Concepções de escrita presentes na formação de professores/as



A ESCRITA É UM PROCESSO DIFÍCIL! ALUNOS ORIUNDOS DE PRÉS COMUNITÁRIOS E A ESCRITA NA UNIVERSIDADE

Cláudia Hernandez Barreiros[1] - PUC-Rio e UERJ

Na pesquisa Universidade, Diversidade Cultural e Formação de Professores, sob coordenação da professora Vera Candau e realizada na PUC-Rio, pretendeu-se, entre outros objetivos, identificar e confrontar diferentes representações de estudantes de três cursos de licenciatura (pedagogia, história e letras) sobre questões relativas à diversidade cultural presente hoje na universidade em questão, considerando o programa que concede bolsa integral aos candidatos aprovados e classificados no vestibular, que tenham freqüentado algum curso pré-vestibular comunitário, entre os quais o PVNC (Pré-Vestibular para Negros e Carentes).

Num momento como hoje, em que se discute a adoção de políticas de ação afirmativa nas universidades públicas, principalmente no estado do Rio de Janeiro, que viabilizem o acesso de estudantes oriundos de escolas básicas públicas e mesmo, negros e pardos, através de cotas a esses destinadas, o caso da PUC-Rio, que já tem estudantes concluindo seus cursos, pode servir de experiência para balizar iniciativas que contribuam para o sucesso de tais políticas. A relevância desta pesquisa se faz, portanto, bastante significativa na medida em que a PUC-Rio é considerada uma universidade de excelência acadêmica, com grande tradição e reconhecimento nacional e internacional, presente nos curriculuns vitae de muitos dirigentes de nosso país: uma universidade acostumada a lidar com um público tipicamente de elite.

No desenvolvimento dessa pesquisa, entre outras atividades, realizaram-se dois grupos focais com estudantes oriundos de prés comunitários. Durante a discussão, surgiu uma questão que não estava priorizada nos roteiros previamente elaborados: a linguagem universitária. Neste trabalho, analisaram-se as falas desses estudantes sobre essa linguagem.

Os grupos focais

O estudantes oriundos dos prés comunitários foram selecionados e organizados em dois grupos focais, que transcorreram em um clima amistoso e participativo. A moderadora conduziu a discussão de modo a permitir que todos/as manifestassem suas opiniões sem constrangimento.

Nos dois grupos, o número de participantes foi igual: nove estudantes. No primeiro, todas eram do sexo feminino, com idades que variavam de 20 a 28 anos. Quatro alunas eram do curso de pedagogia, uma do curso de letras e quatro do curso de história. No segundo, três eram do sexo masculino e seis eram do sexo feminino. Dois eram de letras, dois de história e cinco de pedagogia. Chama nossa atenção o fato de que as mulheres desse grupo têm idades entre 18 e 24 anos, enquanto os homens têm 29, 32 e 46 anos. Considerando-se os dois grupos, o intervalo de idades das mulheres fica entre 18 e 28 e, ainda assim, a menor idade dos homens é superior à maior das mulheres, o que pode sugerir que os homens desse grupo social entram ainda mais tarde na universidade. O desequilíbrio no número de homens e mulheres, em certa medida, é representativo dos números correspondentes nos cursos de origem.

Os grupos foram organizados de modo a separar estudantes dos períodos da primeira e da segunda metade dos seus cursos. No entanto, no grupo que deveria conter estudantes dos períodos da primeira metade dos cursos, há o caso de um/a estudante que está no 6º período e outro de um/a o/a estudante que, embora esteja no 3º período, está num segundo curso, portanto, já tem maior vivência na universidade. Não houve diferença significativa nas percepções dos dois grupos em relação ao ambiente universitário que a PUC proporciona.

Os locais de moradia desses/as estudantes são Duque de Caxias, São João de Meriti, Queimados (municípios da Baixada Fluminense), Jacarepaguá, Realengo, Sepetiba (bairros da Zona Oeste da Cidade), Méier (Zona Norte), São Cristóvão (Leopoldina) e Morro do Vidigal, Gávea, Leblon e Rocinha (Zona Sul). A maioria “reclama” das horas gastas em transporte até a universidade, mas há também os/as que passam a semana num apartamento alugado com um grupo próximo à PUC e vão no fim de semana para a sua casa na Baixada Fluminense.

