TELETEATRO



Teleteatro

Audácia e Criatividade numa TV Incipiente

Maria Cristina Brandão de Faria*

> Formato inicial da televisão ao vivo, o teleteatro foi nos anos 50, o gênero de ficção que levava prestígio aos canais, fazia sucesso entre os críticos e era bem recebido pelo público. No Rio de Janeiro, Sérgio Britto transformaria o seu Grande Teatro Tupi num paradigma desse tipo de espetáculo televisivo. Reunindo profissionais talentosos do rádio e do teatro brasileiros, os teleteatros funcionavam como uma espécie laboratório ficcional de televisão. Criaram as bases estruturais do desconhecido universo da linguagem televisiva.

1. O Teatro Chega à TV

O desenvolvimento industrial brasileiro, que se estendeu pelos governos Dutra e Getúlio Vargas iria culminar na euforia dos anos JK. A chegada da televisão, em 18 de setembro de 1950 em São Paulo, faria parte de um projeto de progresso e modernização do país. Com a entrada no ar da primeira emissora de TV da América Latina, a PRF-3 TV Tupi-Canal 3 de São Paulo, acreditava-se que a passagem do Brasil para a modernidade fora definitivamente conquistada.

Os conceitos que se formaram, na época, sobre a televisão, eram de “um invento miraculoso” que combinava a “complexidade do cinema com a do rádio e do teatro” criando uma “nova modalidade de arte”. Dizia-se que seus estúdios assemelhavam-se aos do cinema, com suas câmeras, refletores, cenários e toda uma aparelhagem mágica, ultra complicada para o leigo. Estas eram opiniões de pseudo “connaisseurs” expressas com aparente profundidade. Mas, de fato, a televisão surgia como uma incógnita para os primeiros profissionais que a ela se filiavam e os boquiabertos telespectadores1.

Assis Chateaubriand, então proprietário dos Diários e Emissoras Associados, cadeia de estações de rádio, jornais e revistas, e personagem central dessa aventura - isto é, inaugurar a TV no Brasil -, fazia parte de um grupo de empresários apontados como os capitães da indústria da década de 50, que tinham em comum o fato de estenderem seus empreendimentos à cultura. Em 1949, Francisco Matarazzo Sobrinho e o então engenheiro italiano Franco Zampari, criaram uma Hollywood tropical, a Cia. Cinematográfica Vera Cruz, que produzia um “cinema de oposição às chanchadas da Atlântida”2 no Rio de Janeiro. Em 1951, era inaugurada a Bienal de São Paulo, inspirada na Bienal de Veneza, outra iniciativa que tentava colocar o Brasil em compasso com o que acontecia nas artes no exterior. O Teatro Brasileiro de Comédia, criado dois anos antes pelo mesmo Zampari, foi contemporâneo de outras manifestações culturais resultantes de investimentos empresariais, como a fundação do Museu de Arte de São Paulo (1947) e do Museu de Arte Moderna (1948). Assim, a televisão passaria também a integrar a mesma miragem de um empresariado que desejava ver o país moderno, dono de suas próprias “máquinas de fazer sonho”.

A TV, nos seus primeiros anos, alcançaria um público muito reduzido. Os dados do censo de 1950 confirmam as condições estruturais pouco favoráveis à instalação de veículo tão sofisticado, que demandava infra-estrutura complexa e amplos mercados. A população do país neste ano era de 51 milhões, 944 mil e 400 habitantes, 63, 8% vivendo na zona rural, restando aos centros urbanos menos de 20 milhões, magnetizados pelo sucesso do rádio e pelo carisma do cinema, que nessa época arrastava multidões às salas de exibição3.

Mas a fabricação de televisores nacionais, em 1951, da marca Invictus, chegava para competir no mercado com as tradicionais marcas estrangeiras importadas por privilegiados telespectadores. Devemos levar em consideração o fato de que numa sociedade subdesenvolvida, determinados setores da indústria da cultura popular de massa são vistos como sinal de “status”, notadamente, nos anos 50, momento em que se constitui uma sociedade moderna incipiente. O produto nacional mais barato, ampliaria, por sua vez, o consumo de aparelhos de TV.

