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Varia Historia ISSN: 0104-8775 variahis@ Universidade Federal de Minas Gerais Brasil

Denipoti, Cl?udio O embaixador; o livreiro e o policial. Circula??o de livros proibidos e medo revolucion?rio

em Portugal na virada do s?culo XVIII para o XIX Varia Historia, vol. 30, n?m. 52, enero-abril, 2014, pp. 129-150

Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, Brasil

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O embaixador; o livreiro e o policial

O embaixador; o livreiro e o policial

circula??o de livros proibidos e medo revolucion?rio em Portugal na virada do s?culo XVIII para o XIX*

The ambassador, the bookseller and the police officer

forbidden books and revolutionary fear in Portugal at the turn of the 18th Century

CL?UDIO DENIPOTI**

Departamento de Hist?ria Universidade Estadual de Ponte Grossa

Ponte Grossa (PR) Brasil

RESUMO Uma den?ncia vinda de Paris em 1792 fez com que o Intendente de Pol?cia de Lisboa ficasse atento ?s a??es de um dos principais livreiros da cidade. Como a maioria dos livreiros, este era nascido na Fran?a, e j? tivera rusgas com as autoridades da censura portuguesa por vender livros proibidos. As a??es do Intendente de Pol?cia neste per?odo, al?m dos problemas cotidianos, lidavam de perto com a supress?o das ideias revolucion?rias que pudessem chegar at? Portugal e seus dom?nios. Os livreiros, sobre quem geralmente pesavam suspeitas de ser revolucion?rios, ou "pedreiros-livres", ou liberais, tinham, em sua maioria, se estabelecido

* Artigo recebido em: 10/04/2013. Aprovado em: 09/08/2013. ** Este texto ? resultado de pesquisa financiada pelo CNPq e pela Funda??o Arauc?ria e faz parte de estudos rela-

cionados ao CEDOPE ? Centro de Documenta??o e Pesquisa de Hist?ria dos Dom?nios Portugueses e GCEAP ? Grupo de pesquisa Cultura e Educa??o na Am?rica Portuguesa. Contato: cnipoti@uepg.br.

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em Portugal algumas d?cadas antes, vindos principalmente da Fran?a e da It?lia e sofreram pesadas san??es, desde o sequestro das propriedades, a pris?o e o ex?lio. Na conflu?ncia das vidas dos personagens aqui estudados, podemos compreender um pouco mais sobre as pr?ticas culturais em torno do universo da palavra impressa de fins do s?culo XVIII e in?cio do s?culo XIX.

Palavras-chave hist?ria da palavra impressa, livros proibidos, com?rcio e circula??o de livros

ABSTRACT A warning sent from Paris in 1792 made the Chief of Police in Lisbon pay close attention to the actions of one of the main booksellers of the city. As most of the booksellers of the time, this one was born French and had troubles with the Portuguese Censorship authorities due to his selling of forbidden books. The Chief of Police actions at that time, besides the daily life problems, dealt closely with the suppression of revolutionary ideas that might reach Portugal and its domains. The booksellers, over whom the suspicion of revolutionary, liberal and free mason was constant, had established themselves in Portugal some decades earlier, coming mainly from France and Italy, suffered heavy sanctions, from the seizure of property to imprisonment and exile. In the crossroads of the lives of the people studied here, we can try to understand more about the cultural practices around the printed word at the end of the 18th and beginning of the 19th Century.

