Conhecimento Científico sobre Liderança: Uma Análise ...

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RAC, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, art. 3, pp. 434-457, Jul./Ago. 2016



Conhecimento Cient?fico sobre Lideran?a: Uma An?lise Bibliom?trica do Acervo do The Leadership Quarterly

Scientific Knowledge on Leadership: A Bibliometric Analysis of The Leadership Quarterly's Collection

Lucas Martins Turano1 Fl?via Cavazotte1

Pontif?cia Universidade Cat?lica do Rio de Janeiro1

Artigo recebido em 31.10.2014. ?ltima vers?o recebida em 03.08.2015. Aprovado em 24.08.2015. Publicado online em 11.03.2016.

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Resumo

Este trabalho investiga a produ??o cient?fica contempor?nea sobre a lideran?a publicada no The Leadership Quarterly (LQ), o principal peri?dico internacional dedicado exclusivamente ao tema. O estudo se baseia na aplica??o do m?todo bibliom?trico aos 368 artigos publicados pela revista nos ?ltimos seis anos, e examina sua autoria, origem e orienta??o te?rica, bem como suas cita??es e cocita??es. O resultado da an?lise indica que as Novas Teorias sobre a Lideran?a (Lideran?a Carism?tica, Transacional e Transformacional) e a Teoria das Trocas L?der-Seguidor (LMX) s?o os corpos te?ricos dominantes no peri?dico. Esses trabalhos se orientam, majoritariamente, pela abordagem positivista e aplicam metodologias quantitativas de pesquisa. Essas observa??es s?o discutidas quanto ?s suas implica??es para a difus?o da produ??o cient?fica sobre a lideran?a no contexto nacional e internacional.

Palavras-chave: lideran?a; an?lise bibliom?trica; cita??es; cocita??es.

Abstract

This work investigates the contemporary scientific literature on leadership published in The Leadership Quarterly (LQ), the leading international journal devoted exclusively to the subject. The study is based on the application of the bibliometric method to 368 articles published by the journal in the last six years, and examines their authorship, origin, and theoretical orientation, as well as their citations and co-citations. The analysis indicates that the New Leadership Theories (Charismatic, Transactional and Transformational Leadership) and the Leader-Member Exchange Theory (LMX) are the dominant theoretical approaches in the journal. These articles are largely guided by a positivist stance on the subject and apply quantitative research methodologies. These observations are discussed as to their implications for the dissemination of the scientific literature on leadership in the national and international contexts.

Key words: leadership; bibliometric study; citations; cocitations.

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Introdu??o

Segundo Day e Antonakis (2012), dar sentido ?s pesquisas sobre lideran?a pode ser uma tarefa intimidadora, tamanha a profus?o de trabalhos publicados sobre o assunto. Como este tem sido um campo f?rtil e amplo de produ??o cient?fica, acompanhar as pesquisas da ?rea ? uma tarefa complexa at? mesmo para pesquisadores experientes. Com o objetivo de sintetizar e analisar algumas tend?ncias gerais no campo, diversos autores t?m apresentado revis?es narrativas da literatura sobre o tema no cen?rio nacional e internacional (e.g.: Dinh et al., 2014; Fonseca, Porto, & Borges-Andrade, 2015). Muitas dessas an?lises se baseiam em conjuntos espec?ficos de peri?dicos, que certamente s?o parte de um universo mais amplo de produ??o de saber no campo da lideran?a. Por outro lado, a aplica??o de ferramentas bibliom?tricas de an?lise ? produ??o cient?fica sobre o tema ? mais rara, e poucos s?o os trabalhos que as utilizam para analisar tend?ncias editoriais espec?ficas (e.g.: Antonakis, Bastardoz, & Schriesheim, 2014; Fernandes & Vaz, 2010).

Com base nessas observa??es, este artigo tem como prop?sito central investigar a pesquisa cient?fica sobre a lideran?a publicada no The Leadership Quarterly (LQ) de 2008 a 2013. O LQ ? um peri?dico multidisciplinar, com edi??es regulares h? 25 anos, e que tem a lideran?a como tema de interesse focal. Com base no seu fator de impacto, que ? calculado em fun??o do n?mero de cita??es feitas referentes aos artigos nele publicados, pode-se dizer que o LQ ? a principal refer?ncia de produ??o cient?fica sobre a lideran?a entre as revistas tem?ticas existentes. No per?odo analisado neste trabalho, 368 artigos foram publicados pelo jornal. A an?lise do acervo em quest?o se concentra na identifica??o dos corpos te?ricos dominantes sobre o tema na revista, na identifica??o do contexto de origem e perfil dos autores desses trabalhos, e na orienta??o metodol?gica das pesquisas encontradas no peri?dico.

