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Resumo

As alterações climáticas, mais conhecidas como “aquecimento global”, são o fenómeno que irá influenciar de forma determinante o século XXI. A forma como afecta as necessidades mais elementares do ser humano (água e alimento) será um desafio para a nossa capacidade de existir em sociedade, onde os Estados desempenharão um papel fundamental. Para além dos desafios que as alterações climáticas nos colocam, enquanto indivíduos entre indivíduos, representam também ameaças para os componentes basilares do Estado e para os objetivos para os quais ele foi criado. Destes destaca-se a segurança sendo que esta não se resume simplesmente às ameaças militares externas, como é tradicionalmente considerada. As novas áreas da segurança que surgiram nos últimos anos como a segurança alimentar, a segurança energética, entre outros vêm, no fundo, reavivar conceitos que foram determinantes para o nascimento, crescimento e queda de civilizações na antiguidade. Em Portugal as principais vulnerabilidades (aumento de temperatura e diminuição da precipitação) vêm agravar características do clima português e colocar maior pressão sobre o sector primário, base de qualquer Estado.

Palavras-chave: Alterações Climáticas; Segurança Ambiental; Segurança Nacional; Ameaças Ambientais em Portugal.

Índice

Figura 1………………………………………………………………………………………………………………………..2

Figura 2………………………………………………………………………………………………………………………..3

Figura 3…………………………………………………………………………………………………………………………………..12

Figura 4…………………………………………………………………………………………………………………………………..17

Figura 5…………………………………………………………………………………………………………………………………..25

Figura 6…………………………………………………………………………………………………………………………………..32

Figura 7…………………………………………………………………………………………………………………………………..35

Figura 8………………………………………………………………………………………………………………………………..…83

Figura 9………………………………………………………………………………………………………………………………..…84

Figura 10…………………………………………………………………………………………………………………………………87

Figura 11…………………………………………………………………………………………………………………………………88

Figura 12………………………………………………………………………………………………………………………………..91

Figura 13………………………………………………………………………………………………………………………………..93

Figura 14……………………………………………………………………………………………………………………………..…98 Figura 15……………………………………………………………………………………………………………………………..…99

Quadro 1……………………………………………………………………………………………………………………………….….8

Quadro 2……………………………………………………………………………………………………………………………..……9

Quadro 3………………………………………………………………………………………………………………………………..89

Índice

Agradecimentos

Resumo

Abstract

I - Introdução e Metodologia…………………………………………………………………………………….1

I.1 - Enquadramento metodológico, Pergunta de Partida e Hipóteses de Pesquisa………6

I.2 – Metodologia…………………………………………………………………………………………………………8

I-3 - Descrição dos Capítulos………………………………………………………………………………………21

Capítulo II - Alterações Climáticas e Aquecimento Global……………………………………..22

II.1 – O aquecimento global……………………………………………………………………………………….22 II.2 – As Alterações Climáticas do Passado…………………………………………………………………29 II.2.1 – Os Últimos 100 anos……………………………………………………………………………………….35 II.3 - Projeções para o século XXI………………………………………………………………………………..42 II.3.1 – Projeções para a Europa do século XXI……………………………………………………………49 II.3.2 – Projeções para o Portugal do século XXI…………………………………………………………52 II.4 – Impactos, Vulnerabilidade, Adaptação e Mitigação…………………………………………..55 II.4.1 – Impactos Económicos……………………………………………………………………………………..60 II.4.2 – Impactos Económicos na Europa…………………………………………………………………….65

Capítulo III – Segurança Nacional e Segurança Ambiental…………………….………………..67

III.1 – Segurança Nacional…………………………………………………………………………………………..67

III.2 – Segurança Ambiental………………………………………………………………………………………..75

Capítulo IV – Das vulnerabilidades às Ameaças: aplicação prática………………………….79

IV.1 – Aumento da temperatura média………………………………………………………………………81

IV.2 – Diminuição da precipitação média……………………………………………………………………86

Conclusão……………………………………………………………………………………………………………….94

Bibliografia…………………………………………………………………………………………………………102

I - Introdução e Metodologia

A evolução e desenvolvimento do ser humano encontra-se intimamente relacionada com o clima que o rodeia. Se, em certos períodos da História, as condições climáticas favoreceram o desenvolvimento de sociedades, noutros períodos menos favoráveis originaram a escalada de conflitos e, inclusive, a queda de civilizações (Fagan, 2007).

É neste sentido que surgiu uma preocupação crescente com as recentes alterações climáticas, ainda que pouco significativas, mas com a probabilidade de um agravamento com implicações dramáticas para o Planeta e as sociedades humanas durante o século XXI.

As últimas décadas do século XX e os primeiros anos do século XXI têm-se revelado anormalmente quentes. Desde o início dos registos da temperatura, aproximadamente há 150 anos, que não se observavam anos com temperaturas médias globais tão elevadas. De facto, os 13 anos mais quentes ocorreram todos nos últimos 15 anos, entre 1997 e 2011. Com uma temperatura média do planeta de 14°C (calculada na análise do período 1961-1990), a década entre 2002-2011 registou o maior aumento observado na temperatura média global (0.46°C) o que equivale a 2001-2010 como sendo o período de 10 anos com a temperatura média mais elevada alguma vez registada (Houghton, 2011)8.

Para o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (ou

Intergovernmental Painel for Climate Change – IPCC), corpo científico criado para investigar e avaliar as alterações climáticas de forma a providenciar um conhecimento claro sobre a matéria e suporte científico à criação de medidas políticas, é «inequívoco» o facto de o sistema climático mundial estar a aquecer devido à observação do aumento da temperatura média global da atmosfera e dos oceanos, do degelo e do aumento médio global do nível dos oceanos (Pachuri e Reisinger, 2007).

Apesar de o aumento de temperatura ser superior nos continentes do que nos oceanos, observações indicam que estes têm vindo a absorver 80% do calor adicionado ao sistema climático, tendo o nível médio dos oceanos subido a uma média

8 Para mais sobre este assunto ver World Meteorological Organization (WMO) (2011), Provisional Statement on the Status of the Global Climate, disponível em:

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de 1.8mm por ano entre 1961-2003 e 3.1mm por ano quando analisado apenas o período 1993-2003 (Pachuri e Reisinger, 2007). O aumento da temperatura nos oceanos provoca a sua expansão térmica, ou seja uma menor densidade e consequentemente um maior volume, o que tem contribuído para 57% do aumento do nível dos oceanos, desde 1993. A diminuição dos glaciares e do gelo acumulado no topo das montanhas contribui em cerca de 28%, sendo que o restante advém das perdas de gelo nos pólos. De facto, desde 1978 que o Ártico tem vindo a perder cerca de 2.7% da sua área, por década, uma vez que a temperatura na região tem vindo a aumentar a um ritmo superior (dobro) à média global. Também os glaciares e zonas cobertas com neve têm vindo a diminuir por todo o planeta (Pachuri e Reisinger, 2007).

O final do século XX e início do século XXI foi também palco de eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, que, de acordo com o IPCC, encontram-se diretamente relacionados com o aumento médio das temperaturas (Figura 1). Estes fenómenos extremos, quando afetam as sociedades humanas, podem acarretar um elevado grau de destruição com custos para as instituições existentes e, por vezes com a perda de vidas humanas.

Figura 1 – Número de catástrofes naturais 1980-2011

Fonte: Munich RE (2012), Topics Geo: Natural Catastrophes 2011, Analyses, Assessments, Positions, disponível em:

[pic] Eventos Geofísicos: Terramoto, Erupção vulcânica;

[pic] Eventos Meteorológicos: Tempestades tropicais, tempestades de Inverno, granizo, tornado, tempestade local;

[pic] Eventos Hidrológicos: Tempestade, cheias, inundações repentinas, deslizamento de terras;

[pic] Eventos Climatológicos: Ondas de calor, ondas de frio, incêndios, secas (tradução da autora)

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Na realidade, as companhias de seguros estão cada vez mais alertas para esta situação. As despesas crescentes com catástrofes relacionadas com o clima têm vindo a levar as companhias ao limite à medida que diminuem os lucros, podendo mesmo levar à falência, e/ou vêm o seu rating cortado (Brown, 2006). As perdas globais devido a catástrofes registaram o valor mais elevado em 2011, ao atingirem 380 mil milhões de dólares. Também as perdas seguradas atingiram o recorde de 105 mil milhões de dólares, no mesmo ano (Figura 2). Ainda de acordo com a Swiss Re estas perdas podem facilmente chegar aos 19% do PIB de alguns países em 2030 e fazer retroceder anos de desenvolvimento, se não forem realizados investimentos em medidas de adaptação e mitigação9.

Figura 2 – Perdas globais e perdas seguradas 1980-2011 (mil milhões de dólares)

[pic] Perdas globais

[pic] Perdas seguradas

---- Tendência: perdas globais

__ Tendência: perdas seguradas (tradução da autora)

Fonte: Munich RE (2012), Topics Geo: Natural Catastrophes 2011, Analyses, Assessments, Positions,

disponível em:

O furacão Andrew, em 1992, foi uma chamada de atenção para esta possibilidade, quando os custos da destruição de bens segurados ultrapassaram a fasquia dos 20 biliões de dólares. Nos anos seguintes, vários furacões atingiram a região do Golfo do México com estragos cada vez mais avultados, tendo sido o Katrina, que atingiu Nova Orleães em 2005, o mais destruidor. Apesar de considerado um furacão de Categoria 5, enfraqueceu para Categoria 3 quando atingiu a costa, provocando uma tempestade com ondas que atingiram os 5m de altura, que destruiu

9 Swiss RE (2010), Weathering climate change, disponível em:

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algumas barreiras de proteção, inundando 70%-80% da cidade. Mais de 1000 pessoas morreram e os custos com bens segurados ascenderam aos 40 biliões de dólares, com um total de perdas económicas estimado em mais de 100 biliões de dólares, ou seja, aproximadamente 1% do PIB norte-americano. Foi também em 2005 que se bateram os recordes nos EUA do maior número de furacões (13), do mais forte (Wilma) assim como dos custos económicos e financeiros mais elevados na ordem dos 200 biliões de dólares (Houghton, 2011).

As companhias que calculam os prémios dos seguros com base em dados históricos passados, têm vindo a constatar, cada vez mais, que o passado já não é um guia fiável para o futuro, investindo massivamente em estudos de projeções climáticas (Brown, 2006).

Para além da região do Golfo do México, também a Europa tem vindo a ser assolada por tempestades de vento ciclónicas cada vez mais destruidoras. Apesar de serem comuns as baixas pressões no Atlântico Norte, onde se formam, a sua capacidade de destruição tem vindo a aumentar, demonstrando a vulnerabilidade destas regiões. As tempestades de vento na Europa atingem sobretudo a região noroeste, ou seja a Irlanda e as Ilhas Britânicas, deslocando-se depois ao longo do Mar Báltico e atingindo também a costa da Escandinávia. Noutras ocasiões, é também frequente as tempestades passarem mais a sul e atingirem a França, os Países Baixos e a Alemanha. As tempestades de vento têm vindo a ganhar relevância uma vez que atualmente representam aproximadamente 80% de todas as perdas cobertas por seguros na região noroeste da Europa e, em termos globais, as perdas apenas são superadas pelas que se encontram relacionadas com a época de ciclones nos EUA. De facto, estudos sugerem que, se as três maiores tempestades de vento ocorridas em 1999 – Anatol, Lothar e Martin – ocorressem actualmente, os custos relativamente aos bens segurados rondariam os 10 biliões de euros (Munich Re, 2002; Swiss Re, 2000), um valor que vai deixando de ser sustentável à medida que o período de retorno diminui.

As alterações climáticas são, assim, um alerta para as sociedades actuais uma vez que põem em causa a dimensão dos fenómenos climáticos extremos e o seu período de retorno. Para além da perda de vidas humanas surge a questão da

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sustentabilidade das sociedades economicamente desenvolvidas quando estes fenómenos, altamente destrutivos, possuem um menor período de retorno.

Fenómenos extremos como os tornados ou as tempestades de vento são frequentemente agravados por precipitação intensa, que pode originar cheias e/ou inundações. Por outro lado são também mais frequentes inundações derivadas de tempestades com precipitação intensa acompanhada de storm surge, bem como uma maior instabilidade nos períodos de monção. Estas situações têm sido responsáveis por cheias frequentes nas regiões que dependem fortemente desde ciclo para a produção agrícola, como a Índia e o Bangladesh (Lynnas, 2008).

Outro fenómeno que tem vindo a ocorrer com mais frequência e também se encontra directamente relacionado com o aumento generalizado das temperaturas são as ondas de calor. Estas são particularmente danosas para a vida humana, nomeadamente para os grupos populacionais de risco (García-Herrera et al., 2010).

O aumento da frequência de fenómenos climáticos bem como de todas as alterações originárias do aquecimento global são assim uma preocupação que não pode ser ignorada independentemente de nos referirmos a países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Se por um lado os países menos desenvolvidos possuem menor capacidade de adaptação, por outro lado os danos nos países desenvolvidos são superiores (Pittock, 2007). É esta capacidade de gerar elevados impactos económicos e conflitos provenientes de um agravar da escassez de recursos (muitos que já se encontram extremamente explorados e à beira do ponto de rutura) que tem sido advogada pela maioria dos especialistas nas alterações climáticas para rotular o fenómeno como um problema de segurança ambiental (Myers, 1994; Brown, 2006). Além disso a securitização da temática possibilita a implementação de medidas de adaptação e de mitigação que exigem um elevado financiamento bem como uma mudança na estrutura económica das sociedades (sobretudo na mitigação) e que por isso provocam resistência na classe política e nos demais sectores económicos afetados (Stern, 2007; Helm and Hepburn, 2011).

É nesta lógica que analisamos o caso português desde as projeções e impactos esperados, passando pela problemática da securitização até às consequências diretas para o país e a segurança nacional.

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I.1 - Enquadramento metodológico, Pergunta de Partida e Hipóteses de

Pesquisa

A presente dissertação insere-se em dois campos de estudo distintos mas que se integram perfeitamente e que fizeram parte da nossa formação. Desde logo a Licenciatura em Ciência Política, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e, posteriormente, o Mestrado em Gestão do Território, na especialidade de Ambiente e Recursos Naturais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

Ainda que a paixão pelas questões ambientais esteja presente desde tenra idade, o percurso académico acabou por desenvolver e aprofundar outra grande área de interesse que é a Ciência Política. O desenvolvimento do presente projeto, na altura ainda não concebido como tal, iniciou-se ainda nos primeiros anos de licenciatura, mais especificamente com as disciplinas de Dinâmica das Civilizações e Geopolítica, onde a importância dos recursos foi explanada claramente como objeto fundamental no nascimento, desenvolvimento e queda das civilizações. O nosso grande interesse pelo Ambiente levou-nos, sempre que possível, a manter-nos informados sobre questões da área, nomeadamente e mais recentemente pelas alterações climáticas, ainda que o conhecimento possuído apenas permitisse um vislumbre um tanto simplista do problema do aquecimento global. Ainda assim, e quando no término da licenciatura mas principalmente durante a frequência das aulas da disciplina de Ambiente e Mudanças Globais, na parte letiva do mestrado, foi possível perceber a real dimensão da problemática das alterações climáticas, surgiu-nos frequentemente a questão, que acabou por se tornar a pergunta de partida: Se o clima vai mudar radicalmente nos próximos 100 anos, afetando gravemente os recursos que dispomos, numa sociedade cada vez mais consumista, como é que os líderes mundiais, especialmente dos países desenvolvidos ainda não despertaram para a completa dimensão do problema, que pode ser uma ameaça existencial à civilização ocidental como a conhecemos? Foi na tentativa de dar resposta a esta questão que esta dissertação foi desenvolvida.

Devido à dimensão do problema e à diversidade de impactos que varia de região para região, fazia todo o sentido centrarmo-nos em Portugal. Não só é a nossa casa mas as alterações climáticas acabarão por afetar o dia-a-dia de todos nós e a forma como nos relacionamos e estamos em sociedade. Além disso também o

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Mediterrâneo será uma das regiões mais afetadas pelas alterações climáticas, o que implica necessariamente uma mudança acentuada no clima português e, consequentemente, nas mais diversas atividades económicas e sociais.

Além dos motivos apresentados, outro estímulo adicional à realização desta dissertação de Mestrado foi a ausência de trabalhos portugueses sobre Portugal, nesta área. Com efeito, as pesquisas efetuadas sobre segurança ambiental e conflitos daí derivados não foram muito além de publicações do Professor Doutor Viriato Soromenho Marques e do Professor Doutor Luís Veiga da Cunha, que não refletem aquilo que se pretende retratar com a presente dissertação. Enquanto o Professor Viriato Soromenho Marques realiza uma abordagem mais teórica-conceptual do termo segurança ambiental, o Professor Luís Veiga da Cunha reflete sobre o surgimento de conflitos, nomeadamente sobre a água que é a sua área de especialização, que em Portugal se traduz nos conflitos resultantes da partilha das bacias hidrográficas luso-espanholas. No entanto os problemas derivados das alterações climáticas em Portugal vão muito além da partilha das bacias hidrográficas, podendo originar conflitos sociais também internos, pelo que a perspetiva sobre as alterações climáticas é de que estas são uma ameaça à segurança nacional.

Assim, da pergunta de partida ainda algo vaga, nascem duas hipóteses de pesquisa, específicas a Portugal, sendo que a confirmação da segunda depende necessariamente da confirmação da primeira hipótese:

H.1 – As alterações climáticas terão um impacto profundo no clima português

H.2 - Portugal securitizou as alterações climáticas.

