UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO



UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

Tânia Maria Pinc

Nº USP: 4810561

CONFIANÇA NA POLÍCIA:

Um Desafio na Implementação de Políticas Públicas.

Trabalho apresentado no IV Simpósio dos pós-graduandos em Ciência Política, na Universidade de São Paulo – USP, realizado em 18, 19 e 20 de abril de 2006.

14 de janeiro de 2006

CONFIANÇA NA POLÍCIA:

Um Desafio na Implementação de Políticas Públicas.

Tânia Maria Pinc

Este trabalho objetiva estudar a (re)construção da cultura de confiança na Polícia, considerando o fato de que o cidadão teme a instituição que tem a responsabilidade de protege-lo do crime e da violência.

Parte ainda do pressuposto de que o cidadão não conhece a função básica da polícia na sociedade e por isso gera uma demanda por ações que não são tipicamente policiais, ou seja, serviços que não têm relação com o crime. Enquanto que o policial (a ênfase do estudo é no policial militar), através do seu processo de formação tem notícia da missão institucional, mas não a reconhece, por isso não a implementa da forma prevista.

Pesquisas como do Datafolha, demonstram que uma grande parcela da população paulista não confia na polícia, o que pode ter relação com as experiências ruins dessas pessoas com o crime, momento em que ela recebe algum atendimento da polícia, ou com os próprios representantes da instituição, lembrando que tais experiências tanto podem ser configuradas em razão do exercício do poder coercitivo, o qual o policial desempenha por força de lei ou, ainda, quando tem conhecimento de ações abusivas praticadas pelos policiais, seja essa uma experiência direta ou indireta.

A polícia é responsável pelo law enforcement, o que implica em suspeitar de pessoas que apresentem indícios de ameaça à segurança, situação essa em que qualquer cidadão pode incorrer. Portanto, mesmo que momentaneamente, a polícia tem o poder legítimo de cercear o direito individual, com o objetivo de manter a ordem social. Este exercício se processa nas abordagens policiais, onde as pessoas são paradas nas ruas e revistadas, o que não é nada agradável.

Considerando que a confiança envolve reciprocidade, tanto a polícia como o cidadão pode perguntar: Como confiar em quem não confia em mim? Este é um grande desafio para a implementação de políticas públicas que sejam capazes de construir uma cultura de confiança na polícia.

Palavras chaves: Polícia, Confiança, Instituição e Políticas Públicas.

Introdução

POLÍCIA é um vocábulo de origem grega – politeia, e passou para o latim – politia, com o mesmo sentido: “governo de uma cidade, administração, forma de governo”.

No entanto, com o passar do tempo, assumiu um sentido particular, passando a representar a ação do governo, enquanto exerce sua missão de tutela da ordem jurídica, assegurando a tranqüilidade pública e a proteção da sociedade contra as violações e malefícios.

Ainda no que se refere ao termo polícia, é importante salientar que no Brasil existem dois ciclos, um representado pela Polícia Militar e o outro pela Polícia Civil e que ambas atuam na esfera estadual.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo, a diferença entre a Polícia Militar e a Polícia Civil é que a primeira é composta por policiais fardados, incumbidos de prevenir as condutas criminosas e zelar pela ordem pública, atuando primordialmente na prevenção do crime, enquanto que a segunda é composta por policiais encarregados de investigar crimes e contravenções, e reunir provas sobre suas circunstâncias e sua autoria, atuando primordialmente após a ocorrência do fato criminoso.

O cidadão, nem sempre, reconhece essa diferença, no entanto, é fato que o contato maior se dá com a Polícia Militar, primeiro, porque o número de policiais militares no estado de São Paulo (93.000[1]) é muito maior do que de policiais civis (32.000[2]); segundo, em razão da ostensividade – uso da farda, da viatura e de armamento – ela é reconhecida de imediato; e por fim, a atividade principal da polícia militar é o patrulhamento, que é efetuado nas vias públicas, o que dá maior visibilidade à polícia militar. Além disso, é possível afirmar que o cidadão, de maneira geral, sabe da existência do telefone de emergência – 190, usado para acionar a polícia militar, diferentemente do número do telefone de outros serviços públicos, que não são conhecidos por todos.

