A TRADUÇÃO DAS FORMAS DE TRATAMENTO DO ESPANHOL PARA O PORTUGUÊS ...

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A TRADU??O DAS FORMAS DE TRATAMENTO DO ESPANHOL

PARA O PORTUGU?S BRASILEIRO E A QUEST?O DA VARIA??O

LINGU?STICA

Livya Lea de Oliveira Pereira Valdecy de Oliveira Pontes

RESUMO

Em uma intera??o verbal, o uso de um simples pronome de tratamento pode expressar a origem geogr?fica de um falante, a sua classe social, o grau de intimidade entre os interlocutores, as rela??es de poder e solidariedade etc. Neste contexto, levando em considera??o a varia??o lingu?stica nos sistemas de tratamento pronominais para 2? pessoa da L?ngua Espanhola e da L?ngua Portuguesa, objetivamos discorrer sobre a tradu??o das formas de tratamento entre estas l?nguas t?o pr?ximas em sua origem e ricas em heterogeneidade. Para tanto, primeiramente, discorremos sobre a aproxima??o entre os Estudos da Tradu??o e a Varia??o Lingu?stica (MAYORAL, 1998; BOLA?OS-CU?LLAR, 2000; BORTONIRICARDO, 2005; TRAVAGLIA, 2013). Logo, pontuamos pesquisas sobre a varia??o lingu?stica nas formas de tratamento do Espanhol (CARRICABURO, 1998; FONTANELLA DE WEINBERG, 1999, CALDER?N CAMPOS, 2010) e do Portugu?s Brasileiro (MENON, 1995, 2000; RAMOS, 2011; SCHERRE et al., 2015). Para ent?o, discutir sobre as op??es tradut?rias das formas de tratamento entre as l?nguas supracitadas, com base nos estudos de Cintr?o (2002), Masello (2011) e Ugartemend?a (2015), al?m de estudos contrastivos. Assim, conclu?mos que traduzir mecanicamente o sistema de tratamento pronominal de 2? pessoa de uma l?ngua para outra, desconsiderando a varia??o lingu?stica, o contexto da tradu??o e seus receptores,pode gerar problemas de compreens?o e/ou comunica??o. Dessa forma, n?o basta escolher uma determinada variedade da l?ngua para a tradu??o, deve-se considerar os seus usos e analisar o contexto lingu?stico e comunicativo, expressando adequadamente as rela??es de poder e solidariedade.

Palavras-chave: Tradu??o; Formas de Tratamento; Varia??o Lingu?stica; L?ngua Espanhola; L?ngua Portuguesa.

RESUMEN

En una interacci?n verbal, el uso de un simple pronombre de tratamiento puede expresar el origen geogr?fico de un hablante, su clase social, el grado de intimidad entre los

Mestranda do Programa de P?s-gradua??o em Estudos da Tradu??o (POET), da Universidade Federal do Cear? (UFC) e Bolsista da Funda??o Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cient?fico e Tecnol?gico (FUNCAP). Professor Doutor em Lingu?stica (UFC) e com P?s-Doutorado em Estudos da Tradu??o (UFSC). Atualmente, ? Professor Adjunto na gradua??o em Letras-Espanhol e no Programa de P?s-gradua??o em Estudos da Tradu??o, da Universidade Federal do Cear? (UFC). Transversal ? Revista em Tradu??o, Fortaleza, v.1, n.2, p. 48-67, 2015.

