O Modo Empreendedor de Desenvolvimento de Estratégias



O Modo Empreendedor de Desenvolvimento de Estratégias

da Líder de Mercado do Setor Hoteleiro Brasileiro

Yákara Vasconcelos Pereira Leite

Professora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, doutoranda do curso de Pós-Graduação em Administração da UFPE. Obteve experiência profissional ao trabalhar numa multinacional francesa e em diferentes instituições de ensino (UFPB, UERN, Faculdade Mater Christi, FBV, UFPE, ESUDA, FUNESA e Senac-Recife). Graduada em Administração pela UFPE. Seu mestrado foi realizado em Administração enfatizando a área de Estratégia (UFPE). Membro do Grupo de Pesquisa da UFPE: Câmara de Estudos em Estratégias das Organizações, Grupo de Pesquisa da UFERSA: Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração (GEPAR) e do Grupo de Pesquisa da UERN: Núcleo de Estudos Organizacionais do Alto Oeste Potiguar. Pesquisa principalmente os seguintes temas: competição, processo de formação das estratégias, liderança, mudança estratégica e marketing. Atua como membro do conselho editorial da Autopoiesis-Revista de Ciências Humanas e Sociais. Possui trabalhos científicos publicados em eventos e periódicos acadêmicos. E-mail: yakarav@

Eduardo de Aquino Lucena

Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Pernambuco (1993), mestrado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco (1997) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Em 2000, realizou doutorado-sanduíche na The University of Georgia (GA, EUA). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco com atuação no PROPAD/UFPE. Seus interesses de pesquisa englobam os seguintes temas: processos de aprendizagem nas organizaçõesde, processo de estratégia e estratégia como prática. E-mail: eaqlucena@.br

Resumo

O objetivo deste artigo é descrever as fases em que a Accor Hospitality do Brasil adotou um modo empreendedor de desenvolvimento de estratégias ao longo do período de 1974 até 2009. A empresa adotou o modo empreendedor de desenvolvimento de estratégias. Na primeira, o líder conseguiu constituir um grupo de doze acionistas que viabilizou financeiramente a entrada da companhia no país. Posteriormente, ela executou uma mudança brusca em sua estratégia de mercado. Os resultados também indicaram que a rede de relacionamentos e a capacidade de identificar oportunidades de negócios do principal líder foram fundamentais no processo de expansão da companhia.

Palavras-chave: Accor Hospitality, liderança, estratégia, inovação, turismo.

Abstract

The aim of this article is to describe the phases in which Accor Hospitality adopted an entrepreneurial mode of developing strategies from 1974 until 2009. The company adopted an entrepreneurial mode of developing strategies. During the first phase, the leader finally could form a group of 12 shareholders that financially disposed the entrance of the company in the country. Further, the enterprise made an impetuous change at the market strategy. The results also indicated that strategies were adjusted by the view, the knowledge and autonomy of the leaders.

KEYWORDS: Accor Hospitality, leadership, strategies, innovation, tourism.

Resumen

El objetivo de este artículo es describir las fases en que Accor Hospitality adoptó un modo de desarrollo empresarial de las estrategias del 1974 hasta el 2009. La empresa adoptó una modalidad de desarrollo empresarial en las estrategias. Primeramente, el líder puede formar un grupo de 12 accionistas que financieramente eliminados de la entrada de la empresa en el país. Además, la empresa hizo un impetuoso cambio en la estrategia de mercado. Los resultados también indicaron que las estrategias se ajustaron por el punto de vista, el conocimiento y la autonomía de los dirigentes.

Palabras clave: Accor Hospitality, liderazgo, estratégia, innovación, turismo.

1 Introdução

As conjunturas que permeiam as organizações da sociedade atual imprimem fatores determinantes às atividades empresariais. Estes fatores de crescimento sobre os quais as organizações não têm controle, como a velocidade dos avanços tecnológicos, aceleração da globalização e um ambiente cada vez mais competitivo, levaram as empresas a buscar meios de manter sua vantagem e estabelecer um diferencial de suas atividades para que assegurem retornos superiores.

A função da administração estratégica é notada por permitir as empresas de utilizarem suas fontes de vantagens competitivas e então, lhes possibilitar ganhos acima da média. Como um campo de pesquisa, a administração estratégica está firmemente baseada na prática e existe devido à importância da direção estratégica como ponto central para a criação de riqueza da sociedade atual. Identificar as razões pelas quais as empresas alcançam o sucesso ou simplesmente fracassam, torna-se a questão primordial da estratégia (Porter, 1991; Rumelt et al., 1994).

Discutindo sobre as diferentes abordagens que existem sobre administração estratégica, McCarthy e Leavy (2000) propõem duas linhas básicas e centrais para os modelos de estratégia: o modelo do planejamento racional e o da aprendizagem intuitiva. O primeiro é baseado num plano formal e toma como foco o ambiente externo e a formulação estratégica linear, racional, adaptativa e voluntarista. Já, o modelo de aprendizagem intuitiva não é somente baseado num plano formal, mas considera a existência de estratégias deliberadas e emergentes. Enfatizando as dimensões internas da organização, o modelo de aprendizagem propõe que a formação de estratégias é não-linear.

Sendo um autor importante da corrente teórica denominada “Processo de Estratégia”, Pettigrew (1987) afirma que não existe distinção entre formulação e implementação da estratégia. Sua abordagem considera a construção das estratégias como transformações interativas ao longo do tempo. O ponto de partida para a formação do conteúdo de qualquer nova estratégia baseia-se na análise de seu contexto e suas ações, reações e interações com o ambiente externo e fatores internos organizacionais. Mintzberg firmou o termo “formação de estratégias” para esclarecer que as estratégias de uma determinada organização se desenvolvem ao longo do tempo. Observa-se que frequentemente as estratégias não são realizadas conforme foram pretendidas (Mintzberg, 1978; Mintzberg, Waters, 1985; Mintzberg et al. 2000).