De acordo com Sherman (cf. Bayley, 2001:36), a relação direta entre o cidadão e a polícia militar ocorre de duas maneiras: (1) ação policial reativa; quando a iniciativa é do cidadão, como exemplo, quando ele pede o apoio da polícia, através do telefone 190, para intervir em alguma situação em que ele sinta a sua segurança ameaçada; (2) ação policial proativa; quando a iniciativa é da polícia, como exemplo, quando policiais abordam pessoas ou veículos, na via pública, com a fundada suspeita de que eles possam ameaçar a segurança da coletividade.

Portanto, a ação da polícia está diretamente ligada à segurança do cidadão ou da coletividade. O que vale dizer que segurança é uma palavra que deriva do latim – secure, cujo significado pode ser traduzido por “sem medo”.

A segurança está relacionada à ausência de medo, entretanto, as pessoas sentem medo de coisas ou situações que não são, necessariamente, caso de polícia, por isso, é importante destacar que a segurança que a polícia deve oferecer ao cidadão está ligada ao crime e a violência. Por outro lado, o grau de medo do cidadão tem efeito no grau de confiança na polícia. O medo que ele tem do crime e da violência é fundado, inclusive, na sua experiência com a polícia.

Polícia: Confiança ou Medo?

Poucos cidadãos parecem confiar nas polícias e muitos demonstram mais medo dela do que confiança.

(Túlio Kahn)

Confiança é uma crença construída nas percepções e imagens das características dos outros e essa construção ocorre através das interações continuadas em um considerado período de tempo, ou seja, pela experiência (Offe, 1999:49).

Em se tratando de relações interpessoais, Newton (1999: 170) destaca o risco de dano para os atores envolvidos na relação, haja vista a imprevisibilidade do comportamento humano, o que nos faz crer que a confiança é construída através do grau de conhecimento do outro, quanto mais conhecemos, mais podemos confiar ou desconfiar, portanto, além da experiência, confiança envolve reciprocidade.

Apesar do conjunto de regras, tanto sociais, morais e legais, que regem o comportamento humano, e que podem expressar a “vontade geral”, é provável que pessoas ajam totalmente em desacordo com elas.

Mas a confiança nas instituições se processa de forma diferente da confiança nas pessoas. No que se refere à primeira, Offe (1999:70) coloca o foco de sua análise no sentido normativo das instituições, ou seja, elas foram criadas a partir de normas que estabelecem sua função junto à sociedade, portanto, deve haver previsibilidade das ações que envolvem seus representantes junto à sociedade. Confiar na instituição requer conhecer essas regras e o papel que deve desempenhar, lembrando que essa idéia tanto vale para os representantes da instituição, quanto para o cidadão, que se orienta a partir de sua experiência, por aquilo que aprendem sobre o funcionamento das instituições, é o que argumenta Moisés (2005:18).

Neste sentido, confiar na instituição polícia requer que os cidadãos conheçam a função que ela desempenha, em outras palavras: para o que a polícia serve; a fim de que ele possa demandar seus serviços de acordo com o objetivo pelo qual ela foi criada; bem como, que todos os policiais conheçam a missão institucional, a fim de que possam atender o cidadão nas suas necessidades específicas.

Como mencionado anteriormente, a polícia é responsável pela segurança do cidadão, protegendo-o do crime e da violência, portanto, isso pressupõe que os atendimentos feitos pela polícia estejam relacionados a esses fenômenos. Entretanto, é fato que existe uma grande demanda da polícia, no que se refere ao atendimento de ocorrências que não encerra relação com o crime.

TABELA 1

A Tabela 1, em anexo, demonstra que o atendimento de ocorrências policiais não-criminais não só existe, como o aumento ocorrido no período de 1990 a 2000, na região da Grande São Paulo, ocorreu numa proporção muito maior do que qualquer outro tipo de atendimento da polícia relacionado ao crime e à contravenção.