A linha de raciocínio seguida ao longo da dissertação para confirmar/rejeitar as

hipóteses é descrita seguidamente.

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I.2 - Metodologia

Na área das Relações Internacionais, os estudos de segurança podem centrar-se em cinco níveis de análise diferentes, consoante a escala espacial da aplicação do estudo (Buzan et al., 1998:5). O nível mais abrangente é o sistémico, seguido pelo subsistémico, o das unidades políticas, o das subunidades e por fim o nível do indivíduo (ver Quadro 1).

Quadro 1 - Níveis espaciais de análise nas Relações Internacionais

|Níveis Espaciais |Exemplos |

| | |

|Sistemas Internacionais |Sistema Económico, Sistema Alimentar, |

| |Sistema Financeiro, entre outros. Cada um |

| |deles pode ser analisado saparadamente mas |

| |estão todos relacionados. |

|Subsistemas Internacionais |Um bom exemplo é providenciado por |

| |regiões que possuem uma dinâmica social |

| |distinta. O critério pode ser geográfico |

| |(Europa) ou político (União Europeia). |

|Unidades Políticas |Estados, Nações, Religiões organizadas, etc. |

| | |

|Subunidades |Partidos Políticos, Grupos de Pressão, Grupos |

| |de Interesse, etc. |

|Fonte: Buzan et.al. (1998:36), adaptado pela autora | |

Quanto mais elevado o nível espacial no qual localizamos a nossa análise tendencialmente maior será a sua abrangência mas menor será a sua profundidade no que à captação de interações sociais diz respeito. Por exemplo, compreender as prioridades e dinâmicas de segurança do Norte pouco ou nada nos diz sobre a estratégia de Segurança Nacional de países específicos como Portugal ou a França.

O nível subsistémico surge precisamente para combater esta ineficácia analítica, concentrando-se numa secção do sistema de modo a conseguir captar um maior número de interações sociais entre unidades políticas. Este nível tende a prender-se com interações que não saem duma determina delimitação regional previamente definida, sejam elas económicas, ambientais e/ou políticas. Interações entre Estados-membro da NATO ou da UE cabem nesta categoria.

O terceiro nível da análise prende-se com o exame das prioridades, princípios e/ou comportamento de uma única unidade política, ou então com o estudo das suas interações com um número restrito de outras unidades. Exemplificando, um estudo

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geopolítico sobre as prioridades securitárias da Alemanha localizar-se-ia claramente neste nível. Extrapolações consequentes sobre as relações da Alemanha com a Polónia ou com a Rússia também. Aqui é importante notar que a unidade política tende preferencialmente a ser o Estado, mas que também pode ser a Religião, a Nação ou outros coletivos com vocação política (Lara, 2010). De outro modo seria impossível analisar em Relações Internacionais e Ciência Política a dinâmica entre os curdos e a Turquia, ou os muçulmanos de etnia uyghur de Xinjiang e a China 10.

Sendo certo que mesmo dentro do Estado ocorrem interações sociais com capacidade para influenciar ou até mesmo determinar os comportamentos daquele na esfera internacional, surgiu como ótica relevante para os estudos em Ciência Política e em Relações Internacionais o nível analítico da subunidade, que se prende com instâncias inferiores à unidade política mas cujas interações enformam as prioridades desta. Exemplos de subunidades políticas dentro de um Estado com sistema político democrático variam de modo considerável, podendo ir de burocracias governamentais a partidos e grupos de pressão.

Para uma melhor contextualização do conceito da segurança ambiental é necessário perceber a dinâmica e evolução do conceito de segurança e quais as principais teorias por detrás

Definimos o conceito de segurança como a gestão estratégica de ameaças existenciais para a unidade política por um ator securitário (ver Quadro 2).

Quadro 2 - Atores e Objetos referentes: a contribuição dos Estudos Construtivistas Radicais

para os Estudos de Segurança

| | |Descrição |

| | | |

|Atores Securitários | |Atores que tentam securitizar ameaças |

| | |existenciais percetíveis, ou objetos referes, |

| | | |

| | |normalmente através do discurso político |

|Atores Funcionais | |Atores que, de uma forma positiva ou |

| | |negativa, afetam a dinâmica do setor, |

| | | |

| | |influenciando decisões na área da segurança. |

|Objetos Referentes | |O objeto que é existencialmente ameaçado e |

| | |que portanto necessita de ser securitizado. |

| | | |

Fonte: Buzan et.al. (1998:36), adaptada pela autora.

10 Para mais sobre este assunto, ver David J. Singer (1961), “The Level of Analysis Problem in International Relations”, in World Politics, vol. 14, n. 1, disponível em

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A dinâmica do conceito implica que este sofreu uma evolução nomeadamente durante o século XX, em muito fruto do contexto histórico da época, do que é segurança e do que é percecionado como ameaça.

Dos Estudos Tradicionais de Segurança (ETS) a corrente do realismo foi talvez a que mais influenciou o conceito (Walts, 1979; Mearsheimer, 2007). Para esta corrente o Estado é o focus central, o ator por excelência do sistema internacional, onde o Governo é percecionado como um agente (subunidade) e onde a temática única e central na relação entre os Estados é a procura e a manutenção de poder de modo a maximizarem a sua segurança e probabilidade de sobrevivência. No contexto da Guerra Fria, o sistema internacional é percecionado como anárquico (ausência de uma força supranacional no sistema internacional capaz de conter os agentes individuais - Estados) onde a manutenção da paz e da segurança se deve a um equilíbrio de poderes entre os EUA e a URSS.

Nesta lógica, as relações internacionais são tendencialmente anárquicas, centrando-se numa luta constante pelo domínio do poder e dissociadas de qualquer princípio ético e moral a ameaça existencial por excelência é a militar. Um segundo conjunto de realistas (neorrealistas) desenvolveram-se mais para o final do século, com um conceito menos restrito e onde integram novos pressupostos à corrente, entre os quais o exercício do poder económico para além do militar como forma de manutenção da segurança própria (Baldwin, 1997; Barnett, 2007; Mearsheimer, 2007).

Também no final do século XX surgiram um conjunto de teorias críticas ao modelo realista (Booth, 1991; Booth, 1994; Booth, 1995; Buzan 1991). Os Estudos Críticos encontram-se neste novo conjunto de teorias que procuram alargar o conceito de segurança.

Esta corrente deriva maioritariamente das ideias desenvolvidas pela escola de pensamento marxista que vêm o sistema internacional integrado no sistema capitalista que tem como objetivo da acumulação de capital, nomeadamente no que diz respeito às relações de dependência assimétrica (Wallerstein, 2004). Neste sentido o focus encontra-se nas interações económicas e nos aspetos materialistas onde os governos funcionam como agentes. As ameaças são militares mas sobretudo económicas, que se traduziram no período do colonialismo, com a exportação de recursos brutos para as metrópoles e importação de bens manufaturados e serviços mais caros, e durante o

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neo-colonialismo (Lara, 2000; Lara, 2011) com as relações de dependência económica que se perpetuaram quando as ex-colónias foram integradas no sistema capitalista enquanto provedoras de matérias-primas baratas. Para a Escola Crítica, ambas as formas de dependência se traduziam em enormes fragilidades organizacionais dos Estados mais fracos, que deste modo ficavam presos num eterno ciclo de incapacidade material e de soberania fragmentada que naturalmente se traduziria em debilidades de Segurança (Ayoob, 1995).

Outro paradigma das Relações Internacionais para a análise de problemas de segurança deriva dos Estudos Construtivistas (Buzan et al., 1998).

O construtivismo nas relações internacionais advoga que aspetos significantes do sistema internacional são histórica e socialmente contingentes, ou seja, estes aspetos, em qualquer que seja o nível de análise, existem porque os atores principais insistem na sua perpetuação no tempo e no espaço que eles existem e não porque são consequências inevitáveis da natureza humana ou características essenciais da política mundial.

Neste sentido a anarquia é um conceito “construído socialmente” pelos agentes do sistema internacional. Do mesmo modo, a segurança acaba também ela por ser uma construção história por via da praxis social, pelo que de modo a não comprometer a sua objetividade científica o analista em estudos de segurança procura não identificar as ameaças, só as perceções dos atores securitários.

Finalmente o paradigma da Segurança Humana, surgido no pós-Guerra Fria, define o conceito mais abrangente de segurança, devendo esta centrar-se no último nível de análise espacial, o do individuo. Em 1994, o relatório do Desenvolvimento Humano realizado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP, 1994) alargou o conceito de segurança global, passando este a integrar sete áreas diferentes (segurança económica, alimentar, de saúde, da comunidade, pessoal e política) e ambiental. Ainda assim existe um intenso debate dentro da Segurança Humana entre uma visão mais abrangente vs restrita do conceito (MacFarlane e Khong, 2006; Human Security Unit, 2009; Owen, 2004; Owen, 2005), para além de bastantes problemas do ponto de vista metodológico, entre os quais a constante dispersão do tema central para temas não relacionados com Segurança per si (Cunha, 2012).

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Figura 3. Enquadramento da dissertação

SEGURANÇA

|Restrita |Abrangente |

| | | |

| | | |



20Ver NOAA (2011), Climate Change: Spring Snow Cover, disponível em:

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diminuição na radiação solar incidente, juntamente com um aumento da poluição. «Recent studies have shown that the atmosphere cleared up again in the mid 1980s, probably as a result of the implementation of industrial filters and the breakdown of industry in the former Soviet Union, which increased the amount of incoming solar radiation and, as such, of glacier melting.» (UNEP, 2009:14).

O degelo afeta, não só comunidades inteiras que vivem na região Ártica e dependem da especificidade daquele clima para sobreviverem mas, mais grave ainda, as regiões costeiras um pouco por todo o mundo devido à subida do nível dos oceanos. Desde a última grande glaciação (há 21 000 anos) que o nível dos oceanos aumentou continuamente cerca de 120m, até estabilizar entre 2000 e 3000 anos atrás. Existem indícios que demonstram que o nível médio dos oceanos aumentou a partir de meados do século XIX e observações que demonstram que se intensificou ao longo do século XX, especialmente na última década. O ritmo calculado para o todo o século XX é de 1.7mm por ano e no período de 1961-2003 de 1.8 mm por ano. No entanto, as previsões não se afirmam promissoras uma vez que as medições realizadas no período 1993-2003 apontam para valores de 3mm por ano, com tendência para aumentar nas décadas seguintes (Bindoff, 2007). É importante também, referir que uma parte significativa da subida do nível dos oceanos deriva da expansão térmica dos mesmos (quando a água aquece expande-se). Os oceanos têm vindo a aquecer, a profundidades cada vez mais elevadas, alterando a composição química destes e pondo em causa diversos sistemas bastantes sensíveis a pequenas alterações e que estão na base da cadeia alimentar. No entanto, persistem incertezas quanto ao valor do contributo para a média global da diminuição da criosfera um pouco por todo o Mundo e da expansão térmica dos oceanos (Bindoff, 2007). Para além de pôr em causa comunidades inteiras que dependem de cursos de água com origem em glaciares, a situação é ainda mais grave quando se sabe que a fusão do gelo da Gronelândia provocará uma subida de mais de sete metros do nível do mar (Lemke, 2007)21. O facto de o aumento da temperatura registada no Ártico ser o dobro do aumento da temperatura média global (2°C) até ao presente (AMAP, 2011; Trenberth, 2007), de estudos recentes demonstrarem que o gelo é bastante mais sensível à variação

21 Esta situação não se aplica na Antárctica uma vez que dada a geografia daquela região não se prevê um degelo bastante acentuado como no Ártico, nos próximos séculos.

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térmica do que inicialmente se pensava e que o ritmo das alterações é bastante mais acelerado do que os investigadores do IPCC previram em 2007 (Rahmstorf, 2010), apontam para situações graves nas regiões costeiras um pouco por todo o Mundo ainda antes do final do século XXI.

Também as alterações observadas na precipitação reforçam a ideia da mudança climática à escala global. Mais do que um aumento da precipitação, regista-se uma alteração nos padrões de precipitação bem como um acentuar da variabilidade. De uma forma geral, a precipitação aumentou nas regiões do hemisfério Norte, nas latitudes médias e elevadas, nomeadamente nas regiões centro/norte dos EUA, Canadá, norte da Europa e centro/norte da Rússia. Ao invés, a diminuição da precipitação ocorreu sensivelmente nas regiões dos trópicos, principalmente a partir de 1976/1977 (Trenberth, 2007). Esta faixa inclui regiões como o México, o Mediterrâneo, algumas zonas do sul da Ásia e, nomeadamente, as regiões do Sahel. A bacia do Amazonas é a excepção uma vez que tem vindo a ficar mais húmida, o que demonstra a vulnerabilidade dos padrões de precipitação relativamente ao relevo/topografia do terreno e às massas de ar, sendo difícil estabelecer um padrão uniforme. Mais claro é o aumento dos fenómenos de precipitação intensa. «It is likely that there have been increases in the number of heavy precipitation events (…) within many land regions, even in those where there has been a reduction in total precipitation amount, consistent with a warming climate and observed significant increasing amounts of water vapour in the atmosphere» (Trenberth, 2007:238).

O aquecimento da temperatura durante o século XX diverge das restantes variações climáticas observadas. Os principais forcings do clima durante os últimos 2000 anos foram as variações na radiação solar, o vulcanismo e a emissão de aerossóis e gases com efeito de estufa devido à atividade humana. «Greenhouse gases and tropospheric aerosols varied little from A.D. 1 to around 1850. Volcanic eruptions and solar fluctuations were likely the most strongly varying external forcings during this period, but it is currently estimated that the temperature variations caused by these forcings were much less pronounced than the warming due to greenhouse gas forcing

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since the mid-19th century.»22 . De facto os modelos de projecção do clima necessitam da variável do aumento dos gases com efeito de estufa de origem antropogénica para poderem simular a evolução do clima durante o século XX. Também o IPCC sublinha que forcings naturais podem ter tido alguma influência no aquecimento do Planeta no início do século XX mas que o mesmo não se revela na segunda metade desse século. «Numerous experiments have been conducted using climate models to determine the likely causes of the 20th-century climate change. These experiments indicate that models cannot reproduce the rapid warming observed in recent decades when they only take into account variations in solar output and volcanic activity. However (…) models are able to simulate the observed 20th-century changes in temperature when they include all of the most important external factors, including human influences from sources such as greenhouse gases and natural external factors. (…) The human influence on climate very likely dominates over all other causes of change in global average surface temperature during the past half century»23.

A interferência do ser humano no ambiente, mais especificamente, no clima é, na realidade, a história da sua evolução, ainda que de uma forma inconsciente grande parte do tempo. Desde os primórdios que fenómenos como a utilização do fogo, desflorestação, agricultura interferiram com o meio, não existindo durante séculos uma manifestação concreta por parte do clima devido à reduzida dimensão das populações humanas. No desenrolar da Revolução Industrial, a utilização intensiva de combustíveis fósseis (inicialmente mais o carvão e só depois o petróleo) bem como a explosão demográfica que se seguiu, vieram colocar a pressão do ser humano sobre o Ambiente a níveis completamente diferentes. Como já foi referido, atualmente, os combustíveis fósseis são utilizados em especial para gerar energia para alimentar a indústria e os transportes, emitindo sobretudo dióxido de carbono, aquando da sua combustão, que se tem vindo a acumular na atmosfera dada a longa duração deste gás. Por outro lado, também o ritmo das emissões tem vindo a aumentar (IPCC, 2007b).

Board on Atmospheric Sciences and Climate (2006), Surface Temperature Reconstructions for the last 2,000 years, p.98, livro on-line disponível no site de The National Academies Press, Washington, D.C.

Board on Atmospheric Sciences and Climate (2006), Surface Temperature Reconstructions for the last 2,000 years, p.99, livro on-line disponível no site de The National Academies Press, Washington, D.C.

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Como é possível concluir da análise dos dados sobre a concentração de CO2 presente nos núcleos de gelo da Antárctica, nos últimos 400 000 anos a concentração de dióxido de carbono na atmosfera oscilou consoante os períodos glaciares ou interglaciários, nunca ultrapassando as 300ppm (Barnola et al., 1998)24. Mais especificamente, os últimos 1000 anos foram pautados por uma estabilidade à volta dos 280 ppm, com uma pequena quebra entre 1600 e 1750 (pequena idade do gelo), à qual se seguiu um aumento consecutivo. Face aos valores de 1750 (Revolução Industrial), de 280ppm, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou aproximadamente 40% até ao presente, tendo havido um agravamento do volume das emissões na segunda metade do século XX.25. Como já foi referido, os valores actuais encontram-se muito próximos dos 400ppm26, um valor que nunca se verificou durante os últimos 650 000 anos (IPCC, 2007a).

Barnola et al., Historical Carbon Dioxide Record from the Vostok Ice Core, Carbon Dioxide Information Analysis Center (CDIAC) disponível em:

Neftel et al., Historical Carbon Dioxide Record from the Siple Station Ice Core, Carbon Dioxide

Information Analysis Center (CDIAC) dísponivel em: Etheridge et al., Historical CO2 Records from the Law Dome DE08, DE08-2, and DSS Ice Cores, Carbon Dioxide Information Analysis Center (CDIAC), disponível em:

Valores actualizados mensamente pelo NOAA, disponíveis em trends/

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II.3 - Projeções para o século XXI

As alterações climáticas observadas durante o século XX e inícios do século XXI, bem como a crescente pressão sobre os sistemas naturais devido ao contínuo desenvolvimento civilizacional, tornam fundamental modelizar os cenários do clima para o século XXI.

