COM O PE ESQUERDO NAS TERRAS SANTAS DE ANGOLA



COM O PÉ ESQUERDO NAS TERRAS SANTAS DO NORTE DE ANGOLA

PESQUISAS

DE

NSIMBA JOANI DIAS

Introdução

Este texto é uma análise sociológica do que se viveu e que se vive ainda hoje. Um estudo investigativo feito junto a população do Béu, Kuilo e Sacadika que ainda nas suas respeitivas zonas vivem mas também daqueles que se deslocaram a capital. O Autor preferiu expor este resultado na forma narrativa com um carácter socio-histórico. Nele evoca-se pontos críticos como gritos de desesperança e chamada por uma assistência.

Diz-se numa expressão africana “Quando morre uma criança, rasga-se uma folha do futuro da nação mas quando morre um velho é uma folha do diccionário que se queima” E áqui morrem crianças e velhos como se fosse numa competição, deixando a familia enlutada aos choros alheios de passantes que não compartilham esta dor preferindo criticar, insultar e chamar outros nomes feios do diccionário tribalista do quotidiano angolano.

Angola é nossa, mas voluntàriamente ignoram-se certas zonas angolanas assim como o seu povo é desconsiderado quando como parte de tudo pertence ao espaço e tempo geopolítico que formam Angola, país de futuro certo. Considera-se por áqui qualidades de cidadãos em graus conforme os recursos de cada zona ou de acordo a aproximação histórica de um povo a este ou aquele partido?

Neste trabalho procura-se responder se realmente a marcha dos povos do Béu, Kuilo e Sacadika começou-se com o pé esquerdo. Aqui se vê que o progresso de Angola é inevitável mas pergunta-se ele será nacional ou somente as zonas previlegiadas! Este é o desenrolo duma corrida que parte desde 1975 até começa-se falar das eleições livres e democráticas.

Barralha durante a independência

Circulava-se, em forma de múrmuros, numa tradição de boca para boca a notícia sobre a breve independência de Angola. Os poucos assimiladas da terra se escondiam sob uma máscara com um silêncio desconfiador. Os amigos portugueses, comerciantes como militares também com olhadas silenciosas se enrolavam num incognito comportamento que ninguém podia na altura advinhar. Os autóctonos que tinham radios foram negados o direito de comprar pilhas. Portanto a mudança física era tão notável que mesmo cegos podiam descrever. Houve um fluxo de nossos filhos que regressavam da cidade de Carmona ou talvez de Luanda. Alguns comerciantes brancos sumiram e certas lojas fecharam eternamente suas portas. As idas e voltas de tropas coloniais diminuiram nos corredores das pequenas cidades das terras santas do norte de Angola. O sururu sobre a breve independência vinha soprando desde os ventos da radio congolesa. Mesmo a atmosfera do universo mudou de cor e tonalidade, onde a mistura chímica de prazer e tristeza se confundia.

Oficialmente não se informou ao povo o que realmente se passa ou que se preve mas as movimentações escondiam algo doce. Este algo especial era só especulativa? ou simplesmente fofocativa? Que o tempo definirá a lição mas que o povo tenha paciência pois “dia não mata dias”, diz-se por aí fora.

Ao amanhecer de um dia tranquilo, os sobas foram surprendidos quando carros da administração passavam para recolher todas as bandeiras verdes de orgulho-português que flutuavam o espaço aéreo de todos os kimbos desafiando a lei física da natureza. O sinal foi apercebido e a festa vai começando. O efetivo militar começou a emagrecer e o contigente de civil brancos entrofiou-se sem pressões. Contrariamente o vulto de filhos mercenários, civis como militares vai duplicando-se diáriamente até quando um dia começaram misteriosamente desfilar ruidos estranhos rompendo os ares e que com o tempo se familiarizaram na audição do povo. Não eram ruidos mas apenasmente vrombissos de grandes mercêdes que vinham do Congo transportando nossos filhos, netos, primos e sobrinhos que lá refugiram, nasceram ou cresceram.

Pouco depois começou-se a verrificar uma presença de soldados novos a encher vázios nos quarteis da poderosa tropa colonial. Chegaram os irmãos da FNLA e mais tarde com o tempo apareceram manos da UNITA e finalmente camaradas do MPLA. Festejou-se a nova era que vai brevemente iniciar depois de 500 anos de mbalamatodi.