Os tipos de atendimento classificados como ocorrências policiais não-criminais são da mais variada ordem, no entanto dentre as mais comuns podemos destacar que viaturas da polícia militar são enviadas para atender pessoas acometidas por mal súbito, gestantes que estão prestes a dar à luz, reclamação por barulho e desentendimento entre pessoas. Entre esses fatos o que mais se aproxima do crime é o desentendimento entre pessoas, que grande parte das vezes ocorre entre casais, que pode, numa situação limite, desdobrar-se em lesão corporal e, remotamente provável, em homicídio. Vale dizer que ao invés de proteger o cidadão contra o crime e a violência, existem muitos policiais que desempenham o papel de enfermeiro (a), parteiro (a) e mediador de conflitos conjugais. E a grande parte dessa demanda é feita através do telefone 190, da polícia militar e é necessário mencionar que os números contidos na Tabela 1 são referentes às ocorrências cadastradas e nas quais houve o envio de viatura.

No ano de 2004, houve 11.787.367 ligações para o COPOM – Centro de Operações da Polícia Militar, apenas na cidade de São Paulo (polmil..br, página consultada em 13/01/2006). No mesmo período, na capital, foram registradas 584.094 ocorrências policiais atendidas e que estavam relacionadas a algum tipo de crime ou contravenção, ou seja, menos de 5% das solicitações ao 190 são ações tipicamente de polícia, lembrando que parcela dessas ocorrências podem ter sido registradas diretamente no distrito policial, sem que tenham, necessariamente, se originado por uma chamada telefônica ao COPOM, o que faz cair mais ainda o percentual destacado acima (ssp..br/estatisticas/_portrimestre.aspx, página consultada em 13/01/2006).

Se este é um telefone de emergência, onde as pessoas podem ligar para que a polícia a proteja, evitando que ela seja vitimizada, por quê o cidadão liga para o 190 para solicitar o apoio da polícia militar em fatos não relacionados ao crime?

Pode ser que a demanda seja alta porque as pessoas confiam que a polícia militar possa resolver seus problemas, ou ao contrário, porque não tenham nenhuma outra opção, pois este é o único serviço público que atua diariamente, por 24 horas e que a qualquer momento terá um atendente que ouve a sua solicitação e que existe a probabilidade de receber um atendimento gratuito no local desejado pelo solicitante, e que ainda representa o estado.

Outra hipótese que proponho como resposta a esta questão é que o cidadão gera uma grande demanda a polícia, sem nenhum vínculo com a missão institucional, porque ele não tem conhecimento da real função da polícia, ou seja, das normas que regem a sua existência e suas ações perante a sociedade. Isso interfere na construção da confiança do cidadão na instituição, pois se ele não conhece não constrói confiança na instituição e tampouco em seus agentes, principalmente porque é a confiança na instituição que permitirá ao cidadão se relacionar com o policial sem medo, pois este agente, quase sempre, é uma pessoa estranha, a quem ele transferirá a confiança que tem na instituição (Offe, 1999:70).

Há ainda que se analisar a ação policial proativa exemplificada anteriormente com a abordagem policial. Neste caso a iniciativa da ação é do policial, mas ela ocorre na razão da desconfiança do agente contra a pessoa abordada, pois o policial, quando em patrulhamento, suspeita de alguém, ou seja, desconfia que essa pessoa possa representar alguma ameaça para a segurança dos outros em razão de sua atitude e interfere no direito individual de ir e vir, a fim de investigar o fundamento dessa suspeita. Por mais que tentem, as instituições não conseguiram traduzir em seu conjunto de normas um significado de atitude suspeita que possa ser universalizado, pois trata de comportamento humano. Entretanto o procedimento da abordagem policial é legal, ou seja, está previsto na legislação e, além disso, no estado de São Paulo, foi desenvolvido pela polícia militar um Procedimento Operacional Padrão – POP, que orienta e padroniza as ações do policial militar nas abordagens, a fim de evitar excessos e conseqüentemente, abuso de poder.

Para o modelo que descreve a emergência da cultura da confiança, proposto por Sztompka (1999:134-5), a coerência normativa é uma das variáveis independentes da estrutura de oportunidades em que se deve aplicar políticas, a fim de se produzir ou sustentar a cultura de confiança. Neste sentido, o instrumento principal, capaz de exercer influência política no desenvolvimento de instituições, é a legislação, a qual deve apresentar um sistema de leis coerentes, simples, transparente, persistente e não transitório. Outra variável apontada é a estabilidade da ordem social, que deve ser salvaguardada por políticas consistentes e irreversíveis. As pessoas devem sentir que as autoridades conhecem o que fazem e o caminho que estão seguindo.

