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CENTRO UNIVERSIT?RIO INTERNACIONAL UNINTERPROGRAMA DE P?S-GRADUA??O EM DIREITOKELLYANA BEZERRA DE LIMA VELOSOCOLONIALIDADE E DESCOLONIALIDADE: UMA CR?TICA LIBERTADORA DE BELO MONTECURITIBA2018KELLYANA BEZERRA DE LIMA VELOSOCOLONIALIDADE E DESCOLONIALIDADE: UMA CR?TICA LIBERTADORA DE BELO MONTEDisserta??o apresentada como requisito parcial à obten??o do grau de Mestre em Direito, no Programa de Pós-Gradua??o em Direito do Centro Universitário Internacional UNINTER. Orientador: Prof. Dr. Celso Luiz LudwigCURITIBA2018FICHA CATALOGR?FICATERMO DE APROVA??OKELLYANA BEZERRA DE LIMA VELOSOCOLONIALIDADE E DESCOLONIALIDADE: UMA CR?TICA LIBERTADORA DE BELO MONTEDisserta??o apresentada como requisito parcial para obten??o do grau de Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Gradua??o em Direito do Centro Universitário Internacional UNINTER.Orientador:Prof. Dr. Celso Luiz LudwigCentro Universitário Internacional UNINTERMembros:Prof. Dr. José Ant?nio Peres GedielUniversidade Federal do ParanáProf. Dr. André Peixoto de SouzaCentro Universitário Internacional UNINTERProf. Dr. Doacir Gon?alves de QuadrosCentro Universitário Internacional UNINTERCuritiba, 23 de fevereiro de 2018.AGRADECIMENTOSOs agradecimentos n?o poderiam come?ar sem um nó na garganta e os olhos marejados, paro um instante e penso todo o caminho trilhado até chegar aqui. N?o foi fácil. Dias após retorno nesse parágrafo para agradecer minha m?e Silvana, meu pai José, meus irm?os Marlon e Leidiane, meus sobrinhos Sofia e Jo?o Guilherme, por me ensinarem o que é o amor, pelo irrestrito apoio no difícil caminho trilhado, já se v?o nove anos longe de casa!Esse caminho só foi possível de ser iniciado quando foi-me concedida uma bolsa integral do Programa Universidade para Todos/as, pois sem essa política pública de inclus?o o acesso à Universidade n?o teria sido alcan?ado, muito menos chegar até a pós-gradua??o, uma realidade que para muitos como eu é quase impossível.Ao meu orientador, Celso Ludwig, com quem aprendi a ter paciência e calma para enfrentar essa temática, pelos momentos de desespero em que ele me tranquilizou e disse que era possível. Pelos ensinamentos nas disciplinas de Filosofia Política e Direito e Filosofia Latino-Americana e Crítica da Modernidade Política que despertaram o entusiasmo e uma vontade cada vez maior pela continuidade da pesquisa e pelos caminhos da docência. Um pedido de desculpas também pela rebeldia e por talvez n?o ter alcan?ado os objetivos pretendidos, pois a reflex?o sobre o tema deveria ser muito maior. Ao meu orientador a minha eterna gratid?o por ter me ensinado que é preciso interpelar pelo Outro e construir um outro projeto para a nossa América Latina.? preciso agradecer ainda a família que aqui se constituiu, à família Lui, Kessye Lui, Sandra Lui, Kalel Lui e Kerry Lui, obrigada por me acolherem, pelo carinho e amizade nesses últimos oito anos de convivência em Curitiba.Giuliana Alboneti, Carolina Crozeta e seus pequeninos também s?o minha família, parceiras de PROUNI, de lutas, de caminhada dentro e fora da Universidade. As pessoas mais fortes que conheci aqui e as que mais me inspiram para continuar e me seguraram nos momentos de maior dificuldade. Somos resistência!Aos amigos e amigas que compartilharam muitos momentos nesses últimos nove anos, Rayza Freire, Lívia Pereira, Carla Moura, Rafaela Pires, Lizandra Rocha, Marcus Vinicius Ribeiro, Gabriele Muchalak, Karina Justo, Marcel Jeronymo, Letícia Partala, Thaís Brodbeck, Ednubia Ghisi, Maria Isabel Lobo, todas e todos, gratid?o.Andressa, Marta, Eduarda, Bernardo e Luciane que trilharam esse caminho junto comigo, obrigada pela amizade e pelas inúmeras conversas sobre direito, história do direito, filosofia, política, normas da ABNT e astrologia. A vocês eu devo muita gratid?o por terem sido companheiras/o nessa jornada.Dessa, obrigada pelos cafés e pelas madrugadas que viramos juntas estudando e discutindo as nossas pesquisas. Obrigada por dividir tantos momentos comigo, desde o primeiro dia em que pisamos na Uninter e nos encontramos no elevador e dali já nos tornamos amigas.Aos amigos e amigas Bruno Pontes, Carolina de Quadros, Iverson Kech, Cleiton Sacoman, Karla Knihs, Cristina Furuta, Endrigo Pelegrino, Marcos Quinupa e Paulo Incott por também dividirem comigo essa empreitada acadêmica.Ao professor José Ant?nio Peres Gediel, a quem eu tenho profunda admira??o pela pessoa que é, por sua humildade e pela referência como professor e pesquisador. Docente que faz do seu conhecimento práxis e transforma??o social para quem mais necessita, para os condenados da terra. Que tem me orientado desde os anos de 2012 e lá se v?o quase seis anos de aprendizagem sobre os mais diversos temas do direito e pelos inúmeros conselhos sobre a vida. Obrigada!Aos que foram mais que professores, colegas de pesquisa e de trabalho, que s?o inspira??o para seguir na docência, na pesquisa e que s?o mais que referências acadêmicas, Prof. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Prof. Eduardo Faria Silva, Prof?. Adriana Espíndola Correa, Prof. Anderson Santos, Prof?. Claudia Moreira, Prof?. Angela Fonseca, Prof. Maurício Galeb, Prof. Flavio Bortolozzi, Prof. Marcos Bittencourt Fowler, Prof?. Giovana Bonilha Milano, Prof?. Andressa Caldas, Prof?. Daniele Pontes, Prof. Roberto Di Benedetto, Prof. Gabriel Schulman, gratid?o pelos ensinamentos.Ao Centro Universitário Internacional UNINTER, que acreditou no potencial dos idealizadores do mestrado e na solidez do Programa, constituído por um corpo docente extremamente qualificado, por área e linhas de pesquisa t?o necessárias e t?o essenciais para refundar um novo direito, um direito que olhe e interpele pelo Outro.Um agradecimento mais que especial ao Professor André Peixoto, idealizador e primeiro coordenador do Programa, grande responsável por reunir tantos sonhos possíveis, pelas aulas de economia política que tornavam nossas segundas-feiras agradáveis e se estendiam no café da rua acima, pois assuntos t?o relevantes e t?o instigantes n?o cabiam em apenas uma carga horária de 45 horas. Ao nosso grande Mestre André “sonho que se sonha junto é realidade”.? Coordena??o do PPGD, na pessoa do Prof. Daniel Ferreira, coordenador do Programa e todo o corpo técnico da pós-gradua??o e os bibliotecários da Institui??o.? Bruna, que foi a sustenta??o do mestrado, que foi a sustenta??o das/os 20 mestrandras/os da primeira turma, por toda orienta??o, carinho e humanidade com o qual ela sempre nos atendeu.Ao Professor António Manuel Hespanha, nossa maior referência na História do Direito, o fundamento e a fundamenta??o de todo o Programa.Aos docentes do Programa, em especial os Professores Doacir Gon?alves de Quadros, Rui Dissenha, Walter Guandalini e Prof?. Estef?nia Maria de Queiroz Barboza, pela maestria com que conduziram suas disciplinas, pela humanidade com que enxergaram os nossos trabalhos.Ao Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná – SENGE-PR, nas pessoas de Carlos Bittencourt, Valter Fanini, Leandro Grassmann e todos os meus colegas de trabalho com quem eu divido os meus dias. O Senge teve papel fundamental para que hoje a concretiza??o do sonho do mestrado fosse possível, primeiro pela vivência no espa?o físico do sindicato em que realizamos várias reuni?es de pesquisa e, posteriormente, quando fui contratada eu recebi a notícia da aprova??o no mestrado no mesmo momento, a carga horária era incompatível, mas a necessidade de encarar essa etapa foi apoiada do início ao fim. Meu muito obrigada.Ao Movimento Xingu Vivo Para Sempre – Pará, na figura de Antonia Melo, lutadora pela sobrevivência dos rios e povos da Amaz?nia.Ao Procurador Federal Felício Pontes e à Procuradora Federal Thaís Santi pela árdua luta que enfrentam no Estado do Pará e no caso judicializado da UHE Belo Monte em defesa das popula??es atingidas.Aos Povos Indígenas do Brasil e da América Latina, que constroem a resistência todos os dias, desde 1492, e nos fazem refletir e acreditar num outro mundo possível.Nossa luta é epistêmica e política.Luis Macas, CONAIENinguém sai o mesmo depois de estar em uma aldeia indígena. (...) Hoje entendo que para defender índios, negros, coletividades despossuídas, é necessário conviver com elas, sentir com elas a enorme diferen?a do saber, conhecer e ter que cada comunidade vivencia, t?o distante da cultura de papel, n?o poucas vezes virtual e muitas vezes injusta.Carlos Frederico Marés de Souza Filho, em o Renascer dos Povos Indígenas para o Direito, 1998.Aos condenados da TerraRESUMOO intenso processo de extermínio dos povos indígenas e de assimila??o for?ada à cultura nacional/moderna dizimou grande parte das popula??es originárias do Continente Americano. Mesmo após as independências das col?nias há a continuidade do poder colonial, agora sob outra faceta e fora das estruturas formais político-jurídicas, atuam na intersubjetividade dos imaginários sociais por meio da domina??o, da explora??o e do conflito. Esse novo padr?o de poder é denominado de colonialidade do poder e toma o conceito de ra?a para dominar e subalternizar os povos indígenas, restringindo seus direitos e seus modos de viver. A colonialidade agiu n?o somente sobre as terras e os recursos dela provindos, mas também sobre a produ??o de conceitos e do imaginário social provocando uma violenta destrui??o das culturas e das formas de existir na América Latina. O branco/europeu foi identificado como referência do mais avan?ado de todas as espécies, olha-se tudo a partir desta condi??o, desta posi??o e se organiza as percep??es de mundo segundo as suas categorias, únicas e legitimamente válidas. A categoria da colonialidade do poder foi utilizada neste trabalho para pensar a aplica??o dos direitos dos povos indígenas no caso judicializado da Usina Hidrelétrica de Belo Monte/PA. A correla??o entre direito e colonialidade revela os efeitos práticos a partir das decis?es judiciais em Belo Monte e a situa??o-condi??o dos povos indígenas novamente ganham destaque, pois as viola??es se revelam e os indígenas voltam a correr risco de extermínio colonial. O estudo foi revelador no sentido também da crítica de Enrique Dussel sobre a nega??o da vida dos excluídos-afetados que se encontram na exterioridade do sistema mundo moderno colonial e da urgente necessidade de romper com essa lógica e construir um outro mundo possível e factível.Palavras-chave: Colonialidade do Poder; Povos Indígenas; Belo Monte.ABSTRACTThe intensive process of extermination of indigenous peoples and their forced assimilation into the national / modern culture decimated large part of the native populations in the American Continent. The colonial power reveals itself from another aspect after the independence of the colonies. Outside the formal political-juridical structures, it acts in the intersubjectivity of social imaginaries through domination, exploitation and conflict. This new pattern of power is termed coloniality of power and uses the concept of race in order to dominate and subalternize indigenous peoples, depriving them of their rights and ways of living. The coloniality has operated not only on the lands and resources which derived from it, but also on the production of concepts and the social imaginary, causing a violent destruction of cultures and forms of existence in Latin America. Since white / European man has been identified as the most advanced reference of all species, the world is looked from this perspective and everything is organized according to the categories which emerge from this position, unique and legitimately valid. The category of coloniality of power was used in this thesis in order to think about the application of the rights of indigenous peoples in the judicial case of Belo Monte Hydroelectric Power Plant, in the state of Pará, Brazil. The correlation between law and coloniality unveils the practical effects of the judicial decisions in Belo Monte as the situation of the indigenous peoples exposes violations which put them in risk of colonial extermination once again. Furthermore, this study was revealing in the sense of Enrique Dussel's critique of the denial of life suffered by the excluded-affected who find themselves outside the modern colonial world system and it points out the urgency to break with this logic in order to build another possible and feasible world.Key words: Coloniality of Power; Indigenous Peoples; Belo Monte.LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASACP - A??o Civil PúblicaANEEL - Agência Nacional de Energia ElétricaCF - Constitui??o FederalCNV - Comiss?o Nacional da VerdadeCONAMA - Conselho Nacional do Meio AmbienteEIA - Estudo de Impacto AmbientalELETROBR?S - Centrais Elétricas BrasileirasFUNAI - Funda??o Nacional do ?ndioIBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenováveisIBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIPHAN - Instituto do Patrim?nio Histórico e Artístico NacionalLI - Licen?a de Instala??oLO - Licen?a de Opera??oLP - Licen?a PréviaLPI - Licen?a Parcial de Instala??oM/C - Modernidade/ColonialidadeMPF - Ministério Público FederalNESA -Norte Energia S.A.PBA - Plano Básico AmbientalPBA-CI - Plano Básico Ambiental-Componente IndígenaPEC - Proposta de Emenda à Constitui??oRIMA - Relatório de Impacto AmbientalSISNAMA - Sistema Nacional do Meio AmbienteSPILTN - Servi?o de Prote??o aos ?ndios e Localiza??o de Trabalhadores NacionaisUHE - Usina Hidrelétrica INTRODU??O.......................................................................................................15A INVEN??O DA AM?RICA LATINA E A COLONIALIDADE DO PODER........192.1 A quest?o colonial: colonialidade do poder, eurocentrismo e modernidade........192.2 A colonialidade do poder na América Latina como categoria analítica presente......................................................................................................................282.3 Racializa??o dos povos indígenas – uma estratégia de poder............................343. DIREITOS ORIGIN?RIOS ? DERIVA E A EMERG?NCIA DE SUA PROTE??O PARA AFIRMA??O DA VIDA...................................................................................373.1 A promessa constitucional: inclus?o do capítulo indígena na Constitui??o Federal de 1988.......................................................................................................................403.2 A lógica da totalidade e da exterioridade na rela??o do Estado com os povos indígenas....................................................................................................................474. OS POVOS IND?GENAS E O CONFLITO EM BELO MONTE..............................514.1 O caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte/Pará...............................................514.2 A??o Civil Pública n?. 3017-82.2015.4.01.3903: relato da a??o etnocida do Estado brasileiro.........................................................................................................594.3 A reorganiza??o da lógica da colonialidade do poder em Belo Monte................755. CONSIDERA??ES FINAIS...................................................................................816. REFER?NCIAS......................................................................................................847. ANEXOS................................................................................................................97INTRODU??ONa presente pesquisa refletiremos sobre os direitos dos povos indígenas brasileiros e suas lutas por reconhecimento de direitos historicamente negados.Desde a invas?o europeia, em 12 de outubro de 1492, os indígenas lutaram para serem reconhecidos como humanos, como seres viventes e que querem viver, como sujeitos que necessitam de dignidade e humanidade. Porém, essa humanidade foi negada desde o primeiro contato, pois foram tratados como seres bestializados, selvagens, sem alma.Dados esses que, o homem europeu, branco, moderno e ocidental logo tratou de assumir a posi??o salvacionista e civilizacionista, colocando-se como referência de todas as coisas.O Frei Bartolomé de Las Casas foi o primeiro teórico de que temos registros a defender a no??o de que os índios tinham alma e que n?o deveriam ser escravizados. Além disso, também, afirmou que eles eram os possuidores e legítimos donos das terras em que habitavam.Em seu livro “O paraíso destruído: a sangrenta história da conquista da América Espanhola (2011), aparecem os registros de algumas das polêmicas travadas entre Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda, as quais foram alvo de interven??o da própria Igreja Católica (LAS CASAS, 2011, p. 29).Entre os vários relatos, destacam-se aqueles que apontam as guerras sangrentas e injustas, responsáveis pela dizima??o de mais de quinze milh?es de indígenas na América recém-contatada, o que demonstra a a??o violenta dos europeus no início do contato.No Brasil, esse des-encontro é relatado por Darcy Ribeiro (1995) como um choque cruento entre dois mundos, que n?o eram diferentes somente em suas concep??es de vida, morte e amor, mas completamente opostos.? nesse percurso que, desenhou-se uma história de resistências e insurgências dos povos indígenas na América Latina, que será explicitada nos capítulos seguintes a partir da teoria e da práxis, pois somente conceitos e categorias teóricas n?o d?o conta da e?aremos por uma reflex?o a partir de autores latinoamericanos que se dedicaram a produzir uma literatura crítica a partir da história dos vencidos na América Latina nos capítulos a seguir.No primeiro capítulo utilizaremos como marco teórico, na presente pesquisa, a produ??o científica do grupo Modernidade/Colonialidade (1990) e a colonialidade do poder como categoria teórica e crítica para pensar a América Latina e os excluídos do sistema-mundo moderno colonial. Salientamos, ainda, que a temática requer a compreens?o das categorias do eurocentrismo e da modernidade. Para isso, recorreremos ao marco teórico de Enrique Dussel (2017, 2007, 2005, 2002, 1993, 1980) para explicar esses conceitos.No tópico sobre a racializa??o dos povos indígenas utilizaremos como base a produ??o teórica de Aníbal Quijano (2014, 2009a, 2009b, 2008, 2007, 2005a, 2005b, 1999, 1998, 1992). O sociólogo e teórico político que, dedicou-se ao estudo da colonialidade do poder, apontando como essa categoria serviu para a domina??o dos povos indígenas pré-colombianos e sua consequente inferioriza??o por meio da ideia de ra?a, explanados pelos bin?mios branco/n?o-branco, superior/inferior, dominador/dominado (QUIJANO, 2007, 120).No terceiro capítulo desenvolveremos o conceito de direitos originários dos povos indígenas sob o marco teórico de Carlos Marés (2017, 2016, 2010, 1999, 1998, 1992). A inclus?o desses direitos na Constitui??o brasileira de 1988 e seu marco legal de prote??o. N?o obstante isso, a sua inclus?o formal no ordenamento jurídico brasileiro é premente a emergência de sua prote??o e efetiva??o, pois há uma promessa constitucional n?o cumprida e que coloca os povos indígenas na exterioridade do sistema jurídico e em risco o fundamento primeiro, a vida. Para a compreens?o desse tema, utilizaremos a produ??o teórica de Celso Ludwig (2014, 2011, 2006a, 2006b) para entender os conceitos de totalidade, exterioridade, paradigma da vida, alteridade.No quarto capítulo transplantaremos a teoria ao caso concreto para compreender a vida real, o conflito, a partir do ch?o da América Latina e da Amaz?nia. Para isso, apresentaremos o caso judicializado sobre a constru??o da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará, no Rio Xingu.O conflito pela explora??o energética do Rio Xingu tem início da década de 70, na qual os povos indígenas de várias etnias tiveram que articular-se contra os empreendimentos de desenvolvimento nacional projetados para a Amaz?nia, que afetariam diretamente as suas vidas, suas terras, rios e seus modos de vida.Nesse ponto, utilizaremos como referência a insurgência dos povos indígenas e dos movimentos sociais contrários ao barramento do Rio Xingu. O conflito já dura mais de quarenta anos e a sua judicializa??o iniciou no ano de 2001 e conta