Relações Hierárquicas entre os Traços Amplos do Big Five

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Rela??es Hier¨¢rquicas entre os Tra?os Amplos do Big Five

Hierarchical Relationship between the Broad Traits of the Big Five

Cristiano Mauro Assis Gomes* & Hudson Fernandes Golino

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Resumo

O modelo Big Five sustenta que a personalidade humana ¨¦ composta por dezenas de fatores espec¨ªficos.

Apesar dessa diversidade, esses fatores confluem para cinco tra?os amplos que est?o em um mesmo n¨ªvel

de hierarquia. O presente estudo apresenta uma hip¨®tese alternativa, postulando n¨ªveis entre os tra?os

amplos do modelo. Fizeram parte do estudo 684 estudantes do ensino fundamental e m¨¦dio de uma escola

particular de Belo Horizonte, MG, com idades entre 10 e 18 anos (m = 13,71 e DP= 2,11). Para medir os

fatores do Big Five foi utilizado o Invent¨¢rio de Caracter¨ªsticas de Personalidade, anteriormente chamado

de Invent¨¢rio dos Adjetivos de Personalidade, de Pinheiro, Gomes e Braga (2009). O instrumento mensura

oito polaridades das 10 polaridades presentes nos cinco tra?os amplos do Big Five. Dois modelos foram

comparados via m¨¦todo path analysis: um modelo de quatro n¨ªveis hier¨¢rquicos e um modelo n?o

hier¨¢rquico. O modelo hier¨¢rquico apresentou adequado grau de ajuste aos dados e mostrou-se superior ao

modelo n?o hier¨¢rquico, que n?o se ajusta aos dados. Implica??es s?o discutidas para o modelo Big Five.

Palavras-chave: Personalidade, teoria dos cinco grandes fatores, Big Five.

Abstract

The Big Five model sustains that human personality is composed by dozens of specific factors. Despite of

diversity, specific factors are integrated in five broad traits that are in the same hierarchical level. The

current study presents an alternative hypothesis arguing that there are hierarchical levels between the

broad traits of the model. Six hundred and eighty-four junior and high school level students from 10 to 18

years old (M = 13.71 and SD= 2.11) of a private school in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

participated in the study. The Big Five was measured by an Inventory of Personality Traits, initially named

as Personality Adjective Inventory, elaborated by Pinheiro, Gomes and Braga (2009). This instrument

measures eight polarities of the ten presented in the Big Five Model. Two models were compared through

path analysis: a four-level hierarchical model and a non-hierarchical one. The hierarchical model showed

adequate data fit, pointing to its superiority in relation to the non-hierarchical model, which did not present

it. Implications to the Big Five Model are discussed.

Keywords: Personality, factor five model, big five.

Modelo Big Five: Descri??o e Breve Explana??o

O modelo Big Five, tamb¨¦m chamado de Five Factor

Model, ¨¦ um dos modelos mais importantes, sen?o o mais

importante, para a explica??o da personalidade humana

(Costa & McCrae, 1992) e prov¨¦m de duas diferentes

tradi??es: a psicolexical e a de medida (De Raad &

Perugini, 2002). A primeira tem como um dos seus principais representantes Goldberg (1992, 1993), que adota

a terminologia ¡°Big Five¡±, enquanto a segunda utiliza o

termo ¡°Five Factor Model¡± (FFM), tendo como dois dos

principais pesquisadores Costa e McCrae (1992, 1995).

Endere?o para correspond¨ºncia: Departamento de Psicologia, Laborat¨®rio de Investiga??o da Arquitetura

Cognitiva, Universidade Federal de Minas Gerais, Av.

Ant?nio Carlos, 6627, Sala 4010, Pampulha, Belo Horizonte, MG, Brasil 31270-901. E-mail:

cristianogomes@ufmg.br e hfgolino@

*

Uma an¨¢lise dos antecedentes hist¨®ricos, realizada por

Digman (2002), apontou que o modelo teve seu nascimento nos anos de 1930, a partir de subs¨ªdios te¨®ricos de

McDougall, e do trabalho emp¨ªrico de Thurstone, que foi

o primeiro a verificar a exist¨ºncia de cinco fatores ao utilizar t¨¦cnicas de an¨¢lise fatorial em dados provenientes

de um question¨¢rio de personalidade. Digman (2002)

sustenta que o trabalho de Thurstone foi seminal, e serviu de base para os trabalhos posteriores de Fiske (1949),

Tupes e Christal (1961/1992), Norman (1963), Borgatta

(1964) e Cattell (1965). No entanto, o Big Five se solidificou, de fato, a partir dos anos de 1980, atrav¨¦s de evid¨ºncias favor¨¢veis de trabalhos emp¨ªricos como os de

Goldberg, (1981), Costa e McCrae (1988a, 1988b) e

McCrae e Costa (1987, 1989), dentre outros.