At? a metade da ?ltima d?cada, poucos estudos bibliom?tricos haviam sido publicados no Brasil, sobretudo nas ?reas de gest?o de pessoas, recursos humanos, rela??es de trabalho e temas afins (Vieira & Fischer, 2005). No entanto, este tipo de metodologia oferece uma importante contribui??o para a academia, em fun??o de seu car?ter norteador como ferramenta para a consolida??o da pesquisa sobre temas espec?ficos, na identifica??o de tend?ncias editoriais e fatores que promovem cita??es, e de lacunas para pesquisas futuras, e tem sido cada vez mais utilizada na literatura em administra??o (e.g. Serra, Ferreira, Almeida, & Vanz, 2012; Sobral & Mansur, 2013).

Este artigo busca contribuir para a reflex?o sobre a lideran?a enquanto tema de interesse central nas organiza??es contempor?neas e identificar as bases do conhecimento que t?m orientado a produ??o do principal peri?dico internacional dedicado ao tema, com base na aplica??o do m?todo bibliom?trico. Uma vez que a pesquisa cient?fica sobre a lideran?a tem sido constru?da majoritariamente no contexto internacional, com relativamente pouca participa??o de pesquisadores brasileiros nesse contexto (Sant'anna, Vaz, Nelson, Campos, & Leonel, 2009), este trabalho tamb?m contribui para uma melhor compreens?o das tend?ncias editoriais da ?rea e para o debate sobre o estado da arte desse campo nos dias atuais.

Referencial Te?rico

A lideran?a ? um dos fen?menos mais estudados nas Ci?ncias Sociais, e constitui tem?tica que j? acumula mais de um s?culo de pesquisas cient?ficas (Day & Antonakis, 2012). Como ela est? presente em in?meros ambientes, tais como escolas, quart?is, empresas, comunidades e quaisquer outras organiza??es ou grupos sociais, a lideran?a ? um t?pico de interesse multidisciplinar e um rico campo para estudos e pesquisas (Bass, 2008). Estudar a lideran?a viabiliza um melhor entendimento das din?micas sociais e das realiza??es coletivas. Particularmente nas ?reas de Gest?o e Administra??o de Neg?cios, a lideran?a ? considerada um fen?meno de interesse central, ve?culo fundamental na cria??o de valor nas empresas (Schein, 2007), no desenho e na execu??o eficaz de estrat?gias nas organiza??es

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(Kotter, 2001), e por isso tem recebido destaque tanto na literatura acad?mica (Yukl, 1989, 2012) quanto na m?dia de neg?cios (e.g.: Schreyer, 2010).

De acordo com Burns (1978), at? o final da d?cada de 1970, muitas informa??es haviam sido levantadas sobre a lideran?a, e mais de 130 diferentes defini??es apresentadas, sem que houvesse emergido nenhuma conceitua??o definitiva ou plenamente aceita. De fato, a lideran?a ? um fen?meno complexo e multifacetado (Day & Antonakis, 2012), o que dificulta a sua precisa defini??o. Contudo, as diferentes acep??es dispon?veis parecem explorar aspectos distintos desse processo, enfatizando um ou outro fator espec?fico (Yukl, 2006). Com base no conhecimento acumulado sobre o tema, ? poss?vel dizer que h? alguns elementos essenciais que caracterizam a lideran?a e sobre os quais existe consenso. A lideran?a envolve: (a) um processo de influ?ncia, (b) a intera??o din?mica entre l?deres e seguidores, (c) a busca pelo atingimento de metas ou objetivos espec?ficos, e (d) a promo??o de algum grau de transforma??o em um determinado contexto social. Assim, a lideran?a pode ser definida como um processo interativo no qual l?deres influenciam seus seguidores para empreender esfor?os e alcan?ar objetivos transformadores dos contextos em que atuam.