hoje com vinte e três a??es judiciais. E, ainda, contaremos com a produ??o de estudos de várias áreas do conhecimento sobre a viabilidade da megaobra, dos seus riscos e consequências socioambientais da barragem.O trabalho desta pesquisa é uma tentativa de incluir na racionalidade acadêmica, em especial a do direito, que todos esses conceitos, categorias e sistematiza??es n?o d?o conta da realidade, mas esses s?o os requisitos mínimos necessários para serem cumpridos.A realidade vivida, experimentada, desde o ch?o da América Latina e, na minha vivência particular, desde o ch?o da Amaz?nia, é uma tentativa de interpelar pelo Outro dentro dessa racionalidade cheia de discursos que n?o contemplam, n?o vivenciam e n?o enxergam o Outro, excluído, marginalizado dos povos que têm suas vidas, subjetividades, temporalidades, corporalidades negadas, que suportam a toda sorte de agress?es e viola??es, sejam elas físicas ou simbólicas e que vivem com a ausência do Estado social e com a gigantesca presen?a do Estado policial.Diante dessa realidade, em recente participa??o em evento científico no Estado do Pará, no qual discutíamos a teoria descolonial e os conflitos na América Latina, ocorreu um episódio que constatou a violência com que, tem-se tratado qualquer tentativa de insurgência contra os grandes projetos de “desenvolvimento” na Amaz?nia, relatado na sequência.No dia 29 de novembro de 2017, no auditório da Universidade Federal do Pará – UFPA, estava programado um evento para apresentar os resultados da pesquisa sobre as consequências da explora??o mineral na Volta Grande do Xingu, pela empresa canadense Belo Sun, o maior projeto de minera??o de ouro a céu aberto do Brasil. Esse tinha por objetivo discutir o modelo de desenvolvimento na regi?o e os impactos para os povos e para a natureza. A publica??o resultante dessa pesquisa foi denominada de “As veias abertas do Xingu” (GOMES, 2017).No dia de sua apresenta??o à comunidade os professores da UFPA que coordenavam a pesquisa foram surpreendidos com a chegada do prefeito do Município de Senador Porfírio, acompanhado de quarenta moradores da cidade (dentre eles jagun?os) que, protestaram contra os estudos e defenderam a empresa mineradora por acreditarem que tal atividade proporcionará o desenvolvimento na regi?o.Todos os manifestantes vieram de ?nibus pago pelo prefeito (a dist?ncia entre o município e a capital Belém é de 828 km). Durante o evento, eles n?o deixaram os pesquisadores apresentarem os resultados da publica??o. Os ?nimos ficaram aflorados e um diálogo entre os pesquisadores e os manifestantes n?o foi possível. No meio da confus?o, os pesquisadores e as pessoas que participavam do evento foram mantidos em cárcere privado pelos manifestantes, o que revela que n?o estavam ali para defender um desenvolvimento que prioriza a soberania dos povos e que respeita os limites da natureza. O fato foi denunciado à Polícia Federal no mesmo dia e repudiado pela Reitoria da UFPA e pela comunidade acadêmica.Todo esse relato interessa para demonstrar as estratégias de poder e a reconfigura??o da lógica da colonialidade que está sendo imposta na Amaz?nia por meio dos grandes projetos de “desenvolvimento nacional” que violam a natureza, o lugar dos povos, suas vidas e o direitos das futuras gera??es. E, nas palavras do meu estimado orientador “é essa a violência estrutural fundamental e é dela que decorre uma exigência crítica de denúncia constante. Decorre uma exigência ética de responsabilidade pelos efeitos negativos gerados pela lógica do capital” (LUDWIG, 2014, 30-31).A INVEN??O DA AM?RICA LATINA E A COLONIALIDADE DO PODER“? indispensável liberar nossa retina histórica da pris?o eurocêntrica e reconhecer nossa experiência histórica”. QUIJANO, Aníbal. Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina, 2005.2.1 A quest?o colonial: colonialidade do poder, eurocentrismo e modernidadeAníbal Quijano é o teórico criador do termo colonialidade do poder a partir dos estudos do Grupo Modernidade/Colonialidade na década de noventa. Quijano também foi membro do grupo de pensadores latinoamericanos sobre a teoria da dependência e, juntamente com outros teóricos como Immanuel Wallerstein, Walter Mignolo, Ramon Grosfóguel, Enrique Dussel, organizou inúmeros seminários e publica??es sobre diversas temáticas da América Latina, as quais possibilitaram importante contribui??o para a cria??o de um novo campo de pesquisas e perspectivas de diálogos Sul-Sul.Essa nova perspectiva teórica para se pensar e produzir desde abajo (MIGNOLO, 2000, 260), possibilitou repensar as epistemes ocidentais de caráter universalizantes adotadas para pensar a América do Sul.O campo que abre-se, também, pode ser denominado como pensamento latinoamericano e abarca várias possibilidades de constru??o de um outro horizonte de processo civilizatório, desde o Sul, pelo Sul e para o Sul.A professora Luciana Ballestrin (2013, p. 89) destaca a trajetória do Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C) e afirma a renova??o crítica que o grupo trouxe para as ciências sociais na América Latina no século XXI:Assumindo uma miríade ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a tradi??o crítica de pensamento latino-americano, oferece releituras históricas e problematiza velhas e novas quest?es para o continente. Defende a ‘op??o decolonial’ – epistêmica, teórica e política – para compreender e atuar no mundo, marcado pela permanência da colonialidade global nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva (BALLESTRIN, 2013, p. 89).A pesquisa será orientada pela produ??o científica referida e pela metodologia descolonial, ou do giro descolonial, com o objetivo de discutir o modelo dominante na produ??o científica. Ressalte-se que, a colonialidade e a modernidade tornam universalizantes conceitos e categorias que n?o se aplicam a todos os povos e comunidades, especialmente aquelas que vivem fora dos padr?es eurocêntricos de produ??o da vida, na exterioridade do sistema.Em conson?ncia com a afirma??o da professora Raquel Sparemberger (2016, p. 273), pesquisadora da teoria descolonial, “as metodologias decoloniais s?o pluralistas e se posicionam como uma ruptura desse tipo de pesquisa colonizadora que tem sido central para perpetuar a colonialidade em todos os seus aspectos”.Além disso, julgamos importante compreender as bases histórico-filosóficas da produ??o dos saberes e que neste trabalho sustentam o atual padr?o de poder fundado na colonialidade. Passamos ent?o a explanar a teoria.Quando a Europa iniciou a sua expans?o comercial marítima, acreditando estar no caminho das ?ndias, pisou no Continente Americano e come?ou as suas “guerras justas” e a espolia??o dos povos que aqui viviam em nome do progresso, da civiliza??o, do cristianismo e da moderniza??o.A constitui??o desse padr?o de poder que expandiu-se junto com o capitalismo é denominada de colonialidade do poder, tem seus pilares fundamentais edificados no eurocentrismo e na modernidade (QUIJANO, 2008). Segundo Dussel (1998), a Europa se afirmou como “centro” da história mundial quando do encontro em 1492 com a América, que tornou-se “periferia” e tal acontecimento é constitutivo da modernidade. Em suas palavras “a Modernidade é realmente um fato europeu” (p.7), no??o que se desenvolve na cita??o a seguir:O ano de 1492, segundo nossa tese central, é a data do ‘nascimento’ da Modernidade; embora sua gesta??o – como o feto – leve um tempo de crescimento intra-uterino. A modernidade originou-se nas cidades européias medievais, livres, centros de enorme criatividade. Mas ‘nasceu’ quando a Europa p?de se confrontar com o seu ‘Outro’ e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo: quando p?de se definir como um ‘ego’ descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva da própria Modernidade. (DUSSEL, 1998, p. 8, grifos meus).Esse “Outro” n?o foi descoberto e aceito como Outro, como um ser igual, vivente, mas foi “en-coberto” e denominado como imaturo, incapaz, periférico e, assim, foi possível exercer a sua domina??o e coloniza??o.O europeu, branco, moderno e civilizado, coloca-se como o “ponto de chegada e como espelho futuro dos outros povos” (QUIJANO, 1992, p. 76) e a subalterniza??o de povos n?o-brancos e n?o-europeus foi imposta e justificada como medida necessária para que estes se desenvolvessem e saíssem da condi??o de barbárie, de atraso, tornando-se, assim, povos civilizados, cristianizados e desenvolvidos, mas nunca iguais aos brancos, tal como relata Porto-Gon?alves (2002, p. 218):O pensamento moderno europeu pouco a pouco vai construir uma geografia imaginária onde as diferentes qualidades dos diferentes povos e culturas, que 1492 p?s em assimétrica rela??o, ser?o dispostas num continuum linear que vai da natureza à cultura, ou melhor, da América e da ?frica, onde est?o os povos primitivos mais próximos da natureza, à Europa, onde está a cultura, a civiliza??o. E dominar a natureza, sabemos, é o fundamento da civiliza??o moderna construída pelos europeus à sua imagem e semelhan?a e, para isso, os povos a serem dominados foram assimilados à natureza come?ando por considerá-los selvagens que significa, rigorosamente, os que s?o da selva, logo, aqueles que devem ser dominados pela cultura, pelo homem (europeu, burguês, branco e masculino). Vê-se, logo, que a inven??o do europeu civilizado é, ao mesmo tempo, a inven??o do selvagem e, assim, a inven??o da modernidade é inseparável da inven??o da colonialidade. (grifos meus).A assimetria dessa rela??o destacada por Porto-Gon?alves revela a pujan?a com que a Europa se imp?s sobre o território recém des-coberto, sobrepondo-se com um direito absoluto e como portadora do espírito do desenvolvimento sobre a periferia “e nesse mesmo movimento, definiu também os novos elementos materiais e subjetivos que fundaram o modo de existência social que recebeu o nome de modernidade” (QUIJANO, 2005a, p. 9).Essas rela??es podem ser vislumbradas a partir dos bin?mios centro/periferia, atraso/progresso, tradi??o/modernidade, domina??o/liberta??o, dominador/dominado, europeu/n?o-europeu, branco/índio, negro e mesti?o (QUIJANO, 2005b, p. 6).Walter Mignolo assevera que, modernidade e colonialidade est?o imbricadas nesse processo, em especial na América Latina, onde esse sistema se desenvolveu e se expandiu mundialmente,N?o existe modernidade sem colonialidade, que a colonialidade do poder subjaz à constru??o da na??o tanto nas histórias locais das na??es que conceberam e implementaram projetos globais como nas histórias locais das na??es que tiveram de se acomodar a projetos globais que lhes diziam respeito, mas sem sua participa??o direta. (...) As Américas, por exemplo, fizeram parte dos sistemas desde seus primórdios (MIGNOLO, 2003, pp. 74-75).Tais categorias, originárias na experiência colonial da América Latina, s?o constitutivas da colonialidade e têm se reproduzido e se desenvolvido de forma universalizante e imposta para todos os outros povos.O projeto de modernidade submeteu todo o mundo global à Europa Ocidental, ocultando o caráter negativo (a colonialidade) desse processo que tinha por objetivo atingir o progresso. Logo, todos os percal?os no caminho seriam corrigidos com o avan?o da modernidade (DAM?ZIO; SPAREMBERGER, 2016, p. 276).Essas rela??es entre europeu e n?o-europeu coexistem ao mesmo tempo na materialidade e na intersubjetividade das rela??es sociais, o branco/europeu foi identificado como a referência do mais avan?ado de todas as espécies, olha-se tudo a partir dessa condi??o, dessa posi??o e se organizam as percep??es de mundo segundo as suas categorias, únicas e legitimamente válidas, criando-se, assim, um agir eurocêntrico.Segundo Quijano (1992), o eurocentrismo é um novo modo de produ??o (europeia) e de controle das subjetividades, do imaginário e de todo o conhecimento desse novo padr?o de poder fundado na colonialidade, poisO eurocentrismo faz parte da colonialidade das rela??es de poder. Bloqueia a capacidade de autoprodu??o e auto-express?o cultural, já que pressiona para a imita??o e a reprodu??o. Nas produ??es do conhecimento, impele para uma perspectiva reducionista, na qual s?o separados faculdades e modos de experiência e de conhecimento, na realidade exercidos conjuntamente, e faz ver, isolados entre si, elementos da realidade que n?o existem separadamente. Impede reconhecer n?o só como necessária, mas como legítima a diversidade, porque só admite como justificativa da desigualdade. Desse modo, bloqueia a capacidade de reconhecer as especificidades de diferentes experiências histórias e de suas implica??es para o conhecimento e para a a??o (QUIJANO, 1992, p. 74).O eurocentrismo iniciou no século XVII com a Europa Ocidental e é “uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente hegem?nica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais” (QUIJANO, 2005b, pp. 227-228).O eurocentrismo também é uma categoria fundante da modernidade. A Europa esteve à frente desse processo civilizatório impondo aos demais povos o seu modo de ver e organizar o mundo.O eurocentramento do controle desse novo padr?o de poder exerceu suas influências nos planos político, econ?mico, intelectual, cultural e geográfico, estabelecendo assimetria nas rela??es de poder com os n?o-europeus,O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culmina??o de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza, levou-os também a pensar-se como os modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo tempo o mais avan?ado da espécie. Mas já que ao mesmo tempo atribuíam ao restante da espécie o pertencimento a uma categoria, por natureza, inferior e por isso anterior, isto é, o passado no processo da espécie, os europeus imaginaram também serem n?o apenas os portadores exclusivos de tal modernidade, mas igualmente seus exclusivos criadores e protagonistas. (QUIJANO, 2005, p. 6, grifos do autor).Os conhecimentos e modos de produ??o de conhecimento que n?o seguiam a lógica eurocêntrica foram silenciados e categorizados como míticos, inferiores, pré-modernos, n?o científicos, inválidos e somente o pensamento de centro, estabelecido pelas elites científicas e filosóficas da Europa, eram considerados como válidos e verdadeiros.Neste sentido, a elabora??o europeia de modernidade só foi possível por meio do eurocentrismo, da racionaliza??o dessa perspectiva de superioridade do pensamento europeu que, se sobrep?s sobre todas as áreas da vida e subalternizou conhecimentos que eram distintos.A hegemonia europeia ocidental proclamou que a modernidade n?o era um fen?meno exclusivamente europeu, mas sim de todas as culturas. E se afirmou “naturalmente” como protagonista dessa nova perspectiva histórica instaurando o “mito da modernidade”.Para Dussel (2005, p. 30), o “mito da modernidade” é composto por um núcleo que está indicado na sua passagem do ad intra para o ad extra. Respectivamente, o primeiro é considerado o momento de saída da humanidade de um estado de imaturidade, provinciano. O segundo se realiza em um processo irracional, violento e negativo mítico, por isso a modernidade se justifica numa práxis irracional de violência. Além disso, o “mito da modernidade” ainda é composto por algumas características, como a autodescri??o de uma civiliza??o superior e a mais desenvolvida, ou seja, de uma posi??o eurocêntrica (DUSSEL, 2005, p. 30).A seu ver, tal superioridade torna como obriga??o moral desenvolver outros povos, tidos como bárbaros, primitivos, imaturos. Para isso, é necessário que a Europa disponha de um processo educativo, que é o espelho dela mesma, um desenvolvimento unilinear e etapista, que determina os rumos que devem seguir os povos inferiores, a chamada “falácia desenvolvimentista” (DUSSEL, 2005, p. 30).O teórico afirma, ainda, que se os povos bárbaros se contrap?em à práxis moderno civilizadora, deve-se exercer a violência para se concretizar a moderniza??o, é a “guerra justa colonial”. Assim, a produ??o de vítimas e a violência imposta pela domina??o é considerada inevitável do conflito. Para ele, aos que se op?em ao processo civilizador, os bárbaros, é atribuída uma “culpa” e que poderá a modernidade se colocar como “emancipadora” dessa culpa, de suas próprias vítimas, ou seja, aos povos que possuem aspectos de “atrasados”, “primitivos”, “selvagens”, “ra?as escravizáveis”, “de sexo frágil”, etc., s?o inevitáveis os custos e os tormentos que lhes s?o causados para se atingir a moderniza??o (DUSSEL, 2005, p. 30). Dussel ainda aponta que tais aspectos s?o os que constituem o processo civilizatório da modernidade e que negam a “outra-face”, a vítima inocente do sacrifício ritual e da conquista violenta, que ao des-encobrir-se nega a inocência da modernidade e se afirma enquanto alteridade, como o Outro negado, ocultado, do “mundo periférico colonial, o índio sacrificado, o negro escravizado, a mulher oprimida, a crian?a e a cultura popular alienadas, etc. (as “vítimas” da “Modernidade”)”, das identidades rejeitadas pela totalidade do sistema-mundo e que se encontram na exterioridade.Em contraposi??o às ideias de Dussel (2005, 1993) e Quijano (2009, 2005a, 2005b, 1992), Sergio Paulo Rouanet (1993) elabora categorias inspiradas no Iluminismo, as quais, se adotadas, podem atenuar o mal-estar na modernidade. Tais categorias s?o descritas a partir da jun??o de três elementos necessários para se conceber o projeto civilizatório da modernidade, que conforme o entendimento de Rouanet s?o os conceitos de universalidade, individualidade e autonomia.Esses três elementos foram característicos para construir a ideia do Iluminismo. Para tal ideal, a universalidade é o horizonte da emancipa??o humana a partir da unidade de toda a espécie, de uma uniformidade da natureza humana (ROUANET, 1993, p. 34), os seres humanos podem ser diferentes em determinada característica, mas a sua essência ainda será humana. O universalismo relativiza as barreiras nacionais, étnicas, culturais, religiosas, ou seja, os homens n?o podem se diferenciar e se fragmentar por diferen?as de sexo, ra?a, cultura, na??o, entre outras. Ele admite um pluralismo contido, desde que ele seja eticamente valioso para a unidade e n?o viole princípios universais de justi?a, ou seja, um pluralismo extremamente limitado.O individualismo requer a capacidade ética e moral de individualiza??o dos seres humanos, como pessoas concretas e n?o como integrantes de uma coletividade. Se atribui valor positivo para a crescente individua??o, conforme exposto abaixo:O individualismo iluminista n?o desconhece a existência de coletividades particulares, mas proclama que em última análise n?o s?o elas que s?o titulares de direitos e sim os indivíduos que as comp?em. (...) Para o Iluminismo o indivíduo constrói sua própria identidade, em vez de herdar dos pais uma identidade pré-fabricada. Seu estatuto étnico, cultural ou nacional resulta de uma escolha adulta, n?o do fato aleatório, pelo qual ele n?o é responsável, de ter nascido num certo país, dentro de uma cultura determinada. Atribuir valor moral ao episódio contingente da natalidade é um tra?o da ética feudal, contra a qual se insurgiu a Ilustra??o e se insurge o Iluminismo (ROUANET, 1993, p. 36). A autonomia, para o autor, por sua vez, refere-se a aptid?o para que estes seres humanos (individualizados) possam pensar por si mesmos, sem a influência do Estado, da Igreja e de ideologias, para que adquiram, por seu próprio vigor, bens e servi?os para a sua sobrevivência material. A seu ver, a autonomia é composta por duas características que se complementam: a liberdade para ter direitos e a capacidade para exercê-los. Sem um desses elementos a autonomia n?o se perfaz para que os indivíduos alcancem a plena emancipa??o.Rouanet a subdivide em três elementos: a autonomia intelectual como o uso pleno da raz?o; a autonomia política como participa??o plena dos processos decisórios do Estado; e a autonomia econ?mica como possibilidade de subsistência e bem-estar próprios, classificando-as respectivamente como:A autonomia intelectual, ou seja o direito e a capacidade plena de usar a raz?o, libertando-se do mito e da supersti??o, sujeitando ao crivo da raz?o todas as tradi??es, seculares ou religiosas, problematizando