Permutações no palco político

Conheceu-se finalmente uma FNLA com políticos vaidosos e uma tropa bruta que desconhecia o respeito pelo povo. Mesmo os que no nosso seio cresceram, optaram por uma vida agressiva, cheia de ameaços. Já ninguém conhecia ninguém e a esperança do povo começou afastar-se devagarosamente sem deixar nenhuma penumbra da mesma forma que veio mas desta vez com um silêncio até áqui desconhecido.

Tal como os portugueses desapareceram a cara destes povos, a ELNA se retirou deixando o lugar para as gloriosas FAPLAs. Nos primeiros dias estes eram santos que aceitariam de levar as costas qualquer criança que chora a ausência da sua mãe. Com o tempo a bondade destes foi sumindo e vimos este santos metamorfoseando-se em pugilistas. O surgimento da guerra fez com que as FAPLAs abandonassem essas terras sem confrontar as forças da Unita que viriam substituir-lhes. As forças da Unita vieram com manias que não comem porcos quando ainda de hora a hora assaltavam cabritos nos currais até finalisar com porcos dos povitos. Esta força preferiu isolar-se do povo, arracando a força seus bens, incorporando a força seus filhos e as filhas foram casadas sem consentimentos de ninguém. O povo assiste a uma cobardia não conhecida, a independência tem um cheiro amargurado quando outros sonham sem qualquer processo numa quarta força inexistente. As terras santas tornaram-se pulgatórias para o seu povo.

Chamam-se terras santas do norte porque nunca conheceram guerras. Embora que na história destes povos fala-se das lutas de Nselele[1] e Jaime Macumba[2]. Este povo só conheceu a paz desde a contribuição do padre Mariano[3] e de alguns filhos como os professores Dukulo e António Quiala, Francisco etc.

Nos últimos minutos da sua suja governação, A FNLA que tinha recuada das zonas quentes sub fogo das Faplas veio massivamente aglomerar-se no Béu. Os comissários locais desta tinham uma macabre estrategia de destruir a ponte do rio Nzadi; única via que liga a sede municipal de Maquela do Zombo as comunas de Béu, Kuilo e Sacadika. Isto só para não permitir a rápida chegada das Faplas. Béu era superlotado com esta presença exagerada de tropa do Elna, confusa pela derrota político-militar mas drogada com a vontade de sucesso. Sucesso este que já se encontrava no canto da impossibilidade destes perdidos. Um estado maior militar foi articulado cujo, junto com dirigentes políticos concluiram declarar o Béu como última bastião da resistência militar da Fnla com o objetivo puramente maluco de progredir até tudo recuparar as Faplas. Nas balcões do Béu via-se militares nervosos até diabólicamente doidos, armados ligeiramente até aos dentes e prontos para morder qualquer passageiro deste comboio em desbando. Entretanto o desesperado povo refugiou-se as casas até mabasis rezando ao Senhor. Essa força estranha sem logística e contacto externo lá ficou dia apos dias e começou a sentir aproximar-se a fome. Então, uma destas tardes um chamado comandante Sebastião [4] decidiu tomar a última decisão da resistência contra toda a comandatura que se montara no Béu. “Não pode haver resistência áqui no Béu, será suicidário para este povo” surpendeu o restante de comandantes. “Por cima não temos bases logísticas e nem comunicação temos, como enfrentaremos as forças cubanas com muana-caxitos? Tudo terminou-se por áqui ficando ainda uma última possibilidade....sabotar as lojas! Assim se fez começando pela loja do Francisco[5]

As sedes comunais de Béu, Kuilo e Sacadika sofreram até aos osos a sabotagem de todo o seu fraco tecido económico e infrastructuras no mesmo dia. Foi pior de que uma guerra para este povo que até áqui desconhecia o cheiro duma guerra. Nas picadas desfilavam a velocidade supersónica carros cheios de produtos e materiais roubados por áqui, alí e aí. Outra parte da mercadoria foi no mesmo dia carregada ao Congo. Tudo foi partido, quebrado ou rebentado: escolas, lojas, hospitais, casas de colonos e comerciantes angolanos. Levaram portas, janelas, pias, camas, até simples blocos, papeis, madeiras sob a música desordenada das armas. Muitas armas foram abandonadas nas ruas onde qualquer elemento podia obter-las gratuitamente. Com o tempo o silêncio reinou totalmente nas pequenas cidades onde podia se ouvir o barrulhozito duma agulha a cair mesmo nas areias. Os poucos atrevidos que numas tentativas atraversavam essas vilas eram amedrontados pelos ecos dos seus pés porque lá dominava um silêncio do mundo de mortos.