Delfino, Silva e Rohde (2010) analisaram a produ??o de pesquisas sobre lideran?a no Brasil de 1995 a 2009 e observaram um aumento nas publica??es sobre o tema com o passar dos anos, particularmente entre 2006 e 2009. Por outro lado, evidenciou-se, tamb?m, que muitos dos estudos apresentados em eventos n?o evolu?ram para uma publica??o em peri?dicos. Mais recentemente, com base em um levantamento dos artigos publicados sobre lideran?a em peri?dicos nacionais de 1996 a 2013, Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015) descrevem o campo no Brasil como ainda embrion?rio, onde predominam estudos qualitativos explorat?rios.

Hist?rico das pesquisas sobre lideran?a

O campo de estudos sobre a lideran?a perpassa de forma ampla diferentes disciplinas (ver Bryman, Collinson, Grint, Jackson, & Uhl-Bien, 2011). As perspectivas pol?ticas e filos?ficas se estendem desde os cl?ssicos da antiguidade at? as abordagens cr?ticas da p?s-modernidade, e examinam aspectos do fen?meno associados ?s din?micas de poder e ? ?tica. As perspectivas econ?micas e sociol?gicas, em associa??o com as teorias organizacionais e o pensamento administrativo, analisam a lideran?a com foco em temas como estrat?gia, redes e cultura. Na perspectiva da psicologia, disciplina que talvez tenha mais contribu?do para a forma??o das teorias contempor?neas sobre lideran?a, o fen?meno tem sido estudado a partir de conceitos como personalidade e diferen?as individuais, intera??es sociais e do comportamento em grupo.

Das abordagens cl?ssicas, que remontam ? antiguidade, focadas nas figuras de emblem?ticos conquistadores e l?deres militares, aos dias atuais, as vis?es sobre a lideran?a em larga escala refletem o contexto hist?rico, pol?tico e cultural no qual emergiram (Grint, 2011) ? ? sobre o cen?rio em que a lideran?a ocorre, seu contexto temporal e seus desafios, que discorrem as teorias. Apesar de a literatura demarcar o come?o das pesquisas cient?ficas sobre o tema no in?cio do s?culo XX (Day & Antonakis, 2012; Lowe & Gardner, 2001), v?rios textos produzidos na era antiga e medieval continuam populares na atualidade, como A Arte da Guerra, o primeiro e talvez mais not?rio manual sobre lideran?a, elaborado com base nos ensinamentos de Sun Tzu entre 400-320 a.C., e o livro O Pr?ncipe, escrito entre 1513 e 1514, em que Machiavel descreve as pr?ticas pol?ticas de seu tempo.

De acordo com Grint (2011), ainda na era vitoriana, o fasc?nio pela figura do her?i inicia a busca pelo entendimento das caracter?sticas definidoras de um l?der. At? o final da d?cada de 1940, a escola dos tra?os, tamb?m denominada teoria do grande homem, considerada a primeira escola entre as perspectivas formais sobre o tema, teve um papel dominante nos estudos sobre o fen?meno (House & Aditya, 1997; Northouse, 2010). Partindo do pressuposto de que l?deres j? nasciam predestinados e equipados para exercer esse papel, essa perspectiva buscou identificar os tra?os e as qualidades inatas que fazem com que determinada pessoa se torne um grande l?der (Day & Antonakis, 2012). Essa teoria foi criticada por ser vista como determinista, ignorar fatores situacionais e n?o tratar o processo da

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lideran?a de uma maneira hol?stica (Northouse, 2010). Segundo Gardner, Lowe, Moss, Mahoney e Cogliser (2010), houve um decl?nio na propor??o de artigos publicados com foco nessa perspectiva.

Orientado pela expans?o da ind?stria, pelo surgimento das grandes corpora??es e pela aten??o aos sistemas e processos racionais na administra??o, posteriormente o pensamento sobre a lideran?a se afasta da figura do l?der como her?i para equaliz?-la com a ocupa??o eficaz de posi??es de gest?o (Grint, 2011). Assim, na d?cada de 1950, muitos pesquisadores passaram a atentar para a forma como os l?deres agem no ambiente de trabalho, atrav?s das abordagens comportamentais (Yukl, 2006). Apesar de tamb?m ter como foco central a figura do l?der, nesta perspectiva o comportamento grupal passou a ser analisado (Bryman, 2004). Nesse sentido, foi verificado que os l?deres variavam na orienta??o de seus comportamentos. L?deres orientados para pessoas buscariam fundamentalmente criar um forte relacionamento com seus subordinados. Por outro lado, o foco do l?der orientado para tarefas seria a produtividade e o cumprimento de metas laborais (Parry & Bryman, 2006). Apesar de o interesse por essa perspectiva ter diminu?do na atualidade (Day & Antonakis, 2012), muitas de suas ideias originais foram incorporadas em perspectivas posteriores sobre a lideran?a.