todos os dogmas, criticando todas as ideologias, e desenvolvendo livremente a ciência, o pensamento especulativo e criatividade artística, o que pressup?e um sistema cultural que tenha institucionalizado e dado condi??es efetivas de exercício à liberdade de pensamento e de express?o.A autonomia política, ou seja, o direito e a capacidade plena de participar dos processos decisórios do Estado, o que pressup?e um sistema político que tenha institucionalizado e dado condi??es efetivas de funcionamento à democracia e aos direitos humanos.A autonomia econ?mica, ou seja, o direito e a capacidade plena de obter, sem prejuízo para os outros indivíduos e sem danos para o meio ambiente, os bens e servi?os necessários ao próprio bem-estar, o que pressup?e um sistema econ?mico que tenha institucionalizado e dado condi??es efetivas de funcionamento aos direitos dos agentes econ?micos, dentro dos limites compatíveis com os objetivos superiores da justi?a social e da preserva??o da natureza (ROUANET, 1993, p. 33).Em suma, para Rouanet (1993), o projeto de modernidade deve ser respaldado no ideal Iluminista e deve possibilitar que todos os indivíduos tenham condi??es concretas de emancipa??o, em todas as esferas, para se contrapor a barbárie e a crise da civiliza??o moderna.Trabalharemos com essas duas perspectivas de análise: de um lado, as vis?es de Quijano e Dussel que, complementam-se na leitura sobre a modernidade e a colonialidade como faces da mesma moeda e como condi??o necessária para a solidifica??o desse padr?o de poder.De outro lado, a vis?o de Rouanet, colocando o Iluminismo e suas categorias como possibilidade de interpreta??o e adequa??o ao projeto da modernidade.2.2 A colonialidade do poder na América Latina como categoria analítica presenteEm primeiro lugar, é necessário esclarecer ao leitor que existem outros conceitos e outras categorias teóricas importantes para entender o problema da violência colonial, s?o eles: colonialismo, descoloniza??o, pós-colonial e descolonial.Tais conceitos, em que pese apresentarem uma aproxima??o, n?o s?o sin?nimos e n?o se desenvolveram de forma conjunta enquanto teorizados pelo mesmo grupo de pessoas e em um mesmo momento histórico. Alguns desses conceitos foram complementares e outros guardam características bem distintivas sobre o lugar de enuncia??o. Passaremos a expor de forma breve para situar o leitor, pois as categorias que mais interessam neste trabalho s?o as da colonialidade e da e?aremos pelo conceito de colonialismo que é distinto da colonialidade. Na acep??o de Ramón Grosfoguel (2007, p. 2) o colonialismo é a usurpa??o da soberania de um povo imposta por outro povo, por meio da domina??o político-militar de um território e sua popula??o no qual se instala a administra??o colonial. O colonialismo exerce a domina??o e a explora??o política, econ?mica e cultural sobre um determinado povo e território. Inglaterra, Fran?a, Espanha e Portugal estabeleceram col?nias em outros Continentes, em especial na América do Sul e América Central, o que mais tarde viria a se configurar como América Latina e a periferia do mundo.Já a colonialidade foi definida por Aníbal Quijano como um padr?o de poder que perpetua e opera mesmo com o fim do regime político-jurídico das col?nias, na América Latina, e se dá pela domina??o, explora??o e conflito de povos subalternizados, quais sejam os indígenas, negros e mesti?os na América, a partir da invas?o no século XV (QUIJANO, 2009, p. 73),Colonialidade do poder é conceito que dá conta de um dos elementos fundantes do atual padr?o de poder, a classifica??o social básica e universal da popula??o do planeta em torno da ideia de “ra?a”. Essa ideia e a classifica??o social e baseada nela (ou “racista”) foram originadas há 500 anos junto com a América, Europa e o capitalismo. ? a mais profunda e perdurável express?o da domina??o colonial e foram impostas sobre toda a popula??o do planeta no curso da expans?o do colonialismo europeu. Desde ent?o, no atual padr?o mundial de poder, impregnam todas e cada uma das áreas de existência social e constituem a mais profunda e eficaz forma de domina??o social, material e intersubjetiva, e s?o, por isso mesmo, a base intersubjetiva mais universal de domina??o política dentro do atual padr?o de poder (QUIJANO, 2002, p. 6).Em que pese as col?nias terem se tornado independentes formalmente, elas n?o se libertaram da continuidade do poder colonial, que agora atua sob outra faceta e nas intersubjetividades dos imaginários sociais, pela diferencia??o da ra?a/cor, do gênero e do trabalho. Tal padr?o de poder surgiu com o “des-encobrimento” da América, em 12 de outubro de 1492, e com a expans?o do capitalismo moderno/colonial.O espa?o-tempo de permanência desse padr?o de poder ainda n?o cessou, vige em nossa sociedade mesmo depois do fim do colonialismo clássico. O mundo é dividido geograficamente entre Norte e Sul e Ocidente e Oriente. Nas palavras de Quijano, foi o mais efetivo modelo de domina??o e explora??o já instaurado e que agora se encontra em crise (QUIJANO, 2009, p. 74).A Europa e posteriormente a América do Norte pretenderam normatizar o mundo global criando um padr?o euro-norte-americano que privilegia a liberdade, a cria??o de direitos, a riqueza e expans?o do capitalismo da metrópole, mas nunca da periferia.Era uma espécie de estágio, no qual se iria “do n?o-europeu/pré-europeu a algo que com o tempo se europeizará ou modernizará” (DAM?ZIO; SPAREMBERGER, 2016, pp. 271-297).América (Latina) e Europa se constituem nesse mesmo movimento de expans?o do poder capitalista, a Europa como a condutora do processo e a América (Latina) como subalterna numa rela??o assimétrica de poder.Esse novo padr?o de poder se torna mundial, eurocentrado e tem a colonialidade e a modernidade como seus alicerces (QUIJANO, 2009, p. 74).A Europa se tornou a propulsora da racionalidade universal e do progresso com a subordina??o dos povos categorizados como inferiores. Mignolo (2003. p. 23) destaca que com a cria??o do sistema mundo moderno/colonial a Europa se coloca no patamar dos “povos com história” e na condi??o de inventora da história dos “povos sem história”, que se encontravam em um tempo anterior ao presente (MIGNOLO, 2003, p. 23).Posteriormente, esse processo ocorre também no Brasil pré-colonial, no qual os povos originários s?o relegados a condi??o de incapazes e subalternos e, também, o povo negro que foi trazido por remo??o for?ada da ?frica para trabalhar como m?o de obra escrava no Brasil. Darcy Ribeiro (1995, pp. 23-24) aponta que esse processo se deu de forma extremamente violenta contra indígenas e negros:O povo-na??o n?o surge no Brasil da evolu??o de formas anteriores de sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e progresso. Surge, isto sim, da concentra??o de uma for?a de trabalho escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis alheios a ela, através de processos t?o violentos de ordena??o e repress?o que constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável. (...) Em consequência, as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso-brasileiras e, afinal, brasileiras, viveram sempre e vivem ainda sob o pavor p?nico do al?amento das classes oprimidas. Boa express?o desse pavor p?nico é a brutalidade repressiva contra qualquer insurgência e a predisposi??o autoritária do poder central, que n?o admite qualquer altera??o da ordem vigente (RIBEIRO, 1995, p. 23-24).A par dos conceitos de colonialismo e colonialidade, destacaremos na sequência a descoloniza??o e os estudos pós-coloniais para ent?o compreendermos de que esses movimentos trataram.As lutas por descoloniza??o se referem a oposi??o ao regime colonialista imposta pelas metrópoles europeias e tinham por objetivo findar com o regime colonial e estabelecer a liberdade do povos. Na América Latina os casos exemplares desses processos de liberta??o colonial s?o as de Tupac Amaru, líder indígena peruano que lutou no século XVIII pela liberta??o do Peru, e a Revolu??o Haitiana, liderada por Toussaint de L’Ouverture, no Hati, de 1791 a 1804 (PORTO-GON?ALVES, 2008). Essas lutas por independência s?o desconhecidas pela maioria da popula??o latinoamericana e desvalorizadas pela colonialidade epistêmica.A par disso, as lutas por descoloniza??o, enquanto processos políticos de liberta??o dos povos, realizou-se em diversos locais. Porém isso n?o implicou em uma efetiva descoloniza??o das rela??es de poder nessas sociedades.Os estudos pós-coloniais ou teoria pós-colonial tiveram grande relev?ncia para a difus?o do tema na Europa, na ?sia e somente depois na América. O termo pós-colonial divide-se em dois significados, o primeiro é o momento de ruptura com o antigo sistema colonial, ou seja, o fim das col?nias. O segundo significado é empregado para designar os estudos e contribui??es teóricas feitas acerca do tema em universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra, na década de 1980,Os estudos pós-coloniais consolidaram-se entre intelectuais de língua inglesa, via de regra asiáticos, ainda que n?o só. Destacaram-se, historicamente, como integrantes desse esfor?o de reflex?o desde o palestino Edward Said, passando pelo jamaicano Stuart Hall, até os indianos Gayatri Chakravorty Spivak, Dipesh Chakrabarty e Homi Bhabha. (...) O sensível envoltório do pós-colonialismo é tomado por temáticas muito caras ao pós-modernismo teórico, sobre o qual faremos apenas a indica??o de que se contenta com os “estudos culturais” e nega a possibilidade de uma totalidade (neste aspecto, a crítica de Quijano é bastante válida). N?o à toa, há um compartilhamento de preocupa??es, por parte dos pós-colonialistas, em torno do multiculturalismo, da discursividade e da desconstru??o epistêmica, em especial no seio de áreas disciplinares do conhecimento mais afeitas a essas propostas, tais como as letras e a literatura ou ainda a antropologia (PAZELLO, 2014, p. 90).O grupo de estudos pós-coloniais centrou sua análise na condi??o subalterna dos sujeitos que foram invisibilizados pelos processos hegem?nicos da modernidade, na obra de Spivak “pode o subalterno falar?” (2010), a autora destaca a condi??o subalterna n?o só como condi??o da opress?o, de exclus?o da totalidade, mas também como a impossibilidade de fala dos subalternos e, assim, faz-se necessária a interpela??o pelo outro.Quijano critica os estudos subalternos ou pós-coloniais e seus interlocutores, porque para ele a colonialidade nunca se desconstituiu e a posi??o de onde esses falam necessariamente parte do Ocidente e sua vis?o se mantém eurocêntrica, a come?ar pelo idioma em que escrevem.Nesse sentido, a colonialidade n?o é consequência da teoria pós-colonial, conforme afirma Rita Laura Segato, destacando que a formula??o crítica desenvolvida por Quijano n?o só foi um momento de grande ruptura com a teoria crítica nos diversos campos do conhecimento, mas também foi um impulso para a reorienta??o dos movimentos sociais e da luta política.Por fim, destacamos o conceito descolonial ou o giro descolonial que é a destrui??o total da colonialidade enquanto padr?o de poder que domina, explora e oprime grande parcela da popula??o mundial, em especial na América Latina.A colonialidade é um conceito relacional (Pazello, 2014, p. 38), pois opera em vários campos como o político, o jurídico, o econ?mico, dentre outros, produzindo conflitos, por isso a complexidade de identificar e eliminar esse padr?o de poder.Desde 1492, a América Latina e seus povos sustentaram o projeto de poder do centro, nossas subjetividades foram negadas, alienadas e instrumentalizadas para a concre??o da modernidade eurocêntrica.Mas esse padr?o de poder entra em crise com as insurgências dos povos que v?o descobrindo que n?o só as suas subjetividades eram negadas, mas também as suas vidas, na sua materialidade, e que é necessário a constru??o de um outro processo civilizatório que afirme as alteridades e n?o produza vítimas do sistema moderno colonial.Nas palavras de Quijano, esse processo já está em curso e é inevitável, relata o autor,O movimento dos mais dominados deste mundo, aqueles que vendem seus meios de subsistência n?o poderiam existir e, ao mesmo tempo, aqueles que percebem que, se isso acabar, nenhum de nós poderia viver; ent?o finalmente surge outro horizonte de sentido histórico que já está aqui, que já está come?ando; porque n?o é apenas o discurso, n?o s?o apenas assembleias, est?o reorganizando suas comunidades, est?o associando suas comunidades, est?o gerando outra forma de autoridade política no mundo que terá que competir e entrar em conflito com o Estado, enquanto o Estado ainda está lá. Estamos com outro elemento novo. Isto n?o é apenas uma utopia, isso está come?ando; estamos come?ando a viver com o futuro. Podemos ser derrotados, o mundo pode acabar; mas n?o há volta para trás (QUIJANO, 2009, p. 5).Se a colonialidade foi até hoje o lado obscuro da modernidade e sua sustenta??o, a descolonialidade é o seu inverso e deve ser a energia e a for?a geradora para findar com esse padr?o de poder que está sendo gestada pelos países periféricos.A descolonialidade é um processo epistemológico que consiste em expor a lógica da domina??o. Portanto, é necessário modificar as formas de fazer e pensar para acabar com a lógica colonial que permeia a política, a economia e o direito (DAM?ZIO; SPAREMBERGER, 2016, p. 276).Portanto, as perspectivas de produ??o teórica e prática para o giro descolonial devem, necessariamente, conter uma orienta??o n?o eurocêntrica e que contradite o sistema mundo europeu/euro-norte-americano moderno/capitalista/colonial/patriarcal.? necessário descortinar esse horizonte arquitetado em um imaginário social e histórico que n?o é o nosso e se desprender das lentes europeias que por muito tempo fizeram-nos enxergar como inferiores, periféricos e afirmar as alteridades existentes desde e na América Latina.2.3 Racializa??o dos povos indígenas – uma estratégia de poderA colonialidade é um padr?o de poder inaugurado com a expans?o colonial europeia sobre os territórios da América. Para esse específico padr?o de poder, a cria??o da ideia de ra?a e sua hierarquiza??o irá transpassar todas as demais rela??es sociais existentes e seguirá vigente mesmo com o fim do colonialismo (QUIJANO, 1999, p. 141),Imposta como critério básico da classifica??o social universal da popula??o mundial, segundo ela foram distribuídas as principais novas identidades sociais e geoculturais do mundo. De uma parte: "?ndio", "Negro", "Asiático" (antes de "Amarelos" e "Azeitonados"), "Branco" e "Mesti?o". De outra: "América", "Europa", "?frica", "?sia" e "Oceania". Sobre ela se fundou o eurocentramento do poder mundial capitalista e a consequente distribui??o mundial do trabalho e do interc?mbio. E também sobre ela se tra?aram as diferen?as e dist?ncias específicas na respectiva configura??o específica do poder, com suas cruciais implica??es no processo de democratiza??o de sociedades e Estados e da forma??o dos estados-na??o modernos (1999, pp. 141-152).Na história das rela??es de poder entre as gentes (MAR?S, 1998) a estratégia de racializa??o de povos categorizados como inferiores foi o mais eficaz instrumento de domina??o social e é o elemento fundacional da colonialidade do poder.Inventa-se o termo ra?a por volta dos séculos XV e XVI para a explora??o dos territórios colonizados pela Europa e que possui elementos necessários para o controle da sociedade e da produ??o inaugurada com a modernidade e com o paradigma eurocêntrico, mas n?o só isso, a ideia de ra?a afeta todas as outras dimens?es da vida porque discrimina saberes e produ??es, reduz civiliza??es, valores, capacidades, cria??es e as cren?as dos vencidos na história colonial (QUIJANO, 2014, p. 54).A constru??o científica de que os “povos de cor” eram biológica e naturalmente inferiores foi produto da elabora??o europeia. Trata-se de uma constru??o ideológica de um padr?o de poder moderno/colonial e eurocentrado e que nada tem a ver com as diferen?as biológicas e fenotípicas humanas, como foi sustentado pelo racismo científico durante muito tempo.A idéia de que os dominados s?o o que s?o, n?o como vítimas de um conflito de poder, mas sim enquanto inferiores em sua natureza material e, por isso, em sua capacidade de produ??o histórico-cultural. Essa idéia de ra?a foi t?o profunda e continuamente imposta nos séculos seguintes e sobre o conjunto da espécie que, para muitos, desafortunadamente para gente demais, ficou associada n?o só à materialidade das rela??es sociais, mas à materialidade das próprias pessoas (QUIJANO, 2005, p. 17).Esse sistema de domina??o recaiu sobre os indígenas da América e sobre os povos negros da ?frica que foram dominados e explorados dentro de regimes escravistas e de servid?o nas col?nias instaladas nas Américas.Esse processo histórico impactado por saberes e por poderes resultantes da colonialidade justificou a destrui??o das subjetividades indígenas e negras, a nega??o de direitos e a tomada de seus territórios,A vasta e plural história de identidades e memórias (seus nomes mais famosos, maias, astecas, incas, s?o conhecidos por todos) do mundo conquistado foi deliberadamente destruída e sobre toda a popula??o sobrevivente foi imposta uma única identidade, racial, colonial e derrogatória, “índios”. Assim, além da destrui??o de seu mundo histórico-cultural prévio, foi imposta a esses povos a idéia de ra?a e uma identidade racial, como emblema de seu novo lugar no universo do poder. E pior, durante quinhentos anos lhes foi ensinado a olhar-se com os olhos do dominador. De modo muito diferente, mas n?o menos eficaz e perdurável, a destrui??o histórico-cultural e a produ??o de identidades racializadas teve também entre suas vítimas os habitantes seqüestrados e traídos, do que hoje chamamos ?frica, como escravos e em seguida racializados como “negros”. Eles provinham também de complexas e sofisticadas experiências de poder e de civiliza??o (ashantis, bacongos, congos, iorubas, zulus etc.) (QUIJANO, 2005, p. 17).Para Quijano, a inven??o da ideia de ra?a foi uma constru??o mental sem lastro na realidade para naturalizar as rela??es de poder associando trabalho n?o pago com os povos dominados, porque os consideravam inferiores,As diferen?as fenotípicas entre vencedores e vencidos foram usadas como justifica??o da produ??o da categoria ‘ra?a’ embora se trate, antes do mais, de uma elabora??o das rela??es de domina??o como tais. A import?ncia e a significa??o da produ??o desta categoria para o padr?o mundial do poder capitalista eurocêntrico e colonial/moderno dificilmente poderia ser exagerada: a atribui??o das novas identidades sociais resultantes e sua distribui??o pelas rela??es do poder mundial capitalista estabeleceu-se e reproduziu-se como a forma básica da classifica??o societal universal do capitalismo mundial; estabeleceu-se também como o fundamento das novas identidades geoculturais e das suas rela??es de poder no mundo. E, também, chegou a ser parte por detrás da produ??o das novas rela??es intersubjetivas de domina??o e de uma perspectiva de conhecimento mundialmente imposta como a única racional. A ‘racializa??o’ das rela??es de poder entre as novas identidades sociais e geoculturais foi o sustento e a referência legitimadora fundamental do caráter eurocentrado do padr?o de poder, material e intersubjetivo. Ou seja, da sua colonialidade (QUIJANO, 2002, pp. 106-107).Assim, a Europa constituiu o capitalismo mundial com uma estrutura de produ??o, acumula??o, explora??o e controle do trabalho que criou rela??es dependentes histórico-estruturais e que podem ser visualizadas nas diferen?as entre centro e periferia.Destaca-se que, esse padr?o de poder só foi possível de se concretizar com a racializa??o dos povos indígenas e negros, para Quijano é o eixo de sustenta??o dessa estrutura, pois ao serem considerados como inferiores, sem humanidade, eles deveriam realizar o trabalho n?o pago e explorado por de pessoas que os submeteram à condi??o de coisa, de res, como n?o sujeitos.A cessa??o posterior dessas rela??es n?o foi superada com descoloniza??o como sustenta o projeto da modernidade. Quijano aponta que as formas coloniais de domina??o se perpetuam sob outras estratégias de poder, pois n?o existe modernidade sem colonialidade.A perspectiva da descoloniza??o das rela??es materiais de poder, na América Latina e é o ponto de partida de todo esse debate e de o projeto de liberta??o dos povos subalternizados para que seja possível romper com a hegemonia do paradigma eurocêntrico das rela??es sociais.DIREITOS ORIGIN?RIOS ? DERIVA E A EMERG?NCIA DE SUA PROTE??O PARA AFIRMA??O DA VIDA“Nossa história n?o come?a em 1988!”Mote da Mobiliza??o Nacional Indígena de 2017, contra o marco temporal demarcatórioKaiapós, Waimiri Atroari, Tupinambás, Xavantes, Gavi?es, Cinta Larga, Tenharim, Uru-Eu-Wau-Wau, Araras, Kaingangs, Xetá, Zo’é, Guarani Kaiowá, Guarani Mbya, Avá Guarani, Guarani ?andeva, Pataxó-H?