Os criminosos estrategas da Fnla que com um simples boum de dinamites partiram a ponte acabaram por ser estacionados na comarca do Uige. Tempos passaram, governos e forças militares sucediam-se nesta zona. O povo viu o que podia ver: bons, maus, massacres, assassinos, raptos e diferentes crimes mas ninguém resolvia a questão da fome embora o use de bom portugues e de promessas absurdas da demagogia angolana que seja ela da FNLA, UNITA ou do MPLA.

Um povo frustrado

As aventuras militares que se realizaram no podium do Béu-Kuilo-Sacadika deixaram um povo indiferente que sem ajuda talvez deste Deus a quem sempre confiou não sairia do abismo que a montada história de Angola infligiou-lo.

Fala-se hoje da paz, talvez da democracia e de todas terminologias bonitas que não oferece de comer nem de beber para não pensar no vestir. No Béu, Kuilo e Sacadika vive-se uma situação indefinida e sem esperança. Já não se tem no vocabulário deste povo a palavra governo e muito menos o sentido e significado da independência. Essas terras foram sempre autosuficientes, que dependiam do negócio colonial só nos produtos secundários como açúcar, oléo, sal e sabão. Esta independência matou tudo que lá se praticava.

Chegou a nova moda imposta pelas guerras, o êxodo rural. Ouvia-se falar de Luanda mas chegar a Luanda era um sonho irealisável para muitos. Luanda é uma bonita cidade para alguns, tem conotação com o oceano para outros. Luanda terra de badinzinzis para certos. Luanda é fonte de boa vida para uns.

Olhe que a vida nas aldeias perdeu o seu sentido. O povo não pode trabalhar já que as matas são todas poluidas com minas. Estas matas que simbolizavam fábricas ou campo de produção tornaram-se perigosas. As matas eram as catanas, enxadas, gingubas, milhos talvez café, umas caçadas ou pescadas, talvez um instrumento mágico que oferece o pão de cada dia mas são hoje desérticas e proibidas!

Uma vez em Luanda os jovens metem-se a vender torta-direita nas ruas da cidade. As nossas lindas filhas ou irmãs são forçadas a prostituir. Nenhum desempregado se adapta nesta nova vida numa cidade materialista, onde o custo da vida é altíssimo embora tem-se sobrevivendo. Muitos dos melhores estudantes povianos estão a desenrascar a vida muanangambiando no processo 500. Os velhos são ultrapassados pelos eventos que diáriamente desfilam diante dos seus olhos. Perderam o poder e sabedoria e são hoje dependentes e observadores de um film desinteressante que não gostariam de assistir. Vivem uns aos outros nos lugares separados sem possibilidades de fazer outros amigos e fofocar nas kibangas sobre suas políticas do mato. Com luxuosos hammers que agitam as estreitas ruas de Luanda, tem eles muitas chances de apanhar ataques cardiácos e outras enfermidades suspiciosas destas cidades tecnológicas.