Considerando o argumento de Sztompka e focando a análise na abordagem policial, podemos afirmar que existe uma legislação que autoriza o policial a parar uma pessoa na rua e averiguar se trata de um infrator da lei ou não, isso é considerado o exercício do law enforcement. Além disso, esta é uma ação que incide diretamente na manutenção da ordem social. Mesmo sendo necessária, a abordagem policial não é uma ação simpática, pelo fato de representar o poder coercitivo do estado, pois qualquer pessoa está sujeita a ser alvo desta ação, queira ela ou não, pois a iniciativa e o poder discricionário de agir é do policial.

A percepção do cidadão dessa ação pode ser formada direta ou indiretamente, pois, além da experiência pessoal em ser abordada, a pessoa pode receber influência da mídia, de pessoa conhecida, ou até mesmo quando ela presencia uma abordagem na via pública envolvendo estranhos. Por tudo isso, existe a probabilidade da abordagem policial ser associada a uma experiência ruim que, cujo argumento de Sztompka (1999:136), pode ser generalizada e gerar desconfiança, a qual é contagiante, e que a partir do momento em que se instala tende a se manter.

Nesse sentido ainda, vale acrescentar que quando a polícia é acionada para desempenhar a sua real missão e o cidadão está na condição de vítima, representa que vivenciou uma experiência ruim, em razão do dano (físico, moral, material ou psicológico) que sofreu, o que pode ser associado à referência que possui da polícia, pois foi a instituição que participou desse momento.

TABELA 2

|Avaliação do atendimento recebido por pessoas que recorreram à polícia nos últimos 12 meses (%) |

| |Não Vítimas |Vítimas |

|Atendido acima do esperado |35,0 |13,4 |

|Atendido dentro do esperado |44,2 |43,6 |

|Atendido abaixo do esperado |20,8 |33,1 |

|Não houve atendimento |- |9,9 |

|Total |100,0 |100,0 |

Fonte: Pesquisa de Vitimização realizada pelo IFB, no município de São Paulo em 2003.

A Tabela 2 demonstra que a probabilidade da avaliação do atendimento da polícia ser classificado “abaixo do esperado” aumenta em quase 60% quando a pessoa é vítima de crime.

Ainda no que se refere à abordagem policial, em que pese estar amparada pela legislação e objetivar manter a estabilidade da ordem social, variáveis estas que representam a estrutura de oportunidade para aplicação de políticas que constroem a cultura de confiança, paradoxalmente, à medida que esta ação é implementada pelos policiais é provável que tenha um efeito negativo na confiança, em razão de gerar no cidadão uma referência negativa da instituição, pois não agrada a ninguém ter direitos individuais cerceados, mesmo que seja momentaneamente. No entanto, se esta ação deixa de ser implementada, a ordem social pode correr riscos.

Por outro prisma, cabe perguntar: em que pese o amparo legal e a padronização do procedimento de abordagem pela polícia militar, o policial desempenha esta ação da forma que está normatizada?

Esta questão retoma a discussão anterior no que tange ao conhecimento da missão por parte dos integrantes da instituição. É fato que os cursos de formação da polícia militar apresentam em seu currículo carga horária destinada à instrução do aspecto legal, técnico e procedimental da abordagem policial, mas é necessário testar empiricamente a forma como esses conhecimentos estão sendo transmitidos pelos instrutores, que também são policiais militares em sua maioria, bem como eles estão sendo absorvidos e aceitos.

A legislação que normatiza a abordagem policial vige há mais de cinqüenta anos, sem sofrer alterações, portanto não é algo transitório, no entanto, antecede a Constituição Federal de 1988 e o próprio regime democrático. Embora essa legislação tenha sido recepcionada pela Constituição Federal, foi necessário produzir alterações nos procedimentos que operacionalizam essa ação, os quais vêm sendo submetidos a uma dinâmica constante de revisão, em razão da implantação do processo de qualidade.