-H?-H?e, Karara?, Mebêng?kre, Araweté, Terena, Bororo, Juruna, Yudja, Kalapalo, Xikrins, Baniwa, Fulni-?, Macuxi, Karipuna, Ticuna, Panará, Maraiwatsede, Tapajó, Paiter Surui, Munduruku, Kanindé, Wapichana, Yanomami, Xokleng, Zoró, Parakan?, Mura, s?o alguns dos diversos povos indígenas existentes no Brasil.A diversidade das etnias indígenas brasileiras revela que o Brasil é o país mais multiétnico da América Latina, e que sua multiculturalidade é desconhecida pela maioria da popula??o brasileira, a qual imagina que n?o existirem mais povos indígenas, ou que todos já se encontram aculturados e perderam as características que os constituem.Há, ainda, os que desconhecem o fato de que existem povos indígenas sem contato com o “branco” até os dias de hoje, registra a FUNAI no Censo do IBGE de 2010 que há 69 referências de índios n?o contactados.No período da ditadura militar foram mortos mais de 8.350 (oito mil, trezentos e cinquenta) índios, em apenas dez etnias, conforme apontado no relatório da Comiss?o Nacional da Verdade (FERNANDES, 2015, p. 145).O “espírito de integra??o”, isto é, um eufemismo para etnocídio, era, de fato, combatido pelos povos indígenas, que lutavam pela sua sobrevivência física e cultural (ambas necessariamente entrela?adas) e para que o caráter efetivamente multicultural da sociedade brasileiro fosse reconhecido pela Constitui??o. Outro ponto importante era impedir o reconhecimento constitucional dos direitos originários a suas terras, para que as riquezas de seu “subsolo” fossem exploradas; no “nacional-desenvolvimentismo” da ditadura militar, isso significava a entrega das áreas indígenas para grupos estrangeiros – ele n?o era nem nacional, nem desenvolvimentista, mantendo o caráter colonial da inser??o internacional do Brasil como exportador de commodities (FERNANDES, 2015, p. 155).Sabe-se que o número de indígenas mortos e de povos dizimados é muito maior desde a violência do primeiro contato, mas que é impossível saber o número exato, conforme afirma o Professor Marés,Houve neste país, nos últimos quinhentos anos, um aniquilamento físico da popula??o indígena, cuja quantifica??o é quase impossível, mas seguramente n?o só a rica diversidade é apenas uma pequena mostra do que existia, como o que resta de cada povo é somente um exemplo da tenacidade com que as culturas resistem à opress?o e assimila??o compulsória (SOUZA FILHO, 1998. P. 38).De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE existem hoje no país 305 etnias, que falam 274 línguas indígenas no país. Porém, em recente estudo realizado pelo Instituto Socioambiental – ISA, no livro “Povos Indígenas no Brasil - 2011/2016” (2017). O ISA fez o levantamento da popula??o atual dos indígenas brasileiros e o número reduziu para 252 povos, falando 154 línguas, ou seja, uma redu??o de 52 povos indígenas e 100 línguas.Mesmo com as inúmeras tentativas de elimina??o ou da assimila??o à identidade nacional, os povos indígenas seguiram resistindo a toda sorte de viola??es n?o só sobre os seus territórios, mas também sobre os seus corpos, para que o etnocídio iniciado há mais de quinhentos anos atrás n?o se materializasse.A resistência também foi possível pela organiza??o dos povos indígenas brasileiros e com a cria??o de movimentos indígenas (COIAB, APIB, ARPINSUL, dentre outros) que, em certa medida, tiveram que se articular para garantir o reconhecimento jurídico dos direitos originários por parte do Estado, mesmo sabendo que a inclus?o formal de direitos n?o era garantia de efetiva??o e para barrar os grandes projetos de desenvolvimento nacional que cortavam seus territórios e destruíam suas culturas.3.1 A promessa constitucional: inclus?o do capítulo indígena na Constitui??o Federal de 1988A análise dos direitos dos povos indígenas, na América Latina, exige do pesquisador o reconhecimento e a investiga??o de duas matrizes que se entrela?am na forma??o atual do direito vigente nesse Continente.A primeira decorre do legado do direito moderno europeu ocidental e se manifesta na maioria das Constitui??es e legisla??es dos países latinoamericanos. A segunda é herdeira da tradi??o jusnaturalista iniciada por Bartolomé de Las Casas, que reconhece a existência de direitos próprios e originários dos povos indígenas e que se reflete, hoje, sobre os Direitos Humanos que orientam as Declara??es de Direitos e Conven??es Internacionais, como por exemplo, a Conven??o n?. 169 da OIT.No Brasil, os direitos conferidos aos povos indígenas pela Constitui??o Federal de 1988 s?o caudatários da tradi??o jurídica moderna europeia e refletem, em certa medida, as demandas produzidas pelos povos indígenas e seus aliados no processo da Constituinte. S?o, portanto, um importante referencial normativo para a prote??o e garantia de direitos.A Constitui??o da República de 1988 incluiu no rol dos direitos fundamentais os direitos indígenas, assim escritos no plural, pois se trata de diversos direitos antes n?o reconhecidos pelo Estado brasileiro e incluídos num mesmo artigo.Conforme o artigo 231 da Constitui??o Federal s?o reconhecidos aos indígenas sua organiza??o social, costumes, línguas, cren?as e tradi??es, isto importa em reconhecer que n?o ser?o mais realizadas práticas integracionistas e de assimila??o for?ada à comunidade nacional por meio do próprio Estado, e que este tem o dever de garantir que outros Estados, grupos ou cidad?os também n?o realizem tais práticas.O segundo aspecto importante do referido artigo é o reconhecimento de direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam os povos indígenas. Isso significa dizer que antes mesmo da cria??o do próprio Estado nacional e de todo o seu aparato legal, os povos indígenas já ocupavam os territórios na América e, por isso, s?o plenos os direitos territoriais das terras que ocupam.Mas n?o é só isso, a import?ncia do artigo 231 da CF/88 reconhece o direito à terra, ela diz que este direito já persistia antes mesmo de toda a existência de regras e categorias constitutivas de direitos, a Constitui??o Federal n?o cria direitos, n?o dá, ela os reconhece como já existentes e aplicáveis antes mesmo de sua promulga??o.Tal aspecto jurídico é incompreendido por alguns juristas, pois só entendem o modo clássico de aquisi??o de propriedade por meio de um negócio jurídico de compra e venda e da hegemonia da propriedade privada e, além disso, ignoram quest?es históricas, antropológicas e sociais pelas quais os povos indígenas têm direito aos territórios que ocupam tradicional e historicamente.O artigo 232 da CF/88 também trouxe relevante inova??o para os direitos indígenas, pois deu legitimidade para o ingresso em juízo para os indígenas, suas comunidades e organiza??es e colocou o Ministério Público como garante dos atos processuais.Há, ainda, uma promessa n?o cumprida pelo Estado brasileiro que foi disposta no Ato das Disposi??es Constitucionais Transitórias - ADCT/CF, em seu artigo 67, que obrigou a Uni?o a concluir a demarca??o das terras indígenas no prazo de 5 (cinco) anos da data da promulga??o da CF/88, ou seja, hoje temos um atraso histórico de vinte e cinco anos na regulariza??o das terras indígenas brasileiras e que tem causado um cenário dramático para os povos indígenas por causa de conflitos intra e inter étnicos por terra e recursos.Outros dois dispositivos importantes da Constitui??o brasileira s?o os artigos 215 e 216, que tratam da cultura e de sua prote??o por meio de a??es do Estado para o pleno exercício dos direitos culturais, acesso, apoio, incentivo, manifesta??o e difus?o cultural.O reconhecimento desses direitos às etnias indígenas brasileiras também s?o refor?ados por declara??es de direitos e conven??es internacionais adotadas pelo Brasil, a saber, as principais s?o Declara??o Universal dos Direitos Humanos de 1948, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (Decreto n?. 592, de 06.07.1992), Pacto Internacional Direitos Econ?micos, Sociais e Culturais de 1966 (Decreto n?. 591, de 06.07.1992), Declara??o das Na??es Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007, Conven??o n?. 169 da Organiza??o Internacional do Trabalho – OIT de 1989 (Decreto n?. 5.051, de 19.04.2004), Conven??o Internacional sobre a Elimina??o de Todas as Formas de Discrimina??o Racial de 1965 (Decreto n.? 65.810, de 08.12.1969) e Conven??o Sobre Diversidade Biológica – CDB de 1992 (Decreto Legislativo n? 2, de 1994).Sobre a legisla??o nacional, dentre as principais, temos o Estatuto do ?ndio, Lei n?. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, o Decreto n?. 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que regulamenta a demarca??o de terras dos povos indígenas e a Lei n?. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a defesa dos direitos difusos e coletivos pelo Ministério Público Federal.Outras legisla??es relacionadas aos direitos indígenas podem ser consultadas e encontradas no sítio eletr?nico da FUNAI, reunidas em diversos eixos temáticos como legisla??o fundamental, cidadania, ordenamento territorial, meio ambiente, educa??o, seguridade social, cultura, organiza??o da Uni?o, etnodesenvolvimento, defesa e pesquisa.N?o obstante isso, mesmo com todos esses avan?os normativos n?o é possível ignorar o intenso processo de acultura??o for?ada promovido pelo Estado colonial desde o “descobrimento” até os dias de hoje e o atual avan?o das fronteiras agrícolas sobre as terras indígenas.Todo esse arcabou?o jurídico, ainda pouquíssimo explorado nas faculdades de direito, em raz?o do eurocentrismo na educa??o e da forte presen?a da colonialidade epistêmica do pensamento jurídico, é desconhecido por grande maioria dos juristas, causando a impress?o de que os povos indígenas inexistem e que n?o necessitam do poder judiciário,A riquíssima diversidade cultural dos índios no Brasil n?o foi ainda entendida pela sociedade brasileira. O próprio termo índio, genérico, insinua que todos estes povos s?o iguais. O senso comum acha que todos têm uma mesma cultura, língua, religi?o, hábitos e rela??es jurídicas civis e de família. Esta falsa ideia é disseminada nas escolas através dos livros didáticos, que n?o raras vezes misturam os índios brasileiros, seus costumes, com os índios norte-americanos que aparecem, também estereotipados, nos filmes do velho oeste (SOUZA FILHO, 1998. p. 38.).Para a Procuradora Federal Deborah Duprat, o judiciário brasileiro pouco tem discutido sobre o aspecto da coletividade dos direitos indígenas: Resulta inequívoca a diferen?a substancial entre a propriedade privada – espa?o excludente e marcado pela nota da individualidade – e o território indígena – espa?o de acolhimento, em que o indivíduo encontra-se referido aos que o cercam. A prática judiciária, no entanto, tende a equiparar ambos os institutos, conferindo-lhes, de resto, tratamento processual idêntico. (...) Sem a pretens?o de exaurir todas as dificuldades com que nos defrontamos nas lides diárias, o que se revela, nesse breve esbo?o, é um judiciário ainda marcadamente civilista, seja na interpreta??o do direito, seja na ritualística processual. Mesmo as decis?es que vêm ao encontro das aspira??es dos povos indígenas dificilmente conseguem fugir desse viés. ? pouca a reflex?o sobre direitos coletivos, e quase nenhuma sobre direito étnico (DUPRAT, p. 2).Fato é que, n?o raras vezes, as portas do judiciário est?o sempre fechadas para as suas demandas, assim como na história de Garabombo, que estava invisível para o poder público quando tentava demonstrar que a terra de sua comunidade foi-lhes concedida pelo Rei, jamais era visto ou ouvido, só ent?o quando organizou uma rebeli?o que as autoridades passaram a vê-lo e “ent?o foi perseguido como agitador e violador das leis, acabando preso e morto” (MAR?S, 1998, p. 85).O poder público, no ?mbito de seus três poderes, continua a manter um pluralismo formal legal, conforme afirma o Professor Rosembert Ariza Santamaría, n?o havendo possibilidade real de mudan?a para os povos indígenas e tradicionais, o que se revela em mera retórica jurídica,As inexistentes transforma??es reais do Estado e das teorias do direito, explicadas pelos transplantes jurídicos inadequados, tendem e assumem a constru??o de novos colonialismos legais que s?o, em última análise, a receita que assumem os Estados nas suas reformas constitucionais e judiciais em toda a nossa regi?o (SANTAMAR?A, 2017, p. 3008) .Nas palavras do professor Antonio Carlos Wolkmer, a transi??o de um judiciário regido pelos paradigmas firmados no direito moderno de matriz europeia/norte americana e com viés monista e positivista, deve ser uma “luta teórico-prática contra uma situa??o sociopolítica de domina??o, opress?o, explora??o e injusti?a” (WOLKMER, 2003, p. 24) para que haja efetiva transmuta??o do direito e do des-encobrimento do Outro enquanto sujeitos de direitos (realizáveis).No entanto, mesmo com a legisla??o posta, há ainda inúmeras tentativas de apagamento dos direitos indígenas, em especial do direito originário, dirigidas por setores conservadores desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 em que os aliados do governo Sarney, representados especialmente pelas For?as Armadas e seu Conselho de Seguran?a Nacional, tentaram impedir a aprova??o do artigo 231 e 232 da CF/88 na conforma??o atual (FERNANDES, 2015, p. 150).As demandas econ?micas em rela??o às terras indígenas produzidas pelo Estado e com forte presen?a da iniciativa privada nos chamados “projetos de desenvolvimento nacional” têm ocasionado intensos conflitos n?o só no ?mbito local, o que já é demasiadamente grave com rela??o ao uso despropositado de violência contra os indígenas, mas, também, nas esferas dos poderes, especialmente do judiciário que, cada vez mais, cria novas teses para a n?o concretiza??o e a desconstru??o dos direitos territoriais originários garantidos pela Constitui??o de 1988.Atualmente, essas for?as conservadoras continuam a tentar acabar com os direitos indígenas, agora sob outra roupagem, com outras estratégias de poder, com caráter de legalidade por meio de uma Proposta de Emenda à Constitui??o, “como de costume na retórica conservadora, o argumento da técnica serve para mascarar uma política, e contrária aos direitos humanos” (FERNANDES, 2015, p. 158).A PEC n?. 215/2000 pretende alterar a competência da demarca??o das terras indígenas do Poder Executivo para o Poder Legislativo, tendo ainda a prerrogativa de anular, rever as demarca??es de terras já realizadas e possibilitar a implanta??o de empreendimentos de grande impacto nas terras indígenas.Tal proposta, que além de absurda é inconstitucional, está sendo conduzida e apoiada pela “bancada ruralista” dentro do Congresso Nacional, que n?o está composta apenas pelos setores do agronegócio, mas também é apoiada pelos setores da minera??o, extrativista, madeireiros, grandes latifundiários e por um governo ilegítimo, que n?o só pretendem acabar com as terras indígenas, além de enfraquecer o procedimento de licenciamento ambiental e demais legisla??es ambientais e aprovar um marco regulatório de minera??o muito mais alinhado com os interesses do setor mineráo se ainda n?o bastasse, o judiciário segue alinhado com tais propostas ao sustentar ilegitimamente a tese do marco temporal demarcatório, no qual cria-se um marco temporal datado da promulga??o da Constitui??o em 05 de outubro de 1988, data essa que os povos indígenas deveriam estar sobre os territórios que ocupam, resistindo a possíveis violências para defesa de seus territórios e terem acionado o poder judiciário, denunciando o esbulho possessório para que somente hoje fossem reconhecidos os seus direitos territoriais.A tese do marco temporal demarcatório evoca os conflitos ocorridos há 526 anos atrás, dos embates entre os povos pré-colombianos e os europeus recém chegados nos territórios americanos.A t?nica da violência e da crueldade a que os povos originários foram submetidos reaparece sob a faceta da raz?o e da técnica, fazendo ressurgir a retórica jurídica t?o bem elucidada desde as polêmicas entre Las Casas e Ginés de Sepúlveda.Todo esse movimento contra os direitos étnicos e territoriais dos povos indígenas pode ser visto desde a atua??o Servi?o de Prote??o aos ?ndios e Localiza??o de Trabalhadores Nacionais – SPILTN, que sempre manteve um caráter paternalista e colonizador para a assimila??o dos indígenas à sociedade brasileira. Na década de sessenta o SPILTN foi substituído pela FUNAI, o qual acelerou esse processo de integra??o e expans?o das fronteiras agrícolas sobre as terras indígenas, que hoje ganha contornos de legalidade, mas continuam com o mesmo objetivo velado, acabar com os povos indígenas e liberar suas terras para o capital nessa nova geografia de poder e da divis?o dos recursos naturais.A necessidade de uni?o dos povos indígenas na luta pela terra e pela manuten??o de seus direitos étnicos e coletivos ganha novos desafios e requer a afirma??o dos diversos povos indígenas enquanto sujeitos históricos de um mesmo processo de domina??o e explora??o conduzidos pelo grande capital.3.2 A lógica da totalidade e da exterioridade na rela??o do Estado com os povos indígenasNeste ponto abordaremos as no??es de totalidade e exterioridade a partir das leituras de Enrique Dussel (2017, 2005, 2002, 1993, 1980) e Celso Ludwig (2014, 2011, 2006) e situaremos porque os povos indígenas est?o fora da totalidade dos sistemas político, econ?mico e jurídico, eles se encontram na exterioridade do sistema mundo moderno colonial.A reflex?o filosófica latinoamericana, especialmente da Filosofia da Liberta??o, reclama que o atual paradigma filosófico ocidental (ser, consciência e linguagem) n?o contempla a realidade do terceiro mundo em que grande parte das popula??es experimentam os mais diversos tipos de viola??es de dignidade e de direitos.Na periferia do mundo latinoamericano e caribenho as experiências de nega??o da concretude da vida é experimentada pela maioria da popula??o em sua própria corporalidade e pela impossibilidade de realiza??o material da vida, dos excluídos e afetados, da comunidade real, e das vítimas do sistema (mesmo que n?o intencionais).Para tanto, reivindica o reconhecimento de um quarto paradigma filosófico, o da vida concreta ou do paradigma da vida (LUDWIG, 2011) para dar conta dessas realidades.No caso dos indígenas latinoamericanos essa exterioridade da vida negada, do n?o-ser, n?o foi superada com os processos descolonizatórios e com a posterior e t?o recente inclus?o formal dos direitos indígenas na Constitui??o de 1988 e nas demais Constitui??es latinoamericanas, a exemplo a do Equador e da Bolívia,Na conquista histórica da América pelos europeus (Espanha e Portugal, inicialmente), houve o encontro com o Outro (o indígena). Esse outro foi aniquilado, negado e incluído no mundo de centro como coisa (a rela??o sujeito-objeto na práxis). O outro foi aniquilado pela elimina??o física, ou como sujeito, tornando-se instrumento a servi?o do “mesmo” (LUDWIG, 2011, p. 113).Esse outro é excluído do sistema mundo porque é o diferente e, a diferen?a, necessariamente, é identificada como o mal nas totalidades e deve ser conduzida ao “mesmo”, pois “o mal é a diferen?a, o bem é a volta do mesmo, à totalidade (LUDWIG, 2011, p. 111)”, é a redu??o da multiplicidade para a unicidade.As vítimas, mesmo elas n?o sendo intencionais, s?o excluídas e silenciadas dos processos decisórios, mas recebem os efeitos desses consensos do qual n?o foram partes. S?o hoje mais de dois ter?os das pessoas do mundo atual (LUDWIG, 2011, p. 109) e é a realidade da América Latina, os excluídos, os oprimidos, os condenados da terra.Para que a vida negada das vítimas tenha a possibilidade de se tornar vida concreta, vida afirmada, é preciso romper com as totalidades e afirmar a produ??o, reprodu??o e desenvolvimento da vida dos sujeitos em comunidade e que se encontram na exterioridade, é preciso romper com o modelo hegem?nico e criar um projeto factível de uma nova realidade que n?o produza vítimas. Ludwig (2014, 30-31) afirma que para suplantar a retórica da exalta??o dos direitos e do desenvolvimento pautados pelo mundo moderno, devemos realizar um pensamento crítico e contra-hegem?nico proposto pelas filosofias da liberta??o e alicer?ado num projeto transmoderno construído com base no paradigma da vida e que interpele pelo Outro,O que o ocorre é que a civiliza??o do capital - para outros a civiliza??o moderna - é que produz em sua lógica e em sua práxis rela??es sociais e sistêmicas de massiva viola??o dos direitos humanos. Produz rela??es de nega??o da mais elementar condi??o humana. E nas perspectivas das causas, a fonte maior dessas viola??es, ou seja, aquela que sup?e a viola??o mais grave e está na raiz das demais viola??es, é a violência estrutural: a violência da civiliza??o do capital (qui?