Aliando-se à vontade empresarial de dotar a TV de uma aura cultural e artística aos anseios de um telespectador seleto nada mais adequado do que uma programação em que o formato teleteatro começasse a se destacar como principal programa a ser oferecido ao público. O teleteatro nasce com a televisão brasileira e vai se tornar durante toda a década de 50, seu principal programa ou o “cartão de visita” das emissoras. A arte teatral, tomada como modelo da cultura burguesa, a princípio afirmaria o domínio cultural de uma elite dominante. A análise de Renato Ortiz é reveladora quando ele observa a programação na sua totalidade:

O conhecimento que possuímos hoje mostra que a década de 50 foi marcada por uma série de improvisações e de experimentações na área da programação televisiva que ainda buscava sua estrutura definitiva. Decorre desta fase de experiências a possibilidade de contarmos com programas e visões diferenciadas no seio da mesma instituição. Numa sociedade de massa incipiente, a televisão opera, portanto, com duas lógicas, uma cultural, outra de mercado, mas como esta última não pode ainda consagrar a lógica comercial como prevalecente, cabe ao universo da chamada alta cultura desempenhar um papel importante na definição dos critérios de distinção social4.

Uma televisão que seguia engatinhando, sem uma escola que não a da experimentação, a idéia de se realizar um teleteatro surge, ao nosso ver, em decorrência lógica dentro do processo evolutivo da programação. Todavia podemos observar que, de maneira ainda tímida, outros gêneros de programas sucediam-se no vídeo: musical, filme, humorismo, jornalismo e novelas. E meio à uma hesitante e ingênua programação, as experiências com o teleteatro iriam prosse-guir, como veremos, chegando-se à consolidação do gênero na metade da década.

Porto e Silva aponta em sua pesquisa sobre os teleteatros paulistas, a data de 21 de maio de 1951 em que pela primeira vez a televisão levava ao ar um espetáculo teatral que se encontrava em cartaz no Teatro de Cultura Artística, em São Paulo. Trata-se da peça “Professor de Astúcia” de Vicente Catalano5, que inaugurava uma série de apresentações de grande envergadura, às segundas-feiras, dia da semana que se consagraria como vitrine das melhores produções de nossos teatros. A semente germinando resultaria no importante Grande Teatro Tupi das segundas-feiras. Esses teatros televisionados, se comparados ao resto da programação do período, representavam uma lógica que contrastava com o puro e simples divertimento ou maximização da audiência6. Traziam, portanto, à televisão uma preocupação cultural e um prestígio que se fundamentava na consagração das obras clássicas, o que conferia ao próprio meio televisivo uma aura artística que os programas humorísticos e as novelas não possuíam.

Em São Paulo, a TV Tupi passou a contar no elenco do seu Grande Teatro, com atores como Procópio Ferreira, Maria Della Costa, Madalena Nicol, Sérgio Britto, Cacilda Becker etc. As poucas pesquisas de audiência que existiam para a cidade de São Paulo indicam que os melhores programas do canal 3, eram seus teleteatros. A novela, que naqueles anos somente seria transmitida duas vezes por semana, em capítulos de 20 a 30 minutos cada, seguia o mesmo estilo radiofônico herdado da radionovela, com enredos melodramáticos e folhetinescos sendo percebida pelos profissionais da época como um gênero menor durante toda a primeira década da nossa televisão. Enquanto isso, o teleteatro continuava crescendo independente da penetração dos “enlatados” americanos que já chegavam à nossa TV. Apesar das peculiaridades regionais das estações, todas as emissoras tinham em comum os teleteatros, exibidos em diversos horários e em vários dias da semana, divididos entre clássicos (os que exibiam textos de maior envergadura) os do gênero policial, os românticos ou açucarados (temas femininos mais leves) ou até os de suspense ao estilo grand-guinol (como o Câmera UM, um sucesso no Rio de Janeiro).