Em um artigo clássico de 1973, Mintzberg sugere a existência de três modos de desenvolvimento (ou elaboração) de estratégias. Partindo da análise de como as empresas tomavam suas decisões e as relacionavam para a formação de suas estratégias, o autor propõe os seguintes modos: o empreendedor, o adaptativo e o de planejamento.

Levando em conta esta discussão, a pergunta que norteou a elaboração deste trabalho foi a seguinte: como a Accor Hospitality do Brasil atuou de forma empreendedora ao longo de sua trajetória de desenvolvimento? O objetivo do estudo é descrever as fases em que a Accor Hospitality do Brasil adotou um modo empreendedor de desenvolvimento de estratégias ao longo do período de 1974 até 2009.

A fim de se obter um melhor entendimento sobre o problema em investigação, o arcabouço teórico deste estudo está construído com base em textos acadêmicos sobre o processo de formação de estratégias. Será dado especial destaque aos textos que tratam sobre aspectos importantes do modo empreendedor de formação de estratégias.

Desse modo, este artigo está composto por seis segmentos. O primeiro introduziu os aspectos gerais da pesquisa, o seguinte, retrata o referencial teórico, o terceiro apresenta os procedimentos metodológicos. A quarta seção discute os resultados para que as considerações finais sejam expostas em seguida, e as referências bibliográficas finalizam o texto.

2 Formação de estratégias

Os modos de formação de estratégias surgiram de alguns questionamentos de Mintzberg (1973). Uma das indagações foi: como as organizações tomam importantes decisões e como isso se conecta para formar estratégias? Ao buscar a resposta, o autor observou que o processo de formação das estratégias poderia ocorrer de três modos: o empreendedor, o adaptativo e o de planejamento.

O modo empreendedor – que orienta o desenvolvimento do estudo – pode ser delineado por algumas características. Nas organizações que seguem este modo, as decisões estratégicas buscam novas oportunidades. A orientação da empresa é mais ativa do que passiva. Outra característica é a de que o poder tende a ser centralizado nas mãos do dirigente organizacional. Esse líder é uma pessoa capaz de se comprometer com o curso das ações, guiando a empresa por meio da sua visão. Ao orientar o empreendimento, o gestor poderá conduzir a organização levando-a a realizar saltos. Os saltos são mudanças resultantes de um confronto com as incertezas. Finalmente, tem-se que o crescimento que é a meta dominante do modo empreendedor.

No modo adaptativo, o cenário se caracteriza por um ambiente externo complexo, regido por coalizões de interesses. Há divisão de poder entre os membros organizacionais levando à ausência de metas a serem perseguidas pela organização. Não existe um centro de poder. Com isso, interesses individuais entram em disputa, deixando a empresa sem uma orientação definida. Outro aspecto desse modo é o posicionamento reativo. A empresa volta-se muito mais para a resolução de problemas do que para a procura de oportunidades. Ela age passo a passo, negociando, reduzindo o conflito e as incertezas. Por fim, tem-se aqui um dirigente que é flexível e que observa as necessidades do momento.

No modo de planejamento, pode-se também identificar alguns aspectos. O gestor desempenha um papel de analista nesse processo, podendo utilizar técnicas da ciência administrativa e das políticas de análise para delinear as estratégias. A análise sistemática, particularmente, o foco nos custos e benefícios é o condutor desse modo de planejamento. O processo é sempre sistemático e estruturado por meio de uma integração de decisões estratégicas. Por causa disso, o planejamento força a organização a pensar nas estratégias globais e no desenvolvimento, explicitando o senso de direção. Finalmente, ressalta-se que é comum identificar esse modo em organizações de grande porte que estejam inseridas em ambientes altamente competitivos.

Os três modos de formação de estratégias apresentados são modelos puros, podendo haver combinações entre eles. No mundo real das organizações, verifica-se que poucas empresas desenvolvem suas estratégias seguindo os modelos puros que foram comentados (Mintzberg, 1978). Ou seja, existem modos híbridos que são formados a partir da combinação dos puros.

No livro “Safári de Estratégia”, Mintzberg et al. (2000) constataram que definir estratégia ou compreender seu processo de formação não é uma tarefa simples. Eles percebem que diferentes conceitos e interpretações são utilizados. Nesse trabalho, os autores apresentam dez escolas de pensamento sobre a formação de estratégias, derivadas dos pontos de vistas que emergiram da análise da literatura existente. Cada escola de pensamento comungou de um prisma diferente para desenvolver sua teoria.

Dentre as dez escolas formadas pelos autores, pode-se destacar a escola empreendedora. O estudo da escola empreendedora veio tentar preencher um vazio existente na literatura de estratégia que até então se baseava em abordagens incondicionalmente prescritivas.

2.1 Escola empreendedora de formação de estratégias

Apesar de os conceitos sobre empreendedorismo serem variados e dispersos, de uma forma geral, pode-se dizer que o empreendedorismo está ligado à criação de empresa e à inovação. O empreendedorismo é definido como o processo pelo qual se faz algo novo (algo criativo) e algo diferente (algo inovador) com a finalidade de gerar riqueza para os indivíduos e agregar valor para a sociedade (Filion, 2004; Shane, Venkataraman, 2000). O modo empreendedor de formar estratégias caracteriza-se por ser um estilo de administração que impulsiona a empresa em busca de novas oportunidades.

A presença de uma forte liderança marca esta escola de formação de estratégias. A empresa é levada a alcançar seus objetivos por meio de decisões ousadas. Naturalmente, o empreendedor busca ambientes de incertezas, no qual o risco é inerente ao processo decisório como um todo. A percepção do risco que será assumido é um dos fatores que distinguem os empreendedores dos indivíduos comuns. Os riscos são justificados pela expectativa de retornos superiores quando se trata de realizar novas e surpreendentes ações (McCarthy, Leavy, 1999). O executivo empreendedor toma para si os riscos assumidos pela empresa, tornando-a flexível (Mintzberg, 1973).