á moderna) que coloca a imensa maioria da humanidade em condi??es biológicas, econ?micas, sociais, políticas, culturais e jurídicas em rigorosa precariedade, em condi??es desumanas (LUDWIG, 2014, p. 30-31).A realidade brasileira é excessiva nos exemplos de exterioridades aqui vivenciadas, as vítimas do machismo, as vítimas do racismo, as vítimas do sistema político, as vítimas do sistema de justi?a, as vítimas do sistema econ?mico, as vítimas do sistema pedagógico, dentre outros tantos, mas em conformidade com o até aqui abordado, trataremos do caso dos indígenas brasileiros, que é um dos exemplos mais simbólicos e sintomáticos de uma sociedade que negou suas vidas, subjetividades e direitos para contemplar os interesses políticos e do mercado.O Estado brasileiro sempre manteve uma rela??o de incompreens?o com os povos indígenas, primeiro na tentativa de extermínio e limpeza étnica, depois na rela??o tutelar e, posteriormente, numa rela??o de afirma??o de direitos, mas n?o necessariamente de sua efetiva??o.O caso dos povos indígenas no Brasil carrega ainda o peso do des-encontro do branco e do índio e da violência colonial imposta sobre os povos originários. Após mais de quinhentos anos de conflito reconheceu-se em 1988 o direito de eles permanecerem para sempre como índios (SOUZA FILHO, 2006) e, frisa-se, somente em 1988, é preciso repetir isso.Vê-se que a promessa constitucional ainda n?o se efetivou e está longe disso, principalmente porque temos uma cultura jurídica monista, autoritária e que recebe grande influência das matrizes europeia e anglo sax?nica.Também, porque a leitura que se faz do direito ainda carrega forte presen?a do individualismo e da hegemonia da propriedade privada, desprivilegiando a interpreta??o e efetiva??o dos direitos étnicos e coletivos, sem contar a ineficácia dos direitos humanos, em que pese a sua elucubra??o acadêmica, longe de querer desprestigiá-los, mas, novamente, a teoria n?o dá conta da realidade.A indissociabilidade entre a terra e a vida dos povos indígenas é incompreendida, segundo a leitura de Maria Rita Kehl, relatora da Comiss?o da Verdade para as quest?es indígenas, a rela??o intrínseca entre terra e vida para os povos indígenas é o fio que dá sentido à vida, mesmo quando n?o há vida, pois os indígenas n?o abandonam os seus mortos,A raz?o dos guarani para permanecer na terra é um pouco mais sofisticada. Eles n?o admitem abandonar seus mortos. Que por sua vez foram assassinados porque se recusavam a abandonar a terra de seus mortos mais antigos – e assim por diante. O fio que dá sentido à vida deles n?o se rompe com a morte dos antepassados. (...) O que eles reivindicam n?o é a propriedade, é o pertencimento. N?o é a terra “deles”, embora saibam que a lei do branco exige papel passado. N?o é a propriedade, é a terra à qual eles pertencem. Essa língua é mais estrangeira ao capitalista do que a própria língua indígena. A terra n?o é posse, n?o se troca por dinheiro, n?o serve para especular. Serve para você saber quem você é (KEHL, 2013). (grifos meus).Essa jun??o entre vida e terra, ou melhor explicitado vida, terra e natureza, é o que dá o sustento. O rio é o mercado e ao mesmo tempo o meio de transporte, o espa?o que ocupam identifica o seu povo, que se reproduzem garantindo a continuidade da etnia e a preserva??o de sua cultura e sua língua. A terra também é o cemitério onde os seus antepassados revivem, numa rela??o de espiritualidade, ao se misturar novamente com a terra, a terra está imbricada à vida deles.Entretanto, esta incompatibilidade gera conflitos, pois s?o antag?nicas as concep??es sobre a terra e por estarem os povos indígenas em desacordo com os interesses nacionais os direitos deles s?o colocados em segundo plano, em raz?o dos interesses capitalistas.As terras ocupadas pelos indígenas vistas aos olhos da sociedade nacional s?o consideradas terras que est?o destinadas ao ócio e que desperdi?am a possibilidade de gera??o de capital que emperram o desenvolvimento nacional.Nesse sentido, o paradigma da vida reclamado por Dussel é extremamente pertinente para a análise dos direitos indígenas, pois, para eles, a vida sempre foi a luta primeira, a luta pelo direito originário à terra é o fundamento primeiro, pois terra é vida e vida é terra.A tentativa do Estado, primeiro de enquadrar os indígenas nas sociedades nacionais por meio de assimila??o e acultura??o e, posteriormente, de enquadrar os seus direitos nas legisla??es, como se eles coubessem nos limites da nossa racionalidade modernizadora, foi sempre a tentativa de redu??o da multiplicidade à unicidade criticada e t?o bem elucidada por Dussel.Por isso mesmo é que apontamos a invisibilidade dos direitos indígenas como a nega??o material de suas vidas, o fundamento primeiro. Os direitos, embora aceitos pela lei, n?o encontram guarida no poder judiciário e seus titulares se convertem em Garabombos cada vez que tentam realizá-los.OS POVOS IND?GENAS E O CONFLITO EM BELO MONTE“Mas um índio é outra coisa que um pobre. Ele n?o quer ser transformado em alguém “igual a nós”. O que ele deseja é poder permanecer diferente de nós — justamente diferente de nós. Ele quer que reconhe?amos e respeitemos sua dist?ncia”. Viveiros de Castro..4.1 O caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte/ParáOs discursos produzidos sobre a Amaz?nia ainda carregam um forte apelo eurocêntrico que identificam o seu locus com a marca do atraso, da barbárie e da ausência do progresso.Ainda percorre no imaginário social o vazio demográfico e a possibilidade infinita de gera??o de riquezas a partir do avan?o sobre a natureza,Ao longo da história da humanidade, diversas imagens foram construídas sobre a Amaz?nia: sobre a floresta, sobre suas gentes, sobre seus rios. Pouco se contou, até hoje, desde a Amaz?nia: as histórias de vidas e lutas a partir de seus povos. Os textos enaltecem a figura do colonizador, que pode também ser chamado desbravador, viajante ou bandeirante. As pinturas retratam povos locais selvagens, animalizados. Portanto, n?o s?o apenas atrasados, de um ponto de vista evolucionista e servil à modernidade, mas também n?o s?o gentes. ? a figura inventada do outro, que é algo menos que gente, é próximo demais à natureza, chegando a se confundir com ela. Justamente por isso, a Amaz?nia é tida como um lugar vazio (GON?ALVES, 2017, p. 10). (grifos meus).Os espa?os geográficos na Amaz?nia foram construídos em harmonia com as águas e a natureza. As gentes que vivem no entorno dos seus rios criaram modos específicos de vida e de subsistência, que obedecem e se adequam às din?micas da natureza.Grandes projetos de desenvolvimento nacional foram instalados na regi?o amaz?nica, quase sempre impostos e sob o ideal do progresso e desconsiderando a diversidade de povos que ali habitam.Os seus rios, identificados como “jazidas de megawatts” (HERN?NDEZ; MAGALH?ES, 2011, p. 92), no passado e no presente foram e s?o objetos dos megaprojetos hidrelétricos em curso e em fase de conclus?o, a exemplo das UHEs de Jirau e Santo Ant?nio (RO), Belo Monte (PA), S?o Luiz do Tapajós (PA), Complexo Hidrelétrico Teles Pires (MT/PA), e dos projetos de barramentos em fase de estudos, como UHE Tabajara (RO), dentre outros.Atualmente, 74 usinas hidrelétricas est?o em opera??o, 31 em constru??o, 62 foram inventariadas, 91 est?o planejadas, segundo o sítio eletr?nico “Barragens na Amaz?nia”, da Fundación Proteger, International Rivers e por ECOA, que disponibiliza informa??es dos empreendimentos hidrelétricos em curso no Brasil e na América Latina, e que podem ser visualizados nos mapas anexos VI, VII e VIII deste trabalho.Todos esses empreendimentos geraram discuss?es sobre os aspectos dos projetos e seus impactos, bem como dos diversos sujeitos e grupos atingidos e seus direitos. A judicializa??o dos conflitos sempre foi qualificada como entrave ao desenvolvimento nacional e custoso ao poder público, em raz?o da paralisa??o de estudos ou obras para que se discutissem adequadamente as solu??es jurídicas aplicáveis à realidade.O discurso dominante, cal?ado pela no??o de interesse público, executa estudos e obras com a fa?anha de n?o realizar um debate público e suficiente nem mesmo com os atingidos, a exemplo da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em que somente 4 das 11 audiências públicas previstas foram realizadas, e de maneira controversa (MPF, 2009), sem contar a n?o observ?ncia dos preceitos legais sobre os direitos dos povos indígenas que s?o respaldados em conven??o internacional, o que, em tese, teria mais deferência pelo poder judiciário em raz?o do seu peso constitucional.A UHE de Belo Monte, que passo a utilizar agora como referência no trabalho, se tornou um dos casos mais exemplares e emblemáticos, sendo objeto de inúmeros estudos e interven??es a fim de realizar um debate mais apropriado, pois a prática que o poder público se utiliza em constru??es de megaobras advém da ditadura militar, em que os grandes projetos s?o anunciados como de interesse público, mas, de fato, n?o o s?o.O interesse público só surge como argumento favorável ao empreendedor nos processos judiciais em que os custos de paralisa??o da obra s?o colocados como imperativo ao desenvolvimento nacional.A repeti??o da lógica autoritária na constru??o desses empreendimentos se repete desde a Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, inaugurada no final da década de oitenta e considerada como um erro histórico em raz?o da baixa produ??o de energia e pelo alto custo ambiental da obra (FEARNSIDE, 2012, P. 111).O caso judicializado da UHE Belo Monte se tornou representativo pela disputa travada com os movimentos indígenas para a utiliza??o dos territórios que tradicionalmente ocupam para a instala??o do empreendimento.A disputa inicia-se, inclusive, antes da promulga??o da Constitui??o de 1988, que inclui em seus dispositivos o direito originário à terra e que acaba por impulsionar a articula??o do movimento indígena para a preserva??o de seus territórios e da natureza.A título de delimita??o do tema, utilizarei apenas o conflito com os povos indígenas que se encontram amea?ados pelo empreendimento Belo Monte que s?o nove etnias em onze terras indígenas os quais est?o nas margens do Rio Xingu. Os aspectos técnicos das viola??es de direitos e sua judicializa??o ser?o abordados no tópico seguinte.Por ora, gostaria de destacar que a imbrica??o entre direito e colonialidade revela os efeitos práticos a partir das decis?es judiciais em Belo Monte que, primeiro valida a constru??o do empreendimento sem a oitiva dos povos indígenas afetados, além de ignorarem a inconstitucionalidade do decreto autorizador da obra e, num segundo momento, flexibiliza o procedimento do licenciamento ambiental e efetiva a obra sem o cumprimento das condicionantes indígenas e socioambientais.A obra, controversa sobre vários aspectos, revela que existe o n?o-direito e o n?o-lugar dos povos indígenas, mesmo dentro do sistema constitucional brasileiro, que assegurou a garantia da sobrevivência e de seus direitos em conformidade com suas culturas, cren?as, tradi??es e formas de organiza??o social.Tais popula??es, e aqui n?o me refiro só aos indígenas, já vulnerabilizadas pela sua condi??o econ?mica e social, em sua maioria ainda n?o tem acesso ao judiciário para reclamar seus direitos e ter voz nos processos decisórios, permanecendo, assim, nas zonas de sacrifícios (VIEGAS, p. 20) criadas pelo empreendimento.No entanto, mesmo as narrativas embasadas pela cientificidade e que est?o contidas e identificadas nesse mesmo estrato do conflito, quando se é contrária ao projeto e quando se contrap?em à narrativa oficial posta nos documentos técnicos do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA e nas licen?as de instala??o e opera??o da obra, também s?o desconsideradas pelo Estado, a exemplo da fala do Professor Célio Bermann, engenheiro mec?nico e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, pela FEM/UNICAMP, e professor da USP, em entrevista concedida à Revista Diferencial:“vivemos a prática política da autocracia, baseada em processos decisórios em que n?o escutam a crítica e o contraditório, apenas decidem e empurram como trator uma decis?o já tomada. (...) Este projeto de Belo Monte é irracional. N?o corresponde à lógica da engenharia. (...) Tive a oportunidade de reunir os meus alunos da USP para examinar em detalhes o plano decenal preliminar. Foi nos dado 30 dias para avaliar o plano e apresentar sugest?es para que fosse modificado. A isso se chamou consulta pública. E nós fizemos o seguinte exercício comparando a vers?o que foi tornada pública para efeito do cumprimento do rito administrativo com aquela finalizada com a assinatura do Ministro das Minas e Energia. Das 340 páginas do Plano, houve uma modifica??o em apenas duas. Uma das páginas reconsiderando a forma de avalia??o do benzeno no processo de refino (até que ponto deve ser utilizado) de combustíveis e a outra em rela??o ao modelo de transporte de gás natural. Todas as demais considera??es estudadas e apresentadas em quadros, tabelas gráficos, nenhuma foi considerada. Mais uma evidência de como a decis?o é de um lado só no setor energético e que o planejamento nesse aspecto, que deveria ter espa?o para discuss?o e debate de alternativas, n?o é verificado” (AMORIN JR, 2015).No caso judicializado da UHE Belo Monte, revela-se que os discursos produzidos pelos sujeitos que n?o s?o diretamente beneficiados pela obra, mas que pelo contrário, s?o os que v?o arcar com os ?nus e riscos ambientais e sociais, s?o deslocados e n?o considerados pelo discurso oficial, ou seja, pelo discurso técnico dominante que n?o os considera como impactados, e pelo discurso jurídico que n?o considera, até o momento, seus direitos prevalecentes.Percebe-se, nesse ponto, que a decis?o sobre a constru??o da obra é política e anterior a qualquer submiss?o de análise técnica e regularidade jurídica. Precede ao que foi estabelecido pela Constitui??o Federal, no seu artigo 231, § 3?, e na Conven??o n?. 169 da Organiza??o Internacional do Trabalho – OIT, independendo, ainda, do resultado e da análise dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, procedimento que atesta a viabilidade socioambiental da obra, o que se reveste em plena viola??o de direitos, conforme afirma Dalmo Dallari:N?o é pura e simplesmente ouvir para matar a curiosidade, ou para ter-se uma informa??o relevante. N?o. ? ouvir para condicionar a decis?o. O legislador n?o pode tomar decis?o sem conhecer, neste caso, os efeitos dessa decis?o. Ele é obrigado a ouvir. N?o é apenas uma recomenda??o. ?, na verdade, um condicionamento para o exercício de legislar. Se elas (comunidades indígenas) demonstrarem que será t?o violento o impacto (da minera??o ou da constru??o de hidrelétrica), será t?o agressivo que pode significar a morte de pessoas ou a morte da cultura, cria-se um obstáculo intransponível à concess?o da autoriza??o (DALLARI, 1990).Em meio a uma infinidade de irregularidades nos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, surge para o direito novas quest?es a serem enfrentadas, visto que conflitam vários direitos coletivos, a saber, interesse público e ordem econ?mica versus direitos territoriais originários dos povos indígenas e meio ambiente ecologicamente equilibrado, só para citar os mais evidentes.A n?o homogeneidade do debate demonstra as diversas possibilidades de interpreta??es e situa??es de viola??es de direitos com o uso de práticas de silenciamento e assimila??o dos atingidos à sociedade dominante, como afirma a antropóloga S?nia Magalh?es,Todavia, embora a expropria??o n?o tenha sido silenciosa, ela foi silenciada. Silenciada à medida que a Norte Energia tem feito prevalecer o seu modus operandi, à revelia seja do órg?o licenciador seja das manifesta??es de protesto, inclusive de associa??es científicas, seja de a??es civis públicas originárias do Ministério Público Federal (MAGALH?ES, 2017, p. 26).A domina??o sobre a regi?o Amaz?nica sempre produziu um desenvolvimento colonizado, distante da outridade (PORTO-GON?ALVES, 2008, p. 47) amaz?nica, ou seja, dos sujeitos que s?o invisibilizados pelo mundo moderno-colonial,No discurso desenvolvimentista, há uma aparência de que o postulado do desenvolvimento n?o pode ser discutido, parece ser um dogma; só pode ser justificado, apoiado, legitimado. Para aqueles que defendem este desenvolvimento tal qual posto para a Amaz?nia, muitas vezes n?o s?o admitidos limites. O direito é um dos meios privilegiados para garantir esse resultado, quer seja nas rela??es internacionais, quer no ?mbito interno do país (VIEIRA, 2015, p. 91). A a??o etnocida do Estado brasileiro no caso da UHE Belo Monte demonstra que o judiciário atua sob a lógica da colonialidade do poder, da tradi??o do pensamento jurídico moderno/colonial, que tem sido fundamental para perpetuar a condi??o subalterna dos atingidos por empreendimentos hidrelétricos na Amaz?nia.Coloca-se o desenvolvimento em disputa, mas sem a possibilidade de supera??o da subalterniza??o de povos e saberes e da trinca da domina??o/explora??o/conflito,Primeiro, reduz o Direito ao direito estatal, dessa maneira, ignora outras express?es jurídicas n?o estatais, isto é, oculta o pluralismo jurídico. Acredita, portanto, que o Direito só é norma ou institui??o e, como consequência, absolutiza-se a lei do Estado e se burocratiza sua estrutura. Além disso, o saber jurídico fica reduzido à pura lógica analítica e normativa, de maneira que s?o ignoradas as suas conex?es políticas e éticas. Segundo, separa o ?mbito do público e do privado, com as consequências negativas que, no ?mbito das garantias, possuem os direitos humanos sob o predomínio da combina??o entre as racionalidades instrumental e mercantil, por um lado, e a patriarcal ou machista, por outro. Separa também o jurídico do político, isto é, separa o direito das rela??es de poder. Terceiro, abstrai o mundo jurídico do contexto sociocultural no qual se encontra e que o condiciona. Substitui-se o humano corporal, com necessidades e produtores de realidades, por seres sem atributos, fora da contingência e subordinados a suas próprias produ??es sócio-históricas, como s?o o mercado, o Estado, o capital e o próprio Direito. Abstrai a tais níveis que os juristas acreditam que nossas ideias, categorias, conceitos e teorias s?o o que geram os fatos. Isto é, pairam acima da realidade, como se estivessem no imaginário ponto zero do conhecimento. Pensar descolonialmente significa problematizar como essas ideias pretensamente universais e deslocalizadas s?o produzidas a partir de sujeitos localizados e demonstrar como as rela??es de poder que condicionam suas constru??es discursivas. Trata-se de proporcionar uma reflex?o sobre o controle epistêmico, que possibilitou e continua possibilitando a existência de um sistema de