A complexidade do sistema climático, na relação entre os constituintes da atmosfera com os oceanos e o albedo terrestre, apenas permite aos modelos climáticos, também eles bastante complexos, antever o comportamento do clima num futuro distante. Apesar de existir sempre um certo grau de incerteza nas projeções realizadas, os modelos mais complexos são considerados bastante credíveis, uma vez que têm por base princípios da física estabelecidos na comunidade científica. Na realidade os modelos climáticos são «mathematical representations of the climate system, expressed as computer codes and run on powerful computers.» (Randall, 2007:600) sendo extensivamente comparados com observações, sempre que possível, e avaliados de forma a corresponderem à realidade. Outro fator de confiança advém do fato de estes serem também utilizados para reproduzir climas e mudanças climáticas do passado com sucesso.

Por sua vez, o aumento do conhecimento e compreensão do funcionamento de alguns sistemas, por parte dos cientistas, desde os primeiros relatórios do IPCC, tem possibilitado o aperfeiçoamento dos modelos. Ainda assim existem variáveis climáticas onde os níveis de confiança são mais elevados (temperatura) e menos elevados (precipitação). De facto as variáveis com maior incerteza encontram-se relacionadas com as nuvens e a resposta destas às alterações climáticas, com o gelo do mar por implicar um melhor conhecimento da relação entre a atmosfera e os oceanos e finalmente com os padrões de precipitação por implicarem um conhecimento mais específico da região, sendo de assinalar que cenários a uma escala maior são bastante difíceis de realizar quando os modelos são projetados para funcionar à escala global (mais pequena) (Randall, 2007). Para mudanças climáticas regionais mais específicas são muitas vezes utilizados modelos menos complexos e portanto mais adequados a cada tipo de realidade que têm servido de base a múltiplos estudos sobre as alterações climáticas (Houghton, 2011). Outro fator de incerteza encontra-se relacionado com a

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duração das projeções: quanto mais alargada no tempo for, maior o seu grau de incerteza.

Apesar destas limitações os modelos climáticos são considerados bastante credíveis e robustos, tendo produzido resultados já comprovados ao longo dos anos. No entanto o principal fator de incerteza advém do volume das emissões de CO2, que se encontram diretamente relacionadas com diversos fatores que envolvem o comportamento humano. Devido ao fato de não ser possivel prever a evolução da sociedade global «what is being done is to explore likely future climates which arise from a range of assumptions regarding human activities» (Houghton, 2011:138).

No ano 2000, o IPCC publicou um relatório especial sobre as emissões de gases com efeito de estufa, para o século seguinte (SRES – Special Report on Emission Scenarios), produzindo um total de 40 cenários futuros possíveis, agrupados em quatro famílias principais – A1, A2, B1 e B2. Os cenários têm por base variáveis sobre o crescimento populacional, o desenvolvimento social e económico, as principais fontes de energia e desenvolvimento tecnológico:

«A família de cenários A1 descreve um futuro de rápido crescimento económico mundial, reduzido crescimento populacional e rápida introdução de novas e mais eficientes tecnologias. Os grandes temas subjacentes são a convergência entre regiões, desenvolvimento das capacidades e aumento de interações sociais e culturais, com uma substancial redução nas diferenças do rendimento per capita ao nível regional. A família de cenários A1 desenvolve-se em quatro grupos que descrevem direções alternativas para a mudança tecnológica e sistema energético;

A família de cenários A2 descreve um Mundo bastante heterógeno. O principal tema subjacente é a independência e a preservação das identidades locais. Os padrões de fertilidade nas regiões convergem lentamente, o que resulta num elevado crescimento populacional. O desenvolvimento económico é, numa primeira fase, focado nas regiões sendo que o crescimento económico per capita e as mudanças tecnológicas são mais fragmentadas e lentas do que noutras famílias de cenários;

A família de cenários B1 descreve um Mundo convergente com o mesmo reduzido crescimento populacional presente na família A1l, mas com mudanças

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rápidas nas estruturas económicas para uma economia de serviços e informação, com uma redução na intensidade material e introdução de tecnologias limpas e de uso eficiente dos recursos. O enfase centra-se em soluções globais para a sustentabilidade económica, social e ambiental, incluindo melhorias na equidade mas sem iniciativas ambientais adicionais;

A família de cenários B2 descreve um Mundo em que o enfase centra-se nas soluções locais para uma sustentabilidade económica, social e ambiental. É um Mundo com um crescimento populacional moderado, com níveis intermédios de desenvolvimento económico e uma mais lenta e diversa evolução tecnológica que nas família B1 e A1. Ao mesmo tempo o cenário é orientado para a proteção ambiental e equidade social ao nível local e regional.»27

As projeções dos modelos climáticos para os cenários referidos apontam para um aumento generalizado nas emissões de gases com efeito de estufa até ao final do século. Para o dióxido de carbono, estima-se que a concentração possa oscilar entre as 550 e 1000ppm (abrangendo os vários cenários) (Houghton, 2011). Apenas as partículas derivadas do óxido de nitroso apresentam uma redução a partir da segunda metade do século XXI, devido ao aumento de políticas de proteção para os seres humanos e o ambiente, da poluição atmosférica e da “chuva ácida”. É ainda importante referir que se tivermos em conta que a margem de erro relativamente ao resultado final dos cenários projetados pode variar entre -10% e +30%, depressa chegamos à conclusão que, havendo uma alteração das condições, é (consideravelmente) mais provável que o resultado final tenha sido subvalorizado do que sobrevalorizado (Houghton, 2011).

Com base nos cenários projetados sobre as emissões de dióxido de carbono, existe clara confiança de que o aumento de temperatura e as consequentes alterações climáticas serão mais acentuadas do que as observadas durante o século XX (IPCC, 2007a). Relativamente à temperatura média global espera-se um aumento mínimo de 1.8°C (para o cenário com as emissões mais reduzidas) e um aumento máximo de 4.0°C

27 IPCC, “Emissions Scenerios”, disponível em: emission/index.php?idp=91#4.2.1. (Consultado em 23/03/2012, traduzido para português pela autora). Os quatro grupos são: A1C, A1G, A1T (predominantly non-fossil fuel) e A1B (balanced). Posteriormente os grupos A1C e A1G foram combinados num grupo de utilização intensiva de energias fósseis (fossil intensive), A1FI. Para mais informação sobre os diversos cenários criados sobre as projeções de dióxido de carbono, consultar o relatório SRES (Special Report on Emission Scenarios) no site do IPCC.

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(para o cenário com as emissões mais elevadas), que ocorrerá a um ritmo de 0.2°C por década, pelo menos durante as próximas duas décadas seguintes (IPCC, 2007a). Quando acrescentadas as incertezas, o aumento da temperatura poderá variar entre 1.1°C e 6.4°C.

O aumento de temperatura projetado poderá vir a ser agravado pelos mecanismos de resposta (feedbacks mechanisms) das variáveis que interagem com o clima. Apesar de existirem feedbacks negativos, como é o caso do efeito de fertilização na vegetação, devido ao aumento da fotossíntese provocado pelo aumento de CO2 na atmosfera, parece ser bastante provável que os feedbacks positivos irão anular e inclusive ultrapassar em larga escala os primeiros (Scheffer et al., 2006). Existem diversos feedbacks positivos:

Aumento da atividade bacterial na biologia terrestre, devido ao aumento da temperatura, que realiza a decomposição de material orgânico, libertando maiores quantidades de CO2 (Cox et al., 2000);

À medida que os oceanos aquecem observa-se uma diminuição dos nutrientes provenientes das correntes frias, que causa uma diminuição do plâncton existente e consequente diminuição da absorção do CO2 por parte deste. Esta situação leva a um aumento da concentração de CO2 na atmosfera à medida que os oceanos aquecerem (Woods e Barkmann, 1993);

Sendo o vapor de água um dos mais potentes gases com efeito de estufa na atmosfera e que, na generalidade aumenta com temperaturas mais elevadas, os estudos apontam para um efeito positivo sobre as alterações climáticas, sendo este capaz de duplicar o aumento de temperatura média global que ocorreria caso o vapor de água se mantivesse fixo (Houghton, 2011);

O retrocesso do gelo por todo o mundo, que reflete até 70% da radiação

que lhe incide, aumenta a absorção da mesma, tanto em terra como nos oceanos, agravando o aquecimento (Houghton, 2011).

A forma como certas variáveis irão reagir e qual a sua contribuição para o aumento de temperatura (além do projetado inicialmente) é ainda alvo de relativa incerteza, mas os modelos mais atuais apontam para uma subavaliação inicial da

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contribuição destes mecanismos (Denman, 2007). De facto «there is unanimous agreement among the coupled climate carbon cycle models driven by emission scenarios run so far that future climate change would reduce the efficiency of the Earth system (land and ocean) to absorb anthropogenic CO2. As a result, an increasingly large fraction of anthropogenic CO2 would stay airborne in the atmosphere under a warmer climate» (Meehl, 2007:4), agravando assim o aquecimento projetado e as alterações climáticas em curso. Os modelos que incluem as incertezas derivadas dos feedbacks dos gases com efeitos de estufa demonstram um aumento dos limites superiores do espectro do possível aumento de temperatura (do limite máximo previsto pelo IPCC de 5.8°C sobe para 7.7°C) e uma maior probabilidade para mais 2°C a 3°C de aumento adicionais (devido apenas aos feedbacks) (Matthews e Keith, 2007).

Para além do aumento da temperatura média estão projetadas diversas alterações no sistema climático. Relativamente à temperatura é bastante provável que ocorra um aumento mais acelerado das temperaturas diurnas mínimas do que das máximas, diminuindo a amplitude térmica diária. Dias mais quentes aumentam o risco de secas e ondas de calor, mais intensas, mais frequentes e mais duradouras, como a experienciada na Europa, durante o Verão de 2003 (Meehl, 2007). Encontra-se também associada uma diminuição dos episódios frios, nomeadamente de dias frios (noites onde a temperatura desce abaixo dos 0°C), em quase todas as regiões de latitudes médias e elevadas, bem como uma diminuição da frequência de períodos continuados de frio extremo (alguns dias a mais de uma semana) (Meehl, 2007).

Com a diminuição das condições para a queda de neve, espera-se um retrocesso global da criosfera (tanto em extensão como em espessura): montes e montanhas podem perder totalmente os seus glaciares durante o próximo século (como já ocorreu no Kilimanjaro). É também esperado um retrocesso do gelo no Ártico que, de acordo com estudos mais recentes, poderá ficar totalmente sem gelo durante o Verão já daqui a trinta anos, suplantando as previsões do IPCC que previam que este fenómeno ocorresse no final do século XXI (Wang e Overland, 2009).

O aumento da frequência, da intensidade e da duração de fenómenos climáticos extremos não se aplica apenas a secas e ondas de calor. Ao mesmo tempo que se prevê um aumento da evaporação e da concentração de vapor de água na atmosfera devido ao clima mais quente, torna-se mais expectável uma mudança

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significativa nos padrões de precipitação do que um aumento real na precipitação média global. De uma forma geral, regiões tropicais (que usufruem de um regime de monção) e a latitudes mais elevadas podem esperar um aumento da precipitação, associado a uma maior frequência de eventos de precipitação intensa, devido a uma intensificação geral do ciclo hidrológico global resultante do aquecimento. Por outro lado, as regiões subtropicais irão observar um declínio na precipitação média (até 20%), apesar de também observarem um aumento na frequência e intensidade dos eventos de precipitação extrema, o que implica períodos mais longos entre os episódios de precipitação (Meehl, 2007).

Nas regiões tropicais, o aumento da energia proveniente do oceano com temperaturas superficiais mais elevadas, irá resultar, nas regiões com condições favoráveis à sua ocorrência, num aumento na frequência e na intensidade de ciclones tropicais e, consequentemente, da velocidade máxima do vento que atingem (IPCC, 2007a).

Relativamente às projeções para a subida do nível dos oceanos, o IPCC estima que estas possam variar entre 18 e 59 centímetros no final do século XXI (IPCC, 2007a). O maior contributo para esta subida (mais de 50%) será a expansão térmica dos oceanos que continuará a ocorrer durante este século. As restantes contribuições provêm, de uma forma geral, do degelo global (Gronelândia e restantes glaciares à escala global; já a Antártica não contribui para estes valores uma vez que não se prevê o degelo desta, pelo menos durante este século) (Meehl, 2007).

A temática sobre a subida do nível dos oceanos no futuro tem suscitado a atenção de diversos cientistas que têm vindo a discordar das projeções do IPCC (Rahmstorf et al., 2007; Hansen, 2007; Christoffersen e Hambrey, 2006). Desde o último relatório de 2007, vários estudos têm sido lançados a argumentar que a posição do IPCC é demasiado “segura” e que uma subida de vários metros pode ocorrer até ao final do século. Em causa encontra-se o fato de o IPCC não levar em conta os feedbacks do ciclo do carbono e os efeitos plenos das mudanças do fluxo do gelo (IPCC, 2007a). «There is enough information now, in my opinion, to make it a near certainty that IPCC business-as-usual climate forcing scenarios would lead to a disastrous multi-meter sea level rise on the century time scale» (Hansen, 2007:6). Especificamente, James Hansen argumenta que se o degelo duplicar a cada década (devido principalmente ao ritmo do

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aumento das temperaturas no Ártico, superior à média global em 3°C a 6°C a mais em 2080), existe uma possibilidade séria de que o nível dos oceanos aumente um total de 5 metros até 2100, sendo que o gelo da Gronelândia desaparecerá totalmente dentro de 140 anos (7 metros) (Hansen, 2007; Lynnas, 2008).

De fato, apesar de se projetar um aumento global das temperaturas, existirão variações regionais que dependem das características físicas das regiões e da sua interação com o sistema climático. Neste ponto, convém lembrar que as alterações climáticas possuem um grande impacto ao nível regional, mesmo com uma variação mínima ao nível global.

Assim, podemos concluir que um dos principais padrões a observar será um aumento da temperatura superior nas regiões terrestres face à temperatura média global prevista, devido à diminuição significativa da água disponível para evaporação e consequente "arrefecimento” do clima, como acontece nos oceanos (onde o aumento da temperatura se encontra abaixo da média global). Do mesmo modo, as regiões costeiras (de uma forma geral) irão aquecer menos que as do interior. Outro factor que influenciará fortemente a distribuição do clima é a latitude: «the amount of projected warming generally increases from the tropics to the poles in the Northern Hemisphere. Precipitation is more complex, but also has some latitude dependent features. At latitudes adjacent to the polar regions, precipitation is projected to increase, while decreases are projected in many regions adjacent to the tropics.»

(Christensen, 2007:865).

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II.3.1 – Projeções para a Europa do século XXI

Na Europa, as projeções para as mudanças climáticas irão seguir, de uma forma geral, os padrões descritos previamente, acentuando as diferenças climáticas entre o Norte e o Sul.

Relativamente à temperatura, os modelos projetados para o cenário A1B apontam para um aumento no final do século XXI de 2.3°C a 5.3°C no modelo de projeção regional para o norte da Europa (NEU) e 2.2°C a 5.1°C no modelo de projeção regional para o sul da Europa (SEM). É também expectável que o aumento seja superior no Norte da Europa durante o Inverno e na região do Mediterrâneo durante o Verão (Christensen, 2007). Apesar da desaceleração da corrente de circulação termohalina do Atlântico Norte prevista em 25%, no cenário A1B, durante o próximo século (num espectro de 0% aos 50%), é projetado que o aumento da temperatura será bastante superior, devido a um domínio dos efeitos do contínuo aumento dos gases com efeito de estufa sobre as alterações na circulação oceânica (IPCC, 2007a).

Também a precipitação espelha o agravamento da divisão entre norte e sul. Com base nos mesmos modelos será de esperar um aumento da precipitação na região norte de 0 a 16% e uma diminuição no sul entre -4% a -27% (Christensen, 2007): «the decrease in precipitation together with enhanced evaporation in spring and early summer is very likely to lead to reduced summer soil moisture in the Mediterranean region and parts of central Europe» (Christensen, 2007:876). De facto, a diminuição da humidade no solo é o principal motivo para um aumento da variabilidade da temperatura, nomeadamente a diferença entre as regiões costeiras e interiores durante o Verão.

Às alterações na precipitação encontra-se diretamente associado o agravar dos fenómenos extremos. O aumento generalizado de temperatura e da sua variabilidade, juntamente com uma diminuição da precipitação e consequente diminuição de humidade no solo implica um aumento na frequência, na intensidade e na duração das ondas de calor (Christensen, 2007). Por oposição «in northern Europe and in central Europe in winter, where time mean precipitation is simulated to increase, high extremes of precipitation are very likely to increase in magnitude and frequency»

(Christensen, 2007:877). Especialmente na frequência, sendo previsto que os cindo dias de maior precipitação, que ocorrem atualmente na Escandinávia, uma vez em oito

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a dezoito anos, passem a ocorrer de cinco em cinco anos no final do século. Do mesmo modo também os fenómenos extremos de precipitação intensa na região do Mediterrâneo revelam uma tendência para aumentar (devido ao aumento da concentração de vapor de água na atmosfera relativo ao clima mais quente) ao mesmo tempo que diminuem o número de dias de precipitação (Christensen, 2007). A variação do aumento da frequência de dias chuvosos (no Inverno) na Europa central é similar às mudanças nos fenómenos extremos de precipitação de curta duração durante o Verão. Assim, apesar de se projetar uma diminuição da precipitação média, aumento da temperatura e maior probabilidade de secas e ondas de calor para esta época do ano, o tempo quente será pautado por um aumento dos fenómenos de precipitação extrema de curta duração. O aumento da frequência da precipitação, mais do que a intensidade, no norte da Europa, contrasta com o decréscimo dos dias de precipitação no centro e sul da Europa e um aumento da duração dos períodos de seca (Christensen, 2007).