Conforme esta perspectiva teórica, elementos importantes para o sucesso das empresas englobam a sabedoria, a intuição, a experiência e o julgamento dos líderes. O conceito mais relevante e central para esta escola é a visão, pois ela distingue o empreendedor do simples gerente (Mintzberg et al., 2000). Esta escola é percebida em organizações jovens, pequenas e com uma forte liderança (Mintzberg, 1973).

Empreendedores são os líderes visionários da organização, a quem Rowe (2002, p.11-12) atribui as seguintes características:

Líderes visionários são relativamente pró-ativos, moldando idéias em vez de se oporem a elas. Exercem influências de uma maneira que determina a direção que a organização deve tomar. Eles criam imagens e suscitam expectativas, alterando humores e definindo desejos específicos e objetivos. Influenciam o que as pessoas acreditam ser possível, desejável e necessário. [...] esforçam-se para aprimorar escolhas e abordagens novas para problemas antigos. Provocam agitação no ambiente. Trabalham em posição de alto risco e buscam negócios arriscados, especialmente quando as recompensas são altas.

Um estudo elaborado por Mintzberg e Waters (1982) apresenta um modelo que exemplifica bem os conceitos da liderança visionária. Uma cadeia de supermercado canadense, a Steinberg, foi investigada pelos autores que destacaram a formação das estratégias ao longo do tempo, demonstrando que a empresa inicialmente empreendedora passou por fases de formalização e diversificação. O líder da organização Sam Steinberg, iniciou suas atividades de rede varejista com uma pequena loja de produtos alimentícios em 1917, na cidade de Montreal. Até o dia da sua morte, em 1978, ele manteve o completo controle formal da empresa, assumindo todas as decisões, inclusive em sua fase de diversificação, na década de 60.

Com atitudes que demonstravam ser uma “ousadia controlada”, ou seja, as idéias eram ousadas, porém a execução destas eram mais cautelosas, o empreendedor “ousou criar uma nova visão, a qual testou antes de dar o salto” (Mintzberg et al., 2000, p.109).

Em adição a noção de ousadia controlada, uma característica do modo empreendedor – exaustivamente mencionada pelo próprio Sam Steinberg, fundador da Steinberg´s, uma rede varejista canadense – é o profundo conhecimento sobre os negócios que o líder possui. É a intuição que direciona o empreendedor, baseada na sabedoria, detalhada, impregnada, conhecimento pessoal do mundo (Mintzberg, Waters, 1982).

Este mesmo estudo ainda demonstrou o quanto esse conhecimento pode ser efetivo por estar concentrado em um único indivíduo com alto nível de comprometimento e que possuía a visão e a habilidade para mudar de um foco estreito para uma perspectiva ampla. Sob estas condições, tanto tempo dure o negócio simples e concentrado o bastante para ser compreendido por uma única mente, tanto tempo o modo empreendedor se revela bastante eficaz. “Ninguém pode prover tão clara e completa visão de direção, ainda mais permitindo flexibilidade para elaborar e cultivar esta visão” a não ser o empreendedor (Mintzberg, Waters, 1982, p. 496). A visão está articulada na cabeça do empreendedor funcionando como um senso daquilo que a empresa deve fazer (Mintzberg et al., 2000). A visão tende a ser uma imagem projetada de uma condição a qual se deseja alcançar e não um plano articulado, o que imprime ao processo, flexibilidade suficiente para que o empreendedor possa adaptá-la de acordo com sua experiência.

Posto isto, deve-se questionar, como se concebe uma visão? Segundo Mintzberg et al., (2000), os líderes empreendedores buscam captar sinais no ambiente que lhes habilitem a provocar mudanças substanciais na perspectiva estratégica de suas empresas. A aprendizagem do empreendedor o leva a um processo de mudança de visão, pois a partir da construção de uma nova mentalidade, será construída uma nova visão. Trata-se de transformar modelos mentais, uma mudança de grande magnitude para o indivíduo.

Esses estudos apresentados sobre os empreendedores, são classificados por Gartner (1985), como considerando os indivíduos que empreendem novos negócios e suas empresas de maneira única. Sendo assim, este autor propõe um modelo de análise cujo objetivo principal é identificar variáveis que descrevem como cada nova empresa foi criada ou desenvolvida, pois ele considera a abertura de uma empresa um fenômeno complexo e multidimensional. A principal meta da utilização do modelo deste autor é demonstrar importantes contrastes e comparações entre organizações empreendedoras.

O modelo da nova empresa apresentado por Gartner (1985) agrupa quatro dimensões que estão inter-relacionadas, são elas:

• Indivíduo - analisado sob aspectos psicológicos referentes a necessidades de realizações, propensão aceitação de riscos, satisfação no trabalho, experiências anteriores, pais empreendedores, idade e educação;

• Processos - são as ações realizadas para criar uma empresa. Localização da oportunidade de negócio, aglomeração dos recursos, produção dos serviços ou produtos, construção da organização e resposta ao governo e à sociedade;

• Ambiente - variáveis que são relativamente fixas ou impostas. Disponibilidade de capital, presença de empreendedores experientes, acesso a fornecedores, acesso a clientes, influencias governamentais, características da população local, barreiras de entrada, rivalidade entre os competidores existentes, pressão dos produtos substitutos, barganha dos compradores e barganha dos fornecedores;

• Organização - variáveis das escolhas estratégicas. Diferenciação, foco, novos produtos e serviços, transferência geográfica, joint ventures e licenciamentos.

A importância das interações dessas variáveis é de relevância elucidativa para o entendimento do surgimento das novas empresas.

2.2 Papel do líder na formação das estratégias

Para estudar realisticamente o papel dos executivos no processo de formação das estratégias, foi necessário entender o significado de liderança. O termo vem sendo utilizado nos estudos que versam sobre o poder do líder no contexto das estratégias. Hosmer (1982) contribuiu com esse tema ao propor um modelo que une o processo de formulação e implementação das estratégias a partir da presença do líder, por considerar que na prática não se separam. Por fim, o autor acrescenta ao seu modelo a importância da existência do senso de direção e propósito, pois por meio deles pode-se gerar coordenação e integração do grupo, reforçando o que for necessário para a formulação e a implementação das estratégias.

