O Rio de Janeiro Através dos Jornais



O Rio de Janeiro Através dos Jornais

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O Rio de Janeiro Através dos Jornais

João Marcos Weguelin

Copyright:

© 1998 Escola do Futuro da Universidade de São Paulo

Fonte Digital:

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo

bibvirt.futuro.usp

Foto capa: Rio Orla - Galeria de Fotos do Rio de Janeiro



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1888 - 1969

Desenvolvida por João Marcos Weguelin, esta pesquisa compila trechos de jornais de 1888 a 1969, retratando alguns dos personagens e episódios que influenciaram a história recente brasileira - como o escritor Machado de Assis, o político Rui Barbosa e o músico Noel Rosa; a promulgação da Lei Áurea, a revolução de 1964 etc. Foram consultados 62 jornais cariocas para reunir o acervo - o resultado, no entanto, é um panorama que ultrapassa as fronteiras desse estado.

Entre na pesquisa

Fontes Bibliográficas

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Ano — Tópico

1888 - Lei Áurea

1889 - Atentado contra D. Pedro II

1889 - Proclamação da República

1892 - Jogo do Bicho

1892 - Primeiro bonde elétrico

1893 - Revolta da Armada

1897 - Salão de Novidades Paris no Rio

1897 - Atentado contra Prudente de Moraes

1900 - Bezerra de Menezes

1904 - Revolta da Vacina

1905 - Avenida Central

1908 - Machado de Assis

1909 - Teatro Municipal

1909 - Euclides da Cunha

1910 - Revolta dos Marinheiros

1912 - Barão do Rio Branco

1913 - Carestia

1913 - Pereira Passos

1914 - Edu Chaves

1915 - Pinheiro Machado

1918 - Alcindo Guanabara

1918 - Gripe Espanhola

1918 - Final da Primeira Guerra Mundial

1918 - Revolta dos Anarquistas

1918 - Olavo Bilac

1919 - Campeonato Sulamericano

1921 - João do Rio

1922 - Revolta do Forte

1922 - Lima Barreto

1923 - Rui Barbosa

1930 - Sinhô

1930 - Revolução de 30

1931 - Cristo Redentor

1935 - Intentona Comunista

1939 - Prisão de Luiz Carlos Prestes

1936 - Pedro Ernesto

1937 - Noel Rosa

1937 - Golpe de 1937

1938 - Revolta Integralista

1945 - Vargas Deposto

1946 - Fechamento dos Cassinos

1950 - Copa de 1950

1952 - Francisco Alves

1954 - Morte Vargas

1962 - Mineirinho

1964 - Comício da Central do Brasil

1964 - Revolução de 1964

1968 - Edson Luis

1968 - Passeata dos Cem Mil

1969 - Seqüestro do Embaixador Americano

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1) Lei Áurea (1888)

"Lei 3.353 de 13 de Maio de 1888 Declara Extinta A Escravidão no Brasil.

A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Magestade o Imperador, o senhor D. Pedro II faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e Ela sancionou a Lei seguinte:

Art 1º - É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.

Art 2º - Revogam-se as disposições em contrário.

Manda portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.

O Secretário de Estado dos Negócios da Arquitetura, Comércio e Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Magestada o Imperador, a faça imprimir e correr.

Dada no palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888, 67 da Independência e do Império. Princesa Regente Imperial - Rodrigo Augusto da Silva.

Desde 1 hora da tarde de anteontem começou a afluir no Arsenal da Marinha da corte grande número de senhoras e cavalheiros que ali iam esperar a chegada de Sua Alteza a Princesa Imperial Regente.

As 2 horas e ¾ da tarde chegou a galeota imperial trazendo a seu bordo Sua Alteza a Princesa Regente acompanhada de seu augusto esposo Sua Alteza o Sr. Conde d'Eu, general Miranda Reis, e chefe de divisão João Mendes Salgado e dos ministros de agricultura e império.

Sua Alteza trajava um vestido de sêda cor de pérolas, guarneado de rendas valencianas. Ao saltar no Arsenal foi Sua Alteza vistoriada pelas senhoras que ali se achavam, erguendo-se vivas a Sua Alteza e a Sua Magestade o Imperador.

Às 2 ½ horas da tarde já era difícil atravessar-se o perímetro compreendido nas proximidades do paço da cidade. Calculamos para mais de 10.000 o número de cidadãos, que ali aguardavam a chegada de Sua Alteza Princesa Regente. (...)

Pouco antes das 3 horas da tarde, anunciada a chegada de Sua Alteza por entusiasmáticos gritos do povo, que em delírio a aclamava, abrindo alas, ministério, camaristas e damas do paço vieram recebê-la à porta.

Acompanhada de seu augusto esposo, subiu a princesa, tendo formado alas na sacada grande número de senhoras que atiravam flores sobre a excelsa Regente.

Em seguida a comissão do senado fez a sua entrada na sala do trono para apresentar a Sua Alteza os autógrafos da lei. Nesta raia acham-se à direita do trono ministros e à esquerda os semanários e damas do paço. A comissão colocou-se em frente ao trono, junto ao qual estava Sua Alteza, de pé, então o sr. Senador Dantas, relator da comissão, depois de proferir algumas palavras, entregou os autógrafos ao presidente do conselho, para que este, por sua vez, os entregasse a Sua Alteza.

O sr. ministro da agricultura, depois de traçar por baixo dos autógrafos o seguinte: - Princesa Imperial Regente em nome de S.M. o Imperador, consente - entregou-os a Sua Alteza que os assinou bem como o decreto, servindo-se da riquíssima e delicada pena de ouro que lhe foi oferecida.

O povo que se aglomerava em frente do paço, ao saber que já estava sancionada a grande Lei chamou Sua Alteza, que aparecendo à janela, foi saudada por estrepitosos vivas. (...)"

Gazeta da Tarde, 15 de maio de 1888

 

"Durante o dia e a noite de ontem continuavam cheios de animação as festas comemorativas da liberdade nacional. A rua do Ouvidor, constantemente cheia de povo, apresentava o belo aspecto dos grandes dias fluminenses. As casas marginais primorosamente ornamentadas estavam repletas de senhoras. De tempos em tempos, aqui, alí, acorria um viva aos heróis da abolição cortava os ares estridentes.

De ocasiões em ocasiões, um prestito passava saudando as redações dos diversos jornais. Geral o contentamento, enfim, transbordando da grande alma popular, que andava cantando a epopéia homerica da redenção."

Cidade do Rio, 18 de maio de 1888

 

"A sessão do senado foi das mais imponentes e solenes que se tem visto. Antes de abrir-se a sessão, o povo que cercava todo o edifício, com justificada avidez de assistir ao que ali se ia passar, invadiu os corredores e recintos da câmara vitalícia.

As galerias, ocupadas por senhoras, davam um aspecto novo e entusiasmático ao senado, onde reina a calma imperturbável da experiencia.

Ao terminar o seu discurso, o senador Correia, que se congratulou com o país pela passagem do projeto, teve uma ovação por parte do povo.

Apenas o senado aprovou quase unanimemente o projeto, irrompeu uma salva prolongada de palmas, e vivas e saudações foram levantadas ao senado, ao gabinete 10 de março, à absolvição, aos senadores abolicionistas e a S.A. Imperial Regente.

Sobre os senadores caiu nessa ocasião uma chuva de flores, que cobriu completamente o tapete; foram saltados muitos passarinhos e pombas. (...)

Gazeta de Notícias, 14 de maio de 1888

 

"Continuavam ontem com extraordinária animação os festejos populares. Ondas de povo percorriam a rua do Ouvidor e outras ruas e praças, em todas as direções, manifestando por explosões do mais vivo contentamento o seu entusiasmo pela promulgação da gloriosa lei que, extingüindo o elemento servil, assinalou o começo de uma nova era de grandeza, de paz e de prosperidade para o império brasileiro. (...) Em cada frase pronunciada acerca do faustoso acontecimento traduzia-se o mais alto sentimento patriótico, e parecia que vinham ela do coração, reverberações de luz.

Mal podemos descrever o que vimos. Tão imponente, tão deslumbrante e magestoso é o belíssimo quado de um povo agitado pela febre do patriotismo, que só d'ele poderá fazer idéia quem o viu, como nós vimos. Afigura-se-nos que raríssimas são as histórias das nações os fatos comemorados pelo povo com tanta alegria, com tanto entusiasmo, como o da promulgação da gloriosa lei de 13 de maio de 1888."

Gazeta de Notícias, 15 de maio de 1888

"O Carbonário - Rio 14 de maio de 1888: -

Coube ainda a muito dos descrentes desta reforma vê-la realizada em nossos dias. Daí essa alegria imensa, maior mesmo do que era dado esperar, de fato tão auspicioso. Maior, porque a alegria de nossa população é tão sincera, que não tem dado lugar a mais leves exprobação ao povo em sua expansão. Muitos eram os que desejavam de coração, ardentemente, anciosamente, mas não supunham vê-la tão cedo realizada. Foi talvez a isso devido a expansão relativamente acanhada do primeiro momento da lei. O golpe era muito profundo, a transformação era tão grande como se fosse um renovamento da sociedade.

Hoje como que nos sentimos em uma pátria nova, respirando um ambiente mais puro, lobrigando mais vastos horizontes. O futuro além se nos mostra risonho e como que nos acena para um abraço de grandezas.

Nós caminhavamos para a luz, através de uma sombra enorme e densa, projetada por essa assomrosa barreira colocada em meio da estrada que trilhavamos - a escravidão. Para que sobre nós se projetasse um pouco dessa luz interna, que se derrama pelas nações cultas, era preciso que essa barreira caisse.

Então, apareceram para a grande derrubada os operários do bem - uns fortes operários, no parlamento e nas associações ateram ombros à assombrosa derrubada. E venceram! Foi ontem! Quando a grande barreira monstruosa da escravidão desabou e caiu, sentiu-se a projeção de uma luz, que nos ilumina. Ficamos atônitos, deslumbrados, como se saissemos de um recinto de trevas para um campo de luz. Bem hajam os que tanto trabalharam por essa grande lei! Não se poderia descrever o entusiasmo do povo desde o momento da promulgação da lei. A cidade vestiu-se de galas, o povo encheu-se goso, o governo cobriu-se de glória!

Nas casas, como nas ruas, a alegria tem sido imensa, indizível, franca e cordeal. Nenhum festejo organizado, nenhuma estudada e falsa manifestação de regozijo; de cada peito rompe um brado, de cada canto surge um homem, de cada homem sai um entusista. E por toda a parte o regozijo é o mesmo, imenso, impossível de descrever.

É que a felicidade que rebentou nesse dia imensamente grande, que completou para o Brasil a obra da sua independência real, é do tamanho de muitos anos de escravidão.

Devia ter sido assim tão grande, tão santa, tão bela, a alegria do povo hebreu quando para além das margens do Jordão, perdida nas névoas do caminho à terra do martírio, ele pôde dizer ao descansar da fuga:

- Enfim, estamos livres, e no seio de Abraham!

Tanto podem hoje dizer os ex-escravos do Brasil, que longe do cativeiro, encontram-se finalmente no seio de irmãos.

Grande e santo dia esse em que se fez a liberdade da nossa pátria!

O Carbonário - 16 de maio de 1888

 

"Está extinta a escravidão no Brasil. Desde ontem, 13 de maio de 1888, entramos para a comunhão dos povos livres. Está apagada a nódoa da nossa pátria. Já não fazemos exceção no mundo.

Por uma série de circunstâncias felizes fizemos em uma semana uma lei que em outros países levaria nos. Fizemos sem demora e sem uma gota de sangue. (...)

Para o grande resultado de ontem concorreram todas as classes da comunhão social, todos os partidos, todos os centros de atividade intelectual, moral, social do país.

A glória mais pura da abolição ficará de certo pertencendo ao movimento abolicionista, cuja história não é este o momento de escrever, mas que libertou províncias sem lei, converteu ambos os partidos à sua idéia, deu homens de Estado a ambos eles e nunca de outra coisa se preocupou senão dos escravos, inundando de luz a consciência nacional.(...)"

"Em todos os pontos do império repercutiu agradavelmente a notícia da promulgação e sanção da lei que extingüiu no Brasil a escravidão. Durante a tarde e a noite de ontem fomos obsequiados com telegramas de congratulações em número avultado e é com prazer que publicamos todas essas felicitações, que exprimem o júbilo nacional pela áurea lei que destruiu os velhos moldes da sociedade brasileira e passou a ser a página mais gloriosa da legislação pátria."

"O júbilo popular explodiu ontem como bem poucas vezes temos presenciado. Nenhum coração saberia conter a onda entusiasmo que o inundava, altaneira, grandiosa, efervescente.

Desde pela manhã, o grande acontecimento, que será sempre o maior da história brasileira, agitava as massas e as ruas centrais da cidade e imediações do senado e paço imperial tinham festivo aspecto, constante e crescente movimento de povo, expansivo, radiante. Era finalmente chegado de atingir-se ao termo da grande conquista, campanha renhida, luta porfiada, sem tréguas, em que a parte honesta da população de todo o império se tinha empenhado desde há dez anos.O decreto da abolição tinha de ser assinado e para isso reuniu-se o senado extraordinariamente. (...)

É inútil dizer que no rosto de toda gente transparecia a alegria franca, a boa alegria com que o patriota dá mais um passo para o progresso da sua pátria. Fora como dentro o povo agitava-se irrequieto, em ondas movediças, à espera do momento em que se declarasse que apenas faltava a assinatura da princesa regente para que o escravo tivesse desaparecido do Brasil. (...)

Logo que se publicou a notícia da assinatura do decreto, as bandas de música estacionadas em frente ao palácio executaram o hino nacional, e as manifestações festivas mais se acentuaram prolongando-se até a noite. O entusiamo popular cresceu e avigorou-se rapidamente, e a instâncias do povo Sua Alteza a Princesa Imperial assomou a uma das janelas do palácio, em meio de ruídos e unânime saudação de mais de 10.000 pessoas que enchiam a praça D. Pedro II . (...)"

O Paiz, 14 de maio de 1888

 

"No meio do entusiasmo do povo pelo sucesso do dia, revelava a multidão a sincera satisfação pelas boas notícias que se haviam recebido acerca do estado de Sua Magestade o Imperador. O povo brasileiro não podia esquecer, nessa hora em que o pátria festejava a iniciação de uma nova era social, que em país estrangeiro estava enfermo o seu Monarca, aquele que, verdadeiramente dedicado aos interesses nacionais, tem o seu nome inscrito nos fatos da história do progresso do Brasil. (...)"

Diário de Notícias, 14 de maio de 1888

 

"Continuaram ontem os festejos em regozijo pela passagem da lei áurea da extinção da escravidão. A rua do Ouvidor esteve cheia de povo todo o dia e durante uma grande parte da noite, sendo impossível quase transitar-se por esta rua.

Passaram encorporados os estudantes da Escola Politécnica, os empregados da câmara municipal e o Club Abrahão Lincoln, composto de empregados da estrada de ferro D. Pedro II, todos acompanhados de bandas de música.

Uma comissão desta última sociedade, composta dos Srs. Henrique do Carmo, Lourenço Viana, Bartolomeu Castro e Eduardo Dias de Moura, subiu ao nosso escritório, sendo nessa ocasião abraçada pela redação. (...)"

"O tribunal do juri, ontem, manifestou de maneira eloqüente que também se associava no regozijo geral pela extinção da escravidão. (...)

Os empregados e despachantes da câmara municipal organizaram ontem uma esplêndida e estrondosa manifestação aos vereadores, em regozijo à extinção total dos escravisados no Brasil.

À 1 hora da tarde mais ou menos, achando-se presentes todos os srs. vereadores, penetraram os manifestantes na sala das sessões, precedidos pela banda de música do 1o batalhão de infanteria. (...)"

O Paiz, 15 de maio de 1888

 

AS MANCHETES

Viva a Pátria Livre!

Viva o Ministério 10 de Março!

Viva o Gloriosa Dia 13 de Maio!

Viva o Povo Brasileiro!

Viva! (O Carbonário)

A Liberdade dos Escravos É Hoje Lei do País (O Carbonário)

Brasil Livre

Treze de Maio

Extinção dos Escravos (Gazeta de Notícias)

As Festas da Igualdade (Cidade do Rio)

A Gazeta da Tarde

Ao Povo Brasileiro

Pela Liberdade dos Escravos

Lei 3353 de 13 de Maio de 1888 - (Gazeta da Tarde)

A Festa Da Liberdade ( Gazeta da Tarde )

O Diário de Notícias Significa Todo O Seu Júbilo Pela Nova Era da Vida E Da Nacionalidade Ontem Iniciada (Diário de Notícias)

Ave, Libertas! (O Paiz)

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2) Atentado Contra D. Pedro II (1889)

"Representava-se ontem no Sant'Anna a "Escola dos Maridos", tradução de Arthur Azevedo, e nos intervalos apresentava-se ao público a prodigiosa violinista Giulietta Dionesi. S.M. o Imperador, que desejava conhecer a tradução, tanto que supondo-o impressa mandara procurá-la pelas livrarias, aproveitou o ensejo de ir ao teatro.

O Sant'Anna achava-se repleto: platéia e camarotes ocupados por pessoas da melhor sociedade; as galerias cheias da gente que de ordinário a freqüenta. No camarote imperial achavam-se, além de SS. MM. o Imperador e a Imperatriz, SS. AA. a Sra. Princesa Imperial e o Sr. D. Pedro Augusto e camaristas de semana. O espetáculo correu na melhor ordem. A atitude do povo era de todo o ponto pacífica e cortês. Nem se quer se poderia suspeitar que houvesse ali o elemento de desordem que mais tarde se revelou.

Terminado o espetáculo, o povo que enchia o teatro procurou as saídas. A família imperial dirigiu-se para a porta, indo na frente a Sra. Princesa Imperial, seguida de Sua Magestade o Imperador, que dava o braço a Sua Magestade a Imperatriz e do Sr. Príncipe D. Pedro.

O povo encostado para os lados, abria caminho a SS. MM., em silêncio. Ao chegarem ao vestíbulo do teatro, de um pequeno grupo de pessoas de baixa classe partiu um grito estentórico: "Viva o partido republicano". O Imperador parou imediatamente. Começou então uma confusão extraordinária. Grande número de pessoas prorompeu em vivas ao Imperador, acercando-se dele. As senhoras, tomadas de pânico, precitavam-se para o interior do teatro, de onde refluiam, empurradas pela onda dos que saiam. O tumulto generalizara-se: tanto na rua do Espírito Santo, como no largo do Rocio, nas circanias do teatro, vivas desencontrados se ouviram. Finalmente, pôde S.M. tomar o carro, seguindo acompanhado do piquete, que o guardava de espadas desembainhadas.

Ao passar, porém, pela frente da Maison Moderne, foram disparados três tiros de revólver na direção do carro que o conduzia. Asseguram-nos que um desses tiros quase alcançou o Sr. D. Pedro Augusto.

Felizmente S.M. o Imperador passou incólume. O sentimento da mais profunda indignação pintou-se em todos os semblantes dos que foram testemunhas desse baixo atentado. (...)"

Novidades, 16 de julho de 1889

 

"Ontem à noite quando terminava o espetáculo no teatro Sant'Anna quando SS. Magestades Imperiais, SA. Princesa e SA. o Príncipe D. Pedro Augusto se dirigiam para o carro, um pequeno grupo de desordeiros levantou vivas à República. Travou-se então um conflito que pouco durou pois foi abafado pela intervenção do público sensato que também se retirava do teatro.

Quando o coche imperial seguia para a praça da Constituição, um indivíduo teve a leviandade de disparar um revólver evadindo-se em seguida para um estabelecimento próximo.

Pouco depois, porém, foi preso pelo povo um homem que se supõe ser o autor do atentado. À hora em que escrevemos esta ele sendo interrogado na 1a estação policial."

Diário do Commércio, 16 de julho de 1889

"SS. MM. e S.A. Imperial e S.A. o Príncipe D. Pedro, com seu séqüito, se retiravam do teatro Sant'Anna, à meia-noite de ante-ontem, quando no meio de um grupo que se achava à porta do mesmo teatro partiu um viva à República. Abafado esse viva sob palavras e vivas à monarquia, a D. Pedro II e à família Imperial, gerais e estrepitosos, houve um ligeiro conflito, que mais susto causou do que teve resultados funestos.

No meio desse tumulto, e aclamados pela multidão, puderam os Augustos espectadores tomar o seu coche e retirar-se com sua comitiva e guarda. Apesar, porém, da retirada de SS. MM. e AA.., a agitação continuou por algum tempo e propagou-se pela vizinhança do teatro. Quando mais forte era o tumulto ouviu-se a detonação de um tiro de revólver, que foi dado próximo ao carro de SS. MM. quando este partia em direção do Paço da Cidade.

Grande foi a confusão que causou esse atentado, que ninguém podia prever nem esperar, o que deu lugar a ser impossível, na ocasião, prender-se o criminoso, que evadiu-se, aproveitando-se do barulho e ocultando-se no meio da grande multidão que estava no local.

Entretanto, o agente da polícia Paulino Alberto de Magalhães capturou o espanhol Ramon Gonçalves Fernandes sobre que caiam as suspeitas da autoria do crime. Em seu poder não foi encontrada arma alguma, nem foram suficientes as provas contra ele, pelo que foi posto em liberdade ontem de manhã.

Quando procediam as autoridades às primeiras diligências chegou ao seu conhecimento que era conhecido o autor do atentado, que havia sido visto pelo Sr. Antônio José Nogueira, empregado do Maison Moderne.

Por essas indicações, das 2 para as 3 horas da madrugada, o 1o delegado de polícia, Dr. Bernardino Ferreira da Silva conseguiu prender, em um bonde da Companhia de Botafogo, na rua de Gonçalves Dias, Adriano Augusto do Valle, que fôra acusado de ter disparado os tiros de revólver."

Diário do Commércio, 17 de julho de 1889

 

"Ao terminar o espetáculo de ontem no teatro Sant'Anna, quando saíam suas magestades, houve um grande movimento de povo dando vivas à República uns e outros à monarquia, sendo em frente a Maison Moderne disparados alguns tiros.

Nós os republicanos nada temos com essas arruaças, que devem ser levadas somente à conta da polícia disfarçada e da guarda criada para garantia do trono."

República Brazileira, 16 de julho de 1889

 

" (...) O desacato que sofreu o chefe do estado, alquebrado pelos anos e pela moléstia, junto à santa senhora que o acompanhava só pode ser levado à conta da loucura daqueles que a todo transe procuram indispor e vilipendiar o nosso partido. Apelamos para o próprio imperador, e ele, que com cosciência nos diga, se julga que haja nesta terra um "verdadeiro republicano" que seja capaz de atentar contra a sua vida! Revolucionários, sim, assassinos, nunca!"

"Causou a mais viva impressão a notícia da deplorável ocorrência de ontem à noite, às portas do teatro Sant'Anna e suas circumvizinhanças."

República Brazileira, 17 de julho de 1889

 

Um grupo, quando o Imperador saía do teatro em companhia de sua augusta família, levantou vivas à república, o que produziu a maior confusão no povo, que em desafronta de Sua Magestade levantou vivas ao imperador.

Sua Magestade embarcou em seguida no seu coche, que partiu a trote largo, e afirmam várias pessoas que, no momento de passar aquele por defronte da Maison Moderne, ou Stat-Coblentz, ouviu-se a detonação de um tiro.

Este fato deu à ocorrência o vulto de um atentado, que comoveu profundamente a opinião.(...)

Não podemos acreditar que houvesse a intenção de atentar contra a pessoa do Imperador. Repugna a índole do nosso povo; não se conforma com os nossos sentimentos a premeditação de tal crime, contra o soberano que aboliu de fato a pena de morte. (...)"

Cidade do Rio, 16 de julho de 1889

 

"Ontem, quando se retirava do teatro Sant'Anna, terminado o espetáculo, foi sua magestade obrigada a parar à porta de saída.

Grande multidão de indivíduos achava ali postada e dentre ela partiu um grito sedicioso. Sua Magestade parou e no mesmo instante viu-se cercado por todos tantos o acompanhavam.

Ao passar o carro em frente à Maison Moderne, ouviu-se a detonação de alguns tiros. Fácil é de imaginar-se o tumulto produzido por este fato.

O piquete de cavalaria, que gurdava a carruagem imperial, marchou em disparada, acompanhando-a pela rua da Carioca, por ter o cocheiro fastigado os animais, afastando-os do lugar tumultuoso.

A polícia compareceu imediatamente e foram dadas várias ordens para conhecer-se qual o autor do atentado, até então desconhecido.

Intimadas várias pessoas para virem à Polícia, conseguiu por fim o dr. Bernardino Ferreira, 1o delegado, conhecer a verdade, por denúncia de um cavalheiro. (...)

A população brasileira foi hoje dolorosamente impressionada, tomando-se da mais justa indignação pelo estúpido atentado cometido ontem, à noite, contra Sua Magestade o Imperador, quando este retirava-se com Sua Magestade a Imperatriz do teatro Sant'Anna.

Era o sr. D. Pedro II o único soberano deste século contra quem não tinha havido atentado de espécie alguma e isso abonava principalmente a brandura do coração brasileiro e dos nossos costumes.

Infelizmente, houve ontem um atentado que não podemos atribuir senão à inconsciência de quem o praticou: ou loucura ou embriaguez, pois, por honra do partido republicano, não acreditamos que tal ato dele partisse. Esse triste acontecimento é ainda uma das consequências da profunda anarquia que lavra nos espíritos do Brasil, onde todas as noções de direito, dever e liberdade acham-se completamente obliteradas."

Gazeta da Tarde, 16 de julho de 1889

 

AS MANCHETES

Atentado Contra o Imperador

Tiros de Revólver

Prisão do Criminoso (Novidades)

Lamentável (Diário do Commércio)

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3) Proclamação da República (1889)

"A partir de hoje, 15 de novembro de 1889, o Brasil entra em nova fase, pois pode-se considerar finda a Monarquia, passando a regime francamente democrático com todas as consequências da Liberdade.

Foi o exército quem operou esta magna transformação; assim como a de 7 de abril de 31 ele firmou a Monarquia constitucional acabando com o despotismo do Primeiro Imperador, hoje proclamou, no meio da maior tranqüilidade e com solenidade realmente imponente, que queria outra forma de governo.

Assim desaparece a única Monarquia que existia na América e, fazendo votos para que o novo regime encaminhe a nossa pátria a seus grandes destinos, esperamos que os vencedores saberão legitimar a posse do poder com o selo da moderação, benignidade e justiça, impedindo qualquer violência contra os vencidos e mostrando que a força bem se concilia com a moderação. Viva o Brasil! Viva a Democracia! Viva a Liberdade!"

Gazeta da Tarde, 15 de novembro de 1889

 

"Despertou ontem esta capital no meio de acontecimentos tão graves e tão imprevistos que as primeiras horas do dia foram de geral surpresa. Rompeu com o dia um movimento militar que, iniciado por alguns corpos do exército, generalizou-se rapidamente pela pronta adesão de toda a tropa de mar e terra existente na cidade.

A conseqüência imediata desses fatos foi a retirada do ministério de 7 de junho, presidido pelo Sr. Visconde do Ouro Preto, que teve de ceder à intimação feita pelo Sr. Marechal Deodoro da Fonseca que assumiu a direção do movimento militar. À exceção do lastimoso caso do Sr. Barão do Ladário, que não querendo obedecer a uma ordem de prisão que lhe fora intimada, resistiu armado e acabou ferido, nenhum ato de violência contra a propriedade ou a segurança individual se deu até o momento em que escrevemos estas linhas. (...)"

Jornal do Commércio, 16 de novembro de 1889

 

"O dia de ontem foi de surpresas para a pacífica população industrial desta cidade. Um mimistério forte deposto sem combate, uma revolução militar triunfante, os corpos constitucionais arredados sem discussão alguma e o regime de governo atacado com êxito inesperado, são fatos que pareciam inexplicáveis se não se conhecesse a índole especial desta cidade, sempre disposta a aceitar os fatos consumados. (...)

A revolução de ontem é filha unicamente das energias e espírito de classe dos militares, e foram os oficiais superiores que, passando-se para a causa democrática, a tornaram vencedora no momento.

Os elementos civis foram nulos ou improficuos e só apareceram depois de realizado o movimento, e segundo é de esperar, para ocupar as posições oficiais. É portanto, a classe militar que deve se considerar como único poder existente de fato e do qual depende o êxito ou insucesso da revolução.

Mesmo por não andar envolvida em nossas intrigas civis, mesmo pelas suas ilesas virtudes cívicas, é que a classe militar poderá evitar-nos os inconvenientes de uma surpresa que não tem ainda a sanção do voto nacional."

Diário do Commércio, 16 de novembro de 1889

 

"Constando ontem ao conselheiro de estado Andrade Figueira que os ministros do 6 de junho estavam presos no quartel general, dirigiu-se para ali s.ex.., e antes de falar aos ministros soube que a ordem de prisão já havia sido suspensa. O conselheiro Andrade Figueira, ao ver os ministros, animou-se a se retirarem para suas repartições, prestando-se a acompanhá-los, ao que não quiseram anuir, não obstante ponderar-lhes a conveniência de desvanecer-se assim o boato que corria. Então os ministros declararam que haviam sido depostos de seus cargos pelo exército.

É inútil encarecer a gravidade dos acontecimentos. Os nossos conselhos e advertências, embora moderada e imparcialmente feitos, não foram atendidos. a situação é tão difícil que só dá prudência e do patriotismo se deve tirar conselho."

A Nação, 16 de novembro de 1889

 

"Após a gloriosa revolução ontem efetivada e da qual resultou a deposição do sr. d. Pedro, que exercia em nome da Santíssima Trinidade, o absoluto poder magestático sobre o povo do Brasil, ao espírito público desde logo cedo acudiu a necessidade urgentíssima de fazer sair quanto antes do solo da Pátria a família que deixou de reinar. Ontem mesmo esperava-se que essa indispensável medida fosse prontamente executada pelo Governo Provisório; mas as atenções com que os membros desse governo cercaram a pessoa do monarca decaído chegaram, parece, ao ponto de permitir a D. Pedro a mais inteira liberdade de ação.

O ex-Imperador abusou da magnanimidade com que era tratado, e, em vez de submeter-se à revolução triunfante, tentou opor-lhe meios em cuja eficácia só a verdadeira insânia poderia acreditar. reuniu o conselho do Estado pleno, e, não aceitando o fato consumado da sua deposição e da organização do Governo Provisório Republicano, quis confiar ao Sr. saraiva a incubência de formar novo gabinete, malogrando assim os efeitos da revolução vitoriosa. (...)

Era imponente o aspecto que apresentavam as forças de terra e mar, firmadas no Campo da Aclamação, desde o amanhecer, em frente ao quartel do 1o, onde conservava-se prisioneiro do povo e dos militares o gabinete decaído. Em constante evolução, ao mando do general Deodoro da Fonseca, viam-se o 1o e 9o regimentos de cavalaria, 2o regimento de artilharia de campanha, 1o, 7o e 10o batalhões de infantaria, corpos de imperiais marinheiros e navais, corpos de alunos das escolas militares da praia Vermelha e Superior de Guerra, corpo de bombeiros e corpos de polícia da corte e província do Rio. Ali permanecendo durante horas, senhora da praça, a força levantava sucessivos vivas à liberdade, ao exército e armada, à República Brasileira!

Cerca de 9 horas da manhã, à intimação do povo e do exército, o gabinete declarou-se demitido, pedindo o senhor Visconde de Ouro Preto ao general Deodora da Fonseca garantia para a sua pessoa e dos seus colegas. O sr. general respondeu-lhe que o povo e o exército não ofenderiam os cidadãos destituídos do governo e que os ex-ministros podiam se retirar na maior tranqüilidade, como aconteceu.

Ao ser comunicada ao povo e aos militares a queda do ministério, levantaram-se aclamações de todos os lados à República Brasileira e vivas estrepitosos, enquanto o parque de artilharia dava uma salva de 21 tiros, com os canhões Krupp assestados para a secretaria da guerra.

O general Deodoro, o Sr. Quintino Bocayuva e o tenente-coronel Benjamin Constant foram então disputados pelo povo e pelos militares, que os carregavam em verdadeiro triúnfo. (...)

Durante todo o dia e até alta hora da noite o povo percorreu as ruas do centro da cidade, formando diversos grupos precedidos de bandas de música. Expansiva em seu entusiasmo, a população erguia vivas e saudações à imprensa livre, aos bravos do exército e armada, ao general Deodoro, a Quintino Bocayuva e à República Brasileira. (...)"

Correio do Povo, 16 de novembro de 1889

"A monarquia é um dos muitos males necessários a que estão sujeitos os povos de hoje, entregues à influência anarquista do militarismo e sujeitos às depredações dos poderes doirados! No Brasil, o caso apresentou-se como um fenômeno de medo, espécie de terror coroado, que espantou de Portugal o rei João VI e o atirou, atônito, entre a exuberância grandiosa de nosso clima e o incitarmento revolucionário de nosso sangue. Um rei é sempre o frio para um povo. (...)

Comecemos de pensar. Esta República que veio assim, no meio do delírio popular, cercada pela bonança esperançosa da paz; esta República no século XIX que surgiu com a precisão dos fenômenos elétricos, sem desorganizar a vida da família, a vida co comércio e a vida da indústria; esta República americana que trouxe o símbolo da paz, que fez-se entre o pasmo e o temor dos monarquistas e a admiração dos sensatos - esta República é um compromisso de honra e um compromisso de sangue. (...)"

República Brazileira, 21 de novembro de 1889

 

"A população desta cidade foi hoje, ao acordar, sobressaltada pela notícia de graves acontecimentos que se estavam passando no quartel general do exército, em ordem a despertar as mais sérias inquietações. Era assustador o aspecto que oferecia a praça da Aclamação, na parte em que se acha situado o referido exército e circumvizinhanças.

O quartel estava fechado e guardado por uma força do corpo militar de polícia, de baioneta calada, pronta ao primeiro ataque, corpo de bombeiros, 1o batalhão de infantaria e batalhão naval, municiado e dispondo de uma metralhadora. Deviam embarcar hoje dois batalhões, e como boatos alarmantes se haviam propalado sobre a provável recusa daqueles corpos do exército, o ministério providenciara para que se fizesse o embarque sem novidade. O Sr. Ministro da Guerra conservou-se até adiantadas horas da noite na sua repartição.

Número superior a 400 praças do corpo de polícia estiveram de prontidão, sendo retiradas até algumas que se achavam de serviço nas estações. Os regimentos de cavalaria nos 1 e 9 e o 2o de artilharia manifestaram-se em revolta e armados intentaram atacar o quartel general e do corpo de polícia. O comandante de um dos regimentos de cavalaria abandonou o quartel à vista do ânimo exaltado das praças. (...) No arsenal da marinha permaneceram até pela manhã os srs. ministros da justiça e marinha. (...)

A verdade, porém, é que o sr. ministro da marinha se apresentou à porta do quartel general, sendo-lhe impedida a entrada pelo Sr. General Deodoro; respondendo o ministro que o governo ia cumprir o seu dever, puxou dois revólveres, empunhando-os em posição de disparar. Nessa ocasião um praça do exército disparou alguns tiros que atingiram S. Ex.. O sr. ministro caiu ferido, sendo transportado em braços para o palacete Itamaraty. Seguiram para a praça da Aclamação o corpo policial da província do Rio e contingente do batalhão naval.

Todo o movimento social da cidade acha-se paralisado. O comércio em grande parte fechou as portas. As ruas mais freqüentadas nos dias ordinários estão desertas; raros transeuntes passam, apressados, como perseguidos. (...) O serviço de bondes é feito com grande irregularidade; há longos intervalos no trânsito dos carros, que chegam aos pontos de estação aos grupos de cinco e seis. (...) O pânico anda no ar e nas consciências. (...)"

Novidades, 15 de novembro de 1889

 

"Desde ante-ontem que o Brasil é uma república federativa. O exército e a armada nacionais, confraternizando com o povo, completaram a limpeza da pátria, começada no dia 13 de maio de 1888. (...)

Não se faz política na Vida Fluminense, não, senhores, não se faz. (...) Entretanto, para não espantar o leitor, diremos desde já que a nossa política será mais o apanhado da pelótica dos pelotiqueiros baratos que para maior glória desta terra estão a governá-la, do que preleções ligeiras sobre os rasgos da Razão Pura ou circular do ilustre sr. barão do Paraná. Acresce ainda que a política e a preocupação constante deste pacientíssimo povo, que toma café dez vezes ao dia, não vacilando em gastar sucessivamente muitos três vitens, isto é, três vezes mais do que aquela célebre moeda que célebre também tornou o honrado sr. presidente do conselho. (...)

Peloticas e pelotiqueiros é o que se encontra a dar com o pau. Veja-se a pelótica do ministério em relação ao exército. Disseminá-lo pelo Império, mas disseminá-lo de forma que em cada cidade fique apenas uma ala de batalhão, e depois licenciá-lo, aquartelando em seguida alguns batalhões da guarda nacional, eis o plano, ministerial, que desde sete dias corre de boca em boca, com os maiores visos de verdade. (...) É bastante perigosa, porém, a cartada, e tão perigosa, que há muito quem se persuada que no melhor da festa os trunfos não ficarão em mãos dos membros do atual gabinete (...)"

Vida Fluminense, 17 de novembro de 1889

 

"A população fluminense despertou hoje com a notícia de que se havia o exército recusado a cumprir ordens do governo por julgá-las ilegais e ofensivas ao seu brio. Dois batalhões que haviam recebido ordem de seguir para pontos afastados do Império, decidiram não obedecer esta ordem.

A Noite de Ontem:

Às duas horas da madrugada estavam no quartel-general do exército, o sr. ajudante-general e diversos oficiais, Em forma, no quartel, estavam um batalhão de infantaria e um regimento de cavalaria. Havia de prontidão uma força de mais de 400 praças do corpo de polícia. Para aumentar essa força, foram retiradas praças de várias estações urbanas. até depois da meia-noite, esteve o ministério em conferência.

Hoje:

6 horas da manhã - O ministério está reunido na secretaria do império. Estão fechados os quartéis do 7o, do 10o e do Corpo de Bombeiros. desembarca na corte, vindo de Niterói, uma parte do Corpo de Polícia da província. Outra parte da força está na ponte da Armação a espera da lancha que a conduza à corte.

7 horas - Sobe a rua do Ouvidor uma força de fuzileiros navais. Os soldados estão em pé de guerra. Os oficiais trazem revólver.

8 horas - É quse impossível chegar ao Campo de Santana. uma força do 10o está no largo da Lapa para impedir a passagem provável de estudantes da Escola Militar. Das janelas do palacete Itamaraty parte uma descarga sobre o povo.

9 horas - À porta de uma taverna, na esquina da rua são Lourenço está sentado, com um ferimento na fronte, o sr. barão do Ladário, ministro da marinha. O ferido está com um gramete ao lado. (...) Estão fechadas todas as estações de polícia.

9 ½ - (...) O quartel está fechado. Dentro está o batalhão que não quer, segundo consta, seguir para onde foi removido. O ministério continua reunido.

10 horas - (...) Confirma-se o boato de que o ministério pediu demissão. (...)

10 horas e meia - Os alunos da Escola Militar sem ordem, nem todos fardados, mas armados, tendo à frente uma corneta do 22o seguem para o Campo de Santana, dando vivas à Nação brasileira e ao exército. O ministério que estava preso e guardado pelo exército, rende-se. O general Deodoro entra no quartel em triúnfo, abraçado, entre aclamações entusiasmáticas. O exército dá vivas à República. É o grito que se ouve em todo o Campo de Santana. (...)

10 e ¾ - O general Deodoro é carregado em triúnfo. O 2o de artilharia dá uma salva de 21 tiros. Povo, exército e marinha dão vivas à Nação brasileira. (...)"

Cidade do Rio, 15 de novembro de 1889

 

AS MANCHETES

Viva a República Brasileira!

Viva o Exército - Viva a Armada!

Viva o Povo Brasileiro! (Correio do Povo)

Revolta no Exército (Novidades)

Viva a República! (República Brazileira)

O Futuro do Brasil (Gazeta da Tarde)

Viva o Exército Libertador! (Cidade do Rio)

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4) O Jogo do Bicho (1892)

"A empresa do Jardim Zoológico realizou ontem um magnífico passeio campestre ao seu importante estabelecimento, situado no pitoresco bairro de Vila Isabel.

Em bondes especiais dirigiram-se os convidados e representantes da imprensa àquele local e depois de visitarem o hotel, que se acha nas melhores condições, os jardins, as gaiolas em que se acham os animais e aves, tomaram parte em um lauto jantar, em mesa de mais de 60 talheres, presidida pelo digno diretor daquela empresa, o sr. barão de Drummond.

O 1o brinde foi levantado pelo sr. Sergio Ferreira ao sr. barão de Drummond, que em seguida com toda a gentileza brindou à imprensa, sendo correspondido pelo nosso representante. Trocaram-se ainda outros brindes, sendo o último ao sr. vice presidente da República.

Como meio de estabelecer a concorrência pública, tornando freqüentado e conhecido aquele estabelecimento que faz honra ao seu fundador, a empresa organizou um prêmio diário que consiste em tirar à sorte dentre 25 animais do Jardim Zoológico o nome de um, que será encerrado em uma caixa de madeira às 7 horas da manhã e aberto às 5 horas da tarde, para ser exposto ao público. Cada portador de entrada com bilhete que tiver o animal figurado tem o prêmio de 20$. Realizou-se ontem o 1o sorteio, recaíndo o prêmio no Avestruz, que deu uma recheiada poule de 460$000.

A empresa tem em construção um grande salão especial para concertos, bailes públicos, e vai estabelecer no jardim jogos infantis e outros diversos para o público.

Às 9 horas voltaram os convidados, pessoas de alta distinção, penhorados todos à gentileza do sr. barão de Drummond e seus dignos auxiliares. Foi uma festa esplêndida."

Jornal do Brasil, 4 de julho de 1892

 

" Jardim Zoológico - A empresa deste importante estabelecimento de criação do benemérito barão de Drummond vai hoje inaugurar diferentes divertimentos ao público fluminense, que alí terá diariamente um passatempo. O sr. M.I. Zevada, é o gerente da empresa e conhecedor de vários estabelecimentos europeus e americanos idênticos ao Jardim Zoológico, dá esperanças de engrandecer aquela instituição de mérito nacional. Há um jantar de instalação, cujo convite muito agradecemos."

O Tempo, 3 de julho de 1892

 

"A empresa Jardim Zoológico deu domingo último um grande banquete no magnífico restaurant que existe no Jardim. Para esse banquete tinham sido convidados a imprensa e várias pessoas da nossa melhor sociedade. Correu animadíssima a festa, no meio da maior cordialidade e da maior gentileza por parte dos diretores da emoresa. Durante todo o tempo em que estiveram presentes os convidados tocou uma excelente banda de música as melhores peças de seu repertório.

A empresa está atualmente organisada sob grandes moldes, procurando o mais possível distrair o público por todos os meios do seu alcance, organizando concertos, bailes públicos, circos de cavalinhos, espetáculos diversos, bilhares, jogos carteados, jogo de bola e outros modos de diversão.

Além disso, a empresa resolveu estabelecer um prêmio de 20$ por meio de um sorteio original. Cada pessoa ao entrar no jardim receberá por 1$, um bilhete com a indicação de um animal dos 25 que existem no jardim. Em um poste de 5 metros de altura, numa caixa fechada, será colocado um quadro representando um dos animais e quem tiver no bilhete receberá o prêmio. A empresa deposita como garantia de pagamento dos prêmios 10$000 em um banco. O serviço de bondes vai ser aumentado proporcionando assim maior comodidade ao público."

O Tempo, 6 de julho de 1892

 

"Jardim Zoológico - Grande festa hoje no Jardim Zoológico. Inaugura-se uma empresa de divertimentos públicos, com rifas em que se pode tirar até 40:000$000. Uma fortuna."

Diário do Commércio, 3 de julho de 1892

"Realizou-se ontem, como tinhamos anunciado, a inauguração da nova empresa do Jardim Zoológico.

Às 3 horas das tarde partiram do largo do Rocio em direção a Vila Isabel, dois bonds especiais dessa companhia, levando os convidados daquele empresa, sendo precedidos de uma banda de música. Chegados ali foram os convidados recebidos pela administração do Jardim, que gentilmente acompanhou-os na visita geral.

Às 5 horas desceu a caixa que continha a figura do animal que dominava o dia, de acordo com o programa. O avestruz foi o animal vencedor e que deu aos donos dos bilhetes respectivos os 20$ de prêmio.

Após a vitória do avestruz a vitória do estômago. Deu-se começo pois a um lauto e profuso banquete de 100 talheres, havendo por esta ocasião brindes de saudações recíprocas.

À festa compareceram muitas distintas senhoras, representantes da imprensa e outros muitos convidados."

Diário do Commércio, 4 de julho de 1892

 

"A empresa do Jardim Zoológico inaugurando hoje um restaurant no mesmo jardim, destinado a famílias, e onde estabeleceu graciosos jogos para crianças e distrações próprias a um magnífico logradouro público, oferece hoje aos seus convidados um jantar regado a fino champagne Clicot. A inauguração terá lugar às 5 horas da tarde, saíndo um bonde especial para os convidados, às 3 horas, da praça da Constituição."

Diário de Notícias, 3 de julho de 1892

 

"A empresa do Jardim Zoológico ofereceu ontem um jantar a vários convidados, que em um bonde especial seguiram, às 3 horas da tarde, para o soberbo restaurante situado naquele jardim, em Vila Isabel. Para desejar que faça carreira este novo estabelecimento, basta desejar-lhe mais orientada administração do que teve o seu antecessor."

O Paiz, 4 de julho de 1892

 

"A empresa do Jardim Zoológico ofereceu domingo, no restaurante alí estabelecido, um lauto jantar a diversos cavalheiros."

Gazeta de Notícias, 5 de julho de 1892

 

"Há hoje festa no Jardim Zoológico, inaugurando-se ali novos divertimentos."

Jornal do Commércio, 3 de julho de 1892

 

"Foram inaugurados ante-ontem diversos divertimentos no Jardim Zoológico, entre os quais o do sorteio dos animais, que tem por fim animar a concorrência àquele estabelecimento. Esse sorteio consiste no seguinte: d'entre 25 animais escolhidos pela Empresa é tirado um diariamente e metido em uma caixa quando começa a venda de entradas. Às cinco horas da tarde, a um sinal dado, abre-se a caixa e a pessoa que tem a entrada com o nome e o desenho do animal, ganha-o como prêmio. No próximo domingo o público lá encontrará diversos divertimentos e jogos infantis. Está em construção uma grande sala destinada a bailes populares."

Jornal do Commércio, 5 de julho de 1892

 

"Venceu ontem o gato. A empresa pagou prêmios na importância de 1:420$000. O Jardim foi visitado por 1350 pessoas.

O Sr. ministro da Guerra visitou ontem o Jardim Zoológico em companhia do barão de Drummond. S. Ex. foi testemunha da forma dos prêmios estabelecidos pela empresa, afim de animar a concorrência daquele estabelecimento. Muito agradou a S. Ex. a ordem e asseio daquela vivenda de animaes."

Diário do Commércio, 11 de julho de 1892

 

"O sr. ministro da Guerra visitou ontem o Jardim Zoológico, percorrendo todas as suas dependências, acompanhado pelo sr. barão de Drummond."

Jornal do Brasil, 11 de julho de 1892

 

"O marechal Floriano Peixoto visitará brevemente o Jardim Zoológico."

Gazeta da Tarde, 8 de julho de 1892

 

"Para os azaristas - No Jardim Zoológico venceu ontem o Avestruz. A empresa pagou de prêmios 680$."

O Tempo, 10 de julho de 1892

 

"Jardim Zoológico - Venceu ontem o gato. A empresa pagou de prêmios 1:100$."

O Tempo, 14 de julho de 1892

 

"Jardim Zoológico - Venceu ontem o cavalo. Pagou-se de prêmios 740$. Amanhã (domingo) das 3 horas da tarde em diante baverá bondes diretos. Divertimentos diversos."

O Tempo, 16 de julho de 1892

 

"Jardim Zoológico - Venceu ontem o cachorro. Pagou-se de prêmio 2:08$."

O Tempo, 17 de julho de 1892

 

"No Jardim Zoológico venceu ontem o pavão. Pagou-se prêmio de 1:140$."

O Tempo, 19 de julho de 1892

 

"Jardim Zoológico - Venceu ontem o coelho. Pagou a empresa prêmios na importância de 640$000."

Gazeta de Notícias, 6 de julho de 1892

 

ANÚNCIO:

Jardim Zoológico - Prêmios Diários Sobre Animais de 20$ a 40:000$ - Vendas das Entradas na Rua do Ouvidor No 129 e no Jardim.

O Tempo, 12 de julho de 1892

 

"Ao Dr. 2o delegado dirigiu ontem o Dr. Chefe de Polícia o seguinte ofício:

- No empenho de procurar atrair concorrência de visitantes ao Jardim Zoológico, solicitou o seu diretor para certo recreio público licença, que lhe foi concedida pela polícia, em vista da feição disfarçadamente inocente que da símples primeira descrição do divertimento parecia se deduzir. Entretanto, posta em prática essa diversão, se verifica que tem ela o alcance de verdadeiro jogo, manifestamente proibido. Os bilhetes expostos à venda contém a esperança puramente aleatória de um prêmio em dinheiro, e o portador do bilhete somente ganha o prêmio, se tem a felicidade de acertar com o nome a espécie do animal que está erguido no alto de um mastro.

Esta diversão, prejudicial aos interesses dos incantos, que com a esperança enganadora de um incerto lucro se deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar, porque a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte.

Como semelhante divertimento não pode por mais tempo ser tolerado, e conquanto maior fundamento quanto é certo que muitas queixas me têm sido dirigidas pelas pessoas lesadas, assim intimarei ao diretor do Jardim Zoológico para que suspenda imediatamente a continuação do aludido jogo, sob pena de ser processado na coformidade dos arts. 369 e 370 do código penal."

O Tempo, 23 de julho de 1892

 

"Quem nasceu para dez réis nunca chega a vintém, - é verdade que nenhum caipora é capaz de contestar.

Nestes dias de prosperidade, de progresso amamentado pelo papel moeda que às enxurradas de magníficos negócios engrandeceram o gênio das finanças, é sabido que a melhor e mais segura indústria é a do jogo e loterias sob todas as formas. Já tinhamos cassinos, clubes, cercles e outros grandes estabelecimentos industriais que prosperam a bragas molhadas sem auxílio nem nada. Temos agora a loteria zoológica, o víspora dos bichos, a rodas das alimarias.

Atirei ao trabalho honrado, isto é, ao novo jogo que é o trabalho da época. Aquele provérbio dos dez réis que não passa a vintém, haja o câmbio que houver, perseguiu-me até nesta invenção biolotérica. Os bichos fogem do caipora como o demo da caldeirinha. Caso singular! Perco sempre na mesma.

Outro dia joguei no perú, e saiu o pavão, galináceo como aquele e tão vaidoso como o seu parente, mas com a diferença, que um me daria vinte mil réis e o outro fez-me perder mil réis. Comprei uma entrada com o "gato" e perdi nas garras do "tigre", ambos felinos, e diversos no estado de domesticidade e no estado selvagem.

Para maior dos pecados, quando contava desforrar-me com o elefante, cuja corpulência e força devia arrazar tudo, caiu da caixinha a estampa corcunda do camelo. Tanto um como o outro são pachydermes, mas o camelo deu os vinte mil réis e o elefante nem um nickel.

Sendo a loteria cientificamente zoológica, porque não se aplicar o sensato e justo sistema esportivo de correr as poules por coudelarias? Neste caso os lotes seriam por famílias, gêneros e espécies. Quem jogasse nos felinos poderia ganhar com o gato ou com o tigre entre os galináceos, o perú seria tão bom segundo como o pavão foi primeiro. Entre os roedores poderia eu achar dente de coelho ou apanhar ratazanas nedias e roliças com o seu recheio de notas de mil réis e farofa de vinte mil ditos. Quisesse eu jogar na alta e molharar-me-ia com os trepadores e se o tucano caísse por qualquer descuido, o papagaio de vistosas penas me levaria às alturas das finanças. E os repteis não poderiam dar a fortuna do prêmio gordo, tamanha é a família e tão rasteiro o seu gêenero? A rola biolotérica não está bem organizada; precisa de reforma, pelo menos enquanto eu perder nesse pacão.

O que não posso contestar é que o sistema, como se dizia no tempo de Law, é genuinamente popular. É vir à rua do Ouvidor às 5 horas da tarde, quando a caixa sobe para os que tem de ir ao cofre, para se reconhecer que que o inventor da vispora é homem de gênio. Na primeira revolução em que eu tenha influência fal-o-hei ministro da Fazenda. Então é que o Brasil verá o que são bancos geniais de emissão e encilhamento de corar de vergonha todas as ruas Quincampoix e Alfândega passados e por vir.

Ex digito, gigas. Por aqueles papéis de bichos pintados, avalia-se o gênio de um povo e a moralidade de um regime político. Ganhar pelo trabalho é uma velharia e custa uma vida inteira. Hoje reza-se por outra cartilha; o jogo, a sorte, o ágio e a advocacia administrativa parlamentar que em um abrir e fechar de mãos levam um homem a habitar palácios principescos em Lisboa ou pelintrar nos boulevards de Paris. O gênio que criou tudo isso bem sabe o que fez."

Maximo Job , em O Tempo, 23 de julho de 1892

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5) Primeiro Bonde Elétrico (1892)

"Realiza-se hoje, á 1 hora da tarde, na Companhia Botafogo, linha do Flamengo, a inauguração do bond pela tracção electrica. O bond sahirá aquella hora do largo do Machado, seguindo para a praia do Flamengo, de onde virá até o largo da Carioca."

Diario de Notícias, 8 de outubro de 1892

 

"Foi inaugurada hontem a tracção electrica nos bonds da Companhia Jardim Botanico tendo á inauguração assistido o sr. marechal vice-presidente da Republica, os membros dos ministérios, representantes da directoria d'aquella companhia, da imprensa e grande numero de convidados. A experiencia correu bem e amanhã daremos sobre ella circunstanciada noticia."

Diario de Notícias, 9 de outubro de 1892

 

"Conforme haviamos noticiado realizou-se ante-hontem, com a presença do sr. vice-presidente da Republica, do seu estado maior, de alguns ministros e representantes da imprensa, a experiencia da tracção electrica applicada nos bonds da Companhia Ferro Carril do Jardim Botanico, em a 1a secção da mesma companhia, que comprehende a linha do Flamengo.

Á 1 hora, pouco mais ou menos, sahiram tres bem trabalhados e commodos bonds da frente do edificio do theatro Lyrico e cerca de 10 ou 12 minutos depois entraram nas officinas da companhia, á rua Dois de Dezembro, fazendo nesse periodo de tempo o percurso que, pela tracção animal, é feito em 25.

Apoz serem examinadas as officinas de electricidade, perfeitamente montadas, visitaram os convidados todas as officinas de ferreiro, corrieiro, carpinteiro, pintura e mais dependencias, officinas essas que occupam a extensa e vasta área de sete mil metros quadrados, em tudo notando-se o maior asseio, ordem e regularidade, que muito abonam os esforços empregados pelo actual gerente de tão importante empreza, que como era de prever, lutou com immensas difficuldades, por falta de pessoal idoneo habil para trabalhar com apparelhos electricos.

Nas referidas officinas vê-se grande numero de melhoramentos, ultimamente realizados pelo sr. dr. Cintra, que, tendo encontrado, quando tomou conta da gerencia da empreza, em serviço 76 carros, todos americanos, e a extensão das linhas de 38 kilometros, dotou-a já com 130 carros, por demais confortaveis, todos feitos nas officinas da companhia, sendo actualmente a extensão das linhas de 58 kilometros. A extensão dos fios conductores, segundo as informações que nos foram ministradas, é de 14 e meio kilometros, sendo o trecho da praia do Flamengo o mais accidentado da linha.

Depois de percorrido o estabelecimento, foi offerecido ás pessoas presentes um esplendido lunch, no qual se fizeram muitos brindes, sendo o primeiro o do sr. coronel Malvino Reis, director da companhia, ao vice-presidente da Republica, ao ministerio e á indendencia. Em seguida foram saudados a directoria e o gerente da empreza.

O sr. ministro da marinha saudou a Republica dos Estados Unidos da America do Norte, sendo tambem cumprimentados o Congresso Nacional, o exercito, a armada e a imprensa. O brinde de honra foi erguido ao sr. marechal Floriano Peixoto, vice-presidente da Republica.

Tendo-se tornado justamente credora a directoria da companhia Jardim Botnico de justos encomios, por ter conseguido estabelecer a tracçào electrica em os seus bonds, o que é um grande melhoramento, não podemos, applaudindo-a, esquecer o nome do seu digno gerente o sr. dr. Carlos Cintra, que foi um verdadeiro heróe nessa campanha, que teve ante-hontem os applausos de todos, e os dos seus dignos auxiliares, os engenheiros electricistas drs. James Mitchel e Antonio Chermont, que muito concorreram para que fosse levado a effeito tão brilhante commettimento.

Em alguns logares por onde passavam os bonds foram photographados, tendo-se-nos informado que as primeiras despezas feitas com a installação dos apparelhos, apezar das differenças de cambio, não chegaram a 200:000$000.

Durante o trajecto do bond innumeras pessoas agglomeravam-se nas ruas, justamente curiosa de apreciar o novo systema de tracção, que, de futuro, ha de ser applicado por força ás estradas de ferro."

Diario de Notícias, 10 de outubro de 1892

 

"Com a assistencia do Sr. Vice-Presidente da Republica e seu Estado Maior, Ministro da Marinha, intendentes Silveira Lobo, Abdon Milanez, Siqueira, Medeiros e França Leite, deputados geraes, representantes de diversas classes sociaes e da imprensa, realizou-se hontem a inauguração da tracção electrica da 1a secção da companhia que comprehende a linha do Flamengo.

Pouco depois de 1 hora sahirão tres bem construidos e confortaveis bonds da frente do Theatro Lyrico e doze minutos depois entravão nas officinas da companhia á rua Dous de Dezembro.

Depois de examinadas as officinas de electricidade que se achão perfeitamente installadas, percorrerão os visitantes todas as officinas de ferreiro, coreeiro, pintor, carpinteiro e mais dependencias da companhia, que occupão a extensa área de sete mil metros quadrados, notando-se em tudo o maior asseio, ordem e regularidade, o que muito abona ao actual gerente que tem lutado com muitas dificuldades, sendo a menor a de falta de pessoal idoneo para as applicações dos diversos misteres.

De facto notão-se alli muito melhoramentos e grande augmento no numero de carros, pois quando o Dr. Cintra tomou conta da gerencia encontrou no serviço 76 carros, todos americanos, sendo a extensão da linha de 38 kilometros, no entanto ha hoje 130 carros confortaveis, todos feitos nas officinas da companhia, sendo a extensão das linhas de 58 kilometros. A extensão dos fios conductores é de 14 e meio kilometros, sendo esse trecho o mais accidentado da linha.

Depois de percorrido o estabelecimento, foi offerecido aos visitantes um profuso lunch no qual se fizerão muitos brindes sendo o primeiro ao coronel Malvino Reis director da companhia ao sr. vice-presidente da Republica, ao Ministerio e a Intendencia; em seguida forão saudadas a directoria e o gerente da Companhia; o Sr. Ministro da Marinha saudou a Republica dos Estados Unidos da America e Congresso Nacional, o exercito, a armada, a imprensa e alguns outros sendo o ultimo ao Sr. Marechal Floriano Peixoto.

Esta Companhia a mais antiga de todas, inaugurou o seu trafego em 9 de outubro de 1868, sendo este primeiro trecho entre a cidade e o Largo do Machado e a rua Marques de Abrantes canto da praia de Botafogo foi inaugurada em 20 de novembro e o terceiro entre este ultimo ponto e o canto da rua S. Joaquim em 19 de dezembro do mesmo anno.

Foi seu fundador e primeiro presidente o Sr. C. B. Greenough e superintendente deste o Thompson. A este succedeu E. P. Moaree em 29 de março de 1869 o qual foi substituido por Simeão Miller em 24 de abril de 1875 tendo por sucessor o Dr. J. C. Coelho Cintra que foi nomeado gerente em 1 de setembro de 1889.

24 anos depois de sua inauguração, coube a gloria a este gerente a primeira installação electrica definitiva na America do Sul para a substituição da tracção animal pela electrica concorrendo para que ainda fosse esta Companhia, a primeira a adoptar esse grande emprehendimento, provado entre nós experimentalmente a resolução do problema. (...)"

Jornal do Commercio, 9 de outubro de 1992

 

"Realizou-se hontem a inauguração official dos bonds por tracção electrica da companhia ferro-carril do Jardim Botanico.

Compareceram o sr. vice-presidente da Republica, o sr. ministro da marinha, algumas distinctas senhoras, intendentes municipaes, muitos engenheiros, e representantes do Economista, e desta folha.

As pessoas presentes visitaram toda a estação do Largo do Machado, e, depois de percorridas as officinas de electricidade, onde se acham montados os motores para a tracção e caldeação electricas, todas elegantemente ornadas de bandeiras e folhagens, sahiram os visitantes em tres carros, percorrendo toda a linha da 1a secção secção de electricidade.

Em todo o estabelecimento notou-se o maior asseio, sendo cuidadosa e perfeita a montagem de machinas e apparelhos.

Os carros, muito elegantes e confortaveis, são illuminados por cinco fócos incandescentes cada um, dando logar a 4o passageiros.

Em seguida á experiencia serviu-se profuso copo d'agua, erguendo-se por essa ocasião os seguintes brindes: Do Sr. coronel Malvino Reis ao Sr. marechal Floriano Peixoto; do intendente Silveira Lobo ao digno gerente da companhia, Dr. Cintra, que tornou uma realidade entre nós a substituição da tracção animal pela tracção electrica; do Sr. Dr. Constante Jardim ao progresso e ao Dr. Cintra; deste ultimo ao Sr. marechal Floriano Peixoto; do Sr. Dr. Nilo Peçanha ao progresso; do Sr. barão Ribeiro de Almeida á Imprensa; do Sr. Pederneiras, nosso collega do Jornal do Commercio, agradecendo e brindando o Sr. marechal Floriano Peixoto; do Sr. William Frederick Leeson ao progresso do Brazil; do Sr. dr. Nilo Peçanha ao almirante Custodio José de Mello, deste ultimo ao povo americano; do Sr. Dr. Constante Jardim ao Sr. barão Ribeiro de Almeida, presidente da companhia.

No regresso, os bonds electricos pararam no largo da Lapa, sendo photographados em um delles os Srs. marechal vice-presidente da Republica, seu ajudante de ordens capitão Eduardo Silva, barão Ribeiro de Almeida, almirante Custodio José de Mello, coronel Malvino Reis e Dr. Coelho Cintra.

Nossos cumprimentos ao gerente da companhia e seus dignos auxiliares, os engenheiros electricistas Drs. James Mitchell e Antonio Chermont, pelo feliz exito dos seus trabalhos.

Os bonds electricos devem ser entregues hoje ao trafego publico."

O Tempo, 9 de outubro de 1892

 

"Assistimos hontem á experiencia de tracção electrica na 1a secção da Companhia Ferro Carril do Jardim Botanico.

Compareceram a essa experiencia o Exm. Sr. marechal Floriano Peixoto, com seu estado-maior, e os ministros da fazenda, marinha, guerra e interior.

em visita rapida percorremos todas as dependencias da companhia na estação do Largo do Machado, notando-se n'ellas ordem e muito aceio.

As officinas de electricidade acham-se montadas com esmero, e perfeitamente installados os apparelhos geradores, bem como os apparelhos da caldeação electrica.

Em seguida o carro electrico percorreu toda a linha do Flamengo, sendo em sua passagem muito victoriado pelo povo, que se agglomerava principalmente nos caes do Flamengo, Russel e Lapa.

Incontestavelmente a superioridade da tracção electrica sobre a animal é sob todos os pontos de vista, provada. Resta que a intendencia, desejando melhorar esta cidade, procure por todos os meios a substituição gradual da tracção animal nas companhias existentes, dando-lhes um prazo mais ou menos razoavel.

Estamos certos de que a Companhia do Jardim Botanico, em curto espaço de tempo, terá substituido toda a sua tracção animal pela electricidade."

Gazeta de Notícias, 9 de outubro de 1892

 

"A companhia de bonds de Botafogo, inaugurou hontem a nova linha de bonds electricos.

Á 1 ¼ da tarde partiram 3 bonds da rua da Guarda Velha, conduzindo o Sr. marechal vice-presidente da republica, capitão Eduardo A. da Silva, seu ajudante de ordens, o Sr. contra-almirante C. de Mello, e convidados, com destino á rua Dois de Dezembro, estação da companhia, fazendo todo o trajecto em 12 minutos.

Ali foi servido um profuso lunch, onde se trocaram varios brindes, sobresahindo os dos Srs. coronel Malvino Reis, ao Sr. marechal Floriano, Dr. Nilo Peçanha, barão Ribeiro de Almeida, Dr. Coelho Cintra, do Sr. contra-almirante Custodio José de Mello, ministro da marinha, ao povo americano e o brinde de honra feito ao Sr. marechal Floriano, pelo Sr. barão Ribeiro de Almeida.

foi grande o numero de convidados. Entre elles se achavam senadores, deputados, intendentes, etc.

O resultado da experiencia da electricidade nos bonds, foi satisfatoria."

Jornal do Brasil, 9 de outubro de 1892

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6) Revolta da Armada ( 1893)

"Desde a madrugada de ontem começaram a circular notícias de graves acontecimentos. Soube-se que estava interrompido o trânsito da estrada de ferro central e que a marinha se puzera em atitude hostil ao governo do Sr. Marechal Floriano Peixoto. Depois foram, pouco a pouco, aparecendo os verdadeiros pormenores. (...)

No Mar

Segundo estamos informados daí começaram pouco antes da meia noite pelo assalto ao encouraçado Aquidaban, que apenas tinha a bordo o oficial de quarto, 1o tenente Mello Moraes. Isso feito, foi atacada e tomada a Armação, e, em seguida, os outros navios da esquadra e os vapores das companhias Lloyd Brasileiro, Lage e Frigorífica, que foram armados em pé de guerra e incorporados à esquadra revolucionária,

Todos esses navios receberam grande quantidade de municão na Armação, colocando-se depois em linha prolongada à terra. As torpedeiras foram também incorporadas à esquadra e durante todo o dia percorreram a baía. Os navios revolucionários são: os encouraçados Aquidaban, Javary, Sete de Setembro, cruzadores República, Trajano, Orion, corveta Amazonas, canhoneira Marajó, torpedeiras de alto mar e de lança. (...)" -

Jornal do Brasil, 7 de setembro de 1893

 

"Às 9 horas da manhã uma lancha do cruzador República apreendeu uma das lanchas do cruzador Almirante Tamandaré. Pouco depois, atravessando a baía e rebocador Emperor, uma das lanchas que policiam o porto, deu dois apitos e, tendo aquele rebocador parado, aprisionou-o, deixando fundeado um saveiro que aquele conduzia. Foi também aprisionado o paquete Matilde, e mais tarde levados para a Armação os cruzadores Guanabara, Almirante Tamandaré e a galeota Quinze de Novembro. O Júpiter foi incorporado à esquadra. (...)" -

Jornal do Brasil, 8 de setembro de 1893

 

"(...) Ao amanhecer o Aquidaban embandeirou em arco e toda a esquadra revoltada içou a bandeira nacional no topo do mastro grande em comemoração à data de 7 de setembro. Depois das 7 da manhã, do cais do Arsenal da Marinha começou-se a observar os movimentos da torpedeira Marcílio Dias, que por diversas vezes chegava à fala aos navios estrangeiros, naturalmente para parlamentar, e do cruzador República, auxiliado por diversas lanchas, para o ancoradouro dos paquetes de Lloyd, onde, depois de apreender diversas embarcações pequenas, começou a apoderar-se dos vapores ali fundeados, os quais eram conduzidos para junto da esquadra revoltada, por diversos rebocadores. O Júpiter foi tirado do lugar em que estava e encorporado à esquadra, encarregando-se desse trabalho o 1o tenente Camisão de Mello. (...)

Jornal do Commércio, 8 de setembro de 1893

 

"Eis o que ontem se passou. Às 6 horas da manhã o Júpiter levantou ferro e foi fundear no canal do Engenho. Na passagem foi hostilizado pela bateria da Ilha do Governador. O Aquidaban recebeu carvão, que lhe levaram um saveiro e uma lancha da Ilha das Enxadas. Da Ilha do Governador foram disparados alguns tiros contra o Tamandaré.

À tarde o forte de Gragoatá bombardeou a fortaleza Villegaignon. Informam-nos que em Campos estãp prontos para o serviço dois batalhões da guarda nacional, o 11o e o 39o, com os oficiais já fardados e as companhias completas. Muitos oficiais de outros corpos também se fardaram e esperam ordem."

Gazeta de Notícias, 9 de fevereiro de 1894

 

"O Dia de ontem raiou ao som estridente do forte canhoneio que houve de madrugada entre as fortalezas da barra, Gragoatá, baterias do morro de S. João em Niterói e da Armação de um lado, e alguns navios da esquadra revoltosa e Villegaignon de outro.

Foi uma luta renhida que se prolongou até cerca das 9 horas da manhã. Cerca das 2 horas da manhã quatro lanchas dos revoltosos largaram do Aquidaban e dirigiram-se para os lados da Armação, disparando para ali os seus canhões de tiro rápido e metralhadoras, e neste posto tiveram luta com as forças que guarnecem aquele estabelecimento e as da Ponta da Areia.

Naquela ocasião deixaram os seus ancoradouros e aproximaram-se também da Armação o Aquidaban, o Liberdade e o frigorífico Júpiter, que tomaram parte no combate. As forças da Armação e Ponta da Areia atacaram com vivo fogo os navios e lanchas, atirando às 6 horas da manhã as fortalezas de Santa Cruz e da Lage para Villegaignon, e S. João para a Ilha das Cobras.

Villegaignon respondeu atirando para Gragoatá. Este forte trocou disparos com o encouraçado Aquidaban. Depois das 10 horas retiraram-se os navios e lanchas.

O sr. general Argolo, chefe das forças que guarnecem Niterói, dirigiu ao sr. Ministro da Guerra o seguinte telegrama: "As forças legais destroçaram os revolucionários, que tentaram desembarque na Armação. Morreram três oficiais e muintos marinheiros. Os revolucionários refugiaram-se no fundo da baía." Consta que por notícias oficiais sabe-se que foram aprisionados 55 marinheiros e três oficiais, um dos quais de nacionalidade estrangeira.

Às 5 horas a Ilha das Cobras atirou para terra. Nesta ilha houve ontem un incêndio em um galpão. Pouco depois foi extinto. Da Ilha do Governador fizeram de manhã alguns disparos contra o Tamandaré , que pouco depois respondeu."

Gazeta de Notícias, 10 de fevereiro de 1894

 

"Muito semelhante ao anterior foi o dia de ontem. A população ainda se manteve tranqüila, esperando os acontecimentos, com a máxima confianá no governo e na vitória da República. Nas ruas notou-se a animação dos dias normais. O comércio conservou francamente abertas as suas portas, manifestando um total sossêgo e despreocupação da revolta como se estivessem em época de paz mais absoluta."

Diário de Notícias, 9 de fevereiro de 1894

 

Grande Vitórias das Forças Legais:

"Na madrugada de ontem a população da nossa capital foi despertada por um vivíssimo tiroteio, entrecortado de sucessivos tiros de canhão, anunciando um grande combate para os lados de Niterói.

Efetivamente os revoltosos levados ao desespero em nossa baía pelo heroísmo das forças legais e pela falta de viveres e disciplina a bordo, imaginaram dar um combate decisivo, pondo em movimento todas as suas forças e atacando simultâneamente Maruí, Ponta da Areia e sobretudo a apetecida Armação. O combate nesses três pontos tornou-se renhidíssimo, trocando a todo momento a artilharia de parte a parte e ouvindo-se continuadas descargas de fuzilaria.(...)

Mal clareava o dia e em todos os pontos da cidade, de onde se podia divisar a luta travada, a população aglomerava-se, anciosa de saber o que se passava, e confiada na bravura dos que defendiam a heroica Niterói. O combate ia muito renhido quando de repente as baterias da Ponta da Areia e da Armação cessaram o fogo, apriximando-se as lanchas e havendo todos os indícios de um desembarque. (...)

Muito provavelmente por tática, as guarnições desses pontos tinham-se concentrado e a marinhagem desenfreada julgava-se já senhora das posições, quando a ofensiva foi tomada, com valor, as forças desembarcadas foram cercadas pela infanteria e expulsas do território fluminense, deixando muitos mortos e feridos e fugindo vários marinheiros a nado.

Desalojados das posições, as bandeiras brancas foram arrancadas em meio aos vivas à República, e a esquadra revoltada, com menos duas lanchas, que foram a pique, fez-se ao largo, custando-lhe mais uma tremenda derrota, que certamente levará o ex-neutro da Ilha das Cobras a não tentar outro desembarque."

Diário de Notícias, 10 de fevereiro de 1894

 

"Pouco antes das 4 horas da manhã de ontem fomos surpreendidos por vivas descargas de grosso canhão, que repercutiam com grande estrondo no silêncio profundo em que se achava mergulhada a cidade.

Acudindo ao nosso posto de observação, vimos o Aquidaban e um dos frigoríficos em serviço da revolta restauradora, que haviam levantado ferro e aproavam bara a barra, achando-se já próximos de Villegaignon. Os holfotes de S. João e da Glória tinham, porém, projetado pouco antes os seus focos de luz sobre os dois vultos que se esgueiravam rapidamente pela treva densa, e das baterias legais e das fortalezas da barra, sempre vigilantes, rompeu desde logo vivíssimo fogo sobre os dois navios. Assim descobertos e debaixo de um chuveiro de balas, ambos voltaram rapidamente para os ancoradouros que pouco antes haviam deixado, naturalmente no intuito de forçar a saída da barra. E cessou assim o canhoneio."

O Tempo, 9 de fevereiro de 1894

 

"Depois de longos dias de quse completa apatia em que estiveram mergulhados os revoltosos restauradores resolveram ontem operau uma ação séria e decisiva, que os arrancasse do estado de aniquilamento em que se acham. Custou-lhes, porém, caro a audácia. Mais uma derrota formidável lhes foi infligida e mais uma vitória cheia de heroísmo coube à mocidade entusiástica, às hostes nibilíssimas dos bravos que defendem a república. (...)

Os revoltosos atacaram hoje pela madrugada, simultaneamente, diversos pontos do litoral de Niterói, desembarcando em alguns deles, de onde foram no fim de pouco tempo desalojados, deixando muitos mortos e prisioneiros, entre estes alguns oficiais."

O Tempo, 10 de fevereiro de 1894

 

"A iminência do ataque decisivo à candilhagem do mar, que desde 6 de setembro ensangüenta duas cidades, reduz a ruínas a capital do Estado do Rio e infelicita e enxovalha a pátria, arrastando-a à mais injustificável das guerras civis, não podia deixar de ser ontem a principal preocupação de todos os espíritos. Diante do aviso prévio, que foi dada a mais laga publicidade, as famílias moradoras no centro da cidade e nos pontos mais provavelmente expostos começaram muito cedo a retirada, enchendo literalmente os wagons da Estrada de Ferro Central do Brasil e os bondes das diferentes companhias, em demanda dos subúrbios e dos arrabaldes mais arredados do litoral, onde se acham a abrigo das balas inimigas, que até há poucos dias tanto sangue generoso e inocente haviam feito derramar."

O Tempo, 13 de março de 1894

 

A Revolta - Vitória da República:

"Chegamos tarde para dar a notícia que repercutiu já como um hino festivo em toda a República, desoprimida do ultraje dos bandidos, das desgraças que eles lhe cavaram desde 6 de setembro do ano passado. Está salva a República! (...)"

O Tempo, 15 de março de 1894

 

"Está salva a República! A República que durante seis meses resistiu ao Aquidaban, Javarí, Almirante Tamandaré, Trajano, Guanabara e esquadrilhas de torpedeiras, piquetes e rebocadores, viu a imediata submissão dos revoltosos restauradores, no dia em que se anunciou a sua anciosamente esperada batalha."

- BOLETIM D'O PAIZ - ÀS TRÊS HORAS DA TARDE -

"Os revoltosos acabam de se render à discrição. Os oficiais refugiaram-se à bordo dos navios de guerra ingleses, franceses e portugueses, abandonando os enfermos na Ilha das Enxadas.

Os tiros que estão se ouvindo são para descarga dos canhões. As fortalezas e poucos fortificados apenas dispararam alguns tiros, que não foram correspondidos.

Honra à República Brasileira. Honra às forças de terra, à grande parte leal da oficialidade da esquadra!"

O Paiz, 14 de março de 1894

 

"A cidade do Rio de Janeiro respirou ontem, enfim, desopressa do pesadelo da revolta. As fisionomias tinham um ar radiante de contentamente e por toda a parte grandes grupos de populares, entusiasmados, festejavam delirantemente, a vitória da República."

O Paiz, 15 de março de 1894

 

"O comandante superior da guarda nacional Dr. Fernando Mendes, acompanhado do seu estado-maior, comandantes das brigadas, corpos e oficialidades, foi ontem à tarde cumprimentar os srs. marechal vice presidente da República e ministro da Guerra. Quatro bandas de música acompanhavam o prestito que depois dos cumprimentos percorreu diversas ruas da cidade.

No palácio do governo, estando ausente o sr. marechal Floriano, foram os manifestantes recebidos pelo sr. capitão Antônio José de Siqueira, secretário de s.ex. (...)"

Correio da Tarde, 15 de março de 1894

 

"O cruzador Trajano, que foi rebocado para a Gamboa, está completamente perdido e quase imerso. Ao general Pimentel, comandante da 1a brigada de vigilância no litoral apresentaram-se 31 soldados das forças legais, prisioneiros dos revoltosos nas ilhas do Engenho, Mocanguê e Ponta da Armação. (...)

O sr. coronel chefe da polícia desta capital dirigiu aos governantes dos estados o seguinte telegrama: - Neste momento foi dominada a revolta no porto do Rio de Janeiro. Antes de terminar o prazo de 48 horas, marcado pelo governo para começar as hostilidades, os revoltosos entregaram-se à discrição, tendo antes abandonado fortalezas e navios e refugiando-se na ilha das Enxadas. Saldanha e mais oficiais estão asilados em navios de guerra estrangeiros. O governo trata de mandar forçar para o Paraná e Santa Catarina onde se acha o almirante Custódio de mello. Mil parabéns. Viva a República!"

"Hoje às 3 ½ horas da tarde haverá bondes especiais à disposição daqueles que quiserem cumprimentar os alunos da Escola Militar. (...)

As repartições públicas, praças ajardinadas e diversas casas particulares iluminaram ontem à noite as suas fachadas. (...)

Foram removidos para a Ilha das Enxadas os marinheiros presos que se achavam recolhidos ao 1o e 24o batalhões de infantaria."

Correio da Tarde, 16 de março de 1894

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7) Salão de Novidades Paris no Rio (1897)

"Quem não tiver tido a dita de assistir a um banho de mar com todas as suas peripécias e todos os seus atrativos, não precisa ter o incômodo de se erguer do leito às 6h da manhã para ir ao Boqueirão do Passeio ou à Praia da Saudade; é bastante ir visitar o elegante salão Paris no Rio, onde o Animatógrafo Super Lumière, entre muitos outros, exibe um quadro desde gênero; e, tal é a perfeição do extraordinário aparelho que a ilusão é completa; quase se sente medo de que as ondas do mar, ultrapassando os limites do quadro, invadam o elegante salão."

A Notícia, 15 de novembro de 1897

 

"Os srs. Segreto e Salles inauguraram ontem, na Rua do Ouvidor, andar térreo do Club dos Reporters, as funções que aí vão dar com o animatógrafo Lumière. A sessão foi exclusivamente para a imprensa e o aparelho funcionou perfeitamente, agradando bastante. Os quadros da dança Serpentinas e o das melancias foram bisados. O aparelho é movido por uma mola à gás de força de 15 cavalos, fabricado por White e Midleton. A instalação da eletricidade foi dirigida pelo engenheiro Augustro Grillet."

Folha da Tarde, 31 de julho de 1897

 

PROPAGANDA:

"Salve Século XIX Salve Amimatógrafo Lumière - A última palavra do engenho humano. A mais sublime maravilha de todos os séculos. Pinturas moverem-se, andarem-se, trabalharem, ouvirem, chorarem, morrerem, com tanta perfeição e nitidez, como se Homens, Animais e Coisas Naturais fossem, é o assombro dos assomros. Salve Lumière! O Animatógrafo Lumière é invento tão magestoso, soberbo e imponente, que a própria natureza, que privilegiou o seu autor, conserva-se estática diante de sua pasmosa contemplação!

A exibição dos diversos quadros, que serão expostos à admiração do público, é tãp primoroso e sedutor atrativo, que, quem por ela é uma vez surpreendido, procura irresistivelmente emergir sempre o seu espírito observador da deliciosa admiração desse assombroso espetáculo!

As Exmas. famílias desta capital encontrarão à Rua do Ouvidor no 141, um salão de espera digno de sua recepção e iluminado à luz elétrica, das 12 horas às 10 da noite. Ao Animatógrafo, pois, de Lumière cabem hoje, de todo o mundo civilizado os aplausos bem merecidos de uma admiração, sem limites. 141 Rua do Ouvidor."

Folha da Tarde, 9 de agosto de 1897

 

"Estive ante-ontem, pela primeira vez, no Salão Paris, e não perdi o meu tempo; é realmente divertidíssimo o Animatógrafo Super Lumière, pela entontecedora variedade das suas fotografias. Todas me agradaram, todas, mas nenhuma como as coloridas, que reproduzem, com uma precisão extraordinária, as danças serpentinas da Loie Fuller, ou do diabo por ela. Aquilo é bom... e é barato. Compete agora ao público animar o animatógrafo."

Arthur Azevedo, em O Paiz, 24 de dezembro de 1897

PROPAGANDA:

"Paris No Rio - Salão de Novidades - De Salles e Segretto - 141 Rua do Ouvidor - No dia primeiro foi inaugurado esse luxuoso salão com a exibição de maravilhosos quadros de fotografias animadas, reproduzidas pela importante máquina Vitoscópio - Super - Lumière, a primeira até hoje vinda à América do Sul. sessão todos os dias e todas as noites. Entrada 1$000." -

Cidade do Rio, 4 de agosto de 1897

"O Salão de Novidades que funciona no andar térreo do edifício Club dos Reporters tem sido extraordinariamente visitado."

Gazeta da Tarde, 2 de setembro de 1897

 

"Paris no Rio! Esta ficção é hoje realidade, graças ao animatógrafo que funciona alí, quase em frente à nossa redação. São dez tostões que valem mil francos, e satisfaz-se um ideal muito ambicionado: ver Paris."

Gazeta da Tarde, 4 de setembro de 1897

 

"O Animatógrafo Super Lumière, à rua Moreira Cesar (*), foi ontem extraordinariamente concorrido por grande número de famílias. É deveras curioso e deslumbrante o engenhoso aparelho, que reproduz em tamanho natural e com todos os movimentos da vida real cenas de muita animação." -

Jornal do Brasil, 4 de outubro de 1897

(*) A Rua do Ouvidor se chamou Moreira Cesar de 1897 a 1916.

 

"Uma sega de trigo - é um dos quadros que estão sendo mostrados pelo Animatógrafo Super Lumière, do elegante salão Paris no Rio. Dizer que todos os movimentos são maravilhosamente reproduzidos, não é bastante: quem assistir a exibição daquele quadro póde dizer que ja viu ceifa do trigo em Hamburgo.

A cena é tão perfeita, que quase que se chega a ouvir o ruído dos cortadores a derrubar a preciosa planta.

A sessão a que assistimos, estava presente grande número de senhoras.

Bem digno de predileção das famílias é o Paris no Rio, que se acha elegante e luxuosamente montado."

Jornal do Brasil, 5 de novembro de 1897

 

"É de fazer água na boca, tão bem reproduzida está e tão natural é a cena Üm Comedor de Melancias" quadro exibido na Animatógrafo Super Lumière no Paris no Rio.