A confiança nos modelos que projetam alterações nos padrões de vento ainda permanece relativamente baixa. Ainda assim existe um maior número de estudos que aponta para uma aumento da velocidade média e máxima do vento no norte da Europa relativamente àqueles que apontam para um decréscimo. Estas variações tendem a ser sazonais e encontram-se relacionadas com uma mudança nas pressões atmosféricas, nomeadamente uma deslocação para Norte, o que implica um aumento da atividade a norte e diminuição a sul, inclusive dos ciclones no Mediterrâneo (Christensen, 2007).

Finalmente espera-se uma redução geral da criosfera por toda a Europa. No seguimento do aumento das temperaturas e consequente redução da neve e do gelo observado no século passado, espera-se um agravamento destes fenómenos durante o próximo século. É bastante provável que se observe uma redução no período de queda de neve entre um a três meses. Também a redução da espessura da neve e gelo irá agravar-se, com uma diminuição prevista entre os 50% e 100%, ainda que esta varie conforme a altitude e latitude: as regiões mais elevadas (acima dos 2000m ou no norte da Escandinávia e norte-ocidental da Rússia) tendem a ser menos sensíveis às alterações climáticas. O mar Báltico é outra região particularmente sensível onde se

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espera uma redução da sua cobertura de gelo entre os 60% e 70% no final do século

(Christensen, 2007).

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II.3.2 – Projeções para o Portugal do século XXI

Portugal segue a tendência das mudanças na região do Mediterrâneo já descritas, ainda que exista uma grande variação ao nível nacional. É importante referir que o continente situa-se na «zona de transição entre o anticiclone subtropical (anticiclone dos Açores) e a zona das depressões subpolares, sendo o clima fortemente influenciado pela proximidade ao oceano Atlântico» (Santos e Miranda, 2006:49). No entanto, apesar das regiões mais interiores distarem apenas cerca de 220km da linha costeira, algumas apresentam características climáticas do tipo continental. «Outro dos fatores determinantes do clima é a orografia da região, com áreas significativas das zonas Norte e Centro a ultrapassarem os 1000m de altitude» (Santos e Miranda, 2006:49). Estes fatores propiciam uma grande variação tanto ao nível da temperatura como da precipitação: enquanto a região Noroeste (Minho) apresenta uma precipitação média em alguns locais superior a 3000mm, uma das mais elevadas da Europa, no interior do Alentejo a precipitação não ultrapassa, em média, os 500mm, tornando o continente vulnerável a ambos os extremos climatológicos – cheias e secas (Santos e Miranda, 2006).

A evolução do clima em Portugal continental e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, durante o século XX, encontram-se de acordo com a tendência mundial observada: um período de aquecimento até 1945, seguido de um período de estagnação/ligeiro arrefecimento até 1975 e novamente aumento de temperatura, que se tem agravado nos últimos 20 anos. Os dados meteorológicos recolhidos demonstram que enquanto o primeiro período de aquecimento foi pautado por um aumento acentuado da temperatura média máxima, no período após 1975 o aumento da temperatura média mínima foi superior ao aumento da temperatura média máxima, estabelecendo uma tendência de diminuição da amplitude térmica que se manteve até à atualidade. Ainda assim «desde a década de 1970, a temperatura média subiu em todas as regiões de Portugal, a uma taxa de cerca de 0.5ºC/década, mais do dobro da taxa de aquecimento observada para a temperatura média mundial» (Santos e Miranda, 2006:47).

Relativamente à precipitação, observou-se uma tendência para a redução da mesma nos últimos 20 anos, particularmente durante a Primavera, no mês de Março. Esta redução é parcialmente compensada por ganhos nos meses de Inverno, o que

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pode indiciar uma mudança climática patente em cenários do aquecimento global que apontam para uma redução do período de Inverno e uma antecipação da Primavera (Santos e Miranda, 2006). A precipitação em Portugal e a Oeste da Península Ibérica são fortemente influenciadas pela Oscilação do Atlântico Norte (NAO), um índice climático que caracteriza a circulação atmosférica numa vasta área do hemisfério Norte. As observações têm demonstrado que a NAO correlaciona-se negativamente com a precipitação nestas regiões, nomeadamente durante o Inverno e Primavera, pelo que um aumento neste índice, como se tem verificado nos últimos 20 anos, implica uma diminuição da precipitação em Portugal (Santos e Miranda, 2006)28.

Como foi referido, as tendências climáticas aqui descritas e observadas no último século, nomeadamente nos últimos vinte anos, tenderão a agravar-se durante o século XXI, acarretando graves consequências para o país e para a sua população. As projeções climáticas realizadas para Portugal no final do século XXI com base nos cenários de emissões de CO2 presentes no relatório SRES (Special Report on Emission Scenarios), calculam que a anomalia do aumento de temperatura deverá oscilar entre +2°C e +8.6°C (abrangendo todos os cenários), sendo superior à estimativa global. Do mesmo modo, a diminuição da precipitação tenderá a agravar-se quanto maior for o aumento de temperatura. Os cenários mais pessimistas (família A – A2 e A1FI) que projetam um maior aumento do dióxido de carbono estimam que a oscilação de temperatura no Verão ocorrerá entre +4.5°C e +11.5°C, com uma diminuição da precipitação até 60%. Durante o Inverno a temperatura também irá aumentar (+1.5°C a 4°C), no entanto as previsões para a precipitação, ainda que sendo as mais incertas (-25% a +20%), calculam, na sua maioria, um aumento da mesma, principalmente na região Norte, que não será suficiente para colmatar as perdas nas restantes estações do ano (Santos e Miranda, 2006). De facto tanto o Outono como a Primavera apontam para um encurtar do período chuvoso com diminuições de precipitação até 55% e 40% respetivamente, ao mesmo tempo que se prevê um aumento da temperatura entre +2°C a +7°C para o Outono e +1°C a +5.5°C para a Primavera. Também os cenários da família B (B1 e B2), ainda que sendo menos pessimistas, corroboram as tendências já apresentadas. O aumento de temperatura situa-se entre +2°C e +7°C, também

28 Para mais informações sobre a caracterização do clima português e a sua evolução no último século, consultar projetos SIAM e SIAM II

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superior ao aumento projetado a nível global, sendo que se estima uma redução da precipitação generalizada (até -25%), em todas as estações do ano, menos no Inverno na região Norte (+20%) (Santos e Miranda, 2006).

Também nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores espera-se um aumento da temperatura (entre +1°C e +2°C), bastante menos acentuado que no continente devido sobretudo à sua dimensão e localização. Já as anomalias previstas na precipitação divergem devido à latitude onde se localizam as regiões. Enquanto nos Açores prevê-se um aumento de 10% da precipitação no Inverno e uma diminuição até 20% na precipitação de Verão, o oposto acontece na Madeira: -20% no Inverno e +40% no Verão (Santos e Miranda, 2006).

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II.4 – Impactos, Vulnerabilidade, Adaptação e Mitigação

A importância das alterações em curso decorre do facto de estas influenciarem de uma forma maioritariamente negativa as fontes mais elementares de subsistência do ser humano, principalmente a agricultura, as pescas e os recursos hídricos. A complexidade do sistema climático e da sua interação com os oceanos e as regiões terrestres implica que todos os organismos vivos e a maioria dos recursos necessários à sua sobrevivência sejam afetados. O aumento da frequência das ondas de calor, períodos de seca e/ou cheias nos últimos 10 anos, não provocaram só perdas humanas e materiais mas também de colheitas, sendo que a evolução destas situações no futuro tenderá a agravar-se.

No contexto das alterações climáticas, «an impact describes a specific change in a system caused by its exposure to climate change. Impacts may be judged to be either harmful or beneficial» (Schneider, 2007), sendo que é expectável que no curto e no longo prazo, a maioria das alterações previstas tenham um impacto negativo (como já foi referido no ponto 1.3 e 1.3.1). No entanto o grau do impacto varia consoante uma série de variáveis desde a localização, o grau de vulnerabilidade existente, capacidade de adaptação, tecnologia, recursos financeiros, etc, sendo a projeção para o século XXI uma tarefa bastante complexa. Assim sendo a avaliação dos impactos é algo contingente e dinâmico, que evolui consoante as alterações em algumas das variáveis e que necessita de avaliação permanente de forma a calcular a situação presente (Fussel e Klein, 2005)29.

Para além da complexidade da combinação das variáveis, um dos principais obstáculos à avaliação dos impactos é necessariamente o grau de incerteza a que se encontram sujeitos, sendo uma característica inerente ao conceito de risco, que combina a magnitude dos impactos e a probabilidade da sua ocorrência. Estudos recentes demonstram também que as projeções iniciais quanto aos custos inerentes aos impactos são bastante mais incertas do que se previa inicialmente. Se com o agravar das alterações climáticas, consequentes impactos e custo económicos, outras variáveis como a adaptação e a mitigação irão alterar-se necessariamente (Schneider, 2007).

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A incerteza não advém apenas da (in)capacidade de prever as alterações durante o século XXI. Os impactos projetados podem também variar bastante devido à via de desenvolvimento assumido. «For example, there may be large differences in regional population, income and technological development under alternative scenarios, which are often a strong determinant of the level of vulnerability to climate change» (IPCC, 2007c:20) (o número de indivíduos afetados no cenário A2 é significativamente superior ainda que no volume das emissões não exista uma grande variação). Neste sentido a vulnerabilidade assume-se como «the degree to which a system is susceptible to, and unable to cope with, adverse effects of climate change, including climate variability and extremes. Vulnerability is a function of the character, magnitude, and rate of climate change and variation to which a system is exposed, its sensitivity, and its adaptive capacity» (Schneider, 2007:782) .

Apesar de intimamente relacionados a avaliação de impactos difere da avaliação da vulnerabilidade devido sobretudo à abrangência dos conceitos. Enquanto inicialmente a avaliação era realizada muito com base nos impactos biofísicos, numa escola que derivava da avaliação dos riscos de catástrofes naturais e da avaliação da segurança alimentar, logo muito mais restritiva e específica, a evolução dos conceitos e termos passou a considerar a avaliação das vulnerabilidades bastante mais adequada às questões das alterações climáticas. A sua avaliação é bastante mais interdisciplinar e abrangente compreendendo variáveis como a via de desenvolvimento, a exposição física, a distribuição de recursos, stresses ambientais anteriores e instituições sociais e políticas, sendo que a preocupação se concentra mais ao nível local, nas políticas de adaptação no curto prazo30. De uma forma geral a vulnerabilidade depende, em parte, de um conjunto de fatores físicos naturais (vulnerabilidade biofísica) como o ritmo e a severidade das alterações climáticas e de um importante conjunto de variáveis sociais (vulnerabilidade social)31 como fatores económicos, políticos, de governança entre outros, que determinam quem é afetado, o que acaba por elevar o nível de incerteza

Para mais informações sobre a evolução dos conceitos de avaliação de impactos e de avaliação de vulnerabilidades consultar FÜSSEL, H.M. e KLEIN, R.J.T (2005), Climate Change Vulnerability Assessments: An Evolution of Conceptual Thinking, Climate Change, 1-29, disponível em

Para mais informações sobre vulnerabilidade biofísica e social consultar BROOKS, Nick (2003), Vulnerability, risk and adaptation: A conceptual Framework, Tyndall Centre for Climate Change Research disponível em

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face a uma avaliação específica dos impactos (Leary, 2006). Ainda assim a avaliação da vulnerabilidade oferece a capacidade para formular uma moldura de políticas que se focam em aspetos sociais como a redução da pobreza, diversificação de meios de subsistência, proteção de recursos de propriedade comum e fortalecimento da ação coletiva, que para além de fortalecerem os meios de subsistência perante as condições atuais, reduzem a vulnerabilidade às alterações climáticas do futuro (Carter et al., 2007).

A abrangência de variáveis que combinam para a determinação do grau de vulnerabilidade implica que esta varie fortemente de região para região e inclusive dentro das próprias comunidades. Até mesmo vulnerabilidades semelhantes necessitarão de programas de adaptação diferentes que estejam de acordo as estruturas políticas e sociais.

As regiões mais pobres e marginalizadas, nomeadamente em países em vias de desenvolvimento, que têm como base modos de vida fortemente dependentes dos recursos primários de subsistência, historicamente sempre se encontraram mais em risco e atualmente são particularmente as que se encontram mais vulneráveis a impactos das alterações climáticas (Adger et al., 2007). « A climate shock or stress has the potential to do the most damage in a context in which natural systems are being severely stressed and degraded by overuse and in which social, economic or governance systems are in or near a state of failure and so not capable of effective responses» (Leary, 2006:27). Consequências como a fome e o colapso dos sistemas de subsistência podem agravar e aumentar a pobreza e a perda de vidas humanas através da dispersão de doenças contagiosas.

Ainda assim, apesar de a vulnerabilidade ser superior nos países em desenvolvimento, é preciso não esquecer que também os países desenvolvidos enfrentam sérios desafios devido às alterações climáticas. Em primeiro lugar a maioria destes países encontra-se localizado na região (hemisfério Norte) onde se irá observar o maior aumento da temperatura bem como as maiores reduções na precipitação (OECD, 2006). Seguidamente são estes Estados que possuem as maiores densidades populacionais e de população urbana em zonas costeiras de risco, sendo que as principais capitais, que albergam milhões de habitantes, são costeiras ou localizam-se na foz dos rios. Muitas destas cidades foram ganhando terra aos rios/mar sendo

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bastante vulneráveis a tempestades já possuindo proteções contra estas. Sendo países desenvolvidos outro desafio que também terão de enfrentar será o provável aumento do volume de imigrantes/refugiados, que para além dos fatores base de migração que leva todos os anos milhares de indivíduos a tentarem entrar nos países mais desenvolvidos, acrescenta-se a depleção dos seus sistemas de subsistência devido às alterações climáticas (Castles, 2010). De facto, o stress ambiental ao qual muitos sistemas ambientais já se encontram sujeitos é comum em ambos os conjuntos de países e é uma séria ameaça à existência das comunidades como as conhecemos. Se por um lado, muitos destes sistemas já se encontram à beira da rutura, já com impactos negativos nas populações que dependem deles, por outro lado, as alterações climáticas tenderão a exacerbar a pressão negativa do ser humano sobre estes recursos, podendo mesmo lança-los para um ponto de inflexão (UNEP, 2007). Esta situação também aumenta a complexidade na avaliação de impactos uma vez que torna-se mais difícil definir onde começam os efeitos das alterações climáticas.

A principal diferença entre países desenvolvidos e em desenvolvimento traduz-se sobretudo na tecnologia disponível e na capacidade financeira para a aplicar em medidas de adaptação e mitigação, que são fatores fundamentais da capacidade de adaptação das sociedades. De facto, «efficient cooling systems, improved seeds, desalination technologies, and other engineering solutions represent some of the options that can lead to improved outcomes and increased coping under conditions of climate change. In public health, for example, there have been successful applications of seasonal forecasting and other technologies to adapt health provisions to anticipated extreme events» (Adger et al., 2007:727). Tanto as tecnologias como as inovações (desenvolvimento de novas tecnologias ou adaptação de métodos desatualizados) são desenvolvidas através de investigação no sector público e privado sendo um aspeto chave da capacidade de adaptação das sociedades. No entanto, na maioria das vezes apenas são desenvolvidas como resposta a um tipo específico de impacto, como o aumento das temperaturas ou a diminuição na precipitação.

Ainda assim, a tecnologia potencia a capacidade de adaptação das sociedades, ou seja, «the ability or potential of a system to respond successfully to climate variability and change, and includes adjustments in both behavior and in resources and technologies» (Adger et al., 2007:727). Tem sido demonstrado que a capacidade de

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adaptação é fundamental para que as estratégias de medidas de adaptação tenham o alcance e eficácia pretendidas na diminuição da magnitude das alterações climáticas, através, sobretudo do aproveitamento das vantagens das oportunidades ou benefícios criados por este fenómeno, como, por exemplo, o aumento da época agrícola e o aumento potencial do turismo. Assim a capacidade de adaptação dos sistemas humanos refere-se ao potencial do sistema de reduzir a sua vulnerabilidade social, que é determinado por fatores como a pobreza, desigualdade, marginalização, direitos alimentares, acesso a seguro e qualidade de habitação. A vulnerabilidade biofísica apenas pode ser alterada através da mitigação, de forma a interferir com o clima, sendo que ambos os conjuntos acabam por estar complexamente interligados (Brooks, 2003; Brooks et al., 2005).

Os estudos desenvolvidos sobre a capacidade de adaptação demonstram a existência de dois tipos de indicadores: mais genéricos, como a educação, o rendimento e a saúde e mais específicos, relativos a um impacto concreto como secas e inundações, relacionado com uma instituição, conhecimento e tecnologia. De facto, sendo a capacidade de adaptação inerente ao processo de adaptação, a aplicação desta varia fortemente tanto no tempo como na escala: a aplicação de um programa estratégico de adaptação ao nível nacional terá como requisito variáveis necessariamente diferentes (e/ou mais abrangentes) do que um programa de adaptação local, específico a um fenómeno climático extremo (Brooks, 2003; Brooks et al., 2005). Voltaremos à adaptação mais à frente.