Dentro dessa perspectiva, ao examinar o campo empírico, verificou-se a necessidade de analisar como os dirigentes moldaram as estratégias. Pois, acreditou-se na existência da influência do líder no processo. Uma das principais perspectivas que conduziu fortemente este trabalho foi a explicada no texto: “Criação artesanal da estratégia” (Mintzberg, 1998), quando o autor advoga que os líderes possuem papel importante na formação das estratégias, sendo capazes de moldá-las comparando seu trabalho ao de um artista que molda a argila em busca de construir a sua obra. Pois, as ações daqueles que estão dirigindo a empresa são fortemente influenciadas por sua experiência e por seu passado.

Tendo em vista esse pensamento, o processo de formação de estratégias acontece por meio de um aprendizado. Ao envolver-se com os detalhes, o dirigente forma sua própria base de conhecimento. “O conhecimento capacita o líder na condução eficaz da organização, mesmo quando o ambiente muda de forma irregular ou desordenada” (Mintzberg, 1998, p. 436). Ele é capaz de aprender por meio de suas experiências, crenças, intuições e treinamentos, como também com as informações coletadas do ambiente interno e externo à organização. Ao aprender, o líder tem condições de agir estrategicamente, pois a aprendizagem permite a adaptabilidade e o sucesso da implementação das estratégias (Akgün et al., 2003).

Deve-se considerar também o papel que o líder poderá ter de se relacionar. Por meio de redes, o executivo tem a oportunidade de aprender com outras pessoas (Mintzberg, 1986). Kotter (2000) indica que os gerentes gerais não restringem seu foco ao planejamento, estratégia de negócios ou questões da alta gerência. O que ocorre é o interesse por praticamente tudo que tenha alguma ligação, mesmo que remota, com suas empresas, desenvolvendo redes de cooperação com as pessoas que ele considera necessárias para o cumprimento de seus compromissos. Sendo assim, a construção de redes constitui uma das habilidades particulares dos dirigentes (Bryman, 2004).

3 Procedimentos metodológicos

A perspectiva qualitativa foi adotada nesta pesquisa por focar a essência, o entendimento, a descrição (Bogdan, Biklen, 1994; Patton, 2001; Taylor, Bogdan, 1984), o descobrimento e o significado do fenômeno (Merriam, 1998), considerando o contexto (Godoy, 1995).

Diante do problema de pesquisa, a análise foi realizada em retrospectiva. Ela tornou-se fundamental para o entendimento de eventos históricos que acessam o contexto organizacional considerando as interpretações dos respondentes. A utilização dessa análise vem se apresentando eficaz nos trabalhos que investigam o processo estratégico (Mintzberg, 1978; Mintzberg, Waters, 1982; Mintzberg, MChugh, 1985). A opção metodológica desta pesquisa foi a de desenvolver um estudo de caso qualitativo histórico de cunho descritivo (Merriam, 1998).

Tendo em vista que o estudo de caso caracteriza-se por ser um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente (Godoy, 1995; Merriam, 1998; Yin, 2002), a seleção dos respondentes ocorreu em dois níveis (Merriam, 1998). Primeiramente, selecionou-se a organização e em seguida os 13 indivíduos que forneceriam informações acerca do fenômeno investigado. Além disso, essa seleção foi intencional, por ser a mais adequada a esse tipo de estudo.

Por se tratar de estudo qualitativo, diferentes técnicas de coleta de dados foram utilizadas. A principal delas foi a entrevista semiestruturada que ocorreu em junho de 2005, além da análise de documentos (Patton, 2001; Taylor, Bogdan, 1984) que perdurou até dezembro de 2009. Ressalta-se que essas técnicas são apropriadas para a coleta de dados em pesquisas sobre processo estratégico (Okumus, Hemmington, 1998).

Preocupando-se com a quantidade de dados, codificaram-se as informações coletadas, por meio do método de codificação específico para pesquisas que investigam processos (Bogdan, Biklen, 1994). Com esse método, codificam-se as palavras e as frases para facilitar a categorização das sequências de acontecimentos e das mudanças ao longo do tempo. Os códigos de processo apontam para períodos de tempo, estágios, fases, passagens, passos e carreiras. Eles são usados para analisar os dados em estudos de casos organizacionais.

A partir da codificação dos dados, buscou-se construir categorias que capturassem aspectos do fenômeno analisado (Merriam, 1998). Assim, foram consideradas a repetição das palavras e a ênfase que os respondentes davam a alguns temas (Bogdan, Biklen, 1994). Além disso, para elaborar as categorias no estudo qualitativo, realizaram-se a análise e a coleta dos dados simultaneamente (Taylor, Bogdan, 1984). Essa análise dos dados foi, sobretudo, norteada por uma perspectiva de processo estratégico (Van de Ven, 1992) e análise em restrospectiva.

Durante a análise de dados, houve a preocupação de validar as informações para que o resultado alcançado fosse o mais próximo possível da realidade. O uso de bases múltiplas permitiu validar as informações por meio da triangulação (Noda, Bower, 1996).

4 Resultados

Os dados coletados foram analisados, e os resultados encontrados serão apresentados nesta seção. Primeiramente, algumas informações gerais das atividades executadas pela organização investigada serão exibidas. Posteriormente, o comportamento adotado pela Accor Hospitality do Brasil será apresentado nas fases em que o modo empreendedor de formação de estratégias predominou.

