo condecorado pelo governo. Os escritores Domingos Monteiro, Sofia de Melo Breyner e David Mour?o-Ferreira (este teve mesmo uma situa??o de relevo na rádio nacional) receberam prémios literários do secretariado nacional de informa??o (?S.N.I.?) que dependia directamente da presidência do conselho do Regime deposto. Creio que nunca se viram tais casos num regime fascista.[29] A. Rodrigues e outros, ibid., p. 15.[30] Sanches Osório, El Engano del 25 de Abril en Portugal (Madrid, Sedmay Ediciones, 1975), p. 53.[31] Id., ibid., p. 53.[32] A na??o judaica teve uma existência histórica incontestável no seu mundo semítico, levando-lhe a elabora??o monoteísta perfeita de um Deus pessoal e criador, com enormes consequências morais, sociais e políticas. O cristianismo introduziu e manteve este monoteísmo semítico no mundo ocidental, o que, de uma certa maneira, actualiza e confirma a import?ncia da existência histórica que teve a na??o judaica.[33] A ignor?ncia deste facto psico-histórico pode fazer valer, no seio da ?O.N.U.? (organiza??o em que as palavras dominam os conceitos), a tese de que o sionismo é um racismo e que, por conseguinte, Israel deve ser expulso da ?O.N.U.? (onde o racismo n?o seria admitido). Ora, o sionismo n?o p?e nenhuma rela??o de discrimina??o racial agressiva, nem mesmo desdenhosa, entre o povo judeu e os outros; ele apenas p?e uma rela??o interna entre a sua etnia e a sua religi?o, e que foi, precisamente, uma resposta defensiva aos racismos de que o povo judeu foi vítima através dos tempos. A campanha anti-sionista, levantada na ?O.N.U.?, ignorando a especificidade histórica do facto judaico, e pretendendo isolar Israel, é um novo aspecto do racismo anti-semita. - Estará o sionismo fora de toda a crítica? De maneira nenhuma.[34] A longa transcri??o que fiz, é um texto tirado do ?Jornal Português de Economia & Finan?as? (Lisboa, 1-15 de Outubro de 1975). Esta notável publica??o, muito bem informada, dirigida por A. Valdez dos Santos, é uma leitura obrigatória para todos os que se interessam pela história do desmoronamento de Portugal, e que procuram um juízo corajoso e sério dos factos; isto já levou esta revista a ter sido suspensa e condenada a uma pesada multa por ?agress?o ideológica? contra as for?as armadas.[35] No momento em que estou a escrever estas linhas, tudo se precipita na província de Timor. - O governo português apoiara decididamente o movimento comunista minoritário formado em Timor, opondo-se à ?U.D.T.? (que defendia uma liga??o com a m?e-pátria). O governo provincial acabou por abandonar um território que estava ainda debaixo da soberania portuguesa, deixando atrás de si a guerra civil. Os traidores e os covardes que fizeram o 25 de Abril já conseguiram ver a Indonésia ocupar o Timor português.In ................
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