Ontem um espectador tão iludido ficou que, aproximando se do quadro disse:

- Ó amigo, você me dá um pedaço dessa melancia?"

Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1897

 

"Como um caso estupendo, conta a Bíblia que Josué fez para o sol e, no entretanto, o Animatógrafo Super Lumière, no Paris no Rio, fal-o dançar maxixe.

Imagine-se o astro-rei caído nos requebros exagerados da nossa dança, como qualquer turuna da Cidade Nova! É impagável!"

Jornal do Brasil, 25 de novembro de 1897

 

"Animatógrafo Super Lumière do Paris no Rio; há quadros de todos os assuntos; desde o que diverte, tendo engraçados episódios, até os que pinta desastre.

Para os apreciadores excêntricos desde últimos, isto é, para os que gostam das comoções fortes, lá está um intitulado 'Um Homem Apanhado Por Um Bonde'."

Jornal do Brasil, 30 de dezembro de 1897

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8) Atentado Contra Prudente de Moraes (1897)

" (...) O crime político está, enfim, implantado nos costumes brasileiros. O assassinato de hoje, sem precedentes na nossa história por isso mesmo, lançando profunda consternação no seio da sociedade, provoca a mais justa indignação. O braço que se estendeu contra a pessoa venerada de sr. presidente da República; que assassinou os sr. marechal ministro da Guerra, e que feriu quase mortalmente o sr. coronel Luiz Mendes de Moraes, é simplesmente o instrumento inconsciente dessa agremiação política que se quer impôr ao país pelo terror, pela anarquia."

Narremos Os Fatos :

"Acabavam de desembarcar na ponde do trapiche do Arsenal de Guerra o sr. presidente da República, ladeado pelo sr. marechal ministro da Guerra e coronel Luiz Mendes de Moraes, chefe da casa militar. Grande número de oficiais de todas as patentes o acompanhavam. O povo abria alas à passagem do venerado chefe da nação. Os vivas esturgiram nos ares e as bandas de música fizeram ouvir o hino nacional. As últimas notas deste acabavam de soar, quando um clamor se elevou do grupo de que fazia parte o Sr. Dr. Prudente de Moraes.

O soldado Marcellino B. de Miranda, 3a companhia do 10o batalhão de infantaria, armado de uma pequena faca, investira contra o Sr. Presidente da República. Neste momento o S. Marechal Ministro da Guerra, em um rasgo de sublime heroicidade colocou-se entre o soldado e a cobiçada vítima dos furores jacobinos, protegendo-se com o seu corpo e com a sua espada.

A arma homicida penetrou fundo no coração do bravo e leal ministro. O coronel Mendes de Moraes, procurando também defender o Presidente da República, recebeu grave ferimento no baixo ventre esquerdo.

As espadas dos oficiais sairam das bainhas e ameaçaram de morte o miserável assassino, que deveu a sua vida ao Sr. Presidente da República, que declarou que o assassino pertencia à Justiça.

Era uma hora e cinco minutos da tarde. Toda essa cena, rápida, mais rápida do que o tempo que gastamos em descrevê-lo, passou-se sob uma amendoeira que defronta com o portão da Minerva.

Três minutos depois era cadáver o Sr. Marechal Carlos Machado Bittencourt que foi conduzido nos braços de diversos oficiais e paisanos para a sala das entradas, da Intendência da Guerra, de onde mais tarde foi transportado para a capela do Arsenal. O seu cadáver está coberto com a bandeira nacional, e diversos amigos e parentes velam à sua cabeceira.

O Sr. Coronel Mendes de Moraes foi conduzido para a sua casa em padiola, carregado por 4 oficiais e acompanhado por uma força do 10o batalhão.

O assassino, bastante machucado, em conseqüência da resistência oposta no ato da prisão, foi recolhido ao xadrez do arsenal, onde está incomunicável." -

Cidade do Rio, 5 de novembro de 1897

 

"A 1 hora da tarde foi apunhalado no Arsenal de Guerra, por ocasião do desembarque do general Barbosa e dos batalhões que voltavam de Canudos, o Sr. Marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro da Guerra. A notícia foi transmitida logo para o quartel-general, de onde partiu imediatamente o Sr. Cantuária.

O agressor foi um aspençada do 10o de infanteria. O golpe fora dirigido ao sr. Presidente da República.

O Sr. Ministro da Guerra, porém, antepondo-se ao agressor, foi vítima da fúria deste, que lhe cravou três vezes a arma, uma faca de lâmina fina, no peito, na virilha e em uma das mãos.

Os oficiais do estado-maior do Sr. Presidente da República atiraram-se sobre o soldado e espaldeiraram-no, sendo este preso pelo alferes Murat. Seguiu-se um tumulto extraordinário. Consta ter sido ferido o coronel Mendes de Moraes.

O marechal Bittencourt foi transportado para a arrecadação do Arsenal pelo tenente-coronel Bittencourt do 1o e alferes Gonçalves, do 23o, onde expirou momentos depois; sendo conduzido mais tarde para a capela do mesmo edifício.

Ao saber-se na Câmara do acontecimento em virtude do qual faleceu o Sr. Ministro da Guerra, a sessão foi suspensa e mais tarde levantada, depois de falarem os srs. Irineu Machado, Nilo Peçanha, Serzedello, Augusto Montenegro e Arthur Rios.

Foi nomeada uma comissão de vinte e um membros, representando os estados da União, para comparecer aos funerais. Não haverá sessão noturna."

Folha da Tarde, 5 de novembro de 1897

 

"Não podia ser mais profunda nem mais dolorosa a impressão produzida no espírito público pelo ignobil atentato que teve ontem por teatro o arsenal de Guerra. Um grito de justa indignação percorreu a cidade, e cobriu-se a alma nacional de luto diante do pavoroso crime.

Um soldado, mentindo à honra de sua farda e conspurcando as tradições gloriosas do exército brasileiro, ousou erguer o braço homicida contra o honrado chefe do Estado, que encarna a soberania nacional, e, como lhe falhasse este golpe, tirou a vida ao ilustre general Carlos Machado Bittencourt - um benemérito da pátria, brasileiro dos mais dignos do respeito e da estima de seus cocidadãos. (...)"

Gazeta de Notícias, 6 de novembro de 1897

 

"Num só movimento de surpresa e de indignação o povo brasileiro estremece ante a pungentíssima tragédia de ontem. A mesma dolorosa impressão fere de sul a norte todos os corações, abatendo todos os espíritos, mergulhando-os na mesma treva de dor e de apreensões. (...)

A atitude da imprensa, unânime hoje em protestar contra os crimes ignóbeis que ontem ensangüentaram o Brasil, é a melhor expressão do quanto é profunda a revolta que em todas as almas bem formadas vieram eles provocar."

"A Gazeta da Tarde, externando o seu doloroso pezar pela morte do bravo e dedicado marechal Machado Bittencourt, associando-se ao luto justíssimo do exército e de toda a nação, congratula-se ao mesmo tempo com o Brasil por ver ileso no seu alto posto o Sr. Dr. Prudente de Moraes, o velho e honrado republicano, que desde os mais árduos tempos da propaganda toda a gente se habituou a respeitar."

"Continuaram hoje as manifestações de pezar pela morte do marechal Machado Bittencourt. Todas as classes sociais têem demonstrado o seu sentimento; é geral o luto na cidade. Muitas casas comerciais cerraram as suas portas; as repartições públicas encerraram o expediente, conservando-se hoje fechadas; as redações de todos os jornais içaram bandeiras a meio pau; deixaram de funcionar os teatros."

Gazeta da Tarde, 6 de novembro de 1897

 

"Escrevemos ainda sob a emoção da tragédia que ontem se desenrolou diante da sociedade fluminense, enchendo-a de indignação e luto. O que se passou no Arsenal de Guerra foi tão rápido, tão imprevisto, tão fulminante que não há talvez espírito que não se sinta atordoado ainda pela violência do golpe e do absurdo da catástrofe. (...)

O que moveu o braço desse obscuro soldado e transformou em miserável assassino um defensor da bandeira nacional, é ainda para o povo um mistério que precisa ser completamente esclarecido, para honra da Pátria, a bem da segurança social, a bem da dignidade do poder."

À NAÇÃO:

"`As 2 horas da madrugada foi para o Diário Oficial o manifesto do Sr. Presidente da República à nação. S.Ex. declara que, ferido profundamente nos seus sentimentos de homem e de brasileiro pelo atentado contra a sua pessoa premeditado e que vitimou um dos mais dedicados servidores da Nação, o Marechal Carlos Machado Bittencourt, afirma do modo o mais solene que esse horroroso crime não terá o efeito de demover uma só linha do caminho do dever e da defesa da lei, do princípio da autoridade e das instituições republicanas."

O Paiz, 6 de novembro de 1897

"Se o abismo tem o encantamento da atração, o crime é um ensinamento e um incitamento para outro crime. Oxalá que o nefando atentado de ontem encerre com o seu pesado luto este ano nefasto em que nas ruas desta capital assaltaram-se e saquearam-se casas particulares, se tinha opiniões adversas às instituições, era garantido em seu direito de trânsito pelas leis da República. (...)"

Jornal do Commércio, 6 de novembro de 1897

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9) Bezerra de Menezes (1900)

"Succumbiu hontem, às 11 ½ horas da manhã, após longos e dolorosos padecimentos, que foram a ultima prova imposta à sua resignação verdadeiramente christã, o eminente brazileiro cujo nome, encimando estas linhas, como homenagem posthuma ás virtudes da sua vida, por tantos annos fulgurou nos annaes da política do imperio e hoje, apenas vive na tradição dos que o amaram, ou da inexhaurivel fonte da sua bondade receberam inesqueciveis beneficios.

Foi esta a caracteristica essencial do venerado extincto. Politico militante, filiado á mais adiantada parcialidade do antigo Partido Liberal, deputado, vereador da extincta Camara deste municipio, a cujos destinos por longos annos presidiu; escriptor - que o era com raro merecimento e brilho - em todas essas manifestações da sua actividade deu sempre o Dr. Bezerra de Menezes as mais brillhantes provas da sua capacidade de do seu valor moral e intellectual; mais foi sobretudo no abnegado sacerdociu da sua clinica e na doce penumbra da sua vida intima que mais refulgiram os peregrinos dotes de seu espirito, multiplicando-se em desvelos, em solicitude, em carinhoso desinteresse por todos os que soffriam. E jamais bateu um desses, enfermo ou necessitado, inutilmente á sua porta.

Tempo houve em que, fascinado pelo desejo de servir á sua pátria, em cargos publicos, exclusivamente de confiança popular, como acabamos de alludir, substituiu o exercicio da medicina pela tribuna parlamentar ou pelos onerosos encargos de chefe da Municipalidade, em que se conservou perto de vinte annos. (...)

Passou através das grandezas deste mundo e do fastigio do poder sem lhes sentir a vertigem, sombranceiro, indifferente, alheio a ambiçãoes, tendo pelas seducções da fortuna um desprezo que tanto contrasta com o culto hoje incondicionalmente rendido a essa mesquinha preocupação, cujo cultivo, em certas camadas da sociedade contemporanea, tanto rebaixa o espirito da nossa nacionalidade.

É realmente edificante, no meio das ambições que na hora presente se disputam entre nós a posse das melhores posições, para a ostentação de insperadas opulencias, oppor o exemplo desse grande cidadão, que não é mera figura - encaneceu no serviço da Pátria e da humanidade e, tendo entrado para a vida publica com fortuna, della se retirou pobre, depois de haver exercido gratuitamente por um largo período, o cargo de vereador, que não era então remunerado, em de ter tido em suas mãos, como seu presidente, as chaves da Municipalidade, de que não se utilizou senão para assegurar-lhe as condições de prosperidade, de que rezam as tradições desse tempo. (...)

Assim, de facto, viveu esse grande homem, mixto de interesse, de abnegação, de fé e de grande moral, e que, de sessenta e oito annos, voltados á actividade constante do trabalho, extreme de ambições vulgares, sae da vida, deste charco, que o não conspurcou, cercado de uma aureola de virtude e atraves de uma glorificadora apotheose de bênçãos e lagrimas. (...)

A sociedade brazileira, particularmente a sociedade fluminense, contraiu com o venerando morto uma divida que, revertendo em beneficios de sua familia, honrará a memoria daquelle que tantos serviços lhe prestou. Resta que a pague, provando assim que a ingratidão não é a única moeda com que o povo costuma retribuir os sacerdocios dos que serviram á patria e á humanidade. (...)"

O Paiz 12 de abril de 1900

 

"Falleceu hontem, ás 11 horas da manhã o dr. Adolpho Bezerra de Menezes. O finado foi chefe politico do antigo partido liberal, no regimen monarchico, na freguezia de S. Christovão, onde gozava de real influencia; occupou os cargos de eleitor especial e vereador, foi por muitos anos presidente da camara municipal, e diversas vezes foi eleito deputado geral, pelo 3o districto do municipio neutro. Possuidor de grande fortuna, a politica e a pratica da caridade empobreceram-no. A sua morte deixa um grande vacuo no coração daquelles que tiveram ocasião de admirar de perto quanto valia alma privilegiada.

Medico e medico habil, a sua vida foi, nos ultimos tempos um continuo labutar em beneficio da pobreza; jamais recusou os seus serviços áqueles que a elle recorriam. Dos pobres nada aceitava; dos ricos recebia o que queriam dar-lhe. Por isso morreu pauperrimo.

Para poder avaliar bem a grandeza d'alma do dr. Bezerra, basta expor o seguinte facto, de que temos conhecimento, entre muitos outros factos. Era o dr. Bezerra presidente de uma companhia, com escriprorio a rua Sete de Setembro, quando lhe appareceu um conhecido seu communicando-lhe o fallecimento de um filhinho e dizendo-lhe, com as lagrimas nos olhos, que, achando-se desempregado, não tinha recursos para fazer o enterro. O dr. Bezerra chamou-o a um canto e meteu-lhe na algibolsa todo o dinheiro que possuia. No momento em que se propunha a retirar-se para a casa (morava então na Tijuca) reconheceu que, tendo dado tudo nada lhe restava para a passagem do bond, e pediu a um amigo trezentos réis emprestados! As bênçãos da pobreza, que ele soccorria o acompanharão para a morada celeste."

Jornal do Brasil, 12 de abril de 1900

 

"Depois de longos e crueis padecimentos, falleceu hoje o sr. Antonio Bezerra de Menezes, antigo e estimado clinico desta Capital. Exerceu entre nós o dr. Bezerra de Menezes varios cargos de eleição popular, sendo considerado por muito tempo um dos mais prestigiosos chefes do partido liberal do antigo Municipio Neutro, durante a monarchia.

Por vezes escolhido pelo corpo eleitoral da cidade do Rio de Janeiro seu representante na camara municipal do Rio de Janeiro, por força da lei que outrora vigorava, foi o seu presidente, e nesse caracter exercia grande influencia sendo muito respeitado e considerado pelos chefes de sua parcialidade politica, e gosando também de prestigio verdadeiramente popular. (...)

Tendo exercido grande influencia como politico e homem de acção, como médico que dispunha de clinica extensissima, ha muito tempo que desaparecera da vida publica. Estava retirado mas não esquecido. Não esqueceram seus companheiros de luctas que nele tiveram um bom e leal camarada, nem poderiam duvidar tantos quantos receberam os muitos beneficios de que era prodigioso seu excellente, bondoso e meigo coração."

Cidade do Rio, 11 de abril de 1900

 

"Falleceu hontem nesta capital o Dr. Adolpho Bezerra de Menezes, influencia política do partido liberal do antigo regimen.

Nascido no Estado do Ceará, fixou residência aqui logo depois de formado na Faculdade de Medicina, sendo por vezes eleito Vereador e Presidente da Câmara Municipal. Na Câmara dos Deputados foi representante do Município Neutro e de sua provincia natal, em varias legislaturas. Intelligente, activo e dedicado ao seu partido o Dr. Bezerra de Menezes, gozou de grande popularidade e prestigio chegando a ser elevado a chefe incontestado do partido liberal nesta Capital, depois da morte do Dr. Dias da Cruz.

Ha muito tempo que abandonando a politica entregou-se ao exercício de sua profissão de médico, onde também se distinguio pelo seu desinteresse e actos de caridade. Muitos forão os amigos que teve quando no vigor de todo o seu prestigio, do seu talento e de toda a sua popularidade. Morreu, entretanto, muito pobre após longa enfermidade e apenas rodeado do grupo de amigos que nunca o abandonou."

Jornal do Commércio, 12 de abril de 1900

 

"Faleceu hontem às 11 ½ horas da manhã o dr. Adolpho Bezerra de Menezes, conhecido médico, residente nesta Capital, onde gosava de geral estima. Era natural do Ceará, tendo, durante o império, representado por diversas vezes o Município Neutro na Câmara dos Deputados. Occupou também, o logar de presidente da antiga Câmara Municipal. À família enlutada apresentamos as nossas condolencias."

A Imprensa, 12 de abril de 1900

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10) Revolta da Vacina (1904)

"O governo arma-se desde agora para o golpe decisivo que pretende desferir contra os direitos e liberdades dos cidadãos deste país. A vacinação e revacinação vão ser lei dentro em breve, não obstante o clmamor levandado de todos os pontos e que foi ecoar na Câmara dos Deputados através de diversas representações assinadas por milhares de pessoas.

De posse desta clava, que o incondicionalismo bajulador e mesureiro preparou, vai o governo do Sr. Rodrigues Alves saber se o povo brasileiro já se acanalhou ao ponto de abrir as portas do lar à violência ou se conserva ainda as tradições de brio e de dignidade com que, da monarquia democrática passou a esta República de iniqüidade e privilégios.

O atentado planejado alveja o que de mais sagrado contém o patrimônio de cada cidadão: pretende se esmagar a liberdade individual sob a força bruta..." -

Correio da Manhã, 7 de outubro de 1904

 

"Foi extrema a indignação que o projeto do regulamento da vacina obrigatória excitou no ânimo de todos os habitantes de Rio de Janeiro, cuja sensibilidade ainda não embotaram interesses dependentes do governo e da administração sanitária."

"Durante o dia de ontem foram distribuídos boletins convocando o povo para um meeeting no largo de S. Francisco de Paula, contra os demandos do Conselho Municipal e da execução da lei da vacina obrigatória."

Correio da Manhã, 11 de novembro de 1904

 

"Parece propósito firme do governo violentar a população desta capital por todos os meios e modos. Como não bastassem o Código de Torturas e a vacinação obrigatória, entendeu provocar essas arruaças que, há dois dias já, trazem em sobressalto o povo.

Desde ante-ontem que a polícia, numa ridícula exibição de força, provoca os transeuntes, ora os desafiando diretamente, ora agredindo-os, desde logo, com o chanfalho e com a pata de cavalo, ora, enfim, levantando proibições sobre determinadas pontos da cidade."

Correio da Manhã, 12 de novembro de 1904

 

" (...) As arandelas do gás, tombadas, atravessaram-se nas ruas; os combustores de iluminação, partidos, com os postes vergados, estavam imprestáveis; os vidros fragmentados brilhavam nas calçadas; paralelepípedos revolvidos, que servem de projéteis para essas depredações, coalhavam a via pública; em todos os pontos destroços de bondes quebrados e incendiados, portas arrancadas, colchões, latas, montes de pedras, mostravam os vestígios das barricadas feitas pela multidão agitada. a viação urbana não se restabeleceu e o comércio não abriu suas portas. (...)"

Jornal do Commércio, 15 de novembro de 1904

 

"Como ante-ontem, repercutiram-se ontem as correrias e arruaças dos dois dias anteriores. Como na véspera, tiveram princípio no largo de S. Francisco.

Desde que se manifestou o conflito, deu-se a intervenção da força armada, segundo ordem do Dr. Chefe de Polícia, que, por intermédio de seus delegados, determinara que a intervençào só se desse em caso de conflito ou atentado à propriedade.

Na rua do Teatro, do lado de Teatro São Pedro, estava postado um piquete de cavalaria da polícia. Ao aproximar-se o grupo de populares, a gritos e a vaias, a força tomou posição em linha, pronta a agir, caso fosse necessário. A movimentação do piquete de cavalaria aterrorizou um tanto os populares que recuaram. Depois, julgando talvez que a cavalaria se opussesse à passagem, avançaram resolutos, hostilizando a força a pedradas. O comandante da força mandou avançar também, dando-se o choque. (...) Serenado mais ou menos o ânimo popular naquele trecho, seguiu a força a formar na praça Tiradentes, fazendo junção com outro piquete que ali se achava postado."

Gazeta de Notícias, 13 de novembro de 1904

 

"Seria preciso não conhecermos a vida da cidade do Rio de Janeiro, mesmo nos seus dias anormais, para não compreendermos os acontecimentos de ontem que encheram de pânico e pavor toda a população.

Houve de tudo ontem. Tiros, gritos, vaias, interrupção de trânsito, estabalecimentos e casas de espetáculos fechadas, bondes assaltados e bondes queimados, lampiões quebrados à pedrada, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares deteriorados."

Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904

 

MANHÃ DE ONTEM:

"Pela Rua Senhor dos Passos, às 7 horas da manhã, subia uma grande massa de populares, dando morras à vacina obrigatória. Pelos indivíduos que a compunham foram atacados alguns bondes da São Cristovão. Ao entrar na Praça da República foram virados os seguintes bondes: ns. 140, 95, 113, 27, 55, 105, 87, 101, 38, 41, 85, 56, 31, 13, 130, 101 e 129. Em alguns casos os populares atearam fogo. A Jardim Botânico sofreu também prejuízos. seus carros no Catete e Larangeiras, foram atacados.

BOMBAS DE DINAMITE:

"Já ontem apareceram as terríveis bombas de dinamite, como elemento de guerra. A 3a Delegacia foi alvejada por inúmeras bombas atiradas pelos populares; estes, ao fim de algum tempo, conseguiram repelir a força de polícia, que foi substituída por praças do corpo de marinheiros.

"A cada passo, no centro da cidade, erguiam-se barricadas e trincheiras de onde os populares atacavam as forças militares. as ruas da Alfândega, General Câmara, Hospício, S.Pedro, Av. Passos etc. foram ocupadas pelo povo."

"Os alunos da Escola Militar do Brasil, depois de deporem o general Costallat do comando desse estabelecimento, elegeram, em substituição, o sr. general Travassos e em saída saíram em grupos, naturalmente para se reunirem na praia de Botafogo. Ao seu encontro seguiu do Palácio o 1o de infantaria do exército, sob o comando do coronel Pedro Paulo Fonseca Galvão."

Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904

 

Interrompemos a nossa narração às 3 horas da manhã. Pouco antes foi-nos telefonado do palácio que um delegado viria ver as provas da nossa folha para se certificar de dávamos notícias alarmantes. respondemos que as nossas notícias eram símples narração de fatos. Foi-nos então pedido para retirar algumas das notícias que enumerara e que entretanto foram publicadas por outros colegas."

Gazeta de Notícias, 16 de novembro de 1904

 

"A evidente prova de que toda esta agitação em torno da vacina é artificial e preparada com intuitos meramente perturbadores, está em que as arruaças começaram, justamente quando reiteradas declarações do Sr. Ministro do Interior, feitas a todos os jornais,levavam à convicção de que o que indiscretamente se publicou como sendo regulamento da lei não só o não era como o não seria nunca. A discussão sobre a questão da vacina tinha se conservado no terreno doutrinário. (...)

"Continuaram ontem infelizmente as assuadas e correrias da véspera no largo de S. Francisco de Paula, sendo necessária a intervenção da força de polícia para dissolver os grupos de turbulentos. Alguns gaiatos deram largo curso ao boato de que à tarde havia um meeting naquele largo para o fim de se protestar contra a obrigatoriedade da vacina, o que não aconteceu; mas, não obstante, desde as 5 ½ horas começou a afluir ao lugar indicado várias pessoas, que se aglomeraram próximo à estátua de José Bonifácio.

Eram 6 horas. Notava-se no largo de S. Francisco de Paula desusado movimento, quando principiou a assuada. Não havia orador, todos se olhavam admirados sem saber porque ali se estacionavam. Afinal, dentre os populares surgiram os indivíduos Francisco de Oliveira e Lúcio Ribeiro, os quais, subindo ao pedestal da estátua de José Bonifácio fingiram que iam falar as massas. Os dois pandegos, porém, embatucaram diante da grande multidão e limitaram-se a gesticular estupidamente, sendo isso motivo de datisfação para a garotagem que os aplaudia frenéticamente. (...)"

O Paiz, 12 de novembro de 1904

 

"Como nos dois dias anteriores, arruaças começaram ontem à tardinha. Não esta convocado meeting, entretanto, desde 5 horas da tarde o largo de Sào Francisco de Paula esteve repleto de gente em sua maioria curiosos."

"Enquanto se perde tempo e se despende energia nessa agitação injustificável a pretexto da vacinação obrigatória, vamos deixando de lado as questões que realmente nos interessam e que afetam vivamente a situação do país. (...)

O Paiz, 13 de novembro de 1904

 

"Não há que se esconder a gravidade da situação que, desde alguns dias já, se vinha desenhando no aspecto da cidade e que tos os espíritos anunciavam porque a pressentiam e apalpavam.(...)

Verdadeiras lutas foram travadas a peito nú entre populares e as forças policiais de infantaria e cavalaria, distribuídas por fortes contingentes nos pontos onde maior era a aglomeração e onde as desordens mais se pronunciavam.

Na execução das ordens recebidas e conforme um edital da polícia publicado pela manhã, a polícia interveio na dispersão do povo, acometendo-o com cargas de espada e lança e não raro travando verdadeiros tiroteios; o povo repelia-a a pedradas, entricheirando-se como podia, e a força despejava os revólveres. Iso mesmo sente-se da relação publicada dos feridos, a maior parte por armas de fogo."

"Os estragos que a cidade apresentou na manhã de hoje, árvores derrocadas, combustores retorcidos, quebrados, e postes por terra, , edifícios com as vidraças estilhaçadas, bondes quebrados uns, incendiados outros, tudo isso dá idéia da intensidade dos conflitos de ontem e do desespero e anarquia que reinaram nas ruas, que mais tétricas e cheias de perigo se tornaram quando a noite caiu, privadas grandes trechos de sua iluminação costumada."

"Jamais podiamos imaginar que da vacina obrigatória pudessem surgir os distúrbios de ontem, iniciados na véspera, depois dos breves mas violentos discursos pronunciados na Liga Contra a Vacinação.

Combatendo a obrigatoriedade desta providência, o fizemos sempre de acordo com a lei, em nome dos princípios constitucionais e da liberdade individual, sem jamais aconselhar a resistência à mão armada, que condenamos com a maior energia porque a desordem não pode governar e o prestígio da autoridade constituída não pode parecer diante da subversão da ordem."

BARRICADAS:

"Na rua Senhor dos Passos, esquina da rua Tobias Barreto, Sacramento e Hospício foram levantadas barricadas, havendo em alguns pontos atravessado correntes e arames de lado a lado da rua. Junto a essas barricadas os populares varavam a polícia."

A Tribuna 14 de novembro de 1904

 

AS MANCHETES

Vacina ou Morte (Correio da Manhã)

O Monstruoso Projeto (Correio da Manhã)

Arruaça Policial - Novas Violências - Bondes Atacados - Prisões - O Comércio Paralizado (Correio da Manhã)

A Revolta dos Alunos Militares - Gravíssimo Os Fatos de Ontem - Combate em Botafogo - Tomada de Delegacia -Montins na Saúde - Barricadas - Trincheiras - Assaltos a Casas Populares - Morte e Ferimentos

(Gazeta de Notícias)

Estado de Sítio - A Conspiração - Discursos do Senador Rui Barbosa - Rendição de "Porto Arthur" - Ataque à Fábrica Confiança - Prisão do General Olympio de Oliveira - Fechamento da Escola Militar - Prisão de Alunos da Escola de Realengo (Gazeta de Notícias)

Graves Sucessos - Os Acontecimentos de Ontem - Barricadas e Tiroteios - Conflitos, Ferimentos e Mortes - Providências do Governo -

(A Tribuna)

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11) Avenida Central (1905)

"Hoje deve ser entregue ao trânsito público a primeira Avenida construida no rio de Janeiro, que recebeu o nome de Central. Como é igualmente sabido, esta grande artéria será oficialmente inaugurada hoje pelo Sr. presidente da República, que cortará as fitas que a fecham. Quase todos os prédios concluídos terão as suas fachadas ornamentadas com bandeiras e garlhadetes.

Dentre estes, destacam-se os do Sr. Eduardo Guinle, posto à disposição da comissão construtora da Avenida e do qual o Sr. presidente da República assistirá ao desfilar das tropas, e da Rio Light and Power. O primeiro acha-se internamente decorado com muito gosto, tendo nos vastos salões, além de escudos com bandeiras encimadas por guirlandas de flores, muitos festões cruzando os tetos assim como nas sacadas que dão para a Avenida. O outro prédio que se destacará pela sua ornamentação é o em que se vê instalada a Light, que além de outros enfeites terá a fachada iluminada por 500 lampadas elétricas incandescentes multicores, tendo no centro uma estrela formada pelas mesmas lâmpadas. esse prédio pertence ao Sr. Conde Sucena. (...)

Os mastros fincados ao longo da Avenida, em número de 348, terão galhardetes e serão ligados por festões. Em 41 desses postes serão colocados escudos com os nomes dos engenheiros da comissão da Avenida, assim como também alguns com os nomes de vários construtores.

Os coretos, em número de sete, acham-se colocados nos seguintes pontes da grande artéria: um em frente à Casa Guinle; dois na praça circular; um em frente ao 1o Barateiro, em forma de açafate de flores (este coreto será o mais belo); um em frente ao Teatro Municipal e dois no trecho entre a rua do Passeio e Santa Luzia. (...)"

Gazeta de Notícias, 15 de novembro de 1905

 

"Nem mesmo o mau tempo, tão inclemente e tão enfadonho desde a noite da véspera, conseguiu arrefecer o júbilo e o intenso enthusiasmo com que o povo acorreu a festejar o aniversário da República, tão bem caracterizado pela inauguração dessa monumental Avenida, que agora se oferece não somente à nossa admiração, mas à de todo o país e à do estrangeiro, como um exemplo do poder de vontade do governo federal, auxiliado fortemente pela nossa engenharia e pelos capitais e fortuna dos que viram na construção da grande artéria um emprego remunerador, do mesmo passo que uma contribuição pedida a todas as individualidades para o engrandecimento moral e material desta terra.

A Avenida surgiu diante dela como uma maravilha, como a aurora luminosa de um futuro grandioso. E todos esperavam o dia ansiosos para levarem ao Sr. Rodrigues Alves, nas palmas de suas aclamações, o testemunho do seu reconhecimento. O tempo foi ingrato, injusto, impediu na sua crueldade que o entusiasmo popular fosse o que ia ser, um longo e estrepitoso grito de saudação ao governo, representado nesse homem puro e bondoso, que na paz de sua convivência sente a grande ventura do dever cumprido.

Realizou-se ontem, às 6 horas da tarde, a inauguração oficial da iluminação da Avenida Central. A essa hora achavam-se no escritório da Light os Srs. Drs. Teófilo de Almeida, inspetor geral da iluminação pública, conselheiro Camelo Lampréia, ministro de Portugal, Pearson, Drs. Rego Barros e Paulo de Frontin, Brisson e vários engenheiros da comissão construtora da Avenida.

Os diretores da light convidaram os Srs. ministro de Portugal e Drs. Paulo de Frontin, Teófilo de Almeida e Pearson a abrir os circuitos para estabelecer a comunicação às lampadas, que em ato contínuo derramaram sobre a Avenida intensa luz.

Depois desta cerimônia foi servido às pessoas presentes profuso lunch, fazendo todos em seguida o percurso da Avenida em carros e automóveis. Apesár da chuva, a iluminação produziu esplendido efeito."

A Tribuna, 16 de novembro de 1905

 

"A chuva interrupta que cae sobre a cidade, desde ante-ontem, à noite, não permittiu que a inauguração da Avenida Central, tivesse o brilhantismo anunciado... A inauguração apesar do número de pessoas presentes, esteve fria. O conselheiro Rodrigues Alves foi, durante longo tempo, acompanhado por uma enormidade garotos, que pulavam de um lado para outro lado, formando um sequito incomodo e alverecido. O povo, divorciado por completo das festanças e pagodes oficiais, não teve uma aclamação, não teve um viva, para o presidente da República.

Na sacadas e janelas dos prédios já construídos, já por concluir, em alguns dos quais foram improvizados pavilhões viam-se muitas famílias.

9:00 foi lançada pelo vigário de São José, a benção à Avenida, assistindo a essa solenidade os membros da comissão construtora, além de convidados.

9:50 Chegada do Presidente da República acompanhado do Almirante Julio de Noronha, ministro da Marinha, marechal Argolio, ministro da Guerra e Dr. Lauro Muller, ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas. O landau do chefe da nação era escoltado por um piquete de 40 praças do 9o Regimento de Cavalaria.

À chegada na Avenida, no extremo da Prainha, o chefe da nação e sua comitiva foram recebidos pelo Dr. Frontin e toda a comissão construtora. O Dr. Rodrigues Alves desfez o laço de fitas que interceptava a passagem pela grande avenida. Foi então tocado o Hino Nacional pela banda de música da Companhia Luz Stearica.

O presidente da República, seguido de sua comitiva, dos membros da comissão da Avenida, representantes da imprensa e convidados dirigiu-se então para um dos edifícios. Dali, de uma sacada adornada especialmente para o ato, Sua Exel. junto com os ministros assistiu ao desfilar das forças, que contornavam o prédio, pela rua Acre. (...)

Hontem, enquanto ao espoucar do champagne festivo e o mastigas das festivas empadas, a gente do governo inaugurava a Avenida, sob o hospitaleiro tecto dos felizardos Guinle, centenas de famílias abandonavam os lares nos carros dos benemeritos bombeiros buscando abrigo onde se refugiar da massa d'água que lhes invadiu às casas.

O dinheiro do contribuinte foi esbanjado, foi desperdiçado em indenizações vergonhosas, em que se abarrotou a advocacia administrativa, foi distribuido em negociatas e arranjos.(...)"

Correio da Manhã, 16 de novembro de 1905

 

"Raras vezes um acontecimento publico terá attrahido a uma extensa área da cidade mais gente do que a inauguração da Avenida Central attrahio hontem desde pela manhã á zona urbana, vulgarmente conhecida pelo nome de "centro". É evidente que a affluencia maior se localizou na nova via de comunicação, mas todas as transversaes entre o largo de S. Francisco e o Rocio, de um lado, o largo do Paço e a rua Direita, do outro, foram, desde as 7 horas da manhã, outros tantos carreiros por onde se agitou num fluxo continuo e animado um dos mais vastos formigueiros humanos que a actual geração será dado presenciar.

O facto demonstra o grande interesse da população pelo importante melhoramento que o actual Governo lega á Capital do paiz. Esse interesse, apressamo-nos em dizel-o, é de todo justificado. O extrangeiro que visitar agora a nossa Capital ja tem na Avenida um bello exemplo do progresso material que o Rio de Janeiro se sente resolvido a realizar. Está de vez morta a exlusividade de seducção que a naturaleza, e só ella, exercia sobre quantos extranhos nos visitavam. Subsistirá sempre a seducção das bahias, das arvores e dos morros, mas a Avenida já prova que estamos resolvidos a construir outras joias que nós mesmos fabriquemos sem nos limitarmos tão sómente a exhibir aquellas em que de modo algum trabalhamos.

Foi porque o animava esta mesma convicção, que o povo durante toda a manhã e parte da noite se escoou constantemente entre os dous flancos da Avenida em ondas compactas que só cessaram depois das dez da noite, ante a necessidade imperativa do descanso.

O tempo não quiz collaborar com a população na consagração do melhoramento novo, mas, considerada a verdadeira avalanche humana que com dia feio encheu a Avenida, quasi se pode abençoar o acaso do tempo, pois sem elle o estadio na nova arteria principal da cidade se teria tornado intoleravel. Ao demais, ante a má vontade do tempo, os cariocas souberam encolher desdenhosamente os hombros. As senhoras, ás janellas dos prédios já concluidos, em palanques improvisados no arcabouço dos em construção, ou pelas ruas chapinhando na lama aristocratica da grande rua elegante, pareciam affirmar que esse documento de progresso valia bem o holocausto de um vestido, de elevado preço que fosse. Do lado dos homens, uma ou outra cartola foi naturalmente votada á perdição, como tributo expontaneo á commemoração grandiosa. Os proprios soldados, marcises e serenos, pareciam elles proprios indifferentes ao gottejar da chuva sobre ou dourados e alamares das fardas e deram á Avenida a nota sympathica da sua presença. (...)"

Jornal do Commercio, 16 de novembro de 1905

 

"A esperança de um bello dia sagrando uma bella data e uma bella obra desfez-se, infelizmente; o sol não veiu, e foi sob um aguaceiro impertinente e odioso, fino e pulverizado a começo, grosso e encharcante depois, que se fez hontem a inauguração da formosa avenida que foi, no dia da festa da República, a concretização mais evidente e irrecusavel das suas promessas de melhores dias. O ceo amanheceu turvo e torvo se conservou até a noite, como uma carranca de sebastianista impenitente.

A despeito disto, a inauguração da Avenida Central e as commemorativas que se confundiram nesse facto, tiveram um brilho consolador. Não houve sol, mas houve enthusiasmo; e a multidão que veiu para a rua e que a despeito do chuveiro se derramou pela grande via, enchendo-a de vida e movimento, nela se conservou ate dessaparecer no angulo da rua do Passeio o ultimo soldado da desfilada militar, valeu como consagração e calor pelo mais claro sol destes claros dias de novembro. (...)

Para toda essa gente a avenida era como uma noiva linda, de que uns querem apanhar bem o geito, a maneira, a impressão das ultimas horas de solteira, e a quem outros se contentam de olhar, de alma aberta, felizes e radiosos unicamente de vel-a radiosa e feliz. (...)

Às 9 horas resoava para os lados da Ajuda a vibração marcial de uma banda de cornetas. Houve um fremito na multidão, já densa. Pouco depois apontava no extremo da avenida o brilhante estado-maior da divisão militar, a cuja frente se destacava, pequeno e incisivo, o perfil napoleonico, como escreveu um reporter das ultimas manobras, do general Hermes da Fonseca, e após elle as pontas reluzentes e as bandeirolas vermelhas do piquete de cavallaria. Mais um pouco se surgia o estado-maior da brigada da marinha, chefiado pelo contra-almirante Rodrigo Rocha, e apos este, em uma longa fila, admiravelmente alinhada, de gorros brancos, o primeiro corpo de marinheiros nacionaes. Seguiu-se o outro logo e immediatamente os pelotões flammantes do batalhão de infanteria de marinha appareceram, movendo-se como uma successão de faixas vermelhas que os guias mantivessem pelos extremos impeccavelmente distendiadas... (...)

A fita inaugural da avenida fôra rota; a grande via estava aberta officialmente para o Rio de Janeiro; e por entre a massa popular, vibrante, exaltada, movida por um explicavel e justo enthusiasmo, a carruagem presidencial, onde se alliavam as figuras do chefe do Estado e do ministro que fizera a construcção admirada, desfilava vagarosamente diante das continencias da divisão e das acclamações do povo. (...)"

O Paiz, 16 de novembro de 1905

AS MANCHETES:

Luxo e Miséria (Correio da Manhã)

As Festas Da República (A Tribuna)

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12) Machado de Assis (1908)

"O Brasil acaba de perder o filho que mais alto o elevou no mundo das letras. A Morte, sempre impecável era a sua triste missão, ceifou ontem a vida preciosa de Machado de Assis - o Mestre querido e respeitado da literatura pátria. (...)

Machado de Assis nasceu inteiramente pobre e foi no seio da pobreza que ele se criou e deu os primeiros passos na sua vida. A struggle for life tornou-o artista e foi na qualidade de símples compositor que ele entrou um dia para as oficinas da Imprensa Nacional. mas dotado de um invejável talento e de uma vasta erudição, - espírito observador por excelência - Machado de Assis não tardou a revelar-se o escritor primoroso, cujo passamento acaba de trazer a dor e o luto a todo o país. (...)

Morreu Machado de Assis. À hora em que escrevo esta frase, nesta mesma seção, em que há apenas algumas semanas, acusava a recepção de Memorial de Ayres, o livro de afeto, que lhe prolongou a vida, ele jaz embalsamado, no salão da Academia de Letras, aguardando a hora solene que que todos os que, nesta terra, prezam e amam as manifestações de espírito, lhe vão render as últimas e supremas homenagens, que restritamente, lhe são devidas.

Machado de Assis atravessou três gerações literárias e por todas elas foi considerado o que era realmente: um mestre desta difícil arte de escrever. Em face de seu corpo inanimado, pode-se lhe fazer a justiça plena; e essa justiça deve-se traduzir num apoteose. Transformando os seus funerais numa glorificação, o povo brasileiro não rende apenas o preito devido ao pensamento e à arte, glorifica-se a si mesmo, porque é, de fato, uma glória que constitunamos o meio superior, indispensável à existência, ao desabrochamento, à evolução de um espírito tão primoroso, como o do autor do Braz Cubas. (...)"

A Imprensa, 30 de setembro de 1908

 

"Não é uma símples perda. A morte de Machado de Assis é uma catástrofe no mundo das letras nacionais. Era impossível de resto guardar por mais tempo uma vida que se prendia à nossa por um fio delgado. Machado de Assis desde que se foi a sua companheira de tantos anos, já não vivia senão a vida da saudade, a vida da recordação, daquela que fora o conforto da sua existência, o arrimo da sua velhice e a suprema inspiradora de toda a sua generosa obra literária. O desaparecimento do Mestre é tanto mais irreparável quando ele cai de uma altura literária à qual ninguém entre nós atingiu antes dele. (...)

Porque Machado de Assis não foi nenhum filho da fortuna, ele teve de lutar incessantemente contra todos os obstáculos da vida. Não gozava saúde, não tinha meios para se desvencilhar das amarguras em que seu espírito sossobraria de certo, se ele não tivesse a couraça de uma energia que ninguém adivinhava na serenidade e na doçura daquela alma de criança. Entrou lutando e tombou vencido pela dor e pela saudade. (...)

Era poeta, publicista, cronista, conteur. O seu nome em literatura era Legião. Valia por um pelotão de estrategistas. Era mais forte do que uma guarda de escolhidos. (...)

Descrevia coisas ordinárias extraordinariamente bem. O estilo é o homem. Na naturalidade da obra do Mestre descobre-se sem esforço a simplicidade do homem na sua vida pública e particular. E era esse o maior encanto dos muitos amigos do pranteado morto. (...)

Daqui a muitos anos, talvez a muitos séculos, as gerações que substituirem as que se forem mergulhando para o outro lado do mundo terreno, hão de ir buscar à obra do Mestre ensinamentos preciosos. Porque os gênios não desaparecem; transformam-se apenas em anjos de guarda das nações de que foram figuras precipuas. (...)"

O Século, 29 de setembro de 1908

 

"O homem que hoje desapareceu de entre os vivos não era apenas um fino cultor das letras, um romancista de nomeada, um conteur exímio, um cronista encantador - era acima de tudo isso o mais alto, mais delicado e pertinaz amigo da literatura nacional.

Consciente de seu valor, do prestígio de seu nome na arte Machado de Assis não se isolava na legendária torre de marfim dos orgulhosos e misantropos, o que ele buscava não era a glória e o respeito para o seu nome unicamente, o que ele queria ver aureolada de veneração, reconhecida como uma força sublime, como um fator da grandeza nacional era a literatura, a profissão de homem de letras, que amava acima de todos e cultivava com fervor de sacerdote. (...) Daí a sua preocupação tão ardente, tão fanática, que foi quase ingênua, de formar academias, criar um núcleo que atraísse o olhar de todo um povo, fundar a aristocracia das letras. (...)

O grande escritor Machado de Assis sofria há muito tempo e veio a piorar rapidamente depois da morte de sua idolatrada esposa. Domingo último mais se afirmaram os padecimentos até que hoje às 3,45 da madrugada, a arterio-sclerose teve o seu termo final. (...)

Foi agraciado com os títulos de cavalheiro e oficial da Ordem da Rosa e pelo seu valor literário mereceu a eleição à presidência da Academia Brasileira de Letras."

A Tribuna, 29 de setembro de 1908

 

"A literatura nacional acaba de sofrer, com a morte de Machado de Assis, seu chefe incontestado, uma perda verdadeiramente irreparável, e que não podia ser maior nem mais dolorosa.

Sem falar nos seus dotes de imaginação, que não eram extraordinários, Machado de Assis foi um dos escritores mais puros da língua portuguesa no século XIX e o seu nome será repetido a par de Garrett, Camillo e outros mestres ilustres. Favorecido por uma cultura literária formidável e pela faculdade do trabalho abundande e fácil, Machado de Assis deixa uma obra considerável, a maior, talvez, que ainda saiu da pena de um homem de letras brasileiro. Na poesia, que foi a primeira manifestação do seu talento, no romance, no teatro, no conto, na fantasia, na crônica, em tudo ele brilhou intensamente; nenhum trabalho, ainda o mais insignificante, lhe saiu das mãos que não tivesse o cunho do definitivo, do bem acabado. (...)

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e era filho legítimo do operário Francisco José de Assis e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis. Os seus estudos foram irregulares. Ao deixar a escola de primeiras letras, sabendo apenas ler e escrever, tratou de instruir-se a si mesmo, sem professores nem conselheiros, e assim adquiriu todos os conhecimentos indispensáveis à carreira com que devia ilustrar o seu nome. (...)

Em 1858, Machado de Assis abraçou a arte tipográfica, mas no ano seguinte abandonou-a, para ser revisor de provas da famosa casa de Paula Brito e do Correio Mercantil. Em 25 de março de 1860 encetou a sua vida jornalísica, ao lado de Saldanha Marinho, Quintino Bocayuva e Cesar Muzio, no Diário do Rio de Janeiro. (...) Em 1867 o governo imperial agraciou-o com o grau de cavalheiro da Ordem da Rosa, por serviços prestados às letras brasileiras; em 1888, a princesa D. Isabel elevou-o a oficial da mesma ordem; mas a honra maior que ele recebeu em vida, foi a presidência da Academia Brasileira, que os seus confrades lhe deram por aclamação. Em 1869 casou-se Machado de Assis com D. Carolina Augusta Xavier de Novaes, irmã de Faustino Xavier de Novaes, a qual faleceu há três anos. A viuvês foi para o grande escritor um golpe terrível, que o aniquilou, agravando os seus antigos padecimentos. Pode-se dizer que, depois da morte da querida esposa, Machado de assis não viveu mais: morria aos poucos. Sozinho no mundo, sem filhos, sem parentes, não resistiu à perda da extremosa companheira de tantos anos. (...)"

O Paiz, 30 de setembro de 1908

 

"Morreu Machado de Assis. Perde a nossa língua um de seus mais vigorosos e profundos escritores. Com ele desaparece a mais leve e a mais encantadora das nossas prosas, a mais completa e a mais perfeita das organizações literárias que possuimos. Poeta, romancista, dramaturgo e jornalista, era Machado de Assis o tipo culminante e o mais simpático do nosso mundo de letras. Sua perda é irreparável. Num país como o nosso, já tão pobre de espíritos brilhantes como o seu, esse desaparecimento é mais importante do que parece. (...)

Não mais nos será dado ler novos primores da pena que escreveu Quincas Borba e Dom Casmurro. Machado de Assis desaparece e embora cubram-lhe a tumba de flores e a sua memória da mais profunda saudade, do seu estro só nos restará a lembrança que nos seus livros, no entanto, palpitará sempre luminosa e forte como o sol. (...)

Quem entrasse, às 4 horas, no Guarnier havia de ver, invariavelmente, um homem pequeno, franzino, de barba curta e quase branca, sempre numa das cadeiras que correm a fila das brochuras francesas, entre as pernas um indefectível guarda-chuva. Tinha um ar cansado, se bem que a fisionomia lhe sorrisse todas as vezes que um chapéu se erguesse ou uma mão apertasse a sua, sempre com grande interesse e respeito. Era Machado de Assis. Fechada a sua repartição, subia ele Ouvidor acima, caminho do Guarnier, àquela mesma hora, sempre com o seu passo rítmico e nervoso de quem vai ao cumprimento de um dever sagrado. (...) E velhos e novos, acadêmicos e poetas que surgissem, óculos e cabeleiras, cercavam-no com interesse, com curiosidade ou admiração. De toda a grande nave da livraria, era a figura, a mais vista e a mais admirada. (...)"

Correio da Manhã, 30 de setembro de 1908

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13) Inauguração do Teatro Municipal (1909)

VISITA AO TEATRO MUNICIPAL:

"Realizou-se ontem à noite uma visita ao Teatro Municipal, para que o Dr. Oliveira Passos enviou convites à várias pessoas e à imprensa. Desde 7 horas da noite começaram a chegar convidados àquele teatro, dirigindo-se todos para a platéia, camarotes e galerias.

Quando o teatro se achava cheio, tiveram início as experiências, que agradaram imensamente. A iluminação de todo o edifício é belíssima e farta, distribuída por focos elétricos os mais modernos. Pela eletricidade são obtidos todos os efeitos teatrais, como relâmpagos, chuvas, trovoadas, etc.

As várias dependências do teatro, como sejam platéia, camarote, galerias, botequim, camarins etc. agradaram também muito É enfim uma obra bem feita luxuosa, de gosto."

O Século, 13 de julho de 1909

 

"Está oficialmente inaugurado o Teatro Municipal, obra em que se gastou muito dinheiro, mas está suntuosamente levantada. (...)

A inauguração oficial efetuou-se ontem, às 2 horas da tarde, com a presença do vice presidente da República, prefeito do Distrito Federal, intendentes municipais, engenheiros construtores e outros membros da comissão construtora, superintendente do teatro e jornalistas. O chefe da Nação percorreu todas as dependências do edifício e depois assinou a ata da inauguração. Foi servido champagne, orando o vice presidente da República, o Dr. Oliveira Passos e o intendente Eduardo Raboeira.

À noite realizou-se o espetáculo inaugural, com a presença do chefe do Estado, prefeito, intendentes municipais, ministros, deputados, senadores e o alto funcionalismo público.

Antes das 8 horas da noite já era crescido o número de pessoas que nas imediações do teatro aguardavam a chegada dos que deviam assistir à brilhante festa. O espetáculo começou pelo hino nacional, executado por uma orquestra de 64 professores, sob a regência do maestro Francisco Braga.

Em seguida Olavo Bilac, em um discurso magnificamente burilado, fez uma rápida e interessante história do teatro nacional e estrangeiro, sendo, ao concluir, delirantemente aplaudido e chamado ao proscênio. (...)"

O Século,15 de julho de 1909

 

"Entre a Avenida Central e a Rua Treze de Maio, voltado a sua fachada - imponente nas puras linhas do reu estilo do Renascimento - para o mar - o Teatro Municipal avulta num deslumbramento de ouro e mármore, de cristais e vitraux. E, para todos nós, ele, ali está, como uma esperança de melhores dias para a nossa arte dramática, que a incoerência de uns, a má compreensão de outros deixam cair até a degradação do momento atual. (...)

O Teatro Municipal que hoje inauguramos é bem um bemplo em cuja nave esperamos ver um dia - não muinto longe - o ressurgimento dessa arte que será para nós também, como outrora para os helenos, a escola de energia de que tanto carecemos.

O programa para esta tarde é o seguinte:

1a Parte: Hino Nacional, Discurso Oficial do Sr. Olavo Bilac, Insomnia - Poema Sinfônico do Maestro Francisco Braga.

2a Parte: Noturno, da Ópera Condor de Carlos Gomes , Bonança - Peça de Um Ato de Coelho Netto, Desempenhada Pelos Atores Nacionais.

3a Parte: Moema - Ópera Lírica em Um Ato de Delgado de Carvalho, Cantada por Artistas do centro Lírico Brasileiro."

A Imprensa, 14 de julho de 1909

 

"A sociedade fluminense vai hoje assistir à inauguração do suntuoso monumento de arte que é o Teatro Municipal e, ao mesmo passo, assistir a um espetáculo exclusivamente nacional. (...)

Coelho Netto era decerto imprescindível neste espetáculo, que bem se pode considerar o início de uma nova era para o teatro nacional, e o grande escritor escreveu um ato que é a revelação de um ideal novo na nossa literatura profundamente original: Bonança marca uma nova fase de seu teatro como o verificarão os que logo tiverem a ventura de a ouvir. Para interpretar essa nova produção do fecundo autor nacional veio de São Paulo a companhia dramática Arthur Azevedo, de que é a primeira figura feminina a distinta artista Lucilia Peres.

Com Coelho Netto aparecem também neste espetáculo genuinamente nacional dois musicistas brasileiros: Francisco Braga e Delgado de Carvalho. O primeiro apresenta o poema sinfônico "Insomnia", com texto de Escragnolle Doria. O segundo a sua ópera Moema.

Mas a eloqüência oratória devia ter também uma alto representante nessa festa intelectual. Essa é representada por um dos maiores poetas e prosadores brasileiros, Olavo Bilac, que fará o discurso inaugural.

Tomam parte na interpretação da Bonança as atrizes Lucilia Peres, Gabriella Montani e Luiza de Oliveira e os atores A. Ramos, Nazareth e João de Deus. A Moema terá como intérpretes a sra. Laura Malta e os srs. Americo Rodrigues, Oswaldo Braga e Mario Pinheiro. A orquestra dirigida por Francisco Braga é composta de 64 pessoas, muitas das quais professores do Instituto. o cenário da Moema é trabalho do distinto cenógrafo Chrispim do Amaral."

A Notícia, 14 de julho de 1909

 

" (...) Contudo o efeito da sala era deslumbrantíssimo. A fina elegância, o rigor de toilette foi mantido e as linhas dos camarotes apresentavam um belíssimo golpe de vista. A sala é um encanto cheio de público. As localidades bem dispostas, o forrado cautchouc abafando o rumor dos passos, todos os pontos com boa vista para o palco dão uma impressão agradabilíssima. A acústica é excelente como ontem se pôde verificar com a audição dos dois g6eneros teatrais, o musical e o declamado. Longe do que poderia se esperar pelas suas dimensões, a sala parece pequena e os espectadores mais afastados como se sentem próximos do palco. O espetáculo correu magnificamente.

O hino nacional, a sinfônia Insomnia, de Francisco Braga, o Noturno da ópera Condor, Carlos Gomes, bem como a partitura da ópera Moema, de Delgado de Carvalho, foram excelentemente executados pela orquestra de 64 pessoas, regida pelo maestro Francisco Braga. A peça de Coelho Netto, Bonança, também teve excelente interpretação, sobretudo por parte das sras. Gabriella Montani e Luiza de Oliveira e do sr. A. Ramos. (...)

O discurso de Bilac foi mais uma dessas orações de que o seu talento é tão pródigo, em tudo à altura da magnificência e do esplendor dessa soberba festa de arte que foi a inauguração do suntuoso monumento."

A Notícia, 15 de julho de 1909

"Foi ontem inaugurado o Teatro Municipal. O ato revestiu-se da maior solenidade: era numerosa a assistência, notando-se o presidente da República, o prefeito, senadores, deputados, membros do Conselho Municipal, pessoas gradas e representantes da imprensa.

O presidente da República chegou ao Teatro Municipal às 2 horas da tarde, acompanhado do seu secretário e do chefe da csa militar. Esperavam-no, no topo da escada, o prefeito, o Dr. Passos, engenheiro construtor, e várias pessoas. S. Ex. percorreu o edifício, examinando-o atentamente e mostrando-se maravilhado e satisfeito.

O termo de inauguração foi lavrado e assinado na sala da biblioteca. Depois passaram-se as altas autoridades e os convidados para o restaurant, onde, ao servir-se de champagne, o presidente da República felicitou o engenheiro Passos, que agradeceu a saudação. Falou também o intendente Raboeira, em nome do Conselho Municipal. Já em tempo descrevemos o edifício, que é imponente e suntuoso."

Folha do Dia, 15 de julho de 1909

 

"É hoje finalmente a inauguração do Teatro Municipal, com o programa já divulgado. Ontem à noite conferenciou com o presidente da República relativamente ao assunto o prefeito do Distrito Federal deliberando que o sr. Nilo Peçanha visitará às 2 horas da tarde, aquele teatro em companhia do prefeito e dos intendentes municipais, assinando, nessa ocasião a ata inaugural. Ficou assentado, ainda, nessa conferência, que à disposição dos intendentes serão postos os camarotes de gala do presidente da República e do prefeito para que eles possam daí assistir ao espetáculo em companhia do chefe da Nação e do representante do poder executivo municipal."

Correio da Manhã, 14 de julho de 1909

 

"Realizou-se ontem, com todo brilho, a inauguração desde monumento nacional. Concorrência da mais seleta, toilettes de muito bom gosto, enfim um verdadeiro sucesso, sucesso este que só se pode comparar com o que está tendo a casa Colombo com a sua colossal liqüidação."

Correio da Manhã, 15 de julho de 1909

 

" (...) A platéia completamente cheia de cavalheiros e senhoras deixava destacar estas pelo luxo, riqueza de adereços, formosura das cabeças e colorido variado dos trajes dos cavalheiros na sua uniforme e correta casaca preta.

Nas luxuosas frisas e camarotes, como nos balcões e galerias nobres superiores era a mesma encantadora beleza de contraste, tão comum, e sempre admirável e pomposo, espandindo-se até a orla última - a galeria - onde curiosa, embevecida, a nossa mocidade acadêmica, misturada com o povo de todas as classes, fechava o ambiente que a cúpola ilustrada por Visconti coroava."

O Paiz, 15 de julho de 1909

 

"Inaugurou-se ontem o suntuoso monumento com que a prodigalidade municipal dotou a cidade. O edifício colossal e soberbo parecia uma imensa mole de granito, mármore, ouro, bronze e vidros, resplandecendo à luz branca que jorrava do seu bôjo numa fulguração que deslumbrava.

A multidão olhava para o teatro como tomada de assombro ante aquela grandeza, fruto de uma megalomania e abria alas para os que lá dentro iam assistir ao espetáculo de inauguração. (...)

Carros e automóveis, numa fila interminável, chegavam apressados, desde oito horas da noite, e despejavam na rua Treze de Maio e Avenida Central homens encasacados e enluvados e senhoras que escondiam sob vistosas capas e amplas mantas o luxo das toilettes, a riqueza das jóias, as núvens de rendas, as ondas de perfume."

Jornal do Commércio, 15 de julho de 1909

 

"A noite de ontem foi de grande, de intenso júbilo para a alma carioca, alguma coisa de uma noite verdadeiramente de gala, associada à grande data que a França e o mundo comemoram, a inauguração do belo e opulento Teatro Municipal, com muito poucos rivais nas grandes capitais européias. (...)

Tudo ali falava no nosso progresso, do nosso adiantamento, da nossa cultura espiritual, da civilização dos nossos costumes, do apuro do nosso gosto: o edifício que se harmoniza com a nossa sociedade, a sociedade que faz honra ao grande sacrifício do poder municipal, dotando a cidade com aquele rico monumento e fazendo calar os velhos reclames de não possuir o Rio de Janeiro uma casa de espetáculos digna do seu desenvolvimento, capaz de abrir caminho à idéia que o malogrado Arthur Azevedo tão longamente acariciou, na pertinácia beneficiadora da arte dramática brasileira, de que ele foi o esteio mais poderoso, como escritor e amigo dos artistas, que perderam com a sua morte o mais desinteressado de seus protetores, o mais leal dos seus amigos. (...)

Noite de opulentas galas, dissemos, pelo aspecto ofuscante de todas aquelas belezas de arquitetura em foco, pela resplandecência daqueles mármores custosos, esbatidos e faiscantes às lâmpadas e candelabros elétricos; noite de arte pela magia da palavra de Olavo Bilac na sonoridade de seu discurso historiador e poético, pela música e pela cena brasileira em que se casaram, para celebrar a fausta inauguração, a linguagem e a urdidura da leve Bonança de Coelho Netto, e as gammas dos nossos musicistas, em poemas de harmonias sensibilizadoras."

A Tribuna, 15 de julho de 1909

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14) Euclides da Cunha (1909)

"Varado de balas, num suburbio distante e ermo, a que o conduzira a perturbaçào de uma idéa fixa e o aguilhão mordente de uma suspeita allucinadora, morreu hontem Euclides da Cunha, o escripror poderoso que a publicação dos "Sertões", o seu primeiro livro, deu ao Brazil a goloria de um novo estylista e a segurança de uma alta capacidade de estudo e de trabalho posta ao serviço constante do paiz.

Hoje não ha em toda a vasta extensão da nossa terra pessoa medianamente culta, que lhe não conheça o nome. Foi como a arraiada radiosa de um sol; e desde então, aureolado de um prestigio que augmentava com o tempo, ficou sendo na vida contemporanea um vulto inconfundivel e um consagrado. (...)

Seriam pouco mais ou menos 10 horas da manhã, quando repetidos estampidos de tiros de revolver, alarmaram os raros e pacatos moradores da estrada Real de Santa Cruz, no trecho de Inhauma, pondo-os em sobresalto.

Ávidos de curiosidade e passada a primeira impressão, procuraram averiguar de que se tratava; e dirigiram-se para os lados de onde lhes parecia ter partido o tiroteio, que era na casa n. 214, residencia de dois moços estudantes militares.

Ahi, alguns populares mais animosos, penetraram no pequeno jardim, deparando-se-lhes estendido ao chão, com dorso inclinado sobre os degráos de uma pequena escada que dá saida da casa, o corpo de um homem, todo ensanguentado, e que no momento estava sendo carregado para o interior, por dois outros, tambem ensanguentados, e em cujas physionomias se espelhavam grandes dores physicas e moraes.

Estupefactos com o que presenciavam, não lhes occorreu logo, á mente a idéa de penetrarem na casa; conservaram-se em uma atitude de mixto de mêdo e respeito, até que um dos do grupo falou, lembrando chamar-se a policia, idéa a que logo outro accedeu, partindo a correr em demanda da delegacia.

Enquanto isto se passava, chegava ao local uma senhora acompanhada de um rapaz que carregava nos braços uma criança; e apressada, arfando de cansaço, rompia o aggrupamento de curiosos, e penetrava tambem na casa.

A esse tempo o comandante da guarda nocturna, que havia recebido pelo telephone aviso do que occorria chegava á casa e penetrava-lhe no interior, encontrando sobre uma cama de ferro um homem arquejando, e ao lado deste dois outros feridos, prostrados, e mais um rapaz, uma senhora e uma criança.

O seu primeiro cuidado foi chamar um médico, acudindo o Sr. Capanema de Souza que pensou os dois feridos sem poder fazer mais nada, em relação ao outro, que fallecia á sua chegada.

Apurou a autoridade em um ligeiro interrogatorio feito aos feridos que estes eram os irmãos Dilermando Candido de Assis, de 21 annos, aspirante do exército, e Dinorah Candido de Assis, de 20 annos, alumno paisano da escola da marinha; que o morto era o Dr. Euclides da Cunha, lente da cadeira de lógica do Externato Nacional, ex-Gymnasio Nacional, e que a senhora era sua esposa D. Anna Solon da Cunha, que ali estava com os seus dois filhos, Solon e Luiz. Depois de saber dos nomes dos personagens tratou a autoridade para a elucidação do caso, de orientar-se sobre as suas causas. (...)

Hontem pela manhã, estava Dinorah, á janela da sala em frente, que dá para o jardim, e Dilermando deitado em seu quarto, com a porta fechada, a lêr, quando appareceu o Dr. Euclides da Cunha, que perguntou a Dinorah se a sua esposa e filhos não se achavam ali, e como Dinorah respondesse negativamente, elle abriu a cancella do jardim, entrou na sala e dirigiu-se pelo corredor, em direcção á sala de jantar.

Ao chegar em frente á porta do quarto de Dilermando, que se achava fechada, elle abriu-a a ponta pés, e entrando no aposento, sacou rapido de um revolver, dizendo ao rapaz: - Agora, miseravel, vais pagar-me.

Este quiz levantar-se, mas o dr. Euclides detonou a arma, ferindo-o na virilha direita, e ainda o alvejou por duas vezes mais, perdendo-se, porém, as balas, que foram se alojar na parede.

Dinorah, vendo seu irmão ferido, correu para defendel-o, tentando colher os braços do que atirava; mas o Dr. Euclides da Cunha, sentindo-se preso pelas costas, voltou o revolver contra o rapaz, que o abandonou, fugindo pelo corredor. O escriptor então alvejou-o, attingindo-o na região dorsal.

Nesse interim Dilermando tirou um revolver, que se achava sobre uma prateleira e deu dois tiros seguidos para a parede, afim de intimidal-o, o que não conseguiu, virando-se o Dr. Euclides para elle, atirando repetidamente e ferindo-o na região estomacal e mamelão direito.

Dilermando, nesta situação, atirou com pontaria, ferindo-o no pulso direito, no braço esquerdo e na região infra-clavicular direita, ferimento este que lhe occasionou a morte.

Sentindo-se sem forças para luctar e sem mais uma bala no revolver, o Dr. Euclides ganhou á porta da rua para sair a ahi ao descer os poucos degráos, cambaleou e caiu.

Aproximaram-se delle, Dilermando e Dinorah, e á custo, o carregaram para a cama, onde o collocaram, perguntando-lhe o primeiro, porque fizéra tal loucura, sem motivo algum. Ao ouvir essas palavras o Dr. Euclides da Cunha encarou-o e balbuciou: - Odeio-te, mas te perdôo. Meia hora depois era cadaver.

Foi esta, como dissemos já, a narrativa feita pelos irmãos Dilermando e Dinorah, ao delegado, Dr. Alcantara. (...)"

O Paiz, 16 de agosto de 1909

 

"Acontecimento doloroso e que dolorosamente echoou em todas as nossas camadas sociaes, especialmente nas mais cultas, foi, sem duvida, essa terrivel tragedia, esse fúnebre drama de familia que se desenrolou em um dos suburbios desta cidade e roubou á Patria e á Familia um homem de grande, de inestimavel valor moral e intellectual, um espirito superior, o Dr. Euclides da Cunha.

Euclides da Cunha tinha um nome feito na sciencia e nas lettras nacionaes. Já era grande o circulo das suas relações e vasto o horizonte em que fulgurava como um astro de primeira grandeza.

Nada, absolutamente nada fazia suppôr que tão cedo e em plena mocidade desappareceria do scenario da vida onde tinha um brilhante papel a desempenhar esse teimoso e cultivadissimo espirito que era uma gloria do nosso paiz.

E, por isso mesmo que foi traiçoeiro e inesperado o golpe do Destino que o roubou á existencia terrena é que mais sensacional e dolorosa foi a noticia de sua morte.

Não é grande a sua obra, é facto; não é enorme a sua bagagem, mas é de primeira qualidade. O que elle fez, o que elle escreveu, o que elle deixou bastou para dar-lhe a gloria e a immortalidade.

Certo elle tinha ainda muito a fazer e a produzir, e agora é que o seu espirito começava a mostrar todo o seu valor e todo o seu brilho. Mais alguns annos e a sua obra seria immensa e do que ha de superior em valor scientifico e litterario.

E, entretanto, com 42 annos incompletos, desapparece da arena esse valente e emerito luctador, esse espirito de eleição, esse coração que era um cofre de todas as bondades e de todas as virtudes.

Não nos deteremos aquiem narrar o triste e sangrento episodio que tanto commoveu a sociedade brazileira. Todas as folhas diarias o narraram em todos os seus pormenores. O nosso objectivo é unicamente lamentar essa perda enorme para a nossa Patria que, agora no Campo Santo, deplora a perda de mais um filho dilecto.

Foi no domingo proximo passado que se deu o tristissimo acontecimento e o enterro do mallogrado escriptor, feito a expensas da Academia de Lettras e immensamente concorrido por tudo quanto temos de mais distincto, realisou-se na tarde de segunda-feira desta semana, 16 de Agosto corrente, sendo o corpo do saudosissimo finado, sepultado no carneiro n. 3.026 do cemiterio S. João Baptista.

É ahi que dorme para sempre o erudito, o pensador, o poeta, o scientista, o notavel litterato e escriptor que escreveu Perú Versus Bolivia, Contrastes e Confrontos, e esse formosissimo livro Os Sertões, tendo já em preparo ou promptos outros trabalhos de igual ou talvez maior importancia.

Com immensa tristeza registramos nestas columnas tão infausto acontecimento, apresentando não só á familia do querido extincto como á nossa Patria as mais sinceras e profundas condolencias."

Rua do Ouvidor, 21 de agosto de 1909

 

"Há muito já que não se registrava o acontecimento de uma tragédia de sangue e há muito mais que nenhuma havia atingido a importância da que temos hoje a noticiar, dado o valor pessoal da sua principal vítima, um notável da engenharia militar e nas letras. A vítima da morte trágica, que é o principal assunto desta notícia, era gloriosamente conhecida nas rodas literárias do nosso país, engenheiro militar distinto e membro da Academia de Letras, para onde entrava com brilhantíssima bagagem literária. Levado pela suspeita de que a deshonra houvesse invadido o seu lar, esse homem de alto prestígio premeditara o cometimento de um crime, a isso induzido, de certo pela exacerbação que tal suspeita naturalmente lhe atribulava o espírito. E foi no momento em que punha em prática o desforço, que desde a véspera premeditara, que caiu varado por uma bala, disparada por um daqueles a quem pretendia extinguir, para a defesa de sua honra. Esse que assim acabou a sua existência de glórias, de modo tão trágico, era o dr. Euclides da Cunha, 2o tenente reformado e engenheiro militar."

A Imprensa, 16 de agosto de 1909

 

"Finou-se um grande espirito. Moço, vitorioso, em pleno triúnfo de sua colossal cerebração, que o tornava um dos tipos mais representativos dos assomes surpreendentes de uma possante intelectualidade e, talvez por isso mesmo, pelo refinamento de nervos e suscetilidade delicadissima, uma fibratura levemente, impressionável, Euclides da Cunha, que observava a Natureza em seus mais ásperos aspectos, iluminando as regiões do norte com as rutilações eruditas de um talento analítico e severo e tivera de guerreiro, como oficial do Exército que era, pela pena de escritor, que se esmerara em desvendar as misérias e sofrimentos que tiveram por expoente a campanha de Canudos e o seu ardor em contribuir para as soluções amistosas, como o arauto da documentação de fronteiras e o protesto, revelados de uma coragem pasmosa, com que em artigo memorável se opôs à idéia de sufocar-se uma revolta de presos por meio de sacos de cal. (...) O próprio egoísmo nacional deplora essa morte, porque Euclides, com seus 42 anos de idade, estava em plena exuberância de ativa produtividade e muito teria ainda a dar do seu talento inovador e progressivo. (...)

De algum tempo a esta parte, começaram a murmurar a Euclides da Cunha umas suspeitas a cerca do procedimento de d. Anna para com um dos rapazes. Euclides, ao que parece, deixou-se impressionar pelos murmurios, chegando mesmo a interpellar a esposa, que, conhecedora do estado de espírito de seu marido, tratou de afastar de sua casa os rapazes. Fez-se tudo na melhor harmonia. D. Anna, porém, continuou a visitar os moços, que moravam na Estrada de Santa Cruz no 214. Nessas visitas, fazia-se acompanhar pelos seus filhos. Afirmaram alguns que aos ouvidos de Euclides da Cunha chegaram novamente, nestes últimos dias, rumores a cerca das visitas da esposa aos dois rapazes, que são os Srs. Dilermando de Assis, aspirante a oficial do Exército, e Dinorah de Assis, também aluno aspirante, porém da Escola Naval. O estado de espírito do ilustre escritor, fortemente alterado como se achava, parece que favoreceu para que a terrível suspeita assumisse proporções de realidade, tanto que, conforme declarou seu filho Solon, falára em matar Dilermando de Assis."

O Século, 16 de agosto de 1909

 

"Na triste tarde de ontem correu pela cidade, entre espanto e magoa, a notícia do assassinato de Euclides da Cunha. Às primeiras informações, vagas e falhas, seguiram-se detalhes dolorosos: Euclides da Cunha tombara varado por bala, no rápido desenrolar de ena íntima, quando procurava desafrontar a honra, que julgava ofendida. Torturado pelo sofrimento que lhe deprimia o espírito alanceiado pelo desgosto de um sonho desfeito, o querido autor de "Os Sertões" premeditara a desafronta e é de calcular a cruel amargura que para ele foram as ultimas horas de existência. E assim, desapareceu, em minutos esse homem cheio de vida e de talento que tanto honrava a nossa cultura. (...)

No seu livro "Peru Versus Bolívia" com proficiência estudou a questão de limites entre esses dois países, sendo o seu livro citado como documento de grande valia. Literato, aí esta o "Sertões", obra que causou o maior sucesso, atestado imorredoiro de seu valor: à pureza impecável de estilo vigoroso, junta-se o colorido forte da paisagem, a observação profunda do meio, a psicologia superiormente feita dos tipos, o completo estudo geológico, da zona descrita. Esse livro abriu-lhe as portas da Academia de Letras - de que era membro. (...)"

Folha do Dia, 16 de agosto de 1909

 

"Ainda não voltamos a nós do espanto horrivel que nos causou a noticia do absurdo e tragico assassinato de nosso prezado e eminente collaborador Euclydes da Cunha.

Um telegramma expedido de Cascadura ás 12 horas e 30, da tarde de hontem, dizia-nos laconicamente: "Euclydes da Cunha, assassinado Estrada Real 214. (Assignado) Solon Cunha."

Assassinado por que? Como? Por quem? parecia inverosimel a noticia. (...) Nada, absolutamente nada fazia prever a tragédia de hontem. Todos os tinham na conta de um homem heroico e intemerato. O autor de obras tão fortes devia ser naturalmente um espirito robusto, um homem armado de rude coragem contra os equivocos da vida contra os absurdos do destino.

Infelizmente assim não acontecia. Euclydes da Cunha era uma cerebração de rara força, servido por um coração vibratil e fragilimo. Ás grandes coleras vingadoras do seu poderoso estylo evocador, correspondia, no seu trato social e na sua existencia domestica, uma extraordinaria delicadeza de sentimentos. Tinha por vezes certos milindres de uma candura verdadeiramente angelica. Dava, não raro, uma impressão de profunda timidez pessoal, revelando acanhamentos e humildades que tocavam pelo desazo, apparencias curiosas que á primeira vista nos autorizavam a supô-lo um homem em contradição com a sua própria obra. A verdade, porém, é que essas duas feições de seu espirito e de seu caracter se casavam á maravilha, imprimindo um vigoroso relevo á sua personalidade.

Homem de uma integridade moral a toda a prova, experimentado em provações de todo genero, com uma alta comprehensão dos seus deveres civicos, pelejador como poucos, intrepido atá a temeridade, Euclydes da Cunha conservara da mathematica a disciplina mental formidavel, da poesia a idéa da belleza e o gosto da perfeição, da philosophia o sentimento da justiça, a vibração continua e generosa, alguma cousa acima das miserias da terra.... E tudo isto a vida cortou hontem brutalmente, num golpe de tragedia inenarravel. (...)"

Jornal do Commercio, 16 de agosto de 1909

 

AS MANCHETES:

A Morte De Euclides Da Cunha - Um Doloroso Drama De Sangue - As Causas E Os Factos - As Declarações Á Policia - O Transporte Do Corpo -

As Manifestações De Pesar - O Enterro ( O Paiz )

Sensacional Tragedia - O Assassinado Do Dr. Euclides Da Cunha

( A Imprensa )

O Assassinato Do Dr. Euclides Da Cunha - Os Antecedentes E O Crime

O Enterro Do Mallogrado Escriptor Efetua-se Hoje, Ás 5 Horas -

As Manifestações De Pesar Da Academia de Lettras ( O Século )

Uma Perda Nacional - Euclides Da Cunha - Fim Tragico - Drama Em Familia

( Folha do Dia )

O Assassinato Do Dr. Euclides Da Cunha ( Jornal do Commercio )

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15) Revolta dos Marinheiros (1910)

"Terminou felizmente com a entrega dos navios ao domínio do governo a revolta de parte da nossa marinhagem na baía do Rio de Janeiro. Não obstante a terrível trucidação de alguns dos nossos oficiais de marinha e outros danos causados, não há como negar que os pobres marinheiros desesperaram, por insuportáveis, com os rigorosos castigos que lhes eram inflingidos a bordo, deprimentes do caráter humano e atentatórios dos princípios de humanidade, liberdade e justiça, garantidos pelas nossas leis disciplinares. São sempre assim os abusos do poder e autoridade, acabam por desorientar a razão e transformar o homem em fera. Foi-lhes concedida a anistia pelo Congresso como a condição sine qua non da rendição. De outra forma não poderiam de fato os revoltados se entregarem a menos que saíssem de bordo, presos em flagrante, para as prisões militares. Só anistiados poderiam os oficiais com eles se entender sem quebra do respeito à lei. A quantas humilhações mais desta natureza não nos levará o espírito de indisciplina reinante hoje em todas as classes?"

O Democrata, 4 de dezembro de 1910

 

"Logo pela manhã do dia 23 foi o deputado Sr. José Carlos de Carvalho procurado por diversos políticos em evidência que, a pedido do Sr. Pinheiro Machado, lhe iam rogar fosse a bordo entender-se com os marinheiros.

Recebendo a comunicação de que fôra escolhido para desempenhar a delicada missão o Sr. Capitão de Mar e Guerra José Carlos de Carvalho vestiu o seu uniforme e dirigiu-se para o Arsenal da Marinha. Uma vez nessa praça de guerra, o Deputado riograndense dirigiu-se à Casa da Ordem visitando a cada um dos oficiais vítimas da revolta, que se achavam ali depositados. Em seguida S. Ex. procurou o Ministro da Marinha e, como este não se achasse, resolveu partir para o que tomou lugar em uma lancha em que foi arvorada a bandeira branca. (...)

A lancha, largando, tomou a direção do Minas Gerais. Avistando a lancha, os revoltosos relutaram se deviam ou não consentir que ela se aproximasse, respondendo finalmente pela afirmativa à pergunta que de bordo fazia o comandante José Carlos sobre se podia atracar. Recebido a bordo com todas as honras inerentes ao seu posto pelos marinheiros revoltosos, o Deputado José Carlos falou com o que assumira o comando da esquadra e que, segundo a versão corrente, é o marinheiro de 1a classe João Cândido. Disse-lhe o "comandante" da esquadra que os marinheiros se haviam desgostado com os maus tratos, com os castigos corporais, que lhe eram barbaramente infligidos, com a má alimentação e com o trabalho excessivo a que eram obrigados. À presença do do Deputado José Carlos foi mandada vir uma praça da guarnição do Minas, que havia sido chibateada dias antes, e que apresentava as costas cortadas de chibata. Essa praça tendo vindo para terra na lancha do parlamentar, foi recolhido ao Hospital da Marinha. (...)

Do Minas Gerais o Capitão de Mar e Guerra José Carlos de Carvalho passou-se para o São Paulo, onde foi recebido com as mesmas honras, ao som da banda de música de bordo. (...)"

O Universo, 23 de novembro de 1910

 

"A Rua do Ouvidor compartilha sinceramente a justa e enorme dor que neste momento domina a briosa marinha nacional pela perda dos valentes oficiais que foram vítimas da revolta dos marinheiros das guarnições dos couraçados Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro, e que tanto emocionou a população desta capital.

Foi um deplorável acontecimento essa revolta que, enchendo do mais justificado pânico a quase todos os habitantes desta vasta e populosa cidade, pode em futuro não remoto, ter ainda mais lastimáveis conseqüências. (...)

Oxalá que os tristíssimos fatos de que foi teatro a baía de Guanabara nos tragam proveitosos ensinamentos.

Infelizmente, foi para nós crudelíssima a lição, não só pela própria revolta de parte da marujada nacional, o que já é bastante deprimente para os nossos créditos de povo adiantado e culto, como porque, arrebatando a vida a distintíssimos oficiais da nossa marinha de guerra, enlutou para sempre alguns lares até então plenos de alegria e ventura. (...)

É, pois, com o coração sangrando, com a alma profundamente abatida que escrevemos estas linhas lamentando a perda dos briosos oficiais de marinha vitimados pela revolta dos marinheiros."

Rua do Ouvidor, 3 de dezembro de 1910

 

"A cidade amanheceu com uma notícia tremenda: a revolta dos marinheiros. As guarnições de alguns navios de guerra, alegando maus tratos, castigos corporais, excesso de serviço, etc., revoltaram-se a bordo. A insubordinação começou pela guarnição do Minas Gerais, que logo teve adesão das do São Paulo e Bahia, seguindo-se durante a noite a adesão de outros vasos de guerra.

A causa da revolta foi sabida por um radiograma, passado pelos marinheiros revoltados ao Sr. Presidente da República e concebido nos seguintes termos:

- Não queremos volta chibata. Isso pedimos presidente, ministro marinha. Queremos resposta já e já. Caso não tenhamos, bombardearemos a cidade e navios que não se revoltarem. - Guarnição Minas, São Paulo, Bahia. - (...)

O governo fizera sentir aos revoltosos, - não sabemos se por meio de radiograma ou outro qualquer meio - que de modo nenhum atenderia as reclamações dos marinheiros, enquanto estes não deixassem a atitude revoltosa. No caso dos mesmos deporem as armas, seriam convenientemente estudadas essas reclamações para que o governo pudesse agir com justiça."

A Notícia, 23 de novembro de 1910

 

"A precipitação com que se pode apreciar, tarde da noite, o espetáculo sinistro de uma ameaça mortífera voltada contra a cidade entregue ao sono descuidado, a deficiência de detalhes resultantes da falta de comunicação com os navios revoltados não permitem um juízo completo sobre as origens desses sucessos lamentáveis. (...)

A primeira vítima da sedição naval foi o tenente Alvaro Alberto da Silva. Esse oficial acompanhava o comandante Batista das Neves quando esse foi desacatado ao chegar a bordo do Minas. O tenente Alvaro Alberto foi esfaqueado pela marinhagem de depois de tombar esvaído em sangue foi posto a bordo de um escaler e mandado levar para o dreadnought São Paulo. Ali o tenente Alvaro Alberto recebeu um grande curativo feito pelo Dr. Catanheda, sendo remetido para o Arsenal da Marinha. Seu estado é gravíssimo."

Folha do Dia, 23 de novembro de 1910

 

"Não houve exagero nos meios de que lançaram mão os marinheiros nacionais, para extinguir o execrando e inveterado uso de casigos ilegais. Foi transportado ontem para o Arsenal da Marinha, horrivelmente martirizado por 250 chibatadas, o marinheiro que deu causa à revolta. - Gama Rosa -"

Folha do Dia, 24 de novembro de 1910

 

"Pelas folhas da manhã ficou toda a população sabedora dos primeiros fatos ocorridos a bordo dos grandes couraçados Minas Gerais e São Paulo e de mais navios da armada nacional.

A causa predominante, única, assinalada pelo desenrolar dos graves acontecimentos, conhecidos nas suas primissas, emana do rigor excessivo que imperava a bordo do primeiro couraçado, onde a marujada era obrigada a trabalhos excessivos, tendo de dobrar e triplicar todo o serviço, devido à falta deplorável de tripulação.

Os castigos eram por demais pesados, sendo a chibata a arma predileta de que usavam e abusavam alguns oficiais.

Não se fizeram esperar os resultados: homens, os marinheiros revoltaram-se, facilmente conseguindo a solidariedade de todos os camaradas."

A República, 23 de novembro de 1910

 

"(...) Hoje pela manhã novos radiogramas: Ao governo:

- Queremos solução imediata sobre a abolição dos castigos corporais e aumento de soldo. Do contrário arrazaremos a cidade.

- Queremos a nomeação de um parlamentar que venha a bordo para se estabelecerem as condições de rendição.

O governo intimou a rendição imediata e incondicional. Em caso de resistência, fará torpedear os couraçados. (...)

Também sobre o palácio do governo foi feito um disparo, sem mais consequências, além de algumas palmeiras do parque destruídas. (...)

Além do S. Paulo aderiram também à revolta o "scout" Bahia, os cruzadores Timbira e Tamoio, tendo as oficialidades desses navios se retirado para terra, apresentando-se às autoridades navais. (...)

Por uma notícia chegada ao gabinete do Dr. Belisário Távora, sabe-se que toda a oficialidade do Minas Gerais que se achava a bordo quando se deu o levante está morta. Essa notícia terrível causou, como era natural, a mais dolorosa impressão entre as pessoas que se achavam na repartição central de polícia."