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II.4.1 – Impactos Económicos

Atualmente é quase certo a existência de um consenso científico em torno do fenómeno das alterações climáticas, com origem antropogénica, bem como das medidas necessárias para adaptar as populações às mudanças climáticas e consequentemente reduzir a vulnerabilidade bem como a necessidade de mitigação destes efeitos, ou seja, uma redução gradual nas emissões de CO2 com o objetivo de não agravar as alterações a longo prazo. No entanto, o principal fator determinante da aplicação destas medidas é o financeiro, o qual justifica a falta de acordo entre os vários países ao nível nacional e internacional.

Neste sentido é importante tentar calcular os reais custos monetários dos impactos das alterações climáticas e se compensa o largo investimento em medidas de adaptação e mitigação. Vários estudos têm analisado esta temática, no entanto o Relatório Stern, encomendado pelo ministério das finanças britânico em 2006 continua a ser o mais significativo por ser o maior e o mais discutido sobre a matéria. A inovação no relatório Stern (2007) deveu-se à inclusão de elementos que até então não tinham sido incluídos devido ao grau de incerteza e de dificuldade de cálculo que os caracterizava particularmente, as medidas de adaptação (e o seu custo), o dano proveniente de fenómenos extremos e os impactos não económicos (Houghton, 2011). De facto calcula-se que estes estudos tenham subavaliado os reais custos dos impactos económicos uma vez que excluíam os impactos mais incertos mas potencialmente os mais prejudiciais.

De acordo com o Relatório Stern (2007), tendo como ponto de partida um cenário de aquecimento de 2°C a 3°C até ao fim do século (ou cenário BAU – business-as-usual), «o custo das alterações climáticas poderia ser equivalente a uma perda permanente da ordem de 0 a 3% da produção mundial global em comparação com o que poderia ter sido alcançado num mundo sem alterações climáticas» (Stern, 2007:9). Os países em desenvolvimento sofrerão quebras mais acentuadas. Com um aquecimento entre os 5°C e 6°C calcula-se uma perda média de 5 a 10% do PIB global, com os países em desenvolvimento a sofrerem custos mais significativos, além dos 10% do PIB. A questão da maior vulnerabilidade e maiores impactos nos países em desenvolvimento é de facto bastante realçada no relatório. Não só estes países possuem um menor grau de capacidade de adaptação devido ao atraso no

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desenvolvimento, como a agricultura sendo o sector mais vulnerável às alterações climáticas, possui um peso significativo nas economias destes países e no modo de sobrevivência dos seus habitantes. Além disso, muitas destas regiões já são, em média, mais quentes que as mais desenvolvidas, sofrendo também de uma elevada variabilidade na pluviosidade. Como a maioria possui graves problemas de acesso a água potável, o aumento das temperaturas nestas regiões trará grandes custos e poucos ou nenhuns benefícios, ao contrário do que acontece nas regiões desenvolvidas do norte da Europa (Escandinávia, Rússia) e da América (Canadá), onde um aumento entre 2°C e 3°C se traduz numa diminuição das mortes pelo frio e num aumento da produção agrícola (a partir dos 3°C também se observa uma quebra na produção) (Stern, 2007).

O cenário BAU implica uma redução média do consumo per capita global de 5% agora e para sempre. No entanto, os custos agravam-se quando temos em conta três fatores:

Primeiro, a inclusão dos ditos custos “não comerciais”, relacionados com o ambiente e a saúde humana, aumentariam os impactos de 5% a 11%, ainda que existam aqui questões éticas difíceis de avaliar monetariamente;

Seguidamente, algumas provas científicas mais recentes, admitem que o sistema climático é mais sensível do que inicialmente se pensou e que os feedbacks do sistema podem amplificar ainda mais o aumento de temperatura já projetado. Assim os impactos no consumo global iriam agravar-se de 11% para 14%, se já tivermos em conta os impactos não comerciais;

Finalmente, com um aumento de temperatura entre os 5°C e os 6°C e tendo em conta os impactos mais severos nas zonas mais desfavorecidas do globo, a média dos custos dos impactos ao nível

global aumentaria mais um quarto, traduzindo-se numa redução no consumo per capita na ordem dos 20% (Stern, 2007).

«Em resumo, as análises (...) sugerem que as alterações climáticas do cenário BAU reduzirão (…) o consumo per capita entre 5 e 20%. Tendo em conta o aumento das provas científicas de riscos maiores, a prevenção das possibilidades de catástrofes, e

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uma abordagem mais ampla às consequências do que aquelas implícitas em medidas de redução da produção, é provável que a estimativa apropriada se encontre na parte superior deste leque» (Stern, 2007:11).

É ainda importante lembrar que certos impactos possuem um valor intrínseco e que não podem ser avaliados monetariamente. É o caso da perda de espécies e biodiversidade, de vidas humanas bem como de tumultos sociais e conflitos, associado à queda de regimes, devido a pressões sociais. Estas podem ter origem por exemplo no aumento do número de refugiados, derivado não só mas sobretudo do aumento do nível médio dos oceanos e a pressões nos mercados financeiros globais, como o aumento do preço dos bens essenciais e instabilidade no sector das seguradoras (com custos mais elevados e mais voláteis) devido ao aumento da frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos (Houghton, 2011; Stern, 2007, Halsnæs et al., 2007).

Como forma de evitar uma escalada da temperatura e das consequências mais graves que daí podem advir, o relatório propõem uma articulação da mitigação e da adaptação, tanto ao nível nacional como internacional, a começar no imediato. Ainda assim, o ênfase é posto na mitigação ou «an anthropogenic intervention to reduce the sources or enhance the sinks of greenhouse gases» (Klein et al., 2007:750), como forma de estabilizar as emissões de dióxido de carbono no futuro próximo, uma vez que só isso evitará danos mais graves. A mitigação diverge da adaptação uma vez que, enquanto a primeira reduz todos os impactos, sejam eles positivos ou negativos, a adaptação é mais seletiva, podendo optar por aproveitar as vantagens dos benefícios e/ou reduzir os impactos negativos (Goklany, 2005). Divergem também na escala em que são projetadas: enquanto a mitigação é aplicada ao nível regional/local mas possui benefícios globais, necessitando para isso do empenho e convergência de uma série de emissores de gases com efeito de estufa, para que ocorra uma mudança significativa no sistema climático; a adaptação é aplicada ao nível do impacto específico que ocorre, na melhor das hipóteses, a uma escala regional, sendo que a eficácia das medidas varia consoante o contexto social, económico e político onde se aplica (Klein et al., 2007). Ainda que seja difícil calcular monetariamente os benefícios da adaptação (o que impede a comparação entre os vários métodos), o facto de produzir efeitos imediatamente e rentabilizá-los ao longo do tempo (à medida que as alterações

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climáticas se intensificam), como a redução da vulnerabilidade das populações, tem levado (recentemente) a uma maior motivação perante as ações de adaptação. De facto, durante bastante tempo, o focus das comunidades internacionais esteve centrado no combate às emissões de gases com efeito de estufa. Apenas quando a comunidade internacional percebeu que certas alterações já se encontravam em curso e portanto eram inevitáveis, o focus passou a centrar-se (excessivamente) na adaptação em prol da mitigação (Dang, 2003). Também contribuiu para esta situação uma defesa mais exacerbada da adaptação por parte dos atores privados, comunidade civil, entre outros, que viram diretamente os seus interesses afetados. Pelo contrário, devido à longa duração dos gases com efeito de estufa na atmosfera, os benefícios produzidos pela mitigação são gerais e apenas terão efeito dentro de muitas décadas Só muito recentemente investigadores têm apontado para uma sinergia entre a adaptação e mitigação, adaptando-as à região a aplicar, como forma de alcançar um desenvolvimento sustentável (Dang, 2003).

De uma forma geral, ambas as áreas se encontram intimamente relacionadas com o desenvolvimento sustentável, a mitigação no longo termo e a adaptação no curto termo. Além disso, a adaptação pode ser reativa (na resposta às alterações climáticas) e/ou proactiva enquanto a mitigação apenas pode ser proactiva no sentido de prevenir um maior agravamento das alterações climáticas nos próximos séculos sendo que o sucesso e eficácia da sua implementação dependem de um conjunto de fatores socioeconómicos, entre os quais os padrões de crescimento económico, tecnologia, população, governança e politicas ambientais (Dang, 2003). No entanto, ainda que possam complementar-se na procura de um desenvolvimento sustentável, como já foi referido, também podem ocorrer conflitos entre as duas áreas especificamente na opção de políticas nacionais. Por exemplo «installing air conditioning systems in buildings is an adaptation option, but energy requirements can increase GHG emissions, and thus climate change» (Halsnæs et al., 2007:142).

O Relatório Stern aponta para uma articulação entre a adaptação e a mitigação ainda que ainda que as prioridades devam ser centradas na mitigação, uma vez que apenas esta possibilita o combate claro às alterações climáticas e ao aumento da temperatura a níveis onde não haja possibilidade sequer de adaptação. Assim, para estabilizar as emissões de gases com efeito de estufa entre os 500 e 550 ppm os custos

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serão aproximadamente 1% do PIB global anualmente até 2050, com um leque entre - 2% e +5%, que refletem as incertezas na evolução de certas variáveis como a inovação tecnológica, a eficácia e rapidez da aplicação de medidas a nível global. Esta situação equivale a uma redução das emissões entre 60% e 80% dos níveis de 1990 até 2050, partindo do princípio que a emissões estabilizariam nos próximos 10 a 20 anos, a partir do qual baixariam entre 1% e 3% ao ano. A partir de 2050 as incertezas aumentam devido em grande parte à reação do sistema climático, sendo que a margem de erro das projeções dos impactos varia entre -4% e +15%. Além disso os custos não incluem a despesa com a adaptação que até 2050 pode chegar a 0.5% do PIB global e que tenderá a agravar-se consoante as alterações se intensifiquem (Stern, 2007).

Ainda assim, se parece existir uma grande probabilidade de os custos com adaptação e mitigação ultrapassarem o 1% do PIB global anual, o investimento compensará, em larga medida, os prejuízos à civilização proveniente das alterações climáticas durante os próximos séculos. De facto, quanto mais rápido for a atuação, maior a probabilidade de se evitar mudanças climáticas extremas, onde os impactos são imprevisíveis.

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II.4.2 – Impactos Económicos na Europa

Os impactos económicos para a Europa serão bastante avultados, exercendo uma maior pressão sobre o projeto europeu, à medida que aumenta o “gap” entre o norte e o sul. Com um aumento de temperatura média entre 2.5°C e 5.5°C (cenário A2) e 1°C a 4°C (cenário B2), o aumento será superior no Sul, como já foi referido anteriormente, podendo haver aumentos de temperatura em partes de França e na Península Ibérica, no Verão, que ultrapassem os 6°C (Alcamo et al., 2007:547). A combinação de temperaturas mais elevadas e uma redução significativa da precipitação média de Verão implicará também um reforço na ocorrência de ondas de calor e secas no Mediterrâneo, que tenderão a iniciar-se mais cedo no ano e a prolongar-se durante mais tempo (Beniston et al., 2007). Aumentos desta magnitude associados a períodos mais frequentes e prolongados de calor intenso implicam diretamente uma quebra na produção agrícola e um aumento no risco de incêndios florestais para esta região (Olesen, 2002; Pausas, 2004; Maracchi, 2005; Pereira, 2005; Pausas, 2012). A quebra da produção agrícola no Sul da Europa deve-se sobretudo ao aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos (longos períodos de calor intenso, episódios de precipitação intensa), que contribuem para um aumento da variabilidade da produção, sendo que, especificamente, no Sul da Europa observa-se uma redução na produção agrícola média, ao mesmo tempo que aumenta a necessidade de água por parte das culturas (Olesen, 2002; Giannokopoulos et al., 2005; Audsley et al., 2006). O calor excessivo encontra-se também associado a um aumento dos problemas de saúde (ex. da onda de calor europeia de 2003 que implicou um excesso de 35 000 mortes), juntamente com uma maior procura de água, tanto pela população como pela agricultura, no período em que ela é mais escassa.

De facto, a quebra da precipitação no Sul é mais um fator a acentuar aí os impactos económicos. Com uma quebra na precipitação entre 30-45% em toda a bacia do Mediterrâneo, podendo alcançar os 70% em algumas regiões, durante o Verão, a capacidade de abastecimento das populações e das atividades agrícolas e inclusive industriais ficará bastante mais limitada, agravando uma crescente disputa pelos recursos. Uma menor disponibilidade hídrica das barragens implica uma menor qualidade da água e uma diminuição na produção de eletricidade durante o Verão precisamente no período onde de prevê um aumento do consumo de energia. Ao

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contrário da diminuição da precipitação anual, os fenómenos de precipitação intensa têm tendência a aumentar, incrementando a probabilidade de inundações e cheias nas regiões de planície, junto aos cursos de água, sendo que a maioria destas regiões encontra-se densamente urbanizada (Alcamo et al., 2007).

Outra das principais vulnerabilidades que afecta a Europa é a subida do nível do oceano e um aumento dos impactos nas regiões costeiras. Apesar da subida do nível dos oceanos, a pressão humana sobre as zonas costeiras continua a aumentar, sendo estas regiões densamente povoadas e urbanizadas. De facto, não só as principais capitais europeias são cidades costeiras, como também é nestas regiões que se desenrola uma intensa atividade económica através dos principais portos comerciais ao nível mundial. As projeções apontam que até 1.6 milhões de europeus venham a ser afetados todos os anos nas regiões costeiras devido, sobretudo, à subida do nível dos oceanos (Alcamo et al., 2007).

Finalmente, as alterações climáticas poderão também afetar outras atividades económicas como o turismo e a área das seguradoras. Relativamente ao turismo é esperado uma diminuição dos turistas no Sul da Europa, à medida que estes rumam mais para norte, para regiões com temperaturas mais amenas e onde o calor não seja tão intenso. É também esperado instabilidade no sector das seguradoras e um agravamento das apólices devido ao aumento na frequência e intensidade de fenómenos extremos (Alcamo et al., 2007).

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Capítulo III – Segurança Nacional e Segurança Ambiental

III.1 – Segurança Nacional

O conceito de segurança ambiental deriva necessariamente da compreensão da segurança, particularmente do conceito de segurança nacional, desenvolvido pela disciplina das Relações Internacionais. Nesta lógica é por aqui que necessitamos de começar.

A segurança é um conceito universal ainda que vago e pouco claro, apesar de se encontrar na base da teoria política contemporânea. De acordo com o Shorter Oxford Dictionary, segurança é: «1. the conditions of being protected from or not exposed danger; safety. 2. freedom from doubt. Now chiefly, well founded confidence, certainty. 3. freedom from care, anxiety or apprehension; a feeling of safety.» (Barnett, 2001; 23). Neste sentido o conceito de segurança encontra-se historicamente relacionado com a proteção e a capacidade (da pessoa) de se sentir segura relativamente a alguma contingência, sendo, portanto, algo intuitivamente desejável.

O risco é uma característica estrutural no conceito de segurança que possibilita a caracterização da última de duas formas. Primeiro a segurança pode ser específica a um risco particular. Esse risco responde à pergunta “o quê?” (what) na segurança. O “o quê?” refere-se ao fenómeno que é securitizado, por exemplo, uma cheia.

Seguidamente, de forma a identificar os sujeitos afetados surge a pergunta “a quem?”

(who), que, de acordo com o nosso exemplo, seria toda a população, ainda que existam regiões onde o risco de cheia é mais elevado e, portanto, onde as populações se encontram mais ameaçadas (Barnett, 2001). Ainda que estas duas questões sejam o mínimo para identificar um problema de segurança, existem outras questões que ajudam a delimitar e a possuir um conhecimento mais profundo sobre o fenómeno. Essas outras questões são: security for which values?, how much security?, by what means?, at what cost?, in what time period? (Baldwin, 1997).

Por outro lado, a avaliação do risco e da vulnerabilidade é sempre uma questão subjetiva e sujeita aos valores do especialista. «There is no purely objective basis upon which to assess the probability of food shortages, military aggression, a nuclear reactor accident, or rape. We can say, on the basis of evidence, that such events might in a

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general sense be more or less likely, and we can consider with some accuracy the impact of such an event, but we cannot objectively quantify the risk per se.» (Barnett, 2001:25). Neste sentido, e porque não existe uma realidade concreta para o risco e para a segurança, os indivíduos podem sentir-se seguros apesar de o risco ser elevado e da mesma forma sentir-se inseguros quando o risco é baixo, o que justifica a ambiguidade e a contestação do conceito apesar de a praxis permanecer igual (Buzan, 1991).

É ainda importante referir que quando um problema é rotulado como uma questão de segurança — isto é, um interesse vital— este torna-se de imediato uma prioridade do Estado que a ela aloca a sua capacidade de resposta, mesmo que atropelando no processo liberdades e direitos individuais. A situação deixa de ser solucionada pelas instituições convencionais e passa a requerer medidas extraordinárias. «In the same way that the US is now engaged in a “war on drugs”, suggesting a response of a kind equivalent to war, labeling a particular challenge a security issue scripts that challenge as a threat to sovereignty, consequently excusing the state from the normal checks on its behavior. This is a critically important aspect of the use of security; it raises the stakes of certain problems and justifies drastic a potentially unaccountable action.» (Barnnet, 2001:25). Para mais informação sobre como um problema se transforma num problema de segurança consultar a Metodologia.