Em fichas de cadastro preenchidas pelos/as próprios/as estudantes, eles/as assim manifestaram sua “cor”: oito para “negra”, uma “morena/negra”, quatro “parda”, uma “afrodescendente”, duas “branca”, uma “não sabe classificar” e uma “em dúvida”.

“A PUC me escolheu!”

Todos/as que se manifestaram sobre a opção pela PUC no vestibular afirmaram que também se candidataram a vagas em universidades públicas, mas que não lograram êxito. Somente um/a estudante disse que foi aprovado/a também para a UFRJ, mas que optou pela PUC pelo fato de que, na pública, o curso em quatro anos oferecia menor número de habilitações e, portanto, restringia as possibilidades de mercado de trabalho no futuro. Desse modo, foram comuns frases que justificavam a “opção” como “por influência de colegas que faziam pré-vestibular comunitário, foi que eu tentei a PUC” ou “a PUC foi a única universidade para a qual eu passei” ou ainda “eu não escolhi a PUC, a PUC me escolheu!”

Fica evidente, portanto, que a bolsa de estudos integral que a universidade dá aos alunos oriundos dos pré-vestibulares comunitários é fundamental: “surgiu essa oportunidade porque eu não tinha condições de pagar uma particular, e sempre sonhei também em fazer uma boa faculdade e eu considero a PUC uma boa faculdade, aí surgiu essa oportunidade de fazer Pré-Vestibular para Negros e Carentes e ganhar a bolsa integral aqui na PUC, aí eu fiz e passei.” Assim, a PUC, apesar de não ser a primeira, parece ser uma boa opção.

De modo geral, também os cursos escolhidos não parecem ser os de fato desejados: “o curso de pedagogia não era a minha primeira escolha não, mas por eu tentar a PUC e não ter um outro curso que tenha me chamado atenção, por eu ter feito o normal, eu tentei pedagogia” ou “eu não sei nem se eu tinha alguma identificação com algum curso. Aí... eu ainda estou em período de descoberta, e eu entrei em pedagogia e estou gostando.”

“É totalmente diferente! É outro universo!”

“Eu desconhecia totalmente o que era uma universidade.”

Como é estudar na PUC para os/as alunos/as oriundos de pré-vestibulares comunitários? Como se relacionam os universos de origem desses/as estudantes e a universidade?

Alguns/mas dirão: “a primeira questão quando a gente entra na PUC, é que o espaço social é absolutamente diferente! E se inserir na universidade é muito difícil!” ou “É totalmente diferente! É outro universo!”

No entanto, outros/as acreditam que não há tanta diferença assim: “Ele ainda é muito semelhante, muito! Tem pessoas diferentes, como também tem gente que não gosta de se misturar com a gente, que gosta de se misturar com eles, mas também tem muita gente que está lá no alto nível e que também gosta de ter contato com a gente, que gosta de trocar idéias, com ambientes, conhecimentos, e todas essas coisas!” ou “é um retrato da sociedade!”, ou ainda, “ela reproduz a sociedade!”

Mas quais são os tipos de diferenças quando elas existem?

O ingresso na universidade provoca um impacto, que se expressa em falas como: “Quando a gente vai entrar na universidade, quando a gente fala em PUC, as pessoas falam: Ih, caramba! Está cheio de rico, ninguém vai dar bola para você.” ou “Quando você vem para a PUC, vem ressabiado, receoso, porque você é pobre, negro, e chega lá o pessoal vai...”

Mas esse impacto não é de um único lado: “eu acho que foi mais espanto mesmo, eles por não saberem que vinham para a PUC, um lugar de elite e iam encontrar pessoas de baixo poder aquisitivo, mas a gente já sabia o que estava nos esperando, mas a gente já vinha assim com um pé atrás...”

Alguém esclarece melhor:

“Tem colegas que estão aqui, que se formam aos 24 anos, com inglês fluente, francês fluente e etc e etc! A gente chega, às vezes na universidade aos 25, 26, 27 ou 35 anos, com toda a história de escola pública que a gente tem, e isso aqui se choca! Aquilo que a gente aprende, que é ensinado na escola pública, é completamente diferente do que é ensinado na escola particular! E aqui esses dois universos estão se confrontando!”