2. Laboratórios de Ficção

Quando o teatro foi introduzido na TV, as técnicas utilizadas lembravam os primórdios do cinema, com câmeras colocadas numa boca de cena transmitindo peças que estavam em cartaz nos teatros. Este esquema provou a incompatibilidade que havia entre os primeiros profissionais que faziam a televisão, (quase cem por cento oriundos do rádio) com o novo veículo. Os atores, por sua vez, interpretavam à maneira do palco e muitas vezes, ficavam caricatos na televisão. Por isso, alguns produtores passaram, paralelamente, a instituir um outro tipo de programa onde o objetivo maior era o de adequar novas formas de representação teatral à TV. Walter George Durst foi um deles. Produtor e diretor do TV de Vanguarda, principal teleteatro paulista que surgiu em 1952, introduziu a decupagem da narrativa, e começou adaptando roteiros de cinema para a televisão. Seu depoimento é sugestivo:

Nós não tínhamos noção nenhuma de linguagem de TV, ficamos livres e sem modelos. Prá nós foi um campo maravilhoso de experiências. E me lembro da frase de Orson Welles: Mas pra que serve a TV? Para experiências. Então começamos a experimentar. Com que sentido e com que critérios? Tudo de cinema que tínhamos na cabeça. Eu era metido a fazer roteiro de cinema. Já tinha feito para a Vera Cruz e Multifilmes. Então a gente acreditava que a transposição de filmes para a TV ou de um romance como “Calunga”, por exemplo, de Jorge de Lima, seria possível. Às vezes tinha uma hora e meia ou duas de duração, ao vivo, de quinze em quinze dias. Nós tivemos que movimentar as câmeras, e de que forma essas câmeras iriam registrar isso e passar pro ar um filme que estávamos imaginando? Então descobrimos a beleza de uma câmera em movimento, surgiu o primeiro esquema de colocar a câmera para não pular o eixo, porque o pulo do eixo é fatal. Tínhamos que aprender tudo isso. Mas houve tempo. O TV de Vanguarda ficou doze anos sob minha direção. Nos meus scripts eu fazia todas as indicações de direção7.

Os primeiros espetáculos levados ao ar pelo TV de Vanguarda foram, portanto, adaptações de filmes famosos, anteriormente feitas por Durst para o programa radiofônico Cinema em Casa. A maioria era de histórias filmadas pela Universal, Columbia e Warner. Todo o pessoal da televisão e por extensão, do rádio foi submetido a uma exercício laboratorial de como se fazer televisão em todos os níveis, isto é, do artístico ao técnico. Os atores foram orientados a falar baixo, conscientes da presença do microfone; saber qual a câmera que os estava focalizando; não se movimentar demais quando em close e muitos detalhes hoje já tão banais mas que na época eram novidades. Estes artistas eram obrigados a decorar textos enormes em poucos dias. Sabiam que, no teatro, o ator tinha que ter boa voz, articular corretamente as palavras, evitar virar as costas para o público e apresentar-se com boa maquiagem para que sua fisionomia fosse percebida pelo espectador da última fileira. Agora, na televisão, a proximidade do ator com o Primeríssimo Plano permitia distinguir os mais leves movimentos de seus músculos faciais. Aprendia-se também, comparando a TV ao cinema, que o sentido dramático não se localizava em cada plano, mas no conjunto de planos8. Por outro lado, o anedotário da televisão ao vivo, como testemunham os que viveram aquele período, é constituído de casos insólitos. São atrizes que entravam em cena gordas e saíam magras, pois colocavam roupas sobre roupas por não terem tempo de trocá-las em cena; improvisações de atores que esqueciam o texto; cenários que despencavam, cabos de câmeras que se entrelaçavam; papéis presos por todos os cenários onde os atores colavam uma espécie de “ponto” (a chamada “dália”) para os textos mal decorados e assim por diante. No fundo, esta alta taxa de anacronismo pode ser compreendida quando contraposta à precariedade tecnológica, financeira e empresarial. O improviso porém possuía uma outra dimensão: a da criatividade que, ao nosso ver, norteou a televisão que era feita nos anos 50. A dinâmica nos bastidores exigia competência, agilidade e imaginação.