As origens da segurança nacional, se olharmos para o modelo histórico ocidental, remontam ao período medieval estendendo-se ao período renascentista. A estruturação mais evidente do Estado moderno inicia-se a partir da finalidade da segurança, garantido pelo sistema feudal medieval.

Teoricamente o processo seria iniciado através de um contrato informal, segundo o qual era garantida a segurança aos constituintes da comunidade política pela elite governante em troca do produto do trabalho e ajuda na guerra (Lara, 2007). Com a proliferação destes reinos e principados por toda a Europa, durante o Renascimento, e consequentes períodos de expansionismo e retração, o conceito de segurança nacional começou a focar-se fortemente na defesa da integridade territorial. Foi também durante este período que um dos primeiros textos realistas foi redigido por Maquiavel, O Príncipe, que acaba por colocar um cunho teórico a uma

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contingência que só pela praxis histórica da época se foi formando: a da monopolização militar do conceito de segurança.

A assinatura do Tratado de Vestefália em 1648 definiu os Estados como entidades soberanas com capacidade militar e delimitados territorialmente por fronteiras formais que teriam que ser protegidas a todo o custo, tornando-se a segurança militarizada um princípio constitutivo do moderno Estado-Nação e ganhando aqui uma legitimidade política para além de uma formulação teórica.

As origens dos estudos modernos de segurança remontam ao período entre as duas grandes guerras. Depois do fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a ênfase dos estudos centrou-se na exportação de modelos democráticos, na arbitragem das tensões que surgissem, na autodeterminação nacional, no desarmamento e na segurança coletiva, de forma a promover a paz e a segurança internacional, focando-se também nas convenções, tratados e organizações internacionais para além de na força militar. Os estudos de segurança foram-se tornando cada vez mais complexos ao ganharem uma componente jurídica e atentarem aos princípios ocidentais que se foram disseminando, pelo que esta é uma diferença fundamental relativamente aos ensaios e estudos sobre a segurança até 1940, sobretudo preocupados com a força militar e o equilíbrio de poderes (Baldwin, 1996).

Mas o debate não cessaria aqui. O período do pós-Segunda Guerra Mundial, principalmente durante o período da Guerra Fria é apelidado por muitos como a Era Dourada dos estudos de segurança “realistas”. O ressurgimento do realismo, que centra a segurança na autonomia do Estado-Nação e enfatiza o poder militar como base do poder político na sociedade internacional, encontra-se muito associado ao falhanço do paradigma mais liberal do período entre as duas guerras durante o qual foi dada prioridade à cooperação e à democratização para que se evitasse outro grande conflito (Idem).

O antagonismo crescente entre os EUA e a URSS ajuda também a explicar porque é que os estudos de segurança passaram a ser dominados por considerações relativamente ao uso da força e ao armamento nuclear, para além de se debruçarem sobre temas habituais como o controlo de armas e a limitação da guerra, ainda que intelectuais que definiram os estudos de segurança nos termos da força militar (Idem; Ullman,1983) tenham notado uma tendência, durante este período, para enfatizar

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exageradamente os aspetos militares da segurança nacional. Ainda assim a corrente dominante, constatando a anarquia do sistema internacional, colocava como o objetivo primordial dos Estados o da própria sobrevivência, que seria melhor assegurada através da maximização do poder militar.

«Interest in security studies did not revive immediately after de Vietnam War; rather the lessened cold war tensions associated with détente allowed other issues, such as economic interdependence, Third World poverty, and environmental issues, to increase in salience. And the Arab oil embargo served as a sharp reminder that threats to the American way of life emanated from nonmilitary sources, as well as from military ones» (Baldwin, 1997:4). Apesar do surgimento de novas perspetivas sobre a segurança nacional a componente militar continuou a dominar o panorama dos estudos de segurança ao longo do século XX.

Deste modo existem diversas definições para o conceito de segurança nacional, que vão desde uma perspetiva mais restrita a uma mais abrangente. As perspetivas mais restritas, que dominaram o panorama durante a Guerra Fria, focam-se essencialmente nas ameaças militares externas, excluindo ameaças ambientais e outras vulnerabilidades não-militares, definindo portanto segurança nacional como «the absence of a military threat or with the protection from external overthrow or attack» (Haftendorn, 1991:4). De facto alguns intelectuais (Walt, 1991; Mearsheimer, 2007) continuam a argumentar que, independentemente do fim da Guerra Fria, os problemas de segurança mantém-se sobretudo relacionados com a capacidade militar dos Estados, não sendo por isso necessário reformular o conceito tradicional de segurança nacional (Baldwin, 1996).

Por outro lado existem cada vez mais intelectuais que argumentam a necessidade de alargar o conceito (Booth, 1991; Buzan, 1991), no sentido de abranger ameaças internas e externas de carácter militar e não-militar, provenientes por isso de vulnerabilidades não tradicionais. Para estes autores, definir a segurança nacional apenas em termos militares é errado por projetar uma falsa imagem da realidade que leva os Estados a ignorar outras ameaças, por vezes mais perigosas.

Nesta conceptualização alargada a definição de segurança mais reconhecida é talvez a de Ullman (1983:133): «a threat to national security is an action or a sequence of events that (1) threatens drastically and over a relatively brief span of time to

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degrade the quality of life for the inhabitants of a state, or (2) threatens significantly to narrow the range of policy choices available to the government of a state or to private, nongovernmental entities (persons, groups, corporations) within the state». Enquanto a primeira parte da definição se refere a um conjunto de distúrbios desde guerras externas, rebeliões internas, bloqueios e boicotes, a desastres “naturais” devastadores como epidemias dizimadoras, cheias catastróficas ou massivas e persistentes secas, o segundo ponto remete para ameaças aos valores exportados (neste caso pelos EUA) e que podem indiretamente afetar o Estado (por exemplo, se vários Estados se fecharem economicamente aos EUA isso pode significar uma ameaça à economia americana e, consequentemente, à segurança nacional).

No entanto, há quem considere que o alargamento excessivo do conceito dificulta a sua operacionalização. É o caso de Levy (1995:40), que tenta chegar a um meio-termo: «A threat to national security is a situation in which some of the nation’s most important values are drastically degraded by external action». Ainda assim o conceito reflete bastante, talvez demasiado, a perspetiva norte-americana de que a ameaça é sempre externa e consciente. Se tivermos em conta a perspetiva de Ullman (1983) é fácil perceber que existem uma serie de ameaças, nomeadamente catástrofes naturais, que não são causadas por nenhum agente nem tão pouco são premeditadas.

A tentativa de abranger o conceito de segurança nacional para incluir outras formas de ameaça, especificamente a ambiental, é de facto um problema complexo que acarreta uma série de dificuldades. Para além da dificuldade de operacionalização do conceito como já foi referido, a tentativa de obtenção de um conceito de segurança nacional mais abrangente e maioritariamente aceite é sempre condicionada pela perspetiva do investigador/analista.

Sendo que a grande maioria dos estudos sobre segurança que vingaram na Escola das Relações Internacionais são produzidos por norte-americanos, estes acabam por refletir o que os seus autores consideram como ameaça aos EUA. É por isso que erradamente se foi formando uma perspetiva segundo a qual a escassez de recursos é sobretudo uma ameaça para os países em desenvolvimento, não sendo um problema de segurança para os EUA e portanto não sendo considerado um problema de segurança para os países desenvolvidos. A única vulnerabilidade equacionada como

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problema de segurança é a escassez crescente de petróleo — muito devido à experiencia sofrida durante o embargo dos anos 70 (Levy, 1995).

No entanto a questão da escassez de recursos é um problema bastante premente uma vez que pode levar a uma escalada de conflitos. No curto prazo e numa primeira instância afetará os países com economias em desenvolvimento que tendem a depender de commodities para formar modelos económicos de exportação que estimulem a industrialização interna e a modernização da economia.

Homer-Dixon (1999), relembrando-nos que os recursos económicos são escassos e finitos, diz-nos claramente que a sua sobre-exploração na prática acaba por exercer uma marginalização ecológica para aquelas comunidades que não podem e/ou não conseguem aceder-lhes. Isto por sua vez afetará crescentemente a vitalidade do sistema económico internacional, aumentando ainda mais as fileiras dos marginalizados.

Isto tem efeitos sobre a segurança, já que «environmental scarcities also strengthen group identities based on ethnic, class or religious affiliations, a process called social segmentation; strengthened identities intensify competition among groups, reducing social trust and useful intergroup interaction» (Idem:178). Além disso, em alguns países pobres, a escassez de recursos aumenta as vulnerabilidades internas e externas Estado, estimulando o comportamento predatório da elite à medida que diminuem as receitas provenientes da atividade económica, pondo em causa quer a capacidade administrativa da comunidade política — que deixa de ter receita fiscal para controlar efetivamente todo o seu território — quer a sua capacidade militar.

Por sua vez este processo agrava as diferenças sociais de riqueza e poder entre os grupos ao mesmo tempo que enfraquece a capacidade administrativa e a legitimidade do Estado (esta situação é ainda mais grave quando ocorre em regiões onde o Estado já possui um controlo deficitário do território).

O enfraquecimento do Estado altera a balança social de poder a favor de grupos subversivos (cujas identidades foram muitas vezes reforçadas pela segmentação social) e aumenta as oportunidades para uma ação coletiva destes grupos contra o Estado (Lara, 2012).

É ainda importante referir que o processo de escalada de um conflito é bastante complexo e que ao fator ambiental encontram-se associados todo um

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conjunto características, específicas de um determinado momento que confluem para uma situação de conflito: «It is true that environmental scarcity produces its effects within extremely complex ecological-political systems. Furthermore, environmental scarcity is not sufficient, by itself, to cause violence; when it does contribute to violence, research shows, it always interacts with other political, economic, and social factors.

Environmental scarcity’s casual role can never be separated from these contextual factors, which are often unique to the society in question» (Homer-Dixon, 1999:178).

Dados os motivos evidenciados, o aumento de conflitos irá afetar, no curto prazo, países em desenvolvimento. Relativamente aos países desenvolvidos é difícil equacionar qualquer tipo de projeção por a sua capacidade económica e integração no comércio internacional lhes terem providenciado mecanismos de ajuste aos resíduos económicos provocados pela competição crescente por recursos.

Dito isto, o que podemos contabilizar é que as alterações climáticas projetadas nunca antes foram experienciadas por humanos, sendo que as previsões mais atuais apontam para alterações mais graves do que aquelas inicialmente supostas. Neste sentido, e devido às necessidades económicas e societais dos países desenvolvidos (mais consumistas), é de calcular que terão maior dificuldade em adaptarem-se no longo-prazo, pelo que é necessário não subestimar o impacto das alterações devido a uma suposta capacidade económica superior. Os conflitos com origem na escassez dos recursos (que no caso português bem pode ser a água ou mesmo os cereais, se o preço destes continuar a aumentar no sistema alimentar internacional como32) irão avolumar-se e tanto podem ocorrer em países em desenvolvimento como em países desenvolvidos, o que implica a elevação de vulnerabilidades ambientais específicas para cada Estado para um problema de segurança nacional (Ullman, 1983).

Também Mathews (1989) e Myers (1994) evidenciaram os perigos para a humanidade de conflitos provenientes da escassez de recursos associado ao crescimento exponencial da humanidade nas décadas seguintes. Para Mathews (1989:166) o carater transnacional dos problemas ambientais cria um novo problema à soberania dos Estados, obrigando a uma redefinição do conceito de segurança, devido às ineficiências das instituições à época (logo após o fim da guerra fria) para lidar com

32 FAO (2012), “FAO Price Index”, disponível em

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os novos desafios, já que estes não só passam a ser transnacionais como os problemas externos acarretam consequências no domínio da política interna, pelo que a divisão clara entre as duas fica desfocada uma vez que «environmental decline occasionally leads directly to conflict, especially when scarce water resources must be shared. Generally, however, its impact on nations' security is felt in the downward pull on economic performance and, therefore, on political stability. The underlying cause of turmoil is often ignored; instead governments address the poverty and instability that are its results»33.

O mesmo diz Myers (1994) que, para além de identificar vários problemas ambientais — como a escassez alimentar, a depleção de reservas de pescado, escassez de água, mudanças climáticas e desflorestação — como causas que contribuirão para o aumento de conflitos no futuro, foca-se principalmente em explorar os trade-offs financeiros entre os problemas ambientais e a segurança nacional. Para o autor se parte da despesa financeira realizada no sector militar fosse ao invés canalizada para a mitigação dos problemas ambientais identificados, muitos destes problemas já teriam sido eliminados ou quase eliminados, argumentando assim que os recursos financeiros aplicados no ambiente providenciam mais segurança do que aqueles aplicados no sector militar.

No entanto é de perspetivar que não só este tipo de argumento é pouco eficaz como até falacioso. Quando se projeta um aumento dos conflitos, inclusive da possibilidade de refugiados ou de guerras, é necessária a intervenção militar, pelo que esta particular combinação de questões (conflito e desmilitarização) é, do ponto de vista analítico, incongruente e faz mais por mobilizar as instituições de segurança nacional do que ameaça-las com um tipo de paz proveniente do ambiente (Barnett, 2001).

33 Para mais sobre este assunto, vide Jessica T. Mathews (1989), “Redifining Security” in Foreign Affairs, Council of Foreign Relations, disponível em documents/readings/matthews1989.pdf

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III.2 – Segurança Ambiental

O conceito de segurança ambiental, desde o seu surgimento em meados dos anos 70, tem vindo a desenvolver-se, tendo sido reconhecido em meados os anos 80 através de um capítulo no relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (1987), que nos diz que «the environmental problems of the poor will affect the rich as well in the not too distant future, transmitted through political instability and turmoil»34 .

Ao longo dos anos 90 o conceito cresceu em importância e uma série de novos estudos e avaliações científicas foram realizados. No entanto, eventos como a guerra do Kuwait e o 11 de Setembro, no início dos aos 90 e no início do século XXI respetivamente, retiraram os assuntos sobre a temática ambiental da agenda política (principalmente nos EUA) durante alguns anos; as definições militares de segurança ganharam proeminência uma vez mais (Myers, 2002; Dalby, 2012).

Apesar destes fenómenos, as preocupações com o ambiente não se desvaneceram. Antes pelo contrário. Os indícios frequentes de alterações nas temperaturas, degelo das calotes geladas e glaciares, mudanças nos padrões de migração de diversas espécies, e o despoletar antecipado da Primavera em muitas regiões do hemisfério Norte tornaram-se esmagadores e reavivaram de uma forma mais premente as preocupações ambientais. Para Dalby (2012:29), «the security implications of increased storms and the possible disruptions of major parts of modern societies were unavoidable in the aftermath of Hurricane Katrina and the flooding of New Orleans».

Em Abril de 2007 o Conselho de Segurança das Nações Unidas debateu a questão das alterações climáticas admitindo finalmente o advento de graves perturbações nas sociedades. Juntamente com filmes, documentários, relatórios técnicos e uma mudança, ainda que relutante, na retórica da administração Bush e do Governo Federal conservador do Canadá — que admitiram que o problema necessitava de ser encarado — sugerem que as mudanças climáticas já não eram passíveis de serem negadas. O ano de 2007 seria também aquele em que Al Gore e o IPCC receberiam o prémio Nobel da Paz; o primeiro pelo tão premiado documentário,

34 Sobre este tema, ver UN (1987), “Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future”, disponível em .

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“Uma Verdade Inconveniente”, que alerta para o crescente efeito de estufa, proveniente das quantidades excessivas de dióxido de carbono libertadas e as consequências para as gerações futuras e o IPCC pelo trabalho na divulgação científica sobre as alterações climáticas, que se traduziram em quatro relatórios, o último dos quais apresentado em 2007, cujos resultados atestam, de forma inequívoca, para a influência dos fatores antropocêntricos na mudança do clima (Idem).

Os problemas sobre os quais se ocupa a segurança ambiental não são novos. De facto, apesar de o primeiro conflito registado ter ocorrido há 4500 anos entre duas cidades-Estado na antiga Mesopotâmia, o conceito de segurança ambiental tem apenas algumas décadas, encontrando-se associado sobretudo, ao crescimento explosivo da população a partir de meados do século XX.

O problema da água potável tem servido de exemplo-chave na segurança ambiental: desde 1950 o fornecimento de água fresca por pessoa diminuiu cerca de 60% ao mesmo tempo que a população aumentou 150%; o consumo de água cresceu em 180% prevendo-se um aumento adicional nas próximas duas décadas de 40%; no mesmo período de tempo ocorreram mais de 450 disputas hostis relacionadas com a água e em 37 dessas ocasiões os países rivais recorreram a fogo armado, rebentaram uma barragem ou levaram a cabo outros tipos de ação violenta (Myers, 2002).

Atualmente pelo menos 261 dos maiores cursos de água do Mundo são partilhados, sendo que 176 circulam entre dois países, 48 entre três países e 37 entre quatro ou mais países. Enquanto as bacias hidrográficas destes mesmos cursos de água representam mais de 45% da superfície terrestre e 60% do fornecimento de água potável, ao mesmo tempo abastecem 40% da população mundial com água para uso doméstico, agrícola, produção de energia, entre outros. Por outro lado três mil milhões de pessoas (dois quintos da população dispersa em 80 países) sofrem de sérias dificuldades no abastecimento de água e dois terços da água retirada de reservatórios subterrâneos é utilizada para a produção de alimentos (Myers, 2002).