A Tribuna, 23 de novembro de 1910

 

"O governo, convencido embora de que, no fundo das reclamações repousavam motivos justos e disposto a atender a essas reclamações, precisa salvar, entretanto, a sua honra e a honra da nação constituida. Pode prometer aos revoltados que lhes fará o que eles pedem, mas não pode prometer que o fará porque eles o exigem sob pena de bombardeamento da cidade."

A Tribuna, 24 de novembro de 1910

 

"Decreto Legislativo N. 2280 de 25 de novembro de 1910 -

O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil faz saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte resolução:

Art 1º É concedida anistia aos insurretos de posse do navio dos navios da Armada Nacional se os mesmos dentro do prazo que lhes for marcado pelo governo, se submeterem às autoridades constituidas;

Art 2º Revogam-se as disposições em contrário.

- Presidente Hermes da Fonseca" - A Tribuna, 26 de novembro de 1910

 

"Agora, porém, julgamos poder assegurar que o movimento, iniciado a bordo do Minas Gerais, com o cruel assassinato do bravo comandante Batista das Neves, vítima do dever militar, é caracteristicamente e exclusivamente uma sublevação da marinhagem, acusando os oficiais de maus tratos, de excesso de trabalho, de insuficiência de alimentação, tornando-lhes, dess'arte, insuportavel a vida e levando-os a essa explosão de desespero. A autoridade pública não foi, de nenhum modo, contestada pelos sublevados: antes a ela se dirigiram, explicando-lhe que eram esses os moveis da sua conduta."

A Imprensa, 24 de novembro de 1910

AS MANCHETES:

Revolta No Mar - Os Boatos da Tarde - Causas Prováveis - A Indisciplina na Marinha - Oficiais esfaqueados - Oficiais ao Mar - (Folha do Dia)

Marinheiros Revoltados Assassinam O Comandante do Minas Gerais e o Capitão- Tenente João Claudio Junior (A Notícia)

Marujada em Revolta em Plena Baía nos Grandes Couraçados - A População Não Se Alarma - Os Fatos Principais (A República)

Sublevação da Esquadra (A Tribuna)

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16) Barão do Rio Branco (1912)

"Faleceu hoje, às 9 e 10 da manhã o nosso ilustre ministro do Exterior, barão do Rio Branco. A despeito dos grandes esforços empregados pelo seu distinto médico assistente sr. Pinheiro Guimarães, a morte teve mais poder que a ciência e robou à vida e à pátria o mais notável dos brasileiros contemporâneos. S. Ex. foi vitimado por uma insuficiência renal, que resistiu a toda medicação empregada. Com o passamento do barão do Rio Branco, perde o Brasil um dos seus mais diletos filhos e um dos seus mais dedicados servidores. A República, principalmente, deve-lhe os mais relevantes e inestimáveis serviços. (...)

O Barão do Rio Branco foi o estadista que mais tempo exerceu o cargo de ministro do Exterior, tendo assim a oportunidade de servir ininterruptamente a quatro governos da República, cujos presidentes o honraram sempre com a mais completa e até incondicional confiança. Nenhum brasileiro atingiu mais alto o culto da veneração popular. O Barão do Rio Branco era verdadeiramente um patrimônio nacional. A nação que o amou em vida há de idolatrar-lhe reverentemente a sua venerada memória. (...) A ele deve a República, entre muitíssimos outros serviços de não pequena relevância, a reivindicação de 290.622 kilômetros quadrados de território litigioso e o aumento da sua superfície com 200 mil kilômetros quadrados adquiridos por compra e que constituem hoje esse uberrimo solo do Acre. (...) Fundou nesta capital um vespertino com o título A Nação, onde defendeu com ardor as idéias abolicionistas. (...)"

A República, 10 de fevereiro de 1912

 

"Ontem o telégrafo nos trouxe a triste e dolorosa notícia de haver falecido o benemérito brasileiro Barão de Rio Branco, Ministro do Exterior. O Barão do Rio Branco personalizou a maior figura de estadista na América do Sul. desde o regime monárquico da nossa Pátria, que o ilustre brasileiro vem prestando inúmeros serviços ao Brasil obstando o derramamento de sangue e tirando de todas as dificuldades em que se achou muitas vezes a nossa Pátria. A morte do Barão do Rio Branco, nesse momento, representa um desastre para a Nação, porquanto, agora, mais do que nunca, eram necessários os seus serviços. As próprias nações estrangeiras, os próprios jornais argentinos, que não olhavam o Sr. Barão do Rio Branco com bons olhos, proclamam os seus méritos de estadista e de bom patriota. O Baluarte, que é composto de brasileiros que desejam a felicidade e prosperidade da Nação, nesse momento de luto nacional exparge flores imersas da mais profunda saudade, sobre o túmulo do ilustre morto. Paz à sua Alma!

Assim que recebemos da repartição dos Telégrafos comunicação de ter falecido às 9,15 da manhã o Sr. Barão do Rio Branco, imediatamente fizemos cerrar as portas da nossa redação e hasteamos o nosso pavilhão em funeral. O comércio de nossa cidade cerrou as suas portas e hastearam os seus pavilhões. O club Indiano Goytacaz, em sinal de pezar pelo falecimento do Sr. Barão do Rio Branco, transferiu a sua passeata que devia ter lugar hoje. Todas as repartições públicas desta cidade hastearam os seus pavilhões em funeral. Os proprietários do Moulin Rouge, suspenderam o espetáculo que estava anunciado para ontem em sinal de pezar pela morte do Barão do Rio Branco."

O Baluarte, 11 de fevereiro de 1912

 

"Morreu ontem o Barão do Rio Branco. Há dias a sua vida era a agonia prolongada pelos recursos da ciência. A cidade, os estados, o país inteiro, as nações vizinhas, a América, o mundo indagavam anciosa da saúde do grande homem. E o grande homem caíra para não se levantar. Fora com um imenso soble, que resistindo anos e anos ao vendaval e a terperie, dominando a vida, de repente estala e cai. Dizer do Barão do Rio Branco uma rápida impressão de dor, de luto, de lágrimas, quando o país inteiro soluça é bem difícil. E sua obra foi enorme e grandiosa. Ele teve duas vidas: a do jornalista de talento que se fez cônsul e a do cônsul que se transformou no maior dos brasileiros pelo seu desinteressado amor à pátria, e no maior dos diplomatas contemporâneos pelo seu alto espírito, pela alta compreensão da função que exercia. Ele foi o dilatador do Brasil alargando-o e aumentando-o em terras, graças ao seu engenho, sem um leve ataque à justiça e ao seu direito. (...)"

Gazeta de Notícias, 11 de fevereiro de 1912

 

" (...) O Barão do Rio Branco tivera a última convulsão às 3 horas da madrugada, entrando depois num estado de perfeita imobilidade. Foi nessa situação que precisamente à 9 horas e 10 minutos S. Ex. exalou um quase imperceptível suspiro, expirando-se. (...) O barão não teve sequer uma contorção de músculo, extinguindo-se calmamente. Segurou a vela no momento supremo um dos netinhos do extinto e que estava à beira do leito. As outras pessoas estavam ajoelhadas em volta da cama. (...)

Logo que foi rapidamente conhecida a tristíssima notícia começaram as demonstrações de pezar. O comércio cerrou portas imediatamente, içando muitos estabelecimentos bandeiras de meio haste. O mesmo sucedeu nos bancos, nas agências, nos escritórios de todas as empresas e nas repartições públicas, tendo sido a bandeira do palácio do Catete posta em funeral por ordem do próprio presidente da República. Os cinematógrafos que já haviam posto os seus affichés às portas, retiraram-nos cerrando os estabelecimentos que não funcionarão hoje. Também não funcionarão os teatros e outros centros de diversões, os bailes, todos os divertimentos de club e associações enunciadas para hoje estão adiados. (...)

O Sr. presidente da República convidou hoje todos os seus secretários de Estado para uma conferência em palácio, que se realizará hoje às 4 horas da tarde. Parece que nessa conferência ficará assentado que se prestem ao grande brasileiro as honras fúnebres de chefe de Estado."

A Notícia, 10 de fevereiro de 1912

 

"Durante todo o dia de ontem esteve exposto, no Itamarati, o corpo do barão de Rio Branco - e, desde a manhã até à noite, milhares de pessoas desfilaram em frente ao grande morto, cujos servíços e cujo nome ficarão eternamente vivos na gratidão brasileira. (...)

Muitos suspiros ouvimos, de grande mágoa, e soluços que rebentavam convulsivos, à vista desse corpo, agora exanime e outrora animado pelo espírito incomparável, a quem mais deve a grandeza nacional. Dir-se-ia também que, à consternação popular, ainda se juntava uma espécie de assombro, como se a todos custasse acreditar na dura verdade. A multidão subia e descia as escadas do Itamarati como levada ao peso de uma mudez angustiosa - e eram mais os olhos magoados, que exprimem o doloroso sentimento dessa perda que avassala o Brasil e a fraternidade sul-americana. No vastão salão onde cisma a tristeza de amigos e filhos do eminente estadista e por onde peregrinava o pezar do povo brasileiro, nós também estivemos um momento, olhando o catafalco, em torno do qual seis brandões acessos derramavam as suas lágrimas de cêra. Mas o aspecto profundamente impressionante, que nos feria os olhos, era demasiado forte para nós, que sempre veneramos no grande ministro o mais fiel, o mais seguro, o mais vigilante guarda da pátria, que ele estremeceu sobretudo neste mundo. E, alquebrado também pele dor do grande infortúnio, afastamo-nos dali, trazendo a impressão da pena alheia, que se veio juntar à nossa desconsolação."

A Imprensa, 12 de fevereiro de 1912

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17) A Carestia (1913)

 

A República (diversas datas)

"... A carestia da vida é um problema que merece a atençào do governo e todo o movimento que se fizer para resolvê-lo deve ter o apoio da imprensa; para isso, porém, é preciso que a ação do "comité" seja razoável, se mantenha dentro da ordem e do respeito às autoridades constituídas, sem o que nenhum resultado dará." - 20 de fevereiro de 1913

"Teve lugar ontem às 8 ½ horas da noite, na sede do Centro Cosmopolita, à Rua do Senado n. 215, o primeiro comício popular organizado pelo "Comité de Agitação Contra a Carestia da Vida" para protestar contra o encarecimento da vida nesta capital. a esse "meeting"compareceu extraordinário número de operários, comissões de associações trabalhadoras, além de regular elemento popular." - 21 de fevereiro de 1913

"(...) A carestia de vida, sem contudo ser um problema nacional, pois ela afeta neste momento por muitas e diversas razões quase todos os povos, não pode deixar de merecer a atenção dos nossos dirigentes e induzí-los a uma solução equitativa e justa. Para que isso se dê, é porém necessário que, como muito bem disse um dos membros do "Comité" de protestos contra essa carestia, não se dê a esse momento, que deve ser nacional, um caráter partidário, desvirtuando-o do pé em que foi habilmente posto pelo dr. Caio M. de Barros." - 25 de fevereiro de 1913.

"Continua a agitação em torno deste problema, aguardando o povo as providências que o governo está tomando para tornar mais fácil a vida entre nós. Hoje, realiza-se mais um comício, às 5 horas da tarde, na praça da República, em frente ao quartel general." - 4 de março de 1913.

"Como estava anunciado, realizou-se ontem, às 4 horas da tarde no largo de S. Francisco de Paula, o grande comício promovido pela Federação Operária do Rio de Janeiro, para protestar contra o encarecimento dos gêneros de primeira necessidade.

Esse comício foi extraordinariamente concorrido, sendo digna de registro a ordem que ele presidiu; que se deveu não só à exhortação dirigida à multidão pelo delegado do 3o distrito dr. Muniz de Aragão, como também aos interesses dos representantes das associações operárias empenhadas em conservarem-se, para melhor êxito da causa que defendem, dentro da ordem e do respeito às autoridades constituídas.

A polícia, representada pelo delegado do distrito, dr. Muniz de Aragão, esteve presente providenciando para que a ordem não fosse alterada. (...)" - 17 de março de 1913.

 

O Século ( diversas datas)

"Continuam os comícios populares contra a carestia da vida. O povo diariamente se tem reunido nas principais praças desta capital e pela palavra inflamada de seus oradores tem erguido os mais solenes protestos contra o modo por que alguns indivíduos valendo-se dos trusts ociosos o exploram.

Conforme deliberação tomada no comício de sábado, realizado no largo de S. Francisco, embarcou ontem para Petrópolis, uma comissão composta dos srs. Caio Monteiro de Barros, Luiz Franco, Raul Deueza, Francisco Pereira de Lima, Simão da Costa e Vicente Nunes Ferreira, que foi levar ao presidente da República a moção do comité de agitação contra a carestia da vida aprovada naquele comício." 3 de março de 1913.

"As providências que o marechal Hermes prometeu dar, em benefício do povo, devido à agitação contra a carestia da vida, tiveram, ontem, início com o esbordoamento, a prisão e a violência praticados por agentes de polícia, verdadeiros arruaçeiros.

Tão grande era o prurido de desordem entre os desordeiros investidos de funções policiais, que no começo do tumulto que provocaram no largo de S. Francisco, um menor de 12 anos arrancou das mãos criminosas de um deles um revólver. Essa criança, que evitou certamente mortes, pois o estado de agitação do agente fazia crer que ele disparasse todas as balas, avisadamente entregou a arma a um outro policial. E o agente foi preso. (...)" - 6 de Março

"Mais um meeting e vários discursos provocou, ontem, o problema da carestia da vida. O meeting monstro, levado a efeito no largo de S. Francisco, do qual participaram muitas sociedades operárias, começou e terminou na maior calma. A polícia fez, antes do seu início, a declaração de garantir as manifestações do povo, o que de resto levou a efeito, não perturbando, como é de seus hábitos, a reunião do povo. Os oradores em discursos violentos combateram os "trustistas", lembrando os meios de combate aos exploradores e de destruição dos conchavos que tanto encarecem a vida.

Depois dos discursos, a multidão, tendo à frente vinte e duas bandeiras vermelhas de assoçiações operárias, desceu a rua do Ouvidor, em direção da sede da Confederação Operária Brasileira, à rua Barão de S. Gonçalo. (...)"

17 de Março

 

Folha Do Dia (diversas datas)

"Realmente viver no Rio de Janeiro é um suplício, porque a carestia de vida absorve todos os resultados do trabalho, por maiores que sejam a atividade do homem e sua inteligência. Nem todos podem dizer que ganham o pão no Rio, porque, mesmo trabalhando-se muito, às vezes não se ganha esse pão. A maioria, com os maiores esforços, apenas consegue passar miseravelmente. A vida está insuportavelmente cara há já muito tempo, mas no momento chegou ao cúmulo do abuso. Não é difícil, porém, torná-la mais suave; para isso só é preciso boa vontade das nossas autoridades, únicas culpadas da carestia, porque cochilam, quando deviam velar. São gerais os clamores contra o prefeito da cidade, apelando-se também para o governo federal. O prefeito pode, é verdade, obter a diminuição de taxas exageradas sobre o comércio e cumprir posturas que obrigariam os taverneiros a ficar muito mais humanos. Não o faz, talvez porquenão sinta a carestia." - 24 de fevereiro

"O dia de ontem foi o dia do operariado nacional, que veio em grande comício à praça pública protestar contra a terrível crise de angústia que ora assoberba a população de todo o Brasil. Digna de nota tornou-se a atitude ordeira da massa popular, na reivindicação dos seus direitos. Protestando, pela energia dos seus oradores francamente aplaudidos, contra a postergação de que é vítima pelo açambarcamento e pelo trust, fê-lo ainda assim patenteando as suas qualidades de população ordeira, que confia na ação enérgica dos dirigentes da Nação. (...)

Raríssimas vezes tem o largo de S. Francisco de Paula, o tradicional ponto da manifestação do sentimento popular, reunido tão elevado número de pessoas como ontem, por ocasião em que se realizava o grande comício, o "monstro", como foi cognominado por esse mesmopovo e organizado pela Confederação Brasileira do Trabalho e pela Federação Operária do Rio de Janeiro. Os lugares mais altos eram disputados a poder da força bruta. O largo estava totalmente tomado de povo. De vez em quando atravessavam a grande e unida massa popular agentes de polícia, em atitude de quem esperava o momento de agir. Praças de cavalaria estavam postadas em todas as embocaduras das ruas, isto pouco distante do local, vendo-se força de infantaria ao meio do largo. As sacadas dos prédios estavam todas apinhadas de pessoas que assim muito comodamente ouviam os oradores. Em todas as esquinas, em grupos, mais agentes de polícia. Na rua do Teatro, acompanhado do seu auxiliar, alferes Augusto, vimos o tenente-coronel Zeferino Costa, que superintendia o policiamento militar. Viam-se também no largo muitas senhoras, atenciosamente ouvindo as inflamadas orações dos operários, a quem não foram regateados aplausos. (...)" - 17 de março

 

A Notícia (diversas datas)

"A alta súbita da gasolina na praça produziu em nosso meio, aliás e infelizmente, não são raras aberrações comerciais, um certo pânico pela iminência de um encarecimento dos transportes e como consequência uma alta proporcional em todos os artigos de primeira necessidade, embora sem relação com a gasolina mas sujeitos ao jogo pela lei geral das compensações que, como é exercido, melhor, se diria dos pretextos gananciosos. (...)" - 18 de fevereiro

"Nunca, talvez, a solicitude e o cumprimento dos deveres dos auxiliares da Prefeitura estiveram tanto à prova, como neste momento em que a sua ação fiscalizada é reclamada para debellar uma crise em que se debate a saúde, o direito de subsistência e os interesses pecuniáios do público." 9 de março

"Nesta questão da carestia, decididamente o governo parece não ter tomado a sério o problema nem feito caso nenhum da situação em que se acha o povo. Num momento dado, ouvindo queixas que já se haviam feito clamor, o presidente em pessoa fez anunciar, por um jornalista que o entrevistou, que ia agir energicamente contra os trusts. Logo a esperança se estabeleceu. Mas providências dessa ordem não podem ser demoradas, e o governo demora-se. Desvaneceu-se assim a esperança, que as palavras presidenciais tinham inspirado, e o povo continuou a reclamar." - 13 de março

"Realizou-se ontem, mais um "meeting" de protesto contra os esploradores da fome. Falaram vários oradores, foram erguidos protestos e ... os gêneros continuam em alta e o Sr. presidente da República insiste em declarar que podia ser pior.

A polícia, pelo que soube,os, portou-se bem. Entretanto, alguns dos oradores a acusaram de violências, de cerceamento de liberdade e os colegas matutinos isso registraram. Por essa razão resolvemos hoje procurar o Dr. Paula Pessoa, 1o Delegado auxiliar para ouvi-lo. (...) A respeito do grande meeting convocado para ontem, e em que as classes operárias eram chamadas a lavrarem o seu protesto contra a horda salteadora dos açambarcadores dos gêneros da alimentação, ficaram apreensivos muitos espíritos que não ignoram a justiça das queixas que se deviam formular nesse comício, mas conhecem de sobra os nossos costumes policiais. (...)" 17 de março

 

A Tribuna (diversas datas)

"A fim de combater a crise que avassala a classe proletária com o aumento constante dos preços dos gêneros alimentícios de primeira necessidade e do aluguel dos humildes casebres, organizou-se ontem à tarde no escritório do Dr. Caio Monteiro de Barros, à Rua do Ouvidor n. 159, um comité, que fará no Rio, Campos, Juiz de Fora, S. Paulo, Santos e outros lugares comícios a fim de dar um franco combate aos monopolistas e diretores de sindicatos que tanto prejudicam a classe pobre. O primeiro comício terá lugar hoje às 8 horas da noite, na sede do Centro Cosmopolita, à rua do Senado n. 215, gentilmente cedida pela sua honrada diretoria, sendo orador o Dr. Caio Monteiro de Barros, presidente do Comité." 20 de fevereiro

"Ainda bem que se vai conduzindo para um terreno prático a magna questào do combate à carestia da vida. Problema vital para a nossa população, que vê dia a dia encarecerem os produtos principais de sua alimentação, para ele se voltam as atenções do povo, que já iniciou os seus protestos, realizados sob a forma de "meetings" em diferentes pontos da cidade e aos quais se tem associado a população, consciente dos seus direitos e deveres." 24 de fevereiro

"Continua sendo objeto da cogitação pública o problema tendente a baratear a vida. Clero, nobreza e povo se ismanaram nessa cruzada, concorrendo cada um com o seu máximo de esforço. É de se esperar que dentro em breve tenhamos a crise definitivamente resolvida, pois as medidas tomadas são de toda presteza e oportunidade. 1o de março

"Realizou-se ontem, à tarde, no largo de S. Francisco, o grande comício promovido pela Federação Operária contra a carestia da vida. A concurrência a essa reunião pública foi considerável. Todas as associações federadas compareceram com os seus sócios, tendo havido também grande concurso de povo. Usaram da palavra diversos oradores, todos protestando contra o encarecimento da vida. Depois do comício, os manifestantes foram a vários jornais e prosseguiram nos seus protestos. a polícia manteve-se vigilante, tendo distribuído por vários pontos os reforços necessários para impedir qualquer perturbação da ordem." 17 de março

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18) Pereira Passos (1913)

"A notícia da morte, a bordo do Araguaia, que partiu desta capital a 19 do mês próximo findo, com destino à Europa, do Sr. Francisco Pereira Passos, causos profunda surpresa e intenso pezar, porque nào se esperava que aquele combatente forte, bem disposto, sadio, apesár dos seus 77 invernos, tombasse tão cedo, em pleno mar, quando com sua família demandava terras adiantadas que ele ia, de novo percorrer. (...) Aceitando o convite que lhe fôra feito pelo governo do Sr. Dr. Rodrigues Alves, o ilustre engenheiro Pereira Passos, para as altas funções de prefeito do Distrito Federal, o seu primeiro cuidado foi pedir carta franca para dirigir a cidade, pois profissional que era, tinha em mente planos de sua remodelação completa, absoluta. (...) E o Sr. Dr. Pereira Passos, sem mais detença, pôs em evidência o seu plano de remodelação da cidade, dando trabalho a milhares de operários, pondo abaixo pardieiros, prédios novos e velhos, mostrando que tudo que existia e estava de pé não prestava, era um atestado do nosso atraso, da nossa vergonha, de falta de capacidade administrativa e de pusilanimidade. Um trabalho ingente, foi um movimento como jamais se viu o que se fez durante a administração do grande engenheiro. O programa do Dr. Passos para sanear e embelezar a nossa hoje formosa cidade iniciou-se sob os melhores auspícios, tendo-se trabalhado com intensa afana na abertura de três avenidas, no alargamento de doze ruas, no prolongamento de outras três e de uma travessa e na canalização dos rios Carioca, Berquó, Banana Podre, Maracanã, Joana, Trapicheiros e Comprido.

Os pessimistas, os retrógados, os estacionários sorriam, zombeteiramente, dizendo ser impossível transformar a cidade em um céu aberto, mostral-a outra, muito diferente do que era e que isso custaria a ruína do país, o empobrecimento das nossas finanças. E o Dr. Pereira Passos, sereno e surdo, mas apoiado, pelo governo e com os aplausos da população, caminhava na sua obra, fazendo a Avenida Beira Mar, essa beleza e esse encanto, dando-lhe 5.200 metros de extensão com uma lagura de 39 metros. O trabalho foi indigente e porfiado."

A República, 3 de março de 1913.

 

"A morte tem sido cruel e impiedosa para o Brasil nestes últimos tempos, roubando-lhe as suas maiores personalidades, os seus mais beneméritos servidores. No ano que se findou, foram-se Rio Branco, Ouro Preto, Paranaguá e já hoje somos surpreendidos com o desaparecimento do Dr. Francisco Pereira Passos, o extraordinário velho, cujo nome ficou para sempre ligado à cidade do Rio de Janeiro, que lhe deve a sua remodelação, a sua rápida e completa transformação. Um telegrama laconico e sinistro informa-nos haver ele falecido em viagem para Europa, para onde embarcara há dias, a bordo do paquete Araguaia. É, pois, com o mais profundo sentimento que registramos o desolante sucesso. O nome do Dr. Pereira Passos não poderá nunca ser esquecido.

Prefeito desta cidade, nenhum administrador revelou ainda maior tenacidade, nem tão elevada compreensão dos deveres que lhe impunham a lei e o momento. No período presidencial que ficou assinalado na história como o iniciador dos melhoramentos que a capital brasileira estava a exigir, o Rr. Pereira Passos foi a sua figura mais operosa e destacada. Enfrentando com rara energia a oposição tremenda e desleal que lhe moviam os interesses feridos e a rotina, fez-se surdo a todos os ataques, aos apodos violentos, às agressões e às ingúrias, levando a termo a obra de que o País hoje se orgulha.

E assim abriu avenidas, ajardinou, com supremo gosto, as praças e largos, outrora em abandono, construiu esse passeio sem rival que é a extensa Avenida Beira Mar, introduziu os calçamentos asfaltados, cuidou das habitações do proletariado, ergueu edifícios que atestam a nossa cultura de povo adiantado e transformou a nossa Capital Federal na mais bela cidade do mundo. Com assombrosa atividade, dirigia sempre em pessoa todos os serviços, dando eloquente atestado de quanto pode uma energia de ferro, aliada à competência de superior mentalidade. Embora absorvido pela multiplicidade desses afazeres, o Dr. Pereira Passos nào esquecia outras responsabilidades do seu cargo e, encontrando desacreditada e quase falida a Prefeitura, cheia de atrazos nos pagamentos, reabilitou-a, restaurando-lhe a situação financeira. escravo da lei, sem condescendências, nem transigências, conseguiu reorganizar escrupulosamente as arrecadações, que lhe forneceram recursos para enfrentar os compromissos e pô-los em dia. Ao deixar o governo, era reconhecidamente um grande benemérito. (...)"

Folha Do Dia, 3 de março de 1913

 

"A notícia da morte de Francisco Pereira Passos, a bordo do "Araguaia", em que viajava o grande remodelador da cidade do Rio de Janeiro, chegou como uma nota de luto e de dor, num domingo alegre e luminoso em que a sua linda, a sua encantadora, a sua estremecida cidade rebrilhava nos seus palácios e nas suas avenidas. Dos homens que ocupam altas posições na política e na administração se costuma dizer, quando deixam a vida, que é cedo para julgar a sua obra. Ela foi tão discutida e apaixonou tantos espíritos que só a anos, mais serenos e mais justos, podem estabelecer o seu veredictum inapelável. de Francisco Pereira Passos não se pode dizer o mesmo. O julgamento da sua ação na pública administração estava há muito feito, quando o Dr. Rodrigues Alves, assumindo a presidência da República, o chamou à Prefeitura do Distrito Federal, para remodelar a cidade colonial de Mem de Sá. (...)

O Dr. Francisco Pereira Passos, nasceu em 29 de agosto de 1836, na cidade de São João Marcos, no Estado do Rio de Janeiro, e era filho dos barões de Mangaratiba. Formou-se na antiga Escola Central, hoje Politécnica, e foi logo após nomeado adido à legação brasileira em Paris, onde aperfeiçoou os seus estudos de engenharia, publicando, em seguida, em Londres, a "Caderneta Passos", trabalho técnico de grande valor.

Voltando da Europa foi nomeado engenheiro residente da Estrada Pedro II, de onde saiu para dirigir o estabelecimento de fundição da Ponta da Areia, ocupando depois o cargo de engenheiro da Diretoria de Obras Públicas. Foi fiscal da Estrada de Ferro de S. Paulo e empreiteiro da estrada de Bagé a Uruguaiana. Foi engenheiro chefe da Estrada de Ferro de Mauá a Petrópolis, de cujo traçado foi autor, assim como da linha elétrica da Santa Teresa. Como engenheiro da Estrada de Ferro Pedro II construiu o ramal de Porto Novo do Cunha, tendo projetado e realizado trabalhos de consolidação da Serra. Exerceu os cargos de presidente da Companhia Ferro-Carril de São Cristovào, da Estrada de Ferro de Macaé e Campos, da Estrada de Ferro Sapucaí, cujos trilhos estendeu até a fronteira de S. Paulo, e da Estrada de Ferro do Corcovado, sendo desta também o engenheiro construtor. Foi por duas vezes diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, devendo-lhe a Estrada grandes e importantes obras, como sejam, os armazens da Maritma, estação de S. Diogo, ligação direta da Maritma com o interior por um segundo túnel, ponte da Maritma e seu prolongamento, alargamento da bitola da Estrada até Taubaté, substituição de trilhos de ferro pelos de aço, estações de Belém e de Mariano Procópio e, finalmente, a bela reconstrução da estação Central no Campo da Aclamação.

Em 31 de dezembro de 1902 foi nomeado para o cargo de prefeito do Distrito Federal, cargo de que tomou posse no dia 2 de dezembro de 1903. Como prefeito do Distrito Federal realizou a remodelação da cidade pondo em prática um vastíssimo plano de embelezamento e transformando o velho Rio de Janeiro, de aspecto colonial, na bela cidade de ruas largas e esplêndidas avenidas, de que hoje nos orgulhamos. Além disso, aumentou a renda municipal e diminuiu a despezas de várias repartições da Prefeitura, sem prejuízo do serviço público: pagou todas as dívidas da Intendência Municipal e conseguiu fazer com que ficasse em dia o pagamento de todo o pessoal e fornecedores."

A Notícia, 3 de março de 1913

 

"A notícia do passamento do Dr. Pereira Passos causou funda impressão na cidade. Engenheiro de reconhecida competência, depois de administrar proficuamente por duas vezes a Central do Brasil, e de desempenhar outras funções e comissões, foi convidado para o cargo de prefeito do Distrito Federal (...)

Era como que o administrador honorário da capital,, pela sua ação benéfica e inimitável, toda de dedicação e ativiadde. Se discordamos do reformador do Rio, mais de uma vez, mesmo em sua vida reconhecemos a grandeza dos seus serviços e agora, depois de morto, rendemos justa homenagem ao que fez em benefício da cidade. O Dr. Francisco Pereira Passos deixa seu nome gravado a empreendimentos e a obras, que conseguiu ultimar nos quatro anos em que se multiplicou na Prefeitura.

Assumindo as sua funções, o Dr. Pereira Passos projetou grande número de obras. (...) A obra mais importante que realizou foi a avenida Beira-Mar, por ele concluída; ela se estende do estremo sul da Avenida Rio Branco até Botafogo, sendo a sua extensão de 5.200 metros e a sua largura de 33. (...) Longa seria a enumeração de todos os seus serviços, como as avenidas Mem de Sá, Salvador de Sá, o alargamento das ruas da Assembleia, Carioca, Visconde do Rio Branco, Frei Caneca, Estácio de Sá, Marechal Floriano, Visconde de Inhauma, Treze de Maio, que antes da atividade assombrosa desse patrício ilustre só merecia louvores pela sua natureza. Este, sim, merece, como justa homenagem ao muito que fez, ter levantado a sua estátua no coração da cidade. Foi um brasileiro digno dessa comemoração."

O Século, 3 de março de 1913

 

"O Dr. Francisco Pereira Passos que ontem faleceu em caminho da Europa foi, no meio brasileiro, uma exepção e uma surpresa: excepção, pelo contraste fulminante com a nossa educação e com o nosso temperamento; surpresa, pela valentia com que, na sua idade, realizou obras a que gerações moças inteiras não se haviam aventurado. Na antiguidade pagã e ingênua esse homem passaria a ser um herói ou um mito, pela sombra de trabalhos espantosos levados a efeito. No nosso tempo é, com Rio Branco, um ídolo nacional. São esses de fato os nomes mais populares da capital da República. Com uma visão genial das coisas, com uma incomparável capacidade de trabalho, esses dois homens agiram como duas encarnações da pátria. Não foram homens de partido. Não tiveram paixões políticas a orientá-los neste ou naquele sentido. Trabalharam pela grandeza nacional, acompanhados pela simpatia geral, prestigiados pelo apoio de todos. Por isso receberam as bênçãos de todos.

O velho Dr. Pereira Passos, repetimos, era um tipo único de nosso meio pela energia superior da vontade e pela visão segura e certa das coisas. Quando lhe coube assumir o governo da cidade, ninguém acreditou realizável a obra que sem dificuldades se realizou. (...) Em quatro anos esta feita uma reforma sem igual, transformada completamente a cidade. Deixando a administração da cidade, as pedras que se atiravam sobre o demolidor implacável se transformaram em flores ao incomparável remodelador. A cidade estava uma jóia. As rendas municipais aumentadas. O funcionalismo da Prefeitura pago em dia.

E quando o grande homem tomou o vapor para ir descansar na Europa, para repousar da surpreendente atividade despendida, a população carioca fez uma ardente apoteose. O Dr. Pereira Passos acaba de falecer gozando nesta cidade de uma popularidade só comparável à que cerca o nome de Rio Branco. Foi um homem."

A Tribuna, 3 de março de 1913.

 

AS MANCHETES:

Dr. F. Pereira Passos - O Grande Remodelador Da Cidade Morreu, Em Viagem A Bordo Do Araguaia (A Notícia)

Uma Perda Nacional - Dr. Francisco Pereira Passos (Folha do Dia)

Um Homem - O Dr. Pereira Passos (A Tribuna)

O Remodelador Da Nossa Cidade - O Seu Falecimento (A República)

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19) Edu Chaves: Primeiro Vôo sem Escalas São Paulo - Rio de Janeiro (1914)

"A chegada inesperada de Edu Chaves, o simpático patrício, a esta capital, pilotando o seu magnífico Bleriot depois de um percurso de 400 kilômetros, foi um ruidoso sucesso para a nossa aviação, tornando-se objeto de comemorações, por toda a parte, o dia de ontem. (...) Às 9,30, Edu Chaves, tendo disposto convenientemente o seu magnífico aparelho, partiu do prado da Moóca, elevando-se, em seguida, bem alto, afim de melhor poder fazer a travessia de S. Paulo ao Rio. (...) Partindo, como dissemos, do prado da Moóca, Edu Chaves elevou-se a 1.800 metros, viajando nesta altura cerca de 20 kilômetros, ascendendo ainda a 2.000, 2.400 e 2.800 metros. Ao chegar a esta capital Edu estava precisamente a 3.000 metros de altura. Para mais facilitar o "raid" do jovem patrício o Telégrafo manteve troca de comunicação, ficando assim organizado um belo serviço tendo a Estação Central recebido os seguintes telegramas:

Rio, 5 - O aviador Edu Chaves partiu às 9,46 de São Paulo diretamente para esta capital, onde deverá chegar às 14,30, aterrando no Campo dos Affonsos. Nem sem escala.

Rio, 5 - Edu Chaves passou em Taubaté às 11 horas.

Rio, 5 - Edu Chaves foi visto em Cruzeiro às 13,50.

Rio, 5 - Barra Mansa avistou Edu às 11,30 viajando em direção ao Rio. (...)

Eram 14 horas e 10 minutos quando Edu Chaves aterrou no hangar da Escola Nacional de Aviação. Grande era a assistência que enchia o Campo de Aviação e que anciosamente acompanhava, com interesse, as manobras arriscadas do arrojado aviador paulista. (...)

O denodado campeão do espaço conseguira cobrir o percurso de 480 kilômetros em 4 horas e 39 minutos, perfazendo uma média de 120 kilômetros por hora. O record de velocidade de percurso fôra batido na América do Sul pelo aviador paulista. No Campo dos Affonsos, onde se encontravam o Sr. presidente da República e sua exma. esposa, foi o aviador Edu Chaves cumprimentado por S. Ex., que o felicitou pelo bom êxito colhido na sua travessia. (...)

O motor que é um Gnome 80 HP trabalhou magnificamente, gastando durante o percurso 16 litros de gasolina e 45 litros de óleo. O aparelho é munido de hélice Chouvier e vela Oleo. (...)"

A República, 6 de julho de 1914

 

"O dia de ontem assinalou mais um triúnfo para a aviação no Brasil. Coube ainda uma vez a Edu Chaves realizar um "raid" sensacional, vindo de S. Paulo ao Rio de Janeiro em 6 horas e meia, vencendo com admirável segurança um percurso de 450 kilômetros. O arrojado aviador paulista, nessa prova de resistência teve de vencer dificuldades que não chegaram para impedir a terminação do seu vôo memorável, desta vez terminado com um absoluto sucesso, aterrando calmamente no campo de aviação da fazenda dos Affonsos.

Edu Chaves saiu do prado da Moóca em S. Paulo às 9,30 da manhã, tendo resolvido de surpresa renovar o "raid" que o tornara famoso, alguns anos atrás, quando uma falsa orientação do terreno o fez cair ao mar, nas proximidades de Mangaratiba. O aparelho de que se serviu Edu Chave foi um monoplano Bleriot, com um motor Gromo de 80 cavalos. O percurso realizado no "raid" de ontem foi de cerca de 450 kilômetros, vencidos em 6 horas e meia. Edu Chaves fez o vôo na altura de 2000 metros, subindo a 3000 metros ao atravessar a Serra do Mar. A velocidade desenvolvida pelo Bleriot foi de cerca de 80 kilômetros por hora. Foi uma verdadeira surpresa a chegada de Edu Chaves no campo de aviação da fazenda dos Affonsos. Recebido com efusivas demonstrações de aclamação, por Darioli, Nicola Santo, Kirk e outros aviadores presentes, Edu Chaves foi felicitado entusiasticamente pelo "raid" que realizara com um sucesso tão brilhante.(...)"

O Diário, 6 de julho de 1914

 

"Edu Chaves, o valoroso e pertinaz aviador brasileiro, conseguiu fazer num só vôo, sem escalas, a travessia São Paulo a esta capital. Com essa audaciosa prova bateu ele o recorde da velocidade em longo percurso na América do Sul.

Ocultando dos amigos mais íntimos e da própria família o seu intento, edu levantou ontem, às 9,30 da manhã, o vôo no aeródromo paulista no seu Bleriot. fazendo a maior do percurso na altura de 1800 metros, atingiu ele até os 2800 metros. Chegando ao Rio, Edu procurou dirigir-se para o campo do Aeroclube Brasileiro, no Campo dos Affonsos, onde aterrou às 2,10 da tarde. Em o nosso aeródromo achava-se várias pessoas, inclusive o marechal Hermes, que, com sua esposa, haviam ido ali assistir aos exercícios aviatórios de Kirk e Darioli. Todos felicitaram calorosamente o aviador brasileiro pela sua brilhante vitória. A travessia foi feita sem o menor incidente desagradável, tendo gasto 160 litros de gasolina e 45 de óleo. (...)

Depois de muito felicitado no Campo dos Affonsos, onde lhe foi oferecido uma taça de champagna, Edu veio, às 10 horas da noite, para a cidade, hospedando-se no Hotel Avenida. (...) O notável vôo de Edu Chaves revolucionou os meios aviatórios cariocas, onde a façanha de Edu tem causado assombro."

O Século, 6 de julho de 1914

 

"Teve início, ontem, a festa promovida pelo Aero Club, por um fato inteiramente inesperado, que foi a súbita aparição de um aeroplano, de que não constava no programa a sua evolução. De pequenino ponto, avolumou-se pouco a pouco até reconhecer-se o magnífico aeroplano Bleriot 80 HP de Edu Chaves, que às 9,35 partira do hipódromo da Moóca, em S. Paulo. Após 4 horas e 40 minutos de ininterrupta viagem, o nosso ousado patrício, numa bela "aterrisage", tomava contato com o solo, descendo no campo da Escola Brasileira de Aviação. Foi uma exclamação uníssona de pasmo e alegria ao ver-se a figura simpática do nosso patrício, o precursor brasileiro da nossa aviação no país. Edu partira, precisamente às 9,45 e aterrou às 2,10 levando, portanto, 4 horas e 25 minutos para vencer os 450 kilômetros que nos separam da capital paulista, fazendo, portanto, uma média de 104 kilômetros e 200 metros a hora. (...)

Antes, porem, de descer, executou uma série de voltas com os braços levantados, não tocando, portanto, no volante de direção. Esta proeza causou grande entusiasmo e levantou muitos aplausos. (...)

Foi uma festa que obteve o mais franco sucesso, o que nos deixa prever a aceitação que terão as futuras provas instituídas pelo Aero Club. Num dos intervalos foi servida uma fina mesa de doces e ao "champagne" foram feitos diversos brindes. Durante a festa tocou uma banda de música militar. Enfim, todos que de lá vieram trouxeram a melhor das impressões."

A Tribuna, 6 de julho de 1914

 

"A comissão do Aero-Club Brasileiro reune-se amanhã, em sessão extraordinária, afim de receber o grande aviador patrício Edu Chaves, o arrojado piloto que acaba de realizar o maior vôo sem escalas da América do Sul. A extraordinária proeza de Edu veio fazer avançar de um ano a aviação nacional. É justamente para registrar esse feito admirável, que se inscreverá entre as maiores cruzadas aéreas contemporâneas, que o Aero-Club se reune amanhã. Tomando conhecimento oficial do vôo de Edu, O Aero-Club, como único poder aeronáutico no Brasil, comunicalo-a à Féderation Aéronautique Internationale, concedendo-lhe o título de "recordman" de distância no Brasil."

A Rua, 8 de julho de 1914

 

MANCHETES

"Aviação - Uma Grande Surpresa - Edu Chaves Faz Inesperadamente O "Raid" Rio-S.Paulo, Em 4 horas E 25 minutos - A Festa No Aero-Club (A Tribuna)

De S. Paulo ao Rio Em Aeroplano - Edu Chaves Faz A Travessia (O Século)

Os nossos homens-pássaros - Edu Chaves será recebido amanhã solenemente no Aero Club Brasileiro (A Rua)

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20)Pinheiro Machado (1915)

" (...) Seriam mais ou menos 4.35 horas da tarde. Um dos telephones da nossa redacção tilintou, rapido.

- Que deseja?

- É o Correio da Manhã?

- Sim , senhor.

- Quem fala é um dos amigos do "Correio". Acaba um homem do povo, ao que parece, de assassinar o senador Pinheiro Machado.

- Como sabe o senhor disso?

- Agora mesmo saltei do bonde e penetrei no Hotel dos Estrangeiros, de onde lhe falo. O cadaver do senador Pinheiro Machado acha-se ainda aqui.

E a ligação foi interrompida.

Immediatamente tres dos nossos companheiros abandonaram a redacção, para colher informações sobre a noticia que nos fôra, tão inesperadamenrte, communicada por telephone.

Poucos minutos, porém, decorreram depois da saida daquelles representantes do "Correio da Manhã", quando outro nosso companheiro varou precipitadamente a redacção, informando-nos de que já se vulgarizara, com insistente brutalidade, a noticia do assassinato do vice-presidente do Senado Federal.

Essa noticia era grave demais, para ser acreditada para logo, deante das escassas minucias informadas. Esperámos, por isso, e com explicavel anciedade, a sua confirmação, para a transmitir ao publico, em boletins. Já por esse tempo - deviam ser 5 horas - compacta massa de povo, na qual se lobrigavam pessoas de representação social, detinha-se defronte da nossa redacção, á espera dos nossos boletins.

Recebemos, então, pelo telephone, nova communicação do assassinato do senador Pinheiro Machado, feita por um quinto ou sexto companheiro de trabalho.

- Viu o cadaver?

- Não. a noticia, porém, é verdadeira.

- Pois assim que vir o general Pinheiro confirme-a. E procure a confirmação, indo ao local.

A massa de gente defronte da nossa redacção avolumava-se, porém, cada vez mais, presos instinctivamente de anciedade. É que a noticia já corria por toda a cidade, em fórma de boato.

Um dos tres companheiros nossos que haviam partido para o Hotel dos Estrangeiros conseguiu, finalmente, communicar-se com a redacção pelo telephone official:

- O senador Pinheiro Machado foi, effectivamente, assassinado, com uma punhalada nas costas, no saguão do Hotel dos Estrangeiros. O assassino é um moço brasileiro, nascido em São Paulo. O cadaver do senador sul-riograndense acha-se numa das saletas de espera do andar terreo do hotel, cercado de amigos. Vi-o.

Affixámos, então, no "placard" os primeiros e minuciosos boletins do "Correio da Manhã". O automovel conduziu-nos, celere. (...)

Depois de percorrermos detidamente algumas dependencias do andar terreo do hotel, inclusive a saleta de espera onde se achava, sobre uma mesa, estendido o cadaver do senador Pinheiro Machado, voltamos á sala contigua ao saguão, onde se verificara o assassinato, e palestramos com o dr. Bueno de Andrade, testemunha de vista do tragico sucesso. O deputado paulista achava-se succumbido. A sua physionomia revelava uma fadiga moral excessiva. Trocamos um ligeiro cumprimento com o parlamentar paulista e conduzimol-o para uma poltrona daquella sala.

- Então, dr. Bueno, como foi essa tragedia?

Elle olhou-nos um momento e confirmou:

- Diz bem: uma tragedia!

- Como veiu o general Pinheiro aqui?

- Elle veiu visitar o sr. Rubião Junior, que não se achava, então, no hotel, pois que havia saido. Eu e o sr. Cardoso de Almeida achavamo-nos no saguão a cerca de oito passos da escada, que dá accesso para o andar superior do edificio. Palestravamos os dois sobre a politica paulista. O senhor Pinheiro Machado, depois de ter sido informado da ausencia do Sr. Rubião Junior, appareceu na saguão e, lobrigando-nos, dirigiu-se para onde nos achavamos.

- Houve sessão no Senado sr. Pinheiro?

O senador riograndense retorquiu:

- Houve sim. Mas nada houve de mais.

Depois de uma curta pausa o senador Pinheiro convidou:

- Mas venha cá, bacharel Cardoso. Interrogueio o então.

- Como vai general?

- Como vai você, "seu"Bueno?, respondeu-me, interrogando o senador.

Referiu-se então, á ausencia do Sr. Rubião Junior. Desse momento o Sr. Cardoso de Almeida disse:

- Mas o sr. Albuquerque Lins está ahi.

- Vamos conversar com elle, "seu"Cardoso. Vamos conversar com elle, vamos.

E o sr. Pinheiro insistiu muito nesse convite, ao que se excusava o deputado paulista, por haver já visitado o sr. Albuquerque Lins. Estavamos a uns quatro passos da escada espiral do saguão. O senador riograndense achava-se de costas exactamente para a parte anterior da saguão, de frente, portanto, para os fundos dessa dependencia do hotel. O sr. Cardoso de Almeida e eu estavamos collocados de maneira que não podiamos avistar immediatamente quem penetrasse no hotel, pelas suas portas principaes.

Foi precisamente no instante em que o vice-presidente do Senado insistira com o seu collega de bancada para uma visita commum ao dr. Albuquerque Lins, que o assassino surgiu.

- E, como era esse assassino?

- Não pude guardar-lhe as feições, continuou o Sr. Bueno de Almeida. Pareceu-me, porém, que era moço, vestia roupas escuras, chapéo de palha, paletot aberto, sem collete. Vi-o de relance.

- E como praticou o assassinato?

- Surgiu por detrás do senador Pinheiro e deu-lhe um murro nas costas. O general gaúcho estremeceu e exclamou: Canalha! O covarde correu. O sr. Cardoso de Almeida deitou a correr em sua perseguição. (...)

Correio da Manhã, 9 de setembro de 1915.

"A politica nacional attingida em cheio pelo golpe de punhal que cortou abruptamente a existencia do general José Gomes Pinheiro Machado, transformou-se de subito numa formidavel interrogação para o paiz, colhido de surpresa por um violento extremeção da vertiginosa corrente em que se deixava arrastar, indolente e descuidado.

O general Pinheiro Machado, a exemplo de todos os grandes dominadores das multidões, nunca tomou em conta da sua obra publica as opposições infimas, as resistencias imponderaveis ao seu espirito de luctador affeito a enfrentar e vencer as maiores energias antagonicas; nem a molestia ou a sua morte entraram jamais em seus calculos como factores possiveis do insucesso de suas idéas e das aspirações que S. Ex. aggremiara, disciplinara e movia a seu talante com absoluta confiança na sua peregrina estrella. (...)

Sempre guardado á vista, o assassino Francisco Manso de Paiva Coimbra, passou a noite calmo, dormindo algumas horas, recusando, entretanto, qualquer alimentação, a não ser café. Tem o aspecto abatido, pronunciadas olheiras e a barba mais crescida. Veste ainda o mesmo terno escuro com que foi preso e se deixa photographar sem a menor reluctancia.

O maior temor que o criminoso manifesta é o que lhe poderá acontecer na Casa de Detenção, para onde não deseja ir. Sabe que o director desse presidio era amigo particular do general Pinheiro Machado, e se arreceia de ser maltratado ali. Isso mesmo já o criminoso hontem expandia ao dr. chefe de pollicia, quando interrogado.

Na delegacia do 6o districto, quando, ás 11 horas da manhã de hoje estava sendo identificado, um dos nossos companheiros logrou falar ao criminoso.

Apezar de se mostrar calmo, Francisco Manso de Paiva Coimbra ao assignar as fichas tinha a mão tremula.

Interrogando-o, disse-nos o assassino que as suas declarações são as de seu depoimento, já publicado em todos os jornaes em que affirmou estar satisfeito em haver cumprido um voto de que ha muito fizera.

Disse-nos ter pae e mãe vivos, no Rio Grande do Sul, de onde é filho; seu pae é Francisco de Paiva Coimbra, portuguez e padeiro, e sua mãe D. Maria de Jesus, natural do Rio Grande. Seu parente é apenas sua irmã Conceição, tambem no Rio Grande, não tendo aqui no Rio senão ligeiros conhecimentos.

Perguntando-lhe si havia já sido preso alguma vez, mesmo com o nome de João Dias Regis, respondeu-nos que nunca fora preso e se trocou de nome foi por ter desertado do Exercito.

Dentre outras declarações prestadas, quer á policia, quer á imprensa, o assassino disse não ser habito seu frequentar "meetings" nem reuniões politicas, apenas tendo ido ao ultimo realisado nesta capital, que diziam ser contra o general Pinheiro. Fôra este o único "meeting" a que compareceu. (...)

A policia tinha conhecimento de que se tramava um complot contra o Senado ou contra o proprio sr. senador Pinheiro Machado.

Segundo declarações feitas pelo sr. dr. Carlos Maximiliano, ministro da Justiça, soubera a nossa policia que esse complot tinha por fim fazer saltar a dynamite o edificio do Senado, no dia do reconhecimento do Sr. Hermes da Fonseca.

Esta noticia nos foi transmittida por um dos membros da bancada rio-grandense, que ouviu o sr. Ministro da Justiça fazer tal declaração. Sobre o caso foi guardada, porém, a mais absoluta reserva e discreção, não sendo tomadas, mesmo, medidas ostensivas, para não causar o alarma muito natural que ellas iriam provocar.

Entretanto, esta falta de uma iniciativa rigorosa causou estranheza enorme nos circulos politicos rio-grandenses. (...)"

A Notícia, 9 de setembro de 1915

 

"A primeira impressão causada no espirito publico pelas noticias do assassinato de sr. general Pinheiro Machado foi a de um verdadeiro estupor. Chefe politico, de uma influencia tão vasta, tão poderosa e quasi podemos dizer tão incontrastavel na vida da nação, a primeira idéa ligada ao facto, quando o facto já não podia ser posto em duvida, foi a de que se tratava de um attentado politico. E, felizmente, esses processos violentos estão de tal modo afastados da nossa indole, que o movimento geral que se fez immeadiatamente em torno do lutoso acontecimento foi o de uma franca e geral condemnação. (...)

Mais ou menos ás 4,40 da tarde passava pelo Hotel dos Estrangeiros um bond da linha do Humaytá. Varios vendedores de jornaes que por ali se achavam correram para o bond gritando:

- Mataram o general Pinheiro Machado!

Uma senhora disse aos pequenos:

- Vocês não gritem essas mentiras.

- Mas é verdade, foi agora mesmo.

E o pequeno, com outros companheiros, saltaram para os bonds que passavam pela rua Senador Vergueiro e pela rua Marquez de Abrantes, repetindo os mesmos gritos: - Mataram o senador Pinheiro Machado!

A impressão, porém, era de incredulidade apesar de haver um desusado movimento junto á porta do hotel, para onde varios guardas civis acudiram. (...)

O sr. Pinheiro Machado almoçou hontem, á hora habitual, no seu palacete da rua Guanabara, depois do que recebeu varios amigos politicos que o procuraram. Depois, tomando o seu "laudaulet", dirigiu-se ao senado, onde deveria ser feita a votação do parecer reconhecendo o sr. marechal Hermes da Fonseca senador pelo Rio Grande do Sul.

Na ausencia do sr. dr. Urbano dos Santos, assumiu S. Ex. a presidencia, demorando, propositalmente, a abertura da sessão até a 1 hora e 45 minutos, á espera de conseguir numero para a votação. Como, porém, até ás 2 horas não tivesse numero preciso, pediu uma lista da residencia de todos os senadores, determinando que se expedissem telegrammas a todos quantos se encontram presentemente nesta capital e em Petropolis, pedindo-lhes o comparecimento á sessão de hoje.

Depois demorou-se ainda no edificio do senado cerca de 20 minutos, conversando com alguns senadores, entre os quaes os srs. Indio do Brasil e Arthur Lemos.

Deixando o Senado, S.Ex. tornou a tomar o seu automovel para fazer varias visitas, entre as quaes uma ao sr. dr. Rubião, chegado de S. Paulo e que se hospedara no Hotel dos Estrangeiros. Era a fatalidade do destino a chamal-o ao ponto onde o esperava a morte!

Chegando ao vestibulo do Hotel dos Estrangeiros, o vice-presidente do Senado encontrou os srs. Cardoso de Almeida e Bueno de Andrade, deputados federaes pelo Estado de S. Paulo.

Dirigindo-se a esses cavalheiros o sr. general Pinheiro Machado, convidou-os, galhofeiramente, para subirem aos aposentos do dr. Rubiào Junior, "afim de visital-o e ouvirem historias engraçadas", phrase textual, proferida pelo senador rio-grandense.

Os srs. Cardoso de Almeida e Bueno de Andrade, seguindo uma versão subiram, ladeando o Sr. Pinheiro e recusaram-se subir consoante outra versão, dizendo em tom de pilheria: - Suba você sosinho...

O facto é que o sr. Pinheiro Machado foi apunhalado pelas costas, quando atravessava o saguão para entrar na sala do hotel.

O assassino, ao que parece, não conhecia o general Pinheiro Machado, tanto assim que perguntou a uma pessoa presente quem era o vice-presidente do Senado Federal.

Ao sentir-se ferido, mortalmente, o sr. Pinheiro Machado, desceu tranquillamente as escadas e, encaminhando-se para a sala de visitas do hotel declarou estar ferido, sentando-se em uma cadeira, e expirando minutos após.

Como é natural, o assassinato do vice-presidente do Senado divulgou-se com extrema rapidez e o Hotel dos Estrangeiros enchia-se de amigos e correligionarios de S. Ex.

A primeira pessoa que chegou ao Hotel dos Estrangeiros foi o sr. ministro da Justiça, que estava ligeiramente enfermo.

Ferindo mortalmente o sr. Pinheiro Machado, o seu assassino, desceu as escadas e entregou o punhal homicida ao sr. Cardoso de Almeida. (...)"

Gazeta de Notícias, 9 de setembro de 1915

 

"A impressão no primeiro momento foi a da mais completa surpreza. Ao circular a nota do assassinato praticado no Hotel dos Estrangeiros houve a sensação de pasmo, de duvida, de incerteza. A cida do homem hontem tombado estava de ha muito em perigo e entre os sucessos previstos figurava a possibilidade de sua eliminação. mas que caisse assim, daquella forma, em um momento de relativa calma, sem os prenuncios da dolorosa tragedia, eis o que não entrava nos dominios do admissivel.

Entretanto tal aconteceu, manifestando-se a principio a incredulidade publica, para dar logar mais tarde, deante de informes positivos e seguros, ao peso da realidade, com toda a sua brutal e triste evidencia. (...)

A hora adiantada da tarde em que foi perpetrado o assassinato do senador Pinheiro Machado, quando já havia saido a nossa segunda edição, só nos permittiu que em uma terceira edição dessemos em rapidas notas a noticia confirmadora do crime, quando ainda não se sabiam os pormenores da scena de sangue. Passamos por isso, a narrar, em breves linhas, como occorreu o crime.

O senador Pinheiro Machado chegava, de automovel, ao Hotel dos estrangeiros onde ia visitar o dr. Albuquerque Lins, ex-presidente de S. Paulo. Nesse momento encontravam-se na portaria os deputados Bueno de Andrade e Cardoso de Almeida, que chegara pouco antes.

Conversavam os dois congressistas quando viram o senador Pinheiro que interrogava o porteiro do hotel. Cumprimentaram-se os tres politicos. O sr. Cardoso de Almeida interrogou o general Pinheiro Machado: - Sr. chefe, como passa? O general respondeu brincando com esta expressão: - Adeus bacharel. Voc6e como vae?

O sr. Cardoso de Almeida declarou, então, sabedor de que o seu collega Bueno de Andrade não encontrara o dr. Rubião Junior, que tambem o dr. Albuquerque Lins se acha hospedado no hotel, o general Pinheiro Machado asseverou que ali fôra visital-o.

O senador Pinheiro recebeu então communicação de que o dr. Albuquerque Lins o esperava. O sr. Cardoso de Almeida quiz se retirar para os seus aposentos, mas diante do convite insistente do sr. Pinheiro Machado, resolveu acompanhal-o.

Ladeado pelos dois deputados, encaminhou-se o general do saguão para o interior do hotel. Ao se approximarem o general e os dois companheiros do salão de leitura no hotel, um individuo apunhalou pelas costas o chefe do Partido Conservador. Este virou-se, rapidamente, e exclamou, com indignação: - Canalha!

O assassino saiu a correr para a praça José de Alencar. O dr. Bueno de Andrade, que não comprehendeu, ao primeiro momento a gravidade do facto, não presumindo que o general Pinheiro Machado houvesse sido ferido, interrogou:

- Que quer dizer isto?

- Estou apunhalado, respondeu o senador Pinheiro.

O sr. Cardoso de Almeida saiu em perseguição do aggressor, em companhia de outras pessoas, prendendo-o logo adiante, sem a menor resistencia e confessando elle o crime.

Dentro do hotel o senador Pinheiro Machado caiu sem pronunciar mais palavra alguma, expirando pouco depois, sendo inuteis os soccorros que lhe prestaram. (...)

O Século, 9 de setembro de 1915

 

"Foi um verdadeiro estupôr a sensação que causou, ao cahir da tarde de hontem, a noticia do assassinato do sr. general Pinheiro Machado, vice-presidente do Senado e chefe do Partido Republicano Conservador.

O barbaro, o hediondo crime de hontem relegou para um plano muito remoto todas as cogitações partidarias em torno do valoroso vulto republicano que cahia victima da sanha de um facinora. Crimes como o de hontem envergonham uma sociedade inteira, ao mesmo tempo em que a enxovalham e ameaçam no que ella tem de mais nobre e mais elevado.

Pode-se affirmar sem receio de exaggero que o gesto estupido que roubou a vida do general Pinheiro Machado nào encontrou duas modalidades diversas de julgamento.

A sociedade affrontada por essa erupção de barbaria inqualificavel, foi unanime na indignação que verberou o scelerado que descera á pratica daquella hediondez sem nome. O que revolta particularmente no crime de hontem é o risonho cynismo desse monstro humano, que vinha seguindo semanas a fio, a sua nobre victima, espreitando o momento propicio para traiçoeiramente, cravar-lhe o punhal pelas costas!

Quiz a ironia do destino que o general Pinheiro Machado, homem cavalheiresco e altivo e possuidor de qualidades excepcionaes de coragem, experimentadas em muitos campos de batalha e em varias pendencias de honra, viesse cahir victima de um braço covarde e traiçoeiro, a serviço da loucura de um cerebro inculto. As ultimas palavras do illustre vulto republicano mostram que elle apezar da fulminante rapidez da scena, percebera nitidamente o alcance do que succedia: - Ó canalha!

E nesta expressão, que precedeu de segundos as duas ultimas palavras que pronunciou, resumia-se todo um infinito desprezo pelo abjecto assassino que lhe cravara no coração a fina lamina de um punhal reluzente...

Não ha, em toda a sociedade, como diziamos, duas maneiras para julgar o assassinato do general Pinheiro Machado. Mesmo seus adversarios politicos mais intransigentes ververaram com indignação a criminosa loucura desse facinora que enxovalhou a nossa civilisação, dando largas aos seus instinctos selvagens e repugnantes.

Não é este ainda o momento para falar da verdadeira significação politica do assassinado no complexo da vida nacional. A historia, expurgando-lhe a figura dos erros que commetteu, ha de fazer-lhe justiça, colocando-o na plana dos seus melhores e mais devotados servidores.

Mas o que parece innegavel é que o crime de hontem pode aggravar de muito as difficuldades do paiz. (...)

A Tribuna, 9 de setembro de 1915

 

AS MANCHETES:

O Assassinato Do General Pinheiro Machado - Quem É O Criminoso E Quaes Os Motivos Do Crime - As Forças De Terra E Mar Em Meia Promptidão - As Homenagens Que Serão Prestadas Ao Morto ( A Tribuna )

Pinheiro Machado - O Seu Assassinato - A Repercussão No Paiz - O Crime E O Criminoso - As Providencias Do Governo - Demonstrações De Pezar - A Transladação Do Corpo - Notas E Informações ( O Século )

Um Crime Sensacional -O Assassinato Do General Pinheiro Machado - O Dia De Hontem - A Visita Ao Hotel Dos Estrangeiros - O Crime - Notas Commoventes - A Acção Da Policia - Prisão Do Assassino - Na Delegacia - O Auto De Flagrante - Depoimentos - No Morro Da Graça - No Palacio Guanabara - Providencias Da Policia - No Exercito - Diversas Notas

( Gazeta de Notícias )

O Assassinato Do General Pinheiro Machado ( A Notícia )

O General Pinheiro Machado Foi, Hontem, Á Tarde Assassinado No Saguão Do Hotel Dos Estrangeiros - O Criminoso, Natural Do Rio Grande Do Sul, Foi Preso, Declarando Ter Agido Por Conta Própria - O Que Dizem As Testemunhas De Vista Da Tragica Scena - As Forças De Terra E Mar estão De Promptidão ( Correio da Manhã )

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21) Alcindo Guanabara (1918)

"Faleceu esta madrugada em sua residência, à rua Gustavo Sampaio o Senador Alcindo Guanabara. Esta triste notícia chegou-nos na hora que a nossa folha entrava na máquina. Foi absolutamente inesperada a sua morte. Sua Ex. faleceu de uma embolia cerebral."

Jornal do Commércio, 20 de agosto de 1918

 

"O Sr. senador Alcindo Guanabara há muitos anos tinha abalado o seu estado de saúde. Diversas crises de um mal que não perdoa fizeram que seus amigos temessem sérias consequências. Mas ultimamente parecia que o mal estacionara e o seu aspecto geral já não impressionava ao largo círculo de suas relações. (...) O Sr. Alcindo Guanabara gozava de forte prestígio e a sua palavra foi sempre acatada nos meios parlamentares. Há cinco ou quatro anos, o Sr. Alcindo Guanabara se afastava por completo do jornalismo. (...) A politicagem prendeu e enlaçou esse grande espírito, que uma porção de negócios também embaraçou: mas, se essas preocupações fizeram variar o agrupamento a quem pertencia, nunca alteraram o seu grande programa social e político. (...) Foi esse grande mestre da nossa arte de escrever em jornal, grande mestre que sempre honrou a profissão pela elevação dos conceitos, erudição poliforme e brilhde estilo, que anteontem faleceu. Foi dos maiores espíritos da sua geração e influiu como poucos na formação intelectual dos estadistas republicanos. (...)"

Jornal do Commércio, 21 de agosto de 1918

 

"A Prefeitura vai prestar a Alcindo Guanabara homenagem. O Dr. Amaro Cavalcanti assim que soube da morte do senador pelo Distrito Federal mandou o seu oficial de gabinete Dr. Mário Cavalcanti à casa do morto apresentar pêsames à família e comunicar que o governo municipal se encarregará do enterro e das exequias do ilustre morto. O governador da cidade será representado no enterro pelo seu oficial de gabinete. A prefeitura mandou hastear o pavilhão municipal em funeral em todas as repartições municipais. repercutiu dolorosamente na Câmara Alta da República a notícia do falecimento inesperado de Alcindo Guanabara, uma das figuras mais representativas daquela casa, onde o morto representava o Distrito Federal (...)

O desaparecimento de Alcindo Guanabara, colhido subitamente pela morte, vem ferir e enlutar as letras e a imprensa nacionais de modo profundo (...) O falecimento do senador Alcindo Guanabara revestiu-se de todos os imprevistos. De domingo até ontem trabalhara excessivamente no parecer sobre o reconhecimento dos senadores espírito-santenses. Hontem, como de costume, saiu de sua residência indo até ao escritório, almoçando em seguida num restaurante da Rua Sete de Setembro. Depois dirigiu-se ao Senado, onde procedeu à feitura do parecer que tinha escrito. Às 7 horas da noite, sentindo-se muito fatigado e passando mal, dirigiu-se à casa de seu médico, o Dr. Castro Barreto, que reside nas proximidades da rua Gustavo Sampaio. Ao entrar, pediu ao clínico que o medicasse. Aconselhado a repousar, antes que tudo, o senador Alcindo ia retirar-se quando foi acometido de uma syncope. Socorrido, ficou na residência do Dr. Castro Barreto, onde veio a falecer às 2,5 da manhã, vítima de um terceiro ataque de embolia cerebral. (...)"

A Notícia, 20 de agosto de 1918

 

"Faleceu, ontem, inesperadamente, nesta cidade, o senador Alcindo Guanabara. Ainda ante-ontem o senador carioca dera o parecer que elaborara sobre as eleições do Espírito Santo, aos membros da comissão de Poderes, que o aprovaram. Deixando o Senado, às 15 ½ horas daquele dia, o senador Alcindo Guanabara veio para a cidade, onde permaneceu até cerca de 21 ½. A esse tempo, tomou um automóvel e dirigiu-se à sua residência no Leme. Quando o veículo transpunha a rua Gustavo Sampaio, naquela localidade, o senador carioca sentindo-se mal, deu ordens ao "chauffeur" para levá-lo à casa do Dr. Castro Barreto, seu médico assistente. Em ali chegando, o senador Guanabara piorou muito. O referido facultativo acomodou-o em um de seus aposentos, onde, horas depois, às 3 da madrugada, teve um colapso cardíaco, falecendo, já então cercado de pessoas da sua família.

(...)

Vindo para o Rio, o senador Alcindo Guanabara escreveu, entre outros, na Gazeta da Tarde, de José do Patrocínio, no Novidades, Correio do Povo, Jornal do Commércio e, ultimamente, na Imprensa, que era de sua propriedade. Muitas vezes se arredou do seu posto para exercer mandatos políticos. Fez parte da Constituinte e, depois, na República, foi eleito em várias legislaturas Deputado Federal. (...)"

O Imparcial, 21 de agosto de 1918

 

"Por circunstâncias decorrentes talvez menos de sua própria vontade que da nossa anarquia político-social, que se caracteriza justamente pela completa inversão de todos os valores, o maior jornalista brasileiro acaba de falecer, afastado do jornalismo militante, cujas fileiras são invadidas por "arrivistas" falhados em outras profissões. (...)

De fato, enquanto vivesse o incomparável mestre, cuja única paixão era o jornal, havia a esperança consoladora de que, não obstante o abatimento de suas energias físicas, ele voltasse, de um momento para o outro, à atividade jornalística, elevando, de novo, o nível intelectual da nossa classe à altura fulgurante em que ela pairou, durante o largo período em que sua pena pontificava em pleno vigor. Tombado, porém, o gigante, nós outros olhamos em torno dos que enxameam na cidadela invadida, não vendo quem possa sopesar a sua clava formidável. (...)

Mas é, sobretudo como jornalista, que o nome de Alcindo Guanabara se perpetuará na nossa história. A sua pena maravilhosa representava, por si mesma, o próprio jornal, porque produzia tudo de quanto ele precisasse, desde o artigo de fundo até ao noticiário de polícia. (...)"

A Razão, 21 de agosto de 1918

 

"Na vertigem alucinante destes dias que passam, quando todos nós somos empolgados pelo espetáculo prodigioso da transformação que se opera no mundo, a tendência geral se acentua sempre no sentido de ninguém se deter, com emoção duradoura, diante de acontecimentos que não se entrelaçam com os fatos atuais e que mais nos falam do passado do que do presente. Mas, apesar disso, não há como sopitar a onda de uma emoção sentida e transbordante, que sobe dentro de nós, com a força irreprimível dos sentimentos inelutáveis e profundos, ao sermos surpreendidos pela notícia da morte de Alcindo Guanabara. (...)

Recordar os episódios culminantes dessa vida é assinalar toda a nossa evolução nacional nestes últimos 30 anos. Porque raro serão os grandes acontecimentos de ordem social e política, ocorridos de 1888 para cá, a que não esteja ligado o nome refulgente de Alcindo. (...)

Como político e como parlamentar, Alcindo Guanabara foi um combativo e foi um construtor. (...)

Alcindo Guanabara, que no domínio da atividade jornalística, foi um grande doutrinador e um irredutível liberal e republicano, como parlamentar não só confirmou essas qualidades como ainda se revelou sociólogo e economista de altíssimo valor. (...)"

A Tribuna, 20 de agosto de 1918

 

MANCHETES:

Alcindo Guanabara - O Brasil Sofre Uma Perda Irreparável - Morre O Maior Dos Seus Jornalistas Contemporâneos (A Tribuna)

Uma Perda Insubstituível No Nosso Patrimônio Moral - O Falecimento Do Maior Dos Jornalistas Brasileiros (A Razão)

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22) Gripe Espanhola (1918)

"O que se está passando na Saude do Porto da nossa capital é simplesmente assombroso. Os navios entram infeccionados, os passageiros e tripulantes atacados saltam livremente contribuindo para contaminar cada vez mais a cidade, não soffrendo os navios o mais rudimentar expurgo!

A Saude do Porto não tem conducção, não tem o pessoal necessario para as emergencias do momento e o material preciso para as desinfecções.

A inepcia, o pouco caso criminoso do director de Saude Publica pelo cumprimento das attribuições que em má hora o governo lhe confiou, tocou hoje, as raias do incrivel.

Telegrammas chegados ha dias de Estados do Norte, annunciaram detalhadamente dezenas de casos de "influenza hespanhola" occoridos a bordo da "Itassucê". Era o caso do Sr. Carlos Seidl tomar providencias energicas, para isolar os enfermos e expurgar o navio, mal chegasse elle á Guanabara, si s.ex levasse a sério seus deveres. Nada disso, entretanto, aconteceu. O "Itassucê" chegou, foi desimpedido e os doentes desceram calmamente á terra, sem que o director da Saude Publica mandasse tomar a minima providencia!

O dr. Pereira Neves, medico, hoje de serviço na Saude do Porto, viu-se em sérias difficuldades para visitar o "Itassucê", por falta de conducção, isto porque o ineffavel sr. Carlos Seidl emprestou a lancha de serviço a um amigo que queria ir a bordo desse navio buscar pessoas de sua amizade.

O director da Saude Publica, está evidentemente, abusando da paciencia da população. O governo está na obrigação de fazer sentir ao incompetente administrador, que mais de um milhão de vidas não pódem continuar assim á mercê do seu formidavel desleixo, da sua extraordinaria inercia e da sua incommensuravel inaptidão administrativa. (...)

Rio Jornal, 11 de outubro de 1918

 

"O descaso do governo pela saude pública está tomando um ar pilherico. Até agora não se poz em pratica uma só providencia, digna desse nome, para debellar o epidemico mal ou, pelo menos, circumscrevel-o a proporções reduzidas dentro das quaes a sua prophilaxia se tornasse possivel e facil sem desperdicios de tempo. Deu-se isto hontem com os passageiros do transporte inglez "Highland Lock".

A molestia transmitte-se, propaga-se assim precipitadamente. As repartições publicas, as escolas, os escriptorios de empresas de toda a especie, as officinas dos jornaes, os estaleiros, as estradas de ferro estão ficando enormemente desfalcados de pessoal.

Em todas as ruas, e a todas as horas, vemos cahir subitamente, tombar sobre a calçada victimas do mal estranho. A Assistencia tem multiplicado o seu serviço, os hospitais estão repletos. (...)"

Rio Jornal, 14 de outubro de 1918

 

"A epidemia que de ha quatro dias vem assolando a cidade longe de enfraquecer tem recrudescido nestas ultimas vinte e quatro horas, a mais grave, é que o seu caracter, que se apresentava benigno nos primeiros dias, tem peiorado, registrando-se continuamente casos fataes. Entre as dezenas de milhares de pessoas atacadas, já não são tão raras quanto seria para desejar os casos de "grippe pneumonica".

A intervenção dos poderes officiaes torna-se urgente e necessario. O governo não póde continuar inactivo perante o affecto serississimo que vem assumindo o mal. Concertem-se e tomem-se providencias que urgem. As fabricas começam a fechar, as officinas ficaram com as suas portas cerradas, grande numero de casas de commercio não funccionam. O governo não póde criminosamente ficar de braços cruzados, assistindo platonicamente ao desenrolar dos acontecimentos.

O que se esperava desde as primeiras horas de hontem deu-se hoje: as pharmacias começaram a fechar. Desde as primeiras horas em que se declarou a epidemia que a romaria ás pharmacias não parou nem um instante.

Houve então uma grande desorientação e uma ignobil exploração por parte de algumas pharmacias. Os preços variavam de pharmacia para pharmacia e de bairro para bairro. O tubo de bromo-quinino passou a custar de 1.500 a 8.000 e 9.000 réis. Uma limonada purgativa 4, 6 e 8.000 réis. Uma capsula com 25 ctgrs. de Sulphato de Quinino custava 400 réis, no maximo, custa 2 e até 3.000 réis!

É o furto, parecendo que nem se quer estamos numa cidade policiada! Mas a necessidade era grande e os doentes nos milhares, o que fez com que apezar do descabido escandaloso dos preços, os medicamentos se esgotassem.

Várias pharmacias, especialmente nos suburbios, allegam tambem a doença do seus pessoal.

Que será da população sem ter sequer medicamentos?

Ha mais ainda no capitulo pharmacia. Em algumas dessas casas a exploração na venda dos "preventivos e preservativos" attingiu as raias do inacreditavel. Tudo era preventivo. Até a vulgar naphtalina! e como tal tudo era cobrado em dobro e em triplo. (...)

A Avenida Central que costuma estar sempre tão animada á noite, hontem cerca das dez horas apresentava um aspecto desolador. Cerca de onze e meia raros eram os transeuntes e unicamente dois taxis estacionavam a todo o longo da Avenida deserta.

Os bonds chegavam e sahiam da estação do Jardim Botanico com dois e três passageiros, no maximo. (...)

Nas proprias casas de familia, onde ha a felicidade de não haver nenhum membro doente, e são bem raros esses lares, nessas mesmas as normas de vida estão inteiramente alteradas. Nesta é o padeiro que não vem entregar o pão; na outra foi o leiteiro que não deixou ficar o leite. Mais logo, toca-se para o armazem e não é possivel ser attendido. Se quizer alguma cousa é necessario mandar buscar ao armazem, pois não ha mais quem leve as encommendas ao seu destino. Noutra casa ainda é a lavadeira, o tintureiro, a costureira que não apparece. Emfim, um nunca acabar de pequenas difficuldades que fazem desesperar as donas de casa."

A Rua, 15 de outubro de 1918

 

"Conselhos aos que se acham no inicio da infecção:

Tomar um purgativo salino qualquer ou a formula seguinte: N.1 - Uso interno; Agua distilada... 120,0 Sulphato de Sodio... 30,0 Assucar q.s. para adoçar. Para tomar de uma só vez. Em seguida fazer uso de capsulas com quinino, aspirina, salicylato de sodio, ou a formula seguinte, da Directoria Geral de Saude Publica: N.2 - Uso interno: Agua distilada... 150,0 Salicylato de Sodio... 4,0 Bicarbonato de Sodio... 2,0 Assucar q.s. para adoçar. Para tomar uma colher de sopa de duas em duas horas. Para a tosse e facilitar a espectoração, usar a seguinte formula: N.3 - Uso interno: Agua distilada... 150,0 Benzoato de Sodio... 4,0 Acetato de Ammonea... 6,0 Assucar q.s. para adoçar. Para tomar uma colher de sopa de tres em tres horas. Dieta: O uso do frango ou da gallinha não é indispensavel. A dieta poderá ser mantida por meio de leite, caldo de sopa de cereaes, de legumes, de lentilhas, de arroz, aveia, centeio, etc., etc. A Directoria Geral de Saude necessita ainda de medicos, doutorandos, pharmaceuticos e praticos de pharmacia.

Conselhos para evitar o ataque da grippe ou influenza:

Evita o uso e, com maior razão, o abuso de bebidas alcoolicas. Lavar a boca e gargarejar com uma solução de sal de cozinha, na seguinte proporção: uma colher de sopa para um litro de agua fervida. Fazer diariamente uso de uma solução de essencia de canela, conforme as seguintes dóses: uma colherinha das de café em meio copo de agua assucarada, de duas em duas horas, até desapparecer a febre. Depois tomar ua colherinha em meio copo de agua tres vezes ao dia. Evitar agglomerações, principalmente á noite. Não fazer visitas. Tomar cuidados hygienicos com o nariz e a garganta: inhalações de vaselina mentholada com agua iodada, com acido citrico, tannino e infusões contendo tannino, como folhas de goiabeira e outras. Tomar, como preventivo, internamente, qualquer sal de quinino nas dóses de 25 a 50 centigrammas por dia, e de preferencia no momento das refeições. Evitar toda a fadiga ou excessos physicos. O doente, aos primeiros symptomas, deve ir para a cama, pois o repouso auxilia a cura e afasta as complicações e contagio. Não deve receber, absolutamente, nenhuma visita. Evitar as causas de resfriamento e de necessidade tanto para os sãos, como para os doentes e os convalescentes. As pessoas idosas devem applicar-se com mais rigor ainda todos esses cuidados. (...)"

O Paiz, 23 de outubro de 1918

 

"Emquanto o governo faz annunciar que a epidemia declina, o povo soffre as aperturas deste afflictissimo momento - tudo fechado! Não ha pão, não ha remedio, não existem os generos de primeira necessidade. Os donos dos armazens, apavorados com a tranquibernia do Comissariado entendem que o melhor é ter os seus estabelecimentos fechados.

E quaes foram até agora as providencias do governo em face da situação? Mandou, por exemplo, fabricar pão? Providenciou sobre a remessa dos generos para esta Capital? Resolveu o problema do barateamento da vida? Organizou o serviço de transporte? Tomou medidas preventivas sobre a entrada de navios empestados, em nosso porto? Cuidou da reorganização dessa custosa e inutil repartição de Saude Publica, onde se gasta milhares de contos? Agiu com energia no sentido de forçar a Santa Casa a ser uma instituição que lhe dá o nome?

Nada. O governo, ferozmente atacado da mania dos cartazes, continua dando conselhos ao povo sem ouvir o que lhe pede esse mesmo sacrificado povo, já faminto, sem dinheiro, supplicando trabalho e pão.

Abusando da inercia do governo e do desmantelo do Commisariado, o commercio não cumpre a sua tabella e recusa-se a receber os generos do interior porque elles são vendidos pelos productores por preços muito mais elevados que os da tabella governamental.

Tivemos hontem o ultimo dia feriado. Vamos vêr o que faz hoje o governo. (...)"

A Razão, 23 de outubro de 1918

 

" (...) O mal da fome mais e mais se accentua na metropole brazileira, parecendo incrivel como não tivesse ainda despertado o governo, levando-o a tomar providencias energicas, no sentido de ser evitada uma situação que o povo não poderá admittir.

Avolumam-se os protestos nas tabernas contra a falta de diversos generos alimenticios, desculpando-se os taverneiros, deante do clamor popular, com a justificativa de que esses mesmos generos já não são encontrados nos grandes armazens atacadistas.

Estes, por seu turno, argumentam com a situação dos mercados do interior, procurando demonstrar que os grandes productores não se sujeitam ao arbitrio dos novos preços, animando-se com a idéa de que poderão fazer bons negocios com numeroso grupo de agentes commerciaes estrangeiros, que pretendem conseguir do governo brazileiro permissão para exportação dos generos alimenticios para a Europa, o que, de resto, já têm conseguido, pela intervenção delicada de autoridades diplomaticas. A situação dos nossos mercados complica-se imprevistamente. (...)"

A Razão, 1 de novembro de 1918

 

"(...) Ha tres semanas que a mortandade no Rio de Janeiro vem orçando por aquella terrivel cifra, cuja somma dá um total aproximado de 12.000 obitos, o sufficiente para tornar bem negro o peso de consciência dos culpados de tamanha desgraça publica.

Pelas estatisticas officialmente auctorizadas hontem o numero de mortos é superior a 10.000. Não é temerario adduzir um pouco esse algarismo para ter o obituario real e effectivo, supprimindo o que se occulta e nega. Temos pois perto de 12.000 casos fataes sobre os 600.000 accommettidos da peste reinante ou "simples grippe" como dogmatisa a pretensão da medicina official. (...)

A A Razão visitou hontem todos os cemiterios do Rio de Janeiro, para obter uma estatistica exacta e completa de todo o obituario desde o dia 12 a 31 de outubro, primeira phase da grande calamidade que nos assola. damos abaixo o quadro geral do obituario e a seguir o resultado da nossa reportagem:

Caju ... 6.312, S. João Baptista ... 1.587, Penitencia ... 49, Carmo ... 75, Catumby ... 30, Inglezes ... 7, Paquetá ...6 , Ilha do Governador ... 54, Campo Grande ... 132, Inhauma ... 1.793, Irajá ... 579, Santa Cruz ... 143, Realengo ... 382, Jacarépaguá ... 224 - Total: ... 11. 373 (...)"

A Razão, 2 de novembro de 1918

 

"A noite foi chuvosa, fria e triste. E o dia que amanhecera com boas disposições, mostrando de vez em quando uma nesga azul do céo, enfarruscou-se á tarde e ameaçou uma nova noite chuvosa, fria e triste. Decididamente o máo tempo alliou-se á peste, para affligir e flagellar o Rio de Janeiro.

As noticias officiaes continuam optimistas. A epidemia declina... Mas, quando e como acabará esse declinio? Que novas victimas a voracidade do flagello ainda fará? Até quando durará essa situação de incerteza e angustias?

Dia de finados! Nunca o dia dos mortos foi tão propriamente um dia de mortos como o de hoje! Com que tacto o Destino aggregou a data do luto official a essa série de dias angustiosos, de luto intenso e geral, que vem vivendo a população carioca. As bandeiras dos edificios estão a meio-páo... Não parece que o Destino quiz forçar o governo a participar do luto do povo? (...)"

A Noite, 2 de novembro de 1918

 

"O dia, que amanhecera cheio de um sol claro e tonificante, encheuse, dentro em pouco, de incertezas, chegando a chover sobre a cidade. Ora nebulosas e sombrias, ora claras e alegres, numa inconstancia permanente, as horas passaram, todavia, sem que o movimento da nossa capital diminuisse, ou pairasse nos rostos qualquer sombra de maiores e novos receios. Si é certo que a epidemia ainda continúa, embora em declinio, pois é de notar que em sete delegacias de saude, nas ultimas vinte e quatro horas, apenas foi registrado um unico caso novo - não é menos certo, porém, que a cidade já entrou definitivamente na sua vida normal, ha tanto desejada."

A Noite, 4 de novembro de 1918

 

"Parece que estamos em pleno verão. Finalmente! Ora até que afinal o verão foi sincera e unanimemente desejado. E talvez por isso tenha custado tanto a chegar. E terá chegado mesmo? Não teremos novas surprezas? Deus permitta que não... Mas, com verão ou sem verão, a epidemia vae passando ao rol dos factos consumados. Ella hoje já é apenas um assumpto de conversas... O medo e as angustias já passaram, a não ser para quem ainda tem um ente querido de cama. O aspecto da cidade já é quasi completamente normal."

