COMARCA DA CAPITAL REGIONAL BARRA DA TIJUCA JUÍZO …



Regional da Barra da Tijuca Cartório da 3ª Vara Cível

Juiz: Carlos Alfredo Flores da Cunha

Processo: 0009382-26.2007.8.19.0209 /2007.209.008978-0

COMARCA DA CAPITAL REGIONAL BARRA DA TIJUCA JUÍZO DA 3a VARA CÍVEL Processo nº. 2007.209.008978-0 S E N T E N Ç A ANTONIO CARLOS SOARES PEREIRA e ALLINE DE DEUS BRAGA ajuizaram ação de rito ordinário em face de CARVALHO HOSKEN S/A ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES. Alegam os Autores que as partes celebraram contrato de promessa de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária referente à unidade 404 do Edifício Mandarim, situado no número 960 da Avenida C do PAL 38.961 no qual foram estabelecidas as condições de pagamento parcelado do preço com a incidência de juros remuneratórios e correção monetária do saldo e das parcelas de resgate. O contrato estabeleceu o valor de R$235.668,00 como preço à vista ajustado para a venda da unidade 404. Convencionou-se que o preço estaria dividido em R$70.700,40 para a fração ideal do terreno e R$164.967,60 para as acessões e benfeitorias que constituirão a unidade autônoma objeto do contrato. O item 2.5.4 do contrato consignou o sinal pago e as prestações restantes a serem pagas pelos Autores, incluindo-se juros de 12% ao ano sobre o valor total das parcelas contadas da assinatura do contrato. Ocorre que no referido contrato de adesão incidiu a Ré na prática ilegal e abusiva de cobrança de juros desde antes da entrega das chaves do imóvel e sobre o total do valor do imóvel. Os Autores vêm pagando pontualmente as parcelas do ajuste com os juros e correção monetária, tendo inclusive adiantado a quitação de prestações intermediárias e de outras parcelas mensais ainda não vencidas. Encontram-se os Autores, portanto, rigorosamente em dia com suas obrigações contratuais. Aduzem os Autores que a Ré vem agindo como verdadeira instituição financeira, tratando o parcelamento do preço como se fosse um mútuo bancário, fazendo incidir juros antes mesmo da construção do edifício, o que é injustificável. A obra não possui financiamento de instituição financeira, ou seja, a construtora opera com recursos próprios. Tal prática financeira por parte da Ré gera-lhe violento enriquecimento ilícito às custas dos Autores. Os Autores sustentam ter pago o ônus de um financiamento quando em verdade estão adiantando as quantias sem possuir o bem. No financiamento bancário, a instituição financeira entrega ao mutuário o valor integral emprestado de uma vez, e por isso cobra juros remuneratórios sobre o valor total desde o princípio. No presente caso, a Ré não emprestou aos Autores qualquer valor e tampouco lhes entregou pronto o imóvel no ato de sua aquisição, pelo que não está legitimada a cobrar juros sobre o preço total desde o nascedouro do contrato. O fato de haver previsão contratual para a cobrança de juros pela Ré desde a data da assinatura da promessa não a legitima, à luz do disposto na Lei 8.078/90. Trata-se de cláusula abusiva e, portanto, nula, por implicar em desequilíbrio contratual. Em interpretação das cláusulas consideradas abusivas, estabeleceu a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, através do item 14 da Portaria nº3/2001, ser abusiva a cláusula que estabeleça no contrato de compra e venda de imóveis a incidência de juros antes da entrega das chaves. Segundo os Autores, a obrigação da construtora é entregar o apartamento, e a sua a de pagar o preço. No entanto, a obrigação dos demandantes apenas se aperfeiçoa quando da entrega das chaves, momento no qual deverão integralizar o preço da compra com recursos próprios ou financiamento bancário. Desta forma, postulam os Autores sejam declaradas nulas as cláusulas que determinem a incidência de juros sobre o valor total do contrato desde a data de sua assinatura, declarando que os juros remuneratórios devem incidir apenas a partir da entrega das chaves, ou, alternativamente, declarar nulas as cláusulas que determinem a incidência de juros sobre o valor do contrato referente às acessões e benfeitorias desde a data da sua assinatura, declarando que os juros remuneratórios devem incidir sobre este valor apenas a partir da entrega das chaves. Pleiteiam ainda os Autores a condenação da Ré à devolução em dobro de todo o indébito, com base no artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, corrigido monetariamente pelo mesmo índice de atualização do contrato desde o desembolso e com juros de 1% ao mês. A petição inicial veio instruída com a escritura pública e os comprovantes de pagamento das prestações do contrato, dentre outros documentos. Citada, a Ré ofereceu contestação, afirmando que as cláusulas do contrato são claras e não deixam margens a dúvidas. Os Autores tinham a exata ciência do estipulado. O imóvel foi negociado a preço módico por ter sido vendido ´na planta´. A cobrança de juros no decorrer da obra não é vedada por lei. Os juros de 1% ao mês visam a remunerar o capital adiantado pela Ré, que diferiu o pagamento do preço do produto. A Ré ofereceu um imóvel em construção, por um preço condizente com a circunstância de não estar pronto, ou seja, bem mais barato do que um imóvel pronto. Logo, o produto era um imóvel em construção, razão pela qual não se pode alegar, para efeito de afastar o pagamento dos juros remuneratórios do capital - que não foi recebido à vista pela Ré -, que não havia sido entregue. Na ótica da Ré, a empresa não pode ser compelida a aceitar o pagamento em parcelas sem receber os juros, o que implicaria em uma redução absurda do preço do imóvel, como se o bem houvesse sido pago à vista e não em um prazo de três anos, durante os quais ela, a Ré, arcou e cumpriu com as suas obrigações e realizou a construção do imóvel. Também não há se falar em restituição em dobro, pois a cobrança dos juros foi