Estes números traduzem-se em situações concretas: o corte/desvio das principais fontes de abastecimento de Israel e do Egipto, o rio Jordão e o Nilo, é uma ameaça de tal maneira premente para as populações e para a legitimidade política dos envolvidos que é suficiente para uma declaração de guerra entre os dois países. São também conhecidos os conflitos existentes entre a Turquia, a Síria e o Iraque pelos rios

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Tigre e Eufrates; entre a Índia e o Paquistão pelo Indus; entre a Índia, o Bangladesh e o Nepal pelo Ganges; o Brasil e a Argentina pelo Rio de La Plata e entre as nações que partilham a bacia do rio Mekong (Myers, 2002).

Apesar do sector da água ser o mais associado a conflitos ambientais existem outras questões com impactos alargados que também podem despoletar uma escalada de violência, nomeadamente a desertificação. De facto, «by virtue of its capacity to trigger famines, internal displacements and international migration, desertification often serves as a recipe for political instability (Algeria, Chad), for tensions between neighboring countries (Zimbabwe, Botswana), and even for armed conflict. It is surely not coincidental that in the Sahel zone of Africa, not a single government survived the droughts of the 1970s and 1980s, several fell twice over, and few are moving toward still further collapse» (Idem:3).

Os exemplos descritos rementem-nos para a análise realizada por Homer-Dixon (1999) sendo que:

1.º Nem todos os problemas ambientais se traduzem em conflitos, tal como nem todos os conflitos derivam de problemas ambientais;

2.º Raramente os problemas ambientais podem ser descritos como os únicos fatores que originam um conflito.

Outros fatores como políticas económicas deficientes, estruturas políticas inflexíveis, regimes oligárquicos, governos opressivos, entre outros igualmente adversos, na maioria das vezes, agravam problemas ambientais já existentes ao mesmo tempo que estes fatores são também exacerbados pelos problemas ambientais, num ciclo vicioso.

Assim, de acordo com tudo o que foi enunciado, a segurança ambiental pode ser definida como «the relationship to established security of those environmental factors – water, soil, vegetation, climate, and whatever others are prime components of a nation’s environmental foundations – that ultimately underpin all our socioeconomic activities and hence our political stability. Conversely, when these environmental resources are degraded or otherwise depleted, so our security declines too» (Idem:5).

77

Apesar da evolução do conceito até à atualidade com um aumento no número e na qualidade das análises realizadas, a segurança ambiental continua a ser deficiente na capacidade de previsão, o que de certo modo é um entrave ao estabelecimento do conceito enquanto parte integrante da segurança nacional. De igual maneira é fundamental que, dada a complexidade do sistema ambiental, muitos destes problemas necessitem de ser equacionados do ponto de vista coletivo, sendo que, por exemplo, nenhum Estado é capaz de combater as alterações climáticas por si só.

Ainda assim a área da segurança ambiental evoluiu bastante, ao ponto de ser frequentemente referida por Estados como os EUA, o Reino Unido, a Noruega, a Índia a Austrália, e organizações internacionais como a ONU e até mesmo a NATO. Infelizmente ainda não foi oficial e formalmente adotada por nenhuma dos Estados identificados.

78

Capítulo IV – Das vulnerabilidades às Ameaças: aplicação

prática

Não sendo possível testar a forma como algumas vulnerabilidades na região Portugal, possam evoluir para ameaças, afetando a segurança do Estado português, decidimos recorrer a exemplos do passado como forma de demonstrar a aplicabilidade da teoria e de qual o limite entre uma vulnerabilidade grave e uma ameaça à segurança nacional.

Uma ameaça à segurança define-se como uma ameaça existencial (Buzan, 1998), neste caso ao Estado, sendo por isso necessário definir aquilo que o constitui e a razão da sua existência. O Estado, de acordo com a doutrina clássica da Ciência Política, «é toda a população de nacionais fixa num território, onde existe uma autoridade soberana que tem a missão de assegurar a satisfação das necessidades coletivas, gerais e abstratas, de justiça, segurança e bem-estar material e espiritual»

(Lara, 2007:272). Neste sentido a entidade Estado é formado por três componentes fundamentais, a saber:

«O povo, entendido como uma coletividade organizada, quase personalizada, distinta, por valores, cultura e outras características próprias, das demais coletividades semelhantes;

O território, entendido como o espaço geográfico específico, sobre o qual a referida população organiza imediatamente a sua vida social;

O poder político que no caso e plenitude assume a expressão de Soberania, referida como o poder – conjunto de meios capazes de coagir a um determinado comportamento – que não tem igual na ordem interna nem superior na ordem externa dessa relação população

território, e que se justifica pela necessidade de um respetiva organização interna» (Lara, 2007: 272-273).

Sendo um conjunto de matérias e desempenhos que dão fundamento e razão à própria existência do Estado, os fins do Estado ou as funções do Estado dividem-se em três grupos: a Segurança, a Justiça e o Bem-estar económico e social. Para a Segurança, já amplamente debatida no capítulo anterior, por considerarmos que apresenta um bom complemento entre as ameaças externas e internas, não sendo excessivamente

79

focada nas ameaças externas utilizaremos a definição de Lara (2007) que «diz respeito à defesa externa do Estado e à garantia da ordem a nível interno, abrangendo as pessoas singulares e coletivas que o constituam, ou que no seu âmbito atuem e ainda aos valores estabelecidos» (Lara, 2007:343). A Justiça é entendida como «condição indispensável para garantir a paz social, baseada em “relações de mútuo respeito e equidade” segundo a doutrina do professor Marcello Caetano, e o Bem-estar material e espiritual em referência às necessidades coletivas resultantes da Cultura e da Economia.» (Lara, 2007:343)

Decidimos pegar em duas vulnerabilidades-chave, demonstrando as consequências que podem gerar se as mesmas vulnerabilidades se agravarem. Por uma questão de tempo e de dimensão do trabalho, a seleção das vulnerabilidades foi realizada com base nas alterações mais dramáticas projetadas para Portugal, seja pela maior probabilidade de ocorrência como pelo facto de serem as que afetam mais diretamente a vida humana, a estabilidade social e, que consequentemente, se podem transformar numa ameaça.

À luz das alterações climáticas projetadas para a região do Mediterrâneo, mais especificamente para Portugal, identificamos duas vulnerabilidades-chave:

Aumento da temperatura média, associado a um aumento tanto no número de dias como na frequência dos períodos de calor intenso (ondas de calor) e secas;

Diminuição da precipitação média anual, com especial incidência na Primavera e no Verão;

80

IV.1 - Aumento da temperatura média

O aumento da temperatura média projetada para Portugal é um dos fatores mais importantes porque, para além de ser o fator mais evidente e imediato, influi sobre uma diversidade do número de variáveis, desde aumento dos problemas para a saúde humana, quebra na produção agrícola, maior evaporação dos reservatórios de água e consequente quebra na produção elétrica proveniente de barragens e na água disponível para rega. Estas situações são tanto ou mais danosas quanto maior for o aumento de temperatura, que pode ser experienciado através da ocorrência de ondas de calor, fenómeno extremo que, de acordo com a Organização Meteorologia Mundial (OMM) corresponde a um período de, pelo menos, seis dias consecutivos em que a temperatura máxima diária é 5°C superior ao valor médio das temperaturas máximas do período de referência, e que têm vindo a aumentar em frequência e magnitude e que se projeta que continuem a intensificar-se durante o século XXI (IPCC, 2007; Cunha, 2012).

Em 1995 uma onda de calor atingiu a região da cidade de Chicago, nos EUA, provocando aproximadamente 700 mortos. Já em 2002, outra onda de calor atingiu a Índia, provocando cerca de 1000 mortos (Brown, 2006). No entanto, a situação mais grave ocorreu no Verão de 2003, em plena Europa: estima-se que tenha provocado aproximadamente 40 000 mortos, apesar de os valores oscilarem entre os 25 000 e 70 000, sendo inclusive considerada a pior catástrofe natural a atingir a Europa nos

últimos 50 anos (D’lppoliti, 2010; Lynnas, 2008).

A combinação de fraca precipitação no Inverno e Primavera antecedentes e consequente fraca humidade nos solos, anomalias no anticiclone dos Açores e temperaturas dos oceanos invulgarmente elevadas geraram as condições ideias para que esse Verão fosse particularmente seco e quente, atingindo o auge nas primeiras duas semanas de Agosto. As temperaturas foram 5°C superiores à temperatura média esperada, tendo sido registados recordes absolutos em Portugal (47,4°C na Amareleja), Reino Unido (38,5°C em Kent) e Escócia (32,9° em Greycrook)35. O fenómeno teve o seu impacto mais grave em França onde tanto os serviços de saúde como as infraestruturas não se encontravam preparados para a ocorrência de uma catástrofe

35 Disponível no Instituto de Metereologia de Portugal em

81

deste tipo (García-Herrera, 2010). O Ministério de Saúde Francês divulgou como números oficiais 14,802 óbitos resultantes da onda de calor mas muitos mais ocorreram nos Estados vizinhos que também acabaram por ser afetados. Em Portugal, de acordo com um estudo realizado pela Direcção-Geral de Saúde e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, estima-se que tenham ocorrido um excesso de 1953 óbitos (Calado, 2004).

Ainda que tenha ocorrido um excesso de quase dois mil óbitos no espaço de uma semana não consideramos esse fato uma ameaça existencial ao Estado. Os períodos mais quentes, tal como os períodos mais frios, são caracterizados precisamente por um aumento do número de óbitos, nos grupos etários mais vulneráveis.

No entanto a onda de calor de 2003 gerou consequências mais graves para o Estado, enquanto entidade política soberana. O aumento das temperaturas provocou também uma quebra na produção agrícola europeia, com particular incidência em França e nos países do Sul da Europa (Portugal, Espanha e Itália), devido sobretudo ao stress nas plantas provocado pelo calor extremo, que impede a polinização e o desenvolvimento das mesmas. A quebra de produção foi particularmente sentida na produção de cereais (mais de vinte e três milhões de toneladas) apesar de ter afetado todo o sector agropecuário (produção de leguminosas, frutos, vinho, carne de vaca, porco e aves). No conjunto, os prejuízos derivados do sector primário a que se somam os resultantes dos incêndios, rondaram os 13 biliões de euros aproximadamente (Lynnas, 2008).

A quebra na produção agrícola foi igualmente sentida em Portugal com especial incidência na cultura de trigo cuja produção em 2003 sofreu uma redução de 55,8% face ao ano de 2002. Também a cultura do arroz sofreu uma quebra de 10%. O decréscimo na produção de cereais apenas de 10,4% foi compensado por exceções como foi um aumento na produção de vinho (ao contrário do que ocorreu no resto da Europa) e de centeio. As áreas de produção de frutos, vegetais, carne bovina, suína e avícola também sofreram quebras (COPA-COGECA, 2003).

O mesmo período verificou os incêndios mais graves que ocorreram em Portugal (Figura 8). «High temperatures and greater dry spell durations increase vegetation flammability, and during the 2003 heatwave a record-breaking incidence of

82

spatially extensive wildfires was observed in European countries with roughly 650,000 ha of forest burned across the continent. Fire extent (area burned), although not fire incidence, was exceptional in Europe in 2003» (Parry et al., 2007:846). Em Portugal a área ardida totalizou 471813,1 hectares, ou aproximadamente 5% da área florestal sendo o valor mais elevado alguma vez registado. Quase 46 mil hectares ardidos eram área agrícola36 o que não só contribuiu para que o impacto económico dos incêndios excedesse um mil milhões de euros, como também para agravar as falhas na produção agrícola (Bono, 2004; IPCC, 2007; Lynnas, 2008)37.

Figura 8 – Área Florestal total ardida (1980-2010)

450000

400000

350000

300000

250000

200000

150000

100000

50000

0

|1980 |1981 |1982 |

| | | |

|Outubro |159.4 |92.5 |

| | | |

|Novembro |19.9 |118 |

| | | |

|Dezembro |43.8 |129.8 |

| | | |

|Janeiro |7 |126.8 |

| | | |

|Fevereiro |18.7 |112.2 |

| | | |

|Março |52.6 |93.5 |

| | | |

|Abril |32.8 |74.7 |

| | | |

|Maio |32 |68.5 |

| | | |

|Junho |5.6 |32.7 |

| | | |

|Julho |8.3 |10.3 |

| | | |

|Agosto |3.4 |11.6 |

| | | |

|Setembro |14 |41.8 |

| | | |

Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados fornecidos pelo INAG disponíveis em 011&mes=-1&ano=2004&tp_mapa=mensal

A diminuição da precipitação originou um conjunto de efeitos sendo que o sector mais afetado foi a agricultura. Verificaram-se quebras generalizadas e bastante acentuadas na produção agrícola nomeadamente a cerealífera que sofreu uma redução de mais de 30%, face ao ano anterior, com excepção apenas para o trigo mole (Quadro 3).

Quadro 3 - Terra Arável, Terra Agrícola, Produção de Cereais e Índice de Produção Pecuária em Portugal, 1990-2010

| |Terra Arável (% |Terra Agrícola |Produção de |Índice de Produção |

| |da Área |(% da Área |Cereais (kg |Pecuária (2004- |

| |Territorial Total) |Territorial Total) |por hectare) |2006=100) |

|1990 |25.6 |43.3 |1877.7 |84.89 |

|1991¹ |25.2 |42.8 |2160.5 |87.51 |

|1992¹ |24.9 |42.4 |1779.0 |89.74 |

|1993¹ |24.5 |43.3 |2033.4 |91.6 |

|1994¹ |24.0 |43.2 |2398.7 |90.4 |

|1995¹ |23.5 |42.9 |1993.8 |92.52 |

|1996 |21.9 |40.8 |2498.2 |93.68 |

|1997 |20.6 |39.1 |2220.8 |96.31 |

|1998¹ |20.8 |41.2 |3135.3 |99.3 |

|1999¹ |18,7 |42.2 |2829.3 |101.0 |

| | |89 | | |

|2000 |17.8 |41.9 |2780.7 |101.4 |

|2001 |17.4 |41.5 |2632.3 |99.7 |

|2002 |17.6 |42.0 |2905.7 |101.7 |

|2003 |16.8 |41.7 |2629.2 |97.1 |

|2004 |16.8 |41.7 |2945.5 |99.8 |

|2005¹ |13.8 |41.6 |2027.4 |102.1 |

|2006 |13.8 |41.2 |3122.6 |98.1 |

|2007 |12.3 |40.2 |3463.3 |100.9 |

|2008 |12.8 |40.8 |3597.8 |107.3 |

|2009 |12.3 |40.3 |3473.2 |105.9 |

|2010 |— |— |3462.9 |107.8 |

Quadro da autora, a partir de dados do Banco Mundial disponíveis em . Notas elaboradas a partir de constatações do Instituto de Meteorologia de Portugal, disponíveis na íntegra em educativa/otempo.eoclima/seca.meteo.

Nota:¹A constatação de secas (de gravidade espacial variável) no território português tem vindo a aumentar desde a década de 90, sendo que na década de 80 apenas uma afetou o território nacional entre 1980 e 1981. Acresce dizer que é difícil distinguir aquelas que derivam do sistema climático mediterrâneo das que decorrem diretamente das alterações climáticas. Contudo, secas como a de 2005 e respetivos efeitos na produção de cereais por hectare tenderão a repetir-se mais vezes de acordo com o IPCC. A colocação do Índice de Produção Pecuária é exclusivamente por uma questão de transparência metodológica, para uma melhor constatação da situação do setor primário.

A quebra na produção de arroz rondou os 50% no Alentejo e no Algarve não se chegou a realizar a cultura. Os prados, as pastagens e as culturas forrageiras também foram fortemente afetadas pela escassez hídrica: em Junho os pastos já se encontravam na sua maioria esgotados o que obrigou à compra extra de alimento para a manutenção dos animais. A escassez de água em pequenas lagoas, poços e furos obrigou ao transporte frequente de água em tanques para os animais. Houve também quebra na produção de girassol (89%), grão-de-bico (64%), feijão (29%) e melão (15%) e uma redução na área de produção de tomate de 8%. Relativamente à batata, a de regadio sofreu uma quebra média de 17% enquanto a de sequeiro rondou os 40% (Comissão para a seca 2005) (Figura 12).

Relativamente às fruteiras observou-se uma diminuição na produção da maçã (17%), da pera (28%) e do figo (36%), com excepção para a laranja que aumentou em 7%. No entanto é preciso salientar que «nas zonas em que se verificou falta de água para rega, a produção registou decréscimos acentuados. Os prejuízos sofridos decorreram essencialmente da desvalorização dos frutos, devida aos pequenos calibres que apresentavam e à sua deficiente qualidade, o que obrigou ao seu escoamento para a indústria de transformação» (Comissão para a seca 2005:28).

90

Figura 12 – Variação da produção em relação ao ano anterior (data de referência 31

de Dezembro de 2005)

Fonte: Comissão para a seca 2005, Relatório de Balanço, disponível em



A quebra na produção agrícola foi acompanhada por um aumento da tensão entre agricultores e populações à medida que as reservas hídricas iam diminuindo. Por exemplo em Fevereiro ficou decidido que a água da albufeira do Arade seria destinada ao consumo doméstico e não à exploração de citrinos. Do mesmo modo também a albufeira do Roxo, que abastece Beja e Aljustrel, foi alvo de restrições para a atividade agrícola41. Este fenómeno obrigou ao aumento do abastecimento de populações através dos bombeiros: no período entre 1 de Janeiro e final de Setembro de 2005 foram registados 18452 abastecimentos, uma média de 60 por dia que aumentou para uma centena durante o Verão (Comissão para a seca 2005).