Alguns/mas vêem essas diferenças como positivas, enriquecedoras, o que é possível perceber em: “Eu acho que essa diversidade é positiva sim, (...) é positivo porque se torna claro o que é a sociedade! Eu acho que aqui na universidade a gente consegue perceber uma coisa pequena, que não é tão pequena assim, o que é a sociedade como um todo!” ou em “Você lida com a diversidade e tem que respeitar todas as instâncias, ressaltar todas as instâncias independente do que seja bom ou do que seja ruim! Você sabe que existem essas diferenças!”

Conviver com o seu diferente permite enxergar o que, no seu espaço social de origem, parece menos claro:

“Eu estou dizendo a sociedade como um todo, onde a divisão das classes econômicas é muito clara! E isso aqui na universidade é muito claro! Eu não sei, isso é positivo para mim, para eu poder detectar isso e perceber como a gente vai estar trabalhando com isso dentro da universidade! Isso é positivo para a gente que vem de movimento social, a gente que vem de pré comunitário e etc. Isso é interessante para a gente perceber que aquilo que se dá aqui dentro, se dá lá onde a gente está, só que a gente não consegue perceber tão claramente como a gente consegue perceber aqui! Porque o outro lado não está lá onde a gente está!”

Bom também para quem não conhece “o outro lado da moeda”:

“Eu acho que nós termos entrado na faculdade trouxe um benefício imenso para a universidade, porque a gente traz o outro lado da moeda, que muitas pessoas não conheciam! Quando eu entrei aqui, tinham colegas minhas que falavam que não acreditavam que existia a pobreza! Que achavam que isso não existia! E falavam para mim que não acreditavam! Que as pessoas viviam bem e que dava para se virar! Então, a gente trouxe essa diversidade!”

E que universo é esse a Universidade? Como esses/as estudantes vêem esse espaço?

Não é possível, percorrendo as falas dos/as entrevistados/as, encontrar um conceito de universidade, mas parece que é um espaço do qual não se tem idéia antes de nele entrar. Talvez seja muito diferente das outras experiências (escolares) vividas anteriormente.

“A escrita é um processo difícil!”

Surgiu entre nossos/as estudantes, durante a discussão promovida nos grupos focais, uma questão que não estava priorizada em nossos roteiros previamente: a linguagem no contexto universitário.

Os enfoques nos dois grupos variaram um pouco: em um deles estiveram mais fortes as estratégias compensatórias promovidas pela universidade para dar conta dos alunos/as que demonstram “deficiências” quanto à “expressão” escrita de suas idéias. Seriam essas estratégias benéficas ou, na verdade, mais um instrumento de discriminação e preconceito? No outro grupo, a discussão é mas fluida, o que não a torna menos importante.

Entrar para um curso universitário é, para muitos “bolsistas”, adentrar um novo mundo com seus códigos específicos, sua linguagem própria. A moderadora pergunta onde está a diferença entre os espaços sociais vividos pelos/as alunos/as dentro e fora da universidade. Um/a estudante responde: “No vocabulário das pessoas. Você vê que o contexto aqui na universidade já te exige um vocabulário mais rico, adequado, formal, acadêmico, e é uma coisa que você não vem preparada muito para isso!”

OS/AS ESTUDANTES VÃO PERCEBENDO ISSO, ORA PORQUE SE SENTEM “ESTRANGEIROS” NESSE NOVO LUGAR, ORA PORQUE, TENTANDO SE ADAPTAR, VÃO SE TORNANDO “ESTRANGEIROS” EM SUA PRÓPRIA COMUNIDADE. UMA ALUNA COMENTA A REAÇÃO DOS AMIGOS ÀS MUDANÇAS QUE ELA VEM SOFRENDO POR ESTAR NA UNIVERSIDADE. SERIA UMA CRISE DE IDENTIDADE?

“Você fica se conhecendo dos dois lados! Eu tenho um contato por conta da minha religião, todo domingo à tarde eu tenho um contato com as pessoas de onde eu moro, e outro dia eu estava conversando com eles um assunto, e a pessoa que estava do meu lado falou: Cuidado com o que você está falando, porque você está usando palavras muito difíceis! E quando eu chego aqui eu já acho que as palavras que eu uso, já são mais fracas, aí fica nos dois mundos, é complicado isso!”