O Quadro 1 exibe a relação dos executivos que foram entrevistados durante a etapa de trabalho de campo deste estudo investigativo. Vale salientar que os dirigentes que concederam as entrevistas estão sendo identificados por meio de pseudônimos neste texto. Em relação a cada respondente, no Quadro 1, pode-se identificar o cargo que ocupava na época da coleta de dados, sua formação e o ano em que iniciou suas atividades na Accor Hospitality do Brasil.

|Pseudônimos dos |Cargo que ocupa (ou) na Accor Hospitality |Formação superior |Ano de entrada na Accor|

|entrevistados | | |Hospitality |

|Adalberto Rio |Diretor de Desenvolvimento |Engenheiro |1999 |

|François Parny |Diretor Administrativo Financeiro |Direito |2004 |

|Felicitas Pennac |Diretor de Operações Ibis e Formule 1 |Hotelaria |1999 |

|Julio Lazarte |Fundador e atual conselheiro do presidente do Grupo |Engenheiro |1974 |

| |Accor Brasil | | |

|Niraldo Paes |Diretor de Informática |Ciência da Computação |2002 |

|Odilon dos Santos |Diretor de Operações Novotel, Mercure e Parthenon |Administração |1990 |

|Osmar Cavalcanti |Gerente Regional Parthenon |Hotelaria |1990 |

|Otávio Rangel |Diretor de Implantação |Engenharia |1977 |

|Pedro Salgado |Diretor de Marketing e Vendas |Jornalismo |1998 |

|Ricardo Góis |Gerente Administrativo |Administração |1990 |

|René Baudelaire |Diretor Geral |Hotelaria |1990 |

|Salomão Cruz |Diretor de Recursos Humanos |Direito |1980 |

|Sílvio Távora |Ex-funcionário do Departamento Jurídico |Direito |1975 |

Quadro 1: Apresentação dos entrevistados

Fonte: Dados coletados

Conhecidos os respondentes, prossegue-se com a apresentação da organização. É importante esclarecer que a Accor Hospitality do Brasil pertence ao Grupo Accor do Brasil, que é uma das filiais da Accor França. A história da corporação francesa foi iniciada na hotelaria, em 1967, com hotéis da marca Novotel. Ela expandiu-se rapidamente e passou a atuar em diferentes segmentos do setor de serviços, como: alimentação, agência de viagens, serviços empresariais e cassino. O Grupo Accor França também se dirigiu ao Brasil, país que, atualmente, depois da França, é detentor do maior número de colaboradores e de marcas estabelecidas (Accor, 2005).

As marcas de serviços do Grupo Accor Brasil estão divididas em três agrupamentos: viagens (Travel), serviços (Services) e hotelaria (Hotels). A Accor Travel é constituída de agências e operadoras de viagens. São, respectivamente, a Carlson Wagonlit e a Accor Tour. A Accor Services abrange todas as outras marcas de serviços empresariais, a exemplo da Ticket, da GR, da Incentive House, entre outras. Por fim, apresenta-se a Accor Hospitality que é a divisão investigada neste estudo e que é líder de mercado no setor de hotelaria do país.. Ela é representada pelas marcas Sofitel, Novotel, Mercure, Ibis e Formule 1, que são as marcas que compõem o portfólio da companhia hoteleira.

As marcas da Accor Hospitality do Brasil podem ser agrupadas em três categorias: a upscale, as de midscale e as econômicas. Na categoria upscale, existe a marca Sofitel, que é composta por hotéis de cinco estrelas, destinados a um público com alto poder aquisitivo. A midscale é composta pelas marcas Novotel e Mercure. A Novotel é formada por hotéis com categoria quatro estrelas. Os hotéis da Mercure são normalmente de categorias três e quatro estrelas e suas unidades se integram à cultura local. Atualmente, a Novotel incorporou os flats da marca Parthenon, nessa marca, as suas unidades habitacionais eram em formato de flats que teve conceito pioneiro de hospedagem consolidado pela própria Parthenon no Brasil. Finalmente, existe a categoria dos hotéis econômicos, que é constituída por hotéis Íbis e Formule 1. Atualmente, observa-se um crescimento do número de hotéis econômicos da rede Accor do Brasil.

4.1 Fases em que a Accor Hospitality do Brasil adotou o modo empreendedor de desenvolvimento de estratégias

Nesta seção, serão apresentadas as duas fases nas quais a organização estudada adotou o modo empreendedor de formação de estratégias. Salienta-se que dentro do período entre 1974 e 2009 outros modos de formação de estratégias foram observados. Todavia, este artigo busca compreender o comportamento da firma nos períodos (fases) em que o modo empreendedor foi predominante.

4.1.1 Primeira fase: 1974-1977

Faz-se necessário comentar alguns aspectos do contexto externo à organização para que em seguida seja descrita a primeira fase em que o modo empreendedor foi adotado pela firma. Entre as décadas de 60 e 70 ocorreram mudanças importantes na conjuntura política do país. Uma delas foi o estabelecimento do regime militar, que gerou instabilidade política.

O período de 1968 a 1973 (governos Costa e Silva e Médici, e com o Ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto) caracterizou-se pelas maiores taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) da história recente do país. Nesse período, de acordo com Gremaud et al. (2004), a menor taxa de crescimento anual do PIB do Brasil era superior a 9%. Esse aumento foi decorrente das reformas institucionais e da recessão do período anterior, que geraram uma capacidade ociosa no setor industrial, favorecendo a retomada da demanda. Além disso, o crescimento da economia mundial também permitiu a elevação das taxas de crescimento econômico. Mesmo sendo a época do denominado “Milagre Econômico”, assistiu-se nesse período à primeira onda de endividamento externo.

O rápido crescimento ao longo do milagre econômico gerou pressões inflacionárias e problemas na balança comercial. A ocupação de toda a capacidade ociosa contribuiu para o aparecimento de alguns desequilíbrios econômicos, que serão apresentados na próxima seção.

No panorama setorial da hotelaria, a década de 70 foi marcada pela expansão das redes hoteleiras nacionais e internacionais. O crescimento do número de viajantes, provocado pelo desenvolvimento da infra-estrutura dos transportes aéreo e rodoviário contribuiu para a abertura de novos empreendimentos.