A escassez de pluviosidade implicou também que a vegetação ficasse seca mais cedo no ano, o que acabou por contribuir para uma elevada época de incêndios. É de

41 Notícia de Roberto Dores (2005), Falta de água pode afetar um milhão de portugueses, Diário de Notícias, disponível em (consultada a 24/09/2012)

91

referir que da totalidade de área ardida ronda os 347 mil hectares, sendo que 7642,5 mil hectares compõem a área agrícola ardida42.

De acordo com o relatório produzido sobre a seca pela Comissão para a seca 2005, os impactos que geraram mais custos financeiros devem-se à necessidade da importação de combustíveis fósseis para a produção de energia necessária para compensar a quebra na produção de eletricidade nas barragens devido à diminuta disponibilidade hídrica. O custo foi de 133.5 milhões de euros, com a possibilidade de terem atingido os 182 milhões de euros43. Seguem-se os prejuízos de 39 milhões de euros provenientes da agricultura, suportados na totalidade pelo Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. Estes encargos traduzem-se: nas bonificações dos juros das linhas de crédito (7 milhões de euros), em cereais de intervenção (5 milhões de euros), ajuda aos produtores de pecuária em regime extensivo (15 milhões de euros) e isenção de pagamento à segurança social (12 milhões de euros). Os impactos sentiram-se também nas atividades empresariais ligadas dependentes de recursos primários, sobretudo no caso da indústria da pasta de papel, onde a perda de crescimento do eucaliptal equivale a 25% do crescimento potencial ao ano, ou seja, 30 milhões de euros. Foram também gastos 23.210 milhões de euros com os municípios, sobretudo para garantir a quantidade e a qualidade de abastecimento de água às populações. Finalmente os custos do combate aos incêndios florestais (8.760 milhões de euros), os prejuízos na indústria dos adubos (2.250 milhões de euros), campanhas de informação e sensibilização para a poupança de água (697.864 euros) e extração de biomassa (285.800 euros) contribuíram para um prejuízo total da seca de 286 205 800 euros (Comissão para a seca 2005).

Assim, passados apenas dois anos da onda de calor de 2003, Portugal sofre uma quebra acentuada na produção agrícola interna. Ainda que o calor tenha sido mais intenso durante as duas semanas do início de Agosto que compõem o período da onda de calor de 2003, a agricultura, e o país no geral ressentiu-se mais devido à falta de precipitação de 2005, pelo que se põe uma nova ameaça ao Estado: até quando o Estado será capaz de suportar estes prejuízos, atendendo ao facto de serem mais

Dados estatísticos sobre os incêndios florestais disponível no site do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)

O relatório de balanço foi produzido antes do final da seca

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frequentes (apesar de nos encontrarmos apenas na primeira década do século XXI) e cada vez mais onerosos?

A seca de 2005 foi apontada como a mais grave nos últimos 60 anos (Comissão para a seca 2005) e quase se repetiu em 2012, menos de dez anos de retorno. De facto, o volume de precipitação disponível aponta para uma seca grave, quase tão grave como a de 2005. Ainda que não seja possível fazer uma análise completa, o último relatório de acompanhamento da seca, produzido em Abril de 2012 registou, tal como em 2005, uma quebra na produção agrícola acentuada, a partir do qual se calculou um atenuar/ligeira melhoria da seca devido a alguma precipitação ocorrida no mês de Abril44(Figura 13).

Figura 13 – Percentagem do território afetado pela seca meteorológica

Fonte: Acompanhamento e Avaliação dos Impactos da seca de 2012, 5º Relatório, disponível em

44 Dados da precipitação disponíveis no site do Instituto da Água (INAG) 011&mes=-1&ano=2011&tp_mapa=mensal

93

Conclusão

Com base no que foi desenvolvido ao longo desta dissertação podemos concluir que o problema das alterações climáticas é grave e que os acontecimentos extremos que ocorreram durante a primeira década do século XXI fazem temer o pior nos próximos 25 a 50 anos. De facto o conhecimento científico produzido sobre as alterações climáticas nos últimos vinte anos é abundante o que se traduz numa solidez do seu reconhecimento (salvo raras exceções) e que é necessário tomar medidas para mitigar e adaptar às mudanças climáticas. Especificamente em Portugal, localizando-se no Mediterrâneo, uma das regiões mais afetadas, espera-se um aumento da temperatura média entre 2ºC e 8,6ºC, que no Verão se agrava entre 4,5ºC e 11,5ºC, com uma diminuição da precipitação que pode chegar até aos 60% (nos cenários mais pessimistas), o que justifica a confirmação da primeira hipótese:

H.1 – As alterações climáticas terão um impacto profundo no clima português.

Mais grave do que isso, as alterações climáticas têm efeitos sobre a segurança alimentar em Portugal. Como é possível observar no quadro X em 2005 registou-se uma quebra na produção de cereais de aproximadamente 1/3 face ao ano de 2004, ou seja, fez recuar a produção uma década. Também houve uma depressão no output de cereais em 2003, mesmo que não tenha sido tão significativa.

Apesar de tudo, mesmo tendo em conta a variabilidade da produção de cereais, é possível estabelecer uma tendência positiva de aumento gradual da produção de cereais por hectare ao longo dos vinte anos em análise. No entanto é também verdade que, de acordo com as projeções do IPCC e do projeto SIAM II, estes fenómenos extremos de calor e de seca vão ser mais frequentes na região do Mediterrâneo e em Portugal. Assim, é de assinalar que ainda que a produção de cereais tenha recuperado no ano seguinte, o mesmo não se verificou na percentagem de terra arável, onde a quebra de três pontos percentuais agravou a tendência de decréscimo da mesma. A ocorrência destas depressões súbitas na produção de cereais tenderá a exigir mais da capacidade de resposta do Estado à medida que se tornarem mais frequentes e intensas, podendo, no limite, gerar um ponto de rutura onde o Estado não consegue dar resposta às necessidades alimentares da população, até porque o sector primário português, para além de estar sujeito a uma diminuição constante de terra arável, é

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altamente ineficiente45, já que empregava 10,9% da população ativa em 2010 e representava apenas 2,4% do PIB no mesmo ano segundo dados oficiais do Banco Mundial.

É possível ficar com uma noção dos impactos concretos no abastecimento de água às populações e na produção alimentar à luz dos dois fenómenos extremos analisados. Além disso, os anos de 2003 e 2005 registaram também os valores mais elevados de área ardida com consequentes recordes na perda de vidas humanas em incêndios e de bens materiais.

No entanto, prevalece uma falta de sensibilidade para com as implicações políticas e económicas da aplicação dessas medidas (Stern, 2007). Sem pôr em causa que essas mesmas medidas são necessárias, a aplicação encontra-se muito dependente do funcionamento da democracia e da lógica da luta pelo poder, contribuindo para estas dificuldades a desinformação que ainda persiste por parte da opinião pública.

Por outro lado a segurança ambiental, no panorama internacional, ainda não foi securitizada apesar de atualmente já ser referida várias vezes como um problema de ameaça à segurança nacional, devido em parte pela persistência de alguns paradigmas do conceito tradicional de segurança e pela despesa adicional que acresce ao Estado (Buzan et al., 1998).

Além disso o conceito de segurança ambiental é também muito perspetivado numa ameaça à segurança do ser humano (individualmente considerado), derivado do facto de ter surgido para a temática da segurança juntamente com uma panóplia de outras vulnerabilidades ao indivíduo como a pobreza, questões de equidade social, democracia, entre outras. No entanto, a nosso ver, a segurança ambiental é primordial a todos estes tipos de ameaças porque não é possível tornar os sujeitos menos vulneráveis aos efeitos colaterais provocados pelas alterações climáticas (aumento da desigualdade, persistência da desigualdade, da falta de equidade, entre outros) sem estratégias concretas de mitigação e/ou adaptação, sendo que como vimos Portugal não se encontra no leque de países beneficiado pelas mudanças no sistema climático.

45 Para mais considerações sobre o sector primário português visto por um dos seus principais parceiros comerciais, ver Agriculture and Agri-Food Canada (2012), “Agri-Food Past, Present and Future Report:Portugal”, disponível em (consultado em 11/10/2012).

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Entretanto, a insegurança dos indivíduos tenderá a repercutir-se no funcionamento do Estado. Sem existência da segurança ambiental não é possível garantir a segurança do Estado. Os frequentes desastres naturais são prova da constante limitação do Estado, enquanto entidade soberana e possuidor de uma estrutura organizativa interna, e que, no caso português das alterações climáticas, se traduz numa mudança das variáveis fundamentais para a produção de bens primários (água potável e alimento).

Há por isso um risco elevado de se verem postos em causa quer o controlo administrativo e permanente do território — que se vê, mesmo que momentaneamente, interrompido em caso de catástrofe — quer a sobrevivência física das populações afetadas. E se é verdade que quer a população quer o território são elementos estruturais de qualquer Estado, lembramos também que entre os seus fins encontramos precisamente a responsabilidade de manter quer a integridade do primeiro, quer o bem-estar do segundo.

Em Portugal, depois dos episódios de 2003 e 2005, os relatórios preliminares da seca de 2012 apontam para prejuízos semelhantes àqueles observados nos dois fenómenos extremos anteriores, sendo que o procedimento habitual do Estado persiste, ou seja, o Estado português continua a assumir os prejuízos das catástrofes a posteriori.

Os pareceres divulgados através de relatórios — nomeadamente os referentes à seca de 2005 — apenas apelam para um conjunto de medidas de articulação da resposta a estes eventos extremos, não sendo vinculativos. O entendimento oficial do fenómeno da seca, enquanto problema sério com tendência a agravar-se com as alterações climáticas apenas chegou em 2010 com a aprovação da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC). De facto em Portugal, deu-se prioridade à mitigação em prol da adaptação, uma vez que o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), que apenas diz respeito à redução da emissão de gases com efeito de estufa, foi aprovada inicialmente em Conselho de Ministros em Julho de 2004 (foi acrescentada uma resolução em 2006), enquanto a ENAAC apenas foi aprovada em Abril de 2010.

Ora, não pondo em causa a necessidade de mitigação das emissões pelo seu contributo para as alterações climáticas e para cumprimento das metas estabelecidas

96

pela UE e pelo protocolo de Quioto, é algo evidente que o contributo de Portugal para o conjunto de emissões globais é muito diminuto comparativamente com os impactos que irá sofrer. Sendo assim seria imperioso pensar antes de mais numa adaptação às alterações climáticas que implicaria alterações profundas em vários sectores, principalmente na estrutura agrícola nacional de modo a compensar os efeitos potencialmente depressivos sobre a produção de cereais, sendo útil lembrar que Portugal já importa 75% dos cereais que consome46.

De facto, para além de a adaptação ter sido relegada para segundo plano, a ENAAC não contribuiu para que fosse criada uma verdadeira estratégia de adaptação para Portugal, face às alterações climáticas, ou seja, não securitizou a temática em Portugal, o que nos permite rejeitar a segunda hipótese: H.2 - Portugal securitizou as

alterações climáticas.

Como foi explicitado na Metodologia, para analisar se a ENAAC cumpriu ou não o seu objetivo de securitização das alterações climáticas em Portugal, seguiu-se três etapas:

Identificar instituições e/ou organismos responsáveis pelo desenvolvimento e aplicação da Estratégia;

Apontar orçamentos, metas e objetivos concretos;

Definir linhas temporais e vulnerabilidades aos quais o Estado encontra-se sujeito.

Em linha com o ponto 1, encontrámos toda uma moldura de instituições/organismos envolvidos no processo (ver Figura X). A Estratégia fica a cargo de um Grupo de Coordenação que dirige os trabalhos dos Grupos Setoriais. O Grupo de Coordenação é composto pelos coordenadores dos grupos sectoriais, por um representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um representante de cada Região Autónoma e um representante da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Por sua vez os Grupos Setoriais criados em cada área têm como objetivo identificar as vulnerabilidades e as necessárias medidas de adaptação.

46 Notícia do jornal Expresso, consultada a 5 de Outubro de 2012, disponível em

97

Figura 14 – Organograma para o desenvolvimento e aplicação da Estratégia

Fonte: Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, disponível em:

Em Setembro de 2010, a Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território, através de despacho ministerial, designa os nove coordenadores dos nove grupos sectoriais mais oito elementos para o Grupo de Coordenação47. Da pesquisa efetuada, além do site oficial da ENAAC48, a investigação chega a um beco sem saída, uma vez que a partir daqui mais nenhum dado relevante é publicitado nem tão pouco tornado público, dando a sensação que ou o governo ou as instituições responsáveis perderam interesse em prosseguir o processo de efetiva securitização.

Também não foi encontrado nenhum relatório intercalar das atividades dos grupos setoriais, bem como nenhum relatório final dos mesmos grupos. De facto, de acordo com a mesma Estratégia no mês vinte e um (depois da aprovação da ENAAC) deveriam ser apresentados os relatórios dos grupos sectoriais, no mês vinte e quatro o relatório de progresso e de implementação juntamente com uma proposta para novos trabalhos de implementação (ver Figura X). Nenhum dos relatórios nem a proposta se

Despacho ministerial consultado a 13 de Setembro de 2012, disponível em:

Site oficial da ENAAC:

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encontram disponíveis, sendo que a autora tem altas dúvidas que tenham chegado

sequer a ser elaborados.

Figura 15 – Cronograma geral

Fonte: Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, disponível em:

Além da falta de cumprimento das únicas metas determinadas, a inexistência de um orçamento é a nosso ver uma das falhas substanciais na Estratégia, por a nossa experiência na área da Ciência Política nos dizer que sem verba não há verbo. No ponto que diz respeito ao financiamento da estratégia apenas é determinado que os grupos setoriais deverão identificar “linhas de financiamento”. Ora, não só a adaptação e/ou a mitigação exigem financiamento para serem implementadas, como o próprio Ministério das Finanças não foi incluído na ENAAC, sendo um dos grandes vazios institucionais do planeamento, ainda para mais num contexto no qual este Ministério voltou a assumir uma enorme preponderância no delineamento das ações governamentais desde a tomada de posse do ministro Victor Gaspar.

A Estratégia falha igualmente na determinação de objetivos concretos. De acordo com a própria estes centram-se em quatro pontos essenciais, com especial ênfase para o segundo:

1.º Informação e conhecimento;

2.º Redução da vulnerabilidade e aumento da capacidade de resposta; 3.º Participar, sensibilizar e divulgar;

4.º Cooperar a nível internacional.

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No entanto, a própria Estratégia em si não só não identifica as vulnerabilidades específicas como não determina qualquer medida para as combater. Essa função ficaria a cargo dos grupos sectoriais. Assim não só não aponta quaisquer orçamentos e objetivos concretos como as únicas metas e/ou linhas temporais que deveriam ser cumpridas seriam os prazos de entrega dos dois relatórios e da proposta, que aliás não foram cumpridos.

Os resultados da nossa investigação acabam por ser corroborados pelos dois pareceres realizados pelo Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (grupo GEOTA) e pelo Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) enquanto a Estratégia esteve sujeita a consulta pública (que ocorreu até 4 de Setembro de 2009). Para além das diversas críticas direcionadas às áreas dos grupos sectoriais e à clara falta de «linhas orçamentais específicas (…), não sendo possível avaliar, de todo, qual a sua viabilidade» (GEOTA, 2009:3), o grupo GEOTA conclui que «se demonstra aqui a falta de coragem para assumir medidas eficazes, mas contrárias à política corrente» (GEOTA, 2009:4). Do mesmo modo, também o parecer realizado pelo CNADS identifica algumas dúvidas e preocupações relativas à metodologia uma vez que «uma estratégia implica um plano de ação para atingir objetivos determinados, estabelecendo opções, alternativas e prioridades. Esta porém não é a metodologia seguida na ENAAC» (CNADS, 2009:3). Além disto, considera uma falha a não inclusão de Ministérios de «especial relevância» como os «Ministérios das Finanças, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior» bem como a falta de financiamento para a Estratégia (CNADS, 2009), indo também aqui ao encontro das nossas conclusões.

Se o tema fosse securitizado um conjunto de medidas de adaptação concretas teria uma aplicação imediata, mesmo que em prejuízo das atividades económicas (e não só) de alguns indivíduos no curto-médio prazo.

Quanto à determinação dos resultados da ENAAC no médio-longo prazo seria necessário dar continuidade à pesquisa iniciada por nós com esta dissertação de mestrado através de uma tese de doutoramento. Além de abranger áreas bastante diversas, o período de vigência da ENAAC (sensivelmente dois anos) é curto para se

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traduzir em mudanças e produzir resultados concretos, caso esta fosse analisada neste preciso momento.

No entanto, a perceção que passa com base nos relatórios preliminares da seca de 2012 é a de que se evoluiu muito pouco desde os anos de 2003/2005, situação para a qual deve ter contribuído a crise atual, que originou uma deterioração da capacidade económica para a aplicação na prevenção bem como ter provocado uma deslocação de prioridades por parte da elite governante. De facto, o atual clima económico e financeiro ganha proeminência um pouco por todo o Mundo mas principalmente em Portugal, relegando para um plano muito inferior a problemática das alterações climáticas.

Além do mais, a falta de securitização do tema determina, especialmente num momento em que os recursos financeiros são bastante escassos e que é necessário efetuar cortes de despesa pública, que uma das áreas mais afetadas seja o Ambiente, uma vez que não é considerado uma necessidade primária para o Estado… na nossa opinião, por enquanto.

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