Todorov (1999), ao se referir àquele que de fato rompe as fronteiras geográficas de seu país, nos fala desse processo de desenraizamento: “O homem desenraizado, arrancado de seu meio, de seu país, sofre em um primeiro momento: é muito agradável viver entre os seus. No entanto, ele pode tirar proveito de sua experiência. Aprende a não mais confundir o real com o ideal, nem a cultura com a natureza.” (p. 27) E, referindo-se à sua mudança da Bulgária para a França, se rende à evidência: não serei jamais um francês, ao menos como os outros. (Cf. 25)

O AUTOR COMENTA QUE SÃO TRÊS OS PROCESSOS VIVIDOS POR QUEM PASSA POR ESSE DESENRAIZAMENTO: A DESCULTURAÇÃO, A ACULTURAÇÃO E A TRANSCULTURAÇÃO. NO PRIMEIRO, HAVERIA A DEGRADAÇÃO DA CULTURA DE ORIGEM; NO SEGUNDO, UMA AQUISIÇÃO PROGRESSIVA DA NOVA CULTURA E NO TERCEIRO, A AQUISIÇÃO DE UM NOVO CÓDIGO SEM QUE O ANTIGO TENHA SE PERDIDO TOTALMENTE: “UM ESPAÇO SINGULAR SEM QUE O ANTIGO TENHA SE PERDIDO: ESTRANGEIRO NA MINHA CASA, EM CASA NO ESTRANGEIRO”. (P. 26)

Para Todorov (1999),

Condenar o indivíduo a continuar trancado na cultura dos ancestrais pressupõe de resto que a cultura é um código imutável, o que é empiricamente falso: talvez nem toda mudança seja boa, mas toda cultura viva muda (o latim tornou-se língua morta a partir do momento em que não pôde mais evoluir). O indivíduo não vive uma tragédia ao perder a cultura de origem quando adquire outra; constitui nossa humanidade o fato de ter uma língua, não o de ter determinada língua.(p. 25)

Mesmo sabendo que a referência do autor é à mudança de país, talvez possamos propor questões que essa reflexão suscita no âmbito do processo vivido pelos/as estudantes com os quais dialogamos neste trabalho: será que é a transculturação o que pretende a universidade? Ou apenas a desculturação? Será que a universidade tem se dado conta do que acontece com seus “novos” alunos? Será que os/as professores/as têm se apercebido dessa tensão que pulsa diante de seus olhos e ouvidos?

E a linguagem não é só a fala ou a escrita, ela constitui a sua identidade perante o outro tal como o seu modo de vestir, pois assim como muda a linguagem, também deve mudar a roupa... Um/a estudante cita a fala de um/a colega ausente: “Eu falei para a fulana que ela tem que se vestir melhor, porque senão dá muito a perceber que ela não é realmente para estar ali naquele ambiente! Ela tem que se vestir melhor, tem que se arrumar melhor! “

Ela não é realmente para estar ali naquele ambiente!? A fala, a escrita, a roupa, os traços étnicos... podem dar a perceber que ela/e não é realmente para estar ali naquele ambiente! Assim, esses/as estudantes vão se sentindo estrangeiros... E mais que isso: vão se sentindo discriminados! E também por aquele/a de quem, em tese, se esperava uma atitude bem diferente... Não são poucas, conforme já dissemos, as manifestações de descontentamento com as atitudes dos/as professores/as nos dois grupos focais:

“A questão é que é muito mais difícil você enfrentar o outro grupo, porque esse é o igual, é enfrentar o professor! Ultimamente, eu tenho visto muito professor falar assim: O pessoal que vem do pré não lê muito. O pessoal que vem do pré não se interessa. O pessoal que vem do pré não procura alternativas. E é uma coisa que você vê, que apesar de você saber que muitos dos seus colegas, mesmo ricos e tal, não lêem também, que têm os mesmos hábitos que você e tal, não são estigmatizados, não são tachados disso ou daquilo! E quando vem do professor, é uma coisa complicada. Você comprar briga com o professor é uma coisa...”

O OUTRO GRUPO É O IGUAL DE QUEM? DO/A PROFESSOR/A, O/A ALUNO/A ESCLARECE. E O PROFESSOR É UMA AUTORIDADE QUE ORA DEIXA CLARA A SUA VISÃO DOS “NOVOS” ALUNOS E ORA DISSIMULA: “EXISTE PROFESSOR QUE DIZ ASSIM: ESSES ALUNOS QUE VÊM DO PRÉ NÃO SABEM LER E NÃO SABEM ESCREVER! TEXTUALMENTE FALANDO! ESSE ERA CLARO! OUTROS FALAVAM DE OUTRAS FORMAS, PORQUE É MUITO DISSIMULADO!”