A entrada das cadeias internacionais de hotéis no Brasil foi estimulada pelo acirramento da concorrência entre essas companhias em nível internacional. Outro fator foi a transformação do país em um importante pólo de viagens de negócios internacionais, motivado pelo crescimento da economia e pela entrada das empresas multinacionais no país (Gazeta Mercantil, 1999).

A Accor Hospitality, que na época era denominada de “Novotel”, despertou interesse pelo Brasil em 1974. Como era um país do “milagre”, a economia estava favorável aos negócios. Essa situação foi percebida por um dos dirigentes do Grupo Louis Dreyfus, que era amigo dos empresários da Novotel. O Grupo Dreyfus é uma corporação francesa bastante diversificada, atuante em diferentes atividades empresariais (agronegócios, energia e finanças), e uma de suas filiais estava localizada no Brasil.

Existia, assim, a idéia, mas não havia um líder capaz de desenvolver a rede hoteleira até que o francês Julio Lazarte encontrou-se com um dos fundadores da Novotel, e recebeu o convite para iniciar as operações da rede no Brasil. Na época, a Novotel internacional era formada por 50 hotéis, mas não possuía recursos financeiros suficientes para iniciar suas atividades no país. A prioridade da empresa era consolidar-se na Europa e em seguida expandir-se nos Estados Unidos. “Essa era uma fase que não sobrava capital para outros mercados periféricos”, explicou Pedro Salgado durante a entrevista.

O senhor Julio Lazarte, formado em engenharia, chegou ao Brasil em 1971 para trabalhar na Philips na cidade de São Paulo. Vivendo no país, passou a observar a carência de bons hotéis. Isso foi-lhe despertando interesse pela área. Ele explicou com mais detalhes a situação da hotelaria daquela época:

Era um tempo, eu estava aqui desde 71. A gente tinha dificuldade de ir à praia, ir ao interior, não tinha hotéis para te acolher no final de semana, era uma coisa horrorosa, com banheiro no final do corredor, um para seis quartos, muito fraco. Mesmo no centro da cidade, eram hotéis bem antigos, aqui em São Paulo [...].

Por ter certa inclinação pela área, ele aceitou o desafio de iniciar as atividades da Novotel no Brasil, desligando-se da empresa onde trabalhava (a Philips). Iniciava-se, assim, a história da Accor Hospitality no Brasil. Sendo treinado de acordo com a forma de trabalhar da rede hoteleira, o executivo permaneceu quatro meses na França. Lá, ele obteve conhecimentos sobre a administração de hotéis (em áreas como governança, manutenção e recepção). Depois desse estágio, retornou ao Brasil para liderar o processo que culminou na formação de um grupo de acionistas que viabilizou o início das atividades da rede no país. Além disso, o Senhor Lazarte teve um papel decisivo na viabilização do negócio junto à Empresa Brasileira de Turismo (Embratur).

A sua proposta foi diferente das outras cadeias internacionais que geralmente procuravam a Embratur para construir hotéis de luxo. Ele apresentou um projeto para desenvolver uma rede hoteleira de quatro estrelas, voltada ao mercado médio, chamada de midscale. Além da idéia pioneira e inovadora, o que surpreendeu foi que, diferentemente dos outros grupos hoteleiros que vinham implantar um hotel, a Novotel chegou ao país com o objetivo de desenvolver uma rede. A Embratur apoiou a idéia por entender que essa proposta era adequada para o Brasil. “Esse foi um apoio valioso”, reconheceu Julio Lazarte.

O fundador Julio Lazarte aproveitou a receptividade da Embratur e o apoio concedido pelo Fundo de Desenvolvimento Regional e Setorial para formar a empresa. A legislação permitia a criação do negócio por meio de uma base conhecida como tripé. Os negócios eram constituídos por uma união de 1/3 de recursos próprios, 1/3 de incentivos fiscais e 1/3 de financiamento. Os acionistas aconselhados por um dos investidores, optaram por fazer a dívida em dólar, explicou o fundador da Novotel.

Os recursos próprios que correspondiam à terça parte da constituição financeira da empresa originaram-se da congregação de mais de 12 acionistas, captados pelo dirigente. Entre os acionistas, estavam Unibanco, Bamerindus, Dreyfus, Banco Francês e Brasileiro, Jacques Borel (Ticket Restaurante), entre outros. O processo para a abertura da empresa durou um ano, ou seja, de agosto de 1974 até agosto de 1975.

Além do investimento elevado, havia a necessidade de a empresa contar com pessoas capacitadas. Nesse sentido, o líder Julio Lazarte explicou que:

Hotelaria não é fácil, porque hotelaria é uma indústria e ao mesmo tempo um serviço. É indústria por causa do capital muito pesado, tão pesado quanto siderurgia, não parece [...] o retorno sobre o investimento não é tão ruim, mas é apertado, sim. Agora do outro lado é serviço, porque o cliente diz, existe uma grande casa e quem serve é o pessoal que está lá dentro. Então, recurso humano é muito importante. Hotelaria tem essa dualidade entre a característica de indústria pesada e empresa de serviços, em que os recursos humanos é tudo.

Formou-se, assim, a sociedade que nasceu como limitada (Ltda.) em setembro de 1975, transformando-se, em seguida, numa S.A: a Novotel Hotelaria e Turismo S.A. Na época, o objetivo era montar no Brasil uma rede com 100 unidades hoteleiras da marca Novotel. Enquanto isso, na França, a Novotel adquiria a rede Mercure.

Em consonância com os argumentos de Mintzberg (1973), identificou-se o modo empreendedor de formação de estratégias. Em busca de se consolidar no Brasil, o líder enfrentou o grande desafio de formar um grupo de investidores que acreditassem na formação de uma cadeia hoteleira que até então, não era conhecida. Para alcançar esse plano, o dirigente precisou desbravar o mercado. Principalmente, nos primeiros anos de atividade da empresa, pôde-se observar que o senhor Julio Lazarte manteve as decisões centralizadas, enfrentando riscos em busca do desenvolvimento. Foi uma atitude empreendedora do líder, suas ações influenciaram fortemente o curso dos negócios. Para constituir a organização, ele explicou que “saiu em busca de oportunidades, relacionando-se com diferentes companhias, enfrentando riscos que foi o caso do seu endividamento com base no dólar”.