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interlocutores, las relaciones de poder y solidaridad etc. En este contexto, teniendo en cuenta la variaci?n ling??stica en los sistemas de tratamiento pronominales para 2? persona de la Lengua Espa?ola y de la Lengua Portuguesa, se objetiva discurrir sobre la traducci?n de las formas de tratamiento entre estas lenguas tan pr?ximas en su origen y ricas en heterogeneidad. Para eso, primeramente, discurrimos sobre la aproximaci?n entre los Estudios de la Traducci?n yla Variaci?n Ling??stica (MAYORAL, 1998; BOLA?OS-CU?LLAR, 2000; BORTONI-RICARDO, 2005; TRAVAGLIA, 2013). Luego, se punt?an investigaciones sobre la variaci?n ling??stica en las formas de tratamiento del Espa?ol (CARRICABURO, 1998; FONTANELLA DE WEINBERG, 1999, CALDER?N CAMPOS, 2010) y del Portugu?s Brasile?o (MENON, 1995, 2000; RAMOS, 2011; SCHERRE et al., 2015). Para entonces, discutir sobre las opciones de traducci?n de las formas de tratamiento entre las lenguas mencionadas, a partir de los estudios de Cintr?o (2002), Masello (2011) y Ugartemend?a (2015), adem?s de estudios contrastivos. De esta forma, se concluye que traducir mec?nicamente el sistema de tratamiento pronominal de 2? persona de una lengua hacia otra, desconsiderando la variaci?n ling??stica, el contexto de la traducci?n y sus receptores, puede generar problemas de comprensi?n y/o comunicaci?n. De igual forma, no basta elegir una determinada variedad de la lengua para la traducci?n, hay que considerar sus usos y analizar el contexto ling??stico y comunicativo, expresando adecuadamente las relaciones de poder y solidaridad.

Palabras-clave: Traducci?n; Formas de Tratamiento; Variaci?n Ling??stica; Lengua Espa?ola; Lengua Portuguesa.

Introdu??o

Conhecer e saber utilizar as formas de tratamento de uma l?ngua ? pertinente ? boa comunica??o, tendo em vista que marcam proximidade ou distanciamento entre os interlocutores, respeito, formalidade ou informalidade, poder ou hierarquia, solidariedade, familiaridade, intimidade e, at? mesmo, expressam sentimentos de raiva para com o interlocutor. Tamb?m, ? relevante pontuar que os usos e as formas de tratamento em uma mesma l?ngua podem variar de acordo com a regi?o geogr?fica, classe social, rela??o entre os interlocutores, situa??o comunicativa, etc. Assim, tendo em vista tais aspectos, a tradu??o equivocada de um simples pronome de tratamento pode causar problemas de compreens?o e comunica??o.

Ainda, segundo Castilho (2014, p. 474), os pronomes, do ponto de vista sem?nticodiscursivo, podem representar as pessoas do discurso, pelo caminho da d?ixis; podem retomar ou antecipar os participantes pelo caminho da foricidade (an?fora e cat?fora). Por?m, sobre este aspecto, Camacho (2015, p. 169) destaca que, nas gram?ticas tradicionais, a classe gramatical "pronomes de tratamento" recebe esta nomenclatura de forma inadequada por constitu?rem uma subclasse dos pronomes pessoais e n?o contemplarem, em sua formula??o,

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o seu car?ter d?itico. Em decorr?ncia disto, o autor sugere o termo "nomes pronominalizados", devido ao uso d?itico locucional dial?gico em outras fun??es sint?ticas, para al?m do vocativo, tais como as rela??es de sujeito e de complemento. Por exemplo, os pronomes "voc?", "o senhor" e "a senhora" contraem concord?ncia verbal com a terceira pessoa ? moda dos nomes. Entretanto, pelo fato de os termos "pronomes de tratamento" ou "formas de tratamento pronominais" serem convencionais na ?rea de estudo, estes s?o adotados neste trabalho.

Neste artigo, discorremos acerca da varia??o lingu?stica nos usos das formas de tratamento pronominais de 2? pessoa, das L?nguas Espanhola e Portuguesa. Ademais, analisamos alguns exemplos de op??es tradut?rias para estas formas, levando em considera??o os seus usos e valores em distintas variedades destas l?nguas. Para tanto, apresentamos as seguintes se??es: Introdu??o; 1. Tradu??o e Varia??o lingu?stica; 2. Varia??o lingu?stica nas Formas de Tratamento das L?nguas Espanhola e Portuguesa; 3. Tradu??o das formas de tratamento da L?ngua Espanhola para o Portugu?s Brasileiro e Conclus?o.