Isto posto, a hipótese que proponho, no que diz respeito à abordagem policial, é a de que os policiais militares conhecem a legislação e os procedimentos, mas não os reconhecem, pois a dinâmica de mudanças da estrutura organizacional ocorre num ritmo em que a mudança da cultura organizacional não consegue acompanhar. Em outras palavras, existe um problema na difusão das reformulações, é como os membros de um corpo que não conseguem decifrar a mensagem do cérebro e respondem de alguma forma, que não a esperada.

Esse descompasso interfere diretamente na operacionalização da ação policial, que ao ser implementada de forma diversa da prevista, aumenta a probabilidade do policial exceder em sua ação e praticar abuso. Portanto, além de algumas das ações policiais, que têm previsão legal, não serem bem percebidas pelo cidadão, ainda existe a possibilidade das experiências negativas com a polícia aumentarem por conta de ações abusivas. Isso é uma demonstração de que o conjunto de valores específicos da instituição não é seguido por seus agentes. É claro que não são todos os agentes que se incluem neste diagnóstico, mas basta uma ínfima parcela deles para generalizar a percepção negativa da instituição.

Essa situação nos reporta ao argumento de Offe (1999:65), que considera que a instituição mediará a confiança do cidadão no agente, pois o que é conhecido são os valores específicos da instituição e não os seus agentes, portanto, um dos valores geradores de confiança representados pela instituição é a capacidade do agente em honrar a promessa da instituição: promise–keeping (Offe, 1999:74). Se o policial, seja qual for a proporção, não cumprir com os valores da Polícia Militar, em “servir e proteger” o cidadão, a manutenção ou reconstrução da confiança na instituição estará comprometida.

[pic]

Diante disso, é importante apresentar os resultados de pesquisas realizadas pelo Datafolha nos anos de 1995, 1997, 1999 e 2003, na cidade de São Paulo a fim de aferir a confiança do cidadão na polícia.

No gráfico 1, acima, é possível observar que, em 2003, a maioria das pessoas (52%) têm mais medo dos bandidos, no entanto grande parcela da população (20%) tem mais medo da polícia e um quarto do entrevistados (25%) equipara bandidos e polícia ao mesmo patamar de medo. Este é um quadro preocupante no que diz respeito à segurança, pois se a polícia gera medo nas pessoas, isso representa um indício de que ela não tem desempenhado, de forma coerente, a função para a qual ela existe, qual seja, eliminar o medo.

É necessário observar que na pesquisa do ano anterior – 1997, o grau de medo da polícia era muito maior, portanto, nesse período a instituição conseguiu recuperar, em parte a confiança da população de São Paulo. Por outro lado, é necessário mencionar que essa pesquisa foi realizada menos de um mês depois do fato conhecido como “Favela Naval”, ocorrido em 06 de março de 1997 e que foi noticiado pela Rede Globo de Televisão no “Jornal Nacional”, que veiculou imagens de policiais do 24º Batalhão de Polícia Militar, no município de Diadema, integrante da Grande São Paulo, abordando transeuntes e os agredindo fisicamente, atirando e matando um deles. A exploração do fato pela mídia pode ter contribuído para influenciar a percepção negativa das pessoas, que se perceberam compartilhando a experiência ruim, o que provocou a generalização em relação à instituição, corroborando o argumento de Sztompka com relação à influência da mídia, entretanto, isso não isenta a responsabilidade da instituição, mas amplifica a proporção da repercussão negativa na confiança.

O gráfico 2 abaixo, demonstra que o nível de confiança na polícia sofreu uma queda acentuada de 1995 (46%) para 1997 (24%), e depois voltou a alcançar o patamar de 41% em 2003. Da forma inversa, o medo da polícia também sofreu alterações, apresentando um pico de 74% em 1997 e caindo para 54% em 2003. É prudente citar que o ponto crítico com relação ao grau elevado de medo e do baixo grau de confiança na polícia ocorreu em 1997, cujo resultado pode ser sofrido influência da mídia, como mencionado acima. Em que pese essa influência, é possível afirmar que a estrutura de oportunidades deve ser explorada, no sentido de implementar políticas que contribuam com a reconstrução da confiança na instituição.