A Noite, 7 de novembro de 1918

 

AS MANCHETES:

A Influenza Hespanhola - Registra-se O Primeiro Caso Fatal Da Nossa Capital

O Sr. Carlos Seidl Está Abusando Criminosamente Da Paciencia Da População

A Saude Do Porto É Um Formidavel "Blague". ( Rio Jornal )

A Cidade Invadida Pela Epidemia Da Gripe Por Culpa Da Incompetencia Do Director Da Saude Publica - Uma Reportagem Completa Do Rio Jornal

( Rio Jornal )

O Rio Assolado Pela Epidemia - Urge A Intervenção Dos Poderes Publicos Para Combater O Mal - As Pharmacias Começam A Fechar - Faltam Os Medicamentos - As Explorações - A Cidade Com O Seu Aspecto Inteiramente Alterado - As Casas De Commercio E De Diversões Inteiramente Ás Moscas

( A Rua )

O Governo Diz Que A Peste Declina, Mas O Povo Vae Morrendo Por Falta De Recursos ( A Razão )

O Rio Convalesce Ameaçado Pela Devastação Da Fome - O Aspecto Desolador Do Nosso Mercado - Symptomas Alarmantes Da Fome - E O Commissariado Dorme... ( A Razão )

A Epidemia Entrou Na Sua Fase De Declinio - 11.373 Pessoas Morrem Em Toda A Capital Federal, De 12 A 31 De Outubro ( A Razão )

Nunca O Dia Dos Mortos Foi Tão Propriamente Um Dia De Mortos Como O De Hoje! ( A Noite )

Um Unico Caso Novo ( A Noite )

A Epidemia Vae Passando Ao Rol Dos Factos Consumados ( A Noite )

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23) Final da Primeira Guerra Mundial (1918)

"É difícil descrever, em exatas palavras, o que foram as últimas horas da tarde de hoje na Avenida. O entusiasmo do povo aglomerado na nossa principal artéria não tinha limites. De momentos a momentos, à aparição de um símbolo das nações aliadas, vivas eram ouvidos, acompanhados de salva de palmas, de aclamações ruidosas. Também os oficiais e soldados estrangeiros, atualmente no Rio, eram constantemente alvo do entusiasmo popular. As bandas de música do exército, da Marinha e da Polícia, que percorriam a Avenida, eram solicitadas de instante a instante, a execução dos hinos aliados, a cuja terminação o povo prorompia em aclamações delirantes. pouco depois das 5 horas da tarde, marchando garborosamente, passou pela Avenida o Batalhão Naval, que foi recebido por entre vivas da multidão, não sendo esquecido o nome do Almirante Alexandrino de Alencar(...) E como esse, muitos episódios confortadores ocorreram, à tarde na Avenida, numa demonstração eloqüente do sincero entusiasmo que a todos domina nesta hora histórica. (...)"

A Noite, 12 de novembro de 1914

 

"Ainda ontem a cidade apresentava o mesmo aspecto festivo da véspera, tinha a mesma vibração de entusiasmo pela vitória sem par dos exércitos aliados, cheia de uma multidão ruidosa, expansiva e delirante de júbilo, dando vivas às nações vencedoras e entoando canções patrióticas. O comércio, fechado em grande parte, desde pela manhã, não concorreu para diminuir, como acontece aos domingos e feriados, o movimento das ruas. Pelo contrário, veio aumentá-la, facultando liberdade aos seus auxiliares para tomarem parte nas manifestações populares em regosijo da paz, que desponta, afinal, depois de quatro anos da mais sangrenta e terrível carnificina. (...)

Na Avenida Rio Branco e em todas as ruas principais era extraordinário o movimento. De instante a instante passavam automóveis embandeirados, conduzindo famílias e grupos de populares, uns após outros, surgiam de toda parte, cantando alegremente. (...)

Às 4 horas da tarde, quando a nossa avenida estava no auge do entusiasmo patriótico, apareceram, vindos do lado da Praça Mauá, uns nove artilheiros navais franceses, empunhando bandeiras aliadas e entoando a Marselheza. Uns rapazes brasileiros, que na ocasião passavam, correram a abraçá-los, beijando-os no rosto e cobrindo-os de confeti. A multidão acompanhou os nossos patrícios nessa manifestação de estima aos bravos marinheiros da gloriosa França. (...)"

A Razão, 13 de novembro de 1918

 

"Entusiasmados com os festejos comemorativos do fim da guerra, vários populares, formando resumido grupo, chefiado pelo Sr. Pádua Machado, alugaram um automóvel, no Catete, e mandaram tocar para a cidade, a participar do corso. Ia o auto em vertiginosa corrida e, alegres, os rapazes erguiam vivas aos aliados, erguendo bandeiras vitoriosas nesse prolongado conflito. Ao chegar o auto à célebre "curva da morte", devido à grande velocidade, emborcou, atirando à rua os passageiros, que ficaram ligeiramente feridos e foram pensados pela Assistência. O "chauffeur", que não sofreu nenhum ferimento, fugiu, embora não lhe coubesse culpa alguma no desastre, que foi todo casual, segundo mesmo declararam os feridos, às autoridades do 6o distrito, presentes ao local do desastre."

O Paiz, 13 de novembro de 1918

 

"Ainda ontem a população caioca exultou pela celebração do armistício, entregando-se a ruidosas expansões. Continuou a cidade empavezada e as ruas mantiveram excepcional movimento de peões e automóveis. À tarde, o aspecto da Avenida, principalmente, era dos mais brilhantes, guardando ainda o ar de festa que desde sábado a alegra extraordinariamente."

O Paiz, 14 de novembro de 1918

 

"A cidade despertou ontem sob o mais vivo entusiasmo. Os boatos de fuzilamento do ex-Kronprinz e a ratificação da fuga de Guilherme II vieram sacudir a alma do povo, que se movimentou, durante todo o dia, pelas principais ruas da cidade, improvizando cordões e cortejos, a fim de, em verdadeiro delírio, saudar as nações aliadas. À 1 hora da tarde, a Avenida Rio Branco já estava completamente cheia. Às 6 horas, ninguém podia passar por ali. Dir-se-ia estar se assistindo a uma das nossas maiores festas populares. Com efeito, ao passo que os cordões de estudantes, empregados no comércio e outras classes, desfilando pelos "trotoirs" vivavam as nações vitoriosas, uma multidão de automóveis garridamente enfileirados, percorria a Avenida, conduzindo famílias que trajavam as cores dos países aliados, e, então, de todos os lados sairam vivas ao Brasil, à frança, à Inglaterra, aos Estados Unidos, à Bélgica e aos demais povos que acabam de subjugar o orgulho alemão. (...)"

O Imparcial, 13 de novembro de 1918

 

"A cidade continuou hoje com o aspecto deslumbrante de pleno delírio de que foi tomada hontem, às primeiras horas da noite, após a iniciativa brilhante das colônias estrangeiras entre nós domiciliadas de festivamente comemorarem o mais memorável dos memoráveis acontecimentos de nosso tempo: a derrocada do militarismo prussiano. A nossa população fria, como quase sempre, compreendeu por fim que deveria se associar a tão justas e naturais manifestações de regosijo. Um intenso frêmito de entusiasmo sacudiu-lhe os nervos entorpecidos e despertou a consciência do momento. Hoje, como ontem à noite, o delírio era pleno. Em toda parte, em todos os semblantes, muito embora a triste quadra que acabamos de atravessar, a alegria era geral pela volta do império bemdito da Paz."

Rio Jornal, 12 de novembro de 1918

 

AS MANCHETES:

A Vitória Da Civilisação - O Povo Continua A Vibrar De Entusiasmo Percorrendo As Ruas Da Cidade (O Imparcial)

Em Plena Folia (O Paiz)

As Festas Da Paz Empolgam E Levantam O Povo Brasileiro (A Razão)

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24) Revolta dos Anarquistas (1918)

"Começou ontem o movimento dos operários a favor da greve geral. A polícia interveio, com o objetivo de impedir que algumas fábricas tivessem seu movimento paralisado. Logo depois, eram espalhados boatos alarmantes de que "os operários anarquistas planejavam uma revolução, estando, para isso, fortemente municiados". Em realidade, pelo que pudemos verificar, os operários não têm pretensões políticas; disputam tão somente a garantia de um direito, que é assegurado aos operários de todas as partes do mundo e que aqui, até agora, lhes tem sido negado. (...)

O que querem os operários é suavisar suas condições de vida; é a regulamentação das horas de trabalho; é uma lei sobre os acidentes; é a proteção às crianças e mulheres; é, enfim, fiscalizar como compete a todos os cidadãos a ação do poder público, submetendo ao seu exame as soluções desses problemas, entre nós, tão retardado. Este movimento dos operários era conhecido e esperado. Infelizmente, porém, não se revestiu de uma caráter inteiramente pacífico. Houve sérias consequências a lamentar, talvez, devido à ação das autoridades policiais, que se precipitaram em sua ação, efetuando prisões a torto e a direito, utilisando da maior violência, trancafiando no xadrez todo aquele que julga responsável pela situação, sem atender à sua condição social. Foi o que se deu ontem com o professor Oiticica, que antes de ser transferido para a Brigada Policial, esteve encarcerado nas enxovias do palácio da rua da Relação. (...)

De sorte que o movimento operário anunciado por todos os jornais, em favor da greve geral, assim de um momento para outro, assumiu o mais grave aspecto. (...)"

O Imparcial, 19 de novembro de 1918

 

"Os acontecimentos que se passaram ontem nesta cidade devem ter trazido a todas as classes conservadoras da população a convicção de que não é mais possível transigir com os agitadores, que procuram arrastar o proletariado brasileiro a uma perigosa aventura, para repetir no nosso país as cenas de anarquia que desorganizaram a Russia e eliminaram, politicamente, do convivio das nações o antigo império moscovita. Quando o movimento revolucionário vem para as ruas lançar bombas e tentar assaltar os depósitos de material bélico, não é mais tempo de discutir reivindicações e de argumentar sobre teorias sociológicas. A hora é de ação, de açào energica, de ação inflexível, sem hesitações e sem temores, para defender a ordem pública, para proteger a propriedade particular, para assegurar a inviolabilidade dos lares, ameaçados pelo saque e pela violência da mashorca. (...)"

"Era já há dias assunto cogitado pela polícia o esperado movimento operário, que, segundo os boatos que corriam, teria as mais graves consequências. Sabedora desse movimento hostil, a que não faltaria o elemento anarquista, a polícia começou a desenvolver a sua atividade, no sentido de reprimir o movimento logo à primeira manifestação de alteração da ordem pública. Todo esse cuidado, entretanto, não só da polícia como das corporações armadas, apesár da rigorosa prontidão em que há dias se achavam os quarteis, não evitou a violência do movimento operário que ontem, à tarde, se fez sentir com tiroteios de revólveres e bombas de dinamite. Atacados no primeiro momento, parece terem fracassado as intenções malevolas dos grevistas, mas, durante as duas horas, mais ou menos, em que reinou a desordem, houve tempo bastante para trazer um grande pânico à população, principalmente dos bairros onde a violência do movimento mais se fez sentir. (...)"

O Paiz, 19 de novembro de 1918

 

"Declararam-se ontem em greve, precisamente, às 3 horas da tarde, os operários das fábricas de tecidos Carioca e Corcovado, situadas no bairro da Gávea. O número de operários que ali trabalham é aproximadamente de 4000. Os grevistas se mantiveram em atitude pacífica. A polícia imediatamente mandou fortes contingentes de força para guardar as fábricas e as suas imediações transformando o belo e pacato bairro proletário numa verdadeira praça de guerra. (...)

Como é sabido, desde julho do ano próximo passado, os operários tecelões conseguiram, à custa de grandes sacrifícios, a semana de 56 horas, que representavam 6 dias de serviço. Os industriais sempre procuraram, por todos os meios, apesár dos acordos que faziam hipocritamente com a União, arrancar essa concessão por eles próprios oferecidos aos seus operários. No último acordo realizado em fins de agosto último, sorrateiramente os industriais quizeram abolir esse horário, querendo estabelecer o pagamento por horas e não pelos 6 dias da semana, conforme estava fixado. A comissão da União que fez parte do acordo por delegação dos operários não aceitou tal sugestão. Os industriais continuam a persistir no seu intento, apesár de já estar aprovado o acordo aludido. (...)

É, pois, justificável essa greve, que não representa senão um movimento de instinto de conservação, porquanto, com o novo horário imposto pelos industriais, os operários trabalhavam mais ou menos 28 horas por semana, equivalentes a 3 dias completos, fazendo menos da metade dos salários que antes percebiam.

Com a situação deplorável a que foram reduzidos pela epidemia e pelo espectro da fome que paira sobre os seus lares, só a greve geral como único recurso, poderia ser o protesto desses trinta mil trabalhadores espoliados."

A Razão, 19 de novembro de 1918

 

"Não há mais dúvida que a greve, o movimento preparado pelos agitadores, está por pouco, esperando-se a todo o momento o estourar do petardo. A polícia cometendo agora verdadeiras violências, vem, mesmo assim, tomando várias providências. Desde muitos dias, como se sabe, está a polícia de rigorosa prontidão, pernoitando constantemente, no seu gabinete o respectivo chefe. Hoje, à tarde, por determinação desta mesma autoridade, foram presos vários individuos apontados como agitadores. E esses, cujo número atinge a cerca de 10, estão recolhidos, incomunicáveis, ao Corpo de Segurança. (...)

Às 3 horas da tarde todas as fábricas paralisaram os serviços, tendo os operários abandonado o trabalho."

A Rua, 18 de novembro de 1918

 

"Continua reforçada a guarda do palacio do Catete por uma companhia de guerra do 56o de caçadores, sob o comando do capitão Gregório da Fonseca. (...)

É uma medida cujos resultados têm sido os melhores possíveis, esta tomada hoje pelas nossas autoridades. É o caso que, dos trens procedentes de Bangu e adjacências, em Deodoro, são os passageiros convenientemente revistados por soldados do exército que ali estão sob odem imediata de um oficial. Até à 1 hora da tarde, muitas eram as armas e outros apetrechos suspeitos apreendidos naquela estação. (...)

De regresso paraa estação da Carioca, da estação de Neves, já madrugada, vinha o bonde no 21, conduzido pelo motorneiro Antonio da Silva, quando um forte estampido da explosão de uma bomba se fez ouvir sob as rodas. O veículo passava justamente em frente ao poste no 148 e com o choque veio até a frente do 146, já com o assoalho e o teto furados, desconjuntado, sendo necessário o emprego de grande perícia da parte do motorneiro, para que o carro não tombasse.

Outra bomba, porém, estava colocada nas proximidades deste último poste, que fica quase à esquina da rua Silva Manuel e as rodas do lado contrário do veículo tocaram-na também, explodindo o pétardo, com grande fragor. Mãos terroristas haviam-na colocado alí para que explodissem à passagem dos elétricos. parado, enfim, o veículo, verificaram os que nele estavam que a linha estava minada de aparelhos explosivos. Do lado contrário as rodas quase tocavam um novo pétardo e mais adiante, na linha contrária, em frente à casa no 54, viam-se colocadas mais duas bombas. (...)

A polícia, num cálculo ao que parece errado, forneceu à imprensa a nota de que se acham paralisados apenas 15 fábricas, estando em greve cerca de 15.190 operários."

A Rua, 19 de novembro de 1918

 

"Pelo movimento observado de hoje pela manhã, em toda a capital está já extinta a agitação que ontem irrompeu em vários pontos da cidade. Ninguém mais ignora pelas notícias dos jornais da manhã de hoje, as ocorrências havidas. Assim só temos que registrar a mais, o aparecimento de bombas de dinamite em vários pontos e ameaças constantes de grevistas a fábricas cujos operários estão em número reduzido trabalhando. No mais, boatos, com o intuito de perturbar a ordem e manter acesa a agitação, que neste momento não serve aos interesses operários e perturba a normalidade governamente, preparada, porém, para manter a tranqüilidade pública. A opinião pública, acompanha sobressaltada a imprevista e injustificável agitação e espera que tanto o patriotismo do proletariado, como as providências do governo concorram para que a vida nacional volte o mais breve possível à normalidade."

Rio Jornal, 19 de novembro de 1918

 

"Terminou a bernarda à dinamite que deu ao povo uma impressão pouco favorável do modo por que os anarquistas querem realizar a "nova sociedade". O governo, que agora reprimiu a desordem, deve saber quais são as justas reivindicações operárias, para apoiá-las. (...)

A cidade voltou ao seu aspecto normal, estando completamente dominado o movimento que quizeram fazer em o operariado. Por precaução, a polícia mantém ainda o policiamento reforçado, não permitindo reuniões na praça pública, nem nas associações operárias. Algumas fábricas já começaram a funcionar, continuando em outras a greve pacífica. (...)

Um perverso, de idéias anárquicas, pela manhã de hoje arremeçou uma bomba de dinamite contra um edifício da Rua Cândido Benicio, em Jacarepaguá, onde funciona um orfanato. O estrondo foi enorme, alarmando todo o bairro, não fazendo, felizmente, nenhuma vítima. Preso o perverso individuo, foi levado à delegacia do 24o distrito, onde deu o nome de Rodolfo Pereira Leal. É ele um vagabundo conhecido na zona."

Rio Jornal, 20 de novembro de 1918

 

"A polícia do 23o distrito apreendeu hoje, no morro da Carolina, na Vila Militar, duas bombas pequenas de dinamite, que se achavam colocadas sob um montão de capim sapê. Essas duas bombas foram levadas para a delegacia, de onde o sr. delegado fê-las remeter para a Central de Polícia. O policiamento de todo o subúrbio continua com o mesmo número de praças, conforme tem sido feito, apesár do movimento grevista encontrar-se mais ou menos tranqüilizado."

Rio Jornal, 21 de novembro de 1918

 

AS MANCHETES

Um Sussuro De Mashorca Politiqueira Explora A Greve Geral Dos Operários Tecelões - Na Iminência De Uma Greve Geral - Rebentou, Ontem, A Parede De Todos Os Tecelões Do Rio E De Niterói - Setenta Mil Operários Em Greve - O Movimento Paredista Alastra-se À Medida Que A Polícia Estabelece E Espalha O Terror - A Greve Dos Operários Prossegue Intensa, A Despeito Da Barbariedade Alemã Da Polícia. (A Razão)

Os Operários Das Fábricas De Tecidos Declaram-se Em Greve - Uma Delegacia Atacada Pelos Grevistas - Grande Conflito Na Fábrica Confiança - Um Delegado Ferido E Um Grevista Morto - O Litoral E Outros Pontos Da Cidade Policiadas Pelo Exército (O Imparcial)

Estaremos Sobre Um Vulcão? Procura-se Dar À Greve Dos Tecelões Um Caráter Político Muito Sério - A Polícia Age Nas Trevas - Que Haverá De Verdade? - Estará Sufocado O Movimento? - Gorou O Movimento Operário? Tudo Em Paz? (A Rua)

Bernarda Ou Greve? O Aspecto Da Cidade É De Relativa Calma. As Fábricas Continuam Paralisadas, Estando Algumas Delas Ameaçadas Pelos Grevistas. Bombas De Dinamite Encontradas Por Toda A Parte (Rio Jornal)

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25) Olavo Bilac (1918)

"A cidade despertou sob a emoção de uma notícia triste: Olavo Bilac, um dos seus filhos mais dilectos, poeta soberano, artista impecável, acabava de falecer às 5.30 da manhã. Uma pneumoccocia impenitente, agravada pelos maléficos da miocardite crônica, de que sofria o autor de elevado número de obras scintilantes, fazia abater o o organismo do insigne patrício. Diante do esquife que encerra os despojos de Olavo Bilac, sob a tristeza que suscita a sua morte, avulta-se o apreço ao príncipe da poesia brasileira, por ele elevada e dignificada em surtos de aprimorado gênio artístico.

Ourives do verso, são jóias de subido valor os "Panoplias", a "Via Láctea", a "Alma Inquirta", as "Sacras de Fogo", as "Viagens", o "Caçador de Esmeraldas". Precursor da Escola Parnasiana no Brasil, teve como Leconte de Lisle e Hereclia, o brilho, a cor, o rítmo, a suprema beleza, a intuição do maravilhoso Tivesse nascido em França e escrito em francês e o seu nome seria universal. Mas, nascido no Brasil, expressando-se em português, idioma que ele cultuava com requintes não comuns, nem assim amesquinhou-se o seu prestígio. Dentre os quatro maiores poetas que introduziram o parnasianismo em nosso mundo literário, é o mais sugestivo, o mais brilhante, o mais impecável. (...)

A noite de ontem para hoje, passou-se mal. A morte avizinhava-se do poeta. Foram baldados todos os recursos médicos adotados com proficiência pelo Dr. Henrique Roxo. Pela madrugada, instantes antes de morrer, o artista de muitos versos de ouro, levantou-se do leito. Suas pupilas brilhavam.

- Dei-me café; eu quero escrever! - exclamou com voz firme, mas um tanto fraca. Às 5,30 da manhã, em companhia da sua família, isto é, de Alexandre Guimarães, seu cunhado, de sua irmã, de Corrêa Guimarães e de seus sobrinhos Ernani e mademoiselle Corina, bem como de vários amigos, cessou o último alento do maior poeta patrício.

Poeta dos mais ardentes, Olavo Bilac celebrava com filosofia a volúpia da vida. Morrer num dia cheio de sol, em terra moça regorgitante de flores, tendo ao seu lado uma mulher formosa, pareceu-lhe o horror da maior tortura espiritual (...)"

A Rua, 28 de dezembro de 1918

 

"Morreu Olavo Bilac, o príncipe dos poetas brasileiros! A notícia assim dada desdobra logo à imaginação de quantos a lê os painéis de uma vida toda voltada ao culto da Arte, à Beleza e aos ardores de um patriotismo ardente e fecundo. Não há, entre os poetas contemporâneos patrícios, nenhum que tenha logrado o renome e a popularidade de Olavo Bilac.

Nascido em 1865, o seu talento nasceu precisamente num período de transformações literárias, filosóficas e políticas, tendo Olavo Bilac conquistado a situação de maior relevo. Seus primeiros versos, que constituem a parte inicial das "Poesias", produziram sucesso excepcional (...)

A sua poesia, aproveitando a plástica, proclamada pela escola, não perdeu a vivacidade, a exuberância, o fervor que constituem a eminência essência dos nossos pendores artísticos. "Sarças de Jogo" são um formoso exemplo. O seu "Julgamento de Phynéa" é uma obra prima, nessa feição. O aparecimento dessas poesias marcou desde logo rumo novo nas letras nacionais. Por aqueles tempos, obstinadamente românticos, os escitores e poetas novos guardavam ainda a maneira boêmia, aprendida nos romances de Murger. O grupo era numeroso. Fazia-se Arte no fundo dos botequins e cervejarias. Coelho Netto, Patrocínio, Aluisio Azevedo, Raul Pompéia, Olavo Bilac, Guimarães Passos, Luiz Murat, Arthur Azevedo, Valentim Magalhães e outros, compunham jornais e revistas boemiando. (...)

Surgira a questão formidável da Abolição, empolgando os espíritos. Não havia hesitar e Bilac, com seus companheiros, foi colhido no tumulto libertário. (...) Republicano por temperamento, Olavo Bilac via na proclamação de 15 de novembro a realidade num sonho seu. Daí empenhar-se nas lutas consequentes da Revolta de 6 de Setembro, fugindo - sob ameaça de prisão, ou ainda pior - para Minas, de onde mandava logo depois as lindas crônicas que formam a melhor parte do seu livro "Crônicas e Novelas" e onde colheu o tema para esse admirável, esse legítimo poema nacional "O Caçador de Esmeraldas". (...)

Cronista, Olavo Bilac deu à "Notícia" o brilho inexcedível da sua colaboração durante anos, escrevendo diariamente "O Registro". Ultimamente afastara-se de imprensa. Estavam errados os que acreditavam que a atividade maravilhosa de Olavo Bilac calara-se. No silêncio do seu gabinete, o poeta admirável comounha sem tréguas. (...) Recordando aqui, nas atropeladas palavras que a notícia da morte de Olavo Bilac nos permite escrever, a personalidade excepcional desse grande poeta, queremos deixar nas páginas do jornal que ele tanto ilustrou com o ouro admirável de seu talento, as provas legítimas da nossa dor e da nossa grande e irreparável saudade. (...)"

A Notícia, 28 de dezembro de 1918

 

"Aquela célebre frase de "vão-se os deuses!" o destino quiz contrapor, na maior das crueldades, a de "vão-se os poetas!". Hontem, foi Rostand que, com a sua morte, enlutou toda a França, que tão gloriosamente cantara; hoje foi Olavo Bilac, que, no seu leito mortuário, enche de sombras os céus da literatura brasileira, onde, com os fulgores do seu talento privilegiado, figurava como astro de primeira grandeza, intangível e inconfundível.

Ourives da forma, esmerilhador de idéias, lapidador de conceitos, era a sua cerebração uma das mais raras que a poesia contemporânea nos podia oferecer. Os seus versos correm de boca em boca, em língua portuguesa e em várias traduções, e os sonetos que o seu estro brilhante soube transmitir à posteridade, envoltos em uma aureola de incomparável esplendor e perfeição, serão o eterno movimento erguido à sua memória, levantado por suas próprias mãos, para seu maior renome e orgulho das letras patrias. (...)

Foi realmente fecunda a vida do glorioso poeta. No verso como na prosa, na tribuna das conferências como nas colunas dos jornais e ainda na fiscalização do ensino - em tudo foi uma existência brilhante e encantadora. (...) Bilac, sabe-se, trabalhava há dezesseis anos, em um dicionário analógico, do qual, dizia o poeta, seria a sua grande obra final de poeta. (...)

Estava resolvido hoje, pela manhã, que a Academia de Letras faria o enterro. No entanto falava-se que também a Liga de Defesa Nacional tencionava oferecer-se para tal, como uma homenagem a quem despertou o coração da mocidade brasileira em S. Paulo, depois pronunciando discursos de pura fé patriótica e entranhado amor ao Brasil."

A Noite, 28 de dezembro de 1918

 

"Embora esperada, pois de há muito se conhecia a extrema gravidade da moléstia do grande poeta, a morte de Olavo Bilac, ocorrida na manhã de hoje, causou uma impressão dolorosíssima. Não foram os meios propriamente literários e jornalísticos aqueles em que a triste nova repercutiu de maneira mais consternadora. Toda a cidade sentiu, sinceramente, o desaparecimento do grande poeta, que era orgulho de sua geração e que soubera incarnar, na última etapa de sua vida, todo o admirável surto de renascimento cívico que se operou no Brasil. (...) Portanto, Olavo Bilac não foi apenas o poeta incomparável, cuja obra aí fica, como uma das mais ricas, e das mais belas da nossa literatura. Foi também, em um momento decisivo da vida nacional, o intérprete eloquentíssimo das aspirações brasileiras. A sua conferência na Academia de Direito de S. Paulo, primeira de uma série em prol da difusão do serviço militar, foi um hino entusiástico à grandeza do Brasil. Bilac pregou então a união de todos os moços sob o ideal magnífico da Pátria renovada e forte. E o seu luminoso apostolado não foi em pura perda. O seu exemplo frutificou. Em pouco tempo, a semente que o seu gênio semeou se desdobrava. (...)

Olavo Bilac guardava o leito há muitos dias, tendo, agora, seus antigos padecimentos agravados, por um ataque de "gripe", vindo, em consequência, falecer, depois de esgotados todos os recursos da ciência, miraculosamente procurada pelo seu médico assistente, Dr. Henrique Roxo, de quem o poeta era grande amigo.(...)

Poeta por vocação, trovador por índole, o morto ilustre deixa precioso acervo de poesia, das melhores que existem em nossa língua. Pouco produziu, mas tudo quanto saiu da sua pena teve, desde logo, o caráter de perpetuidade. (...) Além de poeta-mestre, Bilac era também prosador elegante e, sobretudo, conferencista sem muitos competidores. (...) Suas obras literárias são: "Poesias Infantis e Poesias"; "Crítica e Fantasia"; "Conferências Literárias". Em colaboração: "Cantos Patrios", "Livros de Leitura", "Teatro Infantil", "A Pátria Brasileira", "Tratado de Versificação", "Livro de Composições", "Através do Brazil". (...) Olavo Bilac pertencia a várias instituições e academias. Era membro fundador da Academia Brasileira. Era também inspetor escolar aposentado."

A Tribuna, 28 de dezembro de 1918

 

"O passamento de Olavo Bilac registrado às primeiras horas do dia de ontem era previsto por alguns dos seus amigos íntimos. Moléstia impenitente vinha minando o seu organismo, asuumindo nestes últimos dias uma feição de extrema gravidade. Lúcido de espírito, calmamente esperou a morte redentora e, antes do derradeiro alento físico, ainda se via deslumbrado pelas miragens de algum sonho de arte, que ele desejou exteriorizar em versos. Pediu, então, café e pretendeu escrever. (...) A obra de Bilac, é sem dúvida, comparativamente à dos grandes poetas brasileiros, uma das mais brilhantes. Sua primeira série de "Poesias", apesár das influências flagrantes do parnasianos franceses, principalmente Theophile Gauthier, François Copée, Heredia Baudelaire, apresenta-nos páginas verdadeiramente fulgurantes, como as do Ïn Extremis", "Inania Verba", as de muitos sonetos das "Viagens" e do "Caçador de Esmeraldas", poemeto verdadeiramente modelar, pela harmonisação estética da Forma e do Fundo. Mas de todos os parnasianos brasileiros, foi Olavo Bilac o que menos seguiu os preconceitos da impossibilidade característica do espírito da escola decaída. O seu verso, pessoal pelo estilo fundia o fundo e a forma numa liga perfeita de idéias fortes, esplendidamente exteriorizadas. A "Tarde", volume de sonetos é, porém, o mais expressivo da personalidade literária do poeta brasileiro. Em sua última obra revela-se Bilac liberto dos preceitos escolásticos, dentro do seu próprio sonho e para ele vivendo. É certo, infelizmente, que o vício da factura do soneto privou-o de expandir o talento a mais vastos surtos. Mas o artista revela-se columnal num país que ainda não produziu um gênio primordial a Victor Hugo... (...) A sua campanha em pról do levantamento cívico da nossa nacionalidade foi uma das mais brilhantes e mais dignas. Está na sua vida social na razão direta dos seus sonetos com laivos de espiritualidade e pureza. (...)"

A Razão, 29 de dezembro de 1918

 

AS MANCHETES:

Morreu Bilac - "Dêem-me Café! Quero Escrever!" - Foi A Sua Última Frase - A Resurreção Cívica Do Brasil E O Seu Otimismo (A Rua)

Olavo Bilac Morreu - Já Raia A Madrugada; Dêm-me Café, Vou Escrever! - As Últimas Palavras Do Príncipe Dos Poetas Brasileiros (A Noite)

O Passamento De Olavo Bilac - O Patriota, Seu Momento Extremo E A Sua Obra (A Razão)

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26) Campeonato Sulamericano de 1919

"Antes do campeonato, o football aqui já era uma doença: agora é uma grande epidemia, a coqueluche da cidade, de que ninguém escapa."

A Rua, 7 de maio de 1919

 

"No "stadium", como estava anunciado, realizou-se ontem, o "training" de apuro dos "scratchmen" brasileiros. (...) Os chilenos deram esta manhã, na rua Campos Salles, o seu "training" de apronto para o jogo de domingo. Os uruguaios treinaram, ontem, no campo do Botafogo. (...) Os argentinos estiveram ontem, à tarde, na rua Payssandu, praticando "training" individual."

A Rua, 8 de maio de 1919

 

"Iniciou-se hoje, às 15 ½ horas, sob os melhores auspícios, o sensacional Terceiro Campeonato Sul-Americano de Football. Fazendo coincidir com esta temporada de "matches" internacionais, a festa de hoje teve ainda o seu brilho aumentado pela inauguração do stadium do Fluminense Football Club, o glorioso campeão tricolor brasileiro. A cerimônia de inauguração do stadium consistiu juntamente na inauguração do "match" internacional, para o qual foi construído o soberbo campo."

Rio Jornal, 11 de maio de 1919

 

"Sob os olhares anciosos de uma multidão superior a 40.000 pessoas realizou-se ontem no stadium do Fluminense, o 1o match do campeonato sul-americano. Esse match que foi disputado entre os quadros chilenos e brasileiros despertou como aliás era natural o máximo entusiasmo e interesse levando mesmo a assistência a interminentes explosões de júbilo e de contentamento. (...) O jogo transcorreu admiravelmente, vindo a terminar pela vitória do quadro brasileiro pelo score de 6 a 0."

"O terceiro Campeonato Sul-Americano de Football decidiu-se ontem pela vitória dos jogadores brasileiros. Este acontecimento teve uma repercussão que se pôde considerar bem como continental, apesár das grandes coisas que neste momento ocupam a atenção dos povos, como o problema da paz, a ser resolvido pela resposta da delegação alemã à proposta dos aliados e a travessia aérea do Atlântico. Aqui, a impressão causada pela vitória dos nossos jogadores foi de um entusiasmo delirante. Desde muito cedo a população sentiu a sua atenção presa à grande peleja, que se ia travar no campo do Fluminense, crescendo à medida que se aproximava a hora do desempate sensacional. Havia também, para despertar a curiosidade pública, uma eclipse do sol. Pouco se preocupou a cidade com isso. Um eclipse é uma coisa tão banal... (...) A Avenida Rio Branco, em um certo trecho, ficou literalmente cheia, com o trânsito perturbado. A febre com que se acompanhava o match era crescente. O jogo, indeciso no primeiro tempo, empolgava cada vez mais toda a gente.

- Está duro! Zero a zero!

- Mas vencem os uruguaios!

-Qual! Não venceram até agora, não vencem mais. Os brasileiros tomaram o pulso aos uruguaios.

- Qual!

- Não! As vantagens agora são nossas.

E assim decorreu toda a tarde, sem que o caso se decidisse. Afinal, quando o entusiasmo público já tinha chegado ao seu período agudo, chegou a grande nova: os brasileiros venceram por um contra zero. Foi um estrugir formidável de palmas e de bravos, que eletrizou toda a cidade.

- Acabou-se. Agora não perdemos mais a dianteira! Perdemos os campeonatos anteriores! Agora seguramos o cinturão de ouro e não o largamos mais. E, com essa convicção, toda gente voltou para casa, depois de um grande dispendio de energia nervosa."

A Razão, 30 de maio de 1919

 

"(...) Só mesmo a falta de sorte nos remates não permitiu ao team brasileiro conquistar o ponto que lhe assegurasse o triúnfo. Enfim, nova luta será travada para o desempate do campeonato e, se desta vez, nào desenvolvendo jogo bem apreciável e tendo o adversário obtido a vantagem de 2X0, o team brasileiro ainda conseguiu dominal-o e empatar a peleja, em condições normais deve produzir jogo mais eficiente e fazer figura mais brilhante."

O Imparcial, 26 de maio de 1919

 

"(...) Pela primeira vez tivemos em nosso continente um embate travado com um ardor inacreditável por parte dos combatentes e que findou do modo mais honroso e nobre para nós brasileiros. (...) Os brasileiros depois de uma peleja renhidíssima, como até então não se realizara, abateram, ontem pelo score de 1X0 o formidável scratch uruguaio, que na opinião unânime dos entendidos representava o expoente máximo do football oriental."

O Imparcial, 30 de maio de 1919

 

"A concorrência, se não era colossal como a de domingo, era seletíssima, notadamente pelo número de senhoras. A animação, extraordinária desde 11 horas, tornou-se como poucas vezes tem acontecido ao aproximar-se a hora do jogo. Um alarido unânime atroava e nos morros visinhos a multidão agitava bandeiras nacionais, por entre vivas. (...) O jogo de hoje era já de desempate e, assim, de graves responsabilidades para ambos os teams. (...) Brasileiros: Marcos, Pindaro e Bianco, Sergio, Amilcar e Fortes, Millon, Néco, Friendenreich, Heitor e Arnaldo. (...) 1o Half Time: Brasileiros 0 goal Uruguaios 0 goal - 2o Half Time: Brasileiros 0 goal Uruguaios 0 goal - Nova Prorrogação: 1o goal brasileiro Hurrah! Friedenreich! Hurrah - Brasil!

Não havendo resultado nos trinta minutos de prorrogação foi pelo juiz ordenado a segunda prorrogação. A saída foi dos uruguaios e os brasileiros atacam, obrigando os adversários a um corner. Pouco depois Arnaldo é dado como off-side, mas os brasileiros não desanimam. Néco corre pela direita, centra, sendo a bola recebida de cabeça por Heitor, que a passa a Friedenreich. Este, com um shoot de meia altura, ao meio do poste, marca o 1o goal brasileiro. Hurrah! Friedenreich! Hurrah - Brasil! (...) Final: Brasileiros 1 goal Uruguaios 0 goal - Com este resultado foram os brasileiros aclamados campeões da América do Sul.

A Noite, 29 de maio de 1919

 

AS MANCHETES:

A Sensacional Peleja De Ontem Entre Brasileiros E Uruguaios - Os Nossos Denodados Patrícios Assumiram O Visível Domínio Da Pugna, Que Findou Com Empate De 2X2 (O Imparcial)

Salve Footballers Brasileiros! Depois De Uma Peleja Emocionante, Os Nossos Patrícios Lograram, Ontem, Para O Nosso País A Supremacia Do Football No Campeonto Sul-Americano. A Nossa Inegável Vitória De Ontem Sobre Os Uruguaios Pelo Score De 1X0. (O Imparcial)

Bravos Aos Brasileiros! Vencedores Do 3o C.S.A De Football ! Friedenreich Marcou O Ponto De Vitória! (A Noite)

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27) João do Rio (1919)

"Uma noticia desoladoramente triste veiu surprehender, hontem, á noite, quantos trabalhavam nesta casa - o passamento de João Paulo Barreto, ou melhor "João do Rio", pseudonymo com que se fez na literatura nacional e que o levou, afinal á Academia de Letras.

A vida de Paulo Barreto na imprensa carioca pode servir modelo aos que se dedicam á rude profissão de escrever para o publico - ella foi uma serie longa de victorias, que grangearam para elle um justo renome.

Estreando na "Cidade do Rio", onde pontificava Patrocinio, foi ao lado desse grande mestre do jornalismo e de collegas como Guimarães Pessoa, Bilac e outros, que Paulo Barreto se revelou o jornalista, por excellencia, começando a organização das notas de reportagem, que foram compor o seu primeiro livro, "As Religiões no Rio", que appareceu sob os applausos da critica e fez sucesso de livraria.

A maneira por que o seu primeiro trabalho foi recebido estimulando-o, e dahi em deante, as obras de Paulo Barreto entraram de apparecer qual a mais bem recebida pela critica, ainda mais a dos mais severos commentadores.

E registraram-se mais a "Alma Encantadora das Ruas", "O Cinematographo", a "Mulher e o Espelho", e outros trabalhos que apresentaram o autor como um typo fino de observador. Além das obras de sua autoria, Paulo Barreto trouxe para o vernaculo a "Salomé", de Oscar Wilde.

João do Rio, que era um artista, tambem escreveu para o teatro, desde o genero brejeiro "Chique-chique", até á comedia como a "Bella Mme. Vargas", que foi recebida com applausos pelos amantes da arte. Póde-se dizer a "Bella Mme. Vargas" é a comedia pr excellencia escripta no Brazil por autor brazileiro.

Na litteratura propriamente dita, não foi só nos volumes que deixou, bem assignalados, traços indeleveis da sua passagem. Tambem nos jornais, notadamente n' "O Paiz", elle collaborou ora como literato, na columna de honra, ora como chronista, ora como jornalista propriamente dito, discutindo ou commentando os assumptos com elevação e grande illustração.

Ha pouco tempo, após uma viagem que fizera á Europa, aqui chegado emprehendeu o morto de hontem a fundação de um jornal, o que conseguiu, montando o nosso collega "A Patria", do qual era seu director. (...)"

A Razão, 24 de junho de 1921

 

"O passamento de Paulo Barreto, occorrido hontem á noite, foi uma surpreza que impressionou profundamente o meio espiritual, as camadas litteraria e jornalistica, prolongando-se essa impressão a todas as rodas sociaes, onde essa individualidade, que o era, tinha um realce de admiração e de estima. E esse destaque bem frisante surge evidenciado, precisamente pela unanimidade das revelações de pezar ante o desapparecimento do litterato, do jornalista e do homem, mórmente deste, que não podendo escapar á fragilidade da perfeição humana, se tinha defeitos, bem os recompensava com o seu nucleo de virtudes. (...)

Mas a sua feição saliente nas letras era o jornalismo, a sua espiritualidade pendia muito mais, e com relevo de valor, na columna do jornal, do que na pagina do livro; naquella elle era o jornalista completo, tudo fazendo com a mais cabal proficiencia, não lhe escapando a minima "ficelle" do mais simples facto tirando o preciso para o salientar, vibrar a pequena nota ou espiritualizar um "suelto", encher uma columna de chronica com actualidade de comentario e "verve" de narrativa.

A sua primeira prova de jornalista elle a deu, cabal, na celebre reportagem sobre as differentes religiões no Rio, que valeram á "Gazeta de Notícias" um bom renascimento de popularidade.

Paulo Barreto tinha pelo jornalismo uma affeição extrema, era a sua predilecção bem manifestada desde tenros annos, inclusive no seu "debute" num modesto semanario, o "O Coió" - ahi por voltas de 97.

Foi por essa época que elle começou a frequentar "A Cidade do Rio", levado por Emilio de Menezes e Henrique Cancio. Ahi se iniciou com uma chronica sobre as "grisetes no Rio", que José do Patrocinio classificou de "estupenda". (...)

Foi na "Cidade do Rio", que Paulo Barreto se iniciou e revelou predicados de espirito especiallissimo para a profissão que abraçou e em que incontestavelmente brilhou até a sua morte hontem.

Depois, na "Gazeta de Notícias", no "O Dia", na "A Noticia", no "O Paiz", no "Rio Jornal" e n' "A Patria", essas revelações de vinte e tantos annos de jornalismo intenso e por vezes fulgurantes, foram guindando-o á posição que mantinha actualmente no jornalismo, que lhe fica devendo um bom incremento, quasi diriamos uma moderna remodelação. (...)"

Boa Noite, 24 de junho de 1921

 

"Com o desapparecimento de Paulo Barreto perde o Brasil, sem duvida, uma das mais estranhas e por isso mesmo talvez, mais empolgantes, das suas organisações literarias. Delle poder-se-á dizer com justiça que era em tudo e antes de tudo, como escriptor, um estheta na mais perfeita accepção do vocabulo. O que Olavo Bilac realizou na poesia, João do Rio o foi em nossa prosa contemporanea: a emoção feita estylo para dominio dos sentidos.

Não seria decerto um pensador, mas um artista, impondo-se menos pelo peso dos conceitos do que pela graça e leveza dos proprios pensamentos, a que a phrase incisiva, nervosa e scintillante, communicava, todavia, grande movimentação e emprestava sempre intenso brilho. Dahi, dessa arte que, até certo ponto, constituia uma originalidade em nosso meio, tirava o privilegiado publicista patricio o melhor dos seus effeitos literarios. (...)

João do Rio não foi, em verdade, um commentador grave de homens e coisas, sendo muito embora um observador, por vezes agudo demais. Dir-se-ia que, a despeito da percuciencia da sua visão, elle se comprazia em deixar de lado, propositadamente, tudo o que não encontrasse de banal ou de grotesco no seu exame, para, assim, melhor dar expansão ás suas tendencias incontrastaveis de espirito entre leve e picaresco, e sempre bem humorado de mais para desdenhar das glorias de critico de futilidades. A esta conformação comsigo mesmo deveu, sem duvida, João do Rio os seus inexcediveis triumphos de chronista mundano e reporter... (...)

Onde a vibração da massa pedisse alguem para transmittil-a, ahi estava João do Rio. No seio do povo colhia elle as emoções da sua fonte; registrava-as todas, com o poder retentivo sorprehendente e sem esforços mnemonicos se as transmittia a si mesmo, para, depois de processal-as, apurando-as, em seu engenho, communical-as a nós outros, harmonicas, luminosas e trepidentes.

Nisto, os seus talentos não o trahiam nunca e elle o fazia com amor e convicção. A sua arte era, assim, não só bella, mas sincera. A fantasia, conquanto sua collaboradora, entrava ahi apenas como elemento de realce; não lhe sacrificava a obra, sentida e verdadeira, máo grado os paradoxos que iam por ella para confirmar- quem sabe? - no fundo, a individualidade do seu autor. (...)"

Rio Jornal, 24 de junho de 1921

 

"Ecoou dolorosamente, como era de esperar, em todo o pais a noticia da morte prematura do brilhante jornalista que foi Paulo Barreto.

Durante todo o dia de hontem foi grande a romaria, de pessoas de todas as classes sociaes que affluiram a redacção d' "A Patria", e que ali deixavam os seus nomes por não ter sido ainda permitida a visitação ao corpo, velado por seus companheiros de trabalho.

O dr. Josette procedeu ao embalsamento do corpo, trabalho que ontem não poude ser concluido e, motivo porque só hoje depois das 9 horas da manhã poderá Paulo Barreto ser exposto a visitas, em camara ardente, armada na sala da redacção.

Ficou deliberado que o enterro do mallogrado jornalista seja realizado amanhã, domingo, saindo o feretro ás 15 horas da redacção do jornal de que era director.

O Sr. A. Azeredo, vice-presidente em exercicio, na sessão do Senado de hontem, depois de communicar o fallecimento do Sr. Paulo Barreto, jornalista brasileiro e membro da Academia de Letras, de quem fez o elogio funebre, solicitou que o Senado permitisse que na acta dos seus trabalhos fosse inserido um voto de pesar pelo seu fallecimento. O requerimento foi approvado unanimemente. (...)

O Jornal, 25 de junho de 1921

 

"As tocantes homenagens que a cidade tem prestado ao illustre escriptor que a morte arrebatou em pleno trabalho e em plena maturidade do seu espirito valem como a mais sincera e a mais justa das cortezias aos meritos singulares de sua obra de jornalista e de artista.

É possivel que uma analyse fria e tranquilla de sua longa e tumultuosa actividade mental demonstre o caracter apressado e um pouco superficial dos numerosos livros em que procurou concretizar as impressões, mais ou menos vertiginosas, que os aspectos da vida urbana do Rio e dos paises estrangeiros que visitou, lhe produziram. Mas ninguém lhe contestará jamais o ouro puro da sua intelligencia e que elle tão descuidadosamente prodigalizou em vinte annos de jornalismo.

A sua lingua de impressionista, cheia de paradoxos, de imprevistos e de contrastes desconcertantes e de "trouvailles" de espirito, bastará para salvar na sua bagagem literaria o que, porventura, lhe falta de reflexão.

A sua memoria ficará também como de um grande coração cheio de bondade em que a ironia apparente mal dissimulava a sensibilidade extrema, muitas vezes infantil, e como a de um amigo sincero e apaixonado da sua terra que elle procurou ardentemente servir dentro da sua orientação das suas concepções. O instincto popular nào se illude; a romaria á redacção de seu jornal que, hoje, se repetirá, no seu enterro diz bem alto que com elle perderam o nosso jornalismo e os leitores um de seus elementos mais representativos. (...)" O Jornal, 26 de junho de 1921.

" (...) Paulo Barreto não hesitou um momento na sua grande obra. Felizmente ha uma força que anima os homens dominados pelos nobres messianismos. Paulo Barreto foi durante estes ultimos mezes de sua vida um condensador dessa força. Graças a ella, a sua intelligencia dos homens e das coisas, tornou-se quasi milagrosa, a sua coragem affrontou todos os ódios, a sua capacidade de trabalho multiplicou-se e a plasticidade de seu espirito fez prodigios nas columnas mais diversas deste jornal. Elle era para todos nós, os mais velhos como os mais novos companheiros, mais do que um director, um chefe. Era uma força communicativa, um estimulo a que ninguem podia resistir; porque, como se não bastasse o seu escrupulo no trabalho, Paulo Barreto soube conquistar da juventude enthusiasta desta casa uma admiração, um respeito, uma estima, um culto que só o conseguem os santos ou os genios. Isto, alías, era natural. Ninguem privaria com esse homem, singularmente dotado, sem ser attrahido pelo fulgor impressivo, pela palavra, pela viveza de sua intelligencia repentina, pela graça do seu estylo, pela sua bondade espontanea, pela meiguice do seu trato e por sua despretenciosa e luminosa superioridade mental.

Perdemos, pois, desde a sinistra noitada de ante-hontem, a maior intelligencia e a maior vontade que collaboraram para o exito excessivo que fez de "A Patria", em tão pouco tempo, uma columna stoica dos humildes contra os humilhadores, do idealismo politico contra a mediocridade saciada, do Brasil jovem, progressista, impellido pela consciencia nova de sua finalidade na America e no velho Brasil, de cuja persistencia na arena das grandes actividades uteis pouco lucraria o presente e, muito menos, o futuro. (...)"

A Patria, 25 de junho de 1921

AS MANCHETES:

Paulo Barreto - A Morte Subita Do Director D' A Patria - Ligeiras Notas Sobre A Sua Vida Literaria e Jornalistica ( A Razão )

Paulo Barreto - O Desapparecimento Da Figura mais Original Do Jornalismo Brasileiro ( Boa Noite )

A Imprensa Enlutada - Como Repercutiu A Morte Repentina De Paulo Barreto

( Rio Jornal )

A Morte De Paulo Barreto - Homenagens Da Imprensa, Do Parlamento E De Varias Associações - A Exposição Do Corpo E O Seu Enterramento Amanhã

( O Jornal )

Paulo Barreto - O Rio Presta Á Memoria Do Nosso Director A Maior Homenagem Popular Que Fóra Da Politica Alguém Já Mereceu - A Romaria Á Nossa Redacção - As Homenagens Collectivas - O Que Serão Os Funeraes Do Morto Querido - O Dever Dos Que Ficam ( A Patria)

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28) Revolta do Forte (1922)

"Desde a madrugada de ontem que entrou a cidade numa situação inquieta, com o pronunciamento militar iniciado pelo forte de Copacabana, que ficou sob a ação revolucionária do capitão Euclides Fonseca, logo seguido do levante na Vila Deodoro. As primeiras notícias eram desorientadas, e muitas vezes contraditórias, o que não permitiu se fizesse um juízo seguro dos acontecimentos que se desenrolaram. O noticiário refletiu, como não podia deixar de refletir, esse 'brouhahada', levando um pouco de confusão aos espíritos inespertos. (...)

Cerca de 1 hora da madrugada o general Bonifácio Costa, com o seu ajudante de ordens e o capitão Silva Barbosa, de artilharia, aproximou-se da porta das armas da fortaleza e anunciou-se ao oficial de dia, que foi chamado. Este, comparecendo, foi informado pelo general Costa que ia para falar com o capitão Euclides Fonseca sobre um caso oficial e urgente.

O capitão Euclides, que estava recolhido no seu aposento, mandou que o oficial de dia introduzisse o general e o capitão na sala de armas, pois recebel-os-ia logo. Poucos momentos após, o capitão Euclides aparecia na referida sala e recebia os dois oficiais, tendo o general Costa lhe comunicado a natureza de sua missão: receber a fortaleza e entregar o comando da mesma ao oficial que os acompanhava. O capitão Euclides Fonseca declarou estranhar tal procedimento, acrescentando que não entregaria o comando naquele momento.

Trocaram-se algumas palavras entre os dois interlocutores, até que o capitão Euclides declarou ao general Bonifácio Costa que se considerasse prisioneiro, bem como o capitão referido e o seu ajudante de ordens e ordenanças. Ato contínuo, o capitão Euclides designou um oficial para olhar pelos oficiais presos, sendo-lhes indicado aposentos.

Foi, então, 1 e 35 da manhã, que a fortaleza fez o primeiro disparo, de pólvora seca, sinal, ao que parece, convencional, para os outros elementos sublevados. Foram logo distribuídas vedetas para a avenida Atlântica e rua Nossa Senhora de Copacabana e, ao nascer do dia foi iniciado o serviço de abertura de trincheiras, trabalho que às 11 horas da manhã estava dado por terminado. O fosso aberto ocupa a extensão que fica em frente à rua Copacabana e ao meio dia já se achava guarnecido. (...)

O número de praças inferiores e oficiais sublevados atinge a 359 homens, incluindo o pessoal que estava no forte do Leme, e que pouco antes das 10 horas fora chamado e mandado recolher à fortaleza de Copacabana, aderindo, assim, ao movimento. Antes, porém, de deixarem o forte do Leme retiraram as culatras das peças. No forte de Copacabana há munição de bocca para um mês. (...)"

O Brasil, 6 de julho de 1922

 

"Foi às 21 horas de ante-ontem que o governo começou a receber informes sobre o projetado movimento de revolta na Vila Militar. Recebendo dos seus agentes todas as comunicações sobre o que ocorria, o governo imediatamente concertava as medidas de repressão. Assim que foi ouvido o primeiro disparo no Forte de Copacabana, estourou na Vila Militar a insubordinação de um pelotão do 1o Regimento. Estava este pelotão com alguma munição. A outra parte do regimento que se manteve com a legalidade, conseguiu sufocar a rebelião.

Conforme informações que temos, das proximidades da Vila Militar, reina desde ontem ali completa tranquilidade depois da rendição das praças da Escola Militar e do 1o de Cavalaria. As forças da Polícia Militar que seguiram para ajudar a dominar a rebelião, já regressaram para esta Capital, tendo também regressado a 3a companhia de metralhadoras. Esta força estacionou, depois de descer da Vila Militar em Cascadura. As novas notícias sobre o Forte de Copacabana declaram que o chefe dos revoltosos nesta praça de guerra pediu para parlamentar com o governo, informação esta que publicamos mais abaixo com os devidos esclarecimentos. (...)

O despertar dos moradores dos lindos bairros atlânticos de Copacabana, Leme e Ipanema foi, na madrugada de ontem, terrível. As famílias dispunham-se a abandonar as suas residências apressadamente, na imminência do forte que estava revoltado, ser bombardeado pelas tropas legais. Desde as primeiras horas do dia, um inumerável cortejo de todas as características sociais, em automóveis, bonds, caminhões do Corpo de Bombeiros e carroças, desfilava pela rua Barroso, direção a Botafogo, pelo Tunel Velho.

Os moradores do Leme cujo bairro estava sendo alvejado pelos 7 ½ do forte de Copacabana retiravam-se a conselho da própria autoridade. O forte de cinco a cinco minutos disparava para a antrada do Tunel Novo, onde estavam alojadas as tropas do 3o Regimento de Infantaria. O trânsito ficou, então, interrompido neste trecho. Os bonds passaram a circular pelo Tunel Velho, até as 15 horas, quando não mais atingiram o bairro atlântico, por estar o mesmo sitiado pelas tropas e, na iminência de ser bombardeado pela esquadra, pela aviação naval e pelas tropas de terra - o que talvez se dê esta manhà, segundo informações que tivemos. (...)

O Forte de Copacabana, o iniciador da rebelião, hontem, até a tarde, continuava atirando a esmo. Em certo momento os disparos passaram a ser feitos em direção do bairro de Copacabana, o que estava causando prejuizos aos prédios da Avenida Atlântica. (...)

O governo tendo recebido uma intimação do forte de Copacabana respondeu a este documento dos revoltosos com a decisão tomada de que se a guarnição do forte nào se render, dentro de um determinado prazo de horas, mandará o governo bombardeal-o por forças de mar e terra, sendo a rendição sem condições. (...)

Ao assinar do decreto de estado de sítio, ontem aprovado pelo Congresso Nacional, o sr. presidente da República proferiu as seguintes palavras:

- Nunca desejei e nunca pensei ter de assinar um ato como este, mas agora o faço gostosamente, certo de que estou prestando um serviço à República e às instituições."

A Pátria, 6 de julho de 1922

 

"Lamentamos o desvario dos espiritos que, por criminosa ambição política, arrastou homens de responsabilidade como os Srs. Nilo Peçanha e marechal Hermes à revolução contra o governo constituído do país; limitamo-nos a nomear alguns fatos do movimento, felizmente dominado pelo governo, que teve a seu lado as forças armadas e a opinião conservadora do país. (...)

O movimento explodiu quase simultaneamente na Escola Militar do Realengo e na fortaleza de Copacabana. Os revoltosos acreditavam que o resto das forças da guarnição militar aderisse à revolução, mas essas esperanças felizmente fracassaram. As tropas, em sua grande maioria, conservaram-se fiéis ao Governo e à legalidade. Aquela Escola, sob o comando do tenente-coronel Xavier de Brito e tendo como oficiais vários capitães e tenentes revoltosos que, na noite de 4, iludindo a vigilância da Polícia Militar conseguiram atingir o Realengo, saiu para o 1o batalhão de engenharia, certo de ser este o único obstáculo que encontrariam para chegar ao contato com as tropas da Villa Militar, supostos também em estado de sublevação.

O 1o batalhão de engenharia, reforçado imediatamente pelo 15o regimento de cavalaria, repeliu os revoltosos que se instalavam nas alturas que dominam, pelo lado de oeste, a Villa Militar, e aí colocando seus canhões, abriram intenso fogo contra os quartéis do 1o artilharia, 1a brigada de infantaria, Escola de Sargentos etc. A esse tempo, o general de brigada Ribeiro da Costa, na sua qualidade de chefe mais graduado da Villa Militar assumiu o comando de todas as forças e dispôs a defesa. (...)

Na Villa Militar só houve um pequeno movimento subversivo, imediatamente abafado. Um pelotão, às ordens de um tenente, atirou contra a sala onde estavam reunidos os oficiais. O capitão da companhia a que pertencia esse pelotão, de nome Barbosa Monteiro, oficial de extraordinário valor moral e intelectual, saiu ao encontro dos soldados sublevados e recebeu uma descarga que o fez tomar morto. O pelotão, imediatamente cercado pelo resto da companhia, que acudiu, foi, com seu comandante, feito prisioneiro e desarmado. (...)"

A União, 9 de julho de 1922

 

"As forças que estão sitiando o forte de Copacabana, sob o comando do general Menna Barreto, tiveram ordem do governo para enviarem um 'ultimatum' à fortaleza, intimando-a a render-se dentro de uma hora. Em caso contrário será bombardeada por forças legais de terra e navios de guerra."

O Combate, 5 de julho de 1922

 

"Por ordem do governo, a fortaleza de Santa Cruz e o forte de Imbuhy desde ontem às 6 ½ até hoje pela manhã, que estão fazendo disparos contra o forte de Copacabana. (...)

O Diário Oficial publicou a seguinte nota: - Tendo se revoltado na madrugada de ontem a guarnição do forte de Copacabana, que se achava sob o comando do capitão Euclides Hermes da Fonseca, e havendo aderido a esse movimento a Escola Militar, o sr. Presidente da República adotou prontas e energicas providências, fazendo cercar imediatamente aquela fortaleza e ordenando que as forças legais fossem ao encontro da Escola Militar. Entrando em contato com a Escola, as forças legais travaram com esta um tiroteio conseguindo em pouco tempo dominar inteiramente os sediciosos, que se renderam à discreção do governo, sendo todos presos e desarmados e conduzidos para a Capital. Todos as demais forças da guarnição estão com o governo, estando a cidade em completa calma. (...)

O Sr. Presidente da República, no momento em que assinava a decretação do estado de sítio, recebeu uma comunicação telefônica do Ministério da Guerra, anunciando que os revoltosos do forte de Copacabana acabavam de solicitar a admissão de um parlamentar, ao que o Sr. Presidente da República se negou terminantemente, adiantando mais, que só aceitaria a rendição discrecionária. (...)

Hoje pela manhã sob a serenidade do azul do céu passou, com destino a Copacabana, uma esquadrilha de aeroplanos 'Breguet' a fim de cooperar com as forças legais no assalto ao forte. É bem possível que as possantes máquinas do novo poder aéreo tenham entrado em ação com as suas bombas de assalto. (...)

O governo intimou o forte de Copacabana a, dentro de um certo número de horas, render-se incondicionalmente, sem o que, bombardeal-o-á por forças de mar e terra."

O Combate, 6 de julho de 1922

 

"Segundo declarações dos soldados presos, o tenente Siqueira campos e seus colegas resolveram enfrentar peito a peito os legalistas, não querendo bombardear a cidade, como tencionavam pela manhã enquanto aguardavam a resposta do governo sobre as condições de rendição da praça. Rasgaram então a bandeira do Forte, distribuindo um pedaço a cada praça, colocando-o no peito, desceram do Forte, para virem atacar os 2000 legalistas que os sitiavam."

O Combate, 7 de julho de 1922

 

"A cidade acordou tranquilla, tendo adormecido na sciencia de que o governo estava resolvido a fazer emmudecer, e render-se, o forte de Copacabana. Parte do commercio central abriu suas portas, num começo de normalisação. Por volta das 8 horas, porém, senào precisamente entre ás 7 ½ horas e ás 8, a população ficou um pouco desorientada com a successão de uma meia duzia de fortes disparos, que abalavam os moradores. Os habitantes das vizinhanças, do mar notaram o movimento de navios de nossa esquadra que se dirigiam para o forte de Copacabana, regressando depois ao porto, para novamente tomar aquelle rumo, chegando mesmo o S. Paulo a transpor a barra.

Por volta das 10 horas foram vistos alguns apparelhos de aviação voar na direcção do forte de Copacabana, e logo depois se soube officialmente da rendição do forte, noticia esta que circulando, celere, por toda a cidade a attingindo, logo, todos os bairros, tranquilisou a familia carioca. Mas os suburbios, desde hontem á noite se achava relativamente tranquillos, á vista da retirada das forças, que protegiam a linha ferrea. E o Cattete, depois das 10 horas da manhã, ficou tambem desguarnecido, o que produziu immediatamente uma impressão de que a cidade retomava de certo a sua normalidade completa. (...)

As autoridades militares, pela manhã, conseguiram, após o ataque que foi dirigido contra o forte de Copacabana, communicar-se com o respectivo commandante, capitão Euclydes da Fonseca, intimando-o a entregar-se, pois a sua resistencia seria inutil, uma vez que todas as forças, quer do exercito, quer da Marinha, estavam ao lado do Governo.

O capitão Euclydes, ante a evidencia desses factos, declarou que se entregaria; mas com a condição de ser respeitada a vida daquelles que com elle se achavam na fortaleza. Promettido ser atendido nesta imposição, o forte de Copacabana entregou-se ás forças legaes, sendo o capitão Euclydes preso, assim como os 18 homens que constituiam a guarnição do forte, pois as demais ja o haviam abandonado, no correr da noite. (...)"

A Noite, 6 de julho de 1922

 

"Os graves sucessos da noite anterior foram o prenuncio de um movimento revolucionario que estalou, pela madrugada de hontem e que deixou a cidade grandemente alarmada.

Conforme é sabido, o movimento teve origem na Escola Militar, e as primeiras noticias para aqui transmittidas davam como à frente da tropa revolucionaria o marechal Hermes. E, durante toda a noite, os boatos mais desencontrados corriam, deixando toda gente apprehensiva deante dos acontecimentos que se desenrolariam. O que se passou durante o dia no Cattete e no quartel-general, a imprensa relatou minuciosamente e a noticia do levante soube-se depois pela intercepção do Centro Telephonico de diversas communicações para corpos da Villa, marcando o movimento para determinada hora.

De posse de taes revelações, facil foi ao governo organizar o seu plano de resistencia, entendendo-se antes com o general Carneiro da Fontoura e com o titular da pasta da Guerra.

As notícias sobre os acontecimentos chegaram aqui desencontradas, sem que se soubesse ao certo o que de positivo havia ocorrido.

Na cidade conhecia-se do plano apenas a adhesão em definitivo do forte de Copacabana, de onde, de quando em quando, se ouviam disparos, que mais se accentuaram á tarde quando circulou a notícia de que o 3o regimento iria tomar o forte de assalto, á noite.

Algumas baterias de canhão de tiro rapido faziam disparos em direcção ao Tunel Novo, na supposição de que as tropas legaes ali se encontrassem. O éco formidavel dos disparos de tiro rapido, em Copacabana, dava a impressào de que o bairro todo estava sendo arrasado e, dahi, o exodo das familias que foram procurar outros pontos da cidade. (...)

Ao que sabemos, até á ultima hora o forte de Copacabana não se havia rendido ainda. Dizia-se que o commandante propuzera uma rendição com condições, mas que o governo a recusara. O ataque ao forte, por este motivo, fôra resolvido e se realizaria pela madrugada simultaneamente pelas fortalezas proximas, por navios da esquadra e por forças do exército."

Correio da Manhã, 6 de julho de 1922

 

AS MANCHETES:

A Revolta Do Forte De Copacabana E O Movimento Da Escola Militar

O Congresso Concede A Medida Do Sitio, Pedido Com Urgencia, Pelo Governo - Varias Prisões - Mortos E Feridos ( Correio da Manhã )

Pronunciamento Militar - O Governo Informa A Rendição Discrecionária da Escola Militar E Do 15o Regimento De Cavalaria Da Villa Militar - O Estado De Sítio Foi Ontem Mesmo Sancionado - O Forte De Copacabana É Intimado Pelas Forças Legaes A Render-se Incondicionalmente - O Que Foi O Encontro De Tropas Em Deodoro - Algumas Granadas Caem Sobre O Quartel General Fazendo Vítimas ( O Brasil )

A Situação - Os Sucessos De Hoje - A Rendição Do Forte De Copacabana

( A Noite )

A Escola De Guerra Rendeu-se - O Levante Na Villa Militar Foi Dominado

Esperava-se A Rendição Do Forte De Copacabana -

Foi Decretado O Estado De Sítio Por 30 Horas ( A Pátria )

Copacabana Prestes A Capitular! ( O Combate )

O Movimento Revolucionário Que Explodiu Nesta Capital

A Legalidade Vitoriosa ( A União )

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29) Lima Barreto (1922)

"Morreu Lima Barreto; esta expressão laconica tem uma grande significação nos meios cultos de nosso paiz, principalmente nesta capital. É uma intelligencia robusta que se extingue, um romancista de temperamento singular que desapparece, justamente na edade em que as faculdades creadoras mais se accentuam e definem o literato, o artista, o psychologo: 42 annos de vida. (...)

Era um romancista de indole; se se pudesse determinar a escola a que se filiára mister era também dizer que elle mesmo, na sua visão minuciosa, na sua observação penetrante, fizera a sua propria escola; deixara-se nortear á mercê de sua imaginação fecunda e facunda. Lima Barreto, dizem-no os que sobre as suas obras fizeram juizos criticos, teria sido o maior romancista do seu tempo, se nas suas producções não revelasse as caracteristicas do seu "eu" artistico, a physionomia de sua propria individualidade, um superior desinteresse para os preciosismos sociaes, um descuidado desalinho, em que o seu genio creador, com uma malheabilidade prodigiosa, amoldava e distendia o typo e as sociedades dos seus romances.

Lima Barreto deixa as seguintes obras impressas: "Triste Fim de Polycarpo Quaresma", "Vida e Morte de J. M. Gonzaga de Sá", "Numa e Nympha", "Memorias do Escrivão Isaias Caminha", "Sonhos e Contos", "Farras e Mafuás", "Uma Provincia da Bruzundanga", as duas ultimas na livraria Schettino.

"O Cemitério dos Vivos", obra que começou a escrever, quando, por doença, recolheu-se ao Hospício, Lima Barreto não pôde concluir; a sua saude abalada o impediu.

Collaborou em varios jornaes e revistas desta capital, mesmo doente e abatido. (...)

Ha tres dias recolhera-se á casa e não mais saira. Ante-hontem, ás 5 horas da tarde, uma de suas irmãs, em obediencia ás prescripções médicas, penetrára em seu quarto para dar-lhe uma colher de remedio; achou-o em estado de agonia. A familia pediu a Assistencia, que já o encontrou morto.

Assim, morreu o filho extremoso, que, no arranco ultimo, teve ainda forças para conter-se numa sublime mudez, a fim de não causar dissabor ao pae, seu grande amigo. (...)

O Jornal, 3 de novembro de 1922

 

"Á ultima hora, quando já se achavam quasi encerradas os trabalhos nesta redacção, surprehendidos com a dolorosa noticia do fallecimento de Lima Barreto.

Nada mais podemos dizer, senão que a morte do grande escriptor carioca abre na literatura nacional um vacuo diddicilmente preenchivel.

Lima Bareto era quasi uma tradição da cidade. O imprevisto e a hora do seu fallecimento não nos permittem, por ora, traçar notas mais completas sobre o grande vulto que se apaga.

Mas, nesta simples exclamação, de pasmo e de dôr, resumiremos, sem duvida, toda a magua que enche, neste momento, as rodas intellectuaes e bohemias da cidade: Morreu Lima Barreto!"

O Imparcial, 2 de novembro de 1922

 

"- O corpo vae para o S. João Baptista? - interrogou uma mulher de apparencia modesta e ar compungido.

- Vae. É lá que elle sempre disse que desejava ser enterrado.

Estavamos na casa de Lima Barreto, na estação da Piedade.

Gente boa da visinhança cercava o esquife do romancista. Á porta, um grupo curioso de crianças olhava com attenção os que entravam, medindo todas as coisas com interesse e admiração.

A terde cinzenta e chuvosa tinha uma expressão vaga de humildade infinita, como se sobre ella pairasse invisivel e terna, a alma humilde de Lima Barreto...

Poucas flores. Grupos silenciosos e meditativos enchiam a pequenina sala, onde dormia, em seu leito final, o romancista bohemio dos nossos suburbios. Figuras do povo, dessas que a gente encontra a cada instante pelas ruas, anonymas em sua modestia trabalhadora e honrada, fitavam enternecidas o corpo inanimado de Lima Barreto, como que se despedindo de um companheiro querido, de um amigo, de um irmão...

Depois, o caixão se fechava sobre a physionomia impassivel do morto. As janellas visinhas se enchiam de rostos curiosos, e o enterro saia.

Breve, o rodar do trem, rumo á Central. Mais alguns instantes, e o cortejo pequenito e pobre demandava o aristocratico recolhimento de S. João Baptista.

E foi assim que, na tarde de hontem, desceu ao tumulo o corpo de Lima Barreto. (...)"

O Imparcial, 3 de novembro de 1922

 

"A nota dolorosa destas ultimas horas foi a morte de Lima Barreto, o maior romancista da sua geração.

Escriptor singular e brilhante, Lima Barreto possuia a mesma alma cheia de colorido e vivacidade, por vezes radiosamente alegre, por vezes triste, desta tumultuaria e formosa metropole em que nasceu ha quarenta e dois annos, e onde viveu as horas bizarras, amargas ou gloriosas de sua existencia movimentada de bohemio e de artista.

Chronista admiravel, jornalista notavel, tendo collaborado em varios jornaes dos Estados e desta capital, o autor das Memórias do Escrivão Isaias Caminha, deixa, sem duvida, uma obra profundamente humana, a qual, embora incompleta, ficará bella e eterna em meio da literatura nacional.

O desapparecimento do intenso e forte escriptor provocou no espirito dos que com elle conviviam, ou simplesmente o leram, um sentimento de saudade imperecivel. Essa saudade já se traduz, no coração de seus amigos mais dilectos, pela idéa de lhe erigirem um mausoléo no cemitério S. João Baptista, onde foi sepultado, sob a tarde humida e chuvosa de hontem, tendo o ataude, transportado em vagão funebre, ligado ao trem de suburbios, chegado á Central ás 17 horas e um quarto, vindo da estação de Todos os Santos, da rua Major Mascarenhas, residencia do romancista, á qual affluiram, ao saber da infausta nova, os amigos, varios representantes da imprensa carioca, e até gente do povo, desconhecida inteiramente, mas chorando o desapparecimento daquella alma bonissima. (...)"

O Paiz, 3 de novembro de 1922

 

"Morreu, pela madrugada de hontem, o romancista Lima Barreto. Esse escriptor nascera em 1881, contando, portanto, 41 annos de edade.

Nascera nesta cidade e aqui mesmo se diplomara em engenheiro geographo, pela Escola Polytechnica. Submettendo-se a concurso, em 1904, foi nomeado funccionario do Ministerio da Guerra.

Lima Barreto, como todo mundo sabe, passou a vida na mais incorrigivel das bohemias. Essa forma de viver terminou por lhe abalar fundamente a saude, affectando-lhe differentes orgãos. Ultimamente os seus males se aggravaram, vindo o jornalista e literato a fallecer pela madrugada de hontem.

O romancista deixa varias obras publicadas, alem de algumas ineditas.

Lima Barreto foi enterrado, hontem, á tarde no cemitério de S. João Baptista."

Correio da Manhã, 3 de novembro de 1922

 

"Falleceu em sua residencia, á rua Major Mascarenhas, estação da Piedade, onde vivia ha muitos annos, um dos nossos mais festejados escriptores, Lima Barreto. Esse passamento, alías esperado, pois que, de havia mezes, elle apresentava serios symptomas de grave enfermidade, a que concorria a sua indole irreprimivelmente bohemia, veiu estremunhar numa dolorosa surpresa todo o nosso mundo mrntal, que via em Lima Barreto o verdadeiro escriptor typico do nosso povo, o impressionista admiravel da vida deste Rio de Janeiro, onde elle nasceu e de onde nunca saiu, o psychologo carregado e amargo das nossas ruas, dos nossos bairros pobres e de certos typos victoriosos e dominadores do nosso meio, que eram retalhados em complascencia pela sua ironia acre. (...)

Entre as obras mais populares e mais vibrantes, pelo colorido forte da verdade que soe illuminar as paginas deste escriptor, está o "Triste Fim de Polycarpo Quaresma", de que reproduzimos, abaixo, um trecho lapidar, em toda a irregularidade que constituia uma das caracteristicas desse impressionante tecelão de romances vivos.

Lima Barreto escreveu ainda: "Numa e Nympha", novella de grande sucesso escripta especialmente para "A Noite", que a publicou, ha alguns annos; "Memorias do Escrivão Isaias Caminha", em que ha criticas acerbas e desopilantes do nosso jornalismo; "Vida e Morte de J. M. Gonzaga e Sá", "Sonhos e Contos", e, ainda ineditos, "Uma Provincia da Bruzundanga" e "Farras e Mafuás", livros cheios das mais interessantes observações acerca da vida popular e politica desta gente com quem elle conviveu. Ha ahi quadros inesqueciveis que retratam a vida suburbana e a lufa-lufa das nossas baixas camadas sociais.

Com o seu desaparecimento material, Lima Barreto encetará, por certo, uma nova existencia de gloria e de prestigio no seio deste povo de que elle tanto escarneceu quanto amou. (...)

A Noite, 2 de novembro de 1922

 

AS MANCHETES:

Lima Barreto A Sua Morte ( O Jornal )

Morreu Lima Barreto ( O Imparcial )

A Morte de Lima Barreto ( Correio da Manhã )

Lima Barreto - A Morte Desse Observador Admiravel Da Vida Do Nosso Rio De Janeiro ( A Noite )

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30) Rui Barbosa (1923)

"Na vida da nacionalidade brasileira não há maior vulto do que aquele que acaba de desaparecer: Ruy Barbosa. Tão eminente era ele, que encarnava a própria Nação, no que ela tem de mais alto, de mais nobre, de mais puro. Repetidas vezes o povo do Brasil sentiu essa estranha e rara impressão de ver Ruy Barbosa significando a própria existência da Pátria, na sua alma elevada e na sua máxima grandeza. Grande e incomparável na organização do regime republicano; grande e incomparável em Haya, - a Pátria brasileira compreendera, enfim, a representação da sua personalidade como a da própria representação.

Ele era o pensamento mais alto; as suas aspirações mais grandiosas. Toda a sua vida se devotara ao Brasil num afeto que não será jamais ultrapassado por nenhum homem público deste país. Toda a sua vida se desenrolou entre tremendas tempestades, e nas suas lutas e controvérsias ele foi sempre o grande alentador das nossas energias cívicas e morais. Combatendo, no império, pelas reformas liberais e pela democracia, ele foi o maior fator de impulso que levantou a República e abateu a monarquia.

Na República ele foi o seu maior sustentáculo; e o seu verbo divinizado consagrou-se à glória das campanhas cívicas, em que a nação pulsou com o seu coração e o seu pensamento, ardentes e cintilantes do mais puro ideal republicano! O maior gênio da nacionalidade - a sua obra - confunde-se com a existência nacional, as suas forças gastaram-se no devotamento incessante ao país. (...)

Ruy Barbosa ficará como a maior tradição da nacionalidade, e o fato da sua morte, agora que as paixões incendiadas vão aplacar os seus ímpetos, fará com que apareça imaculado e venerado, alto e intangivel como um deus. (...)"

A Pátria, 2 de março de 1923

 

"Entre as maiores desgraças que, nesta época sombria, cheia de incertezas, vacilações e temores, poderiam desabar sobre a Nacionalidade, nenhuma será comparável à morte do conselheiro Ruy Barbosa. Na realidade, esse super-homem excepcional era numen tutelar que velava pelos destinos nacionais. (...) Não há, no Brasil, outra personalidade que possa ser comparada a Ruy Barbosa (...)

Moço ainda, no parlamento do Império, começa ele a agitar a sua mascula personalidade. Batalha pela eleição direta. É um dos operários mais prestimosos da campanha que derruiu o edifício negro da escravidão. Levanta o problema do ensino público e produz dois monumentais pareceres - até hoje consultados como orientadores seguros e firmes. Ergue a bandeira da Federação, para salvar as províncias da centralização que as anemizava, e, por amor desse princípio, recusa uma pasta de ministro no gabinete Ouro Preto.

Vem a República, em cuja "pedra angular está embutido o seu nome", como ele mesmo disse, e vemol-o, então, como o construtor máximo das instituições e formulas políticas que nos regem. A sua passagem pelo Ministério da Fazenda ficou assinalada por providências e medidas a que, anos mais tarde, os seus impenitentes adversários e defratores tiveram de recorrer, como salvaterio das finanças nacionais.

Daí por diante, não houve grande momento da nossa vida de povo livre em que essa extraordinária figura moral não aparecesse, predizendo e mostrando ao povo o caminho certo e seguro da salvação pela liberdade. Na campanha civilista, em que não se poupou a cansaços e fadigas para poupar ao país a implantação humilhante do militarismo em nossas instituições, Ruy Barbosa excedeu-se a si mesmo, conseguindo despertar, nas nossas populações indiferentes, a chama sagrada da fé cívica.

E está na memória de todos o que foi essa campanha contra o obscurantismo da política nacional, coroada pela vitória nas urnas, fraudadas, em seguida, pelos malandrins da política oficial, que despojaram Ruy Barbosa da vitória que a Nação lhe conferira. Jurisconsulto de oracular sabedoria, orador de asssombrosos recursos verbais, mestre incomparável do idioma de Camões, escritor dos mais completos da época moderna, senhor d'um estilo que vibra em todas as gamas e d'uma foma que é musculo e sangue, o conselheiro Ruy Barbosa é uma destas figuras inconfundíveis que mui raramente, de século em século, honram a Humanidade. (...)

A Tribuna, 2 de março de 1923

 

" O eclipse de um genio... Com este monosílabo se definia um mundo. Este mundo de fulgurações imprevistas se nos afigurava tanto mais raro, quanto se continha no pequeno espaço do cerebro de um homem ... Rompida, porém, quase de súbito, a curva fechada da sua gravitação, em torno de um sol, que acreditamos fosse o genio da Justiça, ele, se não veio desaparecer, propriamente, pelo menos entrou em conjunção com outras, eclipsando-se! (...) Enquanto existir pelo menos a língua de Camões, Ruy, o seu maior poeta em prosa, não passará! (...)

A cidade amanheceu enlutada sob a pressão causada no espírito público pelo doloroso acontecimento. Cedo, ainda, o comércio já apresentava o aspecto anormal dos dias tristes. Mais tarde, hasteadas as bandeiras a meio pau, aumentou, se possível, essa tristeza. À porta das redações, o povo procurava informações sobre as homenagens que iam ser prestadas ao eminente brasileiro, cujo corpo, já se sabia, deveria descer à tarde, de Petrópolis para ser colocado em exposição no edifício da Biblioteca Nacional. Ainda não passara a surpresa do sucedido. O último comunicado da Agência Americana, tranquilizava um pouco os admiradores do ilustre brasileiro, que às 9 horas, mais ou menos, receberam a notícia do desenlace. (...)

Ruy Barbosa foi, todos o recordam, quase vitimado pela uremia, há poucos meses. O mal foi debilitado, mas deixou completamente perturbadas as funções do resistente organismo do eminente brasileiro. Adoecendo, agora, de outro mal, Ruy Barbosa veio ainda a morrer em consequência do envenenamento produzido por aquele ataque de uremia, pois teve o bulho atingido pela infecção (...) A paralisia tomara todo o corpo de Ruy Barbosa. A agonia foi rápida. Às 8,25 morriaplacidamente."

Rio Jornal, 2 de março de 1923

 

"Apagou-se ontem a grande vida de Ruy Barbosa. Não se grafa esta frase friamente. Certos embora da condição extremamente delicada da sua saúde, preparados para a dureza do golpe que, de ha muito, ameaçava essa luminosa existência, não soubemos afazer à brutal realidade do seu desaparecimento. Profundamente consternados diante da evidência sem remédio, não nos conformamos com a perda formidável, senão para sentirmos ainda com maior dor a incidência da cruel fatalidade.

Desmorona-se, com ele, o acume da mentalidade brasileira; perde a América o seu maior cidadão vivo, e o mundo civilizado uma das raras cerebrações potenciais que iluminam de peregrino esplendor contemporâneo a sua cultura política, jurídica e literária. (...)

Sessenta anos consumiu ele lutando por todas as causas dignas de um gênio de mil faces e de um coração nutrido pelo bálsamo da mais alta generosidade. (...)

De uma vida tão opulenta, vivida com tamanho fausto e glória, baldado seria tentar mesmo uma síntese, com a pretensão de fixar nos seus lineamentos mais típicos e uma obra nos seus aspectos mais sensíveis. Falece-nos o engenho ante a sombra do gigante. Não temos senão ânimo para pranteal-o, e participar do luto que assombra a alma inconsolável da Pátria. (...)"

O Paiz, 2 de março de 1923

 

"Os genios escapam à precacidade das coisas humanas. A imortalidade só para eles não é uma palavra vã, porque só eles podem viver, pela irradiação eterna da sua luz, para além do perecimento da forma material em que se abrigaram. Por isso, a morte, que nos arrebatou ontem Ruy Barbosa, não n'o matou. Ele sobreviverá à fatalidade das leis que presidem os destinos hymanos e o seu grande espírito, que anda todo esparso na sua grande obra, viverá conosco e viverá com a história pelos tempos adentro. (...)

Revelou-se sobretudo na memorável campanha civilista que agitou o país em 1909 e 1910. São imortais - pode-se dizer - os discursos e conferências que fez no Teatro Lyrico, da Bahia, em S. Paulo, em Campinas, em Santos, em Belo Horizonte, em Ouro Preto, em Juiz de Fora, a Plataforma do Polytheama Bahiano e os manifestos à Nação.

É sem dúvida, a grande obra de Ruy Barbosa, a "República" ao professor Carneiro. É o Ruy polemista, entre amargo e agressivo, gramático e estilista. É outro trabalho de fôlego do ilustre morto a revisão do Código Civil, mil e oitocentos artigos, com longas e minuciosas notas. Como consequência dele, nasceu a réplica. As duas obras se completam em perfeição. (...)

Será transportado hoje, ao meio dia, para esta Capital o corpo do eminente brasileiro. (...)"

O Brasil, 2 de março de 1923

 

AS MANCHETES:

A Morte do Gênio da Raça - Ruy Barbosa Faleceu, Ontem, em Petrópolis, Às 8,25 da Noite ( A Pátria )

Ruy Barbosa - Clarão Extinto ( O Paiz )

O Eclipse de um Gênio ( Rio Jornal )

Um Golpe Irreparável do Destino . Morreu Ruy Barbosa - Homenagens e Tributos de Gratidão da Alma Nacional ( A Tribuna )

Finou-se O Expoente Máximo da Intelectualidade Brasileira - O Páis Inteiro Chora, Neste Momento, A Morte de Ruy Barbosa, O Maior De Seus Filhos

Foi Decretado Pelo Governo Luto Nacional Por 3 Dias - Serão Prestadas Ao Grande Morto Honras de Chefe de Estado, Correndo As Despezas Dos Seus Funerais Por Conta da Nação. ( O Brasil )

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31)Sinhô (1930)

" 'Sinhô', o cantor de uma série infindável de canções, trovás e sambas, faleceu ontem, vitimado pela grave enfermidade que a muito lhe minava o organismo. Quem não conheceu o boêmio incorrigível, que foi o José B. de Lobo, o 'Sinhô', ou melhor 'O Rei do Samba'?