Logo após o programa, no domingo como conta Walter Durst, o produtor tinha três ou quatro dias para procurar um novo texto. Na quinta-feira, entregava a adaptação (teatro, filme ou romance) à mecanografia para ser datilografada e rodada nas copiadoras. No sábado, distribuía as cópias para o elenco e o restante da equipe. Na segunda-feira seguinte começavam os ensaios arrastando-se entre uma atividade ou outra dos atores (ainda ligados a programas de rádio). Os cenários eram montados na sexta-feira, da segunda semana, depois das dez horas da noite, chegando a ocupar, nas grandes produções, três estúdios e obrigando a interdição deles em detrimento do resto da programação. Muitas vezes, os cenários só ficavam prontos no domingo à tarde, quando então seriam feitos os últimos ensaios, agora sim, com as câmeras. Estas, por sua vez, pesavam 70 quilos (contra menos de 10 das atuais) ainda sem a lente zoom. A troca das lentes era feita no momento da transmissão da telepeça, a maioria ambientada em estúdios e cenografia limitados, pois não havia cenas externas.

Apesar dos atropelos trabalhava-se com seriedade e buscava-se levar ao público espetáculos bem cuidados como registra a imprensa de um modo geral. A crítica estava atenta a qualquer deslize que ocorria nas transmissões mas enfocava sobretudo o apuro de alguns trabalhos televisivos:

Está provado que o gênero de maior penetração, na TV, é mesmo o do teatro. Especialmente quando bem feito, meticuloso em detalhes, estritamente funcional e apresentando linguagem fácil. Com esses fundamentos, seu êxito é imediato. O TV de Vanguarda, está nesse caso. Tem intérpretes de primeira, “scripts” do melhor quilate e um diretor que entende do assunto, inclusive a técnica dos cortes e manejamento das câmeras. Assim aconteceu com a representação de ‘Desencanto’, de Noel Coward, admiravelmente vivida por Laura Cardoso e Dionísio Azevedo nos principais papéis.(REVISTA DO RÁDIO, 28 set 1957).

Os pioneiros do novo veículo desvelavam lentamente um processo artístico de se fazer televisão, uma maneira de encadear as imagens e dominar a técnica em benefício da narrativa. E esse aprendizado se dava no interior dos teleteatros.

A exemplo de Durst, os homens que passariam a comandar a ficção televisiva não negam a influência do cinema e suas leis próprias, sua sintaxe, seus sinais de pontuação, suas metáforas e seu vocabulário. Incorporava-se a linguagem cinematográfica aos limites da tela pequena. Como no cinema, a descoberta da movimentação da câmera ampliou as possibilidades das telepeças, libertando-as das convenções teatrais, sem, contudo, negar a influência do teatro no jogo dramático da televisão, e ainda na reprodução de quase todo seu repertório. Os espetáculos feitos ao vivo, com supremo esforço, solidificavam aos poucos uma experiência totalmente nova que só veio perder o seu élan, a sua força, e todo aquele vigor criativo, com a chegada do videoteipe nos anos 60, quando a racionalização da programação submetia-se a um público maior de telespectadores. A televisão foi se popularizando como veículo, diluindo simultaneamente aquela abertura inicial como forma de arte.

3. Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro

Depois de dirigir e atuar em teleteatros paulistas ao lado de Antunes Filho e Flávio Rangel ao mesmo tempo que integrava o elenco do TBC, Sérgio Britto voltava ao Rio, em 1956, para um temporada teatral. Na capital, iria liderar a produção do mais importante teleteatro carioca ao lado de Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Nathália Timberg, Aldo de Maio e Ítalo Rossi - um grupo de atores que fez a história do teleteatro da TV Tupi do Rio de Janeiro. Nas suas memórias registradas ao completar 50 anos de teatro, Britto relata:

Partimos para o Rio onde devíamos estrear no Ginástico com “ A Casa de Chá de Luar de Agosto”. Chegando ao Rio soubemos que Celli havia abandonado na Tupi carioca um programa chamado Grande Teatro, por motivo de estafa. Fui conversar com o Guilherme Figueiredo, diretor geral da emissora, e foi nesse dia que começou o Grande Teatro que, naqueles tempos, diziam do Sérgio Britto, embora eu sempre o tivesse considerado, antes de tudo, um trabalho de equipe em que cada um de nós colaborou com muito amor e por que não dizer, com muito talento também9.

Na verdade, Adolfo Celli, Paulo Autran e Tônia Carrero há alguns meses encenavam uma peça ao vivo, toda semana, na TV Tupi carioca e estavam deixando a emissora pelo acúmulo de compromissos com a Companhia teatral da qual faziam parte, além é claro, das dificuldades de infra-estrutura que enfrentavam na emissora. Mas o jovem e ousado Sérgio Britto, aos 32 anos, não se intimidou com o quadro de dificuldades apresentado pela emissora.

O Guilherme me perguntou se eu seria capaz de montar duas peças por mês e eu respondi que se conseguisse reunir gente de gabarito poderia apresentar uma peça diferente por semana. O Guilherme meio discrente concordou. No início eu revesei com o Sérgio Cardoso, que tambvém tinha um grupo. Pois bem, durante seis anos dirigi o Grande Teatro, sem falhar uma única vez. Na Tupi ficamos de 1956 a 1962; de 1962 a 1964 fizemos o Grande Teatro na TV Rio; e em 1965, na TV Globo, quando ela estava começando10.

O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro iria sofrer também dos mesmos atropelos, falhas técnicas, improvisos, que marcaram toda a década de programação ao vivo não só aqui, mas no exterior também. Sabemos que, entre 1945 e metade da década de 50, toda a teledramaturgia americana era produzida ao vivo. Nos estúdios da CBS, em Nova York, os profissionais viviam situação análoga à brasileira. Podemos citar como exemplo, o Playhouse 90, teleteatro escrito e dirigido por Rod Sergling, que defende o lado criativo e envolvente da época:

Havia algo da magia do teatro em se escrever para a TV ao vivo, os horários apertados, os prazos curtos, os erros, as falas esquecidas, mas com aquela maravilhosa comoção que acompanha uma estréia na Broadway. Não podia ser menos que literalmente, excelente11.

Os espetáculos do Grande Teatro iam ao ar às segundas-feiras (único dia que os atores não tinham apresentações nos teatros) à partir das dez horas da noite, sem hora para terminar. Os ensaios eram feitos durante a semana, numa salinha alugada pela emissora, na rua Siqueira Campos, em Copacabana, sempre tardios, isto é, o elenco se reunia após as apresentações das peças nos teatros. Fernanda Montenegro e Nathália Timberg passariam a protagonizar todas as telepeças do Grande Teatro e o simples anúncio de seus nomes nos jornais era motivo de audiência garantida. A revista Radiolândia, que comentava os bastidores do rádio e da televisão, seria uma das primeiras a reconhecer a popularidade que o programa conquistava junto aos telespectadores cariocas e na edição de 10 de novembro, de 1956, publicaria a primeira grande reportagem sobre o Grande Teatro Tupi, assinada por Souza Lima, com o título “Vitorioso o Grande Teatro da TV Tupi”. O jornalista apontava como um dos fatores de sucesso do programa a atuação “do conjunto de Sérgio Britto”, referindo-se à sua equipe. Além dos atores fixos, os espetáculos eram dirigidos por Flávio Rangel, Fernando Torres e pelo próprio Sérgio Britto. Manoel Carlos encarregava-se das adaptações dos textos que iam ao ar. Os cenários eram de Pernambuco de Oliveira, a direção de TV, de Mário Provenzano e a sonoplastia muito elogiada, ficava a cargo de Rúbio Freire. Ao grupo que veio de São Paulo juntaram-se outros atores como Aldo de Maio, Zilka Salaberry, Cláudio Cavalcanti, Francisco Cuoco e Norma Blum além, é claro, de inúmeros “convidados especiais” que fizeram participações inesquecíveis no programa. Entre eles podemos citar, Sérgio Cardoso, Glauce Rocha, Teresa Austregésilo, Carminha Brandão, Labanca, Fábio Sabag, Sady Cabral, Mário Lago, Berta Zemmel, Monah Delecy etc.