No per?odo que se estendeu at? o final da d?cada de 1960, em meio ? Guerra Fria e expans?o da domina??o americana no cen?rio global, o entendimento racional sobre o contexto e a necessidade de adapta??o passam a ter preced?ncia no pensamento sobre a lideran?a (Grint, 2011). Assim, surgiram as teorias contingenciais. Segundo Yukl (2006), essa escola explora certos aspectos do contexto em que a lideran?a ocorre, e que podem alterar a efetividade e o poder de influ?ncia dos l?deres. Para exercer influ?ncia efetivamente sobre um grupo, o l?der deveria ser capaz de adaptar seu comportamento ?s diferentes situa??es (Bowditch & Buono, 2002). Alguns dos aspectos situacionais relevantes seriam a natureza da tarefa a ser realizada, o grau de legitimidade e poder do l?der estabelecido por via de estruturas formais, e o tipo de relacionamento entre ele e os membros do grupo (Fiedler, 1967). No entanto, uma forte cr?tica a essa perspectiva ? o fato de ela n?o ter sido verificada empiricamente atrav?s de m?todos robustos de investiga??o cient?fica, e se basear em construtos que n?o foram adequadamente validados e testados (Yukl, 2006). Gardner et al. (2010) afirmam que essas perspectivas tamb?m se tornaram praticamente inativas no campo de estudos sobre a lideran?a, constituindo apenas 1% dos trabalhos publicados na primeira d?cada do s?culo XXI.

Na d?cada de 1970, logo ap?s o movimento das teorias contingenciais, surgiu a escola relacional da lideran?a. Apesar de a discuss?o sobre a orienta??o para relacionamentos estar presente na perspectiva comportamental, e das perspectivas contingenciais considerarem o tipo de rela??o existente entre l?deres e seguidores, as teorias at? ent?o haviam estudado o fen?meno com foco no l?der ou no contexto. Essa escola, por?m, toma a rela??o entre o l?der e cada um de seus seguidores como objeto central de interesse. O movimento come?a com a Teoria dos V?nculos Di?dicos Verticais (Dansereau, Graen, & Haga, 1975) e evolui at? o desenvolvimento da teoria das Trocas entre L?der e Seguidores, conhecida pela sigla LMX (Leader-Member Exchange) (Graen & Uhl-bien, 1995).

De acordo com Graen e Uhl-bien (1995), relacionamentos di?dicos verticais entre um l?der e seus diversos seguidores poderiam variar em termos qualitativos, desde uma troca limitada ao contrato formal de trabalho, na qual o indiv?duo tem seus pap?is estreitamente definidos, at? um relacionamento de alta qualidade, baseado na confian?a, no respeito e no alto envolvimento, e no qual os indiv?duos det?m pap?is expandidos. Esses dois tipos de relacionamentos permitiriam a forma??o de um grupo de seguidores mais pr?ximos do l?der e outro mais distante, denominados in-group e out-group, respectivamente (Graen & Uhl-bien, 1995). Relacionamentos de alta qualidade entre um l?der e seus seguidores promovem melhores resultados do que aqueles em que o respeito m?tuo e a confian?a est?o ausentes, achados esses que foram confirmados em diversas pesquisas emp?ricas (Gerstner & Day, 1997). No entanto, algumas ideias b?sicas dessa teoria n?o foram totalmente desenvolvidas, como a explica??o sobre que fatores facilitariam o desenvolvimento de uma rela??o de alta qualidade entre l?der e seguidores (Northouse, 2010).