Esses achados corroboram com o que Filion (2004) e Shane e Venkataraman (2000) indicam em seus textos. Para os autores, o empreendedorismo é definido como o processo pelo qual se faz algo novo (algo criativo) e algo diferente (algo inovador). Assim, o modo empreendedor de formar estratégias, caracteriza-se por ser um estilo de administração que impulsiona a empresa em busca de novas oportunidades, podendo o líder influenciar nessa identificação das oportunidades. Aqui, verificou-se que foi por meio da identificação da oportunidade de formar um conjunto de acionistas que o fundador da Accor Hospitality moldou a estratégia da empresa de entrar no mercado brasileiro (Mintzberg, 1998).

Com relação ao modelo apresentado por Gartner (1985) pode-se analisar e destacar que o indivíduo empreendedor estava propenso a aceitar os riscos de um novo negócio e possuía afinidade com a atividade a ser empreendida. Além disso, a organização passou por todos os processos descritos pelo autor: localização de uma oportunidade, aglomeração dos recursos materiais e humanos, construção da organização e funcionamento, como resposta a sociedade e ao governo. Com relação ao ambiente, seguramente, as variáveis governamentais foram as que mais se destacaram, sem menosprezar as barreiras de entradas (Porter, 1986) de necessidade de capital e características da população. No ponto que se refere à organização e suas escolhas estratégicas, notadamente se percebe a criação de um produto diferenciado que estava sendo implantado no país por meio da criação de uma nova sociedade.

Assim, o modo empreendedor de formar estratégias caracteriza-se por ser um estilo de administração que impulsiona a empresa em busca de novas oportunidades, podendo o líder influenciar nessa identificação das oportunidades. Aqui, verificou-se que foi por meio da identificação da oportunidade de formar um conjunto de acionistas que o fundador da Accor Hospitality moldou a estratégia da empresa de entrar no mercado brasileiro (Mintzberg, 1998).

Seguindo esse modelo de crescimento, a Novotel foi motivo de polêmicas. As pessoas não acreditavam que um hotel localizado próximo à Marginal Tietê - na cidade de São Paulo - fosse prosperar. Mesmo assim, foi inaugurado o Novotel Morumbi em 1977. Mas, apesar de tudo, essa unidade, que objetivava atender o público de negócios, foi bem sucedida, atingindo 79% de ocupação no primeiro ano de operação.

4.1.2 Segunda fase: 1978-1984

Passa-se a discutir a segunda fase em que o modo empreendedor de formação de estratégias foi adotado pela companhia. Nesta seção, inicialmente, comenta-se sobre o contexto externo enfrentado pela empresa. A conjuntura político-econômica do Brasil no final da década de 70 e no início dos anos 80 foi preocupante para a condução dos negócios e a realização de investimentos. Ocorreram também transformações no cenário internacional, trazendo à tona a vulnerabilidade da economia nacional.

As empresas do setor de turismo do país enfrentaram dificuldades devido à falta de financiamentos. Os poucos empreendimentos construídos no início da década de 80 foram decorrentes de projetos elaborados no final dos anos 70. A instabilidade econômica e o crescimento acelerado da inflação prejudicaram a implantação de novos hotéis. Foi, portanto, uma época de estagnação para a hotelaria.

Ressalta-se que, além das dificuldades existentes no ambiente externo, a empresa também vivenciava uma fase de ajustes internamente. Apesar do sucesso do primeiro Novotel, a rede hoteleira passou por dificuldades com algumas de suas unidades que foram lançadas posteriormente com base nos padrões franceses de hotelaria. Nessa fase de ajustes, de acordo com o gerente regional Odilon dos Santos, o principal líder da empresa na época foi “observando que o país possuía características próprias”.

Além da dificuldade de se adequar à cultura brasileira, a organização passou por outro desafio. Ela ficou mais endividada devido à valorização do dólar e sem condições de sanar o débito que possuía. Simultaneamente a essa crise, o diretor geral continuava com o compromisso de desenvolver 100 hotéis. Entretanto, as circunstâncias não favoreciam a concretização desse objetivo. Em função disso, a Novotel administrava suas unidades sem fazer investimentos em melhorias, em modernização e em novos produtos.

A retração da economia brasileira dificultava o pagamento da dívida da organização que se tornou altíssima. Os bancos credores sustentaram a situação até determinado ponto. Em 1982 e 1983, a situação se agravou, alguns acionistas afastaram-se da sociedade e os bancos exigiram o pagamento. Não havendo mais saída, os acionistas que permaneceram no grupo uniram-se, fazendo um acordo que desencadeou no aporte de capital. A empresa ficou, então, relativamente sem dívidas e começou uma vida nova.

O pagamento aos bancos credores, todavia, deixou os acionistas sem recursos para investir. Assim, sem capital e sem incentivos do governo para expandir a rede hoteleira, a organização pensou em reduzir custos para manter a sua sobrevivência. Uma das opções para diminuir os gastos foi a demissão de funcionários. Entretanto, a organização não fez isso. Ela percebeu que possuía no seu quadro pessoas capacitadas, com conhecimento técnico na área. Os executivos da empresa entenderam que isso era raro no país e que a opção da demissão poderia representar um desperdício.

Preocupado, Julio Lazarte pensou em alguma solução. Ele então analisou o ambiente externo e percebeu que as empresas de construção civil do país também estavam numa situação difícil devido à nova Lei do Inquilinato, que permitia que o inquilino permanecesse no imóvel mesmo após o término do contrato. Com isso, não era vantagem investir em imóveis com a finalidade de alugar para terceiros. À primeira vista, parecia que isso não tinha importância para a Novotel, contudo esse foi um dos fatores que contribuiu para a formação de uma idéia que daria suporte à expansão da empresa.