Keywords history of the printed word, forbidden books, book commerce and circulation

O domingo, 15 de janeiro de 1792 (ano 4o da Liberdade), foi um dia que se pode chamar de normal no contexto da Revolu??o Francesa. Caracter?stico do per?odo conturbado da "Assembleia Legislativa" (iniciada em primeiro de outubro de 1791) atrav?s da qual se buscava implantar cotidianamente o respeito ? Constitui??o e manter a unidade do pa?s, o m?s de janeiro foi marcado pelo in?cio das revoltas e motins provocados pela fome dos parisienses, resultado, por sua vez, de um fen?meno inflacion?rio. Naquele domingo, por?m, n?o houve revoltas. Um dos cerca de 250 jornais di?rios surgidos em Paris ap?s a tomada da Bastilha,1 o Le Patriote Fran?ais, de Jacques Pierre Brissot de Warville, trouxe um editorial contr?rio ? n?o aceita??o, pelo tribunal de cassa??o, de um padre, nomeado pela Assembleia. Para Brissot, "(a)os olhos da lei, n?o h? padres. Todos os padres

1 DARNTON, Robert. The devil in the holy water: the art of slander from Luis XIV to Napoleon. Philadelphia: University of Pennsilvania Press, 2010, p.208.

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que n?o tem fun??es p?blicas s?o cidad?os ordin?rios, possuidores dos mesmos direitos e deveres de outros cidad?os".2 De forma mais prosaica, no mesmo jornal se discutia se os viveiros de plantas tropicais montados pela monarquia podiam ser vendidos pelos intendentes regionais ou eram "dom?nio nacional".3

Por?m, o que prendia a aten??o de todos era a perspectiva da guerra. No dia 15, o Patriote... destacava a carta do Imperador Leopoldo da ?ustria, ordenando ao general Bender que protegesse o eleitorado de Tr?ves contra a Revolu??o. Isso gerou uma lista de reclama??es da Fran?a contra o Imperador, o que aumentou o clima de tens?o (que pioraria muito dez dias depois, com o ultimatum do Imperador para que os poderes de Lu?s XVI fossem restitu?dos).4 A guerra, que aconteceria em 20 de abril, foi a grande obra da Assembleia Legislativa, e "foi provavelmente o fato mais importante da Revolu??o desde a decis?o de convocar os Estados Gerais".5

Mesmo assim, o dia permitia algum entretenimento, pois os espet?culos continuavam a ser executados e anunciados, com uma gama de pe?as sendo encenadas:

Academie Royal de Musique: Dimanche, 15 janvier: Les Pr?tendus; Bachus et Ariane; Theatre de la Nation. Le Dissipateur; les deus Pages. Theatre Ital. Raoul sire de Cr?quit; Phillippe et Georgette. Theatre Fran?ois, rue de Richelieu. Les Menechmes Grecs; Le Grondeur. Theatre de Mlle Montanster. M?rope; le Sourt.6

O embaixador portugu?s em Paris acompanhava de perto toda essa movimenta??o, pois em seu of?cio para Lisboa da segunda feira seguinte, dia 16 de janeiro, reproduziu muitas das informa??es dos jornais de domingo:

Thom.u Gensonn? em nome da junta Diplomatica fez sua rela??o em que expos a conduta da Corte de Viena relativamente ? Fran?a, sem tratar das juntas preten??es dos principes feudatarios na Alzacia, e Lorena, a relatos, examinando o procedimento do Imperador, no que respeita aos imigrantes refugiados nos seus Estados, achou que esse Principe havia claramente manifestado em todas as regi?es, o odio imortal que jur?ra a? Constitui??o franceza, prohibindo a cocarda nacional, permitindo o uzo da branca, dando prote??o ao Eleitor de Treves, e ordenando ao Marechal de Bender cobrisse as suas fronteiras, e repelisse pela for?a qualquer tentativa da parte dos francezes.7

2 Le Patriote Fran?ais, Paris, n.888, p.57, 15/01/1792. 3 Le Patriote Fran?ais, Paris, n.888, p.60, 15/01/1792. 4 La Chronique du mois ou les Cahiers patriotiques. Paris, p.3, Janvier, 1792. 5 SCHAMA, Simon. Cidad?os: uma cr?nica da Revolu??o Francesa. S?o Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.479. 6 Le Patriote Fran?ais, Paris, n.888, p.60, 15/01/1792. 7 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Correspond?ncia da Lega??o Portuguesa em Paris, 1792-1794,

Minist?rio dos Neg?cios Estrangeiros (MNE), cx.576.