Nos anos 1970 e 1980, alguns autores passaram tamb?m a questionar o pensamento tradicional sobre a lideran?a, argumentando que o fen?meno estaria muito mais na mente dos seguidores do que nas a??es objetivas do l?der (e.g.: Lord, Binning, Rush, & Thomas, 1978). Essas perspectivas t?m em

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comum o deslocamento da aten??o da figura do l?der para a dos seguidores e seu papel no processo da lideran?a. Como para esses autores s?o os seguidores que legitimam e empoderam os l?deres, sua aten??o se debru?a sobre suas atribui??es (e.g.: Calder, 1977; Meindl, Ehrlich, & Dukerich, 1985). Alguns pensadores chegam a considerar os l?deres irrelevantes, inaugurando o ceticismo como uma escola de pensamento sobre o tema (Pfeffer, 1977). Nesse per?odo, tem origem a abordagem de teorias impl?citas da lideran?a (e.g.: Eden & Leviatan, 1975), baseada no pressuposto de que expectativas sobre o l?der influenciam as percep??es dos indiv?duos sobre seu comportamento. O foco nos seguidores tamb?m propulsiona as teorias focadas no processamento de informa??es (Lord, Foti, & De Vader, 1984), que procuram compreender o papel das cogni??es, afetos, identidade dos seguidores e da prototipicalidade dos l?deres no processo da lideran?a. Outra perspectiva que tamb?m desloca a aten??o da figura do l?der para os seus substitutos discute a lideran?a dispersa (Manz & Sims, 1991), que em conjunto com o enfoque gerencial no conceito de empoderamento (e.g.: Conger & Kanungo, 1988) e em equipes autogerenciadas, contribuem para as bases da teoria da lideran?a compartilhada (Pearce & Sims, 2001).

A partir do final da d?cada de 1980, ap?s um per?odo de relativa quietude no campo, surge a teoria da lideran?a carism?tica, uma das perspectivas que constituem a escola da nova lideran?a (Day & Antonakis, 2012). A teoria, considerada por alguns autores uma volta ao passado por seu enfoque em indiv?duos inspiradores (Grint, 2011), causou um grande impacto e desenvolveu as ideias do soci?logo Max Weber (1920/1947), que aplicou originalmente o conceito de carisma aos l?deres. Ela se baseia, primeiramente, no estudo de House (1977) e, posteriormente, nos trabalhos de Conger e Kanungo (1987) e Shamir, House e Arthur (1993). De acordo com esses autores, carisma ? um fator de influ?ncia atribu?do pelos seguidores a um l?der. L?deres carism?ticos t?m, geralmente, um v?nculo emocional ?nico com seus seguidores, baseado, essencialmente, em valores compartilhados. Dessa forma, o impacto oriundo de suas habilidades carism?ticas auxiliaria no est?mulo ao engajamento dos seguidores (House, 1977; Shamir, House, & Arthur, 1993). Al?m disso, a grande maioria desses l?deres teria uma forte autoconfian?a e convic??o em seus pr?prios ideais e cren?as, assim como uma alta necessidade de poder (Yukl, 2006).

As teorias da lideran?a transformacional e transacional, que constituem a chamada Full-Range Leadership Theory, ou Modelo de Extens?o Total da Lideran?a (Bass, 2008), tamb?m fazem parte da escola da nova lideran?a, e est?o baseadas, primordialmente, no trabalho seminal de Burns (1978). De acordo com esse autor, as rela??es transformadoras t?m um efeito maior nos seguidores e nas massas do que as transacionais, porque est?o baseadas no transcender e na busca pelo alcance de metas e ideais de grande impacto, compartilhadas pelo l?der e seus seguidores. Por outro lado, as rela??es transacionais teriam um escopo mais limitado, sendo focadas em interesses de parte a parte, transa??es que objetivam obter compensa??es materiais e emocionais ou apoio pol?tico (Burns, 1978).

A teoria da lideran?a transformacional parte das ideias de Burns e das discuss?es sobre carisma presentes na literatura, mas centraliza a aten??o na motiva??o e desenvolvimento dos seguidores (Northouse, 2010). A perspectiva toma f?lego entre pesquisadores americanos na d?cada de 1990, ap?s a globaliza??o incrementar a competi??o nos mercados, e a introdu??o de novas tecnologias e de pr?ticas gerenciais como o redesenho de processos aumentarem a necessidade de gerenciar mudan?as no mundo corporativo. Cinco dimens?es b?sicas comp?em esse tipo de lideran?a: (a) carisma, (b) influ?ncia idealizada, (c) motiva??o inspiracional, (d) estimula??o intelectual e (e) considera??o individualizada (Bass, 1998). Contudo, a dimens?o do carisma, baseada, fundamentalmente, na pr?pria lideran?a carism?tica, n?o ? considerada um comportamento do l?der transformacional por um grande n?mero de autores (e.g.: Yukl, 2006). De acordo com Gardner et al. (2010), as teorias da nova lideran?a (carism?tica, transacional e transformacional) dominaram o campo em termos de n?mero de publica??es nos anos subsequentes.