1 Tradu??o e Varia??o Lingu?stica

Na hora de traduzir, podemos nos deparar com mais de uma forma que expressa o que se quer dizer, isto ?, encontrar casos de varia??o lingu?stica. Segundo Labov (1978), esta ocorre quando h? duas ou mais alternativas de se referir ao mesmo estado de coisas com o mesmo valor referencial. Por exemplo, na tradu??o da frase "Me voy a lafiesta, y t??",para o Portugu?s Brasileiro, o pronome de tratamento "t?" poderia ser traduzido pelas variantes "tu" ou "voc?" do Portugu?s. Mas, qual seria a mais adequada? As duas formas s?o utilizadas no Portugu?s Brasileiro para o tratamento de 2? pessoa do singular. Ent?o, poderia ser uma escolha aleat?ria na hora de traduzir? Um poss?vel aux?lio para esta decis?o tradut?ria seria recorrer a estudos sociolingu?sticos, al?m de analisar o contexto lingu?stico e/ou extralingu?stico de intera??o verbal que gerou tal enunciado. Assim, no ?mbito dos Estudos da Tradu??o, alguns autores destacam a aproxima??o entre esta ?rea e a Sociolingu?stica.

Nesta perspectiva, Bola?os-Cu?llar (2000, p.158) defende, no marco da interdisciplinaridade dos Estudos da Tradu??o, que a Sociolingu?stica pode contribuir ? compreens?o, ? an?lise e a poss?veis solu??es de problemas de tradu??o, no tocante ? fun??o das formas de tratamento de uma l?ngua a outra, conserva??o de socioletos, g?rias, registros, etc., durante o processo de tradu??o. Assim, ? necess?rio que o tradutor reconhe?a as classes

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de varia??o lingu?stica existentes e a forma como podem ser traduzidas para outra l?ngua, isto ?, h? de se levar em conta a diversidade lingu?stica de ambas as l?nguas envolvidas na tradu??o.

Por outro lado, o autor afirma que apesar da exist?ncia, em toda l?ngua, de varia??o diat?pica (geogr?fica), diastr?tica (tecnoletos, g?rias, socioletos) e diaf?sica (registro), o tradutor, tamb?m, deve levar em considera??o a exist?ncia de uma norma-padr?o1, que ? caracterizada por ter um estilo formal, de prest?gio e ser utilizada, geralmente, nos meios de comunica??o nacional, nas escolas ou ensino da l?ngua a estrangeiros. Esta norma se apresenta, tamb?m, em textos cient?ficos, j? em textos liter?rios ? mais rara, considerando que nestes textos os recursos expressivos (dialetais, socioletais, estil?sticos, etc.) de uma l?ngua encontram maior espa?o. No entanto, mesmo em textos liter?rios, Bola?os-Cu?llar (2000, p. 185) pontua que se o tradutor n?o domina outros registros da l?ngua que se aproximem ao utilizado no TB (texto base) ou, ainda, n?o tenha compreendido o valor de determinadas express?es; ? poss?vel o uso da norma-padr?o no TM (texto meta). Contudo, o ideal ? que o tradutor tenha sensibilidade, esp?rito investigativo e conhecimento sociolingu?stico que lhe permitam fazer escolhas tradut?rias adequadas.

Snell-Hornby (1995, p.33) assevera a necessidade da exist?ncia de um transfundo sociocultural na atividade tradutora. Nas palavras dela: "Outras disciplinas de relev?ncia para a tradu??o como um ato comunicativo dentro de um contexto situacional espec?fico seria a Sociolingu?stica (com o estudo de variedades lingu?sticas) [...]" (tradu??o nossa, SNELLHORNBY, 1988/1995, p.33)2. Por sua vez, Lefevere (1992), tamb?m, ressalta o papel da varia??o lingu?stica na tradu??o em uma situa??o espec?fica e nas diferentes culturas. O autor, ao explicar o conceito de registro, deixa claro o papel do contexto nas escolhas lingu?sticas: "Exceto em livros de gram?tica ou estilos iniciantes, a l?ngua nunca ? usada no v?cuo: sempre ? usada em certa situa??o. Em diferentes culturas, um uso espec?fico da l?ngua ? considerado apropriado (ou inapropriado) numa situa??o espec?fica."(tradu??o nossa, LEFEVERE, 1992, p.58)3