E é o/a professor/a quem reaparece como “despreparado” quando se discutem algumas estratégias compensatórias já existentes. Uma delas é a criação de uma disciplina específica para lidar com o texto acadêmico:

“Um exemplo é o [nome do curso], porque antes não tinha a cadeira de texto acadêmico, que é justamente para isso, você trabalhar texto, e [nome do curso] não tinha essa cadeira, então eles fizeram muitas cartas, um pedido para o Departamento de Letras, e hoje eles têm essa cadeira, só que não resolve muito porque os professores não são preparados para essas coisas...”

CRIA-SE, ENTÃO, UMA “CADEIRA” PARA LIDAR COM ESSE “PROBLEMA”, MAS ELE NÃO SE RESOLVE, PORQUE OS/AS PROFESSORES/AS NÃO SÃO PREPARADOS/AS?

Outra alternativa aparece. Um/a aluno/a que vive a experiência de forma positiva afirma que, ao procurar um núcleo específico de atendimento a pessoas com dificuldades de aprendizagem, teve a oportunidade de compreender que seus problemas estavam relacionados a não conseguir dizer na escrita aquilo que conseguia dizer na interação face a face. Esse/a aluno/a sugere que outras pessoas procurem o núcleo, pois ele lhe tem sido útil. Ele/a admite, no entanto, que há muito preconceito com esse tipo de trabalho, pois as pessoas não querem ser chamadas de deficientes e afirma “lá não é lugar de deficiente, pelo contrário: lá, a gente cresce.”

No outro grupo focal, os/as estudantes questionam essa “dificuldade” como própria dos/as “bolsistas”. Um/a estudante conta como respondeu a um professor que pedia aos bolsistas que fossem ao departamento de letras e fizessem um “curso para melhorar a escrita”:

“O senhor é professor da PUC há muito tempo, e sabe que o vestibular da PUC é considerado um vestibular difícil! O bolsista quando entra para a PUC, faz prova de português, prova de literatura e prova – pasmem – de redação! Então o cara não pode ser analfabeto! Ou então está havendo alguma deficiência no sistema de vestibular da PUC! (...) Eu acredito (...) que esse problema da deficiência na escrita, até pessoas que não são bolsistas têm! Isso não é característica do bolsista!”

O QUE ESTÁ EM JOGO NESSE EMBATE ENTRE ALUNOS/AS E PROFESSORES/AS?

Gnerre (1987) afirma que a sociedade atual não admite mais nenhuma forma de discriminação por raça, religião, filiação partidária, gênero ou origem social, o que está expresso inclusive na Carta Magna brasileira. No entanto, ao mesmo tempo, é quase consenso em nossa sociedade a discriminação baseada em critérios de linguagem e de educação. Segundo ele, através da linguagem, se perpetuam situações de injustiça e totalitarismo, pois “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (p. 22).

Poderíamos indagar se a discriminação com base naqueles critérios não constitui uma alternativa para que os critérios hoje abominados sejam mascarados em outros.

Mas e se nós procurarmos nos depoimentos desses/as estudantes o que eles/as dizem de suas experiências com a leitura e a escrita fora da universidade, num momento inicial da entrevista, que serve principalmente para distensionar o grupo antes de começarem as “perguntas para valer”?

Encontramos falas como “eu sempre sonhei em fazer letras, porque eu gostava muito de escrever poesia e leitura também”. Quando a moderadora perguntou “o que você mais gosta de fazer?”, não foram incomuns declarações como “Ler! O que vem na mão eu acabo lendo, mas eu me direciono muito para a área de psicologia e política!” ou “entrar numa livraria, se eu entro, eu saio com um livro, pelo menos um, não leio ele todo, não dá tempo às vezes, mas eu adoro entrar na livraria” ou ainda “Eu gosto muito de aconselhar, eu escrevo muito para as pessoas, e eu acho que deve ser assim uma coisa de entrar na vida das pessoas, sair escrevendo, e de repente as pessoas: Nossa! Como que você adivinhou! Eu escrevo muito para as pessoas informalmente.”