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Este embaixador, D. Vicente de Souza Coutinho, estava em Paris desde o fim da "Guerra Fant?stica", nome, em Portugal, da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) devido ? grande quantidade de movimenta??o de tropas francesas, espanholas, inglesas e portuguesas, sem que nenhuma batalha tenha, de fato, acontecido. Ele foi, ali?s, nomeado "ministro plenipotenci?rio a Luiz XV" em fun??o dos tratados de paz assinados ao fim dessa guerra.8

D. Vicente produziu uma vasta correspond?ncia no seu longo per?odo no cargo, que permite uma compreens?o particular da hist?ria da Revolu??o Francesa. A maior parte desta correspond?ncia foi destinada a D. Lu?s Pinto de Souza Coutinho, visconde de Balsem?o, Primeiro Ministro do Reino de Portugal de 1788 a 1801. As cartas de D. Vicente deste per?odo d?o not?cias detalhadas sobre as reuni?es da Assembleia Nacional, a revolta de S?o Domingos e as movimenta??es de tropas nas fronteiras e dentro da Fran?a. Como testemunha ocular dos eventos na Fran?a desde a d?cada de 1760, D. Vicente oferece ao leitor de hoje uma perspectiva detalhada e importante sobre esses mesmos eventos:9

Tal epistolografia, que s? cessar? com a morte daquele (D. Vicente) em Maio de 1792, torna-se assim, particularmente rica quando, a partir de Abril-Maio de 1789, nos d? um relato dos principais fatos que levam ? eclos?o da revolu??o de julho deste ano e dos tumultos (e demais acontecimentos) que se lhe seguiram.10

Como outros portugueses cultos, D. Vicente de Souza Coutinho simpatizou inicialmente com a Revolu??o por esta ter adotado uma perspectiva reformista: "inicialmente acredita-se em Portugal que apenas ser?o introduzidas algumas reformas na monarquia francesa de modo a melhorar a sua funcionalidade, mas sem p?r em causa o essencial e, em especial, a autoridade do monarca".11 Em seus of?cios ele demonstra verdadeiro entusiasmo com rela??o ?s "luses do s?culo" ao anunciar as reformas que essas mesmas luzes pediam "e que seu esp?rito aberto julgava exemplos a seguir em qualquer monarquia europeia, concretizando especificamente seu pensamento no caso portugu?s". Quando da abertura dos Estados Gerais, por exemplo, ele "desejava, como todos os franceses, ouvir na Assembleia, os `ecos da Liberdade' e escutar, com a Europa, os homens de talento ditar os novos princ?pios".12

8 SOUZA, Manoel Francisco de Barros; Visconde de Santar?m. Quadro elementar das rela??es pol?ticas e diplom?ticas de Portugal. Pariz: J. P. Aillaud, 1851, p.XXIV-XXV.

9 SANTOS, Maria ?quila Neves dos Santos. Pr?-revolu??o e revolu??o em Fran?a (1788-1789): a ?ptica do Embaixador Sousa Coutinho. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1970 (Hist?ria, Disserta??o de licenciatura).

10 MATOS, Manuel Cadafaz. A correspond?ncia in?dita do embaixador de Portugal em Paris, D. Vicente de Souza Coutinho. Revista de Hist?ria das Id?ias, v.10, p.144b, 1988. Ver tamb?m: COUTINHO, D. Vicente de Souza. Di?rio da Revolu??o Francesa: leitura diplom?tica, enquadramento hist?rico-cultural e notas de Manuel Cadafaz de Matos. Lisboa: T?vola Redonda, 1990.

11 PINTASSILGO, Joaquim. A Revolu??o Francesa na perspectiva de um diplomata portugu?s: A correspond?ncia oficial de Ant?nio de Ara?jo de Azevedo. Revista de Hist?ria das Ideias, v.10, p.132, 1988.

12 SANTOS, Maria ?quila Neves dos Santos. Pr?-revolu??o e revolu??o em Fran?a, p.67 e p.121.

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