ostensivamente estipulada no contrato, o qual foi livremente aceito pelos Autores. Sendo assim, não se cogita de má-fé da Ré. Os Autores manifestaram-se em réplica. Não houve acordo na audiência de conciliação. Nenhuma outra prova foi produzida. As partes apresentaram diversos julgados relacionados ao tema. Feito o relatório, passo a DECIDIR. A matéria controvertida não é pacífica na jurisprudência, mas o Tribunal de Justiça do nosso Estado tem se inclinado em favor da tese defendida pelos Autores, pois como se pode observar da maior parte dos julgados relativos ao tema que está sendo enfrentado, tem-se entendido que se configura abusiva a cobrança de juros durante a fase de construção do imóvel. Na visão deste Juízo, esta é a melhor orientação. Primeiramente, cumpre destacar que inexiste controvérsia quanto aos fatos. As partes firmaram contrato de promessa de compra e venda referente à unidade 404 do Edifício Mandarim, tendo os Autores assumido o compromisso de integralizar de forma parcelada o pagamento do preço do imóvel. E não se discute que a Ré cobrou juros desde a data da celebração do contrato, isto é, desde 10 de dezembro de 2004. Invadindo o meritum causae, verifica-se que os Autores pagaram efetivamente juros indevidos na fase de construção do imóvel. Os Autores investiram capital na aquisição do apartamento. Essa é a sua expectativa no contrato. Pagar o preço e receber o imóvel. Se os compradores adiantam parte do preço sem receber em contrapartida o bem que estão adquirindo, não se justifica a cobrança de juros sobre essas prestações. É sabido que os juros são frutos do capital, são rendimentos produzidos diretamente pelo dinheiro, de natureza compensatória, quando representam a renda pela utilização do dinheiro dado em mútuo, e moratória, quando relativos à indenização pelo atraso no cumprimento da obrigação. Em qual situação se encaixaria a cobrança de juros levada a cabo pela construtora antes da entrega do imóvel? Difícil responder. Os juros pagos pelo adquirente do imóvel antes da entrega das chaves não são compensatórios, porquanto não traduzem a renda pela utilização de dinheiro da construtora que tivesse sido emprestado ao promitente comprador. E tampouco podem ser considerados moratórios, já que não se cogita de atraso no cumprimento da obrigação. Durante essa fase, o adquirente encontra-se privado do uso e gozo do imóvel, dele não auferindo qualquer vantagem. E é ele quem financia o imóvel, quem adianta o preço ainda na fase da construção. Nesse período, o adquirente está na verdade adiantando valores necessários à finalização da obra. Surge assim o entendimento de que no contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção não se pode falar em juros compensatórios, uma vez que o objeto do contrato é a promessa de entrega de imóvel a ser construído, mediante o pagamento de certo preço, não envolvendo, pois, financiamento de dinheiro. Na etapa da construção, não há volume de dinheiro empregado por parte do construtor ou incorporador que justifique a incidência desses juros. E não podem as empresas de construção alegar que o percentual do valor do imóvel pago pelo mutuário durante a construção (30% em média) é insuficiente para finalizar a obra, e os juros seriam dessa forma necessários para equilibrar o contrato, pois é óbvio que o valor do imóvel é definido por prévio planejamento, estando os juros, por conseguinte, embutidos nas parcelas. Essa prática abusiva provocou a intervenção do Ministério Público deste Estado, que firmou termos de ajustamento de conduta com diversas empresas da área de construção civil, afastando-se a incidência de juros durante a construção. Concluiu-se que estes contratos de adesão colocavam o consumidor em posição de sujeição à cláusula de evidente prejuízo, que fazia aumentar consideravelmente o preço final do produto, e sem que o incorporador assumisse qualquer nova obrigação. No mesmo rumo temos a Portaria nº 3/2001 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que no seu item 14 estabeleceu ser abusiva a cláusula que estabeleça no contrato de compra e venda de imóveis a incidência de juros antes da entrega das chaves. Prescreve a Lei 8.078/90 ser nula a cláusula contratual que estabeleça obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (artigo 51, inciso IV), tal como se sucede com a cláusula questionada nesta ação, que provoca desequilíbrio contratual. Consequentemente, a Ré deverá devolver as quantias pagas indevidamente pelos Autores a título de juros até a data da entrega das chaves do imóvel, corrigidas monetariamente desde a data de cada desembolso. Essa devolução não será feita em dobro, conforme requerido na inicial, considerando não ter ficado caracterizada a má-fé da empresa. Os juros foram expressamente convencionados no contrato, que foi lido e assinado pelos Autores. Em tais circunstâncias, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado na inicial para declarar nulas as cláusulas que determinam no contrato de fls. 19/30 a incidência de juros sobre o valor total do contrato, desde a sua assinatura, declarando que os juros só incidem a partir da data da entrega das chaves da unidade 404 aos Autores. Condeno a Ré a devolver aos Autores as importâncias correspondentes aos juros pagos por estes até a data da entrega das chaves, corrigidas monetariamente desde a data de cada desembolso e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês contados a partir da citação. Face à sucumbência recíproca, condeno as partes, na proporção de 70% para a Ré e 30% para os Autores, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. P.R.I. Rio de Janeiro, 17 de abril de 2009. Carlos Alfredo Flores da Cunha JUIZ DE DIREITO.

Obs: Sentença disponibilizada pelo sistema DCP e captada da intranet pelo DGCON-SEESC em 19.04.2010

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