Experiências de leitura e escrita não parecem ser tão escassas, então. Poderíamos, portanto, indagar por que essas experiências são negadas e por que a famosa pedagogia que toma a “realidade do aluno” como ponto de partida parece não estar sendo levada em conta.

Síntese ao final

É possível observar que para esses/as estudantes, na universidade, é necessário desenvolver uma “nova” linguagem, que vai colocando em crise as suas identidades ao mesmo tempo em vão se sentindo estrangeiros nesse novo espaço. Com o avançar de sua convivência universitária, no entanto, eles passam a se sentir estrangeiros também em suas comunidades de origem.

Sobre a escrita e a leitura, os estudantes marcam que enfrentam dificuldades, mas que seu maior problema é lidar com o preconceito de professores que apontam que eles não lêem, não escrevem e não se interessam como “os outros”.

“eu digo que pobreza não é sinônimo de burrice! E que o fato das pessoas terem nascido numa periferia, numa Baixada Fluminense da vida, não significa dizer que elas não sejam capazes de pensar e traduzir um texto, embora elas não consigam colocar no papel!”

ESSES/AS ESTUDANTES TAMBÉM APONTAM A POUCA EFICIÊNCIA DAS MEDIDAS COMPENSATÓRIAS QUE VÊM SENDO ENCAMINHADAS POR DIFERENTES DEPARTAMENTOS OU ÓRGÃOS DA UNIVERSIDADE, COMO DISCIPLINAS ESPECÍFICAS PARA LIDAR COM A LEITURA E A ESCRITA ACADÊMICA OU MESMO UM ACOMPANHAMENTO PSICOPEDAGÓGICO, E ALEGAM QUE OS PRÓPRIOS PROFESSORES NÃO ESTÃO PREPARADOS PARA LIDAR COM A DIVERSIDADE QUE ESSES/AS NOVOS/AS ALUNOS/AS TRAZEM PARA O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO.

Ao longo da entrevista, no entanto, os/as estudantes vão dando indícios de como a participação em grupos de pesquisa e de estudos, em atividades de monitoria e projetos de extensão contribuiu para que entrassem e entendessem o que significa a vida universitária:

“eu tive a oportunidade no finalzinho do segundo período de participar de uma pesquisa (...), então eu comecei a trabalhar, estou nela até hoje, vão fazer três anos, o que me ajudou muito em todos os sentidos! Até mesmo nessa questão de estar falando, que eu era fechadona!”

“HOJE DE MANHÃ EU APRESENTEI UMA PESQUISA QUE EU FIZ LÁ COM UMA MENINA, E A GENTE ESTAVA FALANDO JUSTAMENTE DESSA QUESTÃO DA DIVERSIDADE, ESSE CONTATO COM OS UNIVERSITÁRIOS, DESSES UNIVERSITÁRIOS ESTAREM VINDO TRABALHAR NESSAS COMUNIDADES E DOS ADOLESCENTES ESTAREM NA UNIVERSIDADE, ESSA TROCA! AÍ EU ATÉ DEI O EXEMPLO, EU ENTREI NA PUC SEM SABER O QUE ERA UMA UNIVERSIDADE, E ELES JÁ NÃO, JÁ ESTÃO TENDO.”

NO INTERIOR DO NOSSO GRUPO DE PESQUISA, PODEMOS RATIFICAR QUE OS AVANÇOS NA PRODUÇÃO ACADÊMICA DOS/AS ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO “SALTAM AOS OLHOS”.

Sem a intenção ou mesmo a pretensão de apontar uma saída para o problema trazido por esses/as estudantes, mas tentando sim pensar em alternativas que superem as dificuldades por eles/as apontadas, buscamos, em momentos de distensão nas entrevistas, algumas falas de experiências de leitura e escrita vividas em seus cotidianos: elas não pareceram escassas, embora tenham se mostrado diferentes das que são valorizadas na universidade, como leituras de interesse “político” ou poesias e escrita de cartas. Indagamos por que essas experiências parecem não são levadas em conta.

Bibliografia citada:

GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

TODOROV, T. O homem desenraizado. Rio de Janeiro: Record, 1999.

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[1] Doutoranda em educação na PUC-Rio e professora assistente do Instituto de Aplicação da UERJ.

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