[pic]

Sztompka (1999:124-5) enfatiza que a accountability é condição para a emergência da cultura da confiança, pois se existe um sistema de normas legitimadas que dão sustentação à instituição, o controle das ações dos seus representantes, diminuirá o risco de abuso. Portanto para confiar é necessário desconfiar. Essa afirmação é reconhecida por Sztompka (1999:140) como um paradoxo da democracia, cuja desconfiança é institucionalizada.

Neste contexto, os agentes da polícia, enquanto autoridades, estão sujeitos à premissa de que toda autoridade está sob suspeição e o exercício de seu poder deve ser justificado; e enquanto responsável pelo law enforcement, estão sujeitos ao princípio da desconfiança contra o cidadão. Portanto, por um lado, o policial está sob suspeição, por outro, ele é quem desenvolve um dos mecanismos institucionalizados da desconfiança (Sztompka, 1999:140-2).

Considerando que a confiança envolve reciprocidade, tanto a polícia como o cidadão pode perguntar: Como confiar em quem não confia em mim?

Diante desse contexto, poderíamos afirmar que seria pouco provável a hipótese de construir uma cultura de confiança na polícia, no entanto, isso seria o mesmo que naturalizar a desconfiança na instituição policial e reconhecer que há algo errado com o sistema de segurança pública e que ele oferece riscos à democracia (Sztompka, 1999:146).

Neste sentido, é oportuno retomar o modelo de Sztompka (1999:133) que aceita a possibilidade de construir a cultura de confiança, mesmo que a base esteja fundada em uma tradição de desconfiança, pois serão as políticas implementadas o determinante para essa construção, principalmente no que tange ao desenvolvimento das instituições.

Sztompka identifica cinco variáveis independentes que constituem a estrutura de oportunidade para aplicação de políticas públicas, a saber: (1) coerência normativa; (2) estabilidade da ordem social; (3) transparência da organização social; (4) familiaridade com o ambiente social; e (5) accountability das pessoas e instituições.

Para desenvolver uma cultura onde o cidadão possa confiar na instituição policial, é necessário debater sobre as oportunidades onde podem ser implementadas políticas públicas em cada uma dessas variáveis que compõem essa estrutura.

Para aumentar a coerência normativa, é necessário que a instituição desempenhe sua missão da forma prevista em lei, educando seus representantes para atingir esse objetivo, bem como, é necessário que o cidadão conheça tal missão, a fim de que a demanda gerada também seja coerente e que ele reconheça a possibilidade de se sujeitar ao poder coercitivo do estado, desempenhado pela instituição policial.

Para fortalecer o sentimento de estabilidade social, as mudanças geradas no sistema de segurança pública, as quais afetam diretamente a instituição policial, precisam ser consistentes e oferecer a garantia de que serão mantidas por período não-transitório. Além disso, as pessoas precisam sentir que os representantes da instituição conhecem o trabalho que desempenham e qual o objetivo que estão perseguindo.

Quanto à elevação da transparência, a instituição deve investir em pesquisas que avaliem os resultados de suas ações, a fim de estabelecer um planejamento estratégico em consonância com os objetivos institucionais. Além disso, as ações policiais, com exceção daquelas que são sigilosas em razão da periculosidade que as envolve, devem ser divulgadas pela mídia, entretanto, essa relação deve ser reestruturada, a fim de que a informação não se transforme em disputa de poder e impeça a transparência.

A familiaridade está relacionada, conforme Sztompka, com o comportamento dos representantes da instituição, não apenas no que tange ao exercício legal do poder, mas a forma como o contato se estabelece. Pode ser que o melhor momento para desenvolver uma relação familiar entre policial e cidadão seja em situações de prevenção, onde o crime não ocorreu e onde o policial não está exercendo o poder coercitivo, exemplo disso são as ações de policiamento comunitário, onde inclusive o cidadão tem o seu papel previsto.