conhecimento que atua refor?ando a superioridade de determinados povos e conhecimentos em detrimento de outros (DAM?ZIO; SPAREMBERGER, 2016, pp. 279-280).Desse modo, evidencia-se que, previamente, já há uma escolha pelos empreendimentos, mesmo que os projetos possuam inconsistências graves, em todas as suas etapas, desde os Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental EIA-RIMA até o questionamento judicial da legalidade dos seus procedimentos.Os reflexos da colonialidade no modo de atua??o do judiciário até aqui destacados indicam que o Estado brasileiro apenas tolera os direitos dos povos indígenas, desde que eles n?o esbarrem nos projetos de desenvolvimento nacional e nas raz?es de Estado.Mas refletir sobre a inclus?o dos direitos dos povos indígenas e sua efetividade na Constitui??o de 1988 é desvelar um passado de opress?es que criou um abismo de desigualdades a partir da desconsidera??o do ser indígena e que ainda n?o superamos.4.2 A??o Civil Pública n?. 3017-82.2015.4.01.3903: relato da a??o etnocida do Estado brasileiroO debate sobre a explora??o do potencial energético do Rio Xingu se inicia na década de setenta, antes denominado de Complexo Karara?. Foi projetada uma usina para ser a maior hidrelétrica brasileira e a terceira maior hidrelétrica do mundo, com capacidade instalada de 20.000 megawatts (HURWITZ, [et. al.], 2011, p. 20). Com a demonstra??o dos elevados custos e riscos sociais e ambientais o projeto foi suspenso em 1989.Em 2002 o projeto é remodelado e renomeado como Complexo Belo Monte, pois n?o se dariam mais nomes indígenas às megaobras hidrelétricas, e foi apresentado ao Ministério de Minas e Energia. No entanto, o empreendimento n?o foi considerado como prioridade dos governos estadual e federal e, ainda, encontrava forte resistência por parte dos povos indígenas, dos movimentos sociais e do Ministério Público Federal que apontava uma série de irregularidades nos estudos de impacto ambiental, no procedimento de licenciamento ambiental e na licita??o para a contrata??o da empresa responsável pelo EIA-RIMA.Em 2007 o Complexo Belo Monte, a ser instalado no Estado do Pará, foi incluído no Programa de Acelera??o do Crescimento (PAC) como projeto indispensável, à revelia dos povos indígenas, das popula??es ribeirinhas, extrativistas e agricultores familiares.O Rio Xingu é um rio federal que corta dois estados da federa??o e tem intensa rela??o com os povos e comunidades tradicionais que habitam em suas margens e fazem dela o seu modo de vida e de subsistência:O Rio Xingu é um dos maiores afluentes do Rio Amazonas. (...) O Xingu percorre uma dist?ncia de 2.271 km entre os estados de Mato Grosso e Pará, para depois desembocar no Rio Amazonas. A bacia hidrográfica do Xingu é um ícone da diversidade cultural e biológica do Brasil, contando um extenso mosaico de unidades de conserva??o e Terras Indígenas ao longo da maior parte do curso do rio. Nessa regi?o moram aproximadamente 40 Povos Indígenas, cerca de 25 mil indígenas de quatro troncos linguísticos diferentes e grupos indígenas em isolamento voluntário, além de milhares de ribeirinhos e extrativistas rurais (HURWITZ, [et. al.], 2011, p. 20).O novo projeto da UHE Belo Monte prevê uma potência instalada de 11.233 megawatts e sua área de inunda??o é 668 km?, e atingirá cerca de nove etnias indígenas que vivem no entorno do Complexo do Xingu, Yudjá (Terra Indígena Paqui?amba - impacto direto), Arara (Terra Indígena Arara da Volta Grande - impacto direto -, Terra Indígena Cachoeira Seca e Terra Indígena Arara), Jurunas do km 17 (impacto direto), Asurini do Xingu (Terra Indígena Koatinemo), Araweté (Terra Indígena Arawete do Ipixuna), Parakan? (Terra Indígena Apyterewa), Karara? (Terra Indígena Karara?), Kayapós e índios citadinos.A megaobra é objeto de disputa entre os grupos interessados pela constru??o do empreendimento, a saber, os grupos econ?micos do setor barrageiro e seus financiadores, e dos grupos que ser?o impactados pela barragem, além dos grupos de defesa do meio ambiente e de ativistas e intelectuais que defendem que o debate sobre o aproveitamento energético deve ser público e de ampla discuss?o sobre a necessidade e viabilidade social e ambiental dos projetos.A conflitualidade do debate em torno da obra estabelece uma disputa sobre o sentido do desenvolvimento nacional e da necessidade de implanta??o de uma obra que n?o foi justificada adequadamente pelo poder público se levarmos em conta a quest?o da magnitude do projeto, do n?o dimensionamento dos seus impactos e dos investimentos públicos realizados.Os sujeitos invisibilizados, as popula??es indígenas e tradicionais, que dependem do ecossistema do Xingu para sua reprodu??o social, cultural e econ?mica, arcam com os ?nus da obra e seguem subalternizados pela forma??o discursiva em torno da necessidade do aproveitamento hidrelétrico do Xingu, notadamente porque a constru??o da narrativa da necessidade da obra e a decis?o sobre ela é política, e n?o técnica e jurídica, “os grandes projetos se imp?em, sem media??es, nos territórios em que se instalam” (NOVOA GARZON, 2015, p. 395).Nos estratos do conflito é possível identificar que a narrativa oficial do Estado subalterniza saberes que n?o est?o traduzidos pelo rigor científico e, por isso, n?o s?o aptos a constarem nos relatórios técnicos utilizados para conferir o status de viável à megaobra, a exemplo dos conhecimentos tradicionais das popula??es ribeirinhas relatando o impacto sobre a pesca e a navega??o nos rios amaz?nicos, implicando na prática da colonialidade do saber (RESTREPO; ROJAS, 2010, p. 136) que domina o discurso moderno ocidental, mas “o saber n?o é uma exclusividade da ciência” (MACHADO, 2009, p. 154).O debate carrega em seu eixo o sentido do desenvolvimento nacional e a disputa sobre os conceitos e fundamentos que justificam as decis?es tomadas pelo poder público na constru??o dos grandes empreendimentos do desenvolvimento nacional e em que a participa??o popular quase sempre é restrita ou insignificante,A decis?o de construir o Complexo Belo Monte foi uma afirma??o brutal e unilateral de um itinerário que excluía, objetiva e simbolicamente, qualquer possibilidade de transi??o societal ou de “reformas estruturais” pela via de nossa restringida democracia (NOVOA GARZON, 2015, 403).O tensionamento do debate é marcado pela violência institucional e simbólica com que o poder público sempre utilizou para a constru??o de megaobras, resquício ainda presente desde a ditadura militar, mesmo com a promulga??o da Constitui??o Federal de 1988, em seu artigo 231, que incluiu no rol de direitos fundamentais os direitos indígenas.A regi?o de Belo Monte que já se enquadrava na área do “arco do desmatamento” ainda apresenta inúmeros conflitos por terras, madeira, minérios, presen?a de n?o-índios em terras indígenas, a n?o demarca??o das terras indígenas, conflitos inter e intra étnicos, cenário esse que tem se agravado com a chegada da barragem.A judicializa??o do caso come?ou no ano de 2001 quando o Ministério Público Federal do Estado do Pará prop?s a primeira A??o Civil Pública Ambiental com pedido de liminar, questionando a condu??o dos estudos sobre o licenciamento por órg?o incompetente, pois o Rio Xingu é bem da Uni?o, Rio Federal, e seu licenciamento deveria ser feito pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, e os estudos estavam sendo realizados por órg?o estadual e, ainda, o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ambiental – EIA-RIMA estava sendo feito por empresa contratada sem licita??o.No ano de 2006 foi ajuizada a segunda A??o Civil Pública, considerada uma das mais emblemáticas porque aponta a inconstitucionalidade do decreto autorizador da obra. O Decreto n?. 788/2005 tramitou no Congresso Nacional e teve repercuss?o após a sua aprova??o quando o MPF apontou a nulidade do decreto por modifica??o do projeto no Senado sem retorno do mesmo à C?mara dos Deputados, ferindo, assim, o processo legislativo. Além disso, n?o foi realizada a oitiva das comunidades indígenas afetadas, conforme prevê o artigo 231, § 3? da Constitui??o Federal, em que é obriga??o do Congresso Nacional ouvir os povos indígenas e, no caso em tela, a oitiva foi delegada.As demais a??es civis públicas e a??es de improbidade administrativa foram sendo propostas ao longo dos últimos dezesseis anos e est?o descritas no anexo XIII do trabalho, pois é de fundamental import?ncia que os leitores tenham acesso a este conteúdo para compreender a relev?ncia da judicializa??o do caso Belo Monte e que no momento elucidarei algumas delas de modo pontual.Neste momento, explanarei o conteúdo da vigésima primeira A??o Civil Pública com pedido de liminar, proposta em dezembro de 2015 e que aponta o etnocídio dos povos indígenas afetados pelo empreendimento, compostos por nove etnias que vivem no complexo do Xingu.Antes de discorrer propriamente sobre a a??o, destaco o conceito de etnocídio estudado a partir do livro a “Arqueologia da violência”, de Pierre de Clastres (2004).A no??o de etnocídio come?a pela identifica??o do Outro como diferente, a má diferen?a, e que é preciso superá-la, mesmo que para isso seja necessário a elimina??o do Outro, o “etnocídio é praticado para o bem do selvagem” (CLASTRES, 2004, p. 57).Desde 1492 essa violenta a??o se imp?s como justificativa para a concretiza??o da modernidade com a hierarquiza??o das culturas e com a afirma??o da superioridade da cultura ocidental sobre as demais, que deviam ser assimiladas ou eliminadas, conforme já abordado no primeiro capítulo. Desse modo, para Clastres o etnocídio é a imposi??o violenta dos modos de vida e pensamento de um povo sobre outro povo, é a nega??o do outro enquanto diferente:Se o termo genocídio remete à idéia de "ra?a" e à vontade de extermínio de uma minoria racial, o termo etnocídio aponta n?o para a destrui??o física dos homens (caso em que se permaneceria na situa??o genocida), mas para a destrui??o de sua cultura. O etnocídio, portanto, é a destrui??o sistemática dos modos de vida e pensamento de povos diferentes daqueles que empreendem essa destrui??o. Em suma, o genocídio assassina os povos em seu corpo, o etnocídio os mata em seu espírito. Em ambos os casos, trata-se sempre da morte, mas de uma morte diferente: a supress?o física e imediata n?o é a opress?o cultural com efeitos longamente adiados, segundo a capacidade de resistência da minoria oprimida. Aqui n?o é o caso de escolher entre dois males o menor: a resposta é muito evidente, mais vale menos barbárie que mais barbárie. Dito isto, é sobre a verdadeira significa??o do etnocídio que convém refletir (CLASTRES, 2004, p. 56).A referida a??o civil pública demonstra a a??o etnocida do Estado brasileiro desde o início da constru??o da UHE e evidenciado com a presen?a da colonialidade do poder nas práticas institucionais dos poderes Executivo e Judiciário.Em dezembro de 2015, a Procuradoria da República no Município de Altamira entrou com uma A??o Civil Pública com pedido de liminar após a constata??o por meio de quatro inquéritos civis que o Estado brasileiro agiu de forma etnocida ao permitir que os impactos incidentes sobre os povos indígenas atingidos pelo empreendimento se concretizassem com a ineficiente execu??o do Plano de Mitiga??o de Impacto da obra previsto nas condicionantes do projeto.Os réus dessa a??o s?o a Uni?o, a Norte Energia S/A – NESA, a Funda??o Nacional do ?ndio – FUNAI e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.A implanta??o e viabilidade do empreendimento estava condicionada ao cumprimento e execu??o do Termo de Compromisso de A??es Emergenciais FUNAI-NESA, de setembro de 2010, do Plano Básico Ambiental – Componente Indígena (PBA-CI) (MPF, 2006, p. 59), firmado em maio de 2011 e reafirmado no termo de compromisso para garantia e execu??o do PBA, em junho de 2014 (MPF, 2006, p. 15-16).No entanto, as licen?as de instala??o e opera??o foram concedidas posteriormente pelo órg?o licenciador, mesmo sem o cumprimento eficaz das a??es previstas nesses documentos.Consta da a??o que a FUNAI foi destituída de estrutura para a atua??o eficaz junto aos povos indígenas, o que era justamente o contrário de uma das condicionantes previstas do projeto. Também, que o empreendedor da obra agiu de forma negligente com o PBA-CI quando, de forma arbitrária, flexibilizou e alterou unilateralmente o PBA-CI e o modo de realiza??o das a??es mitigatórias (MPF, 2006, p. 3).Relata-se que os indígenas da etnia Araweté se confundiam sobre quem eram as pessoas que estavam executando as a??es, acreditando que representantes do empreendedor eram os da FUNAI ((MPF, 2006, p. 27), veja-se, também:Tanto a??es realizadas pela empresa Norte Energia à margem do licenciamento, como programas do PBA-CI (que contém a??es estruturantes), foram executados sem a devida interven??o ou mesmo sem o conhecimento da FUNAI. Com isso, análises a posteriori relatam a??es homogeneizantes e impactantes implementadas diretamente pelo empreendedor, que n?o poderia substituir a FUNAI no protagonismo da política indigenista, principalmente pelo seu papel de poluidor-pagador, com interesses antag?nicos aos dos povos indígenas atingidos. Os pronunciamentos da FUNAI sobre a execu??o dos programas mitigatórios s?o tardios e n?o há notícia de comunicado ao licenciador sobre as irregularidades verificadas, sendo de fácil percep??o que a pouca capacidade de interferência da FUNAI se reduz aos momentos em que é chamada a se manifestar sobre as licen?as ambientais para prosseguimento do processo (MPF, 2006, p. 27-28).A transforma??o nos locais atingidos pelo empreendimento demonstra a contrariedade da execu??o do projeto com a previs?o constitucional do artigo 231 da Constitui??o Federal, porque na prática viola os direitos dos povos indígenas da regi?o, fazendo reaparecer a t?nica da violência colonizatória, mesmo após a garantia de n?o incorpora??o for?ada à cultura dominante e de permanência nos territórios que tradicionalmente ocupam os povos indígenas.O que se depreende do contexto da a??o s?o práticas de violência institucional simbólica, conflitos inter e intra étnicos, silenciamento dos atingidos, desconsidera??o dos modos de vida dos povos indígenas e de sua rela??o com a natureza, má-fé nas a??es do empreendedor, impactos n?o mensurados da obra, traduzindo-se, assim, em práticas etnocidas do Estado brasileiro no caso da UHE Belo Monte,O Estado faz uma op??o por deixar morrer culturalmente esses grupos, diante de sua própria a??o etnocida. Uma escolha que n?o tem guarida na ordem jurídica e cuja real dimens?o apenas pode acessada se compreendermos o que foi feito deste Componente Indígena pela a??o da concessionária Norte Energia (MPF, 2006, p. 29).Conforme destacam os próprios Procuradores da ACP, a relativiza??o dos direitos humanos e fundamentais dos povos indígenas só pode ser admitida quando se preservam minimamente o núcleo essencial do direito fundamental (MPF, 2006, p. 7).N?o se trata de ser contrário à obra pura e simplesmente, mas de apontar os equívocos da atua??o do Estado e do empreendedor, que s?o responsáveis pela viabilidade do empreendimento, responsabilidade essa que inclui o cumprimento das condicionantes estabelecidas e da n?o invers?o dos papéis público/privado.Essa a??o é simbólica e paradigmática porque reitera as advertências feitas pelo MPF desde o início da judicializa??o do conflito e que, mesmo sem o cumprimento das condicionantes do projeto, o licenciamento seguiu e o poder judiciário determinou a continuidade da obra, por diversas vezes, via mecanismo da suspens?o de seguran?a, instrumento jurídico utilizado para driblar as liminares que obrigavam a paralisa??o das obras, consoante o entendimento do Procurador Luís de Cam?es Lima Boaventura, que atua no caso do aproveitamento hidrelétrico de S?o Luiz do Tapajós/Pará,Com a Suspens?o de Seguran?a, o governo aposta na morosidade da justi?a para criar o fato consumado, independente de que efeitos esteja causando nas regi?es e povos atingidos e de que leis estejam sendo desrespeitadas. (...) A Suspens?o de Seguran?a é um instrumento autoritário que subsiste na democracia permitindo a um presidente de tribunal praticamente anular o processo judicial. Contraria o próprio sentido de corte, onde as decis?es devem ser tomadas de forma colegiada. (...) Com tantas Suspens?es de Seguran?a a favor do governo nos casos de usinas hidrelétricas na Amaz?nia, o Judiciário vem criando uma situa??o paradoxal, em que a própria justi?a está impedida de cobrar o cumprimento das leis. Na prática, quando se trata de usinas hidrelétricas gigantescas na regi?o amaz?nica, está criado um estado de exce??o, uma suspens?o da Constitui??o e das leis, que beneficia algumas empreiteiras e causa prejuízos graves para a coletividade (CHAVES, 2016).Outro ponto relevante do debate n?o só sobre Belo Monte, mas que já subsiste nas constru??es de grandes empreendimentos, especialmente no setor energético, é a flexibiliza??o das normas do procedimento do licenciamento ambiental.Vale ressaltar neste ponto as normas que regulam o procedimento de licenciamento ambiental e suas características. A come?ar pela Lei n?. 6.938/81 que regulamenta a Política Nacional de Meio Ambiente e torna o licenciamento ambiental um instrumento desta política, artigo 9?, e obriga o prévio procedimento do licenciamento ambiental as atividades potencialmente poluidoras, artigo 10.A Resolu??o n?. 237, de 19 de dezembro de 1997, estabelece em seu artigo primeiro o que é o procedimento de licenciamento ambiental:I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órg?o ambiental competente licencia a localiza??o, instala??o, amplia??o e a opera??o de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degrada??o ambiental, considerando as disposi??es legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.Percebe-se, assim, que o licenciamento ambiental é procedimento pelo qual os órg?os públicos autorizam e fiscalizam as interven??es causadas no meio ambiente por meio de obras e atividades que possuem potencial poluidor ou de degrada??o ambiental.A competência para o licenciamento ambiental pode se dar nas esferas Federal, Estadual e Municipal, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, conforme regula??o prevista na Resolu??o CONAMA 237/97.O procedimento é composto por três tipos de licen?as, Licen?a Prévia (LP), Licen?a de Instala??o (LI) e Licen?a de Opera??o (LO), conforme artigo oitavo da Resolu??o, destacando a exigibilidade da observ?ncia do que foi estabelecido previamente em cada licen?a para que as demais sejam concedidas na ordem prevista pelo dispositivo:Art. 8? - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licen?as:I - Licen?a Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localiza??o e concep??o, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementa??o;II - Licen?a de Instala??o (LI) - autoriza a instala??o do empreendimento ou atividade de acordo com as especifica??es constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;III - Licen?a de Opera??o (LO) - autoriza a opera??o da atividade ou empreendimento, após a verifica??o do efetivo cumprimento do que consta das licen?as anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a opera??o.Importante ressaltar também que qualquer outro tipo de licen?a específica será estabelecido pelo CONAMA, de acordo com as peculiaridades do empreendimento.Esclarecida as regras mínimas do procedimento de licenciamento ambiental podemos chegar a duas conclus?es: primeiro, que o procedimento é obrigatório e as regras de competências de quem é órg?o licenciador est?o claramente definidas e, segundo, que as etapas previstas para concess?o das licen?as s?o condicionadas ao cumprimento de obriga??es por parte do empreendedor em cada licen?a e para que se torne ambientalmente viável o empreendimento ou a atividade.No caso específico da UHE Belo Monte o órg?o responsável pelo licenciamento ambiental é o IBAMA, pois prevê o artigo quarto, inciso I, da referida Resolu??o que empreendimentos desenvolvidos em terras indígenas s?o de competência do IBAMA.Em Belo Monte a licen?a prévia foi provida sob a exigência de se cumprirem todas as condicionantes