Na primeira d?cada do s?culo XXI, em meio a ondas de ataques terroristas, esc?ndalos corporativos, crises econ?micas e desafios socioambientais, emergiu uma nova teoria baseada na filosofia e na psicologia positiva: a teoria da lideran?a aut?ntica (Yukl, 2006). Ela busca discutir, essencialmente, como seria uma lideran?a mais ?tica e mais efetiva para lidar com os desafios de nosso tempo (Luthans & Avolio, 2003). De acordo com a literatura, os quatro principais comportamentos de l?deres aut?nticos s?o: (a) processamento balanceado de informa??es, (b) perspectiva moral

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internalizada, (c) transpar?ncia relacional e (d) autoconhecimento (Gardner, Avolio, Luthans, May, & Walumbwa, 2005).

Uma cr?tica a essa abordagem ? o fato de ela n?o ser considerada totalmente nova, uma vez que, para alguns autores, ela se confunde com a teoria da lideran?a ?tica (Brown, Trevi?o, & Harrison, 2005) e a da lideran?a transformacional, mesmo que parcialmente (e.g.: Cooper, Scandura, & Schriesheim, 2005). Apesar de j? contar com diversos trabalhos publicados (Gardner, Lowe, Moss, Mahoney, & Cogliser, 2010), esta teoria ainda careceria de um desenvolvimento mais substancial (Yammarino, Dionne, Schriesheim, & Dansereau, 2008).

A descri??o das perspectivas sobre lideran?a apresentada nesta se??o n?o tem o intuito de ser exaustiva, mas de clarificar como o pensamento sobre o tema vem evoluindo ao longo do tempo. A partir da reflex?o sobre as proposi??es de algumas das principais escolas de pensamento, depreende-se que as teorias sobre lideran?a t?m procurado n?o apenas esclarecer a natureza do fen?meno, mas, tamb?m, identificar fatores associados ? sua efetividade. Dessa forma, as escolas enfatizam diferentes aspectos tais como tra?os e comportamentos dos l?deres, fontes de poder e caracter?sticas dos seguidores, bem como din?micas relacionais que promovem ou favorecem o exerc?cio do papel de l?der, isto ?, de agente capaz de influenciar seguidores a perseguir objetivos transformadores dos contextos em que atuam. Tal busca parte do pressuposto de que a lideran?a pode ser explicada e at? mesmo favorecida por esse conhecimento, se aplicado ao desenvolvimento de l?deres (Yukl, 2012). Assim, os estudos cient?ficos sobre o tema v?m incrementalmente avan?ando o conhecimento sobre esse complexo processo, que constitui um importante catalisador das realiza??es coletivas e de excel?ncia nas organiza??es.

M?todo do Estudo

Este trabalho, explorat?rio e de natureza quantitativa, busca fazer uma an?lise da produ??o cient?fica contempor?nea sobre o tema lideran?a, a partir de uma investiga??o sistem?tica do acervo do peri?dico internacional The Leadership Quarterly (LQ). Com esse objetivo, adotou-se o m?todo bibliom?trico como t?cnica para examinar o universo de artigos publicados na revista no intervalo que compreende janeiro de 2008 at? dezembro de 2013, a fim de verificar os principais corpos te?ricos que orientam sua produ??o e as tend?ncias editoriais da revista.

O peri?dico internacional LQ foi fundado em 1990 e possui publica??es quadrimestrais. A revista, que segue o sistema de double-blind peer review, abrange a produ??o cient?fica multidisciplinar sobre a lideran?a nos campos da ci?ncia pol?tica, psicologia organizacional, sociologia e a ci?ncia comportamental, entre outros, e almeja como audi?ncia pesquisadores, consultores, gestores executivos e administradores de forma geral, assim como educadores que lecionem a cadeira de lideran?a nas grades universit?rias (Elsevier, n.d.).