Toda a população brasileira, e mesmo pelo exterior, o trovador que desaparece era assás conhecido. Os seus sambas, as suas marchas, as suas emboladas e cateretês eram disputados pelos cantores.

Tinha razão de ser. 'Sinhô', fazendo a música, compunha também os versos, daí a cadência e harmonia das suas composições. Dedilando o violão com maestria, ele empolgava desde que aparecia. No piano era apreciadíssimo, quando tocando as suas composições. O reclame das suas composições fazia ele mesmo, chefiando conjuntos, ora tocavam em casa de música e ora percorriam as ruas da cidade, muitas vezes iam parar em casa de famílias onde se realizavam festas. Teve sua época.

Há muito, a tuberculose apoquentava-o. Ontem, quando saltava de uma barca, vindo de Niterói, 'Sinhô' foi acometido de uma forte hemopthise e sucumbiu. O seu cadáver foi levado para a residência de onde hoje sairá o enterro."

Diário Carioca, 5 de agosto de 1930

 

"A morte de José Barbosa da Silva, o popularíssimo 'Sinhô', já amplamente noticiada, compungiu verdadeiramente a cidade que se diverte, e mesmo a que se não diverte. Sirva-lhe de consolo ao espírito!

Ele, que tanto concorrera para a alegria da nossa gente, com os seus sambas de expressão popular inegavelmente belas, vivia, de ha uns anos para cá, doente e esquecido. Não cantava mais, porque a tosse incessante não o permitia. E lutava com as maiores dificuldades para viver. Magro, de voz sumida, curvado ao peso da moléstia implacável que o minava dia-a-dia, o 'Rei do Samba', por todos proclamado, era um 'cadáver vivo' a arrastar-se pelas ruas da metropole.

Veio a morte, que todos os que conheciam 'Sinhô' esperavam, e não houve quem não sentisse a perda do cantor. Todos, não. O governo, nem mesmo depois de morto o infeliz, lembrou-se de prestar-lhe uma homenagem, por singela que fosse, ao verdadeiro criador da canção brasileira, genuinamente brasileira, que tanto sucesso tem logrado aquem e além das fronteiras do país!

O caixão de 3a classe, encerrando o corpo magerrimo do autor de 'Jura' saiu, hontem, às 17 horas, num coche de igual categoria, na capela do Hospital Hahnemaniano para uma cova rasa no cemitério de S. Francisco Xavier. (...)"

A Pátria, 6 de agosto de 1930

 

"Na barca que vindo da Ilha do Governador atraca ao Pharoux pouco antes das 18 horas, foi surpreendido pela morte de um homem que se a Fatalidade lhe tivesse cerrado os olhos na época em que a cidade, ha uns seis anos, tinha ainda aos ouvidos o rumor da canção que fica sempre, palpitante, ainda do Carnaval que se foi, talvez tivesse um terço da população rendendo-lhe, compungida, a homenagem ultima na visita ao seu corpo inanimado.

Foi ele José Barbosa da Silva, ou simplesmente o 'Sinhô', o popular musicista, cujas canções de uma modulação essencialmente carecterística lograram, indubitavelmente, estupenda consagração.

Enfermo ha tempos, 'Sinhô', que atualmente quase não produzia já, foi, por longo tempo, pode-se dizer, o mais popular dos nossos compositores de músicas carnavalescas.

Empunhava com justiça, o sceptio de 'Rei do Samba' como o chamavam, pois no gêenero bem poucos conseguiram ver as suas produções alcançarem o exito das suas que chegaram a varar fronteiras, logrando no estrangeiro o mesmo exito que aqui.

Difícil tarefa seria catalogar-se, nesta nota apressada em que não dissimulamos a surpresa que nos causou a morte do popular compositor, quantas produções ele deixou. Foram muitas é o que todos sabem, como bem poucos ignoram que numerica, embora mais por intuição do que por cultura, 'Sinhô', principalmente na sua época aurea, não só compunha como executava. A flauta, o violão e o piano lhe eram familiares.

'Sinhô' morre aos 35 anos de idade. Residia com sua companheira d. Nair Silva à rua Pio Dutra n. 44 na Ilha do Governador. E recolhido que foi o seu corpo à capela do Hospital Hahnemaniano, deve o seu enterro sair daí hoje à tarde, para o cemitério de S. Francisco Xavier."

A Batalha, 5 de agosto de 1930

 

"A morte, numa das verdadeiras traições que constituem os bruscos epilogos que ela impõe à vida das criaturas, acaba de alienar do convívio da cidade uma das figuras mais conhecidas e mais queridas do Rio, principalmente o Rio que se diverte, fazendo-a desaparecer nos socavões sombrios do desconhecido. J. B. Silva, o 'Sinhô', ou melhor, o Rei do Samba, como a cidade inteira o sagrou, faleceu, ontem, repentinamente, quando se achava em plena Praça 15 de Novembro. Ocorreu tudo num minuto. Um ataque que se ouviu, o baque de um corpo e as mãos frias da morte cerrando os olhos daquele que foi o maior interprete da alma popular nos últimos tempos.

Que singularidade! 'Sinhô', o Rei do Samba, o cantor das almas, das ruas, morreu ao contato da alma das ruas, que ele tanto amou e interpretou nos seus anseios, escrevendo canções populares que andaram de boca em boca, na mais larga extensão, correndo mundo. (...)"

A Crítica, 5 de agosto de 1930

 

" 'Sinhô' morreu, foi a triste nova que ontem compungiu a cidade inteira. Poucos sabiam-lhe o nome verdadeiro - José Barbosa da Silva - mas todos proclamavam 'Sinhô', como o 'Rei do Samba' e - diremos nós - como uma expressão lidima da alma popular, nas suas alegrias, sambas alegres que muitos perpetrou, e samas sentimentais, que tanto souberam enternecer.

Foi a implacável tuberculose que vitimou 'Sinhô'. A sua voz sumida, nos últimos dias de sua agitada existência - quanta luta pelo pão nosso de cada dia! - não lhe permitia mais cantarolar, em rodas amigas, o seu 'último samba', de era ele, sempre, tão cioso; dava, porém, e com exatidão, a certeza de que aquela carcassa, que se locomovia a custo, vibrava ainda, cheia de esperanças, para que vibrassem, também, o coração bem brasileiro da nossa gente e o espírito das nossas causas e dos nossos costumes.

'Sinhô' esplendeu nas ruas, nessas ruas da nossa grande metropole, que recebem e acolhem os gritos dos que têm alma e fé, gritos que os salões engalanados, por incomparável vergonha, não querem ouvir, mas que são a expressão definida do nosso amor, dos nossos costumes, da nossa vida. E aqui ficam estas simples e rápidas palavras do seu necrologio. Para a tumba de 'Sinhô', no campo santo, não desceu somente o corpo mirrado do tuberculoso, que se foi: desceu, também, a exuberância de nossa alma nos ritmos brasileirissimos da música nossa, expressiva, alegre, as vezes, sentimental quase sempre."

O Globo, 5 de agosto de 1930

 

AS MANCHETES:

A Morte do 'Rei do Samba' - O Pezar da Cidade, Pelo Desaparecimento de 'Sinhô', O Seu Cantor Predileto ( A Pátria )

Os Imprevistos da Morte - 'Sinhô', O Rei do Samba Faleceu Repentinamente

( A Crítica )

Faleceu, Ontem, Repentinamente, O Popular Compositor 'Sinhô'(A Batalha )

Um Violão de Luto - O Falecimento de 'Sinhô' ( O Globo )

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32) Revolução de 30 (1930)

"Os primeiros boatos que circularam na cidade diziam que o movimento revolucionario rebentara em Bello Horizonte.

Succederam-se outras noticias. O agitador Assis Chateaubriand, bem como o Sr. Nelson Paixão, redactor do "Diario da Noite", teriam sido presos. Momentos após, a nossa reportagem era informada que a policia havia effectuado mais a prisão de varios jornalistas pertencentes aos jornaes "Diario da Noite", "O Jornal", "A Batalha", "Diario Carioca" e "A Patria".

Em todos os quarteis da cidade, a promtidão era rigorosa. O quartel-general, do mesmo modo, mantinha-se guarnecido por um grande numero de sentinellas. Em varios pontos da cidade viam-se piquetes de cavallaria e a estação da Central do Brasil mantinha-se vigiada por um grande numero de agentes policiaes, que fiscalisavam a entrada e sahida de pessoas. (...)"

A Crítica, 4 de outubro de 1930

 

"Apesar do terrorismo dos fantasiados pela imaginação exaltada de certos derrotistas, o rythmo normal da vida carioca não soffreu alterações de natureza alguma. O mesmo movimento dos dias communs, a mesma calma imperturbavel que é caracteristica não se modificou.

A cidade quase não commentou o que os boatos vehiculavam. Nas casa de diversões a concurrencia foi normal. Os cafés e logares publicos apresentavam o aspecto de sempre, algo mais vivo por ser sabbado - dia ordinariamente consagrado a expansões maiores.

A Avenida - mostruario da elegancia e da fitilidade do Rio - não se despovoou, nem, ao menos, seu ruidoso movimento envolvente. Não se viam physionomias sobressaltadas, nem se ouviam commentarios reciosos.

Estava sob a mais completa calma a cidade, hontem. E, o carioca, generoso, bom, nobre, e respeitador, teve seu somno absolutamente tranquillo."

A Crítica, 5 de outubro de 1930

 

"Deante da situação anormal creadas pelos acontecimentos de Minas Geraes e do Rio Grande do Sul, despertando os appetites de alguns retalhistas inescrupulosos, que pretendiam explorar o povo, o governo da Republica resolveu tomar immediatas e energicas providencias, tendentes a evitar o assalto á bolsa do povo.

Apezar das difficuldades de transporte entre os Estados de Minas e Rio Grande, nada justificava o assalto dos "profiteurs" do momento (...)"

A Crítica, 8 de outubro de 1930

 

"A impressão causada no espirito publico pelo manifesto do presidente Washington Luis prova a necessidade de um contacto permanente entre os governantes do paiz. Os moldes da nossa republica isolaram do povo os seus dirigentes. Desse isolamento se aproveitam os exploradores para a interpretação capciosa de certos actos governativos que permaneceriam inattingiveis ao desvirtuamento si a palavra presidencial os defendesse perante a Nação. (...)

O presidente Washington Luis - si já tinha a confiança do Brasil que trabalha e deseja prosperar em paz multiplicou, com o seu manifesto, a efficiencia do apoio que a Nação lhe dava. Nada falará melhor do que esse documento sobre a indignidade do golpre desferido contra o Brasil quando os beneficios de um quadriennio honesto e laborioso se reflectiam em todas as classes.

A magoa do patriota não diminue, porém, a sua fé. Fortalece-a . Á politica do Rio Grande do Sul coube, para maior sorpreza do administrador probo, o papel de Brutus. A unidade sulina recebeu do governo Washington Luis os maiores auxilios e honrarias.

Escolhido para ministro da Fazenda neste Governo, o Sr. Getulio Vargas habilitou-se á presidencia do seu Estado graças ao prestigio que lhe adveio dessa escolha. A sua lealdade é conhecida do paiz. Passando por cima de um documento garantindo a sua colaboração na questão da candidatura presidencial - elle candidatou-se á revelia dos compromissos assumidos. Declarando acceitar o veredictum das urnas como epilogo da sua felonia, elle armou, ou consentiu que se armassem, os seus correliogionarios.

Brutus em escala maior, o Sr. Getulio Vargas depois de apunhalar pelas costas o amigo, apunhalou pelas costas o Brasil. (...)"

A Crítica, 11 de outubro de 1930

 

"O termo da intimação, dirigida ao presidente Washington Luis, estava redigido nos seguintes termos:

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1930 - Exmo. Sr. presidente da República - A Nação em armas, de Norte a Sul, irmãos contra irmãos, paes contra filhos, já retalhada, ensanguentada, anseia por um signal que faça cessar a luta ingloria, que faça voltar a paz aos espiritos, que derive para uma benefica reconstrução urgente as energias desencadeadas para a entre destruição.

As forças armadas, permanentes e improvisadas têm sido manejadas como argumento civico para resolver o problema politico e só têm conseguido causar e soffrer feridos, luto e ruina, o descontentamento nacional, sempre subsiste e cresce, porque, vencida, não pôde convencer-se de que, o que teve mais força, tenha mais razão. O mesmo resultado reproduzir-se-á como desfecho da guerra civil, a mais vultosa que se viu no paiz. A solução politica, a integridade da Nação, o decoro do Brasil e até mesmo a glória de v. ex. instam, urgem e imperiosamente commandam a v. ex. que entregue os destinos do Brasil, no actual momento, aos seus generaes de terra e mar.

Tem v. ex. o prazo de meia hora a contar do recebimento desta para communicar ao portador a sua resolução e, sendo favoravel, como toda Nação livre o deseja e espera, deixar o poder com todas as honras garantidas.

(aa.) João de Deus Menna Barreto, general de Divisão, inspector do I Grupo de Região; João Fernandes Leite de Castro, general de Brigada, commandante do 1o DAC; Firmino Antonio Borba, general de Brigada, 2o sub-chefe do EMB; Pantaleão Telles, general de Brigada, e varios generaes e almirantes de que não houve tempo de colher as assignaturas.

Pela Avenida Rio Branco corria anormal o movimento. O povo - depois de longa tyrannia e liberto, saltava, pulava, dando expansão á alegria immensa que o empolgava.

Automoveis, repletos de militares, em fraternal mistura com o povo, passavam aos gritos de - Viva a Revolução! - Viva João Pessoa! - Viva Getulio Vargas!

É quando um carro passa, repleto de elemento civil. Ha um movimento geral de curiosidade. O povo cala-se por instantes. Foi obra de um segundo. Immediatamente, um grito irrompe em todas as bocas: - Mauricio! Era o Mauricio de Lacerda que passava.

O grande tribuno, notava-se sem sua phisionomia alegre, transpirando jubilo intenso, estava cansado e mantinha-se ali, com custo porque (talvez effeito dos rudes golpes por que passou nestas duas ultimas semanas) elle estava mais magro, e abatido, physicamente.

O povo pediu, em altos brados, que Mauricio, o seu estremecido tribuno, falasse.

Mauricio, entretanto, não poude fazel-o. Limitou-se a sorrir, enquanto dirigia um cumprimento ao povo e acenava com as mãos pedindo-lhe calma.

Depois, a massa popular que cercava-lhe o auto abriu alas, dando-lhe passagem, aos gritos de: - Viva Mauricio! Viva Getulio Vargas! Viva a Revolução!

Pouco atrás do carro em que vinha Mauricio, o povo agglomerava-se, aos gritos, incessantes, de "Viva a Revolução", emquanto acenava com varios pedaços de pannos vermelhos ao ar.

Approximámo-nos, e, então, pudemos comprehender a causa do enthusiasmo do povo. Ali estava, parada, a "barata" n. 12.026. No seu interior uma moça gentil e bella rasgava o vestido de côr rubra, para distribuir os pedaços entre o povo.

Quizemos falar-lhe, mas foi impossivel, tão compacta era a massa popular que cercava a sympathica brasileira! (...)

O povo suburbano, constituido na sua grande parte pelos menos favorecidos da fortuna, explodiu em vibrantes e enthusiasticas manifestações, dando expansões ruidosas ao seu incontido jubilo pela victoria dos ideaes revolucionarios.

Os sentimentos de revolta do povo, por tanto tempo suffocados pelos actos da mais torpe prepotencia, romperam tumultuosos, enthusiasticos e delirantes. (...)"

A Esquerda, 24 de outubro de 1930

 

"Neste instante é difficil fixar no papel, no torvelinho da hora historica que a Nação atravessa, as impressões extraordinarias que nos envolvem. O aturdimento da victoria inebria o povo. Defronte á nossa redacção, povo e exercito, povo na sua mais ampla expressão, senhoras e crianças, em verdadeiro delirio, acclamam a liberdade.

A Avenida é toda uma visão alucinante. Os aviões cortamn-a sob a vibração das massas. As sirenes atordoam. Em outros pontos, defronte do Paiz e da Noticia as fogueiras improvizadas pelo povo consomem jornaes velhos, livros, escrivaninhas, cadeiras, tudo quanto o povo, no primeiro impeto arrancou de dentro daquelles jornaes atirando para a rua.

Pelas ruas desfilam multidões inebriadas. O espetaculo é emocionante. A cidade está sob a impressão de desafogo. Apparecem retratos de Getulio Vargas, em quadros estampados, deante dos quaes o povo prorompe em vivas.

Era de causar funda impressão o verem-se senhoras quando mais viva era a agitação distribuirem flores ao povo. Lenços vermelhos, bandeiras vermelhas, um delirio vermelho vermelho empolgou a capital. O povo victorioso explodia em vibrações permanentes. São 11,30. (...)

Diário da Noite publica com o jubilo natural o documento abaixo, dictado nesta redacção, á hora em que chegava á Avenida Rio Branco noticia da quéda do governo, pelo capitão Raymundo da Silva Barros, do Corpo de Intendencia, a valorosa corporação que se associou immediatamente á causa do povo.

São as seguintes as palavras do valoroso militar que falou ao povo de uma das janellas deste jornal, o primeiro militar que falou sobre o golpe definitivo da Revolução.

Pela madrugada de hoje, ás 5,30, os officiaes, general Menna Barreto, Firmino Borba e Leite de Castro e João Gomes Ribeiro Filho, apoiados pelo 1o C/P de São Christovam lançaram um manifesto aos militares da 1a Região, convidando para o pronunciamento militar que fizesse para de uma fez para sempre o modo impatriotico de governar o Brasil.

Nesse momento o coronel Bastos, da Intendencia da Guerra, parlamentou com o 1o grupo para saber se se tratava de uma resolução definitiva e não de um embuste.

Á adhesão do grupo depuzemos immediatamente o general Xavier de Barros que não oppoz resistencia. Esse official general tinha em seu poder um documento pelo qual lhe haviam sido adiantados para operações 1.000 contos de réis pelo Banco do Brasil.

Reuniu-se immediatamente o Conselho de Administração para tomar conta dos dinheiros publicos, sendo presos e desarmados, quando se hasteavam a bandeira brasileira e revolucionaria o coronel Heitor Abrantes e tenente Ravedutti.

o 1o de Cavallaria fez a guarda da revolução, reaffirmando o valor patriotico de seus homens que vivavam a causa do povo e mantendo as suas tradições de heroismo, apoiados pelo 1o Grupo de Artilharia Pesada, disposto e prompto a proteger a marcha revolucionaria sobre a capital.

São essas as palavras que nos ditou, entre vivas e acclamações o capitão Silva Barros que o povo pediu que falasse e que depois saiu carregado pela multidão para reunir-se aos seus companheiros."

Diario da Noite, 24 de outubro de 1930

 

"Após um periodo de 21 dias de allucinante expectativa e fundas appreensões, os imperativos da alma popular determinaram os memoraveis acontecimentos que culminaram, hontem, nessa apotheose á liberdade coroando a redempção de um povo nobre e altivo, que parecia pequeno porque permanecia de joelhos.

Trazendo no peito o fogo sagrado que levou João Pessôa ao sacrificio supremo da vida, abalado pelo enthusiasmo santo que o patriotismo communica a todas as almas bem formadas, o povo carioca saiu hontem para a rua, realizando galhardamente a conquista de seus direitos conspurcados.

Vibrando em estos de civismo, delirante de alegria, na qual tomaram parte senhoras e creanças, ao tremular do Pavilhão Nacional a ao aceno dos lenços vermelhos, symbolos e distinctivos da revolução redemptora, soube o povo, usando de suas prerogativas de conscio de seus deveres, dar o merecido castigo a todos quantos tripudiavam sobre a caudal de sangue patricio, generoso e bom que a caricata de um Cesar de papelão desencadeára sobre o solo da Patria.

Castigou e purificou a fogo o ambiente emprestado pela covardia inonimavel dos lacaios agachados por traz dos communicados officiaes, supremo escarneo atirado ás faces de um povo, cuja capacidade de soffrimento se esgotou, emfim.

E no momento justo em que a Nacionalidade reclamava a sua collaboração decisiva, eil-o que entra em acção vibrando o golpe de misericordia, na tyrannia inconsciente e moribunda.

Da sua actuação na jornada gloriosa de patriotismo e redempção, que hoje inicia a sua primeira etapa vitoriosa, damos a seguir detalhados informes. (...)

Desde as sete horas da manhã, que a aristocratica Avenida Atlantica, se encontrava em verdadeiro delirio e sob os impulsos incontidos de alegria sem par, que a todos causou a victoria da revolução brasileira.

Nas immediações do Forte de Copacabana - o tradicional forte da immortal epopéa dos dezoito heróes - a massa popular era consideravel.

Ali, como em todo o percurso da elegante praia, o enthusiasmo dos moradores, attingiu ao auge, e, á passagem de carros conduzindo praças revolucionarias, todas com um laço vermelho no fuzil ou na farda, o povo prorompia em vivas ardorosos ao "Brasil Livre" e á "Revolução Victoriosa". Senhoras e crianças, populares e militares viveram horas da mais completa confraternização.

Foi um brilhante espetaculo, o da manhã de hontem, na aristocratica avenida, espetaculo que se prolongou até á noite.

O povo na sua incontida expansão de vindicta contra os conspurcadores de sua liberdade, praticou varias depredações. Os mais sacrificados com a ira do povo foram os jornaes que apoiaram o governo derrubado.

Assim as sédes dos jornaes "A Noticia", "A Critica", "Vanguarda", "Gazeta de Noticias", "A Ordem", "O Paiz, "Jornal do Brasil" e "A Noite" foram violentamente alvejados.

Destes, as redacções do "Jornal do Brasil", "A Noite" e "O Paiz" e as officinas da "Gazeta de Noticias", chegaram a ser incendiadas, sendo necessario o comparecimento do Corpo de Bombeiros para abafar as chammas. O edificio da "A Noite" ficou damnificado até ao 4o andar, alem das avarias da redacção.

Enquanto isso, o povo victoriava "A Esquerda" e "A Batalha" e outros orgãos das sympathias populares eram victoriados. (...)

A Batalha, 25 de outubro de 1930

 

"Triumphou hontem em toda a linha, pela intervenção dos generaes que intimaram o Presidente da Republica a deixar o poder, triumphou desde as primeiras horas nesta capital e pode-se considerar victoriosa em todo o paiz, a revolução desencadeada por Minas Geraes, Rio Grande do Sul, Parahyba e elementos de outros Estados, contra o governo da Republica.

Movimento de reivindicações legitimas, necessarias á normalização do paiz, perturbado pelas injustiças do poder - foi uma revolução eminentemente civil, dos elementos politicos e populares dos governos estaduaes irmanados com o povo, a que as forças armadas do Exercito e da Marinha, confraternizadas com a Nação, como sempre, em todas as phases graves da nossa historia, déram o concurso indispensavel a uma decisão mais rapida.

Minas Geraes teve, por seu governo e pelo seu povo, um papel preponderante nesta grande jornada civica.

Ainda ao Rio Grande do Sul e a Parahyba, foi o nucleo central da resistencia e da offensiva contra o governo que, transviado da sua missão, tendo enveredado para os caminhos da prepotencia e da injustiça, interveiu nos dissidios politicos, empregando em favor de um grupo todos os recursos que ao poder foram dados para garantia de todos, para tranquillidade e progresso da Nação.

É cedo nesta primeira hora, de paixões ainda candentes, é cedo para julgar definitivamente da conducta que entendeu observar o ex-presidente, homem honrado, de qualidades sem duvida apreciaveis, probidade, caracter e patriotismo, mas violento e obstinado, que a ninguem ouvia, ou antes só obedecia ás inspirações da sua vontade discrecionaria.

Não lhe falaram com franqueza seus ministros e conselheiros, ou não os escutou.

De que a norma por elle adoptada no exercicio da sua magistratura, que desviou de sua verdadeira missão pacificadora - prova a revoluçÃo, ora victoriosa em todo o paiz e nesta Capital, por entre demonstrações de regosijo popular bem maiores do que as que assignalaram o advento da Republica.

É o regimen que sahe victorioso desta provação, a que o paiz inteiro se associou orientado e dirigido por um pugilo de patriotas destemerosos civis e militares, cujos nomes estão já inscriptos no kalendario republicano como regeneradora de uma época, descortinando o futuro.

Getulio Vargas, Olegario Maciel, Antonio Carlos, Arthur Bernardes, Oswaldo Aranha, Juarez Tavora, e seus bravos companheiros de armas, Flores da Cunha, João Neves, e tantos outros heroes, civis e militares, desta jornada de altivas repulsas e corajosas affirmações, com os generaes e almirantes que hontem déram o golpe final da campanha, assumiram grandes compromissos com a Nação.

Estamos seguros de que vão abrir para o Brasil um novo acto de garantias effectivas, de trabalho, de progresso, e civilização.

Liberdade e Justiça sejam o lemma desse periodo historico, que se abre para a nossa patria, deante do olhar vigilante do continente e do mundo.

Liberdade, autoridade, direito, justiça - tudo isso temperado pela equidade, emanação da bondade constructora.

Bondade que desarma e pacifica, fundando os alicerces do edificio social no coração do povo, fraternisado e feliz. Viva a Republica! Viva o Brasil unido e forte!"

A Patria, 25 de outubro de 1930

 

"A população do Rio de Janeiro sabe que o edificio da A Noite foi assaltado, que as suas officinas foram quasi totalmente destruidas, que os escriptorios e empresas installados no arranha-céu foram roubados, mas ainda não conhece os autores dessas brutalidades, que surprehenderam a todos, e ninguem attribuiu, nem poderia logicamente attribuir, ao generoso, ao culto povo carioca.

As attitudes da A Noite no momento que passava não explicariam taes crimes, que tiveram origem no odio e na inveja, procurando aproveitar-se de uma situação anormal para destruir um jornal em cujas columnas têm amparo todos os desgraçados e que despende uma média mensal de trinta contos para soccorrer os necessitados que batem á sua porta.

O jornal que tem aberto em favor dos humildes as subscripções mais vultosas, que dá conta minuciosa, aos doadores dos donativos que lhe são entregues, que tem collocado nos hospitaes milhares de enfermos pobres, que levanta das ruas os infelizes sem tecto, que affronta os poderosos na defesa dos fracos, nunca seria, e não foi atacado pelo povo a que se devotou.

Conforme declarações espontaneamente feitas deante das novas autoridades, alguns communistas, auxiliados por individuos despedidos da A Noite, no momento em que se atacava O Paiz, conseguiam arrastar os elementos communistas e grupos de individuos fluctuantes, sem classificação,, nem idéas, para atiral-os contra a nossa folha, cujos empregados, em grande parte, como adiante demonstraremos, estavam nas fileiras da revolução, enfrentando os corpos que ainda não se haviam definido contra o governo.

Na A Noite, á hora do assalto, estavam, apenas, um dos directores da Sociedade Anonyma, o gerente, o redactor-chefe, alguns empregados do escriptorio e parte do pessoal das officinas.

Quando os aggressores se aproximaram, suppondo-os revolucionarios, recebemol-os como amigos janellas e portas abertas. Um delles, porém, destacando-se exigiu que arriassemos a bandeira nacional, hasteada no terceiro pavimento, gritando-nos: - Arrie a bandeira burgueza! Outro exigiu: - Levanta a bandeira vermelha!

Fizemos então baixar as portas exteriores de aço. Uma dellas foi arrebentada com auxilio de um caminhão. Arrancada de nosso fachada a bandeira do Brasil, foi pisada pelos communistas, que a rasgaram, levando um de seus pedaços como um trophéo, a redacção do "Diario da Noite", como noticiou esse vespertino.

Assistimos depois á invasão do nosso edificio e á depredação do nosso material. Pensamos no primeiro momento que soffriamos, apenas, a "revanche" do communismo e só mais tarde viemos a saber que outros elementos por despeito e inveja tinham-se reunido aos subversores da sociedade. (...)"

A Noite, 4 de novembro de 1930

 

AS MANCHETES:

As Ultimas Informações Sobre O Movimento Subversivo De Minas Geraes e Rio Grande - Foi Decretado O Estado De Sitio Para Minas, Rio Grande, Parahyba, Districto Federal E E. Do Rio ( A Critica )

As Tropas Federaes Estão Senhoras Da Situação - Reina Completa Calma Em Todo O resto Do Paiz - Todas as Altas Patentes Do Exercito Solidarias Com O Governo ( A Critica )

Como Será Feito O Abastecimento De Generos Alimenticios Á Cidade - O Governo, Attento, Ao Bem Estar Publico, Toma Energicas E Efficazes Providencias Para O Abastecimento De Generos Á População ( A Critica )

Brutus ( A Critica )

Num Gesto Que Bem Define A Sua Mentalidade E Tanto Ennobrece Os Seus Sentimentos, O Povo Da Capital Da Republica Acaba De Vibrar O Golpe Decisivo Nesse Montão De Miserias E Sordices Que Era O Governo Que Acaba De Cair, Afogado Na Propria Ignominia. Precipitando Os Acontecimentos E Dando A Victoria Á Causa Sagrada Da Patria, O Povo Carioca Pôz Um Dique, Á Caudal De Sangue Desencadeada Pelos Moribundos E Avultou, Aureolado, No Coração Do Brasil - Salve Povo Carioca!

( A Esquerda )

Viva O Brasil! Viva A Republica Nova E Redimida! Os Ideaes Da Patria Venceram! ( Diario da Noite )

O Sr. Washington Luis Que, Diziam Os Seus Amigos, Era Destemido E Bravo, Teimoso E Valente, capaz De Morrer No Seu Posto, Sem Recuar, Teve Medo Do Povo. Teve Medo E Até Ás 14 Horas De Hontem Permanecia No Palacio Guanabara, De Onde Teimava Em Não Sair, Porque O Povo Estacionava Nas Immediações. Doloroso Epilogo De Uma Farça; Triste Fim De Um Regabofe Indecoroso Que Se Esvae Por Entre Arrepios De Pavor E Temores De Medo...

( A Batalha )

Alliando-se Á Republica Triumphante, Os Generaes De Terra E Mar Apressam A Victoria. O Povo Carioca, Numa Confraternização Commovedora, Tomou Parte Na Arrancada Final Em Que As Forças Armadas Depuzeram O Governo Que Nos Infelicitava E Desagradava. O Ex-Presidente Foi Conduzido, Preso, Para O Forte De Copacabana. A Victoria Da Revolução ( A Patria )

As Attitudes Da "A Noite" ( A Noite )

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33) Cristo Redentor (1931)

"A cidade está em festa e com ela o Brasil inteiro, pela inauguração, no ápice da mais linda montanha da capital da República, do esplendido monumento que a nação consagra ao Redentor da Humanidade. Não há coração que deixe de vibrar da mais pura alegria pela celebração do acontecimento grandiloquo. Cristo, do alto da colina magnífica, abençôa a cidade e abençôa o povo que lhe implora, ungido de fé, conduza os homens ao caminho sublime da perfeição.

Foi um espetáculo soberbo, de inesquecível majestade a bênção do monumento ao Cristo Redentor, pela manhã de hoje. Estavam presentes, no alto do Corcovado, as altas autoridades eclesiasticas e civis, e, enquanto se efetuava a bela cerimônia, uma esquadrilha de aviões deslisando, tranqüila, pelos ares macios da manhã lançava braçadas de flores sobre a imagem de Jesus. Os sinos de todas as igrejas bimbalhavam festivamente. Um momento de inenarável emoção. (...)

A CompanhiaRadiotelegráfica Brasileira e Marconi, ele mesmo, haviam guardado um profundo sigilo em torno da prova que o grande inventor deveria fazer ontem à noite iluminando de Roma a estátua de Cristo Redentor. Marconi desde sexta-feira passada se comunicava com o Sr. René Bouglé, diretor geral da Radiotelegráfica, dizendo-lhe que desejava fazer domingo, às 19 ¼ , uma experiência de transmissão de onda elétrica afim de acender os refletores que deveriam iluminar a estátua. O diretor geral da Radiotelegráfica deu conhecimento do desejo de Marconi apenas aos diretores dos Diários Associados, Srs. Gabriel Bernardes, Paulo Rapaport e Assis Chateaubriand. Tratava-se de uma experiência e por isso mesmo os diretores da Radio não desejavam dar-lhes maior divulgação. (...)

Às 18 ¾ os diretores dos Diários Associados já se encontravam na sala de aparelhos da Companhia, que fica no 4o andar do edifício Hasenclever, na Avenida Rio Branco. (...)

Às 19 e 14 todos os corações palpitavam. Faltava um minuto, e esse minuto era uma eternidade. Uma eternidade tanto mais imensa e angustiosa quanto ela durou, pelo relógio da sala, 120 segundos.

Às 19 e 16 minutos todos os olhares da sala que se fixavam para a janela donde se divizava o Corcovado viram o céu cortado de um halo luminoso. Dentro da massa de nuvens, as fulgurações de luz rompiam bravamente a escuridão. Três minutos após, os rolos pardacentos se dissipam e o Cristo branco, com as suas mãos imensas de perdão e de ternura, fulgia no topo da montanha, inundado de caridade boreal. O milagre de Marconi se tinha traduzido em todo o seu esplendor."

Diário da Noite, 12 de outubro de 1931

 

"A data de hoje transcorre, com as imponentes cerimonias liturgicas que se estão a celebrar, festejando a inauguração do monumento do Cristo Redentor, ficará nos anais do catholicismo como um dia enaltecido por alta, significativa e eloquente afirmação de fé.

Do país inteiro e ainda de vários outros pontos do continente acorrem à formosa capital do Brasil, guiadas pelos baculos pastorais de cinco dezenas de veneráveis prelados, milhares de peregrinos cristãos, os quais, nesta manifestação de crença que redunda também numa demonstração de fraternidade, trazem a oblata das suas preces contrictas ao Cristo-Rei. (...)

Hoje, às 16 horas, começará na praia de Botafogo, a inauguração oficial do Monumento a Cristo Redentor. Nessa ocasião proferirão breves palavras, D. João Braga, Arcebispo de Curitiba; D. José Pereira Alves, Bispo de Niterói; Conego Dr. Henrique Magalhães, professor Alcebiades Delamare Nogueira da Gama, da Faculdade de Direito e Mario Michelotto, em nome dos operários católicos. Logo após, a estátua monumental de Cristo Redentor será iluminada da Itália, pelo senador Marconi. Em seguida à iluminação, haverá um grandioso prestito luminoso em honra de Cristo Redentor. Desfilarão as Ligas Católicas, podendo no mesmo tomar parte todos os católicos, munidos de lanterna.

O cortejo luminoso será em terra e no mar, porquanto os pescadores fiéis às tradições do nosso povo, darão o seu concurso, comparecendo em os seus barcos. Além do mais também as lanchas e outras embarcações aderiram. A nossa marinha também concorrerá para o maior brilho da festa, iluminando especialmente alguns dos nossos vasos de guerra. (...)"

A Esquerda, 12 de outubro de 1931

 

"Inaugura-se, hoje, o monumento a Cristo Redentor, ereto no cimo da montanha do Corcovado. Obra de arte que diz, eloquentemente, do acendrado espírito religioso dos católicos no Brasil, fica a simbolizar, através da majestade da obra de arte, os anseios de fé e de paz que animaram aqueles que empreenderam as cruzadas em prol do seu levantamento no alto da montanha mais elevada da Guanabara. (...)"

Diário de Notícias, 12 de outubro de 1931

 

"A semana do monumento a Cristo Redentor, que se ergue no alto do Corcovado, constituindo-se a maior estátua do mundo, encerrou-se ontem.

A despeito da chuva que durante todo o dia caiu sobre esta Capital, as solenidades da bênção da estátua e da missa campal no stadium do Fluminense nada perderam da sua pompa liturgica. O povo compareceu a ambas sem que o mau tempo lhe arrefecesse o entusiasmo com que nesses últimos oito dias vem participando das festas realizadas aqui desde o dia 4 corrente.

O ato culminante de domingo foi a Hora Santa do Brasil, realizada na matriz de Sant'Anna. Quando os relógios marcavam as 16 horas, todo o interior do templo tradicional se iluminou. E quem àquela hora ali chegasse já não encontraria um lugar vago. A velha igreja fôra decorada para que nela se realizasse a cerimônia. O altar-mór, ostentando a imagem de Sant'Anna, estava adornado com lírios brancos. Pela cúpula, de espaço a espaço, panejavam-se bandeiras do Vaticano e do Brasil. Bem ao centro via-se uma grande corôa dourada, forrada de púrpura. Desprendiam-se dela quatro fitas largas de cor vermelha, descendo até ao meio de quatro colunas. Simbolizava essa corôa a realeza de Cristo entre os homens. O povo se comprimia nas partes laterais e ao fundo, no recinto da igreja. Os bispos ocupavam as cadeiras do presbitério. O clero regular e secular distribuia-se em boa parte do templo. Quinze minutos depois das 16 horas dava entrada no templo o cardeal Legado. Sua Eminencia dirigiu-se à capela-mór, ocupando depois das orações a curul cardinalicia que lhe fora destinada. (...)"

Diário de Notícias, 13 de outubro de 1931

 

"A cidade se reveste, neste dia, das mais sublimes galas espirituais, por motivo da bênção solene da grandiosa imagem do Cristo Redentor, erigida no Corcovado.

O caminho que vai das Águas Ferreas ao Corcovado era hoje um ir e descer contínuo de católicos e romeiros, que todos ansiavam por assistir à cerimônia da inauguração da estátua de Cristo, erguida no cume do monteque domina a cidade.

Espetáculo de fé que não se costuma reproduzir muitas vezes na vida dos povos. Desde o Largo do Machado via-se o interesse que a festa de hoje estava despertando no coração e no espírito do povo. Os bondes despejavam centenas de criaturas, que disputavam, aos grupos, os carros da Estrada do Corcovado. Nas casas fronteiras, apalacetadas, viam-se colchas ricas de damasco cobrindo as janelas e sacadas, como uma homenagem aos prelados das várias doiceses brasileiras que vieram assistir à cerimônia.

Trafegaram pela manhã quatro trens especiais, destinados respectivamente ao transporte do chefe do governo e membros da administração, do cardeal D. Leme, prelados e figuras do clero, da imprensa e dos convidados especiais. O carro do Sr. Getúlio Vargas ia literalmente cheio, vendo-se além de Sua Exma. esposa todos os ministros, membros da casa civil e militar da presidência, e outras pessoas gradas.

Em frente à estação do Corcovado, numerosas pessoas do povo aguardavam as autoridades e dignatários da igreja, estabelecendo-se grande movimento naquele trecho das Laranjeiras.

No alto da montanha teve então lugar a cerimônia da inauguração da estátua de Cristo. Vários oradores se fizeram ouvir, exaltando a figura do Messias, que se sacrificou pela humanidade.

Houve inicialmente a bênção do monumento, cerimônia em que oficiou o cardeal D. Leme, seguindo-se a missa solene, celebrada por D. Aloisio Masella, nuncio apostólico. Seguiram-se os discursos eloquentes do arcebispo D. João Becker, arcebispo de Porto Alegre; Dr. Pandiá Calogeras, professor Fernando Magalhães, da Universidade do Rio de Janeiro. À última hora, continuava a solenidade, fazendo-se ouvir os oradores do programa. D. Sebastião Leme leu na cerimônia uma bula declarando enthronisada a imagem de Cristo no Brasil."

A Noite, 12 de outubro de 1931

 

"A cidade assistiu, ontem, deslumbrada, com a inauguração do monumento do Redentor, mais uma experiência sensacional, realizada, da Itália, por Guglielmo Marconi, na data histórica da descoberta da América.

Um gênio da ciência contemporânea iluminou, de sua pátria distante, berço do Catolicismo, e onde nasceu o descobridor do novo continente, a imagem de Cristo, fazendo-a resplandescer no Corcovado à hora exata que fora anunciada. (...)

Às dezenove horas, diante dos poderosos aparelhos da Companhia Radiotelegráfica Brasileira, o Sr. Bouguier, com os fones aos ouvidos recebe de Coltano a hora justa. Daí a quinze minutos, Marconi enviaria através da estação italiana a centelha elétrica que deveria mover a alavanca para a iluminação do monumento a Cristo Redentor, no alto do Corcovado. (...)

O Sr. Vittorio Cerrutti, embaixador da Itália junto ao governo do Brasil, recebeu, às 19.20 horas, a seguinte mensagem de Guglielmo Marconi.

- Sinto-me sobremodo satisfeito pelo fato de um feixe de ondas, por mim lançado no espaço, iluminar a estátua gigantesca do Cristo Redentor, que os brasileiros acabam de erigir sobre o Corcovado, como símbolo de sua fé, invocando a proteção divina para o seu país e para a humanidade. Envio uma saudação fervorosa ao Brasil, a nobre nação na qual tantos compatriotas meus t6em encontrado uma segunda pátria. Comprazo-me em haver juntado um novo élo à forte cadeia que estreita a Itália ao Brasil e que permite às duas grandes nações latinas irmãs uma elevada colaboração em prol do progresso e da civilização do mundo. Roma, 12 de outubro de 1931. (a) Guglielmo Marconi."

O Jornal, 13 de outubro de 1931

 

"Apesar do tempo mau que reinou ontem, nesta cidade, correram imponentes as festas de inauguração solene do monumento de Cristo Redentor, erguido no alcantil imponente do Corcovado.

Pode-se dizer, que toda a população carioca prestou, ontem, suas homenagens ao divino profeta do Bem, cuja religião, fecundada com o sangue generoso do martírio calvariano, já atravessou quase dois mil anos, resistindo das mais dolorosas vicissitudes às mais desenfreadas tempestades, às mais dramáticas investidas da heresia e da mentira, para surgir, cada vez mais belo, mais sugestivo, mais radioso, na sua eterna pureza.

Aquela imagem que se ergue no Corcovado não é apenas a representação do fundador de uma religião. É, acima de tudo, o símbolo de todo o idealismo de bondade, de amor, de perdão e de fraternidade. E todos nós, neste momento de incertezas, de dúvidas, de apreensões que invade a Terra, precisamos ter a palavra do Mestre bem diante dos ólhos, ritmando o nosso pensamento, lapidando a nossa fé, inspirando a nossa consciência. (...)"

Diário Carioca, 13 de outubro de 1931

 

AS MANCHETES

Do Alto do Corcovado, Cristo Abençoa Povo do Brasil ( Diário da Noite )

A Imagem Do Mestre Domina A Cidade, Na Imponência Alcantilada Do Corcovado - É Preciso Que Cristo, O Redentor Dos Indivíduos E Das Sociedades, Proteja E Salve A Terra De Santa Cruz. Ele Pode E Quer Construir, Em Defesa Da Nação, Um Ante-Mural, Mais Resistente Do Que Aquela Muralha De Rochas Que Enfrenta A Fúria Dos Vagalhões.

( Diário Carioca )

Inaugurou-se Ontem Oficialmente, Em Presença De Altas Autoridades Do Clero E Da República, O Monumento A Cristo Redentor, No Corcovado

( O Jornal )

Aberta Em Cruz Sobre A Cidade A Imagem Santificada Do Cristo Redentor

( A Noite )

As Festas Inaugurais Do Monumento Do Corcovado - A Vibração De Fé Católica Nas Homenagens A Cristo Redentor ( A Esquerda )

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34) Intentona Comunista (1935)

"Foi o capitão Djalma Fonseca que com um contingente de 40 homens tomou o quartel do 3o RI. O Correio da Noite fazia parte desse grupo e pôde assim focalizar os aspectos ainda quentes da refrega. Tudo ali dentro era um montão de escombros; no Casino todo o mobiliário estava destroçado. Na parte principal do quartel o fogo destruiu tudo, e à hora em que deixávamos o local uma turma do Corpo de Bombeiros abafava as labaredas. Todos os alojamentos estavam em destruição completa. Está ferido o coronel Affonso Ferreira, que, lutou, valentemente, para sufocar o movimento. O presidente Getúlio Vargas visitou-o, no momento em que era transportado para o H. C. E. Dirigindo-se ao coronel Ferreira o presidente da República teve para ele palavras de conforto. À saída do quartel o presidente encontra-se com o ministro da Guerra. Trocam impressões e o ministro da Guerra diz, que não terminara às 12, mas às 13,15, pouco além do prazo por ele marcado o combate aos revoltosos.

Assim que o capitão Djalma fonseca tomou o 3o RI deteve o capitão Agildo Barata, que se rendeu sem resistência. Incontinente esse oficial rebelado foi remetido para o Quartel General. O general José Pessoa visitou o 3o RI logo depois da cessação da luta e providenciou para a unificação dos trabalhos. À sua presença vêm os oficiais que não aderiram ao movimento; para os mesmos teve o general José Pessoa palavras de estímulo pela maneira por que se portaram. Também esteve naquela unidade militar o general Eurico Dutra tomando as providências necessárias. (...)

Na Vila Militar sublevou-se também a Companhia Extranumeraria. Para combatê-la, as autoridades militares designaram os Primeiros e Segundos Regimentos de Infantaria e o Primeiro Regimento da Cavalaria Divisionário. (...)

O 3o RI foi tomado por tropas pertencentes ao corpo de guarda e do 2o B. C. sob o comando do capitão Djalma Fonseca. (...)

À última hora, chegaram presos ao Quartel General o capitão Agliberto Vieira de Azevedo e tenente Ivan, chefes do movimento do 3o RI."

Correio da Noite, 27 de novembro de 1935

 

"O movimento extremista do 3o Regimento de Infantaria teve início às 22 horas do dia 26. Parte da guarnição, dois dos batalhões, sob o comando do capitão Agildo Barata, que revoltara a soldadesca, por ordem, segundo afirmou, de Luiz Carlos Prestes, saíram à rua, amotinados.

Cientes, talvez, de que o governo legal os combateria sem tréguas resolveram entrincheirar-se no próprio quartel da sua unidade e aguardar os acontecimentos. Parte das forças da unidade, porém, não pactuaram com os rebeldes, resultando, entre eles, sério choque que terminou pela vitória do número, isto é; dos amotinados, que estavam em maioria.

Diante disso, as forças fiéis ao governo ocuparam o andar superior do edifício, onde ficaram como que encurralados. De posse da situação, entrou o capitão Barata a irradiar, da estação do 3o RI comunicados às demais unidades concitando-as à luta. Esses comunicados foram imediatamente contestados pelas demais estações do Exército.

Nada, entretanto, demoveu os cabeças do motim, resultando saí, as primeiras provid6encias, para o extirpamento do foco da rebelião. O alto comando da Região tomou de início medidas no sentido de serem sitiados os rebeldes o que foi feito com guarnição de tropas federais, conduzidas para o local, por grande número de ônibus da Light.

Cercados por todos os lados acessíveis, foi, então, iniciado o bombardeio do quartel na Praia Vermelha por três peças de bateria do 1o grupo de obuses peças essas que foram colocadas uma nos terrenos do Fluminense Yacht Club e as demais em plena avenida Pasteur, em frente à Faculdade de Medicina. Entrincheirados, os soldados do 3o RI resistiram, tenazmente, isto desde as 2 horas da madrugada até às 13,30 horas quando, então, se renderam. (...)

As tropas legais, diante da resistência dos entrincheirados, usaram de um recurso fulminante: bombas incendiárias. Em pouco, atingida a cúpula do edifício ardia, para ruir em breve, propagando-se o fogo lenta, mas progressivamente, pela ala esquerda e, depois, pela direita. Ao mesmo tempo eram lançados sobre as forças rebeldes gazes lacrimogeneos o que mais agravou ainda a sua situação. (...)

Pelas 11 horas começaram a voar sobre posições inimigas cinco aviões Corsário, de reconhecimento, armados de metralhadora. Três deles por várias vezes fizeram fogo sobre o quartel, sendo, também alvejados. (...)

O lance esperado mão se deu, entretanto. E, entre alternativas de intensa fuzilaria e descaídas súbitas, prolongou-se a ação até às 13,30 horas, em que os revoltosos içaram a bandeira branca. (...)

Correio da Noite, 28 de novembro de 1935

 

"Esta madrugada revoltou-se um batalhão do 3o Regimento de Infantaria aquartelado na Praia Vermelha, sob o comando do capitão Agildo Barata, que ali se encontrava preso. Dois batalhões do mesmo regimento continuam fiéis ao governo, lutando contra os sediciosos.

Tropas do Exército sob o comando direto do general Eurico Gaspar Dutra iniciaram, no amanhecer de hoje, o ataque aos rebeldes. Esse ataque está sendo feito com grande cuidado, a fim de que não sejam sacrificadas as vidas das tropas que não aderiram ao movimento, por isso que 2 batalhões, localizados na parte alta do edifício do quartel, repeliram as propostas dos que solicitavam apoio ao movimento.

O capitão Agildo Barata, utilizando-se da estação-rádio do 3o RI, emitiu, durante as primeiras horas da manhã de hoje, rádios concitando outras unidades do Exército a secundarem o golpe ali iniciado e declarando vitorioso o movimento naquele regimento. Esses rádios, porém, logo a seguir, foram desmentidos pelas estações do Exército, reduzidos às suas verdadeiras proporções.

Na Escola de Aviação, um grupo de sargentos atacou os oficiais e assumiu o comando da tropa. O 1o Regimento de Aviação, comandado pelo coronel Eduardo Gomes, atacou imediatamente os rebeldes, enquanto tropas da Vila Militar, sob o comando do general José Joaquim Andrade, marchavam contra os amotinados.

O Grupo Escola de Artilharia bombardeou a Escola de Aviação. Os rebeldes incendiaram os hangares. O movimento ali está praticamente dominado. Todos os corpos da Capital Federal, com exceção dos acima citados, se mantêm fiéis ao governo. A Chefatura de Polícia continua a receber manifestações de solidariedade dos principais sindicatos e centros operários desta Capital."

A Noite, 27 de novembro de 1935

 

"O presidente da República dirigiu ontem aos governadores o seguinte telegrama circular, comunicando-lhes haver sido inteiramente dominado o movimento subversivo, irrompido em Natal e Recife e ontem pela madrugada nesta capital:

- Tenho satisfação comunicar-vos movimento subversivo, de caráter comunista, irrompido noite 23 para 24 em Natal e Recife e hoje pela madrugada no Distrito Federal se acha inteiramente dominado. Revoltosos Rio Grande do Norte abandonaram capital Estado, onde ordem foi restabelecida. Diante impossibilidade oferecer resistência forças se aproximavam embarcaram vapor Santos, número 500 mais ou menos, seguindo rumo ignorado. (...)

Quanto ao Distrito Federal, ficou circunscrito Escola de Aviação de 3o RI Praia Vermelha. Irrompido esta madrugada teve imediata e energica repressão. escola Aviação rendeu-se pela manhã e 3o RI, de onde acabo de chegar, entregou-se, depois tenaz resistência, tendo incendiado quartel.

Há vários oficiais mortos pelos revoltosos, afora numerosas baixas ainda não identificadas resultantes luta travada com forças legais, se conduziram valorosamente, tanto aqui como em Recife e Natal.

Embora existisse plano articulado outros pontos país, é fora de dúvida que movimento de nítida finalidade comunista se acha dominado, enfrentado como foi resolutamente e sem perda de tempo.

Impõe-se agora sanear ambiente e afastar elementos cuja atividade anti-social tanto vem perturbando a vida do país. Para levar a cabo essa patriótica tarefa e continuar a garantir ordem governo federal se acha perfeitamente aparelhado e espero governo esse Estado mantenha todo vigilância em torno elementos suspeitos, cooperando decisivamente como já o fez para restabelecer tranquilidade pública. (...)"

Diário de Notícias, 28 de novembro de 1935

 

"A explosão de ferocidade e violência de que foi ontem teatro a capital da República, dizendo-se inspirada na ideologia comunista, não interessou direta ou indiretamente às classes trabalhadoras organizadas no país e, servindo-se das armas da Nação, sofreu o castigo sangrento que lhe impôs o Exército indignado.

Pois se a tentativa sinistra se fez à revelia do operário pacificamente trabalhando nas suas oficinas, se os provocadores e rebeldes dentro dos quartéis não obtiveram a solidariedade da tropa - que reivindição honesta poderiam ao menos alegar os criminosos? Não foi uma idéia social ou política, não foi um sentimento ou espírito de corporação que ceifou tantas vidas inocentes e acarretou tantos prejuízos morais e materiais ao país. Responsáveis pelo drama funesto são por um lado o orgulho e a presumpção da mediocridade desvairada, por outro a cupidez, o despeito, a perversidade de alguns agitadores profissionais.

O comunismo ignaro do Sr. Luiz Carlos Prestes não é uma convicção nem uma aspiração do país. Não há nada no ambiente político, social e econômico da Nação que torne sequer admissível a terrível supressão do Estado jurídico e a subversão da ordem legal na sociedade em que vivemos. Longe de manifestar qualquer simpatia pelo credo moscovita sucedem-se no povo brasileiro demonstrações de apego à liberdade e à democracia e uma repugnância profunda pelo regime de violência.

O comunismo só é professado no Brasil por uma ridícula minoria de semi-analfabetos, de cabotinos e exibicionistas, de aventureiros e piratas. Jamais apareceu uma forte personalidade capaz de interferir nos nossos destinos políticos, endossando a responsabilidade de um movimento social que se propõe fazer o milagre da felicidade humana.(...)"

Diário Carioca, 28 de novembro de 1935

 

"(...) Chegamos à Praia Vermelha, depois de atravessarmos todo o largo terreno que fica por trás do Hospício Nacional, justo à hora em que o quartel do 3o Regimento começava a sofrer as consequências do bombardeio feito pela peça de grosso calibre localizada às proximidades da sede do Yacht-Club.

Isolado como estava todo aquele trecho que vai desde o Pavilhão Mourisco até à Urca, não se via, na praia das Saudades, aqui e ali senão grupos de soldados em torno de canhões postados em direção do quartel revoltado. Ambiente de plena guerra, com as balas silvando no espaço e de instante a instante cortando galhos de árvores, furando postes da Light, partindo fios telefônicos e da iluminação pública, quebrando as vidraças das casas próximas e às vezes roubando a vida dos que se colocaram em defesa da ordem.

De momento a momento viam-se as tropas abandonar as posições em que se encontravam para ocuparem outras logo adiante. Soldados se arastando pelo chão, artilharia em pleno funcionamento martelando a fachada da cidadela revoltada, e, lá, em baixo, perto do mar, o canhão de grosso ronco a despejar granadas no quartel dos amotinados. Cada assobio correspondia a um estrondo e logo as labaredas subiam do ponto visado. Os tiros eram dados com uma precisão notável, notando-se que eram dirigidos por verdadeiros mestres na matéria. Lá no quartel do 3o Regimento, vinha de quando em quando uma resposta através das rajadas de metralhadoras, que iam bater de encontro às casas vizinhas ou nos troncos das árvores, atrás das quais eram vistos os mais afoitos.

À distância em que nos encontravamos, metidos entre duas paredes pouco além do Hospício Nacional, na avenida Pasteur, não nos permitia ver bem a extensão do incêndio que grassava no antigo prédio da Escola Militar. O desejo de botarmos a cabeça de fora para melhor enxergar as chamas era intenso, mas as balas que vinham de vez em quando assustar o nosso espírito impediam a realização de tal intento. (...)"

Correio da Manhã, 28 de novembro de 1935

 

"A cidade trabalhava desde a véspera com a falta de notícias, muito claras, de vários pontos do país, onde rebentaram montins grandes e pequenos, mal definidos em suas finalidades, entrou ontem em verdadeiro terror - pânico, ferida a sua atenção pelos comunicados da polícia trazendo a notícia alarmante da amotinação de duas unidades de nosso Exército.

Esse comunicado afixado à porta dos jornais, transmitidos pelas estações de broadcasting explicavam justamente os tiros ouvidos no romper d'alva e eram comentados de vários modos, tomando, à medida que o tempo ia passando, proporções enormes. Nas palestras falava-se de um movimento articulado, esperando-se acontecimentos de grande monta para poucas horas. O pavor era grande e a expectativa ansiosa. Mesmo os mais ponderados temiam, tivesse maiores alcances o resumido comunicado que reduzia os motins a um batalhão do 3o R.I. , na Praia Vermelha, e a um grupo do 1o Regimento de Aviação.

Quem ontem assistisse, na Galeria Cruzeiro, a chegada da massa trabalhadora, a partir das 6 horas, teria uma impressão de que toda aquela gente, presa de pavor, tinha o ar de quem indagava o que estava acontecendo. O mesmo se poderia notar no largo de São Francisco, na multidão ali despejada pelos bondes fa Light, que se espalhavam pela rua do Ouvidor, cujas casas se mantiveram fechadas até depois da hora de costume, dando apenas entrada aos seus auxiliares. Virtualmente, o comércio esteve paralizado até quase às 10 horas.

Às oito horas, a Chefatura de Polícia, em comunicado que expedira informava que a Escola de Aviação, cercada pelas forças do governo, se havia rendido às 7 horas e que estava sendo preparado o assalto a baioneta ao 3o Regimento de Infantaria. Essas informações trouxeram relativa tranquilidade ao comércio e vários estabelecimentos iniciaram o seu movimento. Ainda assim, os bancos começaram as suas operações um pouco mais tarde e encerraram mais cedo o expediente, exceto o do Brasil.

Conforme o comunicado da Polícia, o capitão Agildo Barata, que se encontrava preso, sublevou um dos batalhões desse regimento, e tentara, pela estaçào de rádio, sublevar outras unidades. (...)

E hontem, na hora H, para impregar a linguagem revolucionária, o capitão Agildo Barata contava com a solidariedade de um batalhão completo e muitos elementos de outro.

Mantendo-se fiel ao Governo, um batalhão, a luta se iniciou dentro do próprio regimento, tomando lugar na parte alta as forças fiéis e na parte baixa os revolucionários. A notícia se espalhou pelas redondezas, sendo logo levada ao conhecimento das altas autoridades do Exército e do Chefe de Polícia."

O Imparcial, 26 de novembro de 1935

 

AS MANCHETES:

O Movimento Subversivo Que Irrompeu Pela Manhã Nesta Capital Foi Dominado - Uma Impressão Do Quartel Do 3o RI Após A Cessação Da Luta

( Correio da Noite )

Todo O Brasil Em Estado de Sítio - Ainda Não Há Comunicações Com As Zonas Conflagradas - Luiz Carlos Prestes Anciosamente Procurado - Não Se Conseguiu O Acordo Com O Sr. Flores da Cunha ( O Imparcial )

Declina, Parecendo Debelado, O Movimento Revolucionário Do Norte

( O Imparcial )

Debelado O Movimento Revolucionário No Norte - O Governo Reprime Energicamente Um Levante Nesta Capital - O Presidente Da República Enfrenta A Situação Difícil Que Se Apresentou ( O Imparcial )

Dominada Nesta Capital Uma Grave Rebelião Militar - Às Primeiras Horas Da Madrugada De Ontem Revoltaram-se O 3o Regimento De Infantaria E Parte Da Escola De Aviação - As Tropas Fiéis Dominaram A Situação Após Longas Horas De Luta, Na Qual Perderam A Vida Oficiais, Sargentos E Praças, Ficando Feridos Numerosos Outros ( Correio da Manhã )

O Sr. Getúlio Vargas Esteve Ontem Demoradamente Em Todos Os Pontos Em Que Perigosamente Se Combatia Em Defesa Da Ordem Legal, Penetrando No Antigo Recinto Do 3o RI Antes Mesmo Da Rendição Dos Oficiais Criminosos

O Sr. Presidente Da República Confortou Assim Com A Sua Presença As Autoridades E As Tropas Do Exército Em Luta Pela Paz, Segurança E Felicidade Da Nação ( Diário Carioca )

Dominada A Rebelião Em Todo O País - Embora Existisse Plano Articulado Em Outros Pontos Do País, O Movimento Se Acha Dominado

( Diário de Notícias )

Graves Acontecimentos Nesta Capital ( A Noite )

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h1>35) Prisão de Luiz Carlos Prestes (1936)

"A prisão do capitão Luiz Carlos Prestes constitui, indubitavelmente, o acontecimento de maior sensação destes últimos tempos. Quando, em novembro, o país se abalou com as rebeliões comunistas do norte e do centro, todas as atenções convergiram para esse personagem misterioso, chefe supremo do movimento da extrema esquerda no continente sul-americano. Em todo o território nacional, lançou-se a teia das investigações severissimas, que se desdobravam dia-a-dia do litoral ao coração do sertão.

Hoje, a polícia carioca, em diligência verdadeiramente notável, prendeu Luiz Carlos Prestes, numa pequena casa solitária no Meyer. É a primeira vez que, no mundo inteiro, se detém o chefe messiânico de uma revolução, como bem acentuou ao Correio da Noite o capitão Filinto Muller. E isso honra sobremodo a organização policial da Capital da República. (...)

Informam os moradores das vizinhanças da casa onde foi preso Luiz Carlos Prestes, que os seus moradores eram extremamente misteriosos. Não saiam quase e evitavam, sempre, qualquer contato com outras pessoas. Em horas avançadas recebiam visitas de pessoas que viajavam, de ordinário, em automóveis. (...)

Na residência de Luiz Carlos Prestes a polícia apreendeu um caixote contendo livros, quase todos versando sobre a vida financeira da nação. Grande parte tida sobre a dívida externa do Brasil. (...)

Entre a bagagem de Luiz Carlos Prestes, foi encontrada, além de farto material de propaganda comunista, uma batina de padre. (...)

Prestes antes de mudar-se para o Meyer, coisa que fez há dois meses, morou à rua N.S. Copacabana, número 864, conforme afirmou, em depoimento o comunista Allan Baron. A casa referida é de propriedade do senador Antônio Jorge Medeiros de Lima. (...)

Estava instituido um prêmio de 100 contos de réis a quem efetuasse a prisão do chefe comunista Luiz Carlos Prestes. Com as diligências realizadas hoje, ficou evidenciado que a prisão do perigoso chefe vermelho foi efetuada pelo chefe de grupo da P.E. João Torres Galvão e também pelo auxiliar de gabinete da D.I.P.S. Francisco Menezes Juliano, com o auxílio de investigadores e soldados da Polícia Especial. Foi, entretanto, João Torres Galvão quem primeiro se confrontou com Luiz Carlos Prestes, dando-lhe voz de prisão."

Correio da Noite, 5 de março de 1936

 

"Às primeiras horas da manhã a polícia efetuou no Meyer a prisão do capitão Luiz Carlos Prestes, chefe dos comunistas no Brasil. Daremos detalhes na próxima edição sobre a sensacional diligência da polícia carioca, hoje realizada."

Diário da Noite, 5 de março de 1936 - Primeira Edição

 

"Há cerca de um mês a polícia carioca vinha realizando ativas diligências no Estado do Rio, em Nova Iguaçu onde, segundo denuncia recebida, estava localizado o ex-capitão Luiz Carlos Prestes, chefe do movimento comunista da América do Sul. Todas as diligências então realizadas, firmadas em documentos e cartas achadas em poder de Miranda, secretário do partido Comunista, enviado do Komintern à América do Sul, mostraram que o chefe vermelho ainda se encontrava em nosso território, onde procurava concatenar elementos para uma nova investida contra o regime. não conseguindo deter Luiz Carlos Prestes em Nova Iguaçu, a polícia prosseguiu suas investigações, prendendo o sargento de Aviação, Azor, revoltoso da Escola de Aviação Militar e guarda-costa do chefe vermelho. Prestes continuava no Rio, não restava dúvida, e a polícia desta capital, seguindo elementos destacados do Partido Comunista, não tardaria, como não tardou, em localizal-o novamente.

Dias depois nossas autoridades policiais ficaram cientes de que chegaria ao Brasil, em missão especial do Komintern, o individuo Victor Allan Baron, designado para entrar em entendimentos com o capitão Prestes, a fim de que o mesmo o instruisse sobre as possibilidades de implantação do regime soviético em nosso país. Allan, recolhido à Delegacia de Ordem Pública e Social, informou às autoridades que o capitão Luiz Carlos Prestes se encontrava de novo nesta capital, asilado em uma casa da rua Honório, com o n. 279, em Todos os Santos.(...)"

Diário da Noite, 5 de março de 1936 Terceira Edição

 

"Desde os sucessos de novembro que as auroridades policiais vem diligenciando para deter o famoso comandante da "Coluna Invicta", capitão Luiz Carlos Prestes, ex-chefe da Revolução de 1924. Essa preocupação justificava-se na presunção das citadas autoridades de que o celebre desbravador dos sertões brasileiros estava implicado no movimento que irrompeu naquela data em vários pontos do país, culminando com a revolta do 3o Regimento desta capital. Já algumas vezes a Polícia anunciava estar numa pista certa, sendo em vão, entretanto, seus esforços, de vez que se verificava sempre um insucesso. Desta vez, porém, os elementos da Polícia Central tiveram mais sorte. Como resultado de uma diligência ruidosa, na manhã de ontem, no bairro de Cachambi, ali na Estação do Meier e, portanto a vinte minutos da cidade, os policiais conseguiram prender o capitão Prestes. (...)

Para prender Luiz Carlos Prestes foram requisitados mais de noventa policiais, à paisana, que foram distribuídos pelas cercanias do prédio onde residia o famoso revolucionário. Mais de trinta casas foram cuidadosamente revistadas. (...)

A polícia ficou espantada, quando, após seu movimentado cerco, penetrou na casa da Rua Honório 297 a fim de prender o chefe da Revolução de 1924, esperando encontrar, ali, grosso armamento, sucedendo o contrário das apreensões, pois, na residência de Prestes, apesar da minuciosa busca, não foi encontrada a minima arma, nem, sequer um projétil de revólver."

O Radical, 6 de março de 1936

 

"Preso há algum tempo já pela polícia carioca, o extremista Victor allan Baron, nas declarações sucessivas que prestou, acabou por denunciar a estadia de Luiz Carlos Prestes no Rio. Entrando em diligências a polícia terminou por localizar o ponto onde se encontrava o chefe da revolução comunista, levando a efeito, hoje, numa diligência aparatosa, a sua prisão. Luiz Carlos Prestes foi capturado pela manhã, à rua Honório no 279, sendo conduzido para a Polícia. O denunciante, ao ter a notícia da prisão, suicidou-se, ao que fomos informados, saltando do 2o andar do palácio da rua da Relação ao patio interno.

O Globo, 5 de março de 1936

 

"A prisão de Luiz Carlos Prestes, pela maneira por que se consumou, vem confirmar as suspeitas de que os chefes e inspiradores da mashorca vermelha de novembro ainda não haviam perdido as ultimas esperanças. Conforme sempre informaram as nossas autoridades mais responsáveis, numa constante advertência ao povo, o trabalho subterrâneo dos agentes do Komintern prosseguia intenso nos vários setores em que o Brasil fôra dividido pelos "técnicos" de Moscou. De outro modo, realmente, não se compreende que o principal daqueles agentes tivesse permanecido no Rio, afrontando os riscos do cerco em que o colocara a polícia, quando não lhe teria sido de todo modo impossível, pelo menos transportar-se para outra cidade, talvez mesmo para outras terras, desconhecida como se tornara a sua fisionomia, no correr dos anos, para a quase totalidade dos brasileiros. Ele, com certeza, ainda sonhava com outro golpe..."

O Globo, 5 de março de 1936 - Sexta Edição

 

"A prisão do ex-capitão Luiz Carlos Prestes, ontem nesta capital, veio por ponto final na tarefa da polícia encarregada de deter todos quantos se envolveram nos acontecimentos vermelhos de novembro, que tão fundo magoaram a civilização do país. À polícia do Distrito faltava, porém, a captura do verdadeiro cabeça da rebelião para apresentar-se à altura da confiança que o Brasil liberal-democrata dela exige. (...)

O Chege revolucionário foi intimado a render-se, o que fez sem palavra. Dali, o conduziram para a Polícia Central, juntamente com Olga Meirelles, a mulher de preto e companheira de Prestes.

A chegada de Luiz Carlos Prestes ao palácio da rua da Relação, foi assinalada por um idescritível movimento no interior da Polícia Central. Portas se abriam e fechavam com estrondo, investigadores tomavam todas as saidas da casa, não permitindo nela a saída ou entrada de quem quer que fosse. Ordens eram gritadas no segundo andar, onde está instalada a Delegacia de Ordem Política e Social, para os investigadores que, no palco central, corriam em todas as direções, a fim de guardarem as saídas do prédio. Ao tempo em que tudo isso era feito, os executores das ordens, muitos deles obedeciam-nas automaticamente, não acreditando na causa que motivara medidas tão excepcionais.

Com a prisão de Prestes todo o Comitê revolucionário para a América do Sul, se encontra preso. Um dos membros, se suicidou ontem, atirando-se do segundo andar do edifício da Polícia Central, ao pátio. Era ele, Victor Allan Baron que denunciou à polícia, o esconderijo de Prestes. Os demais são: Leon Valet, Harry Berger, Rodolfo Gioldi ou Luciano Bostero e agora, Prestes.

Acompanhado de dois investigadores, Prestes foi levado cerca das 13 horas ao gabinete do delegado Bellens Porto, no cartório do D.I.P.S. Prestes, entretanto, negou-se a prestar quaisquer declarações, mantendo-se em imutável silêncio. O aspecto do chefe revolucionário é o de uma pessoa extremamente esgotada. O seu rosto tem a cor da terra, mostrando-se muito abatido."

Gazeta de Notícias, 6 de março de 1936

 

AS MANCHETES:

A Prisão do Antigo Comandante da Coluna Invicta ( O Radical)

Preso Chefe Supremo da RevoluçÃo Comunista no Brasil (Correio da Noite)

Epílogo dos Acontecimentos Vermelhos no Brasil ( Gazeta de Notícias )

Condenado Aqui e Na Rússia - Luiz Carlos Prestes Preferiu Ser Preso A Ter Que Presar Contas ao Komintern? ( O Globo )

Todos Presos! Além de Prestes, a Polícia Encarcera Os Cinco Membros do Comitê Vermelho da América do Sul ( O Globo )

Luiz Carlos Prestes Preso no Meyer ( Diário da Noite )

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36) Prisão de Pedro Ernesto (1936)

"Teve a maior repercussão como o facto sensacional do dia, a prisão do Sr. Pedro Ernesto. Embora esperada a qualquer momento, a noticia estourou como uma bomba ás primeiras horas da noite. A esse respeito o gabinete do chefe de Polícia distribuiu á imprensa a seguinte nota:

- A Polícia deteve, hoje, ás 20,30 horas, o prefeito do Districto Federal, dr. Pedro Ernesto Baptista. Esta providencia foi tomada após acuradas diligencias em virtude das quaes resultaram indicios vehementes, da culpabilidade do dr. Pedro Ernesto na preparação dos movimentos subversivos que abalaram a paiz, ultimamente. A Polícia, com serenidade e energia, prosegue no cumprimento da sua missão.

A prisão foi levada a effeito na Casa de Saude Pedro Ernesto, pelo tenente-coronel Domingos Ferreira Junior por ordem do general Lucio Esteves, commandante da Policia Militar.

Em virtude da prisão do Sr. Pedro Ernesto, assumiu, hontem mesmo, o governo da cidade, na qualidade de seu substituto legal, o conego Olympio de Mello, presidente da Camara Municipal.

Momentos antes da sua prisão, o Sr. Pedro Ernesto fez estampar nos jornaes da tarde, com grande destaque, a nota que reproduzimos abaixo, sob o titulo - O Prefeito ao Povo:

- Não considero uma diminuição a minha ida á policia para depor. Cumpri apenas o meu dever de cidadão.

O governador do Districto Federal deve ser o primeiro a dar o exemplo da obediencia e do acatamento ás autoridades e á Ordem Constituida. Nem pode ser outro o espirito da democracia.

Não fui á policia para me defender. Não tinha e não tenho de que me defender. A minha defesa está no meu devotamento a esta cidade que eu tenho servido com enthusiasmo das causas sagradas.

Dei o melhor de mim mesmo para o bem e a felicidade do Districto Federal."

Diário de Notícias, 4 de abril de 1936

"Desde as primeiras horas da tarde de hontem começaram a circular as notícias relacionadas com a situação do Sr. Pedro Ernesto em face das actividades extremistas que tanto vêm perturbando a vida do paiz.

A principio falou-se com insistencia que o prefeito havia enviado uma mensagem á Camara Municipal convidando o conego Olympio de Mello, presidente do Legislativo carioca, a assumir as funcções de chefe do Executivo municipal. Ao mesmo tempo que taes boatos era divulgados, informes de outra natureza eram tambem vehiculados, entre os quaes se assignalava, com maior persistencia, o que dizia respeito ao acto do governo federal decretando a intervenção no Districto Federal. Chegou-se, mesmo, nessa ocasião, a citar nomes escolhidos para a missão de interventor.

Embora não fosse possivel á reportagem colher dados precisos dentro das multiplas noticias espalhadas, notava-se, entretanto, que qualquer acontecimento excepcional estava para verificar-se. Grande era a actividade nos corredores da Prefeitura e principalmente nas dependencias do gabinete do prefeito. À Casa de Saude Pedro Ernesto chegavam a todo instante politicos e conhecidos amigos do chefe do Partido Autonomista.

Alguns desses politicos por nós ouvidos pouco antes das 20 horas sobre o caso da propalada renuncia do prefeito ignoravam por completo que de tal se houvesse cogitado.

No gabinete do ministro da Justiça, quando ali estivemos á tarde, á procura de esclarecimentos, nada de anormal se observava. Tambem nenhuma informação segura foi possivel obter confirmando ou desautorisando as noticias correntes. Attendiam ao expediente commum o director Lacquitinie e os officiaes de gabinete.

O ministro Vicente Ráo, como se sabe, estava em Petropolis. Justamente da cidade serrana chegaram ao nosso conhecimento informes que induziam a crer que o governo federal cogitava de tomar alguma providencia de indisfarçavel importancia.

Afinal, pouco antes das 21 horas, a policia fornecia aos jornaes e fazia irradiar pelas estações locaes o seguinte communicado:

- A Policia deteve, hoje, ás 20,30 horas, o prefeito do Districto Federal, dr. Pedro Ernesto Baptista. Esta providencia foi tomada após acuradas diligencias em virtude das quaes resultaram indicios vehementes, da culpabilidade do dr. Pedro Ernesto na preparação dos movimentos subversivos que abalaram o paiz, ultimamente. A Policia, com serenidade e energia, prosegue no cumprimento da sua missão. (...)"

A Noite, 4 de abril de 1936

 

"A prisão do prefeito Pedro Ernesto foi effectivada pelo coronel Dominhues José Junior por ordem do coomandante Lucio Esteves.

A Policia Central teve, hontem, uma noite movimentada. Ás 20 ½ horas chegaram successivamente, ahi, o conego Olympio de Mello, o general Lucio Esteves, commandante da Policia Militar, coronel Zenobio Costa, commandante da Policia Municipal, vereadores Moura Nobre, Henrique Maggioli e Jorge Bhering de Mattos e o Sr. Luiz Aranha, vice-presidente do Partido Autonomista. Esses visitantes estiveram no gabinete do chefe de Policia.

Preso o prefeito, o chefe de Policia tomou as medidas necessarias para que a sua familia o accompanhasse, prestando-lhe assistencia moral, tão necessaria, sempre, em horas como esta.

Com a prisão do dr. Pedro Ernesto vae occupar a Prefeitura do Districto Federal o conego Olympio de Mello, presidente do Conselho Municipal.

Embora na direcção interina da Prefeitura, o padre Olympio de Mello, ao que estamos informados, fará diversas modificações nos cargos de secretarios e em outros postos de destaque do governo da cidade. O seu gabinete deverá ficar constituido ainda hoje.

O padre Olympio de Mello conferenciou, a proposito, hontem , á noite, e na madrugada de hoje, com os vultos mais destacados do Partido Autonomista, notadamente com o Sr. Luiz Aranha. Os seus aposentos estiveram repletos.

O padre Olympio de Mello, logo após os acontecimentos que o conduziram à Prefeitura, telegraphou ao Sr. Getulio Vargas e aos governadores dos Estados communicando-lhes que, como substituto legal do dr. Pedro Ernesto, assumira a chefia do governo do Districto.

A impressão deixada no espirito publico pelas medidas decisivas da policia foi de que estavamos na imminencia de graves acontecimentos. Ante essa espectativa foi necessaria uma acção energica, sem vacillações, embora serena, o que foi executado pelo capitão Filinto Muller e seus auxiliares.

Vale assignalar aqui que as autoridades cercaram o preso de hontem de todas as considerações. Tornando-se necessaria, na opinião das autoridades, a reclusão do Sr. Pedro Ernesto, esta se fez com toda a serenidade e com uma linha de rigorosa elegancia de attitudes e cavalheirismo.

Á hora em que o dr. Pedro Ernesto foi detido, o conego Olympio de Mello se encontrava no gabinete do chefe de policia. Foi o capitão Pilinto Muller quem avisou da occurencia, scientificando-o, em nome do governo, da medida posta em pratica ficando assim o presidente da Camara Municipal investido das funcções de governador da cidade." O Imparcial, 4 de abril de 1936

 

"O Sr. Pedro Ernesto estava no seu gabinete da Casa de Saude, que tem o seu nome, escrevendo o discurso que deveria pronunciar, hoje, no banquete que as classes conservadoras lhe iam offerecer, quando foi avisado que o capitão Riograndino Kruel solicitava uma audiencia. O prefeito carioca mandou-o entrar para a sala em que se achava. O capitão Kruel fazia-se acompanhar do coronel Domingos José Pereira Junior. Foi este que passou ás mãos do Sr. Pedro Ernesto um officio. Dizia o documento que, por ordem do governo da Republica, o Sr. Pedro Ernesto devia se considerar preso, em virtude de "vehementes indicios contra sua pessoa, de ter cooperado no movimento subversivo de novembro." Estava assignado pelo general Lucio Esteves, commandante da Policia Militar do Districto.

Segundo contam as pessoas que presenciaram a scena, o Sr. Pedro Ernesto leu o officio sem demonstrar a menor srpreza ou qualquer alteração.

- Está bem, foram as sua palavras. E logo acrescentou:

- Peço licença, apenas, para avisar, daqui pelo telephone, a minha familia.

O coronel Domingos José Pereira Junior, então, lamentou que lhe tivesse cabido a desagradavel incumbencia de prender um administrador do porte do Sr. Pedro Ernesto. Mas eram ordens superiores, que não podiam deixar de ser cumpridas. (...)

No mesmo momento em que se effectuava a prisão do prefeito, Dr. Pedro Ernesto, chegavam á Policia Central, sendo recebidos no gabinete do chefe de Policia, o conego Olympio de Mello, presidente do Conselho Municipal, o general Lucio Esteves, commandante da Policia Militar, o coronel Zenobio da Costa, commandante da Policia Municipal, vereadores Moura Nobre, Henrique Maggioli e Jorge Bhering de Mattos, e o Sr. Luiz Aranha, vice-presidente do Partido Autonomista, que conferenciaram durante algumas horas com o capitão Felinto Muller.

O conego Olympio de Mello, fôra conferenciar com o chefe de Policia, em virtude de uma communicação que deste recebera, scientificando-o, em nome do governo, da prisão do Dr. Pedro Ernesto.

Em consequencia da medida governamental, o executivo da cidade foi occupado, automaticamente, em caracter interino, pelo conego Olympio de Mello, chefe do legislativo municipal, de accôrdo com a Lei Organica do Districto Federal. (...)

Diário da Noite, 4 de abril de 1936

 

"Informam-nos do gabinete do chefe de Polícia: - A Polícia deteve, hoje, ás 20,30 horas, o prefeito do Districto Federal, dr. Pedro Ernesto Baptista. Esta providencia foi tomada após acuradas diligencias em virtude das quaes resultaram indicios vehementes, da culpabilidade do dr. Pedro Ernesto na preparação dos movimentos subversivos que abalaram o paiz, ultimamente. A Polícia, com serenidade e energia, prosegue no cumprimento de sua missão.

A prisão do Sr. Pedro Ernesto verificou-se na Casa de Saude de sua propriedade, sendo effectuada pelo coronel Domingos José Pereira Junior, que lhe entregou um officio do commandante da Polícia Militar. (...)

O dia de hontem foi de grande movimento na Central de Polícia. Entre as pessoas que estiveram no gabinete do chefe de polícia notamos o conego Olympio de Mello, o coronel Zenobio da Costa, os vereadores Moura Nobre, Ruy de Almeida e os drs. Mario Piragibe e Luiz Aranha. (...)

Depois da prisão do Sr. Pedro Ernesto, o chefe de Polícia communicou ao padre Olympio de Mello, presidente da Camara Municipal, a diligencia que acabava de ser effectuada, o que importava em ficar transitoriamente abandonado o cargo de prefeito do Districto Federal.

Inteirado dessa communicação, o padre Olympio de Mello, na qualidade de substituto legal do Sr. Pedro Ernesto, dirigiu-se logo para a Polícia Central, onde hontem á noite assumiu as funcções de chefe do Executivo da cidade.

A titulo de esclarecimento devido aos leitores, estamos informados que o presidente da República não optou por uma intervenção no Districto Federal, preferindo que a substituição do Sr. Pedro Ernesto se operasse normalmente, isto é, recaisse no seu sucessor natural. O governo considerou que uma intervenção neste caso importaria na convocação immediata e extraordinariamente do Congresso Nacional, além de significar a dissolução do Poder Legislativo da cidade.

O facto do presidente da Camara Municipal entrar em exercicio do cargo de prefeito interino do Districto Federal, como entendeu o governo, parece que assegura a essa Camara a sua reunião e os seus trabalhos em tempo opportuno. Essas informações, nós a obtivemos de fonte autorizada. (...)"

Correio da Manhã, 4 de abril de 1936

 

AS MANCHETES:

A Prisão Do Dr. Pedro Ernesto - Communicam-nos Do Gabinete Do Chefe De Polícia: - A Polícia Deteve, Hoje, Ás 20,30 Horas, O Prefeito Do Districto Federal, Dr. Pedro Ernesto Baptista. Essa Providencia Foi Tomada Após Acuradas Diligencias Em Virtude Das Quaes Resultaram Indicios Vehementes De Culpabilidade Do Dr. Pedro Ernesto Na Preparação Dos Movimentos Subversivos Que Abalaram O Paiz Ultimamente. A Polícia, Com Serenidade E Energia, Prosegue Na Sua Missão ( O Imparcial )

Foi Preso Hontem O Sr. Pedro Ernesto - A Sensacional Diligencia Effectuou-se Ás 20,30 Horas Na Casa De Saude Da Esplanada Do Senado - Assumiu O Governo Do Districto O Conego Olympio De Mello, Presidente Da Camara Municipal ( Diário de Notícias )

Preso O Sr. Pedro Ernesto! Assumiu O Governo Da Cidade O Padre Olympio De Mello - Como Se Realisou A Diligencia Sensacional ( A Noite )

O Sr. Pedro Ernesto Foi Preso Pela Polícia - Como Se Deu A Prisão

( Diário da Noite )

Detido O Prefeito Do Districto Federal - Os Acontecimentos E O Estado De Guerra - Em Communicado Official, A Chefatura De Polícia Informou Haver Sido Detido Hontem, Á Noite, O Dr. Pedro Ernesto - Acrescenta O Communicado Que Essa Providencia Foi Tomada Após Accuradas Diligencias

( Correio da Manhã )

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37) Noel Rosa (1937)

"Morreu Noel Rosa. Após alguns minutos, a cidade inteira já sabia. Noel o popular cantor e compositor dos morros da cidade que sempre se destacou pelas suas producções, deixa a vida para ir de encontro a um novo mundo.

De algum tempo para cá, Noel deixou de apparecer nos meios radiophonicos e recolheu-se a um sanatorio atacado por terrivel enfermidade. Os seus "fans" reclamaram; porém, Noel não podia attendê-los por ter necessidade de absoluto repouso.

Suas melhores producções, alías, a que lhe deu nome, foi ha alguns annos o samba "Com Que Roupa". Depois, seguiram-se outros, e ultimamente "João Ninguem", "De Babado Sim" e outros.

Encerra-se com o autor de "Pierrot Apaixonado", "Feitiço da Villa", "Palpite Infeliz" e outras composições populares, uma etapa verdadeiramente brilhante do samba de nossa terra.