sociais, ambientais e indígenas impostas ao projeto para que ele se tornasse viável.A licen?a de instala??o só poderia ter sido concedida após a observ?ncia desse “encargo” da megaobra, mas, mesmo com o n?o cumprimento das condicionantes, a licen?a de instala??o foi concedida.Foram criados institutos inexistentes no direito brasileiro, como a “licen?a parcial” para que se justificasse a continuidade das obras sem o cumprimento das condicionantes, fato esse que contraria a previs?o do artigo nono da Resolu??o CONAMA 237/97 já esbo?ado anteriormente.O mesmo processo foi repetido com a licen?a de opera??o, aprovada sem o atendimento da maioria das condicionantes.Uma das conclus?es da a??o é que os recursos destinados ao cumprimento das a??es emergenciais antecipatórias do Plano de Mitiga??o de Impacto do Componente Indígena da UHE Belo Monte, onde R$ 30.000,00 (trinta mil/ano por aldeia) seriam destinados ao cumprimento do Plano Emergencial e R$ 50.000,00 (cinquenta mil/ano por aldeia) para a execu??o de programas de fortalecimento cultural,No lugar das a??es de etnodesenvolvimento, e com os recursos a elas destinados, a Norte Energia operou uma política de distribui??o de bens de consumo e alimentos industrializados, aos quais os indígenas teriam acesso mediante a entrega de suas ‘listas’ nos balc?es da empresa (MPF, 2006, p. 32).Tais recursos foram gastos, “a conclus?o é inequívoca: embora os recursos a ele destinados tenham sido gastos, o Plano Emergencial de Etnodesenvolvimento n?o foi executado” (MPF, 2006, p. 31-32), o que se verifica em realidade pelas conclus?es dos inquéritos civis e da referida ACP é que houve uma despotencializa??o das formas de organiza??o e resistência das comunidades indígenas, que tiveram fragmentadas e fragilizadas as suas rela??es intra e inter étnicas causadas pela entrada de bens estranhos às suas culturas, bens de consumo que n?o faziam parte seus modos de vida e alimenta??o, “modificou abruptamente os hábitos alimentares dos indígenas e transformou o meio ambiente das aldeias em um acumulado de lixo n?o perecível” (MPF, 2006, p. 39).Até mesmo as idas para o centro urbano de Altamira se mostraram uma realidade desconhecida por muitos deles, como é o caso dos Araweté:No entanto, os índios n?o tinham no??o do que significava aquela quantia, tampouco o que se podia fazer com ela […] Até o início das negocia??es com a NESA (com ou sem CTL), os Araweté n?o visitavam com muita regularidade a cidade de Altamira. [...] Em dezembro de 2011 e janeiro de 2012, porém, havia muito mais motivos para vir a Altamira. Havia um fluxo constante de dinheiro disponibilizado a eles, algo que, naquele momento, parecia ser interminável. Isso fez com que alguns deles frequentassem a cidade ao menos uma vez por mês. Outros vinham só quando deviam buscar alguma mercadoria específica (como vestimentas, redes, mosquiteiros), como na ocasi?o em que toda a aldeia recebeu uma cota para ser gasta em roupas – nesta situa??o, por exemplo, alguns velhos e crian?as visitaram pela primeira vez a cidade. A maior parte dos Araweté encontra dificuldades práticas com a estada na cidade – sobretudo em atividades cotidianas como atravessar a rua, lidar com dinheiro e troco, o cardápio alimentar, as formas de banhar-se e higienizar-se etc. - mas com a vinda de crian?as e velhos essa dificuldade se intensificava muito. (grifos meus) (MPF, 2006, p. 33-34).Tais práticas tiveram êxito em silenciar a acalmar os povos afetados para que se mantivessem longe dos canteiros de obras do empreendimento.Além de expressar uma política de pacifica??o, que garantiu que a UHE Belo Monte fosse construída sem a barreira que os povos indígenas e as a??es condicionantes representavam, operando longe do espa?o legítimo de participa??o (Comitê Gestor que, diga-se, nem mesmo foi criado), o Plano Emergencial enfraquece política, social e economicamente as comunidades, e representa uma a??o homogeneizante e de instiga??o ao consumo.Em Belo Monte, manteve-se uma política de balc?o e silenciamento no lugar do cumprimento das condicionantes, e as licen?as continuam sendo concedidas sem o cumprimento do componente indígena, concluíram os Procuradores do MPF que:1. O Termo de Compromisso foi descumprido pelo empreendedor, uma vez n?o implementado o Programa Emergencial de Etnodesenvolvimento – atividades culturais e produtivas; 2. A política de distribui??o de mercadorias que ficou conhecida como Plano Emergencial n?o tem lastro no licenciamento e viola todas as premissas que orientam a implementa??o do componente indígena, de modo que n?o pode ser afirmada como a??o de etnodesenvolvimento e tampouco como a??o socioambiental; 3. A política de distribui??o de mercadorias que ficou conhecida como Plano Emergencial antecipou e maximizou os impactos previstos para a UHE Belo Monte e trouxe outros n?o prognosticados, os quais devem ser identificados e mitigados e; 4. política de distribui??o de mercadorias que ficou conhecida como Plano Emergencial representa uma renova??o das práticas colonizadoras de violência contra os povos indígenas, realizada no contexto de um programa de desenvolvimento do Governo Federal (MPF, 2006, p. 47).Os planos emergenciais foram estruturados de forma unilateral pelo empreendedor e sem a possibilidade de acompanhamento pela FUNAI em raz?o de sua desestrutura??o intencional. A Procuradora Federal e autora da ACP, Thaís Santi, afirma que a Norte Energia simplificou e reescreveu o plano de mitiga??o de Belo Monte (SANTI, 2014).Em maio de 2011, a FUNAI dá parecer favorável à licen?a de instala??o da UHE Belo Monte, mesmo tendo feito parte dos processos de identifica??o das graves falhas no cumprimento do PBA-CI e sabendo que os impactos da usina foram adiantados e maximizados para as popula??es indígenas da regi?o, reafirmando a necessidade de implementa??o do PBA-CI.A licen?a de instala??o foi concedida no mesmo ano, e as obras se iniciam com um cenário já desfavorável para as nove etnias afetadas pelo empreendimento e que foram condicionadas ao sistema de listas e troca de mercadorias e bens de consumo, aguardando, agora, por um novo programa de compensa??o.Vê-se, portanto, que inúmeros termos de compromisso e programas de mitiga??o s?o assumidos e n?o cumpridos para que a licen?a de instala??o seja concedida ao órg?o empreendedor. Assim, os óbices previstos nas condicionantes dos projetos s?o afastados e a constru??o da obra se inicia com uma nova promessa de resolu??o do conflito por meio de um Plano Operativo do PBA-CI.Ressalte-se, ainda, que o empreendedor ao estabelecer a política de balc?o para o cumprimento das condicionantes, acabou por silenciar e afastar as etnias indígenas da possibilidade de manifesta??o, pois além de ser uma prática que alterou toda a forma de vida dos indígenas, ela ainda proporcionou a coopta??o de lideran?as indígenas, conflitos inter étnicos por bens de consumo que antes eram estranhos à cultura, e a n?o constitui??o do Comitê Gestor Indígena e a ativa participa??o dos indígenas nos processos decisórios que lhes afetariam,Desuniu todas as popula??es. No início, quanto tava para ser construída a usina. Tava todos nós, povos da regi?o de Altamira. Tava unido. Com muita estratégia os n?o indígenas têm. Os governantes, eles dividiram os povos. (Kaworé Parakan? – vídeo MPF – anexo 18).Desuni?o das comunidades. Desuni?o das lideran?as... um quer brigar pelas sua causa. (Mucuca Xikrin – vídeo MPF – anexo 18) (MPF, 2006, p. 36).A participa??o dos indígenas é condicionante específica do empreendimento previsto no PBA desde a licen?a prévia (MPF, 2006, p. 78). Tais estratégias do empreendedor se revestem na reconfigura??o da colonialidade do poder na qual velhas práticas de pacifica??o e assimila??o s?o realizadas, antes os espelhos, hoje bens de consumo supérfluos da nossa cultura “moderna” e que s?o estranhos à cultura deles (como coca-cola e bolacha trakinas, por exemplo) e agora sob o caráter legítimo a partir do processo de execu??o do PBA-CI que foi substituído e alterado unilateralmente pelo empreendedor no Plano Operativo.Outro ponto que foi vislumbrado facilmente pelos membros do MPF nos inquéritos civis, foi a modifica??o no ambiente das aldeias que antes estavam organizadas conforme suas práticas culturais e alimentares específicas de cada etnia, mas que em 2015 já tinha sido alterada drasticamente com a introdu??o de bens de consumo supérfluos e de alimentos industrializados, ocasionando produ??o e acumula??o de lixo n?o perecível nas aldeias e um cenário de favelas urbanas.As rela??es sociopolíticas em curso em Altamira e regi?o s?o atualiza??es de práticas históricas das rela??es interetnicas na amaz?nia brasileira, a exemplo das práticas de aviamento e do barrac?o, que envolvem o controle e a manipula??o do acesso às mercadorias. Consorcia-se a tais práticas o contempor?neo, e cada vez mais potencializado entre nós, participantes de uma sociedade capitalista, 'fetiche da mercadoria'. O acesso ao mercado e seu modo de vida, além de extremamente sedutor, é uma linguagem clara, inequívoca para aquelas popula??es tradicionais, dele apartadas por condi??es históricas ou op??es culturais, essas últimas cada vez menos frequentes, e cuja senha de acesso foi distribuída no Plano Emergencial. O empreendedor se apropriou desse processo: trocar a realiza??o do empreendimento e seus impactos pela possibilidade de proporcionar, sob seu controle, o acesso ao mercado. (MPF, 2006, p. 47).O desafio atual depois de constatados inúmeros desvios do cumprimento do PBA-CI é que as práticas de colonialidade alteraram profundamente a cultura e os modos de vida dos povos indígenas afetados pelo empreendimento, fato esse que causou alta dependência das a??es assistencialistas e grande movimento de migra??o para o centro urbano contribuindo, assim, para a desestabiliza??o das comunidades indígenas e aumentando os conflitos com a popula??o urbana.O empreendedor, na figura do poluidor pagador, agiu de forma irresponsável e com má-fé na condu??o do PBA-CI, ao descumprir as obriga??es assumidas desde a emiss?o da licen?a prévia.Ao aprofundar a situa??o de vulnerabilidade dos povos indígenas, criaram-se novos impactos, ainda n?o mensurados em um contexto já desfavoravelmente identificado.Ainda assim, a FUNAI continua a emitir pareceres favoráveis à obra, que garantem a emiss?o de novas licen?as, mesmo diagnosticando todos os erros e o descumprimento das condicionantes estabelecidas.O PBA-CI sustentou a Licen?a de Instala??o enquanto um Programa Médio Xingu, que deveria ser pactuado e planejado de forma estratégica com o poder público, com garantia de recursos da Norte Energia. Ao tempo em que o Plano Operativo substitui o PBA-CI-PMX e que a empresa afirma ‘o Estado n?o sou eu’, há uma escolha de governo, de n?o implantar o Programa Médio Xingu. E, na complexidade deste licenciamento, a negativa do empreendedor e a omiss?o do Estado s?o parte de uma mesma decis?o e conduta etnocida (MPF, 2006, p. 74).Sustenta o MPF que o desvio do cumprimento das condicionantes do empreendimento aliado à inércia do poder público se constitui na viola??o dos direitos fundamentais previstos na Constitui??o em nome dos interesses econ?micos envolvidos,O que está em curso, repita-se, com a UHE Belo Monte é um processo de extermínio étnico, pelo qual o governo federal dá continuidade às práticas coloniais de integra??o dos indígenas à sociedade hegem?nica. Em viola??o ao art. 231 da Constitui??o Federal, a UHE Belo Monte constitui uma a??o etnocida do Estado brasileiro, da Concessionária Norte Energia e da FUNAI, que n?o cumpre sua miss?o institucional e, ao tempo em que silencia, mantém e renova sua anuência para com o prosseguimento do processo, a despeito das manifesta??es de seu corpo técnico (MPF, 2006, p. 87).O desenvolvimento prometido se torna em um desenvolvimento colonizado, no qual os lucros s?o privados para o agente poluidor pagador e os ?nus e riscos ambientais e sociais do empreendimento ficam para as popula??es vulnerabilizadas que est?o no entorno da obra e para a popula??o urbana que sente o impacto das transforma??es ocorridas desde a floresta, em resumo “lucros privados, prejuízos socializados”.4.3 A reorganiza??o da lógica da colonialidade do poder em Belo MonteO padr?o de poder da colonialidade exposto no início do trabalho é composto pelas características básicas utilizadas desde 1492, que é o estabelecimento do conflito por meio da domina??o fundada na ideia de ra?a e a subalterniza??o de povos considerados inferiores por divergências de organiza??o e cosmovis?o que n?o as do modelo eurocêntrico.A correla??o entre a colonialidade e a explora??o da natureza é marcada pelo dualismo cartesiano da separa??o entre raz?o e natureza, da possibilidade de explora??o da natureza como algo que n?o carece de justifica??o alguma e está de acordo com o eurocentrismo e a ética produtivista da revolu??o industrial (QUIJANO, 2014, p. 27).Essa lógica está presente no caso Belo Monte porque coloca-se a natureza apenas como objeto de mercantiliza??o e explora??o do capital, água é energia e energia é mercadoria.Para Mignolo (2008), a reorganiza??o da colonialidade do poder está ocultada no termo “desenvolvimento” e a expans?o dos grandes projetos sobre a Amaz?nia, tida como a col?nia brasileira, demonstra o avan?o da colonialidade sobre a Regi?o, pois os grandes projetos se imp?em e abrem as portas para a instala??o de mais usinas hidrelétricas, do extrativismo mineral e das atividades eletrointensivas, como é o caso do pedido de licen?a de instala??o (2017) da mineradora canadense Belo Sun,Megaprojetos com tal perfil implicam implos?es de sociabilidades alternativas e de novos caminhos de socializa??es. S?o sacrifícios impostos à popula??o, tanto na perspectiva local quanto no plano histórico geral, que sequer s?o dimensionados – muito menos avaliados e discutidos publicamente (NOVOA GARZON, 2015, p. 396). No sentido que Dussel atribuiria a quest?o, novamente se está a proferir a “falácia desenvolvimentista” de que as obras conduziriam ao progresso e o crescimento econ?mico do país, típico do modelo etapista de processo civilizatório que culmina no desenvolvimento, mas isso “importa revelar em torno de que novos centros de poder orbitam os grandes projetos” (NOVOA GARZON, 2015, p. 395).Quijano afirma que estamos em um processo de reconfigura??o completa da colonialidade global do poder e esse movimento está acontecendo de modo acelerado e aprofundado para uma reconcentra??o do controle do poder (QUIJANO, 2014, p. 26).O autor destaca dez elementos que indicam as tendências centrais desse processo, s?o eles:I) A primeira é a re-privatiza??o do Estado e dos espa?os públicos; II) a reconcentra??o do controle do trabalho, dos recursos de produ??o e distribui??o; III) a polariza??o social extrema e crescente da popula??o mundial; IV) a exacerba??o da explora??o da natureza; V) a hiper-fetichiza??o do mercado, mais que da mercadoria; VI) a manipula??o e controle dos recursos tecnológicos de comunica??o e de transporte para a imposi??o global da tecnocratiza??o/instrumentaliza??o da colonialidade/modernidade; VII) a mercantiliza??o da subjetividade e da experiência de vida dos indivíduos, principalmente das mulheres; VIII) a exacerba??o universal da dispers?o universalista das pessoas e da conduta egoísta transvestida de liberdade individual, o que na prática equivale a universaliza??o do sonho americano (...); IX) a fundamentaliza??o das ideologias religiosas e sua ética social correspondentes, o que re-legitima o controle dos principais ?mbitos da existência social; X) o uso crescente das chamadas indústrias culturais (sobretudo de imagens, cinema, televis?o, vídeo, etc.) para a produ??o industrial de um imaginário de terror e mistifica??o da experiência, de modo a legitimar a fundamentaliza??o das ideologias e da violência repressiva (QUIJANO, 2014, p. 28).Todos os dez elementos s?o essenciais para que se aprofunde a colonialidade em diversas esferas das rela??es sociais, hoje muito mais complexas e múltiplas, mas, destacarei os elementos I, IV e VII que guardam rela??o intrínseca com a quest?o da UHE Belo Monte e do modelo exploratório da natureza imposto.A primeira é a re-privatiza??o do Estado e dos espa?os públicos, no qual verifica-se no debate sobre a necessidade e a viabilidade da hidrelétrica confundem-se os ?mbitos do público com o privado, primeiro porque os diversos grupos econ?micos nacionais e internacionais tencionam o governo para que se crie a necessidade da obra e para que os bens e recursos advindos dela sejam garantidos pelo Estado, mas para o uso a baixo custo pelas empresas privadas da indústria primária, sobretudo se estamos falando de uma economia dependente e de exporta??o de commodities. Faz-se a ressalva de que a crítica aqui desenvolvida n?o é um saudosismo ou um conservadorismo de que a natureza deve ser intocada, e se reconhece que há a necessidade de decis?es políticas que s?o estratégicas e necessárias para a economia do país. No entanto, assume-se uma posi??o, a de que em um “Estado Democrático de Direito” n?o pode haver a confus?o entre os interesses privados e públicos, e de que a viola??o aos direitos fundamentais estabelecidos no artigo 231/CF88 é uma afronta à soberania dos povos indígenas e tem novamente revelado a t?nica da violência colonizatória que o Estado brasileiro nunca abandonou. A escolha pela obra pode ser política, mas o cumprimento da legisla??o n?o.Além disso, é necessário revelar quais os impactos est?o sendo impostos à Amaz?nia e seus povos em nome do desenvolvimento e repensar, num amplo debate, quais as consequências ser?o tiradas de Belo Monte, em que pese a nossa cultura jurídica e política ainda permanecer autoritária.Na continua??o do ponto I, destaca-se também que os espa?os públicos de discuss?o do empreendimento, as audiências públicas, foram tomados pelo empreendedor que realizou as audiências sem a participa??o de todos os atingidos. As audiências n?o seguiram princípios normativos mínimos e foi objeto de uma das a??es civis públicas (MPF, 2009) de Belo Monte por obstar a participa??o pública, de cercear as falas dos atingidos e do Ministério Público Federal e também porque o empreendedor n?o apresentou informa??es claras e suficientes acerca do empreendimento.Além disso, em todo o processo de cumprimento das condicionantes do empreendimento há a confus?o entre Estado e iniciativa privada no que diz respeito às fun??es que cada um deveria desenvolver, o Estado como fiscalizador do efetivo cumprimento das condicionantes, e o empreendedor como agente poluidor-pagador, e que deve realizar as condi??es do projeto, pois tais condicionantes n?o foram cumpridas e o empreendedor alega ser fun??o do Estado em raz?o das condicionantes conterem caráter de direito fundamental.Para ilustrar essa quest?o, destaco trecho da entrevista com a Procuradora Federal, Thaís Santi, que atua no caso judicializado da UHE Belo Monte e afirma que a ordem jurídica no caso é suspensa e que o judiciário está confundindo legitimidade com legalidade, relata ainda a confus?o da figura do Estado e a do empreendedor:Se o Ministério Público Federal entra com a??es para cobrar a implementa??o de alguma condicionante ou para questionar o processo, mesmo que seja contra a Norte Energia, a Uni?o participa ao lado do empreendedor. A Advocacia Geral da Uni?o defende Belo Monte como uma obra governamental. Só que Belo Monte se apresentou como uma empresa com forma??o de S.A., como empresa privada. E na hora de cobrar a aplica??o de políticas públicas que surgem como condicionantes do licenciamento? De quem é a responsabilidade? Ent?o, na hora de desapropriar, a Norte Energia se apresenta como uma empresa concessionária, que tem essa autoriza??o, e litiga na Justi?a Federal. Na hora de implementar uma condicionante, ela se apresenta como uma empresa privada e transfere a responsabilidade para o Estado. Essa mistura entre o empreendedor e o Estado é uma das marcas mais interessantes de Belo Monte. (...) Ser privada significa contratar o Consórcio Construtor Belo Monte (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galv?o, OAS e outras