Agora sente-se a importância da independência pessoal. Velhos que tinham suas cubatas hoje dormem nos corredores de prédios da capital, em casa de genros. Eles são obrigados a dormir tarde e acordar cedo devido a situação social da familia e por cima são pertubados pelos constantes sons das campainhas ou aparelhos telefónicos. Já não trabalham porque são tão idosos e nem outra profissão tem, enquanto nas bualas trabalhavam até a última hora da vida. Ainda por cima são ameaçados de serem bruxos. Não podem sair porque não dominam a géografia da capital onde são ameaçados de parar na lista de “procura de paradeiro” ou mesmo no mortuário. Não comem a vontade porque dependem a alguém e não dominam o fogão de gaz a moda luandesa. Este ou aquele velho tinha uma, duas, três mesmo sete esposas hoje morrem assexualidades e sem posição hierarquíca na familia. Bem ainda que cada esposa representava no kimbo um prato de funge na hora de jantar e algumas grinhotecas nas horas perdidas. Nunca habituaram aos barulhos de carros, músicas e outras fontes domésticas para além de pássaros. Velhos estão a morrer cedo nesta capital e ninguém pensam nisto! Ainda são enterrados nos lugares onde seus restos não ficarão eternamente, com o risco de ver seus ossos a venda numa praça nigeriana ou queimados nas padarias de...Eles vão morrendo tristes e com a tristeza vão acusando Angola aos antepassados.

Familias estão ensardinhadas nos prédios de Luanda onde morrem sufocadas por falta de espaço de manobras. Outras estão enlatadas nos bidonvilles a volta de Luanda onde morrem traumatisadas por faltas de condições, liberdade e paz. Quantas esperem por uma ajuda e desejam voluntàriamente voltar as suas lavras, cubatas e seus espaços onde não serão prisoneiros do sistema.

Conclusão

Luanda, sendo a capital de toda a nação deve ter capacidades e condições de hospedar momentaneamente todo cidadão angolano mas uma capital é mais necessário para aqueles com uma responsabilidade professional que produz ou em via de produzir, seja ela a longo ou curto prazo, nos sectores indireitos da produção. A decentralização da economia é decisiva para um balanço populacional, como a mão de obra produtiva. A abolição ou a diminuição do desequilibro socio-económico entre a cidade e o campo deve partir na reconstrução das aldeias, sobretudo a recuperação e modernização das estradas. É nas aldeias onde se encontrem familias com altos valores morais. A aldeia é a base da nossa cultura e agricultura, é a fonte duma expressão idiomática com autênticos valores linguísticos puramente angolanos. Lá encontram-se vastos terrenos onde os corpos sem vidas podem eternamente repousar sem sofrer qualquer acção vandalista. É nas aldeias onde se encontrem soluções para vários problemas que a capital confronta-se sem trégua.

Procuro eu saber se realmente os nossos velhos morrem com orgulho da nossa geração? Geração dos seus filhos que chamamos estilosamente a juventude! Esses choros e gritos são só dos velhos de Béu, Kuilo e Sacadika ou então de toda Angola? Muitos deles sacrificaram-se dias e noites para ver seus filhos acumulando vitórias e sucesso, padecem hoje nas condições deploráveis. De quém então será a desilusão?

Notas

[1] Nselele foi um grande comandante da FNLA que dirigia as operações militares contra os portugueses nas zonas do norte de Angola.

[2] Jaime Makumba um angolano que foi comandante das tropas especiais portuguesas estacionadas na comuna de Béu. Dirigiu as operações militares a perseguição as tropas do comandante Nselele. Foi seriamenter torturado pela FNLA depois de 1975.

[3]Mariano, padre católico de nacionalidade italiana em serviço no municipio de Maquela do Zombo. Este fez muito para ajudar as populações do Béu, Kuilo e Sacadika ao mesmo tempo teve um negócio clandestino muito lucrativo de marfins e outros recursos naturais destas zonas.

[4] Sebastião, este comandante nato de Quimbuanzinga soube em todo o custo defender esta população. E um bravo homem com todas as qualidades de um patriota como do comandante Filamacanga que dirigiu os primeiros militares das FAPLAs em posição no Béu.

[5] Francisco, foi o único branco (angolano) que tinha ficado no Béu depois de 1975. foi graças aos amigos que este não foi morto pela FNLA que tudo fez neste sentido. Herdeu dos seus familiares lojas que foram completamente destruidas.

* Não foram os comandantes citados com a intenção de “intronização” mas fazem parte de factos históricos destas terras.

FNLA: Frente Nacional da Libertação de Angola

MPLA: Movimento Popular de Libertação de Angola

UNITA: União Nacional da Independência Total de Angola

2 327 palavras

Nsimba Joani Dias

Analista e pesquisador livre. E autor de várias obras. Gosta de viajar, escrever, ler e especialmente ouvir e descubrir novos mistérios de conhecimento do homem.

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