A consolidação das instituições democráticas ocorrerá através da accountability. No que diz respeito ao controle externo da polícia, um dos mecanismos que instrumentaliza a desconfiança no uso do poder pelo policial é a Ouvidoria da Polícia, que no estado de São Paulo, fiscaliza a ação policial através das denúncias recebidas, como demonstra o quadro abaixo:

|Policiais Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias |

|na Ouvidoria da Polícia de São Paulo |

|Resumo 1998 – 2002 |

|Instituição |Denunciados na |Procedimentos |Policiais |Punições |Policiais Punidos |

| |Ouvidoria |Instaurados |Investigados |(Indiciamento, Proc.| |

| | | | |Crime, Punição Adm.)| |

|Polícia Militar |8332 |2394 |3463 |2613 |2321 |

|Polícia Civil |5571 |742 |1010 |578 |500 |

|Total |13903 |3136 |4473 |3191 |2821 |

A Ouvidoria recebe as denúncias e as encaminha para a respectiva instituição, que procederá a investigação e apuração dos fatos. O quadro demonstra que do total de denúncias contra a Polícia Militar, 31,36% (2613) delas resultaram em punição para 2321 policiais militares, enquanto que as denúncias contra a Polícia Civil, 10,37% (578) geraram punição para 2821 policiais civis. Além da Ouvidoria, cada instituição conta com sua própria Corregedoria que é responsável pelo controle interno. Portanto, os instrumentos existem, mas é necessário que sejam incrementados.

Conclusão

A conclusão a que chego é que a confiança do cidadão na instituição policial é um patamar social difícil de ser alcançado, não apenas por que uma parcela de seus representantes adota comportamento desviante e abusam do poder, mas principalmente em razão da peculiaridade do serviço policial, que mesmo respeitando o aspecto legal tem grande probabilidade de ser associado a uma experiência negativa, cujo fator tem efeito direto na desconfiança, a qual pode ser generalizada.

Não é apenas a eficiência policial que está em discussão, mas o modo social em que a relação polícia/cidadão se estabelece. Neste contexto é premente a necessidade de implementação de políticas públicas que possam interferir nessa relação, objetivando a construção de uma cultura de confiança.

Bibliografia

BAYLEY, D. H. (2001). Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. Trad. de René Alexandre Belmonte. São Paulo: Edusp (Série Polícia e Sociedade,1).

KAHN, Túlio (1997). Os Negros e a Polícia: recuperando a confiança mútua. São Paulo: GPD – Grupo de Pesquisa da Discriminação ().

MOISÉIS, J.A. (2005). Cidadãos, Confiança Política e Instituições Democráticas. Prova de Erudição apresentada no Concurso para o cargo de Professor Titular de Ciência Política da FFLCH/USP.

NEWTON, K. (1999). Social and Political Trust in Established Democracies, in Norris, P. (1999), Critical Citizens: Global Support for Democratic Government, Oxford: Oxford Univ. Press.

OFFE, C. (1999), ´How Can We Trust our fellow Citizens?´, in Warren, M., Democracy and Trust (1999), Cambridge: Cambridge Univ. Press.

SZTOMPKA, P. (1999), Trust – A Sociological Theory, Cambridge: Cambridge Univ. Press.

Sites Consultados

emplasa..br

Empresa Paulista de Planejamento Paulistano S.A. Este site organiza os dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e os apresenta em tabelas, com distribuição no município de São Paulo e região da Grande São Paulo.

ouvidoria-policia..br

Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Este site apresenta dados estatísticos do controle externo exercido sobre a polícia.

polmil..br

Polícia Militar do Estado de São Paulo. Este site apresenta dados, inclusive estatísticos, de ações implementadas pela instituição, bem como sua função, além de outras informações.

seguranca..br

Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. Este site apresenta estatísticas trimestrais, ano a ano, das ações realizadas pela polícia do estado de São Paulo, bem como define a função da polícia, além de outras informações.

TABELA 1

|Município de São Paulo |

|Evolução do Número de Ocorrências Policiais, segundo a Natureza do Crime, Contravenções Penais e Ocorrências Policiais Não-Criminais: 1990/2000 |

|Denominação da Ocorrência |

|Elaboração: Emplasa, 2002 |

|(1) Os totais não incluem as informações referentes aos municípios de Guararema, Salesópolis e Santa Isabel |

|(2) Os totais não incluem as informações referentes aos municípios de Salesópolis e Santa Isabel. |

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[1] Número estimado do total de efetivo da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

[2] Número estimado do total de efetivo da Polícia Civil do Estado de São Paulo

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GRÁFICO 1

GRÁFICO 2

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