construtoras com participa??es menores) sem licitar. Ela diz que n?o vai fazer, que n?o cabe a ela fazer. E ninguém manda fazer. Ent?o, a gente tem uma situa??o em que o empreendedor se coloca como soberano, reescrevendo a sua obriga??o. (...) Mas este é um exemplo do processo de Belo Monte, marcado por uma invers?o de papéis. A Norte Energia reescreve as obriga??es se eximindo do que está previsto no licenciamento (SANTI, 2014). (grifos meus).No ?mbito do judiciário, essa prática também pode ser vislumbrada pelo uso excessivo do instrumento processual da suspens?o de seguran?a, já abordada no tópico anterior, mas que tem sido o mecanismo de garantia da continua??o das obras sem o cumprimento das condicionantes do projeto. Somente com as condicionantes cumpridas é que o Estado poderia emitir as licen?as de instala??o e opera??o, mas a legisla??o n?o é seguida e a obra se torna um fato consumado,O que aconteceu e está acontecendo em Belo Monte é que, feita a escolha governamental, que já é questionável, o caminho para se implementar essa op??o é trilhado pelo governo como se também fosse uma escolha, como se o governo pudesse optar entre respeitar ou n?o as regras do licenciamento. (...) Belo Monte se sustenta no fato consumado. E numa vis?o equivocada de que, em política, n?o se interfere. Como se aquela op??o política fosse também uma op??o por desrespeitar a Lei. O fato é que Belo Monte, hoje, às vésperas da Licen?a de Opera??o, caminha sem a primeira condicionante indígena (SANTI, 2014).O ponto IV refere-se sobre a exacerba??o da explora??o da natureza que, conforme a afirma??o do autor tem um caráter predatório e irresponsável. Na transposi??o para o caso em estudo, vê-se que a regi?o, apesar de possuir grande potencial de explora??o energético, n?o estava estruturada para receber um empreendimento do porte de Belo Monte sem antes garantir direitos básicos para a maioria da popula??o, como saneamento básico, por exemplo, além da estrutura??o de órg?os públicos de prote??o ao meio ambiente e de povos tradicionais, IBAMA, ICMBIO, FUNAI, INCRA, Polícia Ambiental, dentre outros, além da estrutura??o da Defensoria Pública da Uni?o e Ministérios Públicos na atua??o sobre direitos difusos e coletivos.A import?ncia da conserva??o do ecossistema e da rica biodiversidade encontrada no Xingu s?o colocados em xeque com a nova divis?o internacional do uso dos recursos naturais e do trabalho a partir da reorganiza??o da lógica da colonialidade do poder em escala global e que encontram na Amaz?nia a necessidade de projetos estratégicos,Na regi?o, quem precisa de Belo Monte s?o as indústrias siderúrgicas, e uma mineradora canadense (Belo Sun) que vai se instalar e extrair ouro em escala industrial, na regi?o de maior impacto de Belo Monte. Ent?o, quem depende dessa energia é essa empresa e outras que vir?o. E isso é uma coisa que tem me assustado muito com rela??o à Belo Monte. Uma das consequências de Belo Monte é essa possibilidade de extra??o de recursos minerais em escala industrial na Amaz?nia. E a disputa por esses recursos já come?ou (SANTI, 2014).S?o as veias abertas do Xingu que sangram em nome do avan?o do capital sobre a natureza. A natureza é política! (PORTO-GON?ALVES, 2008, p. 47).O ponto VII que trata da mercantiliza??o da subjetividade e da experiência de vida dos indivíduos fica bem evidente, a come?ar pela afirma??o de que os impactos sociais e ambientais impostos aos atingidos por Belo Monte podem ser mitigados e compensados financeiramente.Primeiro, ignora-se o valor dos processos subjetivos e históricos que os povos e comunidades têm com a natureza, especialmente os indígenas e os ribeirinhos, o rio e suas margens é o lugar onde vivem. Esse valor, que n?o é monetário, é impossível de ser quantificado, pois para esses povos há a constru??o da territorialidade marcada pelo pertencimento, que n?o é o mesmo que o espa?o da propriedade privada, individual e excludente.Thaís Santi conclui que o que está acontecendo no Pará é realidade de um Estado de Exce??o, principalmente porque n?o se dimensionou corretamente os impactos da UHE Belo Monte, e a própria implanta??o da obra já tem causado um passivo muito maior. Enquanto isso, outras megaobras seguem sendo planejadas e impostas aos povos indígenas da regi?o,Se existiam medidas para mitigar o altíssimo risco que Belo Monte trazia para os indígenas, e essas políticas n?o foram feitas, e em substitui??o a elas o que foi feito foi uma política marginal de instiga??o de consumo, de ruptura de vínculo social, de desprezo à tradi??o, de forma que os indígenas fossem atraídos para o núcleo urbano pelo empreendedor e jogados no pior da nossa cultura, que é o consumismo. (...) Como a sociedade aceita a n?o garantia dos direitos dos povos indígenas? Aceita porque naturaliza esse processo, que é um processo totalitário. ? um processo em que o eu único, o todo, prevalece sobre o diferente. E que você n?o é capaz de olhar o diferente com respeito, como algo que é diferente de você, do seu eu. Isso é uma realidade, mesmo, que a gente está vivendo, de dificuldade para os povos indígenas, para as popula??es tradicionais, para essas culturas diferentes se manterem. Mesmo que hoje exista uma série de garantias fundamentais, de ordem internacional, na Constitui??o Federal, é muito difícil (SANTI, 2014).Essa hiper explora??o da natureza pelo capitalismo colonial/global coloca em risco a sobrevivência de todas as espécies e a própria condi??o de reprodu??o da vida humana e já tem provocado significativas altera??es na natureza. Trata-se, portanto, de que “n?o se pode defender a vida humana na terra sem defender, ao mesmo tempo e no mesmo movimento, as condi??es de vida nesta mesma terra” (QUIJANO, 2014, p. 29).Opta-se, aqui, pela constru??o de um sentido histórico alternativo de produ??o do desenvolvimento, desamarrado da colonialidade/modernidade/eurocentrada, de uma existência social libertada da domina??o/explora??o/violência e que é imposta às vítimas da colonialidade do poder na Amaz?nia.CONSIDERA??ES FINAISO presente trabalho foi pensando e construído a partir de uma inquieta??o a respeito da invisibiliza??o dos povos indígenas e da nega??o de suas vidas concretas. Tal inquieta??o se acentua quando observamos que essa invisibiliza??o ocorre também no campo jurídico e na produ??o das epistemes do mundo “moderno” e que ainda est?o encobertas pelo pensamento eurocêntrico e colonial.As categorias utilizadas para demonstrar a invisibiliza??o dos povos indígenas foram as da colonialidade do poder (QUIJANO, 2009), da modernidade e do eurocentrismo (DUSSEL, 1993), que evidenciam que a Europa construiu a ideia de ra?a para justificar a explora??o e a domina??o dos povos considerados como inferiores, utilizando-se do trabalho n?o pago desses povos e destruindo subjetividades que fossem contrárias ao seu projeto de modernidade.Ao universalizar conceitos e categorias pensados e produzidos a partir dessa racionalidade, única e legitimamente válida, se colocou como protagonista dessa história e naturalizou o seu padr?o de poder e das rela??es de domina??o entre europeus e n?o-europeus.Atualmente, essa lógica da colonialidade do poder foi reconfigurada, pois a descoloniza??o n?o findou com esse padr?o de poder. Insere-se o debate no campo jurídico em que a resistência dos povos indígenas produziu a inser??o de direitos no ordenamento jurídico antes n?o reconhecidos pelo Estado brasileiro.Em que pese os avan?os conquistados, a retórica jurídica relativiza ou suprime os direitos indígenas quando esses se contrap?em aos interesses do capitalismo. Na nova geografia de poder e da divis?o internacional dos recursos naturais é cada vez mais gradativo o avan?o das fronteiras agrícolas e dos grandes projetos de “desenvolvimento nacional” sobre as terras indígenas para a produ??o energética, mineral/extrativista, atividades eletrointensivas e da extra??o de commodities.Assim, os grandes projetos se imp?em desconsiderando à soberania dos povos indígenas, seus direitos territoriais originários, suas subjetividades, culturas, tradi??es, cosmovis?es, ou seja, os seus direitos fundamentais, e faz reaparecer novamente a t?nica da violência colonial.A conflitualidade do debate revela o que Dussel denomina como “falácia desenvolvimentista”(2005), que nos discursos prometem o desenvolvimento da economia e das regi?es onde esses empreendimentos se instalam, mas que, na prática, imp?em ?nus e riscos socioambientais que muitas vezes n?o s?o sequer dimensionados e discutidos publicamente, como explicitado no caso da UHE Belo Monte em que o desenvolvimento proposto é um desenvolvimento colonizado.Por outro lado, as realidades latinoamericanas foram e est?o sendo constituídas por histórias específicas, plurais, de práxis de resistências que atuam contrapondo o sistema-mundo moderno colonial imposto desde 1492 e um giro descolonial e epistêmico, conforme afirma Grosfoguel (2007) “ao contrário da descoloniza??o, a descolonialidade é um processo de ressignifica??o a largo prazo, que n?o se pode reduzir a um acontecimento jurídico-político”, como uma Constitui??o, por exemplo.? necessário expor a situa??o dos diversos sujeitos históricos que vivem há séculos sob a domina??o colonizante e suas lutas para recriar um novo caminho, de Nuestra América, para isso, é preciso produzir um pensamento e uma episteme descolonial, sobretudo no campo jurídico, pois todo conhecimento é re-produzido de forma socialmente posicionada, mesmo os que aparentam neutros, s?o conhecimentos socialmente posicionados. ? um caminho sem volta, como afirmou Quijano, é pensamento e práxis que se produz diariamente na resistência e no enfrentamentoPor todo exposto, conclui-se, a partir do referencial teórico estudado e do caso Belo Monte, que o Estado agiu de forma etnocida com os povos indígenas afetados pelo empreendimento, n?o só pelos aspectos jurídicos já elucidadas, mas, principalmente, porque está negando a vida material, concreta dos indígenas, para Dussel, o fundamento primeiro.Finalmente, é necessário refletir e construir um caminho possível para pensar qual desenvolvimento queremos para a Amaz?nia, para quem esse desenvolvimento se destina e para quê ele servirá?REFER?NCIASAMORIN JR, Jo?o Pedro de. 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Disponível em: <;. ?Acesso em: 18 dez. 2017.AUTORIZO o depósito do presente exemplar, como vers?o definitiva da Disserta??o de Mestrado.Curitiba, aos 31 de janeiro de 2018._________________________________________Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig(orientador)DE ACORDO.Curitiba, aos ____/ ____________/ ____._________________________________________Prof. Dr. Daniel FerreiraCoordenador do PPGDANEXOS Imagens históricas: Raoni Metuktire e Kanhonc mostram mapa de concess?es minerárias incidentes em terras Kayapó ao deputado Tadeu Fran?a, depois da vota??o do capítulo dos índios na Constituinte, 1988|André Villas-B?as – ISA; Imagens históricas: Lideran?as Kayapó reunidas durante a vigília realizada na frente do auditório da C?mara, em Brasília, durante a Constituinte, 1988, Beto Ricardo – ISA; Imagens históricas: ?ndios de várias etnias comemoram, em Brasília, o final da vota??o do capítulo que lhes diz respeito, no primeiro turno, 1988, Beto Ricardo – ISA; Imagens históricas: O I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu reuniu três mil pessoas - 650 eram índios – que expressaram seu descontentamento com a política de constru??o de barragens no Rio Xingu. A primeira, de um complexo de cinco hidrelétricas planejadas pela Eletronorte, seria Karara?, mais tarde rebatizada Belo Monte, Altamira, Pará, 1989, Murilo Santos – ISA; Imagens históricas: Paulinho Paiak? encerra o Encontro com a leitura da Declara??o Indígena de Altamira, 1989, Murilo Santos – ISA; Mapa das UHEs planejadas, em opera??o, em constru??o e inventariadas na América Latina; Mapa das UHEs planejadas, em opera??o, em constru??o e inventariadas no Brasil; Mapa da influência das UHEs nas Terras Indígenas; Mapa da influência das UHEs nas Unidades de Conserva??o; Mapa dos Rios da Bacia Amaz?nica; Mapa da Usina Hidrelétrica Belo Monte; Mapa da Volta Grande do Xingu; Resumo dos fundamentos jurídicos das demais a??es judiciais do caso Belo Monte.Raoni Metuktire e Kanhonc mostram mapa de concess?es minerárias incidentes em terras Kayapó ao deputado Tadeu Fran?a, depois da vota??o do capítulo dos índios na Constituinte, 1988, André Villas-B?as – ISA. Fonte: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Imagens históricas. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2016.Lideran?as Kayapó reunidas durante a vigília realizada na frente do auditório da C?mara, em Brasília, durante a Constituinte, 1988, Beto Ricardo – ISAFonte: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Imagens históricas. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2016.?ndios de várias etnias comemoram, em Brasília, o final da vota??o do capítulo que lhes diz respeito, no primeiro turno, 1988, Beto Ricardo – ISAFonte: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Imagens históricas. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2016.O I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu reuniu três mil pessoas - 650 eram índios – que expressaram seu descontentamento com a política de constru??o de barragens no Rio Xingu. A primeira, de um complexo de cinco hidrelétricas planejadas pela Eletronorte, seria Karara?, mais tarde rebatizada Belo Monte, Altamira, Pará, 1989, Murilo Santos - ISAFonte: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Imagens históricas. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2016.Paulinho Paiak? encerra o Encontro com a leitura da Declara??o Indígena de Altamira, 1989, Murilo Santos - ISAFonte: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Imagens históricas. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2016.Fonte: ECOA; Fundación Proteger; International Rivers. Barragens na Amaz?nia. Disponível em: <;. Acesso em: 15 set. 2017.Fonte: ECOA; Fundación Proteger; International Rivers. Barragens na Amaz?nia. Disponível em: <;. Acesso em: 15 set. 2017.Fonte: ECOA; Fundación Proteger; International Rivers. Barragens na Amaz?nia. Disponível em: <;. Acesso em: 15 set. 2017.Fonte: ECOA; Fundación Proteger; International Rivers. Barragens na Amaz?nia. Disponível em: <;. Acesso em: 15 set. 2017.Fonte:: EIA/RIMA Belo Monte. Resolu??o 3293 ANEEL, IBGE, FUNAI. Realizado pelo Laboratório de Geoprocessamento do ISA/Altamira, 2013.Fonte: Mapa da Volta Grande do Xingu. MONTEIRO, Telma (2012).RESUMO DOS FUNDAMENTOS JUR?DICOS DAS DEMAIS A??ES DO CASO BELO MONTEEIA-RIMA realizado sem termo de referência (2007.39.03.000283-9);Convênio entre Eletrobrás e empreiteiras para confec??o do EIA-RIMA, ausência de licita??o e cláusula de confidencialidade irregular em contratos de financiamento (2008.39.03.000071-9);Ausência de avalia??o ambiental integrada, nulidade do inventário hidrelétrico, nulidade do registro de viabilidade da UHE Belo Monte, nulidade do aceite do EIA-RIMA por incompleto (2009.39.03.000326-2);Aceite ilegal de EIA-RIMA sobre o meio ambiente, viola??o dos princípios da participa??o popular, da publicidade, da razoabilidade, da finalidade, da motiva??o, da legalidade, ofensa à probidade administrativa (2009.39.03.000363-2 A??o de Improbidade);Viola??o do direito de informa??o e participa??o, metodologia de audiências públicas falha, estudos ambientais incompletos, número de audiências insuficiente para atender os atingidos, nulidade de audiências por viola??o das fun??es institucionais do Ministério Público (2009.39.03.000575-6);N?o considera??o das audiências públicas na análise do EIA-RIMA, carência do diagnóstico do EIA-RIMA, posterga??o ilegal do prognóstico de qualidade da água, descumprimento da Resolu??o Conama n?. 01/1986, inconsistência entre vaz?o real e potência instalada, necessidade de nova declara??o de disponibilidade do recurso hídrico (25999-75.2010.4.01.3900);Falta de regulamenta??o do artigo 176 da Constitui??o Federal (25997-08-2010.4.01.3900);Emiss?o de licen?a de instala??o parcial sem o cumprimento de condicionantes da licen?a prévia, licen?a concedida pelo presidente do IBAMA contra parecer técnico do próprio órg?o e contra recomenda??es do MPF, a??es antecipatórias postergadas (968-19.2011.4.01.3900);Emiss?o de licen?a de instala??o definitiva sem o cumprimento de condicionantes da licen?a prévia, licen?a concedida pelo presidente do IBAMA contra parecer técnico do próprio órg?o, informa??es falsas prestadas pelo empreendedor sobre as condicionantes, recomenda??es do MPF ignoradas, falta de rigor do órg?o licenciador com o empreendedor (18026-35.2011.4.01.3900);Impactos irreversíveis sobre o ecossistema da Volta Grande do Xingu (VGX), a morte iminente do ecossistema, risco de remo??o dos índios Arara e Juruna e demais moradores da VGX, veda??o constitucional de remo??o, viola??o do direito das futuras gera??es, o direito da natureza, a Volta Grande do Xingu como sujeito de direito (0028944-98.2011.4.01.3900);Descumprimento de condicionante da licen?a de instala??o de Belo Monte, incertezas para os atingidos: n?o apresenta??o do cadastro socioecon?mico identificando as pessoas a serem removidas, viola??o do direito de informa??o, ausência de publicidade e transparência, obriga??o de apresentar o cadastro socioecon?mico dos atingidos por Belo Monte, viola??o de domicílios dos atingidos nas áreas rurais, direito à regulariza??o fundiária (0001618-57.2011.4.01.3903);40% das condicionantes n?o cumpridas segundo relatório do órg?o licenciador, auto de infra??o por informa??o falsa do empreendedor ao licenciador, descumprimento das condicionantes indígenas, descumprimento da condicionante do saneamento (0020224-11.2012.4.01.3900);Erro na medi??o da cota 100, abaixo da qual haverá alagamento na área urbana de Altamira, ausência de cadastro dos atingidos pelo alagamento na cidade, inseguran?a para os atingidos (0002708-66.2012.4.01.3903);Ausência da Defensoria Pública da Uni?o em Altamira (0001755-39.2011.4.01.3903);Condi??es estabelecidas para a viabilidade do empreendimento n?o atendidas pelo empreendedor, viola??o da licen?a ambiental, cronograma das obras de saneamento básico descumprido, descompasso entre obras da usina e obras de mitiga??o e compensa??o exigidas pelo órg?o licenciador, falta de rigor do órg?o licenciador com o empreendedor (0000328-36.2013.4.01.3903);Condi??es estabelecidas para a viabilidade do empreendimento n?o atendidas pelo empreendedor, viola??o da licen?a ambiental, recusa do empreendedor em cumprir condicionante de prote??o territorial das terras indígenas afetadas, indígenas lan?ados à zona limítrofe de um etnocídio (655-78.2013.4.01.3903);Condi??es estabelecidas para a viabilidade do empreendimento n?o atendidas pelo empreendedor, viola??o da licen?a ambiental, recusa do empreendedor em cumprir condicionante de aquisi??o de terras para índios Juruna da Aldeia Boa Vista, danos graves, desagrega??o e risco à sobrevivência da comunidade (1655-16.2013.4.01.3903);Impacto sobre índios Xikrin moradores do Rio Bacajá, insuficiência da análise de impactos no EIA-RIMA, estudos complementares atrasados e insuficientes, n?o previs?o de impactos e compensa??es para popula??o indígena na área de influência direta do empreendimento Belo Monte (25799-63.2013.4.01.3900);Reassentamento de atingidos por Belo Monte na área urbana de Altamira, irregularidades nas obras, ausência de transparência e debate com os atingidos, modifica??o nos projetos anunciados, reduzindo as op??es das famílias atingidas, desconformidade das constru??es com o código de obras de Altamira (2464-06.2013.4.01.3903);Descumprimento de condicionantes indígenas, reestrutura??o da FUNAI de Altamira, caos no atendimento à sobre demanda gerada por Belo Monte (2694-14.2014.4.01.3903);A??o etnocida do Estado e da Norte Energia SA (3017-82.2015.4.01.3903);Descumprimento da condicionante do saneamento básico (269-43.2016.4.01.3903);Desvio na destina??o dos recursos da compensa??o ambiental (466-95.2016.401.3903). ................
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