A marca Parthenon surgiu como uma nova maneira para viabilizar o crescimento, uma vez que a Novotel não possuía, na época, meios para efetuar altos investimentos. A Parthenon foi viabilizada porque as construtoras e os investidores se interessaram pelo projeto. As construtoras poderiam erguer os empreendimentos porque teriam compradores. Para os investidores, também era vantagem porque podiam comprar os apartamentos e entregá-los à administração da Parthenon sem correr o risco de cair na Lei do Inquilinato.

Sob a perspectiva de análise do modele de Gartner (1985), percebe-se que nesta fase não houve a criação propriamente dita de uma empresa, porém, algumas variáveis vão estar presentes, tendo em vista a fase empreendedora da empresa. O indivíduo (o fundador) nesse momento já possuía experiências a respeito do funcionamento do negócio e aceitou mais uma vez os riscos da atividade. Passando pela fase de localização de uma oportunidade, as outras etapas do processo podem ser também verificadas, como a aglomeração dos recursos, frente às empresas de construção e a organização de um produto diferente e inédito. Já as variáveis do ambiente podem ser destacadas como sendo as turbulências do cenário econômico, as novas leis e disponibilidade de capital de investimento. A organização então, escolheu a estratégia da diversificação e continuou assim, sua expansão geográfica.

Acrescenta-se também que as redes de relacionamento do líder muito contribuíram para a concretização dessa idéia empreendedora (Bryman, 2004; Kotter, 2000; Mintzberg, 1986). O diretor da empresa, desde a época da entrada da Accor no Brasil quando buscou formar o grupo de investidores, conseguiu manter relacionamentos com diferentes representantes de instituições brasileiras e internacionais. Assim, ele conseguia obter informações importantes a respeito do mercado.

Um ex-funcionário que participou da fundação da empresa relatou que “o caso do Lazarte, a visão que ele teve num momento em que as coisas iam mal e não tinha mais investimentos. Ele partiu para um negócio absolutamente inédito, Parthenon é a única marca criada fora da França”. O senhor Julio Lazarte atuou como um líder visionário. Por meio de sua habilidade pessoal, conseguiu antecipar, visualizar, pensar estrategicamente e mudar o direcionamento da empresa (Mintzberg, Waters, 1982).

Em relação aos aspectos operacionais, o senhor Lazarte estudou e acompanhou a evolução do projeto, chegando a realizar uma primeira experiência com flats. No final da década de 70, ele fez um estudo e uma tentativa de implantação no Rio de Janeiro. No entanto, foi na cidade de São Paulo que a Parthenon iniciou suas atividades.

Analisando os dados, percebeu-se que o líder da empresa conseguiu aproveitar a crise, transformando-a numa oportunidade de negócio. Em um contexto de escassez de capital, ele desenvolveu uma idéia inovadora – a Parthenon – única marca desenvolvida pela rede hoteleira fora da França. Com isso, percebeu-se a presença do modo empreendedor de formação de estratégias (Mintzberg, 1973) nesta fase da trajetória da Accor Hospitality do Brasil.

5 Considerações finais

Foi observado que a empresa adotou o modo empreendedor de desenvolvimento de estratégias em duas fases ao longo de sua trajetória. Nestas, o papel desempenhado pelo principal líder da companhia foi decisivo, destacando as percepções dos executivos da organização pesquisada. Foi possível identificar esses achados por considerar as percepções dos dirigentes em relação aos eventos, às estratégias e aos processos vivenciados pela organização.

As duas fases que foram caracterizadas pelo modo empreendedor de formação de estratégias (Mintzberg, 1973) ocorreram quando a organização ainda era jovem. Na primeira fase, a firma estava sendo constituída e, na segunda, ela apenas tinha 12 unidades da marca Novotel. É importante ressaltar esse aspecto porque em 2004 a Accor Hospitality, que atuava mais de acordo com o modo de planejamento, possuía mais de 100 unidades hoteleiras, tendo assim um tamanho bem superior do que quando adotou o modo empreendedor. Demonstrando a limitação do estudo de Mintzberg (1973) que considerava o modo empreendedor como característico de organizações jovens e estrutura simples.

Outro aspecto importante deste estudo é em relação à presença do líder no processo de formação de estratégias (Mintzberg, 1998). Percebeu-se que na primeira fase analisada (seção 4.1.1), o líder conseguiu constituir um grupo de doze acionistas por meio da sua capacidade de identificar oportunidades (Filion, 2004; Shane, Venkataraman, 2000). Ele enfrentou riscos por acreditar no futuro retorno que o negócio poderia alcançar (McCarthy, Leavy, 1999). Na segunda fase, o fundador conduziu a firma a uma mudança. Inovando com uma marca no formato das necessidades dos brasileiros, o líder conseguiu implementar essa estratégia devido a sua capacidade de identificar oportunidades e de manter suas redes de relacionamento (Bryman, 2004; Kotter, 2000; Mintzberg, 1986). Isso foi importante para a expansão da companhia no Brasil.

Este estudo faz algumas contribuições para a literatura acadêmica ao descrever as fases em que a líder de mercado do setor de hotelaria do Brasil adotou o modo empreendedor de formação de estratégias. No período analisado, percebe-se o papel inovador do líder e como efetivamente uma organização pode se expandir num ambiente turbulento. Destaca-se ainda que se trata de uma trajetória de sucesso empresarial num país em desenvolvimento, caracterizado por suas atividades política e econômica turbulentas.

Finalmente, recomenda-se o desenvolvimento de estudos que descrevam como efetivamente organizações identificam e exploram oportunidade de negócio ao longo de suas trajetórias de desenvolvimento. Acredita-se que pesquisas desse tipo poderão contribuir para orientar a prática profissional de diferentes dirigentes organizacionais.

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