O modelo Big Five define a personalidade humana como

uma rede hier¨¢rquica de tra?os, compreendidos teoricamente como predisposi??es comportamentais de respostas ¨¤s situa??es da vida (Trentini et al., 2009). Essa rede

445

Psicologia: Reflex?o e Cr¨ªtica, 25 (3), 445-456.

apresenta dois n¨ªveis. O primeiro n¨ªvel ¨¦ formado por

dezenas de tra?os espec¨ªficos da personalidade, enquanto o segundo n¨ªvel ¨¦ constitu¨ªdo por apenas cinco tra?os

amplos: Extrovers?o, Socializa??o, Conscienciosidade,

Neuroticismo e Abertura para Experi¨ºncia (Costa, 1992;

Costa & McCrae, 1992, 1995; Digman, 1990, 1996; Fiske,

1994; Goldberg, 1992, 1993; Goldberg & Digman, 1994;

Hutz et al., 1998; Trentini et al., 2009). Esses cinco tra?os amplos s?o denominados diferentemente na literatura (Jerden, 2010), mas essa situa??o n?o chega a representar um problema, pois a descri??o dos tra?os ¨¦

relativamente semelhante (Hutz et al., 1998).

A maior for?a do modelo Big Five ¨¦ o seu f?lego

emp¨ªrico e sua abrang¨ºncia. Dados oriundos de diferentes tradi??es da psicologia, conforme j¨¢ abordado, t¨ºm

gerado evid¨ºncias sobre a presen?a dos cinco grandes tra?os da personalidade. ? relevante apontar que muitos

desses dados prov¨ºm de instrumentos que n?o foram criados a priori para mensur¨¢-los (Digman, 1996). Al¨¦m

disso, os cinco tra?os amplos t¨ºm sido identificados em

diferentes culturas, etnias e sistemas socioecon?micos,

caracterizando, nesse conjunto de evid¨ºncias, o f?lego

emp¨ªrico e a abrang¨ºncia do modelo (Costa & Widiger,

1993; Vittorio Caprara, Barbaranelli, Berm¨²dez, Maslach,

& Ruch, 2000).

Justamente em fun??o da sua replicabilidade e generalidade, uma quantidade enorme de instrumentos tem sido

criada, tendo como base o modelo Big Five (Baker, Victor,

Chambers, & Halverson, 2004; Costa & McCrae, 1992;

Goldberg, 1990, 1992; Hutz & C. H. S. S. Nunes, 2001;

Hutz et al., 1998; John, 1990; McCrae & John, 1992; C.

H. S. S. Nunes, 2000, 2007; C. H. S. S. Nunes & Hutz,

2007; Rabelo et al., 2009). Dentre os principais instrumentos internacionais, pode-se citar o The California

Psychological Inventory (Gough & Bradley, 1996); o The

Revised NEO Personality Inventory (Costa & McCrae,

1992), o The Big Five Inventory (John, Donahue, &

Kentle, 1991; John & Srivastava, 1999), o Five-Factor

Personality Inventory (Hendriks, Hofstee, & De Raad,

2002), o Hierarchical Personality Inventory for Children

(Mervielde & De Fruyt, 2002), o Five-Factor Nonverbal

Personality Questionnaire (Paunonen & Ashton, 2002),

o Traits Personality Questionnaire (Tsaousis, 2002) e o

Big Five Marker Scales (Perugini & Di Blas, 2002).

Quanto ¨¤ literatura nacional, constata-se desde os anos

de 1990 estudos sobre o Big Five em amostras brasileiras, assim como um incremento no n¨²mero de instrumentos nacionais que buscam aferir os cinco tra?os amplos.