Noel morreu subitamente em consequencia de um colapso cardiaco, quando na rua Theodoro da Silva n. 382, o querido compositor encontrava-se em companhia de sua progenitora; esposa e alguns amigos palestrando recostado no leito. (...)

Cerca de 23 ½ horas, o "sambista philosopho" pediu que fosse tocada uma das suas composições, no que foi attendido promptamente. Então, cantando "De Babado Sim", Noel repentinamente deixou de viver desapparecendo da vida e deixando saudades. Porém, suas musicas não serão esquecidas e a sua memoria será tão venerada como a dos nossos maiores compositores da musica popular.

O seu enterro será realizado hoje á tarde, saindo o feretro da rua Thedoro da Silva n. 382 em Villa Isabel."

Diário da Noite, 5 de maio de 1937

 

"O povo carioca perdeu hontem com a morte de Noel Rosa, um dos interpretes mais perfeitos da sua poesia.

Poeta instinctivo, observador profundo da vida das populações pauperrimas da cidade, Noel Rosa, compreendeu, logo no inicio de sua vida de homem a necessidade que havia de realçar-se a lidima poesia popular da terra, a despeito de toda a miseria que assoberbava o modo de viver das populações dos bairros mais afastados da cidade. E foi com a intenção perfeita de enquadrar no seio da musica folklorica do paiz as producções do povo da cidade, que esse menestrel moderno levou para o radio a melhor somma de suas composições, todas ellas feitas sobre motivos da vida real dos habitantes dos morros e dos longinquos suburbios do Rio.

Noel Rosa deixa uma lacuna no seio da representação da musica popular do Rio de Janeiro. Elle, unicamente elle, compreendia e satisfazia o desejo do povo no tocante a arte dos sambas e das canções populares desta terra.

O enterro de Noel Rosa realizou-se hontem, com grande accompanhamento, sendo o seu corpo sepultado no cemiterio de S. Francisco Xavier."

Diário Carioca, 6 de maio de 1937

 

"Morreu Noel Rosa. A cidade chora, nesta noticia, o desapparecimento do expoente maximo do sambista carioca.

A letra era repleta de uma philosophia humana. Sentira a necessidade de ambientar a musica que vivia nos morros ao convivio da cidade. Fez letras onde o malandro e o jogo de chapinha não entravam. Traduzia a propria vida em ritmos e melodias.

É seu esse samba canção: "Naquelle tempo em que você era pobre / Eu vivia como nobre / A gastar meu vil metal / E, por minha vontade / Você foi para a cidade / Esquecendo a solidão / E a miseria daquelle barracão./ Tudo passou tão depressa, / Fiquei sem nada de meu / E esquecendo a promessa, / Você me esqueceu, / E partiu, com o primeiro que appareceu / Não querendo ser pobre como eu." Dizem que essa historia foi vivida.

O morro era para elle motivo de verdadeiras chronicas musicais. "Mangueira" é um exemplo disso.

Seu primeiro sucesso foi "Com Que Roupa". Nesse tempo, prosseguindo os estudos, elle ingressava na escola de Medicina. Em pouco tempo, porém, abandonava os estudos, dedicando-se, inteiramente, á arte que o empolgára. Venceu, em toda linha, plenamente, quer como autor quer como violonista. Costumava, constantemente, interpretar, frente ao microphone, suas producções. É enorme a sua bagagem musical.

Noel Rosa morreu, victimado por um collapso cardiaco, em sua residencia, á rua Theodoro da Silva. E - suprema ironia do destino! -"

A Noite, 5 de maio de 1937

 

"A cidade, principalmente, os meios bohemios, sentiram deveras a morte de Noel Rosa, o festejado sambista e cantor de radio, em plena mocidade. Sem obter melhoras no Piauhy, Noel Rosa regressou a esta capital para succumbir entre os desvelos de soa veneranda mãe e de sua esposa. Na hora da agonia, ouvindo os acordes de uma orchestra proxima ao seu leito de dôr, mandou pedir a execução de um samba de sua autoria e logo depois expirava.

O autor de "Com Que Roupa", "Cidade Mulher", e outras canções que alcançaram sempre popularidade, era filho de Villa Izabel, tendo nascido em 1907, á rua Theodoro da Silva n. 380, filho de Manoel de Medeiros Rosa, já fallecido e de d. Martha de Medeiros Rosa. Era casado com d. Lindaura Rosa.

Na sua mesa de trabalho, no momento da morte, estava exposto que confeccionava d. Martha Rosa, a partir de 1929, contendo todas as criticas da imprensa ás composições literarias e musicaes de Noel Rosa. Mesmo aquelles contendo irreverências á pessoa do vate nelle estão collecionados, contornados de vermelho, para maior realce.

Noel, cercado de amigos e de companheiros de aventura, reconheceu a proximidade da morte e dirigindo-se a Orestes Barbosa advertiu:

- Seu amigo está acabado...

Momentos depois era fulminado por um collapso.

O enterramento do festejado cantor e compositor teve grande acompanhamento tendo sido a sepultura aberta no cemiterio de S. Francisco Xavier."

Correio da Manhã, 6 de maio de 1937

 

"Noel Rosa era um de nossos mais conhecidos compositores populares. Suas musicas nunca deixavam de alcançar sucesso nas temporadas carnavalescas.

Havia mezes vinha elle soffrendo de pertinaz molestia, que lhe tirava toda a alegria.

Hontem, á noite, em frente á sua residencia, á rua Theodoro da Silva, 382, em Villa Isabel, realizava-se uma festa familiar.

Os rapazes, que compunham a orquestra, resolveram prestar uma homenagem a Noel, cantando em voz alta, o samba-desafio, de sua autoria, intitulado "De Babado Sim..."

O compositor popular, que regressára havia tres dias, de Pirahy, onde fôra mudar de ares, ao ouvir a musica, teve um estremecimento e morreu, talvez de emoção.

O seu enterro será realizado hoje á tarde, sahindo o feretro do endereço acima."

Diário de Notícias, 5 de maio de 1937

 

"Á meia-noite de hontem falleceu, nesta capital, em sua residencia, á rua Theodoro da Silva, 382, o compositor de sambas e marchas, Noel Rosa.

Era uma figura sympathica das rodas radiophonicas e dos nossos musicistas mais populares.

Muitas de suas producções como "Tarzan, O Filho do Alfaiate" e "Maria Fumaça", tiveram um exito extraordinario. Mas o seu samba que mais agradou, foi, sem duvida, "Palpite Infeliz". De alguns annos para cá, não havia Carnaval completo sem musica de Noel Rosa.

Encontrava-se elle enfermo ha varias semanas e os que o conheciam nada auguravam de bom, dado o seu physico franzino. Entretanto, ainda recentemente, concedeu uma alegre entrevista a uma de nossas revistas de radio, traçando então os seus planos para o futuro. Não quiz o destino que se justificasse o seu optimismo.

O enterro sae, ás 16 horas, de hoje, do referido endereço, para o cemiterio de S. Francisco de Assis."

O Jornal, 5 de maio de 1937

 

AS MANCHETES:

Morreu Cantando Noel Rosa A Figura Mais Popular Dos Nossos Compositores

( Diário da Noite )

Falleceu O Compositor Noel Rosa - Era Autor De Numerosas Musicas Populares ( O Jornal )

Falleceu Noel Rosa - O Conhecido Compositor Morreu Ouvindo Cantar Uma Musica De Sua Autoria ( Diário de Notícias )

A Morte Prematura De Noel Rosa - Foi, Hontem, Sepultado, O Popular Cantor Do Radio ( Correio da Manhã )

Morreu Noel Rosa ( A Noite )

Noel Rosa - Falleceu Hontem O Maior Cantor Da Alma Carioca

( Diário Carioca )

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38) Golpe de 1937 (1937)

"A cidade recebeu, ontem, com calma os acontecimentos políticos que determinaram a entrada em vigor de uma nova Constituição para o Brasil, revogando-se implicitamente, a de julho de 1934.

O presidente Getúlio Vargas no discurso que pronunciou, à noite, ao microfone do Departamento Nacional de Propaganda, falou à Nação com franqueza e desassombro, mostrando os erros e os vícios que vinham deturpando a essência do regime democrático e a necessidade de dar à nossa democracia uma nova forma, capaz de assegurar o prestígio da autoridade e dar ao governo maiores possibilidades de resolver os grandes problemas nacionais.

O presidente da República, com as intenções melhores de servir ao Brasil, deu-lhe uma nova Constituição, a Carta Magna, trabalho inteligente, de cuidadoso exame das nossas necessidades sociais, econômicas e políticas, possui uma uniformidade de pensamento que nào foi possível imprimir à Carta efêmera de 1934.

A Carta fundamental do regime republicano ontem promulgada, conserva, nas suas linhas gerais, na perfeição do seu arcabouço, a viga mestra do espírito democrático. As alterações que ela apresenta visam, entre outras coisas fortalecer a representação nacional, criando uma formula nova para o sufrágio universal, dando aos municípios um prestígio que eles nunca possuiram, neles reconhecendo a célula mater da federação.

Respeitando as liberdades públicas e os direitos dos cidadãos, a Constituição tem os seus alicerces fundamentais no sentido democrático, do qual a consciência brasileira jamais se afastou e jamais se afastará. Organizando a disciplina, restaurando os princípios da hierarquia, opondo reprezas poderosas à anarquia e à desordem, a nova Carta Magna não cria círculos de ferro para oprimir e escravizar.

A carta de 1934, a despeito das melhores intenções que inspiraram os seus autores, não conseguiu conciliar os ideais da Revolução de 1930. Obra de políticos, por isso mesma cheia de defeitos e contrasensos, ela sacrificou muitas das promessas feitas à Nação pelos revolucionários que tiveram como chefe civil o Sr. Getúlio Vargas. Dando ao Brasil outra Constituição o Sr. Getúlio Vargas se reimveste na qualidade de chefe da Revolução de 30 e retoma o ritmo interrompido de sua grande obra.

É, pois, na autoridade moral do presidente da República, nos anseios da Nação que quer viver e prosperar sem os tropeços de formalismos irrealistas e no sangue dos brasileiros imolados por um Brasil maior, que vamos encontrar a legitimação da nossa nova Carta Política."

Diário Carioca, 11 de novembro de 1937

 

"O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:

Atendendo as legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultante da crescente agravação os dissídios partidários, que uma notória propaganda demagogica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta imminência da guerra civil; atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia-a-dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente; atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de meios normais de preservação e da defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo; Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem estar e a sua prosperidade; decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o país: (...)"

A Batalha, 11 de novembro de 1937

 

"Ontem pela manhã, realizou-se no Palácio Guanabara, convocada pelo Sr. Presidente da República, doutor Getúlio Vargas, uma reunião coletiva do Ministério. Terminada a reunião, o gabinete do Sr. Chefe de Polícia forneceu à imprensa a seguinte nota:

Regressando da reunião realizada hoje pela manhã no Palácio Guanabara, o Sr. Ministro da Justiça declarou aos representantes da Imprensa acreditados junto ao seu gabinete que acabava de ser promulgada a nova Constituição da República, que ainda hoje será publicada. Ipso facto acham-se dissolvidos o Senado e Câmara Federais, bem como as Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais.

Às primeiras horas da tarde, foi dado igualmente, conhecimento aos jornais do seguinte telegrama-circular remetido pelo Sr. Ministro da Guerra, general Gaspar Dutra, aos Comandantes das Regiões Militares:

Urgentíssimo - N. 1.352 - Acaba ser decretada nova Constituição Federal (vg) assinada pelo Presidente da República e por todo o Ministério (pt) Entrará em vigor desde já (pt) Segue Proclamação dirigida ao Exército pelo Ministro da Guerra (pt) Absoluta calma nesta Capital e em todo o país (pt) Saudações

(a.) General Eurico Dutra - Ministro da Guerra."

A Nação, 11 de novembro de 1937

 

"A convite do Sr. Francisco Campos, ministro da Justiça, estiveram, ontem, no seu gabinete, os diretores de todos os jornais cariocas. O titular da Justiça declarou aos diretores de jornais que o governo desejava a colaboração da imprensa na organização do Estado novo, lembrando para isso a constituição de um Conselho de Imprensa através do qual pudessem se entender os poderes públicos e os jornalistas. Está marcada para hoje, na ABI, uma reunião dos diretores de jornais para o exame das sugestões do ministro da Justiça.

Por decreto de ontem do presidente da República, foi nomeado interventor no Estado do Rio de Janeiro, o capitão Ernani Amaral Peixoto. S. Ex prestará compromisso, hoje, às 11 horas, no Ministério da Justiça e tomará posse às 15 horas, no Palácio do Ingá.

O embaixador Mario de Pimentel Brandão, ministro das Relações Exteriores, reuniu, ontem, no Palácio Itamaraty, os chefes de missões diplomáticas acreditadas junto ao nosso governo, aos quais fez a seguinte exposição:

Acredito que todos tenham lido nos jornais as notícias dos últimos acontecimentos. Entendi o, comiudo, do meu dever concocal-os a fim de prestar-lhes mais alguns esclarecimentos e responder a quaisquer perguntas que entendam de formular. (...)

Desde 1934, eramos regidos por uma Carta política que não mais respondia ao espírito da nossa época. Essa carta restringia o poder do presidente da República, quando, no mundo interno, o poder executivo tem sido reforçado. A experiência mostrou que se tornara difícil o exercício do poder, sobretudo quando as atividades comunistas se concentraram no Brasil e produziram consequências que são de todos conhecidas. Em novembro de 1935, acontecimentos sangrentos se produziram na Capital e nos Estados do norte do país. O espírito político, a habilidade e o tacto do presidente da República encaminharam as coisas de modo em poucos meses tudo se pôde normalizar. E nessa convicção se abriu a campanha presidencial. E então notou-se que elementos agitadores se immiscuiam e se infiltravam nos dois campos opostos, aproveitando da circunstância da luta eleitoral, de mais a mais acirrada, desde que não fôra possível concentrarem-se as facções em torno de um único candidato.

Ao meio da luta, chegaram ao governo provas convincentes de que estavamos em vésperas de um grande abalo político de consequências impossíveis de prever. Apesár disso o governo não poupou esforços, através de todos os meios, pelos conselhos de prudência e sabedoria a fim de encaminhar as forças políticas para um terreno de conciliação. Tudo porém foi em pura perda. E à proporção que falhavam essas tentativas patrióticas, o presidente da República recebia de todos os cantos do Brasil manifestações inequívocas de que se fazia em torno dele, por ele e para ele, um movimento que congregava a totalidade da opinião sã do país, e lhe pedia uma solução para a crise manifesta.

Depois de um longo e demorado exame da situação, durante o qual ouviu figuras representativas das forças vitais da nacionalidade, foi que o presidente decidiu a decretar a nova Carta política, para atender ao apelo da Nação. Creio que cada um dos srs. chefes de missão pôde verificar que, de fato, a atitude de calma e de confiança do País, nesta Capital e nos Estados, demonstra que o ato do presidente da República respondeu plena e auspiciosamente aos anseios do povo brasileiro.

Tendo promulgado uma nova Constituição, de modo a não atingir nem à Democracia e nem ao sistema representativo, o governo tem como base a sua política de realizações, para a qual espera a colaboração das nações amigas, com cuja simpatia e amizade conta inalteravelmente. (...)"

Diário de Notícias, 12 de novembro de 1937

 

"Regressando da reunião realizada hoje pela manhã no Palácio Guanabara, o Sr. ministro da Justiça declarou aos representantes da Imprensa acreditados junto ao seu gabinete que acabava de ser promulgada a nova Constituição da República, que ainda hoje será publicada. Ipso facto acham-se dissolvidas o Senado e as Câmaras Federais, bem como as Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. Às oito horas da noite o Presidente da República falará à Nação pelo rádio. (...)

Acaba de ser fornecida à Imprensa, para conhecimento do povo, cópia da nova Constituição promulgada para o Brasil em reunião realizada pelo Ministério, sob a presidência do Sr. Getúlio Vargas, esta manhã, conforme nota que divulgamos.

Recebemos do Gabinete do Chefe de Polícia a seguinte nota:

A nova Constituição foi promulgada. A transformação se operou de modo pacífico, e teve por fim assegurar a paz à Nação. A Constituição será submetida a plebiscito nacional. A nova Constituição assegura, de modo mais completo, a autoridade da União e arma o Governo de meios normais de defesa da Ordem. Haverá Parlamento e um Conselho Consultivo de Ecocomia Nacional. São garantidos todos os direitos e contratos."

Diário da Noite, 10 de novembro de 1937

 

AS MANCHETES:

Em virtude das resoluções tomadas ontem pelo governo foram também dissolvidos a Câmara e Senado Federais, assim como Assembléias dos estados e as Câmaras Municipais. Todos os governadores com exceção dos Srs. Lima Cavalcanti e Juracy Magalhães, solidários com o presidente da República. Falam ao País e ao Exército o presidente da República e o ministro da Guerra. Assumiram os governos da Bahia e Pernambuco os coroneis Villanova e Fernando Dantas. ( A Nação )

Brasileiros! A Defesa Social Brasileira é um novo Arraial do Bom Jesus erigido como baluarte do Brasil contra a invasão vermelha. Nenhum patriota poderá ficar alheio ao seu grande apelo. Alistai-vos! ( A Nação )

A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais da federação orgânica (do discurso do Presidente Getúlio Vargas) ( A Nação )

A Constituição Federal Promulgada - Tradições que permaneceram das Constituições de 1824 e 1936. Democracia, representação popular direta e indireta. Inexistência de qualquer preconceito. Manutenção do habeas corpus. Irretroatividade das leis. Paz, Justica e Trabalho ( A Nação )

Acaba de Ser Promulgada, Em Reunião No Ministério, Nova Constituição Para A República ( Diário da Noite )

A atmosfera de tranqüilidade e de confiança em que se operou a transformação do regime é a melhor prova de que o ato do governo não foi mais do que a sancção de um decreto do Povo. - Francisco Campos - ( Diário da Noite )

Haverá parlamento no regime da nova Constituição - Prorrogado o mandato presidencial até a renovação do plebiscito - Seis anos, o novo período presidencial - As candidaturas - Guarantidos todos os direitos e contratos.

( Diário da Noite )

Decretada a Intervenção Federal na Bahia, em Pernambuco e no Estado do Rio

( Diário de Notícias )

Os Motivos que Determinaram A Decretação Na Nova carta Política

( Diário de Notícias )

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39) Revolta Integralista (1938)

"A cidade amanheceu surpreendida com a notícia de um movimento sedicioso. Pouca gente ouvira o rádio, às primeiras horas da madrugada, quando foram ocupadas algumas estações e transmitidas proclamações rebeldes. Só hoje, pela manhã, a maioria dos cariocas teve conhecimento da rebelião integralista, sufocada, imediatamente, pelo Governo da República.

Embora completamente ineficiente, a revolução direitista, por menos que tenha durado, abalou profundamente o povo da Capital. É que o carioca se acha integrado com todo o povo brasileiro, numa fase intensa de atividade construtora. (...)

A vigilância da polícia política espalhada em todos os setores da cidade, permanentemente, deu a conhecer os primeiros indícios da intentona. É que no bairro das Laranjeiras, cerca das 9h da noite de ontem, foram vistos muitos individuos moradores dos apartamentos dos edificios da Sul-América, sairem isoladamente, para logo se juntarem a certa distância. Provavelmente, tinham o ponto indicado para a organização do bando que, momentos depois levava a efeito grande assalto armado. Logo, pelo telefonema ficavam o capitão chefe de Polícia e o delegado especial de Segurança Pública e Social conhecedores de tais passos suspeitos..

Mal acabava de ser feita a comunicação por um outro telefonema, a polícia política era informada do assalto levado a efeito de surpreza ao Palácio Guanabara. Foi um acontecimento violentíssimo, pois, o grupo assaltante, armado e municiado conseguiu no primeiro momento estabelecer o pavor.

Travou-se renhido tiroteio à frente do jardim do Palácio. Foi um combate que durou pouco porque uma parte da guarda, composta de Fuzileiros Navais, aliando-se aos atacantes, colocou-se na mais franca rebeldia. Estava assim reforçada a horda dos extremistas da direita. A outra parte da guarda que não quiz aderir aos rebeldes, colocando-se em situação de indiferença foi feita prisioneira e encurralada a um flanco do jardim da Guanabara.

Com o primeiro aviso, foi determinada rigorosa prontidão na Polícia Especial, de sorte que, verificado o assalto ao Palácio Guanabara, aquela força civil saiu para entrar logo em ação. À sua aproximação do Palácio, ouviu-se uma farta fuzilaria. Os rebeldes, já entrincheirados nas suas posições faziam fogo contra os seus adversários. Houve necessidade de um recuo estratégico para tomada de posição, ao mesmo tempo que essa manobra favorecia a localização das forças armadas fiéis ao governo. Já haviam sido tomadas providências pelo alto comando do Exército. Assim que, imediatamente, a guarnição do Forte do Vigia teve ordem de marchar para o Guanabara, a fim de combater aos rebeldes. Identicas providências foram tomadas com o Batalhão de Guardas. Essas duas forças sob o comando do coronel Oswaldo Cordeiro de Farias, interventor do Rio Grande do Sul, entrando nas suas posições, ofereceram o primeiro combate.

Prisioneiro que estava no Guanabara, já às escuras, o Presidente Getúlio Vargas não perdeu a sua serenidade de espírito. Afeito a embates de tal natureza, aguerrido como se sabe, o Chefe da Nação manteve a sua atitude energica enfrentando com heroismo os rebeldes. Foi uma surpresa para S. Excia. quando se viu ladeado pelo coronel João Alberto e major Nelson Mello. Esses dois arrojados militares haviam saltado os muros do Guanabara para se colocarem ao lado do Presidente. Enquando se observava isso no interior do Palácio, fora, exposto às balas, o general Gaspar Dutra, Ministro da Guerra, dirigia em pessoa as operações militares em defesa do Chefe de Estado.

Em consequência da forte luta, travada contra os rebeldes o general Gaspar Dutra, recebeu um ferimento produzido por estilhaço de granada, na orelha esquerda. Não dando importância ao ferimento recebido, o Ministro da Guerra manteve a sua posição de comando.

Apesar de senhores da situação, embora por poucos minutos, os rebeldes não tiveram coragem de prosseguir na investida até o interior do Palácio Guanabara. É que, lá dentro, o próprio Presidente da República, de metralhadora em punho, engrentava o perigo que o ameaçava. Essa atitude corajosa, contribuiu para impedir o avanço dos rebeldes. (...)"

Correio da Noite, 11 de maio de 1938

 

"O Brasil tem um grande, um magnífico destino a cumprir. E não pode mais admitir que brasileiros sem fibra sem o mais dignificante dos sentimentos humanos que é o da honra, por simples ambição pessoal, por sectarismo ou por um desvio intelectual, se voltem contra a Pátria, perturbando a obra admirável de reconstrução nacional. (...)

Os acontecimentos da madrugada de ontem apresentam, já agora, uma significação altíssima. A história os registrará, mas a memória dos homens fixou, desde já, uma circunstância idelevel. O presidente Vargas empolga, hoje mais do que nunca, o país que lhe acompanha a magnífica trajetória de administrador, servido por um patriotismo incomum e por uma coragem excepcional, qualidade mais de uma vez postas à prova, através dos acontecimentos que vêm perturbando o ritmo da vida nacional. (...)

A rua Pinheiro Machado, calma como sempre, nas primeiras horas de ontem, foi despertada por grossa fuzilaria. É que a sentinela do Palácio Guanabara, vendo-se aproximar junto ao referido palácio um caminhão cheio de homens, dá um grito de alarme. Logo após, um tiro partiu para o ar e teve como resposta uma fuzilaria, partida dos passageiros do caminhão que saltaram rapidos do veículo penetrando no portão principal do Palácio Guanabara.

A guarda tentou reagir, porém, foi dominada em parte, enquanto outros subiram ao andar principal do Palácio e comunicaram o ocorrido ao presidente Vargas. S. Ex. já de pé, rodeado da Exma. Sra. Darcy Vargas sua esposa, de seus filhos Manoel e Alzira, de seu irmão Benjamin Vargas, e de seu cunhado Walter Sarmanho, além de dois leais sentinelas, um fuzileiro naval e um guarda civil.

No hall do Palácio, senhor de uma bravura sem limites, num gesto resoluto, arma sua família e dispôs-se o presidente Vargas a resistir os invasores. Já tinham sido tomadas as providências que o caso exigia, e, em breve ali compareciam o coronel Cordeiro de Farias, atual interventor do Rio Grande do Sul, ora nesta capital, que, com uma força do Exército procurava penetrar no Palácio.

A fuzilaria partida do interior do Palácio presidencial não permitiu de pronto o acesso ao jardim do Guanabara. Com a chegada da Polícia Especial e Militar, reforçaram-se defensores do Governo que usando de um ardil penetraram pela porta lateral do Palácio passando pelos terrenos do Fluminense F. Club.

A presença do Ministro da Guerra, com a coragem e energia que lhe é peculiar, mais encorajou os soldados da lei que assim rechassaram os rebeldes, já de posse da parte térrea do Palácio Guanabara.

Com a chegada inesperada dessas forças defensoras do governo, os assaltantes procuram fugir. Quinze assaltantes foram imediatamente presos e outros que fugiam às balas eram atingidos em parte na sua fuga.

Assim terminou essa louca e ousada aventura dos rebeldes que ficaram desbaratados pela coragem pessoal do chefe da Nação e pelas providências prontas das nossas autoridades. (...)"

A Batalha, 12 de maio de 1938

 

"A grandiosidade tenebrosa do crime, que assombrou com a sua sequência de tragédias a madrugada de ontem, não conseguiu sequer empalidecer, com os rios de sangue que derramou, a não menor grandiosa atitude do Presidente Vargas, cuja serenidade não traduz apenas a sua coragem física, mas, ainda e principalmente, a energia moral de um predestinado à mais alta chefia da nacionalidade.

Não é possível que aquele sangue-frio, aquela calma admirável, aquele controle absoluto que permitem providências prontas e eficazes, se limitem a uma significação tão pequena de um bravo que a si próprio não poupa na inconsciência da luta. A coragem pessoa de S. Excia., nunca desmentida, é o resultado de uma envergadura moral que tem como cerne o complexo dos mais nobres anseios do povo brasileiro.

Por isso, quando o Presidente Vargas defendia de armas na mão o Palácio Guanabara contra o assalto dos sediciosos ensandecidos, não defendia somente o seu lar ameaçado de pavorosa chacina, mas também a tranqüilidade brasileira, que não deu procuração a bandoleiros para lhe guardar a trilogia organicamente nacional.

Até que enfim, desde a madrugada de ontem, viram a realidade, os que ainda estavam ludibriados na sua boa fé pela pregação de sentido, manso e evangélico, com que Plínio Salgado procurava mistificar o movimento de primarios, cujo único impulso era a sede de sangue e única finalidade o assalto liberticida do Poder Público. Aí está o que era o integralismo. Valhacouto de mashorqueiros, coclave nauseante de "parvenues" do mais baixo sub-solo moral.

A farandula tragica dos ensandecidos que, na madrugada de ontem, quiz, a passos de almas penadas levar a efeito o ritual fúnebre, frente à mortalha da nação assassinada, como entrevia a imaginação delirante, não passou felizmente de um sonho que está a desafiar a psicanálise da etiologia do crime e da loucura. (...)"

A Nação, 12 de maio de 1938

 

"O país recebeu com tristeza e indignação a notícia da miserável agressão aos poderes públicos, na qual o "integralismo" renegou mais uma vez as alegações ordeiras de seu programa, desmascarando-se na ambição, no despeito e no rancor que são a realidade de seus intuitos.

A tragicômico "putsch" integralista que salpicou de sangue brasileiro os jardins e as escadarias do Palácio Guanabara constituiu uma aventura repulsiva e sem precedentes na prática de montins contra o governo local. Se até pouco tempo havia iludido os que de boa fé acreditassem nos processos de purificação anunciados e prometidos pelos adeptos do Sr. Plinio Salgado, esses, certamente, terão visto, de ontem para cá, o que realmente significava a sistematização daqueles preceitos de Deus, Pátria e Família que acobertavam os propósitos faccinoras, e serviam de base a uma sedição cuja finalidade era crime contra a Pátria. (...)

O movimento foi iniciado com uma requintada técnica de perversidade. as casas dos mais eminentes homens públicos e militares foram escaladas para assaltos brutais e sanguinários. A paz dos lares e a sensibilidade pelo refugio sagrado das famílias foram violadas a horas altas da noite. Em seguimento ea esse prólogo de celeres matanças o drama da escalada do Palácio Guanabara, residência do chefe da Nação. (...)

Sobre as trágicas horas durante as quais a família do presidente da República resistiu sem comunicações e balda de reforços materiais à fúria dos assaltantes, ouvimos ontem um relato de um daqueles que condividiram o perigo e a incerteza daquele transe inesperado:

Era uma hora da manhã mais ou menos, quando dois caminhões repletos de indivíduos disfarçados em fuzileiros navais chegaram de chofre aos portões do Guanabara, declaramdo virem de ordem superior para completar a defesa do palácio, guardado insuficientemente pelo destacamento de costume. a primeira sentinela, não acreditando na alegação, deu alarma.. Os atacantes dirigiram-se rapidamente ao outro portão, chamando à fala a outra sentinela que, ao se aproximar, foi morta incontinenti.

Varando o portão já eles se dispuseram em ordem de ataque e se dividiram em grupos em torno do Guanabara, sendo que o mais numeroso tentou atingir a portaria e subir as escadas.

além da guarda normal cuja posição não era possível identificar no momento, a nossa guarda interna era constituida por dois elementos de confiança que procuraram resistir com duas metralhadoras de que dispunhamos. Uma, porém, estava desmantelada. A outra é que serviu de ponto de apoio à nossa resistência lá no interior. Como entre os atacantes figurasse um sargento que parecia nos ser dedicado, um dos nossos investigadores a ele se dirigiu confiante, mas foi preso e dominado.

Ficamos, portanto, reduzidos a um investigador manejando a única metralhadora. Constituiu uma grande "chance" para nós, não atinarem os atacantes com o lugar em que nos encontravamos. Nessa emergência só nos restava o recurso dos telefones. Os aparelhos da Light tinham sido, porém, desligados e nos cingimos aos telefones oficiais. Com esse nos comunicavamos para fora e recebiamos informações dos nossos amigos.

- Mas eesas informações, perguntamos, eram de molde a tranquilizar?

- Qual! Houve um momento em que nos avisaram que a casa do General Góes Monteiro fora assaltada, a do Ministro da Guerra idem, e que os revoltosos já se achavam de posse do Ministério da Marinha. esse foi o momento mais cruciante, porque não nos falavam em reforços.

O presidente, com a sua serenidade habitual, queria percorrer o palácio, para ver como poderia reforçar a defesa. Nós todos lhe faziamos apelos a que ele não atendia.

Foi então que o nosso amigo Filinto Muller nos avisou que a Polícia Especial já penetrara nos jardins do palácio para nos socorrer.

Estavamos todos alojados na ala esquerda, mergulhados na escuridão, e procuramos divisar os elementos da Polícia Especial. De uma janela, pareceu-me ver, deitado, no manejo de uma metralhadora, alguém que acreditei ser o tenente Queiroz.

Queiroz, Queiroz, disse-lhe em voz baixa, mas em vez do reconhecimento amigo caiu sobre o palácio uma chuva de balas. depois soubemos das providências do ministro da Guerra e da vinda do coronel Cordeiro de Farias, pelo lado do Fluminense. Um de nós abriu com cautela a porta secreta do palácio que dá para o clube e os nossos amigos vieram se arrastando como crocodilos.

Daí em diante, as providências se sucederam e a reação dos nossos aumentou. Foi um verdadeiro milagre se não fomos massacrados. As únicas armas de que dispunhamos eram seis revólveres de puco alcance. Ao todo eramos seis. Já às quatro e meia, quando as luzes acenderam, é que vimos os rostos dos que estavam ao nosso lado. depois de alguns minutos começamos a ver também os prisioneiros, todos com caras desconhecidas.

- E o Presidente?

- Sempre o mesmo, concluiu o nosso informante. A sua preocupação durante todo o tempo consistiu em ver como poderia aumentar a nossa resistência e como poderia dirigil-a. Como sempre imperturbável. Com o seu exemplo, todos permanecemos calmos e confiantes. A coragem de um chefe vale tanto como uma boa trincheira. Ao lado do presidente, nós nos sentimos seguros."

Diário Carioca, 11 de maio de 1938

 

"A Polícia Civil tinha conhecimento de que elementos da extinta Ação Integralista vinham planejando uma revolução. Providenciando, fez investigadores especiais juntarem-se às fileiras do sigma, a fim de melhor orientar-se a respeito do citado movimento.

Ontem, às 21 horas, a Delegacia Especial de Segurança Política e Social vio a saber que no Quartel da Polícia Militar se apresentara um oficial acompanhado de dois civis, levando uma ordem assinada pelo dr. Israel Souto no sentido de ser posto em liberdade o coronel Euclydes de Figueiredo. O oficial de dia, no quartel, desconfiando, dirigiu-se à sala da Ordem, e dali, pelo telefone, comunicou-se com o delegado Especial de Segurança Pólítica e Social, tendo o dr. Israel Souto afirmado não ter dado tal ordem. Era evidente a cilada, e o oficial negou-se a atender. Diante do ocorrido, o delegado Israel Souto, imediatamente, tomou providências, distribuindo investigadores armados por todos os cantos da cidade.

Os policiais, logo de início, notaram desusado movimento em casas residenciais da rua das Laranjeiras, moradias de integralistas conhecidos. Outros edifícios, onde entravam e saiam homens a toda hora, foram sujeitos a estreita vigilância, sendo o dr. Israel posto a par de tudo que ocorria. A autoridade, tomando rápidas providências, entendeu-se com os Ministérios de Guerra e da Marinha, Polícia Especial e Militar.

Aos 4 minutos de hoje foram ouvidos os primeiros disparos, partidos de vários pontos da cidade. era o início do levante, e providências para debelal-o foram tomadas com a maior urgência. A ação repressora da Polícia Civil fez-se sentir mais energica no Palácio Guanabara, residência do presidente da República. No momento em que a guarda ia ser rendida, houve motim. (...)"

Diário da Noite, 11 de maio de 1938

 

AS MANCHETES:

Cresce A Repulsa do Povo Brasileiro Contra A Odiosa Intentona Verde - O Crime Dos Renegados - O Assalto Ao Guanabara No Impressionante Relato De Um De Seus Defensores ( Diário Carioca )

Resistindo E Dominando A Intentona Verde O Presidente Getúlio Vargas Ofereceu Ao Brasil Provas eloquentes De Que A Nacionalidade Não Podia Escolher Mais Bravo E Nobre Guardião De Sua Integridade! ( A Nação )

Jugulada A Infâmia Verde ( A Nação )

Jugulada, Completamente, A Segunda Mashorca Integralista

( Correio da Noite )

Dominado O Levante Dos Integralistas ( A Batalha )

Os Revoltosos Serão Julgados Sumariamente Pelo Tribunal de Segurança -

Golpe Integralista Irrompeu À Meia Noite, Em Vários Pontos da Cidade

Um Movimento Sedicioso Prontamente Reprimido - Assaltados O Palácio Guanabara, O Ministério E O Arsenal Da Marinha, Estações Ferroviárias, Difusoras E Telefônicas, A Residência Dos Generais Goes Monteiro e Valentim Benicio -Terrorismo No Centro Urbano - Incêndios, Tiroteios E Correrias - Tentativa Contra O Tesouro E A Inspetoria de Veículos - Muitos Mortos E Muitos Feridos ( Diário da Noite )

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40) Vargas Deposto (1945)

"O Brasil viveu ontem horas de intensa agitação provocada pela atitude de intransigência do Sr. Getúlio Vargas. O ditador, apoiado pelos "queremistas", planejou e executou o seu último golpe, com a nomeação de seu irmão Benjamin, para a Chefatura de Polícia. Indiretamente, fez-se sentir um grande movimento de repulsa, que culminava com a sua renúncia ao poder, consequência de seu "ultimatum" que lhe foi feito pelas classes armadas.

Logo após ter transmitido a chefia de Polícia ao Sr. Benjamin Vargas, desde ontem titular do posto em substituição ao antigo coordenador, o Sr. João Alberto esteve no Ministério da Guerra tendo-se feito acompanhar pelo comandante da Polícia Especial, o Sr. Eusebio de Queiroz. Ali estiveram em demorada conferência com o general Góes Monteiro.

Ao terminar a reunião, que durou mais de uma hora, pôde ser notado intenso movimento naquele Ministério, fato que ainda mais chamou a atenção em virtude de terem sido trancados os portões fronteiros e laterais, não sendo permitido, portanto, nem a entrada nem a saída de civis. Imediatamente foi proclamada rigorosa prontidão para todas as tropas que servem ali. Enquanto isso, a cidade se enchia dos mais alarmantes boatos, e os nossos telefones não cessavam de tilintar todos ávidos de informações.

Por volta das 18 horas, tropas do Exército ocupavam a praça da República, colocando imediatamente nos principais entroncamentos metralhadoras. O trânsito ficou desde logo impedido para veículos, salvo os de caráter forçado. E quanto aos pedestres, só podiam passar os que se destinassem a suas residências.

Às 18,30 horas, tivemos informações de que as tropas motomecanizadas sediadas no Derbi Clube compostas de tanques, se dirigiam para o centro da cidade, certamente para reforçar as que já se encontravam na Praça da República. (...)

Pouco depois das 19 horas, três caminhões do Exército, com soldados armados, saiam do Ministério da Guerra em direção ao Palácio do Catete, a fim de guarnecê-lo. Também o Palácio Guanabara estava guarnecido por tropas que imediatamente interditaram o trânsito pelas ruas Paissandú e Álvaro Chaves. (...)

A Avenida Presidente Vargas, em toda a sua extensão, ficou desde cedo ocupada por tropas do Exército, constituídas do 3o Regimento de Carros de Combate e, às 20 horas, chegava ao mesmo local o 1o Grupo de Obuzes. (...)

Depois de tomarem conhecimento da exoneração do Sr. Henrique Dodworth, os secretários da Prefeitura solicitaram também exoneração coletiva. Foi oficialmente noticiada a nomeação do Sr. João Alberto, novo prefeito do Distrito Federal. A comunicação da exoneração do Sr. Henrique Dodworth lhe foi dada por telefone pelo Sr. Agamenon Magalhães. (...)

Às 11,30 da noite de ontem, depois dos acontecimentos que são do domínio público, o Sr. Getúlio Vargas renunciou, entregando o Governo ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Linhares.

Às duas horas e meia, realizou-se, no Ministério da Guerra, perante os chefes militares, a posse do Ministro José Linhares, como Presidente da República

Perguntado pelo representante de Resistência, se haveria restabelecimento de censura à imprensa, o Ministro João Alberto exclama:

Os senhores estão proibidos de falar sobre esse assunto. Não há, e jamais haverá censura à imprensa. Peço a todos, pois, uma colaboração leal e de sentido construtivo, dentro da mais ampla liberdade."

Resistência, 30 de outubro de 1945

 

"O general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, em nome das Classes Armadas, declara que o Exmo. Sr. Presidente da República, diante dos últimos acontecimentos e para evitar maiores inquietações, por motivos políticos se afastará do Governo, transmitindo o poder ao Presidente do Supremo Tribunal Federal (...)

Cumprindo a 1a Região Militar assegurar a ordem na Capital Federal e evitar qualquer exploração de elementos indesejáveis, previne-se à população que, por medida de ordem, foi determinada a prontidão rigorosa de todas as unidades. Medidas de segurança estão sendo tomadas, de combinação com a Marinha, Aeronáutica e Polícia Civil e Militar. Todos os oficiais, sargentos e demais praças, ao terem conhecimento desde aviso deverão se recolher aos respectivos quartéis.

No Ministério da Guerra, ontem à noite, o general Cordeiro de Farias, por incumbência do general Góis Monteiro, falou aos jornalistas, informando-os a respeito dos acontecimentos do dia.

O general Cordeiro de Farias começou dizendo que ao serem informados da nomeação do Chefe de Polícia do Distrito Federal, os generais estiveram reunidos no Ministério da Guerra, examinando a situação. A reunião foi presidida pelo general Góis Monteiro, ministro da Guerra, que se manifestou solidário com os seus camaradas de armas, enviando ao presidente da República o seu pedido de exoneração do cargo que vinha ocupando no seio do governo. Os generais dirigiram então um apêlo ao general Gois Monteiro para que, não já como ministro da Guerra, mas como Comandante Supremo do Exército, se colocasse à testa do mesmo, tendo em vista os altos interesses da nação brasileira e da tranquilidade nacional. (...)

O general Góis Monteiro, como Comandante do Exército, designou para chefe de seu Estado maior o general Cordeiro de Farias. mais tarde o general Cordeiro de Farias, em companhia do ministro Agamemnon Magalhães e do general Firmo Freire, dirigiu-se ao Palácio Guanabara a fim de informar o presidente Getúlio Vargas, a cerca do que se estava passando. O presidente autorizou então o general Góis Monteiro a dirigir ao país a proclamação cuja cópia o general Cordeiro de Farias deu ali mesmo aos jornalistas. Nessa proclamação se anuncia que o presidente Getúlio Vargas declarou que se afastaria do governo, transmitindo-o ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Linhares.

O general Cordeiro de Farias comunicou ainda que o Ministério da Guerra manteve constante entendimento com os comandantes de todas as Regiões Militares, as quais se manifestaram solidárias com a decisão dos generais nesta capital. O ministro João Alberto reassumiu a Chefatura de Polícia."

A Manhã, 30 de outubro de 1945

 

"O general Cordeiro de Farias reuniu os jornalistas, na madrugada de hoje, para expor os vários fatos que de desenrrolaram ontem, nesta Capital, e que terminaram com a renúncia do Presidente da República, que passou o poder ao Presidente do Supremo Tribunal Federal. O general Cordeiro de Farias disse de início:

O general Góis Monteiro, quando se tornou pública a nomeação do chefe de Polícia do Distrito Federal, deliberou renunciar ao cargo de Ministro da Guerra, dirigindo uma carta ao Sr. Presidente. No entanto, atendendo a um apelo dos generais, inclusive em radiogramas dos comandantes das diversas Regiões Militares que secundaram com o seu apoio os colegas que aqui se reuniram, resolveu permanecer como Comandante Em Chefe do Exército Brasileiro, nomeando-me para Chefe de seu Estado Maior.

Nesta ocasião - continuou Cordeiro de Farias - foram dadas ordens às Unidades do Exército para se deslocarem para as proximidades do Quartel General, o que teve início aproximadamente às 18 horas. Estas forças ficaram em situação de poder executar qualquer ordem que se fizesse necessária.

Continuando, disse:

Desde o início, estiveram presentes no Ministério da Guerra os Srs. general Eurico Gaspar Dutra e brigadeiro Eduardo Gomes, tendo também comparecido o ministro Agamemnon Magalhães e o Chefe da Casa Militar do Presidente da República, general Firmo Freire.

Às 21,30 horas - continuou o general Cordeiro de Farias - acompanhado do ministro Agamemnon Magalhães e do general Firmo freire, dirigi-me para o Palácio Guanabara, onde, em nome do general Góis Monteiro, dei conhecimento ao Presidente dos acontecimentos que estavam se desenrolando. Por essa ocasião, transmiti ao Sr. Presidente o apelo do general Góis Monteiro que, já nesse momento, falava em nome do Exército, Aeronáutica e Marinha, para que, com o seu espírito de patriotismo, evitasse o ensanguentamento da família brasileira - declarando-lhe também a firmeza da decisão das classes armadas - que não desejavam a luta, principalmente nas regiões onde estava sediado o Governo. Atendendo a esse apelo o Sr. Presidente da República acedeu, dizendo-se pronto a entregar as funções do Governo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal e dizendo que neste sentido poderia o general Góis Monteiro fazer uma proclamação ao país. (...)

O Radical, 30 de outubro de 1945

 

"Apesar das desesperadas tentativas dos políticos das oposições coligadas, que, com a constante confusão que estabelecem no espírito público, procuram insinuar que o país está sendo governado por uma ditadura militar, o povo não deve iludir-se com essa manobra. O Chefe do Governo é o Sr. Getúlio Vargas e com ele estão as nossas forças armadas e Nação."

Correio da Noite, 29 de outubro de 1945

 

"Resolveu-se em poucas horas, com a rapidez dos acontecimentos cósmicos, a crise que nos últimos meses ensombrava os horizontes da Nação, ameaçando, na tarde de ontem, degenerar em guerra civil.

A mudança de altos dignatários do governo foi sinal decisivo para a mudança de ritmo nos fatos cujo lento desenrolar era um cauterio permanente sobre os nervos tensos da população.

A ação do Exército foi rápida. As tropas motorizadas desceram para a Cidade e tomaram posição nos pontos estratégicos, foram guardados os palácios do governo, ocupadas as estações radiotelegráficas, alinhados os tanques ao longo da Avenida Presidente Vargas e ficaram de prontidão as tropas no Campo de Santana.

É de justiça ressaltar nesse momento o espírito de renúncia e o bom senso com que o Sr. Getúlio Vargas aceitou os acontecimentos, evitando com a sua pronta aquiescencia à declaração dos generais, momentos de intranquilidade e de desordem na capital da República. (...)

Segundo informações oficiais reina a mais completa tranquilidade em todo o pais. Nenhuma modificação foi feitas nas administrações estaduais, salvo no Pará, onde o interventor Magalhães Barata havia se demitido, a fim de concorrer às eleições. Para não ficar o governo acefalo o gal. Alexandre Zacharias de Assunção, comandante da Região, tomou posse interina daquelas funções acumulativamente.

Às 11 horas esteve no Palácio da Guerra, onde conferenciou com o General Góes, o Ministro José Linhares. O novo presidente da República deverá tomar posse ás 15 horas, no Palácio do Catete.

O general Góes Monteiro, na manhã de hoje, convidou a todos os generais para assistirem á cerimonia de entrada em exercicio do ministro José Linhares no cargo de Presidente da Republica, que terá lugar ás 15 horas de hoje, no Palácio do Catete.

Ás 11 horas de hoje, chegou ao Palacio do Exercito o ministro José Linhares, novo chefe do Governo. S. Excia. entrou logo em conferencia com o general Góes Monteiro e outras altas autoridades ali presentes. Essa conferencia prosseguia ainda ás 12 horas. (...)

Correio da Noite, 30 de outubro de 1945

 

"Após a cerimônia de posse, no Ministério da Guerra, A Noite procurou o presidente José Linhares. (...)

A finalidade de minha missão é fazer realizar as eleições já marcadas para 2 de dezembro próximo.

E depois de tecer considerações em torno da hora que o país está vivendo, concluiu:

A minha responsabilidade é muito grande mas a das Forças Armadas é ainda maior.

Pouco depois da meia noite, o Sr. Getúlio Vargas já havia assinado, no Palácio Guanabara, o ato de sua renúncia formal. O ministro da Justiça, Sr. Agamemnon Magalhães tomando-a em màos, deixou imediatamente o Palácio, dirigindo-se, de automóvel, ao Quartel General, onde se encontravam reunidos os generais. O documento histórico foi entregue ao general Góis Monteiro alguns minutos depois. (...)

Cerca de duas horas da madrugada ainda era bem grande o movimento de militares, autoridades e jornalistas no Palácio da Guerra, pois corria a notícia de que o ministro José Linhares, novo presidente da República, dentro de poucos minutos tomaria posse no mais elevado cargo na administração do país e que a mesma teria lugar no gabinete do ministro da Guarra. (...)

Antes de falar à imprensa, por intermédio do general Oswaldo Cordeiro de Farias, o general Góis Monteiro, lançou a seguinte nova proclamação:

O general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, em nome das Classes Armadas, declara que o Exmo. Sr. Presidente da República, diante dos últimos acontecimentos e para evitar maiores inquietações, por motivos políticos se afastará do Governo, transmitindo o poder ao presidente do Supremo Tribunal Federal. O Sr. Presidente fará uma proclamação ao povo brasileiro, concorrendo com sua renúncia e alto patriotismo para que a ordem publica não sofra a solução de continuidade e se mantenha inalterável o prestígio do Brasil."

A Noite, 30 de outubro de 1945

 

AS MANCHETES:

Nosso Governo É Civil ( Correio da Noite )

Reina Ordem Em Todo O País ( Correio da Noite )

A História E O Tempo Falarão Por Mim, Discriminando Responsabilidades

Despedindo-se Do Povo Brasileiro, Em Mensagem Antes De Embarcar O

Ex-Presidente Getúlio Vargas Diz Que Não Guardará Nem Ódios Nem Prevenções Pessoais - A Integra Do Documento ( Correio da Noite )

Getúlio Vargas Lançará Uma Proclamação Ao Povo Brasileiro - A Renúncia Do Chefe Do Governo Para Evitar O Ensanguentamento Da Família Brasileira

O Ministro José linhares É O Novo Presidente - Volta À Chefia De Polícia O Ministro João Alberto - O General Góis Monteiro Aclamado Chefe Do Exército - Empossado O Novo Governo - Outras Notas ( O Radical )

Os Acontecimentos De Ontem - Com A Renúncia Do Sr. Getúlio Vargas, Assumirá O Governo O Presidente Do Supremo Tribunal Federal - A Reunião Dos Generais No Ministério Da Guerra - O General Góis Monteiro No Comando Do Exército - O General Dutra E O Brigadeiro Eduardo Gomes Na Reunião ( A Manhã )

Deposto Getúlio Vargas ( Resistência )

Deverá Deixar O Rio, Amanhã, O Sr. Getúlio Vargas

Empossado No Governo O Ministro José Linhares

O Presidente Linhares Fala A A Noite ( A Noite )

Hoje No Catete O Novo Presidente ( A Noite )

Empossado No Governo O Ministro Linhares ( A Noite )

Partiu Para São Borja O Sr. Getúlio Vargas ( A Noite )

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41) Fechamento dos Cassinos (1946)

"O ministerio esteve reunido hoje, pela manhã, sob a presidência do general Eurico Gaspar Dutra, chefe do Governo, com a presença de todos os secretarios de Estado e do chefe do Departamento Federal de Segurança Pública.

A sessão que teve inicio um pouco antes da 10 horas, prolongou-se até às 12,45. Á saida do ministro da Justiça, dr. Carlos Luz, abordado pelos jornalistas presentes declarou que um dos principais assuntos tratados foi o concernente à medidas de combate ao comunismo.

O nosso redator indagou se havia sido deliberado o fechamento do Partido Comunista, tendo S. Excia respondido negativamente, declarando, ainda, que apenas se traçara um plano geral sobre a questão.

A seguir entregou aos jornalistas uma cópia do seguinte decreto-lei que manda extinguir o jogo em todo o território nacional, que hoje foi assinado e que foi o outro assunto importante ventilado na reunião:

- O presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição e considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal; considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contem preceitos tendentes a esse fim; considerando que a tradição moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e a exploração dos jogos de azar; considerando que das exceções abertas à lei geral decorreram abrigos nocivos à moral e aos bons costumes; considerando que as licenças e Concessões para prática e exploração dos jogos de azar na Capital Federal e nas estancias hidroterapicas balnearias ou climáticas, foram dados à titulo precário, podendo ser cassadas em qualquer momento; Decreta:

Artigo 1º - Fica restaurada em todo o territorio nacional a vigência do artigo 50 e seus parágrafos da lei de Contravenções penais, decreto-lei 3.688 de 2 de outubro de 1941.

Artigo 2º - Esta lei revoga os decretos-leis nos 241 de 4 de fevereiro de 1938, no 5089 de 15 de dezembro de 1942 e no 5192 de 14 de janeiro de 1943 e disposições em contrário.

Artigo 3º - Ficam declaradas nulas e sem efeito todas as licenças, concessões ou autorizações dadas pelas autoridades Federai, Estaduais e Municipais, com fundamento nas leis ora revogadas ou que de qualquer forma contenham autorização em contrário ao disposto do arigo 50 e seus parágrafos das leis das contravenções penais.

Artigo 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

O titular da Justiça continuando a palestra com os representantes da imprensa informou que na próxima reunião ministerial prosseguiria o assunto relativo ao combate ao Comunismo e que seriam tratados outros assuntos de relevância, pois, hoje não houvera tempo para isso. O general Góis, cercado pelos jornalistas fazendo blague, disse apenas: - Nada houve hoje do meu jogo."

Correio da Noite, 30 de abril de 1946

 

"O presidente da Republica, general Dutra, reuniu o Ministério e baixou o decreto que extingue o jogo, em todo o país. A repercussão dessa providência do govêrno nesta capital e nos Estados foi mais do que impressionante, verdadeiramente sensacional. As edições dos vespertinos esgotaram-se rapidamente, sob o enthusiasmo dos comentários populares. A decisão enérgica das altas autoridades da República, a maneira como foi redigido o decreto, que nem ao mesmo adiou a aplicação de seus efeitos por um prazo qualquer, de vez que a lei entra em vigor, hoje mesmo, logo que o "Diário Oficial" a publique - tudo isso mostra que o chefe do govêrno está allertado e vigilante na defesa dos mais altos interesses nacionais.

O povo brasileiro congratula-se efusivamente com o Presidente Dutra por essa lei que acaba de emitir. O Radical foi o único jornal que, num longo período da vida pública brasileira, jamais deixou de combater o jogo, vendo nele um mal social de efeitos terriveis.

Daí decorre a íntima satisfação com que vemos embora sem surpresa para nós, o gen. Dutra decretar a guerra de morte às tavolagens, que iam proliferando no Brasil como orelhas de pau em madeira podre. A onda da jogatina, partindo das estações termais, passou às estações balneárias, ganhou todo o interior do país, nas suas várias modalidades, havendo, como houve, homens do govêrno que tiravam dessa tremenda infecção social verbas destinadas a despesas com a administração. (...)"

O Radical, 1 de maio de 1946

 

"Foi com indisfarçavel surpresa e mesmo com ansiosa expectativa, que a cidade recebeu a notícia do decreto do presidente da República, extinguindo o jogo em todo o país. A medida, pela sua propria natureza, despertou varios comentários, mas verdade é que, se diga que a maioria viu com a maior simpatia o decreto governamental.

Em ampla e oportuna "enquête", A Manhã ouviu representantes de todas as classes sociais. O cardeal D. Jaime Câmara, com a autoridade de sua palavra, falou ao reporter sobre os beneficios que advirão dessas medidas. Também se fizeram ouvir expoentes do espiritismo e do protestantismo. Não foi esquecido, igualmente o homem do povo que moureja, e que, mais facilmente, é tentado á batota, deixando ali, não raro, o produto de trinta dias de árduo labor.

Nesse inquerito que fizemos, e que tão bem compreendido foi pelos que nêle depuseram, como de resto será pelos nossos leitores, tivessemos esse mesmo objetivo para o qual foi feito o decreto de ontem: mostrar que o jogo, efectivamente, perverte o homem e corrompe a sociedade.

E a reportagem de A Manhã, dando início à sua "enquête", ouviu na tarde de ontem, algumas horas depois de divulgado o importante ato, sua Emminencia o Cardeal D. Jaime Câmara, chefe supremo da Igreja Católica no Brasil. Nossa reportagem foi gentilmente recebida pelo eminente prelado, que se pôs inteiramente ao dispor do reporter. Fala-nos sua Emminencia:

- Já estava esperando tal medida, dada a orientação que o Govêrno manifestou há tempos passados. Entretanto, não trabalhei para isto. A medida se impunha para elevar o nivel moral e social dos brasileiros. Agora, se há problemas anexos à extinção do jogo... Com um bondoso sorriso de simpatia e tolerancia sua Emminencia concluiu:

- Foi uma grande solução. O Presidente não é um govêrno de precipitação. (...)

Passamos pelo largo de S. Francisco quando o imenso sino da igreja do mesmo nome anunciava, com sonoras e compassadas pancadas a Ave Maria. Eis que o fotógrafo Horacio nos dá uma grande idéia: ouvir o sineiro.

Subimos 110 degraus e chegamos ao cimo da torre. José Lamas, o sineiro de 59 anos de idade, foi tomado de surpresa, quando ainda acionava as cordas do sino. A pergunta foi-lhe feita.

- Eu esperava este gesto do brigadeiro Eduardo Gomes, dono de minha simpatia, caso fosse eleito. Mas, vejo agora, mais do que nunca, que o Presidente Gaspar Dutra é um grande presidente; não esperava a medida. Mas gostei. Nunca joguei. Tenho terrivel aversão ao jogo. As vezes, em casa falam em jogo do bicho. Quando ouço isso, fico seriamente aborrecido. Há 23 anos trabalho nesta Ordem e há 41 anos na Ordem de Terceira de Bom Jesus do Calvário. E concluiu: - Nunca bati uma Ave Maria com tanto entusiasmo. (...)"

A Manhã, 1 de maio de 1946

 

"O recente ato do Governo Federal extinguindo o jogo em todo o território nacional atingiu decisiva e inapelavelmente um dos pais importantes setores da atividade social: o Teatro.

Não seria exagero acentuar que, realmente existiu de parte do Governo indesculpável inadvertencia. As condições objetivas do meio social brasileiro não apresentam, como acontece na Inglaterra, por exemplo, condições próprias no incentivo do setor artistico do povo. Por isso julgamos inadvertido o Governo, atingindo exabrutamente os profissionais que, trabalhando nos casinos se encontram, da noite para o dia, ao desemprego e, - o que é catastrofico - se viram desempregados: atores, cantores, bailarinos, musicos, enfim, um verdadeiro mundo onde o ingresso independe de simples desejo de ganhar a vida mas, exige, ao contrário, vocação, estudo, perseverança e talento. (...)

Abordando a questão nester termos, Resistência, como a maioria da imprensa democrática do pais, não poderia deixar de atender uma realidade a existência de um problema cuja solução se encontra nas próprias mãos de quem, orientando-se num sentido respeitável e mesmo louvável, decretou o fechamento do jogo, como necessidade imperiosa diante problemas gravissimos na vida da nação.

Queremos dizer que, o sr. Presidente Eurico Gaspar Dutra, usando de atribuições conferidas na transitoriedade da Lei vigente, poderia, alertado com as novas condições criadas pelo seu desejo de solucionar problemas sociais, agir rapidamente e eficientemente no sentido de que, o Teatro Brasileiro não sofra tão rude golpe em seu futuro. (...)

Coerente com as suas diretivas, Resistência inicia um movimento de apoio ás reivindicações de todos aqueles que, por força do decreto-lei que extinguiu o jogo, se viram em situação de inesperado desajustamento em sua atividade laboriosa. (...)"

Resistência, 5 de maio de 1946

 

"É com verdadeira emoção e sem reservas nos aplausos devidos que, hoje, nestas colunas, onde tantas vezes profligamos a jogatina e outras tantas vezes nos vimos privados de combate-la, registramos o ato do Governo da República determinando a pura e simples vigencia do sispositivo das leis penais proibitivo da exploração dos jogos de azar, que havia sido suspenso por um ato típico da ditadura estadonovista. Não hesitamos em trazer as mais calorosas congratulações ao presidente, que o assinou, num assomo de dignificação do poder, verdadeiramente restaurados de linhas essenciais da moral publica do país, e penetrado de corajoso ânimo saneador e, em essencia, coerente com o pensamento do ministro da Guerra signatario de serena e enérgica recomendação aos seus comandados ao tempo em que a industria do pano verde era uma das colunas basilares do regime.

Cumprimos o dever de ressaltar toda a significação do decreto-lei ontem assinado, recordando que, de inicio, não pudemos manifestar confiança na firmeza com que o atual presidente enxergaria o assunto. É que, embora o passado limpo e a incontestada honradez pessoal de s. ex. autorizassem a crer na sua sincera aversão ao jogo, não haviamos de subestimar a influencia das correntes que apoiaram a sua candidatura, entre as quais se encontraram fartos exploradores da roleta, em todo o país, alarmados pela leal e clara definição do candidato adversario, o brigadeiro Eduardo Gomes. (...)

Maior é, pois, o entusiasmo com que assinalamos a medida ontem decretada, pois contem ela um inegavel sentido afirmativo contra certos entorpecentes da ação moralizadora atribuida ao Estado. Vem ela ao cabo de anos e anos de campanha tenaz, que este jornal sustentou, sozinho, seja recusando não só a publicidade ostensiva dos cassinos, como de suas roupagens artisticas e turisticas, seja profligando doutrinariamente o vicio, seja provocando pronunciamentos de vozes autorizadas, muitas vezes sofrendo vedações e castigos. (...)"

Diário de Notícias, 1 de maio de 1946

 

"Apesar de não ser um ato politico no sentido restrito do termo, o Decreto-lei extinguindo os jogos de azar em todo o território nacional, ontem assinado pelo Presidente da República, o é, no sentido amplo da palavra, pois que marca de modo incisivo os rumos moralizadores do novo Governo.

Nesse sentido compreende-se a grande e excelente repercussão que o mesmo causou em todas as classes sociais e, principalmente, na Assembléia Nacional Constituinte.

Os comentarios que ali se faziam ao ato do General Eurico Gaspar Dutra eram os mais elogiosos.

Nos aplausos á decisão moralizadora do Poder Executivo confundiam-se governantes e oposicionistas.

O sr. Lino Machado que se vem distinguindo pela energia e continuidade com que critica os atos do Governo passado e mesmo do atual, foi á tribuna da Assembléia para dizer que, embora contrario aos Decretos-leis, queria, com a mesma sinceridade com que, por vezes, discordava do Governo, aplaudi-lo agora com entusiasmo, pelo seu ato, que considerava e proclamava um grande Decreto.

E depois de emitir mais algumas considerações, sempre apoiado pela Assembléia, o sr. Lino Machado abandonou a tribuna entre os aplausos unanimes da Casa."

Jornal do Brasil, 1 de maio de 1946

 

AS MANCHETES:

Extinção Do Jogo E Combate Ao Comunismo ( Correio da Noite )

O General-Presidente Resgata A Palavra Dada À Nação - Revestiu-se De Aspecto Sensacional A Providencia Do Governo Extinguindo A Jojatina Em Todo O Pais - O Boatejar Dos Exploradores Do Jogo Estava Comprometendo A Honra De Respeitaveis Autoridades Publicas - O Decreto Restabelece O Respeito Ao Código Penal - O Povo Sempre Confiou No Presidente Dutra

( O Radical )

Todos Contra O Jogo - "A Manhã" Ouve Representantes De Todas As Classes Sociais, Acerca Do Sensacional Decreto Do Govêrno - Três Religiões, Por Seus Intérpretes, Opinam Na "Enquête" - Também Os Homens Do Povo

( A Manhã )

Duro Golpe No Futuro Artístico Do Pais! ( Resistência )

Extingue-se Uma Praga Social Que A Ditadura Havia Instituido No Brasil

Não Houve Tempo Para Despedidas... Ontem Mesmo Deixou De Funcionar A Batota - Os Cassinos Não Abriram Os Salões Dos "Grills" - Decepção E Satisfação - Opina Um Empregado - Insulto À Imprensa - As Que Não Se Conformam Com A Extinção Do Jogo ( Diário de Notícias )

A Repercussão Na Assembleia Constituinte Do Decreto-Lei Que Extinguiu O Jogo ( Jornal do Brasil )

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42) Copa do Mundo (1950)

"Aqueles que compareceram ao Estádio Mendes de Morais, na tarde de ontem, cheios de fé e alegria no onze brasileiro jamais poderiam imaginar que, numa partida decisiva, onde bastava o empate para nos dar o título máximo, pudessemos deixar o gramado vencidos. E sobretudo vencidos por um quadro que, embora fazendo jus ao triunfo, por ter aproveitado as duas oportunidades que se lhe ofereceram, foi, no atual certame, menos produtivo e menos positivo do que a equipe brasileira.

Por isso mesmo, o espetáculo que se desenrolou aos nossos olhos, após o apito final de Georges Reader, foi desses que, por suas caracteristicas impressionantes, tão cedo não sairão da retina daqueles que tiveram o ensejo, o triste ensejo, digamos assim, de presenciá-lo. Aquela multidão de duzentas mil pessoas não teve coragem de deixar o estádio.

Tinha-se a impressão que estávamos em um Dia de Finados, assistindo ao enterro de um ente querido. As dependencias do "Colosso do Derbi", pareciam lotadas por milhares e milhares de parentes e amigos do suposto defunto, que o pranteavam, num silêncio só interrompido pelos soluços de muita gente que não resistiu à intensidade da dôr. Lá em baixo, no gramado, os jogadores uruguaios, ao comemorar o grande a grande conquista, pareciam ateus profanando um lugar sagrado...

Quando, minutos depois, a massa começou a deixar o estádio, a tristeza estava estampada em sua fisionomia. Por tôdas as ruas, por tôdos os cantos, a mesma decepção, a mesma dôr. A cidade adormeceu de luto... (...)

Tristeza geral causou a vitória do Uruguai sôbre a seleção brasileira, na tarde de ontem, justamente no momento em que o campeonato do mundo estava ao alcance de nossas mãos. Tristeza geral, repetimos, mas não a tristeza mansa dos que sabem perder; era antes uma espécie de revolta contra tudo e contra todos, a condenação inapelável dos nossos jogadores, a severa crítica contra a nossa tática de jogo e, finalmente, um mundo de acusações desabando, implacável, contra o técnico Flávio Costa. Numerosas substituições de jogadores começaram, de repente, a ser apontadas como necessárias a uma vitória que já estava bem distante.

Os mesmos jogadores que abateram com tremendas goleadas os selecionados da Espanha e da Suécia, já não se apresentavam aos olhos do público como os esforçados "cracks" que tantos aplausos mereceram... Tudo estava esquecido, condenado, imprestável. Zizinho, apenas, era o condutor das mais belas jogadas. Mas, Jair não passava de um fantasma dançando na tarde triste do Maracanã; e Ademir, o goleador em primeiro lugar na Copa do Mundo, era tão inútil quanto uma coisa morta. Esse o terrivel julgamento do nosso público após soar o apito final...

Há, porém, muita coisa esquecida. Na pressa das conclusões ditadas pela decepção da grande surpresa, foi esquecido o próprio valor dos jogadores uruguaios; o fator sorte, tão importante em futebol, que favoreceu em todos os sentidos a seleção oriental; e, mais do que tudo, a própria razão de todos os acontecimentos.

Um dia, Napoleão, meio louco e meio soldado, saiu da França e começou a dominar o mundo. Os seus exércitos foram crescendo em entusiasmo e se transformaram numa gigantesca horda invencível. A História narra os seus feitos mais incríveis, as suas conquistas quase impossíveis, os seus lances de heroismo. Ninguém podia vencer Napoleão e êle, em seus sonhos de louco, já se considerava o senhor do mundo. Mas nasceu a derrocada do inesperado: Waterloo. Seria possivel a destruição dos exércitos e dos planos do poderoso conquistador? Em Santa Helena, sozinho e amargurado, êle próprio não encontrou a explicação que o universo inteiro procurava, atônito. Ele apenas perdera a batalha...

A seleção do Uruguai equivale ao nosso Waterloo na "Copa do Mundo". Envolvidos pelo entusiasmo justissimo das vitórias iniciais, com a nítida superioridade sôbre os jogadores europeus, esquecemos a possibilidade de uma surpresa tão desagradável e tão inesperada. Começamos, portanto, a procurar justificativas numa provável e inexistente culpa dos nossos jogadores e do seu técnico. Esquecemos tudo, até mesmo a nossa condição de "donos da casa", de organizadores, em 1950.

Felizmente, não tiveram maiores consequências os comentários das rodas exaltadas. Pouco a pouco, vai nascendo maior ponderação nos julgamentos, menos apressados, e fazemos raciocínios. Vamos recebendo a amarga derrota como ela deve ser aceita e acatada: com a certeza de que, pelo menos, ontem, á tarde, os uruguaios jogaram melhor futebol. E com êles estava a sorte e o destino da Copa do Mundo..." Folha Carioca, 17 de julho de 1950.

"E o que ninguém previa aconteceu. O Brasil perdeu o campeonato do mundo na última partida, ficando o cobiçado trofeu em poder dos uruguaios. Foi mais uma lição, dentre as tantas que já temos tido, deixando fugir o triunfo a hora decisiva. E agora não existe qualquer desculpa. Das outras vezes culpava-se o ambiente estranho, a torcida contrária, o juiz e tantas outras coisas que seriam de consôlo ás derrotas que tantas vezes já nos impuseram argentinos, italianos e os próprios uruguaios, de quem somos velhos fregueses. Domingo tinhamos tudo a nosso favor: o campo, a torcida e, além disso, o "handicap"do empate que nos garantiria o titulo. O juiz Mr. Reader teve uma arbitragem perfeita e a êle não se pode atribuir a menor responsabilidade pelo fracasso do nosso selecionado.

Perdemos porque jogamos menos. Os uruguaios foram superiores na técnica e no coração. A Taça "Jules Rimet" está em boas mãos. Nas mãos daqueles que na hora decisiva souberam disputá-la com classe e com flama. São êles os merecedores do título de campeões do mundo.

Quem assistiu o quadro nacional jogar com a Suécia e com a Espanha, uma verdadeira orquestra sinfônica, nem por sombra reconheceria o mesmo quadro naquele que domingo jogou no Maracanã contra os orientais. A sinfônica desafinou e diluiu as esperanças dos duzentos mil espectadores que madrugaram no estádio e dos milhões de torcedores de todo o país que pelo rádio acompanhavam ansiosos o desenrolar da peleja.

Muitos argumentam com o azar para explicar a derrota, mas não reside no imponderável a explicação do fracasso. Ele veio em consequência do bom desempenho dos uruguaios e das falhas do nosso "onze". Falhas que sempre existiram e que nos cansamos de apontar desde os primeiros jogos. O nosso quadro jogou sempre, praticamente com três homens na linha de frente - Zizinho, Ademir e Jair. Os pontas Chico e Friaça jamais tiveram condições técnicas para integrar a seleção. Quando se tratava de enfrentar adversarios mais fracos e principalmente que adotam o sistema europeu de jogo, sem marcação pessoal sôbre os jogadores, as falhas desapareciam e os elementos fracos eram esquecidos ante a virtuosidade e a eficiência do trio central.

Mas com os uruguaios a coisa foi diferente. Eles adotam sistema de jôgo semelhante ao nosso, marcando rigidamente os dianteiros, e, além disso, sabiam que o "team do Brasil resumia-se, na linha atacante, a Ademir, Zizinho e Jair. Sôbre êstes três homens, foi feita uma marcação eficiente, um verdadeiro bloqueio e o resultado não se fez esperar. Na final o "placard" acusava 2 a 1 para os uruguaios.

A responsabilidade principal recai, pois, sôbre o técnico, teimando em incluir um Friaça bizonho e sem condições de jôgo e insistindo com um Chico confuso e dispersivo, quando tinha um Rodrigues em plena forma para ser lançado. Adãozinho, outro elemento de valor, ficou todos os jogos na cêrca quando poderia ser lançado no centro, deslocando-se Ademir para a ponta direita, como o próprio Flávio já fez uma vez com excelentes resultados, num sul-americano.

Além disso, faltou aos nossos jogadores, a flama necessária, coisa que sobrou aos nossos adversários. Do naufrágio salvaram-se Zizinho, Bauer, Augusto e Juvenal. Os restantes deixaram-se levar pelo nervosismo e jogaram abaixo da critica, inclusive Jair, acovardado com a marcação severa do velho Obdulio Varela.

E como se não bastasse tudo isso, Bigode, um jogador sempre eficiente, disputou uma partida sem qualificativo, fazendo asneiras a grande e deixando-se bater tôdas as vezes pelo admirável Gighia, o ponta direita do Uruguai. Também Barbosa esteve num dia negro, engolindo um autêntico frango no "goal" que deu a vitória aos orientais. (...)"

Diário do Povo, 18 de julho de 1950

 

"Perdeu o quadro brasileiro, na tarde de anteontem, uma oportunidade que jamais teve qualquer outro, para o conquista do titulo máximo do fuebol mundial. Não foi correspondido o sacrificio de milhares de torcedores. Para o quadro nacional, não mediram exigencias, aqueles que tudo receberam com abnegação as inúmeras dificuldades. Desde noites ao relento até o perigo constante após, a entrada no Estadio. Sofreu o torcedor contra todos os fatores, com um unico desejo. Vitoria do quadro nacional. E, infelizmente, não foi correspondido todo este sacrificio.

Vimos um quadro sem a mínima noção do que significava aquela massa humana comprimida desde as primeiras horas da manhã. Jogaram os nossos, com um completo desinteresse pelo resultado final da luta contra os uruguaios. Não faltou ao quadro nacional, nada absolutamente nada para jogarem com mais estimulo. Assim, o resultado foi um "scratch" psicologicamente derrotado, se agigantar contra o pseudo campeão mundial confiante em goals que naturalmente viriam do céu. Sofreu o selecionado nacional, uma derrota, a perda de um titulo, contra um quadro que teve a seu favor, apenas noção de responsabilidade e desejo de vencer.

Teve o selecionado uruguaio o prêmio de uma vitoria que não pode sofrer contestação. Vencendo o Brasil, conquistaram o titulo pela segunda vez de campeões mundiais. A êles o nosso reconhecimento pela fibra e bravura demonstrada na peleja final do IV Campeonato Mundial de Futebol. Aos nossos, que a lição sirva de exemplo e em competições futuras recuperem o prestigio tão tristemente perdido, numa batalha, que ao povo brasileiro sòmente trouxe a desilusão."

Diário do Rio, 18 de julho de 1950

 

"A derrota foi um golpe. Ninguem deixou de sentí-lo. Quando o Uruguai marcou o segundo goal o silencio que se fez no Estadio - o silencio de duzentas mil pessoas - chegava a assustar. Era a desolação da derrota. A multidão ficou parada sem querer acreditar no que via. O Estadio não se enchera para aquilo. Não fôra para aquilo que se travara a batalha das cadeiras, das arquibancadas e das gerais. Não fôra para aquilo que milhares de brasileiros tinham vindo ver o último match do campeonato do mundo. Todas aquelas duzentas mil pessoas haviam marcado encontro no Estadio para saudar os brasileiros como campeões do mundo. Por isso o Estadio se tornou pequeno: era o maior do mundo mas nele não podia caber todo o Brasil. As outras cincoenta milhões de pessoas que ficaram de fora, perto e longe, no centro, no norte e no sul do Brasil.

Tudo parecia anunciar a vitoria final, embora desta vez os adversarios dos brasileiros fossem os uruguaios. Fosse, sobretudo, o coração dos uruguaios. Irresistivelmente se formou o pior dos ambientes para os brasileiros, o melhor dos ambientes para os uruguaios. O pior dos ambientes para os brasileiros porque parecia o melhor; o melhor dos ambientes para os uruguaios porque parecia o pior. Foi o que não se quis ver antes do match.

Os uruguaios e não os brasileiros se tinham colocado numa posição única. Podiam perder de cinco e estava bem. Voltariam para Montevidéu de cabeça erguida. Todos os uruguaios, os que tinham vindo animar a "celeste", os que não tinham podido vir, e que ficaram de longe a torcer por eles, seriam unânimes em reconhecer que eles haviam feito o máximo. Qualquer resultado era bom para os uruguaios que quase tinham perdido da Espanha e da Suecia, goleadas pelo Brasil. Para o Brasil só havia um resultado bom: a vitoria. O Brasil tinha tudo a perder, o Uruguai nada tinha a perder. Tudo explicava e justificava de antemão, uma derrota uruguaia. Nada parecia sequer explicar ou justificar a simples hipótese de uma derrota do Brasil. Tudo isso aumentava tremendamente a responsabilidade do scratch brasileiro.

É preciso levar em conta essa responsabilidade tremenda para que se compreenda a especie de inibição de alguns jogadores brasileiros. A inibição de Bigode que em certos momentos quase não podia caminhar em campo, a inibição de Barbosa que nos dois lances decisivos se movimentou sempre com atraso fatal. Quando os jogadores brasileiros foram surpreendidos pela possibilidade da derrotas não resistiram. Pouco se mostraram à altura das circunstancias. A ameaça de derrota veio no pior dos momentos: quando a vitoria que se esperava parecia consagrada. Depois do goal de Friaça que valia por dois. O goal de Friaça, porém, não deu ao scratch brasileiro a tranquilidade necessaria para assegurar a vitoria. Os brasileiros, em vez de se guardarem, de repousarem mais na defesa, entregaram todas as esperanças no ataque.

Não se contentaram em vencer: queriam vencer por dois, por três, queriam golear. Golear um adversario que lutava sobretudo para não ser goleado. E que, por isso, no um a zero, se concentrou mais na defesa. Aquele um a zero que surgira no inicio do segundo tempo servia aos uruguaios como um grande resultado. Assim os uruguaios não se perturbaram, lutaram para manter aquele um a zero que embora contra era sempre uma porta aberta para o empate. Se o um a zero era um grande resultado para o Uruguai um empate seria como uma vitoria.

Os brasileiros, pelo contrario, viram no um a zero um placard pequeno demais para a festa da vitoria. E chegado o empate receberam-no como um desastre. Sem se lembrarem que o empate lher daria o campeonato do mundo. Aceitaram melhor o zero a zero. O zero não os perturbou. Mesmo durante todo um tempo. A medida que o tempo passava os brasileiros se sentiam melhor. Daí o volume cada vez maior de ataques que realizaram.

Houve um momento em que os uruguaios quase perderam a cabeça. Mas no primeiro tempo. Voltaram mais tranquilos no segundo tempo. E voltaram mais tranquilos porque o resultado do primeiro tempo fôra excepcional para eles. Depois do um a zero até o um a um se contentaram em conter a ofensiva brasileira que se tornava cada vez mais desesperada. E digo desesperada porque os brasileiros se deixaram empolgar pelo dominio e martelgram sempre no lugar errado. Na especie de ferrolho formado pela defesa uruguaia. Sem aprovitar a lição de um único goal. A maneira de invadir a defesa uruguaia não era pelo centro aferrolhado, era pelas pontas. Tanto que Friaça não teve dificuldade em abrir o escore. Alem disso no centro só havia Ademir para invadir a area, e Zizinho para ajudar a invadi-la, para forçar uma invasão. Jair ficou de fora da area, a ponto de forçar Chico a deslocar-se para forçar a defesa uruguaia com arrancadas corajosas. Enqando o placard esteve de um a zero os jogadores brasileiros se deixaram enganar pelo dominio parecido ao daquele com a Suiça. Só que desta vez os adversarios dos brasileiros não eram os suiços, eram os uruguaios. (...)

O que não estava nos calculos de ninguem era uma derrota contra o Uruguai. Por isso eu digo que se formou o pior ambiente para o scratch brasileiro. O ambiente da vitoria certa. Não foi a certeza de vitoria que derrotou os brasileiros. Foi a imperiosidade da vitoria. A exigencia de vitoria. E de grande vitoria. Ninguem discute a superioridade do football brasileiro sobre o uruguaio. Nem mesmo os uruguaios, até depois da vitoria. Uma das maiores glorias da celeste há de ser esta: a de ter derrotado os melhores jogadores de football do mundo, o quadro que realizara as suas maiores exibições de que há memoria no football mundial. (...)"

Jornal dos Sports, 18 de julho de 1950

 

"Não vamos culpar ninguém pelo que aconteceu. Não é justo, e, além do mais, é um menospreso ao adversári, que foi valente e fez jús à vitória.

Depois, em nada adiantará. Não nos devolverá o título. É claro, que houve falhas. Falhas porém, que, para quem acompanha futebol sabe ser comum em pelejas como a disputada na tarde fatídica de domingo, no estádio Municipal.

Perdemos um título que parecia ajustado para nós. Perdemos, todavia resta-nos o consôlo de termos perdido com dignidade, e para quem, na verdade, são autênticos campeões, - os uruguaios.

Mas deixamos de lado tudo isso. Passemos aos fatos.

A peleja começouem um ambiente demasiadamente otimista para os nossos rapazes. Imprensa, rádio, paredros, emfim, toda aquela imensa massa que se comprimia no estádio Municipal, inclusive os proprios delegados uruguaios, não pensavam em insucesso do Brasil. Os recentes feitos contra a Iugoslávia, Suécia e Espanha não podiam deixar dúvida. O Brasil jogando em casa, com a assistência a favor e com o mesmo quadro, não podia perder para o Uruguai, que vinha de um empate cavado contra os ibéricos e uma vitória difícil sôbre os nórdicos. Afirmar-se coisa diversa, é querer ser profeta.

O que se sabia, - e disso nunca discordamos de quem assim pensava, - era que os "celestes" nos obrigariam a lutar muito pela vitória. Jamais, porém, podia se supor em derrota, mesmo levando em conta que em três outras vezes anteriores (24, 28 e 30), foram os nossos rivais os herois da jornada.

Este otimismo, pois, justo sob todos os títulos, foi a causa da derrota. Embora Flavio o combatesse energicamente, conversando com cada "crack" a quem explicava tudo; embora chegasse até a ser grosseiro com visitantes da concentração que falavam aos atletas como se já fossem campeões; nada disso valeu. O otimismo que tomara conta de todos, e passara-se também aos "cracks". E isso foi fatal para as nossas cores. Em partidas de futebol ninguém ganha na véspera. O jogo é jogado em campo, para onde vão onze atletas de cada bando lutar pelo mesmo objetivo: a vitória.

Enquanto isso ocorria em relação aos brasileiros, no lado dos orientais tudo era diferente. Pensavam em vitória. Todavia, encaravam o prélio dentro do prisma certo. Tinham os uruguaios sobre os ombros a responsabilidade de o prestígio dos campeões de 24, 28 e 30. Sabiam que um empate seria fatal. Medindo todas essas coisas foram para campo dispostos a vencer. (...)"

A Manhã, 18 de julho de 1950

 

"As lagrimas que humedeceram quase 50 milhões de olhos bem exprime a dôr, a desolação do publico brasileiro pelo resultado imprevisto de domingo no Estadio Municipal. E sem desprestigio da verdade, pode-se dizer que, o publico não merecia tão dolorosa recompensa pelo sacrificio, por tudo que fez no sentido de prestigiar o nosso selecionado e render-lhe as homenagens que fariam jus, no caso da conquista do titulo. As noites de vigilia por que passou na ansia de adquirir um ingresso para penetrar no estadio, as horas interminaveis que permaneceu na fila com tal proposito, amanhecendo ainda na porta do estadio, sem satisfazer as naturais obrigações de uma alimentação regular, provou que o povo se mostrou indiferente a propria razão da normalidade, para presenciar o choque que consagraria onze jogadores e 50 milhões de brasileiros! Todos os sacrificios eram infimos de mais, para atender a tão grandes anseios do coração.

As duas jornadas anteriores não deixavam transparecer quaisquer duvidas, quanto a possibilidade de conquistarmos o titulo, porque a convicção do torcedor não se baseava nas considerações honestas da imprensa e outros veículos de informações. Ele havia presenciado com os seus proprios olhos, as duas vitorias gigantescas que não davam margem a receios, quanto a batalha final, a que seria memoravel e gloriosa para as nossas cores. E quando chegou o domingo, nesso domingo de sol e de vida, que seria marcado na historia, como um dia de gloria para a nossa patria, notou-se uma agitação sem precedentes, porque o publico já as primeiras horas da manhã, colocava-se em fila, na ansia de penetrar no estadio para assistir a um prelio que só seria iniciado 9 horas depois (!)

Esse povo que esquecendo todas as agruras da vida, havia aprendido a sorrir em todos os instantes, trazendo nos labios aquela esperança convicta, emudeceu ao cabo dos noventa minutos de batalha, porque a decepção o deixou estremecido. Aquela imensa multidão ficou imovel, paralizada, sem saber o que fazer, como quem ainda estivesse aguardando alguma coisa, a jornada gloriosa, o sonho dourado que durante varios dias, enriqueceu os seus corações. Só mais tarde, quando o sol se escondeu, foi que o povo compreendeu que a sua presença na Maracanã de nada mais valia e assim começou a retirar-se numa lenta e trsistonha procisão, acompanhando o féretro da ilusão mais linda que viveu. (...)"