1A norma-padr?o est? relacionada ? no??o de l?ngua homog?nea prescrita pela gram?tica normativa. Logo, desempenha um papel unificador que busca neutralizar as varia??es, tornando-se uma refer?ncia supra regional e transtemporal, conforme Faraco (2002, p. 42). 2Cita??o original: "Other disciplines of relevance for translation as an act of communication within a specific situational context would be sociolinguistics (as the study of language varieties), [...]" (SNELL-HORNBY, 1988/1995, p.33). 3Cita??o original: "Except in grammar books or primers on style, language is never used in a vacuum: it is always used in a certain situation. In different cultures a specific use of language is considered appropriate (or inappropriate) in a specific situation."(LEFEVERE, 1992, p.58) Transversal ? Revista em Tradu??o, Fortaleza, v.1, n.2, p. 48-67, 2015.

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No que diz respeito ?s escolhas do tradutor ao deparar-se com um texto que possuaum registro ou variedade lingu?stica espec?fica, Travaglia (2013, p. 158) elenca tr?s op??es: a) usar a mesma variedade de l?ngua; b) usar outra variedade de l?ngua; e, c) buscar supostas "equival?ncias" em termos de variedade. Em rela??o ? primeira op??o, a autora afirma ser uma possibilidade mais te?rica do que pr?tica ao tradutor, uma vez que duas l?nguas, diferentes entre si, n?o ter?o os mesmos dialetos. Assim, a autora exp?e que o tradutor pode buscar na LM (l?ngua materna) um dialeto que tenha o mesmo prest?gio, desprest?gio, classe social de quem o utiliza, etc., do dialeto da LE (l?ngua estrangeira), ou um valor relativo, optando por uma correspond?ncia de variedades. Emboraseja mais f?cil encontrar correspondentes em dialetos definidos por classe social, idade, sexo, fun??o e gera??o, do que em dialetos de defini??o geogr?fica. Nesse caso, o tradutor, tamb?m, pode buscar correspond?ncias no modo e na formalidade.

Para Travaglia (2013, p.160), as supostas "equival?ncias" e semelhan?as entre registros e dialetos n?o ser?o fixas, imut?veis, posto que est?o sujeitas ? leitura ou ?s leituras do tradutor. Por?m, apesar da autora dar relev?ncia ? retomada da varia??o lingu?stica no TM, por meio da busca de correspondentes, ela exp?e que o tradutor tem a op??o de n?o considerar as variedades e que pode correr o risco de perder um efeito significativo no TM. Esta atitude pode produzir, tamb?m, um efeito.

Mayoral (1998) argumenta que muitos estudos sobre tradu??o trataram do problema da varia??o lingu?stica com ?nfase na tradu??o de dialetos. Entretanto, h? lacunas no que se refere ? tradu??o de variantes concretas. Al?m disso, o autor esclarece que o processo de tradu??o da varia??o lingu?stica ? um processo de tradu??o de seus elementos marcadores, tanto os percebidos pelo receptor como norma-padr?o quanto os percebidos como marcados. Para ele, os marcadores s?o pistas de contextualiza??o (informa??es de par?metros sociolingu?sticos) da varia??o lingu?stica convencionalizada. Portanto, no processo de tradu??o da varia??o, o tradutor deve ter em mente que o receptor percebe a varia??o, muitas vezes, por analogia ou contraste com as suas pr?prias formas de falar e a sua identidade e, nessa quest?o, entram em jogo os estere?tipos lingu?sticos e culturais. Conforme Mayoral (1998), na hora de traduzir, o tradutor busca solu??es econ?micas e de f?cil processamento, fato que resulta, geralmente, na reprodu??o de estere?tipos lingu?sticos, que podem n?o possuir rela??o com a realidade, mas que est?o convencionalizados socialmente.

Por ?ltimo, Bortoni-Ricardo (2005) salienta que a rela??o dial?tica entre a forma lingu?stica e a fun??o definida no contexto social, defendida pela Sociolingu?stica, pode

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