Ao contrário do TV de Vanguarda, o Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro mantinha, como vimos, um elenco basicamente composto de atores vindos do teatro, e seu repertório se pautava na grande maioria, em clássicos da dramaturgia, encenando autores como Ibsen, Tennessee Williams, Pirandello, Bernard Shaw, O’Neill, Lorca, Somerset Maughan, Górki (o Grande Teatro não ousa nenhum Shakespeare), Jorge de Andrade, Nelson Rodrigues e outros. Eram apresentados ainda, muitos espetáculos baseados em romances de Oscar Wilde, Dostoiévsky, Balzac, Goethe, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Jorge Amado e outros, filmes famosos (produções realizadas a partir de roteiros de Walter Durst, do TV de Vanguarda) e telepeças americanas. O testemunho de Manoel Carlos quando fala das adaptações que fazia para o teleteatro é sugestivo:

Não havia um rigor muito grande. Normalmente a idéia partia de quem fazia a adaptação, normalmente eu. Eu sempre me interessei por literatura e sugeria: “Vamos fazer isso do Dostoiévsky, ou isso de Balzac, ou Maupassant?”Outras vezes o Sérgio sugeria.outras vezes os próprios atores. Eu lia, via se tinha possibilidade de fazer um bom teleteatro e fazia. (...) O que funcionava era uma boa história, um bom elenco e uma boa direção. Não importava se era um drama, uma comédia ou uma tragédia. Eram histórias bem feitas. Não tinha problema se eram brasileiras ou não. E também não tinha problemas quanto à duração. Fizemos teleteatro com uma hora e alguns como “Em cada Coração Um Pecado” que comemorou o primeiro aniversário do Grande Teatro, e durou quatro horas. Era tudo muito livre e as pessoas gostavam12.

O Grande Teatro Tupi foi, no Rio de Janeiro, mais uma tentativa de colocar no ar uma dramaturgia de certa forma desconhecida do grande público de televisão e fundamental para a evolução de uma técnica apropriada ao veículo. Na opinião de Sérgio Britto, foi também uma espécie de laboratório para o ator brasileiro:

Espetáculos semanais, com textos tão variados, foram para todos nós, uma experiência muito rica, um pouco de alguma coisa para substituir o não termos um teatro de repertório, a grande escola para o ator europeu. Podíamos interpretar de 20 a 25 papéis diferentes a cada doze meses, o que somou em nossa bagagem de intérpretes13.

Pelo depoimento do ator Ítalo Rossi, soubemos que os atores fixos do programa, por contrato, eram obrigados a aparecer em todos os espetáculos, mesmo quando em papéis menores ou para dizer algo do tipo “O jantar está servido”, ou “O Sr. vai sair, vou providenciar o carro”. Os atores que faziam pequenas “entradas” estavam preparando as grandes obras a serem apresentadas na semana seguinte. Foram os atores, na verdade, os alicerces do Grande Teatro, sendo possível identificar no interior da TV Tupi, a formação de uma Companhia teleteatral, um fato só admissível naqueles anos românticos de televisão ou de elaboração de um produto artesanal por excelência. É como define a atriz Fernanda Montenegro:

“Era uma televisão artesanal, não era industrial.Você burilava em sua pequena loja o seu modesto produto, então ele vinha com todo cuidado, como algo que foi feito à mão, por horas”14. Tânia Brandão verifica que, desde João Caetano, até o vertiginoso ritmo atual de nomes em cartaz, “são os atores os responsáveis pela vitalidade do palco no país. Atores empreendedores, atores-empresários, atores-produtores, atores-promotores”15. Na televisão, a história se repete. É possível identificar no cerne da Companhia Teleteatral advinda do Grande Teatro Tupi, uma fonte inesgotável de todo o fazer, isto é, o desejo e a coragem de seus atores. São eles na verdade, o alicerce do teleteatro. Sua fama diante das telas rendeu resultados para o teatro brasileiro.Tendo teslespectadores como sócios, foi possível ao elenco de Britto fundar a companhia teatral Teatro dos Sete. Norteados pela árdua empreitada de levar ao ar, semanalmente, um espetáculo de qualidade, esse grupo de jovens atores deu um passo decisivo rumo ao desconhecido universo televisual levando o teatro a um público heterogêneo que passou a ver nas artes cênicas um complemento de suas atividades caseiras. Ao montar perto de 450 espetáculos em oito anos de produções ininterruptas, o Grande Teatro apostou na televisão ao elaborar um novo código imagético de teledramaturgia.

Na televisão que assistimos hoje não cabe mais um produto como o teleteatro, resume o ator Ítalo Rossi:

O teleteatro é muito caro, por isso não é mais produzido, apesar do sucesso que fez nas décadas de 50 e 60. As pessoas paravam para assistir às montagens semanais de comédias, tragédias, vaudevilles. Pra nós, atores, o esquema se transformou numa grande bagagem, difícil de ser conquistada hoje. Para o ator, é preciso ler, ouvir música, saber quem é quem. É preciso estar alinhado com o mundo16.

Notas

( Resumo da dissertação de Mestrado “Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro

o teleteatro e suas múltiplas faces”.

* Jornalista e Profa. do Depto. de Radialismo da Faculdade de Comunicação da UFJF e Mestra em Teatro pela Uni Rio - RJ.

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2. NOSSO SÉCULO. 1945-1960. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

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4. ORTIZ, Renato. Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988 p. 76.

5. PORTO E SILVA, Flávio Luis. O Teleteatro Paulista nas Décadas de 50 e 60. São Paulo: IDART, 1981. p. 22.

6. ORTIZ, Renato; BORELLI, Sílvia Helena Simões; RAMOS, José; ORTIZ, Mário. Telenovela, História e Produção. São Paulo: Brasiliense, 1989. p.44.

7. Walter George Durst. Depoimento à autora. (Tese de Mestrado: O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro. UNI RIO, 1998)

8. ASLAN, Odete. O Ator no Século XX. São Paulo: Perspectiva, 1988. p. 226.

9. BRITTO, Sérgio. Fábrica de Ilusões -50 Anos de Teatro. Rio de Janeiro: Funarte, Salamandra, 1996. p. 78.

10. KHOURY, Simon. Atrás da Máscara. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, V. 2, 1994. p. 362.

11. ROD SERLING. Producion of Thirteen/ WNT in Association with CBS Enterprises. An American Master Especial. GNT, 1995.

12. Manoel Carlos. Depoimento à autora. Tese de Mestrado-Ibidem. 1998.

13. BRITTO, S. Ibidem, p. 81.

14. Fernanda Montenegro. Depoimento à autora. Tese de Mestrado. Ibidem. 1998.

15. BRANDÃO, Tânia. A encenação Brasileira Moderna. Tese de Livre Docência. UNIRIO, 1992. p. 2.

16. Entrevista/ Ítalo Rossi. Um país sem cultura é oco, não evolui. Jornal Tribuna de Minas. Segundo Caderno. Edição de 14 março 1999.

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Natália Timberg - depoimento à autora - arquivo pessoal - ago. 1996.

Zilka Sallaberry - depoimento à autora - arquivo pessoal - set. 1996.

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Vídeos

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“America Masters” - “Rod Serling” - Production of Thirteen /WNET in Association with CBS Enterprises.1995 - An American Master Especial.

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