O Jornal, 18 de julho de 1950

 

"Não houve nem as correrias costumazes à saída do estadio. Era uma autentica retirada que empreendia aquela torcida exausta, coberta, de pó e tristeza. Esconderam as serpentinas. Jogaram fora os confetis, entregaram-se ao cansaço. Parecia até a madrugada de quarta-feira de cinzas. Ninguem falava. Só no bonde, passados os primeiros instantes, começaram os argumentos. Procurava-se justificar, ninguém conseguia. Chegou por fim o desabafo: foi o azar. Azar de que? De muitas coisas. Não viram que começamos, hoje, pelo lado contrário? Não viram que pela primeira vez atacamos contra a avenida Maracanã, de inicio? argumentou um. E logo outro: e tambem pela primeira vez o Ademir não abriu o escore? tudo isto deu azar. Só isto, não. Vocês nào viram o principal, argumentou um terceiro. O maior azar foi o Mendes de Morais. Êle é que foi o culpado. Como dá azar o nosso amigo... Surgiram os apartes. É mesmo. começou por chamar os uruguaios de campeões do mundo... E o locutor: O Prefeito vos falou uma vez e o time venceu. O Prefeito dá sorte. Puxa, vai para o olho mecânico a Ramona.

Descemos, pensando na maneira original daquela gente humilde encarar uma adversidade. Mas tinhamos de continuar caminho. E lá fomos de lotação para a zona sul. A conversa interrompida com a nossa chegada, retomou logo o fio:

- Foi mesmo uma atitude infeliz do Mendes de Morais.

Olhamos surpresos. Também ali a superstição vigorava? Mas não. Desta vez eram outras as razões.

O Prefeito nunca deve ter ouvido em psicologia. Aquela historia das duzentas mil pessoas esperando pela vitoria e dos cinquenta milhões querendo o triunfo deveria ser dita numa situação justamente inversa a da nossa. Se nos sentissemos inferiorizados, se entrassemos em campo com o moral abatido, convencidos da impossibilidade de vencer. Aí sim um estimulo daquela natureza. Porém nunca na situação de hoje. O Prefeito aumentou-lhes a responsabilidade, trouxe mais encargos sôbre seus ombros, aumentou o nervosismo, enfim enfraqueceu-os. O fato é que não podia perder a oportunidade da demagogia... eram duzentas mil os presentes, sem falar nos radio-ouvintes..."

Correio da Manhã, 18 de julho de 1950

 

AS MANCHETES:

Este "Goal" Eliminou O Brasil - Tristeza Na Face De Todos - Tombou De Pé O Brasil - Os Uruguaios Jogaram Melhor E Daí A Derrota da Nossa Seleção No Prélio Efetuado Ontem ( Folha Carioca )

Venceram Os Melhores - Merecidamente Os Uruguaios Sagraram-se Campeões Do Mundo - Ante Um Adversario Forte, Evidenciaram-se As Falhas Do Nosso Selecionado - A Culpa Do Tecnico - Novo record Mundial De Renda - Notas

( Diário do Povo )

Faltou Fibra Aos Jogadores Nacionais Que Não Corresponderam Á Espectativa de 200 Mil Torcedores Representando 50 Milhões De Brasileiros

( Diário do Rio )

Mario Filho: O Segredo Da Vitória Dos Uruguaios: Só Os Brasileiros Tinham Tudo A Perder ( Jornal dos Sports )

Vitória De Raça - Lutando Com Alma E Coração, Reconquistarm Os Uruguaios A Sipremacia Do "Soccer" Mundial - Não Vamos Culpar Ninguem - Otimismo Fatal ( A Manhã )

Ainda Nos Resta Um Ingrato Consolo: A "Copa" Ficou Na América, Provando A Inconteste Supremacia Da Nossa Escola ( O Jornal )

Vai Para O Olho Mecânico A Romana ( Correio da Manhã )

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43) Francisco Alves (1952)

"Num desastre de automóvel ocorrido ontem, às 18,30 horas, na rodovia Presidente Dutra, morreu, em trágicas circunstâncias, o popular cantor Francisco Alves, o "Rei da Voz". O acidente verificou-se na localidade denominada Uná, município de Pindamonhangaba.

Francisco Alves viajava com destino a esta capital, na "Buick" chapa número 11-65-80 D.F., de sua propriedade, em companhia de um amigo, de nome Haroldo Alves. No local mencionado, a "Buick" colidiu com o caminhão chapa n. 11-58-84, R.G.S., que seguia com destino a São Paulo, dirigido pelo motorista João Valter Sebastiani. O choque dos dois veículos foi violentissimo, resultando ficarem ambos seriamente avariados e tendo a "Buick", a seguir, se incendiado. Ao que se presume, Francisco Alves pereceu imediatamente, pois as chamas que dominaram o carro carbonizaram-lhe o corpo tornando-o irreconhecível. Seu companheiro foi projetado fora do carro, sendo recolhido, momentos depois, por um auto que passou no local, e conduzido à Santa Casa de Taubaté, onde ficou internado em estado de coma. O motorista do caminhão sofreu ferimentos sem importância.

O delegado policial de Pindamonhangaba, retirou o cadaver de Francisco Alves dentre os escombros do carro, providenciando para seu transporte à referida cidade, onde em diligências posteriores foi levantada a sua identidade.

O Dia, 28 de setembro de 1952

 

"A cidade rendeu ao filho que lhe traduzia a extensão da sensibilidade e do lirismo romântico, o culto póstumo que ele merecia. Francisco Alves, sem dúvida, o cantor maior do canto popular nascido nestas plagas, o intérprete da poesia pura que brota das almas simples e se amplia em estrofes de sentido profundo. Da sua garganta privilegiada voaram as melodias mais lindas que se inventaram para exprimir as dores e as alegrias coletivas. E os discos que fixaram as harmonias do trovador magnífico permitiram o milagre dessa consagração comovente. O homem pereceu no tremendo desastre que lhe cortou o fio da vida, mas o seu espírito, a sua alma, ficaram na voz maravilhosa gravada pela radiofonia para a duração quase ilimitada. As homenagens que as emissoras prestaram ao cantor prodigioso deram a impressão de que dos frangalhos da sua carcaça se desprendiam os sons esplendidos e vibrantes que encheram os ares da metrópole e do país inteiro, como que afirmando a fragilidade da morte diante dos impetos do gênio. E Francisco Alves desceu ao túmulo no mesmo instante em que em todos os quadrantes da pátria se ouvia a sua voz sentimental e bem brasileira...

Era impossivel ter-se uma idéia exata do número de pessoas que formavam aquela fabulosa onda humana, que provocou colápso no trânsito, acompanhando os funerais de Francisco Alves. Cem, duzentas mil pessoas? Quem sabe ao certo, se a vista do repórter se perdia ao longo de ruas e avenidas da zona sul? Foi um espetáculo comovente, o coroamento das manifestações de dor popular pela morte trágica do Rei da Voz. Durante as últimas 48 horas, a cidade se transformou de tal modo, ligando-se ao destino de um artista por vinculo do mais profundo sentimentalismo, que até parecia não ter morrido apenas um seresteiro de alta classe, mas um mistico de poderosa influência sobre multidão deslumbradas. Era o milagre do talento de um cantor, que soube interpretar, como ninguém, as tristezas e as alegrias, as venturas e os infortúnios da sua gente, dizendo no lirismo da sua voz harmoniosa e tropical o que não se pode expressar em meras palavras. (...)

As filas em frente ao edifício da Câmara Municipal, onde, até a manhã de ontem, ficou exposto à visitação pública o corpo do artista, eram engrossadas a toda hora. Pessoas de todos os níveis sociais ficaram, pacientemente, a espera da oportunidade de chegar até a urna mortuária, num tributo à memória do inditoso cantor. Por toda a madrugada de ontem, a romaria não cessou: dos bairros e subúrbios mais longinquos surgiam amigos e admiradores de Chico, que queriam render-lhe a última homenagem. Muitos levaram lágrimas e flores. Outros ficaram, silenciosos, com um nó na garganta da eça armada no saguão do legislativo da cidade. Lá compareceram desde elementos dos meios artisticos e das camadas mais humildes a figuras representativas da nossa vida pública, numa comunhão de sentimentos que deu a justa medida da repercussão que o trágico acontecimento causou em toda a metrópole. (...)"

O Dia, 30 de setembro de 1952

 

"São Paulo, 27 Asapress Urgente. Teve trágico fim esta noite, quando viajava em um automóvel "Buick" de sua propriedade, desta capital para o rio, o popular cantor Francisco Alves, uma das figuras mais conhecidas do "broadcasting" nacional desde longos anos.

Seu carros, à altura do Município de Uná, foi de encontro a um caminhão do Rio Grande do Sul, dirigido por João Valter Sebastiani, que foi ligeiramente ferido.

Tremendo choque causou a morte de Francisco Alves, cujo corpo foi retirado dos destroços quase irreconhecível, totalmente carbonizado.

Haroldo Alves, que viajava em sua companhia, gravemente ferido, foi internado no Hospital de Taubaté em estado desesperador.

Ao que apuramos, Francisco Alves seguia de São Paulo, onde obteve grande exito na Radio Nacional, para tomar parte no programa das 12 horas de amanhã no Rio."

Jornal do Brasil, 28 de setembro de 1952

 

"O que impressionou mais na morte trágica de Francisco Alves foi o ter sido vitimado no intervalo de duas audições, a que deu em S. Paulo e a que deveria dar no Rio, no espaço de poucas horas.

Esse corte brutal do destino, de quase um mesmo programa de radio transmitido pela mesma emissora, tornou ainda maior a emoção popular, que passou o dia inteiro a ouvir, por todas as estações, pelo milagre dos discos - como se quisesse fazer reparar a tremenda injustiça e a tremenda desgraça - a grande voz para sempre perdida.

A Cidade, no seu luto, encheu-se, então, da voz de seu cantor, que nunca lhe pareceu tão bela, tão comovedora e tão triste, como se chorasse sobre si mesma o desaparecimento de su dono, daquele bom e simples Chico Viola, filho dos morros, irmão do samba e amigo das serenatas e do luar.

Francisco Alves fôra, realmente, um caso raro, como é o de Chevalier na França. Desde os seus dias de estreante e, depois, de ascensão, nunca diminuira em prestigio. A suas gloria não conhecera intermitencias. Tinha chegado ao brilho do sol do meio-dia e parara, sem as ameaças do crepusculo.

Subira, como o vôo dos passaros, sem esforço, sem intrigas, sem proteções e permanecia, nas alturas, com a naturalidade das flores alpinas, que lá se encontram porque lá é o seu lugar, o seu clima e não poderiam viver na planicie.

Assim, o "rei da voz" não perdeu nunca o seu reinado, porque ele se expandia pela força, que perdura, da alma e do coração populares, tocados pelo timbre, a sonoridade e a beleza de uma voz consagrada ás melodias simples e plangentes da musica sentimental brasileira.

O seu tumulo deveria ser um grande violão, o seu "companheiro inseparável", que tanto vibrou com as mesmas canções do grande Chico e que hoje, com as cordas emudecidas, guarda as ressonancias misteriosas e eternas da voz que foi a mais bonita do Brasil. - Benjamin Costallat"

Jornal do Brasil, 30 de setembro de 1952

 

"Enorme massa, em que estavam representados todo o povo, estações de rádio, clubes e outras entidades populares e esportivas, figuras de expressão dos meios artisticos, sociais e políticos, acompanhou, ontem, até o cemitério S. João Batista, os restos mortais de Francisco Alves.

Dos milhares de pessoas ali presentes, muitos começaram a chegar à Câmara Municipal, de onde saiu o féretro, desde as primeiras horas da manhã, ou fizeram parte do grande número de outras, que, desde domingo, principiaram a afluir ao salão onde estava armada a câmara mortuária.

O cortejo fúnebre, cujo inicio estava marcado para às 11 horas, começou pouco depois desta hora.

Grande número de carros conduzindo flores e coroas, seguira a enorme massa que acompanhava o carro do Corpo de Bombeiros, onde foi colocada a urna funerária.

Durante todo o trajeto pela avenida Rio Branco, Flamengo, Botafogo, etc., milhares de pessoas presenciavam a passagem do féretro.

No cemitério, cujos portões foram invadidos pela multidão, não obstante as medidas tomadas pelas autoridades policiais, estabeleceu-se grande confusão, pois tôda a imensa massa queria aproximar-se da urna funerária. Em consequência, a cerimônia final foi perturbada, ficando os oradores praticamente impedidos de fazer uso da palavra. Cenas indiseritiveis de emoção se sucediam, homens, mulheres, velhos e crianças, que caiam, eram pisados, enquanto outros, presas de crises nervosas, eram socorridos. Doze pessoas tiveram que ser atendidas pelo serviço médico. Para fazer a urna funerária chegar até o local de sepultamento, foi preciso o trabalho de 12 atletas da Polícia Especial.

Cerca de duas horas levou o cortejo funebre da Câmara Municipal até o cemitério.

O presidente da República fez-se representar nos funerais de Francisco Alves pelo capitão José Henrique Acióli.

A sessão de ontem, da Câmara Municipal, durante a qual reassumiu o Sr. R. Magalhães Júnior, representante do Partido Socialista, que se encontrava de licença viajando pela Europa, foi tôda ela dedicada à memória do cantor Francisco Alves, falecido tragicamente na tarde de sábado último, num desastre de automóvel, no Estado de São Paulo. (...)"

Diário de Notícias, 30 de setembro de 1952

 

"Vítima de um desastre de automóvel, na Rodovia Presidente Dutra, entre Taubaté e Pindamonhangaba, faleceu o cantor Francisco Alves, que viajava, desta capital para o Rio de Janeiro, em um "Buick"no 11-56-80.

O carro em que viajava o artista nacional colidiu com um caminhão, do Rio Grande do Sul. No desastre, saiu gravemente ferido o companheiro de viagem de Francisco Alves, Haroldo de tal.

O corpo do "Rei da Voz" foi removido para a necrotério de Pindamonhangaba, de onde deverá sair para o Rio de Janeiro, hoje, domingo.

Ao terem notícia do desastre colegas do cantor, das Rádios Nacional do Rio e desta Capital, viajaram para Pindamonhangaba.

Francisco Alves nasceu na rua da Prainha no dia 19 de agosto. Começou sua vida trabalhando em uma fábrica de chapéus. Cantou no início de sua carreira radiofonica no Pavilhão do Meier, da emprêsa João M. de Deus e ingressou posteriormente no elenco teatral do Circo Spinelli. Interrompeu sua carreira com a gripe de 1918, voltando, então, mas para o teatro. Contratado pelo empresário Batista, pai de Amélia de Oliveira, no Politeama de Niterói. Dissolvida a Companhia, Francisco Alves conseguiu um lugar de figurante numa revista que estava em cena no Antigo Teatro São José, da Emprêsa Pascoal Secreto. Figurava no elenco a formosa chilena, Celia, que, apaixonada por Francisco Alves, a êle se uniu e é até hoje a esposa do grande cantor brasileiro. A consagração real de Francisco Alves começou de fato com o disco, desde "Ora Vejam Só"de Sinhô a "Pé de Anjo"."

Diário Carioca, 28 de setembro de 1952

 

"Contristadora a noticia infausta tomou conta da cidade: morreu Francisco Alves! A fatalidade roubou, assim, em pleno apogeu de sua carreira artistica aquêle que foi o maior entre os maiores seresteiros do Brasil. Apagou-se a "Voz do Violão" e o país inteiro chora a perda do seu astro maior, do que elevou a música popular brasileira aos pincaros da glória, do que encheu todo o Brasil com a sua voz melodiosa, vibrante e viva. O destino tem dessas surprêsas trágicas - Chico Alves morreu carbonizado no volante de seu carro, na estrada Rio- São Paulo, como carbonizado morreu também, num desastre, Carlos Gardel, outra figura do mesmo naipe e da mesma estirpe de cantores do nosso chorado Francisco Alves, o nosso querido Chico Alves das rodas boêmias, o nosso ultra-popularissimo Chico Viola. (...)"

A Manhã, 28 de setembro de 1952

 

"Chora o povo carioca -o povo de todo o Brasil - a morte imprevista de Francisco Alves, o "Rei da Voz", o cantor popular que sempre fôra a alma do violão, o homem de radio que soubera, décadas após décadas, sustentar o rítimo de sua expressão nacional, como o maior seresteiro que o Brasil já produziu, em todos os tempos. Francisco Alves, ou Chico Alves ou ainda "Chico Viola"como chamavam os seus intimos. Foi arrematado pela morte quando dirigia o seu "Buick", na rodovia "Presidente Dutra", no trecho da estrada que atravessa o municipio paulista de Pindamonhangaba. O seu carro chocou-se com um caminhão, transformando-se numa fogueira. Ferido de morte, Chico foi envolvido pelas chamas, o seu corpo ficou carbonizado. (...)

Francisco Alves pertencia a modesta, mas boa familia lusitana. Ele, no entanto, era brasileiro e carioca, havendo nascido na rua da Prainha. Nasceu a 19 de agosto de 1898. Terminando seus estudos primários, foi empregar-se numa fábrica. Ali, ao cantarolar enquanto trabalhava, foi notada a beleza de sua voz. Animado pelos companheiros, começou a fazer serenatas e cantar em festas íntimas, até que resolveu ingressar prodissionalmente na vida artistica. Sua estréia no Pavilhão do Meier, e quando atuou no elenco teatral do Circo Spinelli foram indices do triunfo nacional que mais tarde conseguiria. Foi contratado pelo empresário Batista, trabalhando então no Politeama, de Niterói.

Quando não havia regime de exclusividade artistica nas emissoras cariocas, Francisco Alves cantava em varias estações, já então lançando também as suas composições. Na Radio Cajuti teve ensejo de ser o descobridor de grandes valores radiofonicos, como João Petra de Barros, Linda e Dircinha Batista, Orlando Silva e inumeros outros que hoje são astros do nosso "broadcasting". Ha dez anos era exclusivo da Nacional, sendo que seus programas dominicais já se haviam tornado tradição.

O numero de discos que Francisco Alves nos deixa é imenso. Só na manhã de domingo até ás 12 horas, mais de cem gravações de sucesso foram retiradas da discoteca da emissora da Praça Mauá, nesse programa póstumo e emocionante.

Todos eram lançados com o mesmo sucesso, porque a voz de Francisco Alves não envelhecia. Ao contrário, cada dia mais brilhante e firme se tornava, não obstante o trabalho intenso que dava ás suas cordas vocais, quer no Rio, em São Paulo (onde ia semanalmente) e mesmo nas festas particulares, onde Chico Viola, em sua simplicidade e simpatia, jamais se fazia rogar.

Uma de suas gravações carnavalescas de maior sucesso foi a dos festejos de Momo, em l951, com a Marchinha "Retrato do Velho". Lembramo-nos que no baile do Municipal, no aludido Carnaval, que contou com o comparecimento do presidente Vargas, recém-eleito, foi entoada em uma só voz, pelos foliões presentes, que se aglomeraram sob o camarote presidencial.

E Getulio, sorridente, ouvia a vozearia que, na marchinha lançada por Francisco Alves reclamava musicalmente: "Bota o retrato do velho, outra vez, bota no mesmo lugar". (...)

O ultimo disco gravado pelo cantor, cujo desaparecimento veio confirmar ser ele um idolo popular, foi a canção "Deixai Vir A Mim As Criancinhas", de sua autoria, cujos direitos autorais havia oferecido à criança desamparada. Era um grande coração, sendo imensamente caritativo. (...)"

Diário da Noite, 29 de setembro de 1952

 

AS MANCHETES:

Num Desastre De Automóvel Morreu Chico Alves ( O Dia )

Cenas Comoventes Nos Funerais De Francisco Alves - Uma Multidão Incalculável Nas Últimas Homenagens Da Cidade Ao Seu Filho Querido - Desmaios De Emoção Durante O Cortejo Fúnebre, Que Durou Mais De Três Horas - O Esquife Foi Conduzido Ao Som Da Voz Do Inesquecível Cancioneiro ( O Dia )

Morreu Tragicamente O Cantor Francisco Alves - Seu Automóvel Chocou-se Com Um Caminhão Quando Viajava De São Paulo Para Esta Capital

( Jornal do Brasil )

Silenciam Os Violões E Chora O Povo A Morte Do Seu Cantor

Enorme Massa Popular Acompanhou O Féretro Do Cantor

( Diário de Notícias )

Morre Num Desastre O Cantor Chico Alves ( Diário Carioca )

Morte Trágica De Francisco Alves - O Carro Do Popular Cantor, Após Chocar-se Com Um Caminhão, Foi Presa Das Chamas - Ficou Carbonizado - Em Una, Próximo De Taubaté, O Local Do Desastre - Haroldo Alves, A Outra Vítima, Acha-se Em Estado Gravíssimo - Emudeceu A Voz Do Violão

( A Manhã )

O Povo Chora A Morte De Chico Alves - Carbonizado O "Rei Da Voz" Em Tremendo Choque De Veículos Na Rodovia Presidente Dutra - 1 Violão De 2 Mts. ; Cordas De Prata, A Homenagem Do Povo Carioca - Camara Ardente, Lagrimas E Dramas Intimos ( Diário da Noite )

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44) Morte de Vargas (1954)

"Sobre a Nação desce a sombra de uma tragédia. O gesto do Presidente Vargas pondo fim ao seu governo e aos seus dias, estendeu um crepe à consciência dos brasileiros, aos que o assistiram com compreensão, como aos que o combateram até o último momento. É a primeira vez que a história republicana descreve páginas tão trágicas, pois o homem forte e acostumado às lutas políticas não pôde suportar a agressividade da circunstância e sucumbiu ao peso do desalento.

Todo o drama que o Presidente viveu nesta derradeira fase do governo quebrou sua tempera e, no silêncio de seu gabinete, recordando a fisionomia cheia de interrogações que ele considerava uma injustiça ao homem como ao chefe que encarnava a soberania nacional, o desespero se apoderou do seu coração. (...)

Depois de todas as reuniões realizadas em Palácio, na calada da noite, depois de mirar face a face os seus amigos e auxiliares, vendo neles transparecer o desalento e a desesperança, observando que ja não havia ouvidos que o escutassem, sentiu-se desamparado e sem defesa para afastar o fantasma da suspeita.

Sentindo todo o peso da incompreensão, o chefe do governo teve necessidade de ir buscar fora de léxico o argumento capaz de abrir os ouvidos e aclarar as consciências. Selou com o sacrifício de sua própria vida o drama com que vinha lutando nos últimos dias, deixando, conforme acreditava, "o legado de sua morte", para que se pudesse fazer ao morto uma parte da justiça que o povo reclamou. (...)

Todos clamavam por justiça, mas o clima propício à justiça cada vez se tornava mais conturbado. Tragedia atrai tragedia e, nesta hora melancólica que soa para o seu destino, o povo, sem forças para opinar, subjugado pela surpresa do último lance, desfila diante do Chefe morto e, sem se recuperar do espanto, curva-se frente à mágoa que o atingiu nos últimos dias e que fez estalar o seu coração no sacrifício supremo. (...)"

Jornal do Brasil, 25 de agosto de 1954

 

"De nenhum setor, civil ou militar, pode vir garantia ou segurança para o Governo - afirmou ontem o Vice Presidente Café Filho, dando conta ao Senado da demarche que realizou junto ao Sr. Getúlio Vargas para propor ao Presidente a renúncia de ambos para salvar a unidade nacional e impedir que o país se precipite no caos. O Sr. Café Filho se decidiu a promover a renúncia do Presidente da República e a dele própria depois de uma segura sondagem junto aos líderes civis e militares, notadamente o líder da maioria na Câmara e os Ministros da Marinha e da Guerra."

Diário Carioca, 24 de agosto de 1954

 

"Com a cabeça voltada para o quadro que representa o juramento da Constituição de 1891 e os pés para o quadro "Pátria", à cuja frente se acha um crucifixo, o corpo do presidente Getúlio Vargas recebe, desde às 17,30 horas de ontem, no salão do Gabinete da Casa Militar da Presidência da República, no Palácio do Catete, as despedidas de milhares de populares que lhe vão fazer a última visita.

O embarque do corpo do Sr. Getúlio Vargas para São Borja, onde será enterrado, está marcado para as 9 horas de hoje, por via aérea. Tudo faz crer, entretanto, que será adiado, diante do grande número de populares que desfila ininterruptamente ante o caixão que contém os despojos de S. Exa.

Imediatamente após a comunicação do falecimento do presidente, populares acorreram às proximidades do Catete, no afã de saber de saber pormenores da trágica ocorrência. Soldados do Exército e da Polícia Militar, no entanto, isolavam o Palácio, desde a Rua Pedro Américo até a Correia Dutra, permitindo o acesso apenas aos jornalistas e altas autoridades. Antes das 13 horas, só estas podiam entrar no Palácio, ficando os representantes da imprensa defronte à entrada do Catete.

Enquanto isso, registravam-se alguns casos de exaltação no meio da multidão, sendo frequente o encontro de homens e mulheres em lágrimas.

Às 13 horas a entrada do Palácio foi franqueada à imprensa e, logo em seguida, ao público, que entrava lentamente e em fila.

O suicídio do presidente Getúlio Vargas, precisamente às 8,30 da manhã, foi precedido de momentos em que se mostrava ele absolutamente tranquilo.

- Nada fazia crer fosse o Presidente se matar - disseram-nos o general Caiado de Castro e Jango Goulart, com os quais ele conversara minutos antes de se recolher.

O Sr. Getúlio Vargas se recolheu ao quarto, sem mais uma palavra. passados uns minutos - o tempo normal para a troca de roupa, ouvia-se um disparo. Acudiu, incontinenti, o Sr. N. Sarmanho, que se encontrava na janela da sala contígua (a do elevador privativo do presidente). Já o Sr. Getúlio Vargas agonizava. Da janela, o Sr. Sarmanho fez um sinal para um oficial, pedindo fosse o general Caiado avisado de que o sr. Getúlio Vargas se havia matado. Logo em seguida, o general Caiado chegava ao quarto, onde, não resistindo ao impacto da tragédia, foi acometido de forte crise de nervos, sofrendo uma síncope.

A seguir, correndo escada acima, o Sr. Benjamin Vargas gritava:

- Getúlio se matou!

O palácio ficou em pânico, a família do presidente acorreu, entre gritos e lágrimas. Também o Sr. Osvaldo Aranha logo chegou. Chegou junto à cama e, chorando, exclamou:

- Abusaram demais da bondade desse homem!"

Diário Carioca, 25 de agosto de 1954

 

"Neste nefasto Dia de São Bartolomeu, precisamente às 8, 35 horas, praticou o suicídio o Presidente Getúlio Vargas, com um tiro de revólver no coração, quando se encontrava em seu quarto particular, no 3o andar do Palácio do Catete.

O general Caiado de Castro, Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, correu para os aposentos presidenciais, ao ouvir o disparo, e ainda encontrou o Presidente Vargas agonizante. Chamou às pressas a assistência pública, que dentro de cinco minutos já se encontrava no Palácio do Catete. Mas o grande Presidente Vargas já estava morto. Não pode ser descrito o ambiente no Palácio Presidencial. Tudo é consternação. Membros da família do Presidente, serviçais, militares que guarnecem o Palácio choram a morte do insine brasileiro.

O povo em massa acorre para o Palácio do Catete, estando repletas as ruas que dão acesso à casa em que se matou, vítima da ignomínia e das campanhas infamantes de adversários rasteiros, o maior estadista que o Brasil teve, neste século. Cenas de profunda dor estão sendo assistidas na rua. Lê-se o pesar no rosto do povo. O povo brasileiro chora a perda do seu Presidente, por ele escolhido, por ele eleito e que - na crise gerada por seus inimigos - só saiu do Catete morto."

Última Hora, 24 de agosto de 1954

"Com a morte trágica de Getúlio Vargas perde o Brasil, sem dúvida nenhuma, um de seus maiores vultos políticos de todos os tempos. Nesta hora em que os acontecimentos se sucedem vertiginosamente, quando a situação caminhava para um desfecho constitucional previsto e que teria de afastar do poder o presidente, o seu desaparecimento pela forma por que se verificou enche de tristeza a Nação, suspensa os espíritos diante do irremediável.

Cobre-se de luto a alma brasileira diante do esquife que guarda o corpo de alguém que a história não esquecerá, sejam quais forem os ângulos em que se coloque o observador sereno da vida do país em quase meio século, tanto foi o período em que atuou com a sua presença o estadista de múltiplas facetas, empenhado, realmente, em realizar algo de útil e permanente para o bem da sua terra.

Inteligência formada na escola que deu ao Rio Grande uma personalidade da estatura de Julio de Castilhos no alvorecer da República, Getúlio Vargas pertence à geração nova que abriu os olhos para as atividades fecundas do regime depois dos primeiros embates que sucederam à queda do Império, e tomou a si as tarefas construtoras do sistema que deu ao Brasil o máximo de seu progresso. deputado Estadual em mil novecentos e nove, com projeção na Assembléia dos Representantes do Rio Grande durante vários anos, a sua carreira se assinalou brilhantemente até ao movimento de renovação de valores operado no Estado em mil novecentos e vinte e três, época em que o elegeram para a Câmara Federal, cujos Anais guardam páginas vigorosas de seu mandato, na liderança de uma bancada. Nesse posto o encontrou o Governo de Washington Luis a que serviu na pasta da Fazenda, e daí ainda o chamaram os seus coestadoanos para a suprema magistratura estadual de onde ascendeu à Presidência da República em mil novecentos e trinta.

A sua projeção no cenário nacional, de então para cá, é tamanha e tão pontilhada de incidentes impressionantes, que não cabe senão em esboço nas linhas de um perfil traçado em momento dramático como o que atravessamos. Mas a consideração que lhe devem os brasileiros impõe, mesmo que se recordem no tumulto dos fatos destes dias, aspectos inapagáveis de iniciativas que traziam em si as sementes das suas altas e nobres preocupações do bem público, principalmente no terreno econômico e no campo social, cujos problemas ele sentiu e compreendeu com sinceridade e com sinceridade procurou resolver.

A História não recusará a Getúlio Vargas o reconhecimento devido aos seus méritos indiscutíveis, que ele os teve em proporção acima acima da média dos nossos condutores. Ele encheu com a sua situação enérgica e os seus propósitos de dar-se inteiro a determinadas empresas de finalidade patriótica, uma longa fase da existência do Brasil contemporâneo, e manda a Justiça, que adversários lhe devem, se não esconda de um registro rápido como este, em que a emoção produzida pelo epílogo de um drama, não é obstáculo a que a verdade ilumine a nossa imensa tristeza.

Esse que encerrou de forma inesperada o seu trânsito pelo mundo, era um autêntico estadista, dotado de espírito público invulgar, com a cultura política necessária ao exercício da sua missão. A seu modo, e enfrentando embaraços que as circunstâncias opõem constantemente aos que nos países novos tentam forjar uma obra original que conduza os seus compatriotas a um destino menos atribulado e os liberte de preconceitos, Getúlio Vargas fez o máximo que as contingências permitiriam a um homem do seu temperamento e da sua formação. Desaparecido subitamente, nem por isso, e nem por ter preferido a morte a uma luta funesta, o seu nome será esquecido. O futuro dirá melhor da sua obra. O presente lastima a sua perda. Reverenciemos o seu túmulo."

O Dia, 25 de agosto de 1954

 

"Quando o rádio anunciou o suicídio do Sr. Getúlio Vargas, populares começaram a acorrer às imediações do Catete. Forças do Exército, em rigoroso policiamento, mantinham-se em cordão de isolamento, em torno da sede da Presidência da República, procurando conter o povo. Muitas pessoas pretendiam penetrar no palácio, no que eram impedidos. Os grupos foram-se avolumando, com a chegada de gente de todos os lados. Às primeiras horas da manhã, em diversos pontos do centro da cidade, formaram-se grupos de populares. Muitos empunhavam retratos de Vargas e realizavam manifestações de protesto contra os adversários políticos do presidente.

A carta deixada por vargas e redigida momentos antes de varar o coraçào com uma bala, denunciava, em termos bem claros, os responsáveis pelo golpe, os imperialistas norte-americanos e seus seguidores do entreguismo.

Pela manhã, grupos de populares atacaram bancas de jornais e destruiram exemplares de jornais propagandistas do golpe. As sedes do O Globo e da Rádio Globo foram atacadas. Dois caminhões dessa empresa foram incendiados. Das 11 ao meio-dia foram feitas várias investidas populares contra a Tribuna da Imprensa, contidas por elementos da Polícia Especial, guardas-civis e investigadores. Vários jornais cúmplices da propaganda golpista foram mantidos sob guarda de policiais."

Imprensa Popular, 25 de agosto de 1954

 

" (...) Às oito horas e quarenta minutos, o rádio anunciou o inesperado, o chocante, o brutal: o Sr. Getúlio Vargas suicidara-se com um tiro no coração. Nào se descreve o abalo causado por esse acontecimento. A cidade inteira vivera no curso de uma noite uma tragédia Shakesperiana. Uma tragédia que transcorria com toda a intensidade do real, do pungente, sacudindo os nervos, minuto a minuto, em que mentalmente os espectadores viam os quadros, os personagens, o desenrolar dos diálogos e o explodir das crises, e que, finalmente, terminava exatamente como nas cenas últimas do dramaturgo inglês, com a morte da personalidade em torno da qual se entreteciam os acontecimentos e as palavras. (...)

O corpo do Sr. Getúlio Vargas foi transportado por via aérea para sua terra natal, São Borja. Seguiram-no quatro aviões, com pessoas de sua família e amigos mais íntimos. A família do Presidente dispensou as honras militares. (...)

A preocupação do Sr. Café Filho é restaurar a ordem nacional e realizar um Governo de concentração, solicitando o apoio de todos os Partidos nesta hora gravíssima do País."

A Marcha, 27 de agosto de 1954

 

"Pouco antes das 9 horas a reportagem de A Noite junto ao Palácio do Catete transmitia-nos uma informação extremamente dramática: o Sr. Getúlio Vargas acabava de suicidar-se. Com um tiro no coração, executara a decisào extrema. Foi chamada com urgência uma ambulância. Getúlio Vargas exalara já o último suspiro.

A primeira pessoa a informar sobre o suicídio de Getúlio Vargas foi o seu sobrinho, capitão Dorneles. Ouvira um tiro. Acorrera aos aposentos presidenciais. E de lá saía logo com a notícia impressionante: matara-se Getúlio Vargas.

A ambulância do Pronto Socorro que foi ao Palácio era chefiada pelo Dr. Rodolfo Perricê. Esse médico informou, ao regressar, que já encontrara o presidente morto, na cama, em seus aposentos particulares, cercado de membros da família. Vestia pijama e apresentava uma perfuração no coração. Estava com as vestes empapadas de sangue. (...)

Durante toda a noite se desenrolaram os episódios que viriam a culminar com o suicídio de Getúlio Vargas. Às três horas o Palácio do Catete era cenário de uma reunião que marcará um dos episódios mais dramáticos da história do Brasil atual. Convidado a renunciar, Getúlio Vargas recusou-se a atender ao apelo. A crise se prolongou. e se acentuava. Veio finalmente a sugestão que foi redigida sem demora e com a qual parecia ter se conformado o ex-presidente: a licença, ao invés da renúncia. Mas a verdade é que Getúlio Vargas ia cumprir a promessa que fizera de só morto deixar o Catete. (...)

Após os primeiros instantes de estupefação, dentro do Palácio do Catete, o general Caiado de Castro conseguiu entrar no aposento em que se encontrava o Presidente Getúlio Vargas caído com uma marca de sangue à altura do coração. No mesmo momento, dona Darcy Vargas que seguia atras do general Caiado, atirava-se para frente e segurando as pernas do extinto, puxava-as exclamando:

- Getúlio, por que fizeste isso??

Logo depois entrava no quarto o Sr. Lutero Vargas e sentava-se ao lado do corpo, em prantos.

Às 9 horas surgia a notícia emocionante. Estavam terminados os dias do ex-chefe da Nação."

A Noite, 24 de agosto de 1954

 

"A nação inteira foi abalada na manhã de ontem com a notícia da morte do Sr. Getúlio Vargas, ocorrida em circunstâncias patéticas. Cerca de três horas após a histórica reunião da madrugada de ontem, encerrada com a decisão de licença, o presidente da República se suicida, com um tiro no coração.

Pouco depois das oito horas, o Sr. Getúlio Vargas encontrava-se no seu quarto de dormir, no terceiro andar do Palácio. De pijama, fisionomia tranquila, ali foi surpreendido pelo seu velho camareiro Barbosa, que entrava no aposento presidencial, conforme fazia todas as manhãs, para o serviço de arrumação. Disse-lhe, então, o Sr. Getúlio Vargas, em voz serene:

- Sai Barbosa, eu quero descansar ainda um pouco.

Foram estas as suas últimas palavras. Instantes depois, deitando-se no leito, o Sr. Getúlio Vargas comprimia, com a mão direita uma pistola contra o peito, exatamente sobre o coração, e com a outra acionava o gatilho. desferido o tiro, não teve mais que uns poucos minutos de vida.

A cidade viveu ontem horas de profunda tensão nervosa, em consequência do suicídio do presidente Getúlio Vargas. Às 8,45 quando maior era o movimento de automóveis nos bairros para o centro da cidade foi a informação do falecimento divulgado pelo rádio. Na praia do Flamengo carros particulares, táxis e coletivos paravam em plena Avenida e seus passageiros estupefatos dirigiam-se aos passageiros dos outros carros, procurando pormenores informações como se não quisessem dar crédito ao que ouviram nas rádios dos automóveis. (...) Uma verdadeira multidão acorreu ao Palácio do Catete, onde permaneceu de pé à espera do momento que lhe permitissem ver o corpo do sr. Getúlio Vargas. E muitos choravam."

Correio da Manhã, 24 de agosto de 1954

 

AS MANCHETES:

Vargas Ao Marechal Mascarenha De Moraes: Não Renunciarei!

- Fui Eleito Pelo Povo, Por Cinco Anos, E Cumprirei Meu Mandato Até O Fim. Não Me Deixarei Desmoralizar ( A Noite )

Desfecho Tremendamente Dramático: Matou-se Vargas! Um Tiro No Coração!

A Resolução Extrema Executado Pelo Presidente Que Caia ( A Noite )

O Inesperado Desfecho Da Crise Militar ( A Marcha )

Protesta O Povo Nas Ruas Contra O Golpe E Pelas Liberdades

União De Todos Os Brasileiros Para A Defesa Da Constituição

Apoiado Pelos Ianques Café Sucede Vargas ( Imprensa Popular )

Pus E Lama Escorrem Sobre A Nação Estarrecida

Gregório Explorava A Contravenção, Arrancando Dinheiro Dos "Bicheiros"

( O Dia )

Afasta-se Vargas Do Governo - Às 4 Horas E 55 Minutos O Momento Decisivo - O Sr. Vargas Ainda Tentou Resistir, Recusando-se A Aceitar as Razões Apresentadas Pelos Seus Ministros - A Reunião Ministerial Durou Cerca De Quatro Horas ( O Dia )

Lamenta O País A Morte Do Presidente Vargas - Enorme Massa Popular, Numa Fila Interminável, Na Visitação Do Corpo Do Presidente Da República, Exposto, Em Câmara Ardente, No Palácio Do Catete ( O Dia )

A Multidão Desfilou A Chorar Ante Vargas - O Presidente Morreu

Impressionantes Os Aspectos Do Velório No Catete ( Diário Carioca )

Dramático Desfecho ( Jornal do Brasil )

Vargas Não Cederá Nem À Violência, Nem Às Provocações, Nem Ao Golpe

"Só Morto Sairei Do Catete" ( Última Hora )

Última Hora Havia adiantado, Ontem, O Trágico Propósito - Matou-se Vargas

O Presidente Cumpriu A Palavra! "Só Morto Sairei Do Catete!"

( Última Hora )

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45) Mineirinho (1962)

"Depois de travar violento tiroteio com policiais cariocas, "Mineirinho", que se encontrava homisiado no Morro da Previdência, onde fôra receber um "auxílio" de um contraventor, conseguiu furar o cêrco policial, escalando uma barreira de aproximadamente 30 metros e tomou destino ignorado.

Os policiais que provocaram a fuga do perigoso marginal, seguiram, imediatamente, para o Morro de Mangueira, onde esperam localizá-lo, num local onde o mesmo havia marcado com alguns de seus comparsas. O fato ocorreu às últimas horas da noite de ontem.

Na Rua da América, por onde tem uma das entradas para o Morro de Previdência, desde às primeiras horas da tarde de ontem, quando chegou a primeira informação de que "Mineirinho" ali se encontrava, transformou-se numa verdadeira praça de guerra: cêrca de 100 policiais, armados de metralhadoras e com ordem de capturá-lo (de "qualquer maneira") vasculhavam as ruas da favela.

Já às primeiras horas da madrugada de hoje, os policiais deslocaram-se para o Morro de Mangueira, onde o marginal possui muitos amigos. Sua pris!ao poderá ocorrer ainda hoje. Os policiais estão informados de quais as residências ( barracos ) onde "Mineirinho" poderá fugir ao cêrco policial."

Diário Carioca, 29 e 30 de abril de 1962

 

"Com uma oração de Santo Antônio no bôlso e um recorte sôbre seu último tiroteio com a Polícia, o assaltante José Miranda Rosa, "Mineirinho", foi encontrado morto no Sítio da Serra, na Estrada Grajaú-Jacarepaguá, com três tiros nas costas, cinco no pescoço, dois no peito, um no braço esquerdo, outro na axila esquerda e o último na perna esquerda, que estava fraturada, dado à queima-roupa, como prova a calça chamuscada.

A Polícia após os primeiros exames periciais, afirma que o assaltante foi morto em outro lugar, pois não foram encontradas no local suas armas. Logo após ter sido anunciado que Mineirinho tinha sido encontrado morto, centenas de pessoas compareceram ao Sítio da Serra para vê-lo e outro tanto foi ao Instituto Médico Legal, para onde seu corpo foi removido à tarde. (...)

Até às últimas horas de ontem a Polícia ainda não havia esclarecido o tiroteio ocorrido domingo último, às 22 horas, na Rua General Pedra, próximo à esquina da Rua de Santana, onde se localiza a garagem da emprêsa de transporte Santa Cecília.

Funcionários desta garagem informaram à reportagem que o tiroteio foi travado entre vários indivíduos que saltaram de um carro e três elementos que fugiram. Pouco depois de acabado o tiroteio, apareceu uma viatura da RP que se retirou rapidamente, enquanto dois homens colocavam o cadáver de um dos assaltantes num carro particular, levando-o para local ignorado.

A reportagem encontrou no local do tiroteio inúmeras cápsulas de balas calíbre 45mm, usadas nas metralhadoras "Thompson"e "Ina", e um par de sapatos manchado de graxa. acredita-se que neste tiroteio tenha sido morto o assaltante Mineirinho.

Dezenas de pessoas pobres compareceram ao local onde foi encontrado o cadáver de Mineirinho. Ninguém conseguiu aproximar-se do corpo, pois a polícia, por ordem do delegado Agnaldo Amado, do 23o DP, afastava a todos com violência. Em geral, os moradores do morro se mostravam contrariados com a morte de Mineirinho, que consideravam uma versào carioca de Robin Hood.

No Instituto Médico Legal, para onde foi levado o cadáver, também compareceu grande número de pessoas. A Polícia fiscalizou a todos que lá foram, na esperança de identificar os que já pertenceram às suas quadrilhas. Quem identificou o corpo do assaltante foi seu pai, que o velou durante tôda a noite.

Ontem, antes de ter sido anunciada a morte de Mineirinho, o marginal Renê da Silva, "Negrão", membro da sua quadrilha, que se encontrava prêso na Delegacia de Vigilância, declarou à reportagem que somente morto êle se entregaria e que êle fugiu da prisão para matar "Cabo Luís", a quem atribuía sua prisão.

Milton Fernandes Carvalho, "Faquir", o outro assaltante da "gang" que se encontra prêso na DV disse também que a intenção de Mineirinho era matar "Cabo Luís" e que sua grande paixão sempre foi Maria Helena."

Diário Carioca, 1 de maio de 1962

 

"A Polícia completou, ontem, o quinto dia de perseguição a "Mineirinho", travando demorado tiroteio com êle e quatro comparsas, que se ocultavam no barraco onde sempre morou o delinqüente no morro da Favela e de onde escaparam rolando por uma ribançeira de 25 metros de altura.

Depois dêsse episódio, ocorrido quase às 20 horas, as turmas da Delegacia de Vigilância e da Sub-Seção de Olaria perderam todas as pistas do bandido, que as autoridades, apesar de tudo, ainda esperam encontrar, vivo ou morto, nas próximas 24 horas, contando com a traição de seus adversarios e com a vigilância dos "olheiros" que mantêm disfarçados em todos os morros da cidade. (...)"

Diário de Notícias, 29 e 30 de abril de 1962

 

"Treze vezes varado por disparos de metralhadoras "Ina" e trajando blusão verde, calça preta e meias azuis, "Mineirinho" foi jogado morto no capinzal existente a 5 metros do meio-fio do quilômetro 4 da estrada Grajaú-Jacarepaguá.

Parece que seu último duelo com a Polícia ocorreu na rua General Pedra, onde, batido em plena madrugada pela turma do detetive Daniel, procurou refúgio sob um ônibus e se tornou alvo fácil para as rajadas de balas que vinham de todos os lados, sobretudo porque seus gritos desesperados de socorro auxiliavam o ataque furioso dos policiais.

O motorista Arcílio Meneses ( rua "E" no 342, Juiz de Fora ) foi quem deu com o corpo atirado na mata. Parou o seu caminhão na altura da Cachoeira Grande e, depois de constatar que o homem estava morto, chamou os guardas de serviço da rodovia. Em questão de minutos, os policiais identificaram o homem que tinha uma bala na perna esquerda, três nas costas, uma no braço esquerdo, uma no pescoço, uma no punho direito, uma no braço esquerdo, quatro no peito e uma no coração. Várias delas ainda apresentavam marcas de pólvora, indicando que os tiros haviam sido desferidos à queima-roupa.

Em volta do corpo não havia um único sinal de sangue, evidenciando que a morte não ocorrera naquele local. Além disso, os moradores dos barracos das vizinhanças asseguraram que ali não se travara nenhum tiroteio durante a madrugada. "Mineirinho" fôra mesmo liquidado em outro lugar e removido para lá. (...)

Logo que se espalhou a notícia da localização do corpo de "Mineirinho", verdadeira multidão deslocou-se na direção do quilômetro 4 da estrada Grajaú-Jacarepaguá. Foi necessario estender um cordão de isolamento sob a orientação do delegado Cecil Borer e do comissário Amado.

Às 15 horas, o cadáver chegou ao Instituto Médico Legal. Novamente outra multidão aglomerou-se para tentar ver o marginal e, no meio dela, as autoridades capturaram diversos meliantes. Hoje, os legistas farão a autópsia e, possivelmente, às 16 horas, será feito o enterro.

Desapareceu, assim, um dos criminosos mais famosos dos últimos tempos. Moço ainda, tinha 107 anos de cadeia por cumprir. Preferiu a morte à cela perpétua. Por duas vêzes escapara das grades e se ocultara nos morros quase inacessíveis aos seus perseguidores. Mas descendo à cidade, teve de enfrentar de igual para igual aquêles que estavam na sua pista e terminou levando a pior. Quase 300 homens andavam no seu encalço desde o dia 23 de abril, quando escapara calmamente do Manicômio Judiciário jurando que nunca mais voltaria ao cárcere." Diário de Notícias, 1 de maio de 1962

 

"Não foi a Justiça quem decretou a morte do mais temível assaltante do Rio de Janeiro, conhecido pela alcunha de "Mineirinho". Êle próprio a procurou, desafiando a tranqüilidade pública e um aparelhamento policial cujas metralhadoras sabia não lhe dariam trégua. Careregando 104 anos de prisão, o facinora ainda brincou pelas ruas e favelas da cidade durante dias, assaltando e baleando - que estas eram sua razão de viver.

Não há pena de morte, muito menos os policiais têm carta de legítima defesa permanente, para matar sem dar as devidas satisfações. Seja a vítima da mais alta periculosidade. Daí seu corpo ter sido manhosamente transportado para local êrmo, numa prova de que nem sempre os detetives sabem despistar. Mas isso é outra história. "Mineirinho" acabou para a crônica policial. Seu corpo, como outro qualquer, só mereceu do popular que aparece na foto o gesto de retirar o chapéu de sôbre a cabeça, em sinal de respeito. Em sinal de respeito aos leitores, também evitamos focalizá-lo varado pelas balas.

Crivado de balas, foi encontrado ontem à margem da Estrada Grajaú- Jacarepaguá ( K.4 ), o cadáver do facínora "Mineirinho" (José Miranda Rosa). O marginal não fôra ali assassinado. Pessoas que testemunharam um tiroteio nas fraldas do Morro do Pinto, na Rua General Pedra, ligaram os fatos e afirmaram que a Polícia metralhou "Mineirinho" na refrega.

A versão diz que o marginal fôra apanhado de surprêsa, mas que, rápido, atirou-se ao solo, sob um ônibus estacionado, e tentou ainda reagir. Uma nova rajada de metralhadora acabou com o assaltante. ainda a versão diz que um carro de c6or amarela recolheu "Mineirinho", levando-o para outro local. José Rosa, conforme noticiamos, fugiu há dias do Manicômio Judiciário e havia jurado vender caro a liberdade. Efetivamente, baleou dois policiais que o caçavam, praticando, ainda, varios assaltos. (...)

E "Mineirinho"morreu. Teve o fim de todos os seus iguais. Foi talvez, o bandido mais temível de quantos a Polícia carioca já enfrentou. Fugiu, de maneira ainda não esclarecida, no dia 23 de abril último, do Manicômio Judiciário, levando o propósito de eliminar diversos policiais, antes de ser abatido, pois dos seus planos fazia parte também, só se entregar morto. Por pouco não cumpria totalmente a promessa. Baleou dois policiais, um dos quais - gravemente, num "entrevero"em Tomazinho, no Estado do Rio. Ambos pertencem à 2a Subseção de Vigilância, que lhe movia a caçada incessante.

O delegado Agnaldo Amado solicitou o comparecimento de um técnico do Instituto de Criminalística. Os peritos Diamantino e Ivã estiveram no local, recolhendo em poder da vítima a importância de 8.120 cruzeiros e uma oração: "Cinco Minutos Diante De Santo Antônio".

"Mineirinho", segundo a perícia, recebeu um tiro à queima-roupa na perna esquerda, fraturando-a. Apresentava mais duas perfurações nas costas, perfazendo um total de 13 tiros. segundo, ainda, os técnicos do IC, o famoso bandido não foi assassinado no local. Suas armas desapareceram. "Mineirinho" portava sempre duas pistolas "45mm". Dada a rigidez do corpo, e delinqüente fôra eliminado entre 4h30m e 5 horas. O corpo, com guia das autoridades do 23o Distrito Policial, foi removido para o necrotério do Instituto Médico Legal. (...)"

Correio da Manhã, 1 de maio de 1962

 

"José Rosa de Miranda, o Mineirinho, foi encontrado morto, ontem na Estrada Grajaú-Jacarepaguá, no Rio, com 13 tiros de metralhadora em várias partes do corpo - três deles nas costas e quatro no pescoço - uma medalha de ouro de S. Jorge no peito e Cr$ 3.112 nos bolsos, e sem os seus sapatos marca Sete Vidas, atirados a um canto. A Polícia atribui o assassinato do ex-detento "a um seu rival".

(...) Embora a Polícia afirme que nada tem a ver com a morte de Mineirinho, que fugira há oito dias do Manicômio Judiciário, apurou-se que foi Paulo Sérgio dos Santos, conhecido por Gambota e informante do Detetive Daniel, Chefe do Setor de Vigilância, quem indicou na noite de domingo o local em que êle iria aparecer.

Levantamento feito pelos jornalistas revelou pormenores que a própria Polícia se nega a confirmar, embora existam pontos que indicam a sua participação no episódio. A hipotese de que êle teria sido morto onde foi achado é afastada pelo depoimento dos moradores de Cachoeira Grande, que não ouviram tiros ali.

Segundo os indicios recolhidos pelos jornalistas, Mineirinho foi morto a 1h30m de ontem, na Rua General Pedra, esquina da Rua Santana, próximo à Garagem Ipiranga. Dali foi colocado num auto e levado para a Estrada Grajaú-Jacarepaguá. Os ocupantes do carro procuraram um lugar para deixar o corpo - precipicio entre os muitos das redondezas -, mas a aproximação de outros veículos fêz com que voltassem e deixassem o corpo no quilometro 4. (...)

O corpo de Mineirinho foi levado por volta das 14h30m para o Instituto Médico Legal, mas a autópsia nào pôde ser feita porque havia muita gente querendo vê-lo: uma fila de mais de mil pessoas se firmara pelas ruas adjacentes. Dessas, pelo menos sete foram prêsas, por detectives da Delegacia de Vigilância, pois eram fichados e estavam sendo procuradas. O legista Nélson Capareli utilizou o corpo para dar aulas a alguns estudantes de Medicina.

O reconhecimento oficial do corpo de Mineirinho, até à noite dependia de uma ordem do Chefe de Polícia: para identificá-lo apareceu seu irmão, o Sr. Romeu Rosa de Miranda, funcionario da Cia. Siderúrgica Nacional. Segundo o legista Capareli, a necrópsia será feita às 9h. O entêrro, custeado pelo Sr. Romeu de Miranda será no Cemitério do Caju, possivelmente às 15h. (...)

Jornal do Brasil, 1 de maio de 1962

 

"Treze balas de metralhadora encerraram a existência do mais atrevido e perigoso bandido que marcou época nos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. José Miranda Rosa, o tristemente famoso "Mineirinho", foi encontrado morto, na manhã de ontem, pela reportagem de O Dia e A Notícia, à margem da estrada Grajaú- Jacarepaguá. O cadáver estava à beira de um grotão, em decúbito dorsal, no lugar chamado "Pedra do Gambá", no morro da Cachoeira Grande, com a face esquerda encoberta pela mão do mesmo lado. Tinha dois balaços no pescoço, dois no maxilar, dois no rosto, dois no peito, dois nas costas, um na cabeça, um na perna esquerda e o último no braço direito. (...)

A notícia do encontro do cadáver de "Mineirinho" espalhou-se com incrível rapidez pelos quatro cantos da cidade. Estações de rádio e edições de jornais em 2o cliché contribuiram para isso. Ao meio-dia, mais de duas mil pessoas se concentravam na estrada Grajaú-Jacarepaguá. Para que se tenha uma idéia da curiosidade popular, basta dizer que até lotações foram alugadas especialmente para 6esse fim. Com "vista" de "especial", despejavam populares nas imediações da "Pedra do Gambá". Todos queriam ver o corpo do bandido. A coisa chegou a tal ponto, que o delegado Amado viu-se na contingência de ter que solicitar uma guarnição da Polícia Rodoviária para desinterditar o tráfego. não havia veículo que rompesse a massa humana. (...)

Ao que tudo indica, "Mineirinho" foi morto por uma turma de policiais, na rua General Pedra, ao findar a noite de domingo, defronte à garage da "Emprêsa Transportadora Santa Cacília Ltda". De que a Polícia matou um homem ali, crivando-o de balas, não há a menor dúvida, conforme declarações feitas a O Dia pelo mecânico Antônio Elói, daquele estabelecimento. Disse o seguinte: por volta das 22:30 horas, fazia reparos num ônibus, quando viu uma viatura policial parar na esquina das ruas Marquês do Pombal e General Pedra. Saltaram vários homens armados, espalhando-se e permanecendo em locais estratégicos.

Pouco depois - continuou o mecânico - um indivíduo moreno, franzino, alto (são os caracteres físicos de "Mineirinho") apareceu e, percebendo que estava cercado, tentou fugir em direção à ponte que dá acesso ao morro da Favela, Os policiais, porém, fecharam o cêrco e o homem lançou-se debaixo de um ônibus que ali estava parado, recebendo então uma saraivada de tiros. Mesmo ferido, tentou saltar um muro, mas recebeu a descarga de misericórdia.

Apavorado com o que assistia, Eloi escondeu-se também sob o ônibus que consertava, mas ainda assim pôde observar quando o sujeito alvejado era arrastado para dentro de um carro prêto, que arrancou em louca disparada rumo à Zona Norte. A reportagem de O Dia encontrou, naquele local, várias cápsulas - algumas intactas. Como se vê, se não foi "Mineirinho" o alvo da fuzilaria, um inocente foi morto em seu lugar. (...)"

O Dia, 1 de maio de 1962

 

AS MANCHETES:

Tiroteio: Polícia X Mineirinho ( Diário Carioca )

"Mineirinho" Morreu Com Oração E Recorte No Bolso ( Diário Carioca )

Polícia Perde Todas As Pistas Que Levam A "Mineirinho"

( Diário de Notícias )

"Mineirinho" Foi Metralhado 13 Vêzes E Atirado No Mato - Povo Afluiu Para Ver Bandido Morto ( Diário de Notícias )

A Cidade Está Em Paz ( Correio da Manhã )

"Mineirinho"Foi Crivado De Balas E Atirado Na Grajaú-Jacarepaguá

( Correio da Manhã )

"Mineirinho" Sem Sete Vidas ( Jornal do Brasil )

Delegado Admite Que "Mineirinho" Pode Ter Sido Morto Pela Polícia

( Jornal do Brasil )

Tombou O Inimigo Público N. 1 - "Mineirinho" Metralhado Pela Polícia!

Facínora Levou Uma Carga De Chumbo . Ferido, Tentou Saltar Um Muro E Recebeu A Rajada De Misericórdia. O Cadáver Foi Descoberto Pela Reportagem De O Dia e A Notícia. Estava Jogado À Margem Da Estrada Grajaú-Jacarepaguá Na Altura Do Km. 4, Com Treze Perfurações Pelo Corpo -

"Coisa Ruim", Amigo Do Bandido, Jura Vingança - Depoimento Impressionante De Uma Testemunha De Vista Do Fuzilamento - Fretados Lotações Para Curiosos Verem O Corpo Do Famoso Marginal ( O Dia )

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46) Comício da Central do Brasil (1964)

"Uma grande multidão encheu a Praça Cristiano para ouvir o Presidente da República. A manifestação transcorreu em ordem, apenas com ligeiros incidentes, não políticos; logo abafados. O acidente mais grave aconteceu quando uma faixa pegou fogo e, em consequência do pânico, 140 pessoas se feriram. Antes de começar o comício, a explosão de uma bomba feriu sete pessoas. (...)

Cerca de cem mil pessoas ouviram, ontem, na Praça Cristiano Otoni, o Presidente João Goulart e doze outros oradores. A manifestação transcorreu em ordem, registrando-se apenas ligeiros incidentes, logo abafados. O acidente mais sério aconteceu quando uma faixa pegou fogo e se estabeleceu pânico. Sairam feridas 140 pessoas. Antes de começar o comício, a explosão de uma bomba feriu sete pessoas. (...)

Às 19h40m, foi anunciada a presença, no palanque, dos três ministros miltares, General Jair Dantas Ribeiro, do Exército, Brigadeiro Anisio Botelho, da Aeronáutica, e Almirante Sílcio Mota, da Marinha. Na oportunidade, também foi feita alusão ao Almirante Cândido Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais.

Às 19h44m, chegava ao palanque o Presidente João Goulart, acompanhado em primeiro plano do Sr. Eugênio Caillard, seu secretário particular. No momento em que o Sr. João Goulart subiu ao palanque, discursava o Deputado Doutel de Andrade, em nome do PTB, criticando o capitalismo, e prometendo irrestrito apoio ao Presidente e aos trabalhadores.

A Sra. Maria Teresa Goulart trajava um vestido azul-piscina, e apresentava um penteado que lhe prendia os cabelos no alto. Entrevistada pelos repórteres, afirmou que estava achando o comício "maravilhoso" e que era a favor das reformas de base. (...)

Até depois das 20 horas, quando já estava presente o Presidente Goulart, continuavam chegando delegações ao comício, ficando totalmente tomado todo o quarteirão compreendido entre o Mercado do SAPS e o Panteon Caxias, passando pela primeira pista da Avenida Presidente Vargas. No lado oposto da Praça Cistiano Otoni, a massa se comprimia entre o edifício da Central do Brasil e a ala lateral do Ministério da Guerra, até as imediações da entrada do Túnel João Ricardo. (...)

Entre as faixas empunhadas pelos manifestantes da Praça Cristiano Otoni estavam a s seguintes: "Salve O Glorioso CGT", "Reconhecimento da China Popular", "PCB, Teus Direitos São Sagrados", "Viva O PCB", "Encampação de Capuava", "Abaixo Com As Companhias Estrangeiras", além de várias outras de saudação ao Presidente João Goulart. Outras diziam: "Jango Em 65 - Presidente da República: Trabalhadores Querem Armas Para Defender O Seu Governo". "Sexta Feira, 13, Mas Não É De Agosto", "Brizola 65 - Solução Do Povo", "Jango - Abaixo Com Os Latifúndios E Os Trustes", "Jango - Defenderemos As Reformas A Bala". (...)

O Prof. Darci Ribeiro, chefe do Gabinete Civil da Presidência da república, por três vezes chegou-se ao Presidente João Goulart, quando este discursava, falando qualquer coisa a seu ouvido. Quase imediatamente o Sr. João Goulart passava a abordar outro assunto ainda não ventilado no discurso. O Chefe da Nação, que iniciou seu discurso lendo o que fôra preparado com antecedência, entusiasmou-se com suas palavras e passou a falar de improviso, daí os "sopros" do Sr. Darci Ribeiro, para que nada ficasse esquecido.

D. Maria Teresa chegou sorrindo ao palanque, ficando séria logo após. A cada pedido dos fotógrafos, ela sorria novamente. Quando começaram a soltar fogos de artifício, ela preocupou-se e passou a olhar para os lados e para trás. Durante os 66 minutos do discurso presidencial, permaneceu ao lado do Sr. João Goulart, passando-lhe, a cada momento, o copo d'água gelada. (...)

Terminado o comício, o Presidente João Goulart estava visivelmente exausto. Mal entrou no carro que o conduziria ao Palácio das Laranjeiras, recostou-se no colo de D. Maria Teresa, que lhe acariciou carinhosamente os cabelos."

O Globo, 14 de março de 1964

 

"Cerca de duzentas mil pessoas tomaram parte na concentração realizada ontem, na Praça da República, em favor das reformas. Desde as 15 horas, era acentuado o movimento de populares a caminho do local do comício, pelas ruas centrais da cidade. A manifestação teve início às 18 horas, quando foi lida a mensagem do povo e autoridades municipais de Porto Alegre, em nome de todo o Rio Grande do Sul, saudando o Presidente João Goulart e os líderes populares pela sua atuação em favor das reformas. A essa altura dos acontecimentos, já se encontravam no palanque várias autoridades, entre as quais os senhores Darcy Ribeiro, Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o Marechal Osvino Ferreira Alves, Presidente da Petrobrás, o Ministro Júlio Sambaqui, da Pasta da Educação e o Governador Seixas Dória, de Sergipe. (...)

Antes de ser apresentado o terceiro orador, deputado Sérgio Magalhães, foi anunciado ao povo que o Presidente da República acabara de assinar, no Palácio das Laranjeiras, o Decreto da SUPRA, desapropriando as terras existentes num raio de dez quilômetros dos eixos das rodovias e ferrovias federais, além das terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem.

Logo após ser ouvida a palavra do Governador Miguel Arraes, foi anunciada a assinatura do decreto de encampação das refinarias particulares, como as de Capuava, Manguinhos, Matarazzo e outras. (...)

Às 19 horas e 50 minutos, foi anunciada a chegada do Presidente João Goulart, juntamente com a primeira dama do País, Sra. Maria Teresa Goulart.

Afirmando ao povo que "a hora é das reformas, pois as atuais estruturas ultrapassadas não mais poderão realizar o milagre da salvação nacional de milhões de brasileiros", o Presidente João Goulart pronunciou incisivo discurso no "Comício Pró Reformas de Base". Continuando, o Sr. João Goulart disse que "Só conquistaremos a paz social, através à justiça social. A maioria dos brasileiros não se conforma com a ordem social vigente, imperfeita, injusta e desumana. Esse é o motivo que me leva a lutar pelas reformas, de estruturas, de métodos, de estilos, de trabalho, e de objetivos, pois não é possível progredir sem reformas." (...)"

A Noite, 14 de março de 1964

 

"Transformou-se numa autêntica festa popular, o comício ontem realizado na Praça Cistiano Ottoni. Ao encontro do presidente da República, uma incalculável multidão deslocou-se desde as primeiras horas da tarde, entoando cantos e trazendo faixas e cartazes, alusivos às suas reivindicações e indicativos do apoio com que pode contar o presidente Goulart nas medidas que vem tomando na defesa dos interesses nacionais.

O entusiasmo que recebia as palavras dos líderes políticos, sindicais e estudantis mostrou uma firme determinação do povo de lutar unido e coeso pela implantação das reformas fundamentais de que o Brasil necessita para a consolidação do seu desenvolvimento. Foi uma evidência, na repercussão que teve nos aplausos da grande massa popular, o sentimento da necessidade de uma efetiva e urgente modificação que reformule o arcaico estatuto da terra ainda vigente entre nós.

Pacífica e ordeiramente, o povo compareceu ao diálogo democrático com o presidente da República e disse-lhe, pela voz dos seus líderes autênticos e pala eloqüência dos seus cartazes e faixas, o que o povo deseja que seja feito para o bem da Nação.

Foi portanto o comício de ontem, uma extraordinária demonstração de pujança do regime democrático, com o povo brasileiro unido ao seu presidente na praça pública, em festivo ato de pleno exercício da Democracia."

Diário Carioca, 14 de março de 1964

 

"O Presidente João Goulart, depois de assinar, no Palácio das Laranjeiras, o decreto da Supra - o passo inicial para a reforma agrária - e o da encampação de refinarias particulares de petróleo, anunciou ontem no comício da Central do Brasil o tabelamento, dentro de horas, dos aluguéis, e prometeu lutar pela reforma da Constituição, a fim de promover o "desenvolvimento do País com justiça social".

- Nenhuma força será capaz de impedir que o Governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E para isso podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas - disse o Sr. João Goulart em seu discurso na Praça Cristiano Otôni, à noite, perante multidão calculada em 130 mil pessoas e ao lado de sua espôsa Sra. Maria Teresa.

Durante o meeting, cuja ordem foi garantida pela maior demonstração de fôrça bélica já vista em atos dessa natureza, esboçou-se um momento de protesto, com a colocação de velas acessas nas janelas dos apartamentos da Praia do Flamengo, onde reside, o Governador Carlos Lacerda. A sugestão dêsse protesto mudo foi dada através de telefonemas anônimos, mas o movimento restringiu-se a apenas trinta apartamentos.

Também falaram ao povo, no comício, os Srs. Miguel Arrais e Leonel Brizola - este o orador mais aplaudido. O ex-Governador gaúcho pregou a necessidade de uma saída pacífica para "este impasse a que chegamos", sugerindo "uma Constituinte para a eleição de um Congresso popular, um Congresso onde se encontrem trabalhadores e camponeses, onde se encontrem muitos sargentos e oficiais nacionalistas".

Em Brasília, os líderes oposicionistas Bilac Pinto e Pedro Aleixo consideraram subversivas e violadoras da lei as palavras do Sr. Leonel Brizola, estranhando que os Ministros militares, presentes ao palanque da Praça Cristiano Otôni não o houvessem preso em flagrante. O Sr. João Goulart considerou "bom" o discurso do ex-Governador gaúcho. (...)"

Jornal do Brasil, 14 de março de 1964

 

"Falando a uma multidão de centenas de milhares de pessoas, no palanque diante do qual se viam as fôrças militares, montando guarda ao povo, que conduzia cartazes exigindo sobretudo as reformas e a legalidade do PC, havendo inclusive o foice e o martelo, o presidente João Goulart afirmou que "os milhões de brasileiros que nada têm se impacientam com a demora já agora insuportável, em receber os dividendos de um progresso também construído pelos mais humildes".

Depois de salientar que ali estavam trabalhadores, "vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização do comício", disse que, dentro de associações de cúpula, de classes convervadoras, "levantou-se voz contra o presidente pelo crime de defender o povo contra os que o exploram nas ruas, em seus lares, movidos pela ganância".

Passou, em seguida, a pregar a reforma da Constituição que tachou de "inadequada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana". Ao anunciar que acabava de subscrever o decreto da SUPRA, declarou que "ele não é a reforma agrária pela qual lutamos, ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado", acrescentando que "reforma agrária com pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária, é negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário".

Voltando a atacar a Carta Magna, fisou que "em todos os países civilizados do mundo já foi suprimida do texto constitucional, a parte que obriga, na desapropriação por interêsse social, o pagamento em dinheiro". Revelou, ainda, o Sr. João Goulart que vai promover "rigorosa e implacável fiscalização dos exploradores" e advertiu: "Aquêles que desrespeitam a lei, explorando o povo - não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o tamanho de seu poder, esteja êle em Olaria ou na rua do Acre - hão de responder perante a lei, pelo seu crime". Atacou a Associação Comercial e, ao concluir, disse que os funcionários públicos, médicos e engenheiros terão atendido suas reivindicações. (...)"

Diário de Notícias, 14 de março de 1964

 

"Guerra civil, fechamento do Congresso, constituinte e até implantação da socialização crescente da economia do País foram os elementos essenciais utilizados pelos oradores do comício de ontem pelas reformas de base, do presidente João Goulart ao deputado Leonel Brizola; do presidente da SUPRA ao representante do CGT. O Sr. João Goulart antecipou o quadro de rovolução civil, ao creditar àqueles que se opõem às reformas um possível derramamento de sangue no País.

O deputado Leonel Brizola pediu o fechamento do Congresso, seguido de constituinte e de plebiscito para as reformas de base que o parlamento não terá votado ao cabo da atual legislatura. O Sr. Miguel Arrais enfatizou o aspecto "altamente significativo" da encampação das refinarias de petróleo. E os demais oradores detiveram-se, entre as reformas e a revolução. (...)

"Falando à Tribuna logo após o comício da Central, o governador Carlos Lacerda acusou o Sr. João Goulart de ter, desta vez, furado a barreira da Constituição, e conclamou o Congresso a "levantar-se e defender o que resta da liberdade e da paz neste País".

- O comício - declarou o Sr. Carlos Lacerda - foi um assalto à Constituição, ao bolso e à honra do povo. O discurso do Sr. João Goulart é subversivo e provocador, além de estúpido. O pavor de perder o contrôle sobre as negociatas e escândalos de toda a ordem, que abafa com a sua autoridade presidencial, fê-lo perder a cabeça. Esse homem já não sabe o que faz. (...)"

Tribuna da Imprensa, 14 de maio de 1964

 

AS MANCHETES:

Concentração Servirá De Senda Para Invasão De Terras -

Comício Inicia Agitação -

1) Lavradores Mobilizados Para Invasões De Fazendas

2) Rebeliões Marcadas Para Eclodir Após Concentração

3) Conselho De Segurança Faz Levantamento Da Situação

O Comício Contra A Guanabara ( Tribuna da Imprensa )

1) O Discurso Do Sr. João Goulart, No Comício Da Central Do Brasil, Deixou Claro Para Os Que O Ouviram Os Seus Propósitos Espúrios De Continuísmo - Leonel Brizola Voltou A Ser Cúmplice

2) Concentração Custou Trezentos E Cinqüenta Milhões De Cruzeiros, Pagos Com Recursos Proporcionados Por Autarquias - O Instituto Do Açucar Participou Com Duzentos Milhões De Cruzeiros

3) Encampação Das Refinarias Foi Imposição De Brizola Para Comparecer À Concentração Sindical

Pedido De Emenda À Constituição Tem Fins Continuístas

Pregação Contra O Congresso Provoca A Reação Parlamentar

Atmosfera Revolucionária No Ato Da Encampação E Desapropriação

( Tribuna da Imprensa )

Estado Toma Conta De Refinarias E Vai A Latifúndios

Constituição Não Serve Mais ( Diário de Notícias )

Goulart Decreta A Desapropriação De Terras, Encampa Refinarias E Pede Nova Constituição ( Jornal do Brasil )

Treze Oradores Falaram No Comício Das Reformas ( O Globo )

No Comício De Ontem Na Central Do Brasil O Presidente Formula O Seu Programa: Progresso Com Justiça e Desenvolvimento Com Igualdade

( A Noite )

Pacto Do Povo Com Jango: Reformas A Qualquer Preço ( Diário Carioca )

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47) Revolução de 1964 (1964)

"O Presidente da República sente-se bem na ilegalidade. Está nela e ontem nos disse que vai continuar nela, em atitude de desafio à ordem constitucional, aos regulamentos militares e ao Código Penal Militar. Êle se considera acima da lei. Mas não está. Quanto mais se afunda na ilegalidade, menos forte fica a sua autoridade. Não há autoridade fora da lei. E, os apelos feitos ontem à coesão e à unidade dos sargentos e subordinados em favor daquele que, no dizer do próprio, sempre estêve ao lado dos sargentos, demonstra que a autoridade presidencial busca o amparo físico para suprir o carência de amparo legal.

Pois não pode mais ter amparo legal quem no exercício da Presidência da República, violando o Código Penal Militar, comparece a uma reunião de sargentos para pronunciar discurso altamente demagógico e de incitamento à divisão das Forças Armadas. (...)"

Jornal do Brasil, 31 de março de 1964

 

"Quem chegasse às 8h30m da noite de ontem ao Edifício do Jornal e da Rádio Jornal do Brasil não poderia entrar pois encontraria na porta, metralhadora em punho, um fuzileiro naval. E se olhasse pela parede de vidro dos estúdios da Rádio teria a impressão de assistir a um filme de gangsters: quatro outros fuzileiros, comandados pelo Tenente Arinos, moviam-se como gorilas pelo estúdio, seus movimentos tolhidos pelas metralhadoras que ameaçavam microfones, painéis de instrumentos e os funcionários, estupefatos com aquela irrupção de selvajaria tecnológica em plena Avenida Rio Branco.

Era o Brasil regredindo ao estado de republiqueta latino-americana. Os fuzileiros navais, ao chegarem, dispararam dois tiros para o ar diante do prédio e entraram de metralhadoras em punho, pistolas na cinta, até o 5o andar. Tinham ordem de quem? indagamos. Do Ministro da Marinha, disseram. Onde está a ordem? Era verbal. Da Rádio, o Tenente telefonou a um Almirante, sem lhe dizer o nome. O prédio era muito grande, disse. Precisavam reforços. Deixaram dois de guarda na Rádio, outro na porta da rua e foram em busca dos tais reforços, sem dúvida para ocuparem todas as dependências do Jornal do Brasil.

Mas deve estar em desespêro o Govêrno do Sr. João Goulart. Dentro de meia hora, em lugar dos reforços, veio a ordem de retirar. Amontoados no elevador, capacetes na cabeça, metralhadoras se entrechocando e se apoiando nas costelas dêles próprios, desceram. E passaram diante de populares boquiabertos, na calçada da rua.

Quem humilha assim os bravos Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil? Quem os transforma primeiro em gangsters violentos e os faz evacuar em seguida, confusos, um pugilo de homens envergonhados sob o pêso de tanto material bélico? Quem estimula a indisciplina de marujos e fuzileiros e depois os transforma em bandidos e em seguida em pobres diabos pilhados em flagrante?

A partir de 13 de março o Sr. João Goulart tem injuriado muitos, em muito pouco tempo. Agora, ao que tudo indica, já lhe resta muito pouco tempo para injuriar quem quer que seja."

Ao primeiro minuto de hoje teve início a greve geral em todo o país, por determinação do Comando Geral dos Trabalhadores e em apoio ao Presidente João Goulart, paralisando de imediato os trens da Central do Brasil e da Leopoldina, o Pôrto de Santos e os bondes da Guanabara, com a adesão de universitários.

A decisão da greve foi precipitada pela prisão ontem, no Sindicato dos Estivadores, de vários lideres sindicais pela Polícia Política da Guanabara. A Federação Nacional dos Marítimos, que decretou a greve ontem à noite, denunciou o desaparecimento de quatro estivadores, um líder sindical de Vitória e do Dr. Antônio Pereira Filho, líder dos bancários.

O Partido Comunista Brasileiro responsabilizou ontem os grupos radicais pela precipitação da crise política, tachando de imprudente a tática utilizada por líderes extremados. Acha o PCB que tal atitude conduzirá à união do centro contra a direita, neutralizando assim a ação dos setores mais moderados da esquerda, e que, no seu entender, levará à deposição do Presidente da República, com lastro na opinião pública."

O Governador Carlos Lacerda, embora tenha dito ao seu Secretariado que não acredita na crise nacional, montou um esquema de segurança para o Palácio Guanabara e para as ruas a êle adjacentes, com a qual pretende resistir contra qualquer intervenção federal no Estado da Guanabara.

Às três horas de hoje o Palácio Guanabara deu nota oficial informando que os fuzileiros para lá se dirigiram e chamava o povo para defender o Governador.

Cêrca de 500 homens da Polícia Militar, sob a ordem direta do Secretário de Segurança, General Salvador Mandim, são empregados na defesa do Palácio do Govêrno. Barricadas foram construídas com sacos de areia e os militares permanecem em regime de prontidão."

Jornal do Brasil, 1 de abril de 1964

 

"A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Govêrno. Chegou ao limite a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Govêrno ao seu legítimo sucessor. Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: saia.

Durante dois anos o Brasil agüentou um Govêrno que paralisou o seu desenvolvimento econômico, primando pela completa omissão, o que determinou a completa desordem e a completa anarquia no campo administrativo e financeiro.

Quando o Sr. João Goulart saiu de seu neutro período de omissão foi para comandar a guerra psicológica e criar o clima de intranqüilidade e insegurança que teve o seu auge na total indisciplina que se verificou nas Forças Armadas.

Isso significou e significa um crime de alta traição contra o regime, contra a República, que êle jurou defender.

O Sr. João Goulart iniciou a sedição no país. Não é possível continuar no poder. Jogou os civis contra os militares e os militares contra os próprios militares. É o maior responsável pela guerra fratricida que se esboça no território nacional.

Por ambição pessoal, pois sabemos que o Sr. João Goulart é incapaz de assimilar qualquer ideologia, êle quer permanecer no Govêrno a qualquer preço.

Todos nós sabemos o que representa de funesto uma ditadura no Brasil, seja ela de direita ou de esquerda, porque o povo, depois de uma larga experiência, reage e reagirá com tôdas as suas fôrças no sentido de preservar a Constituição e as liberdades democráticas.

O Sr. João Goulart não pode permanecer na Presidência da República, não só porque se mostrou incapaz de exercê-la como também porque conspirou contra ela como se verificou pelos seus últimos pronunciamentos e seus últimos atos.

Foi o Sr. João Goulart quem iniciou de caso pensado uma crise política, social e militar, depois de ter provocado a crise financeira com a inflação desordenada e o aumento do custo de vida em proporções gigantescas.

Qualquer ditadura, no Brasil, representa o esmagamento de tôdas as liberdades como aconteceu no passado e como tem acontecido em todos os países que tiveram a desgraça de vê-la vitoriosa.

O Brasil não é mais uma nação de escravos. Contra a desordem, contra a masorca, contra a perspectica de ditadura, criada pelo próprio Govêrno atual, opomos a bandeira da legalidade.

Queremos que o Sr. João Goulart devolva ao Congresso, devolva ao povo o mandato que êle não soube honrar.

Nós do Correio da Manhã defendemos intransigentemente em agôsto e setembro de 1961 a posse do Sr. João Goulart, a fim de manter a legalidade constitucional. Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Govêrno ao seu sucessor, porque não pode mais governar o país.

A Nação, a democracia e a liberdade estão em perigo. O povo saberá defendê-las. Nós continuaremos a defendê-las."

Correio da Manhã, 1 de abril de 1964

 

"À partir da tarde de ontem, principalmente depois que desceram os tanques da Vila Militar, dez dos quais foram colocados em frente ao Ministério da Guerra, onde também se encontram numerosos carros blindados e de combate, a crise político-militar pareceu assumir aspectos realmente perigosos, com a cidade sob o domínio de grande tensão e povo como que à espera de uma revolução a qualquer momento.

Á margem dos preparativos da população como que para prevenir-se, sacando nos bancos e adquirindo mantimentos, ocorreram diversos incidentes entre populares e policiais, e dos quais o de maior gravidade se verificou na Federação dos Estivadores, na rua Santa Luzia. Á esta altura, em consequência da paralisação dos trens da Central e da Leopoldina, respectivamente, às 17h30m e às 19h30m, a cidade parecia em colapso no setor de transportes, com grandes filas se formando ao longo dos pontos de ônibus e lotações para a Zona Norte e cidades fluminenses. As sédes das ferrovias e os demais próprios federais passaram, então, a ser guarnecidos por tropas do Exército. A tensão crescia à medida que circulavam as notícias sôbre a situação em Minas, onde já se teria iniciado a revolução. Tôda Minas, principalmente a capital e cidades como Governador Valadares e Juiz de Fora, já anteriormente agitadas, estavam, segundo os comentários, "pegando fogo". As rodas de populares discutindo política se formavam e não eram poucos os incidentes registrados entre os mais exaltados."

"A perspectiva mais alarmante da situação brasileira funda-se num dado concreto que não é possível obscurecer. É o fato de que jamais em nossa História, e até o presente, as esquerdas radicais - nomeadamente o comunismo e suas clássicas correntes auxiliares - estiveram tão à vontade, desfrutaram tanto prestígio e aproximaram-se tanto do êxito quanto no momento atual.

Por mais que negaceie, tergiverse e dissimule, o Sr. João Goulart, ninguém poderá negar - porque está à vista de todos, porque é público e ostensivo - que os elementos chamados de "formação marxista" não somente conseguiram infiltrar-se fàcilmente em todos os postos, como também são os preferidos pelo govêrno para êsses postos, sobretudo os de comando e de direção.

Atualmente, no presente govêrno, que ainda se diz democrata, a ideologia marxista e mesmo a militância comunista indisfarçada constituem recomendação especial aos olhos do govêrno. Como se já estivéssemos em pleno regime "marxista-leninista", com que sonham os que desejam incluir sua pátria no grande império soviético, às ordens do Kremlin. (...)"

Diário de Notícias, 1 de abril de 1964

 

"Enquanto o Congresso Nacional iniciava, em plena madrugada, em Brasília, a votação do "impeachment" do Sr. João Goulart, homiziado no sul, numa sessão tumultuada pela oposição do PTB, que ameaçava ir até o esfôrço físico para impedir o debate da matéria, o general Amauri Kruel chegava a São Paulo para conferenciar com o governador Ademar de Barros e ultimar os preparativos para os deslocamentos das tropas que deverão seguir para o Rio Grande do Sul a fim de esmagar o último foco de rebelião concentrado em Pôrto Alegre, sob o comando do Sr. João Goulart e Leonel Brizola.

Ao mesmo tempo, deverão ser abastecidos, hoje, em Santos, os três navios da esquadra, Tamandaré, Pará e Amazonas, que segundo se anuncia, sob o comando geral do almirante Sílvio Heck, rumam para o sul a fim de cooperar no completo esmagamento dos insurretos.

Ao mesmo tempo, por ordem do Sr. Ademar de Barros, começa hoje em São Paulo, o racionamento de gasolina fixado em 70% para as indústrias e transportes coletivos e, em 30% para os carros particulares. A medida vai afetar profundamente o abastecimento de Brasília uma vez que o govêrno do Estado requisitou todos os estoques que transitam em direção à capital federal."

Diário de Notícias, 2 de abril de 1964

 

"Escorraçado, amordaçado e acovardado deixou o poder como imperativo da legítima vontade popular o sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr. João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.

Temos o direito de dizer tudo isso do Sr. João Goulart porque não lhe racionamos os adjetivos certos, por mais contundentes que fossem, na hora em que êle dominava o poder, e posava de líder todo-poderoso da Nação. Como não nos intimidamos na hora em que Jango e os comunistas estavam por cima e amargamos até cadeia, não precisamos nem fazer a demagogia da generosidade. Mesmo porque nào pode haver generosidade nem contemplação com canalhas. E Jango, Jurema, Assis Brasil, Arraes, Dagoberto, Darcy Ribeiro, Waldir Pires e toda a quadrilha que assaltou o poder não passam de canalhas.

E além de canalhas, covardes. E além de covardes, cínicos. E além de cínicos, pusilâmines. E além de pusilâmines, desonestos. Bravatearam, fingiram-se machões, disseram que fariam isto e aquilo, mas aos primeiros tiros sairam correndo espavoridos e ainda estão correndo até agora. Alguns, como Aragão, como Assis Brasil, como Crisanto de Figueiredo, como Arraes, como Cunha Melo, como todo o rebotalho comunista, não serão encontrados tão cedo. (...)