O peri?dico foi escolhido como objeto de estudo intencionalmente, uma vez que pode ser considerado uma refer?ncia internacional sobre a lideran?a. Ele figura entre os dez que est?o no topo dos rankings internacionais da ?rea de comportamento organizacional e publicam pesquisas sobre lideran?a, sendo o ?nico tem?tico. Entre os jornais que t?m a lideran?a como foco central, o LQ ? presentemente a revista com o maior fator de impacto segundo o JCR (FI 2013 = 2,01; FI em 5 anos = 3,01). Vale ressaltar, ainda, que o volume de produ??o do peri?dico no campo ? expressivo: considerando apenas pesquisas originais sobre lideran?a, de 2000 a 2012 o LQ publicou um total de artigos quatro vezes maior que o do Journal of Applied Psycology, e dez vezes maior que o do Academy of Management Journal (Dinh et al., 2014). Quanto ao intervalo temporal do estudo, buscou-se coletar os artigos dos ?ltimos seis anos, uma vez que podem ser classificados como recentes e, por isso, representam as pesquisas de ponta sobre o tema veiculadas pelo jornal.

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A bibliometria ? um m?todo de an?lise de dados bibliogr?ficos que tem o intuito de encontrar padr?es e tend?ncias por interm?dio do tratamento de cita??es e cocita??es (D. White & Mccain, 1998; H. White & Griffith, 1981). Esse m?todo pode ter como objeto central uma ampla gama de trabalhos, como teses e disserta??es, autores, livros, not?cias, entre outros (Serra et al., 2012). Essencialmente, a an?lise de cita??es procura identificar os estudos referendados nos trabalhos publicados. Quando um autor busca uma refer?ncia e realiza uma cita??o, parte-se do princ?pio de que os trabalhos citados s?o afins e, na maior parte dos casos, relevantes para o embasamento te?rico e a trama argumentativa da pesquisa realizada (Serra et al., 2012). Portanto, depreende-se que, essencialmente, os trabalhos que recebem mais cita??es apresentam uma maior influ?ncia no desenvolvimento de uma teoria, na discuss?o sobre um fen?meno ou em um campo do conhecimento (Antonakis et al., 2014).

A etapa subsequente da an?lise de cocita??es se assenta em identificar poss?veis pares ou grupos de trabalhos que s?o citados simultaneamente em outros. Esse tipo de an?lise busca mapear trabalhos com conte?dos comuns e teorias semelhantes em estudo. A partir da constru??o conjunta de uma teoria ou campo do conhecimento, por meio de pares ou grupos de trabalhos, as ideias propostas revelam sua forte relev?ncia e alcance (Serra et al., 2012). D. White e McCain (1998) afirmam ainda que, a partir disso, ? poss?vel identificar de que forma os trabalhos est?o relacionados.

Procedimentos e amostra

No que concerne aos procedimentos da pesquisa, realizou-se, primeiramente, uma busca na base de dados do ISI Web of Knowledge. Essa ferramenta foi escolhida porque ela realiza a indexa??o em sua base de todos os artigos publicados no LQ no per?odo selecionado para a realiza??o do estudo. O pr?ximo passo foi a utiliza??o do software Bibexcel, que organizou os dados necess?rios para a constru??o das tabelas descritivas de an?lise. As refer?ncias foram normalizadas manualmente, a fim de que os nomes de autores, assim como os volumes e p?ginas publicadas, n?o apresentassem quaisquer inconsist?ncias. Quando livros iguais, por?m de edi??es diferentes, foram citados, eles foram agrupados de acordo com a edi??o que havia recebido mais cita??es. Na pen?ltima fase, a matriz de cocita??es gerada no Bibexcel foi inserida no software Ucinet, gerando uma rede de cocita??es. Da mesma forma, como ?ltima etapa, a matriz de cocita??es foi tamb?m inserida no Statistics Packet for Social Science (SPSS) para uma an?lise multivariada, que culminou na constru??o de um mapa de cocita??es com seus clusters identificados a partir da leitura detalhada dos trabalhos.

A Figura 1 ilustra e resume o m?todo utilizado, indicando cada uma das etapas realizadas ao longo do processo de pesquisa.

Figura 1. Diagrama de Tratamento dos Dados

Fonte: Elaborado pelos Autores.

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