Nunca se viu homens tão incapazes, tão desonestos e tão covardes. Agora que o País se livrou do fantasma da comunização podemos repetir o que vinhamos dizendo exaustivamente: todo comunista é covarde e mau caráter. Os episódios de agora vieram provar que estávamos cobertos de razão. (...)

O Povo brasileiro lavou a alma. O Carnaval que se comemorou ontem em plena chuva só poderia mesmo ter sido feito por um povo que estava precisando dessa desforra que lhe era devida precisamente há 30 meses. O povo que comemorou ontem a queda de jango foi o mesmo que votou contra êle em 1960 e foi traído pela renúncia de Jânio. A comemoração de hoje é pois uma revanche e uma recuperação.

Precisamos agora de organizar o mais ràpidamente possível o nôvo govêrno, pois os aproveitadores de sempre já cerram fileiras em tôrno dos cargos, já se apresentam como os heróis de uma batalha que não travaram. Junto com a organização do nôvo govêrno temos que providenciar, também urgentemente, para que os direitos políticos dos que foram ontem legitimamente banidos pelo povo, sejam cassados para sempre. (...)

Não se trata de vingança, nem estamos aqui defendendo o esquartejamento dos derrotados. Mas quando o destino do País está em jôgo, quando se trata de decidir da sorte dos que queriam comunizar o País, não podemos ser generosos ou sentimentais. Para os civis, cassação dos direitos políticos. Para os militares como Assis Brasil, Crisanto, Cunha Melo, Napoleão Nobre, Castor da Nóbrega e para todos os comuno-carreiristas das Fôrças Armadas, o caminho é um só e inevitável: a reforma pura e simples. Não falavam tanto em reforma? Pois apliquemos a fórmula a êles.

Enfim, começa hoje uma nova era para o Brasil. Confiemos no espírito público dos homens que salvaram a democracia brasileira, e no discernimento e superioridade com que o marechal Dutra se conduzirá nos próximos 22 meses."

Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964

 

"O Sr. Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, poderá assumir ainda hoje a Presidência da República, em virtude do que dispõe o artigo 79 parágrafo 2o da Contituição, que declara: - Vagando os cargos de Presidente e Vice Presidente da República, far-se á eleição 60 dias depois de abertas a última vaga. Se as vagas ocorrerem na segunda metade do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita 30 dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma estabelecida em lei. Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período dos seus antecessores.

Em consequência, o Sr. Ranieri Mazzilli deverá exercer a Presidência até a posse do novo presidênte, a ser eleito no dia 1o de maio próximo pelo Congresso Nacional."

"Em face da absoluta normalidade reinante na cidade com a cessação dos motivos que a determinaram, terminou à zero hora de hoje a greve geral decretada terça-feira.

Todos deverão retornar tranqüilamente ao trabalho, evitando, contudo, aglomerações públicas nas ruas.

Sòmente os bancos ainda permanecerão fechados, hoje e amanhã, em virtude de decreto."

"Brasília, 1o - Até às 22 horas de hoje o Sr. João Goulart ainda se encontrava na Granja do Torto, nesta capital, em companhia de sua espôsa e filhos.

No aeroporto militar, achava-se, pronto para decolar a qualquer instante um "Coronado", moderno jato da Varig, que tanto poderia se dirigir para Buenos Aires como para a Espanha, segundo afirmam fontes ligadas à família presidencial.

Após chegar a Brasília, às 15 horas, o Sr. João Goulart estêve no Palácio do Planalto uns 15 minutos, fechado em seu gabinete, retirando-se depois para a Granja do Torto, onde recebeu poucas pessoas, uma delas o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. Pessoas, que privam com o Sr. Mazzilli, afirmam que êste ouviu do Sr. João Goulart a declaração de que, antes de partir de Brasília, lhe transmitiria o cargo de Presidente da República. Outras fontes adiantam que o Sr. João Goulart, durante a tarde, estêve redigindo o documento de renúncia, que será enviado ao Congresso de Pôrto Alegre, para onde irá nas próximas horas."

"Pôrto Alegre, 1o - O Sr. João Goulart, cêrca das 23 horas, chegou a esta capital em companhia de sua família e do Sr. darci Ribeiro. Antes de embarcar em Brasília, o Sr. João Goulart conferenciou novamente com o Presidente Ranieri Mazzilli." (...)

"Às treze horas o Sr. João Goulart deixava o Rio, indo para Brasília e, pouco depois, a Cadeia da Liberdade anunciava que o Sr. Goulart havia partido nim avião da Varig para destino ignorado. Todos os comandos militares haviam aderido ás tropas do general Castelo Branco. Em recife soldados do IV exército cercaram o Palácio do Governador e prenderam o Sr. Miguel Arrais, por ordem do general Justino Alves.

O ministro Lafaiete de Andrade enviou emissário a Minas para decretar solidariedade ao Supremo Tribunal Federal à revolução.

Às 16 horas, foi lida esta ordem, firmada pelo general Castelo Branco:

"Que as tropas do I Exército cessem todas as operaçòes e voltem aos quartéis".

Era o fim da resistência e a vitória da Revolução.

As autoridades civis e militares estão lembrando a tôda a população que estão em vigor as leis e os códigos. Os culpados por atos condenáveis serão punidos. Aconselham que a população se abstenha de participar de aglomerações e movimentos coletivos. Avisam ainda que a normalidade voltou ao País e cessaram, imediatamente, todos os movimentos grevistas."

"Dezenas de automóveis trafegaram pelo centro da cidade, tocando suas businas, em sinal de alegria pela vitória da democracia em todo o País. As estações de rádio e televisão, que estavam sob censura, iniciaram suas transmissões normais, pouco depois das 17 horas. Os contingentes de fuzileiros navais que ocupavam as redações de alguns jornais, foram recolhidos aos quartéis.

Por volta das 17,15, o Forte de Copacabana anunciava, com uma salva de canhão, a aproximação das tropas do general Amauri Kruel, que atingiria o Estado da Guanabara às últimas horas da noite de ontem.

A população de Copacabana saiu ás ruas, em verdadeiro Carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento. (...)"

O Dia, 2 de abril de 1964

 

"Montevidéu - O Sr. João Goulart é esperado neste páis com honras de Chefe de Estado - é o telegrama da "United Press International" distribuído, ontem, aos jornais brasileiros.

Grande número de parlamentares e jornalistas se dirigiu ao Aeroporto de Carrasco momentos após ter a Rádio Farroupilha, do Rio Grande do Sul, anunciado apêlo do presidente deposto no sentido de que cessasse a resistência "para evitar derramamento de sangue".

Decidiram as autoridades uruguaias que o presidente deposto seja recebido com honras de Chefe de Estado. Diz mais o telegrama da agência norte-americana que a fronteira está patrulhada por fôrças leais ao Sr. João Goulart. Está garantido qualquer pedido de asilo, para tanto, sido enviadas tropas uruguaias à linha demarcatória dos dois países.

Um destróier uruguaio foi enviado para as proximidades da costa brasileira, prevendo-se a possibilidade de conflitos na fronteira, onde as guarnições continuam leais ao presidente deposto.

O Legislativo reuniu-se, extraordinariamente, para discutir a oportunidade de enviar uma mensagem ao Brasil. Ante a discussão não decisiva, entre as facções favoráveis e contrárias, foi suspensa a sessão. (ANSA - UPI - DC)

Até o momento de encerrármos os trabalhos desta edição não havia confirmação oficial da chegada do Sr. João Goulart a Montevidéu. Não se confirmaram, igualmente, as notícias de que o presidente Goulart havia se dirigido cara a capital Paraguaia, Assunção. Notícias de Pôrto Alegre informavam, entretanto, que Jango havia deixado aquela cidade na tarde de ontem."

"Dando por encerrada a "Rêde da Legalidade", às 13 horas de ontem, o prefeito de Pôrto Alegre, Sr. Sereno Chaise, leu a nota oficial alusiva ao ato, salientando em certo trecho que o presidente João Goulart, ao transitar pela capital sulina, dispensara o sacrifício da população gaúcha e de todo o Brasil na resistência ao movimento que o derrubara do poder.

É o seguinte, na íntegra, a nota: "Ás primeiras horas de hoje, o presidente João Goulart chegou a Pôrto Alegre. Depois de ficar algum tempo, seguiu viagem. Antes examinou, com autoridades militares, amigos e correligionários, as condições de resistir ao processo golpista e decidiu dispensar o sacrifício do povo gaúcho e brasileiro.

O deputado Leonel Brizola pede ao povo gaúcho e brasileiro, a todos os patriotas, que enfrentem com serenidade e calma esta difícil passagem.

Encerramos a "Rêde da Legalidade", agradecendo a todo o povo gaúcho e brasileiro que compareceu em massa à sede da Prefeitura de Pôrto Alegre para resistir contra os golpistas. Fizemos tudo para manter a legalidade."

"Confirmando que o esquema do golpe estava montado há algum tempo, o general Olímpio Mourão Filho, já nomeado pelo ministro da Guerra presidente da Petrobrás, falou, ontem, à imprensa, do gabinete do general Costa e Silva.

Afirmou aquêle militar que antes de iniciar sua marcha teve de realizar três operações: silêncio, gaiola e Popay. A primeira consistiu em articular todo o movimento para que não pudesse ser fracassada a marcha do Exército revolucionário, a segunda para propiciar o clima de tranqüilidade do povo, prendendo os líderes que atuavam nas massas trabalhadoras e, a terceira, operação guerra.

As declarações do novo presidente da Petrobrás foram assistidas por vários chefes militares e personalidades do mundo politico-militar.

"Se não ocorresse a prisão dos líderes sindicais - afirmou - nós teríamos a marcha dificultada, pois não conseguiríamos rapidamente o apoio maciço dos companheiros".

O general Olímpio Mourão disse também que "saímos para lutar, prontos para qualquer situação. Felizmente, em lugar do primeiro tiro, encontramos os abraços dos nossos companheiros de farda, porque êles pensavam como nós" (...)"

Diário Carioca, 3 de abril de 1964

 

AS MANCHETES:

Reincidência ( Jornal do Brasil )

"Gorilas" Invadem O JB ( Jornal do Brasil )

Fora! ( Correio da Manhã )

Carros Blindados Na Rua Deixam Povo Sob Tensão ( Diário de Notícias )

Grave Perspectiva ( Diário de Notícias )

Marinha Caça Goulart ( Diário de Notícias )

Democratas Assumem Comandos Militares -

1) Costa E Silva Nomeado Para Pasta Da Guerra 2) I Exército Tem Ururaí Como Comandante 3) General Taurino Na Primeira Região Militar

Pela Recuperação do Brasil ( Tribuna da Imprensa )

Revolução Terminou Sem Derramamento De Sangue - Jango Em Pôrto Alegre

Magalhães Pinto Deu A Arrancada Final Contra A Comunização Do País

Mazzilli Poderá assumir Ainda Hoje A Presidência Da República

Terminou A Greve Geral - UNE Incendiada ( O Dia )

Uruguai Espera Jango Como Chefe De Estado ( Diário Carioca )

Goulart Dispensou O Sacrifício Do Povo Brasileiro ( Diário Carioca )

Mourão: Golpe Estava montado E Prisão De Líderes Ajudou Muito

( Diário Carioca )

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48) Edson Luis (1968)

"A preparação de uma passeata de protesto, que se realizaria hoje, contra o mau funcionamento do restaurante do Calabouço, cujas obras ainda não terminaram, foi a causa da invasão daquele estabelecimento, por choques da Polícia Militar, e que resultou no massacre de alunos e na morte do estudante Edson Luís Lima Souto, assassinado com um tiro de pistola calibre 45, pelo tenente Alcindo Costa, que comandava o Batalhão Motorizado da PM do local.

Os estudantes foram surpreendidos com a invasão policial, tendo os soldados disparado rajadas de metralhadoras enquanto o tenente que comandava o choque gritava pelo megafone "parem de atirar, eu não dei ordem para ninguém atirar". Logo depois, o mesmo oficial sacou sua arma e fêz os disparos, um dos quais atingiu Edson Luís Lima Souto. O corpo de Edson ainda foi levado para a Santa Casa, na Rua da Misericórdia. Ali, o médico Luís Carlos Sá Fortes Pinheiro anunciou que o aluno já estava morto. Seus colegas, em seguida, levaram-no para o saguão da Assembléia Legislativa, onde se formou uma fila de populares para velar o corpo, em meio a violentos discursos de vários líderes políticos.

O massacre policial continuou após a morte de Edson Luís Lima Souto e outros estudantes e curiosos foram feridos por estilhaços de granadas e bombas de gás lacrimogêneo indistintamente. (...)"

"Estudantes reuniram-se, ontem, no Calabouço, para protestar contra as precárias condições de higiene do seu restaurante. Protesto justo e correto. O Correio da Manhã, nesta mesma página, já condenou a inércia em que o Estado vem-se mantendo diante das reiteradas reivindicações estudantis. Apesar da legitimidade do protesto estudantil, a Polícia Militar decidiu intervir. E o fêz à bala. Há um estudante (18 anos) morto, um outro (20 anos) em estado gravíssimo. Um porteiro do INPS, que passava perto do Calabouço, também tombou morto. Um cidadão que, na Rua General Justo, assistia, da janela de seus escritório, ao selvagem atentado, recebeu um tiro na bôca. Êste o saldo da noite de ontem. Não agiu a Polícia Militar como força pública. Agiu como bando de assassinos. Diante desta evidência cessa tôda discussão sôbre se os estudantes tinham ou não razão - e tinham. E cessam os debates porque fomos colocados ante uma cena de selvageria que só pela sua própria brutalidade se explica.

Atirando contra jovens desarmados, atirando a êsmo, ensandecida pelo desejo de oferecer à cidade apenas mais um festival de sangue e morte, a Polícia Militar conseguiu coroar, com êsse assassinato coletivo, a sua ação, inspirada na violência e só na violência. Barbárie e covardia foram a tônica bestial de sua ação, ontem. O ato de depredação do restaurande pelos policiais, após a fuzilaria e a chacina, é o atestado que a Polícia Militar passou a si própria, de que sua intervenção não obedeceu a outro propósito senão o de implantar o terror na Guanabara. Diante de tudo isto, depois de tudo isto, é possível ainda discutir alguma coisa? Não, e não. (...)"

Correio da Manhã, 29 de março de 1968

 

"A morte do estudante Édson Luís de Lima Souto, de 16 anos - baleado no peito, às 18h30m de ontem, durante um coflito da PM com estudantes no Restaurante do Calabouço - provocou a greve geral de várias Faculdades do Rio e o movimento deverá estender-se pelo País. O corpo da vítima, que está sendo velado na Assembléia Legislativa, sairá às 16 horas de hoje para o Cemitério São João Batista.

Os acontecimentos agitaram a sessão noturna da Câmara dos Deputados onde o Sr. Lurtz Sabiá pediu que o Congresso fique em sessão permanente, e o Deputado Brochado da Rocha sugeriu que as duas Casas do Congresso se transformassem em Comissão Geral para investigar os fatos ocorridos no restaurante dos estudantes. O Congresso Nacional e a Assembléia Legislativa da Guanabara decretaram luto. O Ministro da Justiça, Sr. Gama e Silva, saiu de Brasília e voltou ontem à noite ao Rio.

O Governador Negrão de Lima, numa reunião de mais de duas horas com o Secretário de Segurança, General Dario Coelho, e outras autoridades, no Palácio Guanabara, decidiu afastar o General Osvaldo Niemeyer da Superintendência da Polícia Executiva, para que os acontecimentos sejam apurados com tôda a isenção. Ficou também decidida a instauração imediata de inquérito policial a ser orientado por um membro do Ministério Público.

Todos os estabelecimentos de ensino do Estado não funcionarão hoje em sinal de pesar pela morte de Édson Luís, por determinação do Sr. Negrão de Lima. Alguns teatros do Centro e da Zona Sul, que estavam funcionando quando se verificou o atrito entre a PM e os estudantes, suspenderam os espetáculos em sinal de solidariedade - e o público, ao ser inteirado do motivo, aplaudiu de pé.

O Sr. Carlos Lacerda não se alterou ao receber, em São Paulo, a notícia da morte do estudante. Êle falava no Painel de Debates da Assembléia Legislativa de São paulo, promovido pelo MDB, quando recebeu um bilhete sôbre os acontecimentos do Rio. Fêz uma pausa no discurso, leu o comunicado e declarou: "Não acredito que o Sr. Negrão de Lima seja o responsável". Em seguida, prosseguiu no seu pronunciamento.

Na Câmara Federal, as galerias ficaram lotadas de estudantes, que aplaudiram sucessivos pronunciamentos dos deputados da Oposição. O presidente do Congresso, Sr. Pedro Aleixo, ameaçou várias vêzes de mandar retirar os manifestantes. Em defesa do Govêrno - sempre atacado pela Oposição - falou apenas o Sr. Último de Carvalho. Leu um texto oficioso, afirmando que já estava prevista, há algum tempo, a passeata dos estudantes, "empunhando as bandeiras do Brasil e do Vietcong".

Há, por enquanto, duas versões para o atrito de ontem à noite no restaurante dos estudantes: 1) estes jantavam, pacificamente, enquanto outros assistiam a uma aula, quando um choque da PM, chefiado por um tenente de nome Alcindo ou Costa, invadiu o restaurante e iniciou o espancamento, ao qual os estudantes reagiram com pedradas que, por sua vez, provocaram tiros; 2) os estudantes teriam sido colhidos pela PM, em plena manifestação contra o atraso na conclusão das obras do restaurante.

Além do estudante morto, do outro ferido a tiro e de vários espancados pela PM, houve mais uma vítima: o comerciário Telmo Matos Henriques, ferido na bôca por uma bala quando estava à sua mesa de trabalho, numa firma próxima. O choque da PM retirou-se do restaurante desfechando tiros para o ar - e na passagem por uma galeria deixou nas paredes marcas de balas que, segundo testemunhas, seriam de metralhadoras.

O estudante Édson Luís foi conduzido pelos companheiros, à Santa Casa de Misericórdia, onde, constatada a sua morte, iniciou-se o cortêjo rumo à Assembléia Legislativa. O corpo foi erguido nos braços da multidão que entoava o brado "polícia assassina" ao dar entrada na Assembléia. Ali houve, durante a noite, vários comícios estudantis, de protesto violento contra o Govêrno - e uma multidão postou-se, até à madrugada, na expectativa dos acontecimentos.

Em visita à Assembléia, o General Niemeyer defendeu os policiais. Indagado por que a polícia atirara, respondeu:

- A polícia estava inferiorizada em potência de fogo.

- Potência de fogo? É arma?

- É tudo aquilo que nos agride. Era pedra."

Jornal do Brasil, 29 de março de 1968.

"A ordem era "quebrar tudo" e foi cumprida. A PM cercou o Calabouço; depois, houve a invasão e o massacre. A princípio, foram os cassetetes; a seguir, os revólveres. O ataque só foi suspenso quando havia um morto no chão: Nelson Luís Lima, uma bala no coração. Outro estudante - Benedito Frasão Dutra, 20 anos - escapou com vida, fingindo-se de morto. Sèriamente ferido, foi conduzido pelos companheiros juntamente com o corpo do estudante-mártir, até o saguão da Assembléia Legislativa. As violências nào terminaram: a ordem era prender. Mais tarde vieram as bombas de gás lacrimogenio e o número de feridos multiplicou-se.

O massacre virou crise. O Sr. Negrão de Lima reuniu-se com todos os auxiliares. SNI presente. Aulas de hoje estão suspensas. Luto é geral: escolas, diretórios, a própria Assembléia. O general Osvaldo Niemeyer foi afastado; determinou-se abertura de inquérito. Parlamentares pediram a queda de tôda a cúpula da PM. A camisa do jovem morto foi erguida como estandarte por seus colegas: o protesto continua. Os diretórios acadêmicos de tôdas as faculdades decretaram greve geral e marcaram assembléia para hoje. Os teatros da Guanabara fecharam e os artistas hipotecaram solidariedade aos estudantes, ficando em luto oficial durante três dias. Pedido o afastamente de Dario Coelho. O governador mandou prender o tenente assassino. O sepultamento será às 16 horas, no Cemitério de São João Batista, por conta do Estado."

" "Vão lá e quembram tudo": a ordem do comandante do choque foi cumprida e, minutos depois, no Calabouço, usando revólveres e cassetetes, a Polícia Militar iniciou o massacre dos estudantes, só parando de bater quando já havia um morto - Nélson Luís de Lima Souto, 16 anos - e vários feridos, a bala, a socos e a coronhadas.

Os jovens estavam reunidos no restaurante, quando foi ordenado o cêrco - seis carros da PM fechando tôdas as saídas - e, logo que os policiais abandonaram suas posições, os moços saíram em direção à Assembléia, levando nos braços um companheiro morto e outro agonizante, para a manifestação de protesto, até a madrugada.

Às 18 horas de ontem, cêrca de 600 estudantes reuniam-se no Calabouço, esquematizando a passeata em que reivindicariam a conclusão das obras do restaurante e do Instituto Cooperativo de Ensino. De repente, surgiram os carros da PM e o cêrco foi feito: dois na frente do prédio, quatro atrás. Às 18h30m, os policiais avançaram, em direção à entrada do restaurante. Quando ocorreu a invasão, os estudantes procuraram defender-se, usando pedras e sacos de areia.

Começaram os disparos: os soldados da PM atiravam para o alto, de início, mas logo passaram a acionar suas armas em tôdas as direções, tanto que chegaram a atingir um comerciário que assistia a tudo, da janela de uma firma comercial. Nélson Luís de Lima Souto foi o primeiro a cair: uma bala no coração derrubou-o na hora. Logo depois, outro estudante recebia dois tiros: no braço e na cabeça. Só então veio a ordem do comandante do choque: iniciar a retirada. (...)"

Diário de Notícias, 29 de março de 1968

 

"O fuzilamento de estudantes no Calabouço, que provocou a morte do menor Nelson Luiz Lima Souto, levou o governador Negrão de Lima a demitir o general Oswaldo Niemeier Lisboa do cargo de Superintendente da Polícia Executiva, como primeiro passo visando a que o inquérito que vai apurar os responsáveis pelo massacre "não fique sòmente no âmbito policial". Vários outros feridos, entre populares que assistiam às manifestações, estudantes e jornalistas foram medicados no Pronto Socorro, uns atingidos pelos cassetetes dos Pms, outros pelos estilhaços das bombas e balas.

Às 22 horas, o general José Horácio da Cunha Garcia, comandante do I Exército, decretava a prontidão em tôdas as guarnições da Guanabara. Os estudantes contrataram o advogado Sobral Pinto como seu patrono no processo de punição do autor ou autores da morte de Nelson Luiz.

Enquanto isso o governador Negrão de Lima lamentava a violência policial e decretava luto oficial, hoje, em tôdas as Escolas Públicas, com suspensão das aulas. O governador acentuou também que os estudantes terão "toda a liberdade" para fazer o entêrro de seu colega morto e, por sua ordem direta, foram soltos os 14 estudantes presos nos incidentes.

O secretário de Imprensa da Presidência da República, jornalista Heráclio Sales, decretou, em Brasília, que o presidente Costa e Silva estava plenamente informado, através do Ministério da Justiça, de tôdas as ocorrências na Guanabara e que o Govêrno estava "adotando as providências necessárias para a manutenção da ordem". Ontem, à noite, veio de Brasília para o Rio, com instruções do titular da Justiça, o coronel Florismar Campelo, diretor-geral do Departamento Federal de Polícia, e hoje deverá chegar ao Rio o ministro Gama e Silva.

Os estudantes não concordaram em que o corpo de Nelson Luiz saísse da Assembléia Legislativa e a uma e meia da madrugada foi feita a autópsia no local onde o estudante está sendo velado. Em Belo Horizonte, universitários reunidos no Centro Acadêmico Afonso Pena fizeram uma série de protestos, com comícios no recinto da Faculdade de Direito. Também os universitários da Faculdade de Direito do Estado da Guanabara decretaram luto oficial por três dias e propuseram às demais Faculdades o não comparecimento às aulas, hoje, em sinal de protesto.

Os acontecimentos também tiveram pronta repercussão no Congresso, que, reunido à noite, suspendeu o início da discussão do chamado projeto dos ociosos, para que diversos oradores abordassem a situação na Guanabara. O Sr. Raul Brunini foi o primeiro orador, fazendo um relato das ocorrências e condenando "o vandalismo e a covardia da Polícia". O Sr. Mariano Beck falou em seguida, para expressar a solidariedade gaúcha ao povo carioca, o mesmo fazendo o Sr. Pereira Pinto, em nome da bancada do Estado do Rio. Diversos outros oradores sucederam-se na tribuna, inclusive o lider do MDB, deputado Mário Covas, que responsabilizou diretamente o governador Negrão de Lima pelos acontecimentos. A sessão se prolongou até às duas horas da madrugada."

O Jornal, 29 de março de 1968

 

"O estudante Nelson Luis Lima Souto, de 17 anos tombou com um tiro no coração quando a polícia militar invadiu o Calabouço, na tarde de ontem, iniciando um massacre que resultou em grande número de feridos e provocou um clima de tensão em todo o centro da cidade. O comandante do choque da PM, Tenente Alcindo, é acusado pelos estudantes de ter assassinado Nélson a sangue-frio, encostando a arma em seu peito. Grande área do aterro foi transformada em campo de batalha, com os soldados da Polícia Militar disparando armas de fogo contra os estudantes, que denunciaram a participação de tropas da Aeronáutica, utilizando metralhadoras."

"Três choques da PM e a guarnição de duas viaturas de patrulha chegaram ao Calabouço no momento em que os estudantes organizavam a passeata de protesto contra o aumento de precos das refeições e a demora na conclusão do restaurante. Auxiliados por uma tropa da Aeronáutica, entraram no restaurante disparando suas armas e dois estudantes cairam feridos: Benedito Frazão Dutra e Nélson Lima Souto. Este morreu pouco depois, nos braços dos companheiros. Outro tiro feriu o comerciante Talmo Henrique, em seu escritório."

Última Hora, 29 de março de 1968

 

"Milhares de pessoas desfilaram, das 6 às 15 horas de ontem, diante do corpo do estudante Nélson Luís Lima Souto, que foi velado na saguão da Assembléia Legislativa depois da autópsia feita pelo legista Nilo Ramos. O corpo estava envolto na Bandeira Nacional e se achavam sôbre o peito dois têrços, cravos e um caderno de Geometria, que pertencia ao extinto. Um representante da Casa do Pará colocou sôbre o corpo uma Bandeira do Pará, terra natal do estudante. Mais de trinta coroas foram enviadas à Assembléia por estudantes sindicais e estudantis.

Cêrca de vinte pessoas, das quais apenas um homem, sofreram crises emocionais. Uma senhora idosa caiu em prantos. Um aluno do Pedro II disse à reportagem: "Antes havia greves e não matavam estudantes". A jovem Carmem Santos Corrêa, que estava nos jardins da Cinelândia, teve mal súbito, sendo medicada no Hospital Sousa Aguiar.

Cinco mil pessoas, aproximadamente, se aglomeravam em frente à Assembléia, não se notando, nas proximidades, policiais fardados, mas apenas agentes do DOPS e do SNI. O trafégo foi desviado para a Avenida Rio Branco e Rua evaristo da Veiga.

Até às 15 horas, os estudantes haviam recebido, de donativos, três mil cruzeiros novos, que se destinarão à construção de uma estátua, em homenagem ao morto, em frente ao Restaurante Central dos Estudantes. o restante, segundo ficou deliberado, seria enviado à família do estudante, em Belém do Pará e custearia os funerais, pois foi recusado o oferecimento do Govêrno estadual.

A Srta. Cléia Martins, prima, em segundo grau, de Nélson Luís e também comensal do Restaurante Central, disse que teve conhecimento da morte através do rádio.

Com a presença de milhares de pessoas, na grande maioria estudantes, realizou-se, às 19h30m de ontem, no Cemitério de São João Batista, o sepultamento do jovem Nélson Luís de Lima Souto, abatido a tiro durante um conflito ocorrido no Calabouço, quando membros da Cooperativa de Ensino estavam reunidos para acertar detalhes visando à realização de uma passeata de protesto.

O féretro deixou o recinto da Assembléia Legislativa, onde o corpo foi velado, às 16h20m e seguiu por várias artérias da cidade, onde ocorreram alguns incidentes sem gravidade. O enórme número de acompanhantes atrasou sensívelmente o entêrro, já que o caixão teve de permanecer por mais de uma hora à porta do Cemitério, aguardando que a massa humana fôsse retirada da frente.

Com colegas do morto revesando-se na condução da urna mortuária, o cortejo fúnebre tomou a Avenida Beira-Mar, seguindo, após, pela Praia do Flamengo, onde em frente ao prédio da extinta UNE, um grupo de estudantes queimou uma bandeira americana, usando da palavra na oportunidade, os representantes da FUEG Flademir Palmeira e Luís Brito.

Na Praia de Botafogo, utilizando-se de pedras, os participantes do féretro foram quebrando tôdas as lâmpadas dos postes. Na Rua da Passagem pediram a dois guardas que tirassem o quepi à passagem do corpo. Os policiais se recusaram e os estudantes jogaram seus quepis longe, o que quse originou nôvo conflito.

Cêrca de 18,20 horas, o cortejo aproximou-se do Cemitério São João Batista, onde já se encontravam duas tias da vítima, senhoras Virgília Souto e Enedina Souto Pauferro, esta última espôsa do 1o Sargento da Aeronáutica Manuel Pauferro. Dezenas de coroas, a maioria ofertadas por Diretórios Estudantis, foram depositadas na quadra 14, em frente à gaveta 602, última morada do jovem Nélson Luís. Os gritos de "vingança" e de "assassinos" se sucediam, ao mesmo tempo em que faixas eram desfraldadas. Entre elas registramos uma dirigida às mulheres: "Senhoras, Nélson poderia ser seu filho".

Às 19,10 horas o caixão alcançou a entrada da quadra 14, um corredor com menos de dois metros de largura. Não pôde porém aproximar-se da gaveta 602, situada ao fundo, pois a massa humana invadiu o corredor, ansiosa por ocupar um lugar privilegiado, onde pudesse acompanhar as últimas homenagens que seriam prestadas ao estudante assassinado. (...)

Dez minutos mais tarde, a urna com o cadáver de Nélson Luís foi depositado na gaveta. Grupos de estudantes continuavam a clamar pr vingança, enquanto rasgavam outra bandeira americana, com o fogo quase chegando à multidão. (...)"

O Dia, 30 de março de 1968

 

AS MANCHETES:

PM Mata Estudantes Durante Invasão ( Correio da Manhã )

Assassinato ( Correio da Manhã )

Assassinato Leva Estudantes A Greve Nacional ( Jornal do Brasil )

Polícia Mata Estudante ( Diário de Notícias )

A Ordem Era Quebrar Tudo: PM Acabou Massacrando Estudante

( Diário de Notícias )

Negrão Demite Superintendente Da Polícia E Promete Apurar Tudo

PM Fuzila Estudante No Cabouço ( O Jornal )

Polícia Mata Estudante - Morte No Calabouço - Uma Patrulha Da PM Abriu Fogo Contra Os Estudantes No Calabouço - Com Um Tiro No Coração Morreu O Jovem Nélson Lima Souto De 17 Anos - Assembléia Reunida - O Corpo Do Jovem Foi Para A Assembléia Legislativa, Que Se Reuniu Em Sessão Permanente - A Tensão Deu Origem A Sucessivos Incidentes - Negão Pune Culpados - O Governador Negrão De Lima Reuniu O Secretariado E Afirmou Que A Tranqüilidade Será Imediatamente Restaurada E Os Culpados Punidos

( Última Hora )

PM Mata Estudante A Bala Na Rua ( Última Hora )

Nélson Morreu Nos Braços Dos Companheiros ( Última Hora )

Milhares De Pessoas No Funeral Do Estudante ( O Dia )

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49) Passeata dos Cem Mil (1968)

"Por seis horas, mais de 100 mil cariocas protestaram contra o Govêrno, apoiando o movimento dos estudantes que, conforme o previsto, foi sem incidentes, com dezenas discursos de universitários, operários, professôres e padres, que definiram "o compromisso histórico da Igreja com o povo".

Com perfeito dispositivo de segurança, os estudantes garantiram a realização da passeata, sem depredações, chegando a prender e soltar um policial que incitava a que fôsse apedrejado o prédio do Conselho de Segurança Nacional. A concentração começou às 10 horas, com os primeiros grupos de padres e estudantes, sem qualquer policiamento ostensivo.

Entre os primeiros oradores estava o representante da Igreja, ressaltando que "Calar os moços é violentar nossas consciências". Presentes cêrca de 150 padres, inclusive o bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, Dom Castro Pinto, que acompanhou a passeata, durante os 32 minutos de travessia da Av. Rio Branco. Na Candelária, falou Wladimir Palmeira, lembrando o assassinato do secundarista edson Luís, "que um dia será vingado".

A manifestação seguiu para o Palácio Tiradentes onde houve novos discursos, inclusive de um representante dos favelados, o mais aplaudido, ao afirmar que agora êles também "estavam na luta". No local foi queimada uma bandeira dos Estados Unidos, um policial tentou prender Wladimir Palmeira, mas não ocorreram incidentes. Ficou decidido dar o prazo de uma semana ao Govêrno, para atender às reivindicações, entre elas a de liberdade para todos os presos políticos. Marcaram também para hoje, encontro de tôda a liderança estudantil, com o objetivo de analisar os resultados.

Informou a Secretaria de Segurança que ninguém foi detido, mas o DOPS prendeu cinco estudantes que destribuiam panfletos. A Polícia Federal pediu ao CONTEL que proibisse a exibição de filmes e transmissão de reportagens em rádio e televisão que "mostrem tumultos em que se envolveram os estudantes", e o governador Negrão de Lima, cercado por 100 soldados da PM, acompanhou, através de informações, todo o movimento, declarando-se satisfeito com os rumos da manifestação. (...)"

"A Guanabara ofereceu ontem ao Govêrno edificante exemplo de maturidade política. Estudantes, professôres, intelectuais, artistas, jornalistas, clero, pais e populares realizaram na mais absoluta ordem sua manifestação. O governador Negrão de Lima autorizou. Recolheu aos quartéis a Polícia Militar e o DOPS. Entregou a segurança da Cidade aos próprios manifestantes. Não houve incidentes. A ordem, a propriedade privada, os próprios federais e estaduais, a vida das pessoas foram assegurados. A primeira conclusão a retirar-se dos fatos é a de que a repressão policial contra atividades políticas legítimas é que gera os conflitos.

Dir-se-á que houve discursos radicais. Mas êsses discursos não incitaram à desordem. Além disso, proferi-los é direito garantido pela liberdade de pensamento. O importante não é constatá-los, mas saber se incitaram ou não ao tumulto. Ontem, não incitaram. Não tiveram sequer o respaldo de faixas com os nomes de Guevara, Mao Tsé-tung e Ho Chi Min, comuns nas manifestações estudantis em todo o mundo.

Elas foram substituídas por algo mais expressivo, para a inteligência política do Govêrno: o veemente entusiasmo dos que, não tendo descido às ruas, aplaudiram do alto dos edificios os manifestantes, emprestando-lhes decidida solidariedade.

Essa solidariedade significa voto de repulsa popular, não só à repressão policial dos últimos dias, como rejeição da consciência nacional ao confinamento do País num sistema institucional restritivo de suas liberdades, mesmo quando para mostrar essa restrição não apela para a violência ostensiva."

Correio da Manhã, 27 de junho de 1968

 

"Em gigantesca manifestação popular que se caracterizou pela ausência de distúrbios, no qual os únicos policiais presentes foram os guardas de trânsito, perto de cem mil pessoas realizaram ontem a anunciada passeata durante a qual o povo, fazendo causa comum com os estudantes, verberou a omissão do govêrno nos problemas do ensino. Antes da passeata, foram presos quatro estudantes sob acusação de conduzirem material subversivo, e o ministro da Justiça, à noite criticou os responsáveis pela queima de uma bandeira americana. Enquanto isso em Pôrto Alegre, as manifestações de rua acusavam um saldo de seis estudantes feridos e hoje, em Fortaleza, anuncia-se a realização de manifestação semelhante à do Rio."

"Uma multidão calculada em 100 mil pessoas realizou ontem, durante mais de sete horas a anunciada passeata de estudantes, padres, artistas e mães pela liberdade dos estudantes detidos pela Polícia, pelo ensino superior gratuito e contra as Fundações.

O movimento, que não registrou qualquer distúrbio, começou com uma concentração na Cinelândia, às 10,30 horas, ganhou o Largo da Candelária às 15 horas onde se deteve por 45 minutos para um comicio, e rumou pela rua Uruguaiana até a estátua de Tiradentes na Praça Quinze, onde foi encerrado, às 17 horas.

Eram mais de 10 horas quando começaram a chegar à Cinelândia os primeiros participantes da passeata, trazendo faixas e cartazes. As escadarias do Teatro Municipal começaram a encher-se de conhecidas figuras dos meios religiosos, artisticos e estudantis, entre êles Paulo Autran, Djanira, Eneida etc.

Aos gritos de "liberdade, liberdade" os estudantes deram início aos discursos inflamados, clamando por mais verbas para as universidades, ensino gratuito, contra a tentativa de transformação das universidades em fundações e em protesto contra a prisão dos líderes estudantis.

Poucos minutos antes do meio-dia chegou ao local o estudante Wladimir Palmeira que salientou em breve discurso "a derrota do govêrno na realização da passeata para a qual não foi pedida autorização, mas que custou o sangue e muita pancada nos estudantes".

Volta e meia, enquanto falavam os oradores estudantis faziam-se apelos contra tentativas de distúrbios, constatando-se mesmo a presença de grupos de estudantes prontos a sufocar qualquer início de quebra-quebra. A preocupação de não danificar automóveis, vitrines e não dar pretexto a intervenções policiais foi uma constante em todo o movimento.

Às 13 horas, começaram a falar os sacerdotes e artistas, já com a presença de Dom José de Castro Pinto, que disse estar "muito emocionado com o espírito de união do povo".

Poucos minutos antes das 14 horas, teve início a passeata em direção à Candelária.

Por todo o trajeto, enquanto as moças pintavam inscrições com "spray"nas paredes, toneladas de papel picado brotavam do alto dos edifícios, emprestando à manifestação um colorido festivo. Correspondentes estrangeiros comentavam a facilidade com que o povo debate os seus problemas mais sérios e profundos.

Por volta das 15 horas, os manifestantes chegaram à Candelária, cuja praça ficou literalmente tomada. Em silêncio, a multidão ouviu os discursos dos líderes e rumou, 45 minutos depois, para a rua Uruguaiana, por onde desceu até a rua Sete de Setembro, até a Praça 15, ocupando as cercanias do Palácio Tiradentes.

Novamente se ouviram discursos, inclusive de um favelado, e por fim o estudante Vladimir Palmeira, admitindo não existir qualquer estudante prêso, deu por encerrada a manifestação, saindo sob proteção de um esquema de segurança até a rua da Assembléia, onde embarcou num carro particular. Em poucos minutos a multidão dispersou. Estava terminada a passeata."

O Jornal, 27 de junho de 1968

 

"Apesar de tôdas as promessas, da parte dos estudantes, de que a passeata de ontem seria pacífica e das garantias, do lado do Govêrno, de que o dispositivo repressivo não seria usado, a menos que ocorressem violências graves, foi uma cidade conturbada e intimidada a que aguardou os acontecimentos. As portas de todo o comércio se fechavam, as vitrinas se protegiam com madeirame colocado às pressas, o número de pessoas que afluiu ao centro era extemamente reduzido, como atestava o tráfego desafogado.

Nesse ambiente de mal disfarçada ansiedade, realizou-se a passeata. Eram dezenas de milhares de pessoas que desfilaram perfeitamente organizadas, manifestando pelas faixas, pelos discursos, pelos aplausos e seus apupos os seus sentimentos.

Assim, através dessa demonstração, cuja importância não pode ser negada, os manifestantes puderam trazer livremente às ruas a sua mensagem de revolta contra a inação do Govêrno relativamente aos seus reclamos mais urgentes.

Os organizadores da parada revelaram habilidade extrema e poder de liderança indiscutível ao conseguir que tudo se passasse na mais perfeita disciplina e sem qualquer atentado maior à ordem.

A grande maioria silenciosa dos cidadãos que trabalham, que pagam seus impostos, que só desejam o bem-estar e o progresso do nosso povo, não pode deixar de sentir profundamente abalada pelo espetáculo que uma pequena parcela da população, organizada e atuante, deu ontem.

Tôda essa gente encheu a Avenida Rio Branco com o seu prado de protesto. Cabe agora a palavra do Govêrno. Que fará o Govêrno para enfrentar essa insatisfação tão eloqüentemente demonstrada? Pensará o Presidente da República que a triste fala tartamudeante e mal lida do Ministro Tarso Dutra na televisão, alinhando magros números e anunciando transformações menores na estrutura burocrática do Ministério da Educação bastará para contentar a massa da juventude ansiosa por qualquer coisa que signifique a verdadeira revolução nos arraiais da Educação? Ou cuidará o Presidente Costa e Silva que seu discurso perante os representantes dêsse partido feito em laboratório, a ARENA, anunciando novas perspectivas para o desenvolvimento econômico, através de um miraculoso Plano Estratégico, levará tôda essa gente para casa, a fim de esperar tranqüila que o desenvolvimento traga como complemento o fim do descalabro educacional?

O que abalou todo o Brasil ontem foi o sentimento da ausência de segurança. Ficamos à mercê dos acontecimentos, que felizmente se desenrolaram de uma maneira que só honra à organização dos estudantes. Mas o Govêrno não pode esperar que mais essa omissão, a primeira prudente o construtiva que praticou desde a sua instalação, resolva qualquer coisa. Se nada se fizer se repetirão as manifestações e se extravasará o descontentamento quiçá por maneiras e métodos menos tranqüilos do que os empregados ontem.

Há um sentido de urgência inadiável em tomar na devida medida a seriedade do problema com que se acha a braços a Nação, de examiná-lo em profundidade, de procurar soluções válidas, de caminhar para atender aos reclamos justos, colocando de lado ressentimentos de orgulho mal ferido e bravatas de subdesenvolvidos mentais. Sem isso, sem restabelecer o ambiente de segurança indispensável à sobrevivência do regime, é quase cômico falar em planos mirabolantes de desenvolvimento econômico.

O dia de ontem no rio de Janeiro foi carregado de destino e denso de significado político. Ou o Govêrno acorda para a necessidade imediata de uma ação enérgica, organizada, unânime, para enfrentar a presente crise, ou caminhamos para momentos terríveis. A fisionomia grave, séria, quase temerosa com que o Centro da Cidade aguardou ontem os acontecimentos, contrastava com o ambiente de sorrisos otimistas e fraterno alvoroço que reinava em Brasília, quando o Presidente apresentava aos membros da ARENA seus planos para o futuro distante e grandioso do Brasil. É preciso que os responsáveis pelos destinos do País se dêem conta de que sem um presente consolidado num mínimo de segurança não há nenhum futuro senão o caos. se o Senhor Presidente olhar para o chão em que põe os pés, ao invés de atentar para o tremeluzir de estrêlas longínquas, talvez entenda a mensagem que a mocidade colorida do Rio de Janeiro estendeu ontem ao longo da Avenida Rio Branco."

Jornal do Brasil, 27 de junho de 1968

 

"Não só os estudantes marcharam. Foi todo o povo, num movimento que se estendeu das 10 às 17 horas. A polícia não compareceu. A ordem foi total. Uns poucos agentes do DOPS, em atitude de provocação, foram isolados e após afugentados pelos manifestantes. Vladimir Palmeira e Elinor Brito - que estavam sendo caçados - falaram em todo o trajeto. Havia mais de cem mil pessoas desfilando; um número muitas vêzes maior aplaudindo. A bandeira mais alta, na concentração final - foto acima - era a do Centro Acadêmico Édson Luís de Lima Souto. O Sr. Negrão de Lima congratulou-se com os jovens e soltou a frase: - Foi uma goleada. O presidente Costa e Silva mandou liberar verbas para as universidades federais, o que representou a primeira vitória dos estudantes brasileiros."

"Mais de cem mil pessoas - estudantes, representantes sindicais, professôres, padres e freiras - participaram da manifestação de ontem que - sem intervenção policial - transcorreu em perfeita ordem, embora os discursos fôssem freqüentes e as faixas conduzidas exigissem, entre outras coisas, a libertação dos jovens presos, em movimentos anteriores.

Da Cinelândia, os manifestantes dirigiram-se, sempre aplaudidos entusiasticamente pelo povo, até o largo da Candelária, onde falaram dirigentes estudantis, entre êles Vladimir Palmeira e Elinor Brito, depois de terem ouvido a Sra. Irene Papi proclamar, em nome das mães dos estudantes, que estaria sempre ao lado das lutas da mocidade.

Os manifestantes começaram a chegar às 10 horas na Cinelândia e, formada a primeira concentração, partiram em direção à Candelária. O esquema de repressão às provocações funcionou com perfeição. Ao entrar na avenida Rio Branco, o cortejo foi saudado por uma chuva de papel picado, que continuou, até a chegada ao largo da Candelária.

O único incidente - minimizado logo pelos manifestantes - ocorreu na esquina de Rio Branco e Araújo Pôrto Alegre, quando um agente do DOPS procurar gerar confusão. Houve violenta reação popular, mas os próprios manifestantes impediram que o policial fôsse massacrado, facilitando sua fuga em um taxi.

Quando a passeata atingiu o prédio ocupado pelo Departamento Estadual de Estradas de Rodagem, os funcionários vieram para as janelas, lançando uma chuva de papel picado e aplaudindo delirantemente."

"Agentes do DOPS prenderam ontem na praça da República (Campo de Santana), dentro do Karmann-Ghia GB 15-13-00, Antônio Orlando Pinheiro Gomes (rua Airu, 79) , Ciro Flávio Salazar de Oliveira (rua Hilário Gouveia 74 apto. 301), Mário Jorge Almeida de Toledo (rua Barata Ribeiro, 253 apto. 301), Julio Ribeiro (rua Barata Ribeiro 253, apto. 301) e Guilherme Gomes Lond (rua Saviana, 270 apto. 201). Os cinco foram levados para o DOPS, acusados de portarem panfletos que as autoridades consideraram subversivas, embora não revelassem seu teor. Os policiais apuraram, ainda, que o carro utilizado pelo grupo pertence a Artur S. Wetreg (rua Marques Canário, 20) que está sendo procurado. (...)"

"O ministro Gama e Silva, da Justiça, transmitiu, ontem, seu ponto de vista pessoal sôbre o comportamento dos manifestantes pelas ruas da cidade, salientando que, "em princípio, houve ordem e não ocorreram depredações, embora se abusasse do pixamento de prédios e ônibus, com o que caracterizavam o desrespeito pela propriedade particular, além da distribuição de panfletos altamente subversivos".

Lamentou o titular da Justiça que "se tivesse permitido a queima de uma bandeira dos Estados Unidos, assim como a exibição de faixas com dizeres ofensivos ao govêrno, inclusive nas mãos de freiras e padres", mas constatou "o acêrto com que o govêrno federal decidiu permitir a realização da passeata sem policiamento ostensivo nas ruas. (...)"

Diário de Notícias, 27 de junho de 1968

 

"Ao final de seis horas e meia de manifestações, dos quais participaram mais de cem mil pessoas, os estudantes, professôres, intelectuais, artistas, religiosos e populares decidiram voltar às ruas na próxima semana se o Govêrno Federal não libertar os colegas presos, reabrir o Restaurante do Calabouço, liberar verbas para as Universidades e levantar a censura sôbre as artes.

A manifestação pacífica começou com uma concentração na Cinelândia, que se prolongou até as duas da tarde, quando a marcha saiu em direção à Igreja da Candelária. De lá, após um segundo comício, voltou para o Palácio Tiradentes, contornando pela rua Uruguaiana. De todos os edifícios por onde passaram os manifestantes caía uma chuva de papel picado, enquanto populares acenavam e batiam palmas das janelas.

O líder Wladimir Palmeira, triunfalmente levado à Cinelândia por seus colegas, conduziu tôda a manifestação, pronunciando cinco discursos, nos quais, além de reiterar as reivindicações estudantis, pediu ordem aos colegas e exigiu o restabelecimento do clima de liberdade democrática no País, a defesa dos interêsses nacionais e melhores condições de vida para os trabalhadores.

O Govêrno Federal acompanhou as manifestações, colocando agentes em todos os pontos da cidade e o ministro Gama e Silva, da Justiça, fêz um relatório completo ao presidente Costa e Silva. As autoridades militares manifestavam-se preocupadas com o desenrolar dos acontecimentos, embora reconhecendo que os estudantes marcharam ordeira e disciplinadamente.

Em São Paulo, uma viatura carregada de dinamite explodiu na porta do nôvo QG do II Exército, causando a morte da sentinela. Foi instaurado inquérito, mas até as primeiras horas de hoje o Exército não tinha uma pista segura para determinar a autoria do ato terrorista."

"Desde às 8 horas, com a chegada das primeiras faixas e cartazes, que a manifestação dos estudantes teve início. Vamos narrar o que vimos e ouvimos durante e depois da passeata.

1) A concentração do pessoal, na Praça Floriano, na Cinelândia, bem em frente à Assembléia Legislativa, teve o seu ponto alto no justo momento em que Wladimir Palmeira começou a falar (falou durante muito tempo, sempre apladidissimo).

2) Apesar do mundo de gente, e de ter sido em local sem a mínima cobertura, a voz de Wladimir Palmeira era ouvida por quase todos. O sem timbre é muito forte e sua garganta poderosíssima.

3) Às 13,20 o público começou a se locomover, com destino à Avenida Rio Branco, da altura do Teatro Municipal. A chamada ala dos intelectuais estava à frente. Os jornalistas Antônio Calado e Jânio de Freitas seguravam uma grande faixa, com os dizeres de solidariedade ao movimento estudantil.

4) Chico Buarque de Holanda cumpriu sua promessa: chegou à Cinelândia às 11 horas, tendo sido muito cumprimentado. Chico, Edu Lôbo, Norma Benguel, Odete Lara e outros vinham à frente do pessoal artístico.

5) Quando o grupo atingiu a avenida, esquina da Sete de Setembro, um garôto de 14 anos (fizemos questão de saber seu nome) Rubens Corrêa Magalhães, trepou numa banca de jornal e exclamou: "O Povo Armado Derruba A Ditadura."

6) Uma senhora vestida humildemente, com a cabeça totalmente encoberta por um pano (não era um lenço) , trazia sôbre suas vestes um cartaz, cujos dizeres dispensavam qualquer adjetivação: "Por Deus, soltem meu filho!".

7) Em momento algum se verificou um incidente. Ficou patenteado que não são os jovens que vivem fazendo arruaças, atirando nos outros, matando, enfim...

8) Antes do início da passeata uma garôta de 16 anos de idade chamava a atenção de uma sua amiga para a fala do ministro Tarso Dutra na televisão, no dia anterior: "Ele começou seu lenga-lenga (palavras da môça), dizendo "Senhores e Senhoras". E depois (foi ela quem completou) há gente que não entende o analfabetismo do povo"...

9) Os que presenciaram a passeata de 2 de abril de 1964 (como êste reporter) foram unânimes em afirmar: "a de ontem superou tudo em manifestações públicas. Em número, grau e finalidade, a passeata dos estudantes de ontem ficará para sempre na lembrança de todos".

10) Quando os manifestantes se encontravam na altura da Rua da Assembléia, um helicóptero começou a sobrevoar a avenida. O povo respondia com vaias e exclamava: "Assassinos! Assassinos!".

11) A solidariedade dos populares que se encontravam nos prédios situados por tôda a Avenida Rio Branco, que atiravam papéis picados e batiam palmas para as pessoas a pé, foi também um espetáculo belíssimo, chegou mesmo a emocionar, por ter sido espontâneo.

12) Para se ter uma idéia do número de pessoas presentes, basta se citar um exemplo: às 14h25m, o grupo inicial da passeata se encontrava na avenida, na altura da Rua da Alfândega. Partimos dali com destino à Cinelândia, onde ainda era grande o número de pessoas que se organizavam para ingressar nela.

13) O senador Mário Martins, acompanhado de uma mulher, fêz todo o cortejo. Os dois estavam com uma fisionomia muito carregada. Diversos garotos, todos manifestantes, insistiam em cumprimentar o representante carioca na Câmara Alta.

14) Indagamos de uma senhora de 65 anos de idade o motivo de sua participação naquele movimento. Resposta: "Sou pobre, não posso colocar meus netos em colégio particular, como não pude fazer com os meus filhos. Hoje, o povo resolveu se rebelar, na tentativa de encontrar uma solução para a parte educacional. Deus está nos dando proteção, pois se trata de um movimento pacífico e honesto"."

Tribuna da Imprensa, 27 de junho de 1968

 

AS MANCHETES:

Marcha Do Povo Reune Cem Mil ( Correio da Manhã )

Lição De Maturidade ( Correio da Manhã )

Negrão E Sizeno Satisfeitos Com A Manifestação

100 Mil Pessoas Na Passeata ( O Jornal )

Cem Mil Pessoas Clamaram Por Liberdade ( O Jornal )

Momento Grave ( Jornal do Brasil )

Sem Repressão Há Ordem ( Diário de Notícias )

Todo O Rio Foi À Rua Pedir Liberdade Para Os Estudantes

( Diário de Notícias )

Justiça Viu Subversivos Na Passeata ( Diário de Notícias )

Marcha Pacífica Reúne Mais De Cem Mil Na GB ( Tribuna da Imprensa )

A Marcha Da Paz ( Tribuna da Imprensa )

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50) Sequestro do Embaixador Americano (1969)

"Tôda a Segurança Nacional encontra-se hoje mobilizada a fim de descobrir o paradeiro do embaixador norte-americano Elbrick, seqüestrado por terroristas, ontem à tarde, em Botafogo. Inicialmente os seqüestradores entraram no próprio carro diplomático - que é à prova de bala e não tem maçanetas externas - onde esta a diplomata norte-americano e depois obrigaram-no a passar para a Kombi, já distante do ponto em que efetuaram a captura do embaixador.

Durante a tarde de ontem, à noite e esta madrugada, foi grande a movimentação na Embaixada dos Estados Unidos, pois até então não havia a menor notícia a respeito do paradeiro de Elbrick.

Por sua vez, o governador Negrão de Lima, tão logo teve conhecimento do fato, dirigiu-se ao Ministério do Exército onde se manteve durante algum tempo em conferência com o general Syseno Sarmento, num encontro que teve caráter secreto, nada sendo divulgado. A essa hora já havia sido mobilizado um sistema de segurança nunca antes utilizado, pois dêle participam os Serviços Secretos do Exército, Marinha, Aeronáutica e Serviço Nacional de Informações, o Centro de Informações das três Fôrças, além da Polícia Federal e do DOPS.

No local do seqüestro os terroristas deixaram dois documentos: o primeiro, um manifesto que, segundo afirmam, deveria ser divulgado para conhecimento do País inteiro; o segundo, uma espécie de instrução de resgate, pois os seus autores pretendem que 15 elementos que são partidários seus e que estão presos, deverão ser conduzidos em segurança à Argélia, Chile ou México. Afirmam os seqüestradores que sòmente assim o embaixador Elbrick poderá ser libertado. Caso contrário o representante norte-americano no Brasil "será justiçado"."

Correio da Manhã, 5 de setembro de 1969

"Na tarde de ontem, no Itamarati, os ministros Magalhães Pinto e Gama e Silva revelaram oficialmente que o Govêrno brasileiro aceitava a exigência dos seqüestradores, decidindo soltar todos os quinze presos políticos exigidos para o resgate do embaixador Burke Elbrick.

Os titulares das Relações Exteriores e da Justiça distribuíram nota oficial, afirmando "estarmos decididos a fazer o que estiver a nosso alcance para evitar que se sacrifique mais uma vida humana e sobretudo um representante diplomático". Grande número de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas estava aglomerado no Itamarati, quando os ministros Magalhães Pinto e Gama e Silva anunciaram a solução, depois de reunião, a portas fechadas, que durou três horas.

Dos quinze presos políticos, cuja libertação é o preço do resgate do embaixador dos Estados Unidos, 8 são de São Paulo, 5 da Guanabara, 1 de Pernambuco e outro de Minas Gerais.

São os seguintes os presos a ser colocados em liberdade e transportados para fora do País: Gregório Bezerra, Vladimir Gracindo Soares Palmeira, José Ibraím, João Leonardo Silva Rocha, Ivens Marchetti de Monte Lima, Flávio Aristides Freitas Tavares, Ricardo Villas Boas de Sá Rêgo, Mário Roberto Galhardo Zaconato, Rolando Fratti, Ricardo Zaratini, Onofre Pinto, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Agnaldo Pacheco da Silva, Luiz Gonzaga Travassos da Rosa e José Dirceu de Oliveira e Silva.

Por intermédio da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, o secretário de Estado norte-americano, Sr. William Rogers, enviou mensagem ao chanceler Magalhães Pinto afirmando que, "em meu nome e em nome do govêrno dos Estados Unidos da América, desejo expressar a Vossa Excelência os nossos agradecimentos pelas medidas que Vossa Excelência e o Govêrno brasileiro têm tomado para conseguir a restituição a salvo do embaixador Burke Elbrick".

Dom Umberto Manzzoni, Núncio Apostólico no Brasil, entregou ontem carta ao ministro Magalhães Pinto, manifestando "a profunda satisfação do Corpo Diplomático ao constatar que o Govêrno faz de sua parte todos os esforços possíveis para salvar a vida do ilustre colega, o senhor embaixador dos Estados Unidos.

Permito-me acrescentar que, na vida dos povos, especialmente nos tempos atuais, há casos, como o presente, em que a concessão não é sinal de debilidade, nem acarreta perda do próprios prestígio moral de quem a faz."

O embaixador Elbrick dirigiu, ontem, dois bilhetes à sua espôsa, o primeiro dizendo estar bem e que poderiam ser perigosas tentativas para localizá-lo, e o segundo manifestando sua satisfação por ter o Govêrno brasileiro aceitado as exigências dos seqüestradores, "pois significa que serei libertado tão logo os 15 prisioneiros cheguem ao México". o primeiro bilhete foi encontrado às 12h15min na caixa de donativos da Igreja de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, junto com um manifesto dos raptores, e o segundo numa caixa de sugestões do Mercado Disco, no Leblon.

Revelou-se aos primeiros minutos de hoje que já se encontravam no Aeroporto do Galeão dois aviões preparados para conduzir os presos liberados para o exterior, não se sabendo ainda para qual país seriam levados (México, Chile ou Argélia). Informou-se também que dois dos presos não desejavam deixar o País: Ricardo Villas Boas de Sá Rêgo e Maria Augusta Carneiro Ribeiro, que entretanto seriam transportados de qualquer forma.

O México concedeu asilo aos 15 presos políticos brasileiros, segundo informou ontem à noite a Secretaria de Relações Exteriores. Em Santiago do Chile, porta-voz oficial do ministério d6esse país anunciou, também, a disposição de seu govêrno em conceder o asilo. Chegou-se a informar que alguns dos presos chegariam ainda na noite de ontem a Santiago. Disse o porta-voz que "realmente ignoramos quantos virão, e quem são, mas o asilo é extensivo a todos os que chegarem". (...)"

Correio da Manhã, 6 de setembro de 1969

"A posição do Govêrno diante do seqüestro do Embaixador Charles Elbrick será divulgada hoje em nota oficial redigida pelos Ministros Magalhães Pinto e Gama e Silva. A decisão foi tomada ontem à noite em reunião com a Junta do Govêrno, no Itamarati.

Nessa reunião se resolveu liberar a mensagem deixada pelos seqüestradores, mas nada foi dito sôbre uma das exigências para que o Embaixador dos Estados Unidos seja pôsto em liberdade: a libertação de 15 presos políticos, ainda não nomeados, que devem ser conduzidos ao México, Chile ou Argélia como asilados.

O seqüestro do Sr.Charles Elbrick deu-se depois do almôço, quando o diplomata voltava de sua residência oficial para a sede da Embaixada, no Centro. Quando seu Cadillac prêto dobrou da Rua São Clemente para a Rua Marques, em baixa velocidade, foi fechado por um Volkswagen. Logo três rapazes com revólveres renderam o motorista e o Embaixador, forçando-os a seguir até a Rua Caio Melo Franco, onde uma Kombi já os esperava. Cloroformizado, o Embaixador Charles Elbrick foi mudado de carro, enquanto o motorista, liberado, corria ao telefone mais próximo para comunicar o seqüestro.

Tôda a operação dos seqüestradores, antes e logo depois da abordagem ao Cadillac, foi acompanhada pela Sra. Elba Souto maior, espôsa de um capitão-de-mar-e-guerra. Desconfiada da movimentação, ela telefonara à Delegacia de Furtos de Automóveis dando a placa dos carros; o policial disse que os carros não eram roubados; pouco depois os carros foram usados no seqüestro. E mais tarde confirmou-se que pelo menos uma placa era roubada.

Ainda ontem o Itamarati divulgou nota oficial afirmando que o seqüestro é "um ato de puro e símples terrorismo em detrimento do prestígio internacional do Brasil." Nos Estados Unidos, o Presidente Richard Nixon convocou o Secretário de Estado, William Rogers, para uma conferência, assim que foi informado do seqüestro do Embaixador Charles Burke Elbrick."

"O Embaixador Elbrick dispensou pessoalmente há cêrca de duas semanas a proteção especial que recebia de agentes da Secretaria de Segurança, alegando que estava há pouco tempo no Brasil e era pouco conhecido.

Apesar de a Embaixada americana ter seu próprio corpo de segurança, a segurança pessoal do Embaixador era feita também com a colaboração de agentes estaduais, até que êle mesmo solicitasse a sua desmobilização. O Sr. Elbrick, segundo funcionários da Embaixada, gostava de andar sozinho, principalmente quando saía pelo centro da cidade para ir ao barbeiro ou fazer compras.

Tôda a polícia carioca foi colocada de sobreaviso ontem a noite, por ordem expressa do Secretário de Segurança, General Luís de França Oliveira, através de telex enviado a todos os órgãos policiais que se mantém mobilizados intensamente na busca dos seqüestradores do Embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

Ao mesmo tempo, o Secretário de Segurança determinou a mobilização dos 50 integrantes do Grupo Especial de Operações, recentemente criado, para se integrar nas investigações e busca dos raptores em cooperação com as autoridades militares. Paralelamente, tôdas as radiopatrulhas e o Departamento Motorizado da Secretaria recebeu instruções para informar ao comando policial qualquer informação que possa levar à prisão dos seqüestradores.

O General Luís de França Oliveira não quis comentar o rapto do Embaixador Charles Elbrick, afirmando apenas que o caso estava mais no âmbito policial, e que todo o organismo policial do Estado sôb o seu contrôle, estava mobilizado para a busca.

Por medida de segurança, 15 presos políticos que estavam no DOPS foram removidos ontem à noite para a Polícia do Exército. Policiais da Secretaria de Segurança acreditavam que os seqüestradores tivessem se dirigido para São Paulo.

Tôdas as barreiras entre a Guanabara e o Estado do Rio estão guardadas por policiais armados, conforme determinação dada pelo diretor-geral do Departamento da Polícia Federal.

Mais de 4200 homens, em todo o país, e cêrca de 450 apenas na Guanabara, com 120 viaturas mobilizadas e em permanente contato pelo rádio - cuja estação receptora está no 4o andar do prédio 70 da Rua da Assembléia - foram mobilizados poucos minutos depois que a Polícia Federal recebeu a comunicação do seqüestro do Embaixador Burke Elbrick, logo após às 15 horas. (...)"

Jornal do Brasil, 5 de setembro de 1969

 

"O Chanceler Magalhães Pinto caracterizou como "inominável atentado" o seqüestro do Embaixador dos Estados Unidos e, em nome do povo brasileiro e do Govêrno do Brasil, manifestou a repulsa do País a êsse "ato de puro e símples terrorismo".

Todos os dispositivos de segurança estavam, ontem, mobilizados para deter os subversivos que, à tarde, seqüestraram o Sr. Charles Burke Elbrick, deixando no local da investida dois documentos: um de crítica ao Govêrno e outro fazendo descabidas e insultosas exigências, como a de libertação e da divulgação de um manifesto nitidamente subversivo. A partir das 21 horas, realizava-se, no Itamarati, uma reunião com a presença dos Ministros Augusto Rademaker, Lira Tavares, Sousa Melo, Magalhães Pinto e Gama e Silva, presentes ainda os Generais Siseno Sarmento e Jaime Portela.

O Presidente Nixon, em sua residência de verão, já tomou conhecimento do atentado e recebeu do Govêrno brasileiro a informação de que tudo está sendo feito para localizar o Sr. Elbrick e punir os criminosos."

"Às 13h50min de ontem. o Embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick saía, no Cadillac CD-23, da residência oficial, na Rua Sào Clemente, 288. Logo depois de passar pelo Largo dos Leões, o carro foi interceptado pelos ocupantes de dois automóveis Volkswagen - SP 40-05-61 e ES 96-35-8. Os homens, armados de metralhadoras, ordenaram ao motorista Custódio Abel da Silva que se dirigisse a uma ladeira nas proximidades. O Embaixador foi transferido para a Kombi ES 9-51-58, sendo liberado o motorista, depois de retirado o rádio e a chave de ignição do carro diplomático. Abel, mais tarde, declarou que os bandidos usaram narcóticos. Outro detalhe: um homem viu, da janela de sua casa, os primeiros lances do seqüestro. Não pôde impedi-lo.

O Cadillac CD-23 foi interceptado justamente quando atingia a Rua Marques. Os ocupantes dos dois carros entraram no automóvel de diplomata e, imediatamente, arrancaram o rádio, ordenando ao motorista que dirigisse o veículo a um dos morros vizinhos, onde já se encontrava estacionada a Kombi. Após terem retirado a chave do carro, transferiram o Embaixador Charles Elbrick para a Kombi, partindo para lugar ignorado.

O motorista Custódio Abel da Silva, depois de descer o morro a pé, telefonou para a Embaixada dos EUA, relatando a ocorrência.

Um dos automóveis utilizados para interceptar o carro do diplomata foi localizado, pela RP 8-192, estacionado na Rua Ministro João Alberto, 191. Em seu interior foi encontrado um objeto estranho, levado para exame pericial.

No carro da Embaixada, foram deixados dois documentos. O primeiro é um manifesto de crítica ao Govêrno brasileiro. O outro é simplesmente uma exigência de que o manifesto subversivo fosse entregue a um dos Ministros militares e fosse lido por autoridades constituídas, em tôdas as rádios brasileiras. Davam um prazo de 24 horas para a libertação de 15 presos políticos, cuja relação seria enviada posteriormente, para que fôssem entregues, pelo govêrno, nas Embaixadas do Chile, México e Argélia. Ameaçaram não libertar o diplomata a não ser que todos esses itens fôssem atendidos.

Todo o dispositivo de segurança entrou imediatamente em ação. Além das autoridades estaduais, foram mobilizados a Polícia Federal e até o Corpo de Bombeiro. Foi expedida ordem para fechamento das barreiras com adoção de contrôle do máximo rigor.

O Chanceler Magalhães Pinto, acompanhado do General Siseno Sarmento e do Chefe da Casa Militar do Palácio Guanabara, Coronel Alcir Miranda, estêve no Laranjeiras e dirigiu-se, a seguir, à Embaixada dos Estados Unidos.

O motorista Abel da Silveira foi levado à Secretaria de Segurança e, depois de prestar declarações, foi encaminhado aos arquivos do DOPS, na tentativa de se conhecer, entre as fotos de subversivos, os autores do seqüestro. Abel chegou a declarar que, pelo jeito, os bandidos usaram narcótico, durante a operação.

Mais tarde o motorista foi levado ao I Exército. Êle trabalha na Embaixada há cinco anos e foi, por sua conduta exemplar, escolhido para as funções de motorista do Sr.Charles Elbrick."

Diário de Notícias, 5 de setembro de 1969

 

"O govêrno brasileiro, em comunicado dado à divulgação às 13h30min de ontem, pelo chanceler Magalhães Pinto, concordou com a transferência para o exterior, dos 15 presos políticos, cuja libertação foi exigida pelos seqüestradores do embaixador Charles Burke Elbrick.

Cêrca de duas horas antes, um telefonema anônimo comunicara que numa das caixas de esmolas da Igreja de Nossa Senhora da Glória existia um bilhete do próprio punho do embaixador à sua espôsa, bem como um manifesto às autoridades.

Realmente, tais documentos foram encontrados no lugar indicado e levados a quem de direito, sucedendo-se logo uma reunião de cúpula, no decorrer da qual ficou acertado que seriam aceitas as condições impostas pelos seqüestradores.

Enquanto desde a véspera todo o dispositivo de segurança do Estado da Guanabara era movimentado no sentido de se conseguir uma pista que levasse aos autores do seqüestro, com participação do Departamento de Polícia Federal e, já na manhã de ontem, com o concurso de agentes do FBI, era dado um aviso por parte dos seqüestradores a respeito da caixa de esmolas da Igreja de Nossa Senhora da Glória.

Constatou-se a veracidade da informação e, no bilhete, do próprio punho do embaixador Charles Burke Elbrick, êle avisava à sua espôsa de que estava fisicamente bem, esperando que sua libertação não demorasse muito, para poder vê-la em breve. Dizia ainda estar tentando não ficar preocupado e que as autoridades deviam tentar localizá-lo, para evitar mal maior, já que o pessoal que o havia seqüestrado era verdadeiramente decidido.

No manifesto encontrado junto, os elementos da ALN referiam-se ao bilhete e exigiam que as autoridades suspendessem as diligências no sentido de localizá-los., bem como o pronunciar-se publicamente até às 14h50min, concordando com a libertação de 15 prisioneiros, cujos nomes oportunamente fariam chegar ao seu conhecimento. Só depois que as agências noticiosas informassem que os 15 elementos já se encontravam em plena segurança no estrangeiro, é que se procederia à libertação do embaixador, mantido como refém.

Cientificado o fato às autoridades superiores, antes da hora marcada, 14h50min, o chanceler Magalhães Pinto fêz de público a seguinte comunicação:

"São do conhecimento público as circunstâncias ligadas ao seqüestro do embaixador dos Estados Unidos da América, Sr. C. Burke Elbrick, por terroristas empenhados na subversão da ordem pública nacional.

Em manifesto lançado na ocasião do delito, os terroristas exigem, sob ameaça de matar o embaixador Elbrick, que o govêrno faça divulgar na íntegra aquêle manifesto e envie para o exterior 15 indivíduos atualmente detidos por atividade subversiva.

Convencido de interpretar com fidelidade os sentimentos profundos e autênticos do povo brasileiro, o govêrno decidiu fazer o que está a seu alcance para evitar que se sacrifique mais uma vida humana, sobretudo quando se trata da pessoa de um representante diplomático, ao qual o Estado brasileiro, tradicionalmente hospitaleiro, deve proteção especial.

O govêrno já autorizou a divulgação do manifesto e determinará a transferência para o exterior dos 15 detidos cujos nomes lhe forem indicados.

Dêsse modo, recairá totalmente sôbre os seqüestradores a responsabilidade por qualquer dano à incolunidade da pessoa do embaixador C. Burke Elbrick." (...)"

Luta Democrática, 6 de setembro de 1969

 

"Com desembarque previsto para as 14 horas (hora do Rio), chegam hoje ao México os 15 asilados cuja libertação foi exigida pelos terroristas que seqüestraram o embaixador norte-americano Burke Elbrick. O embarque no Rio, a que não tiveram acesso os reporteres, foi precedido de forte dispositivo de segurança, até que o Hércules da FAB, prefixo 2456, levantou vôo às 17,10, com destino a Recife, onde deveria recolher o ex-deputado Gregório Bezerra. O Itamarati viveu ontem outro dia de intenso nervosismo, que atingiu climax quando o chanceler Magalhães Pinto foi informado de que, contràriamente ao que êle já havia anunciado à imprensa, o avião ainda nào levantara vôo, por "motivos técnicos". O Departamento de Estado dos EUA confessou-se preocupado pela possibilidade do seqüesto provocar uma onda de atentados similares no mundo."

"Com chegada prevista para às 17 horas (14 horas do Rio) desembarcam hoje no México os 15 ex-prisioneiros cuja liberdade foi exigida pelos terroristas que seqüestraram o embaixador norte-americano Burke Elbrick.

Às 17h05m o "Hércules" C-130.2456 da Força Aérea Brasileira decolou rumo ao México do Aeroporto Militar do Galeão levando em seu interior os prisioneiros políticos exigidos pelos seqüestradores para libertarem o embaixador norte-americano Burke Elbrick.

Soldados da Aeronáutica exerceram severa vigilância não permitindo a penetração da imprensa. Os presos foram conduzidos para o Aeroporto Militar de helicópteros e carros blindados da radiopatrulha. Ricardo Villas Bôas Sá Rêgo foi o primeiro a chegar."

"A imprensa manteve-se durante a manhà de ontem em constante expectativa esperando a chegada dos prisioneiros ao Galeão. Às 12,02 horas Ricardo Villas Bôas Sá Rêgo conduzido por policiais do DOPS e Secretaria de Segurança Pública chegou ao local de embarque. Os carros de rádiopatrulha entraram pela pista comercial e ali permaneceram durante alguns minutos.

Uma ordem dada fez com que o prisioneiro fosse transportado imediatamente para a Base Aérea. Ali a imprensa não penetrou ficando há cêrca de 1.200 metros dos aviões parados na pista de pouso. Dois aviões da Força Aérea Americana estavam sendo abastecidos.

Às 12h25 minutos informava-se ter sido determinado o abastecimento do avião da FAB que levaria os prêsos para o México. A movimentação na Base Aérea do Galeão continuou e os repórteres permaneciam na sacada do Aeroporto Internacional utilizando teleobjetivas possantes.

Mais três carros da radiopatrulha chegavam às 12,28 horas dêles desembarcando algumas pessoas. Dez minutos depois um helicóptero pousava na pista da Base Aérea e segundo as informações teria conduzido o jornalista Flavio Tavares.

A movimentação de veículos policiais foi intensa. Novas viaturas chegavam, mas, em virtude da distância em que estavam os repórteres não foi possível identificar ninguém. Dois "Hércules" permaneciam parados e já estavam abastecidos. Soldados da Aeronáutica guarneciam tôda a área adjacente. (...)

Às 16,35 horas pousava junto ao avião "Hércules" um helicóptero. Dêle desceram, segundo apurou-se, quatro pessoas, uma das quais foi embarcada no avião. A partir daí os carros que ainda permaneciam na pista foram se retirando gradativamente.

Precisamente às 16,46 horas a primeira hélice da asa direita do "Hercules" começou a girar. Seguiram-se as outras e logo depois o avião acionava todos os motores. Permaneceu parado durante 2 minutos e às 16,52 horas dirigiu-se à cabeçeira da pista, decolando às 17,05 horas."

"Foi encontrada na escultura localizada em frente ao edifício da revista "Manchete", na Praia do Russel, nova mensagem do embaixador norte-americano e de seus seqüestradores. São os seguintes os textos:

"Nota da Ação Libertadora Nacional e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro -

Tomamos conhecimento das declarações do Chanceler Magalhães Pinto segundo as quais nossos 15 companheiros partiram para o México. Solicitamos às emissoras de rádio que confirmem no Ministério das Relações Exteriores e na Embaixada do México se os que partiram são os constantes na lista já divulgada. Aguardamos, como nos comprometemos, apenas a confirmação da chegada através das agências internacionais para liberar o embaixador dos Estados Unidos, que envia sua mensagem final até o momento de reencontrar a família.

Rio, 6/9/69 - ALN - MR8"

 

A nota dos raptores está acompanhada da seguinte carta do embaixador Burke, à sua espôsa, escrita em inglês:

"Estou bem ansioso para vê-la brevemente. Li nos jornais de hoje que você recebeu minhas duas cartas de ontem e fui informado pelos que me prendem, que êles estão esperando confirmação do Govêrno brasileiro e da Embaixada mexicana sôbre o nome dos 15 presos, que foram libertados e que estão agora presumivelmente a caminho do México. Espero que receba uma confirmação para que eu possa ser libertado a qualquer momento, amanhã. Com todo o meu amor, Burke."

"Falando, cêrca das 22,30 horas de ontem, o Chanceler Magalhães Pinto confirmou que treze elementos subversivos, libertados no Rio, já haviam partido com destino ao México, além de um de Recife, devendo o outro ser apanhado em Belém.

A declaração do Ministro constituiu uma resposta a nova mensagem dos raptores do Embaixador Burke Elbrick ao Govêrno que reclamavam esclarecimentos sôbre o embarque. As palavras do Sr. Magalhães Pinto foram préviamente gravadas e em seguida, irradiadas para conhecimento dos terroristas."

O Jornal, 7 de setembro de 1969

 

"77 horas e 55 minutos depois de haver sido seqüestrado, o Embaixador norte-americano Charles B. Elbrick regressou ontem a sua residência oficial, num táxi, apanhando inteiramente de surprêsa a Embaixada, sua família e os jornalistas de plantão na Rua São Clemente. Fôra abandonado momentos antes próximo ao Largo da Segunda-Feira, na Tijuca.

Tão logo as autoridades tomaram conhecimento do regresso do diplomata, foi desencadeada uma vasta operação de cêrco, na tentativa de localizar os seqüestradores. Tôdas as barreiras nas estradas foram fechadas e a Polícia passou a investigar.

O Embaixador, ao regressar, trajava terno cinza escuro, camisa azul clara, sem gravata, e apresentava um ferimento na testa, produzido por uma coronhada. Segundo seu relato, foi a única violência física dos seqüestradores, que o trataram "muito bem". Eram todos jovens, segundo disse, e não usavam disfarces."

"Às últimas horas da noite de ontem, o Secretário de Imprensa da Presidência da República, Sr. Carlos Chagas, informou sôbre o teor de uma carta em que o Presidente Richard Nixon agradece ao Presidente Costa e Silva e aos três Ministros militares no exercício do govêrno os esforços desenvolvidos para a libertação do diplomata: "Desejo expressar - diz a carta - a minha mais profunda gratidão, e a de meu govêrno, pelos bem sucedidos esforços a fim de assegurar a liberação do Embaixador Elbrick. Estou plenamente ciente da complexidade da tarefa e das difíceis decisões adotadas."

"Os quinze prisioneiros libertados pelo govêrno brasileiro em troca da devolução do Embaixador chegaram ao México ontem à tarde e foram encaminhados a um hotel."

"Num táxi Volkswagen, placa GB 5-11-43, o Embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick regressou à sua residência às 19h45m de ontem, exatamente 78 horas e 55 minutos depois de haver sido seqüestrado próximo à Rua São Clemente.

Cercado imediatamente pelos reporteres e fotógrafos de plantão, o Sr. Elbrick entrou imediatamente em sua casa, onde falou com a esp6osa. Quinze minutos mais tarde pelo telefone, fêz um relato completo ao Presidente Nixon, a quem disse que "felizmente acabou tudo bem".

Logo em seguida, ainda pelo telefone, foi cumprimentado pelo Ministro Magalhães Pinto, que a seguir mandou à Rua São Clemente o Secretário Geral do Itamarati, Embaixador Gurgel Valente. Em todos os relatos, disse o Embaixador que não foi cloriformizado, como se anunciara. Recebeu uma coronhada na cabeça, que sangrou um pouco.

- Mas a partir daí fui muito bem tratado. Êles até me deram charutos e lavaram minha camisa.

Revelou ainda o Embaixador que durante todo o tempo em que permaneceu seqüestrado foi mantido num quarto pequeno, com pouca luz. E tanto no trajeto de ida para esse refúgio, como quando de lá foi retirado mantiveram-no de olhos vendados. Por isso, não pode precisar onde estêve.

As primeiras palavras do Embaixador, ao chegar à sua residência, foram estas:

- Sinto-me feliz por estar de volta. Alegra-me que meus captores tenham mantido a palavra, deixando-me partir. Estou muito grato ao Govêrno brasileiro por haver tomado tôdas as medidas necessárias para levar a cabo minha libertação.

O Sr. Elbrick foi deixado pelos seqüestradores em frente ao número 40 da Rua Eduardo Ramos, próximo à Rua Conde de Bonfim e Largo da Segunda-Feira, na Tijuca. Recebeu ordens para aguardar quinze minutos, mas aproveitou a passagem do táxi para voltar à sua residência. O motorista José Mateus de Sousa, que o recolheu imediatamente, perguntou-lhe se não era o Embaixador norte-americano. E acrescentou:

- Pobrezinho... (...)"

"A notícia da libertação do Embaixador Burke Elbrick foi recebida na sede da Embaixada por volta das 20 horas. O Encarregado de Negócios, Sr. William Belton, e o Conselheiro John Mowinckel, tomaram imediatamente o carro placa CD-818 e seguiram para a residência do Embaixador, na Rua São Clemente.

Dez minutos depois, um funcionário do Setor de Informações transmitia aos jornalistas as primeiras declarações do Embaixador Burke e sua explicação para o ferimento que mostrava no lado direito da testa:

- Êles não tinham a intenção de me fazer mal algum, mas eu ignorava isto e por êste motivo resisti quando me disseram para fechar os olhos enquanto me transferiram para outro carro. Eu não estava disposto a fechar meus olhos para ninguém naquele momento.

O Embaixador resistiu e tentou afastar as armas apontadas para êle e nesse momento foi fortemente atingido. (...)"

Última Hora, 8 de setembro de 1969

 

AS MANCHETES:

Govêrno Faz Mobilização Geral Para Salvar Embaixador Dos EUA

( Correio da Manhã )

Govêrno Libera Presos Políticos E Preserva Vida Do Embaixador

( Correio da Manhã )

Govêrno Fixa Hoje Sua Posição Sôbre O Seqüestro ( Jornal do Brasil )

Elbrick Dispensara Segurança Pessoal Oferecida Pelo Estado Há Duas Semanas ( Jornal do Brasil )

Seqüestro De Embaixador É Inominável: País Revoltado ( Diário de Notícias )

Govêrno Salva Vida Do Embaixador - Terroristas Atendidos - Tudo Agora Depende Dos Raptores ( Luta Democrática )

Só Falta Agora A Volta De Elbrick - Asilados Hoje À Tarde No México

( O Jornal )

Raptores Só Aguardam Chegada Dos 15 Presos ( O Jornal )

Embaixador Salvo E Terror Cercado ( Última Hora )

Nixon Grato ( Última Hora )

Por Que Êle Foi Ferido ( Última Hora )

 

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OS 62 JORNAIS CONSULTADOS:

O BALUARTE - A BATALHA - BOA NOITE - O BRASIL - O CARBONÁRIO - O COMBATE A CRÍTICA - CIDADE DO RIO - CORREIO DA MANHÃ - CORREIO DA NOITE - CORREIO DA TARDE - CORREIO DO POVO - O DEMOCRATA - O DIA - O DIARIO - DIÁRIO CARIOCA - DIÁRIO DA NOITE - DIÁRIO DE NOTÍCIAS I - DIÁRIO DE NOTÍCIAS II - DIÁRIO DO COMMÉRCIO - DIÁRIO DO POVO - DIÁRIO DO RIO - A ESQUERDA - FOLHA CARIOCA - FOLHA DA TARDE - FOLHA DO DIA - GAZETA DA TARDE - GAZETA DE NOTÍCIAS - O GLOBO - O IMPARCIAL - A IMPRENSA - IMPRENSA POPULAR - O JORNAL - JORNAL DO BRASIL - JORNAL DO COMMÉRCIO - JORNAL DOS SPORTS - LUTA DEMOCRÁTICA - A MANHÃ - A MARCHA - A NAÇÃO I - A NAÇÃO II - A NOITE - A NOTÍCIA - NOVIDADES - O PAIZ - A PÁTRIA - O RADICAL - A RAZÃO - A REPÚBLICA - REPÚBLICA BRAZILEIRA - RIO JORNAL - RESISTÊNCIA - A RUA - RUA DO OUVIDOR - O SÉCULO - O TEMPO - A TRIBUNA - TRIBUNA DA IMPRENSA - ÚLTIMA HORA - A UNIÃO - O UNIVERSO - VIDA FLUMINENSE

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Dezembro - 1999

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