Dentre eles, pode-se citar o Invent¨¢rio de marcadores do

Big Five, adapta??o Brasileira das listas de Goldberg

(1992) e Norman (1963), elaborada por Hutz et al. (1998),

a Escala Fatorial de Extrovers?o (C. H. S. S. Nunes, 2007;

C. H. S. S. Nunes & Hutz, 2006), a Escala Fatorial de

Socializa??o (C. H. S. S. Nunes, 2007; C. H. S. S. Nunes

& Hutz, 2007; M. F. O. Nunes, Muniz, Nunes, Primi, &

Miguel, 2010), a Escala Fatorial de Abertura ¨¤ Experi¨ºn446

cia (Vasconcellos & Hutz, 2008) e a Escala Fatorial de

Neuroticismo (Hutz & C. H. S. S. Nunes, 2001; C. H. S.

S. Nunes, 2000).

Em fun??o da import?ncia dos cinco grandes tra?os,

este artigo pretende investigar se eles apresentam uma

estrutura de inter-rela??o hier¨¢rquica, ou se apresentam

uma estrutura n?o hier¨¢rquica. Essa quest?o ser¨¢ abordada de maneira mais extensa na primeira se??o do texto.

J¨¢ a segunda se??o abordar¨¢ a quest?o relativa ¨¤ valora??o

das polaridades dos tra?os amplos encontrada em instrumentos que aferem o Big Five. A terceira se??o, por

sua vez, focar¨¢ na descri??o dos modelos que representam as hip¨®teses do estudo. J¨¢ a quarta se??o apresentar¨¢ o m¨¦todo, enquanto a quinta focar¨¢ nos resultados do

presente trabalho. A ¨²ltima se??o discutir¨¢ os resultados, e suas implica??es para a ¨¢rea.

Quest?o de Investiga??o

Apesar da for?a emp¨ªrica do modelo Big Five, o presente estudo busca aprimor¨¢-lo, tratando uma quest?o

necess¨¢ria, que se configura atrav¨¦s da seguinte pergunta: Os cinco tra?os de segundo n¨ªvel do modelo s?o de

fato pertencentes a um mesmo n¨ªvel, ou existe uma rela??o hier¨¢rquica entre os mesmos, n?o identificada

empiricamente atrav¨¦s dos m¨¦todos usualmente empregados?

A hip¨®tese presente neste estudo ¨¦ a de que os cinco

tra?os amplos de personalidade do Big Five n?o s?o de

mesmo n¨ªvel hier¨¢rquico. Eles s?o identificados usualmente como sendo de mesmo n¨ªvel em fun??o dos m¨¦todos empregados. Como exemplo, pode-se citar o trabalho de Hutz et al. (1998) que analisaram, por meio de

an¨¢lise fatorial explorat¨®ria, dados provenientes de 956

estudantes universit¨¢rios que responderam uma lista

composta por 96 adjetivos descritores da personalidade. Os resultados apontaram a exist¨ºncia dos cinco grandes fatores, dispostos em um mesmo n¨ªvel latente. O

emprego de an¨¢lises fatoriais dos escores totais ou dos

itens oriundos das diferentes escalas de personalidade,

como no exemplo acima, ¨¦ a metodologia de an¨¢lise de

dados usual do campo de investiga??o do Big Five (Costa, 1992; Costa & McCrae, 1992, 1995; Digman, 1990,

1996; Fiske, 1994; Goldberg, 1992, 1993; Goldberg &

Digman, 1994; Hutz et al., 1998; C. H. S. S. Nunes, 2007;

C. H. S. S. Nunes & Hutz, 2006, 2007; M. F. O. Nunes et

al., 2010).

Apesar de ser amplamente utilizada, pode-se argumentar que essa condi??o n?o expressa a real rela??o entre os

tra?os amplos do Big Five. A hip¨®tese do presente estudo

¨¦ que alguns desses tra?os s?o hierarquicamente superiores, servindo de base para a explica??o dos demais. ?

importante salientar que essa hip¨®tese ¨¦ original deste trabalho. Uma an¨¢lise realizada pelos autores deste artigo,

utilizando as palavras-chave ¡°Big Five¡± e ¡°Structure¡± na

base de dados PsychINFO da American Psychological

Gomes, C. M. A. & Golino, H. F. (2012). Rela??es Hier¨¢rquicas entre os Tra?os Amplos do Big Five.

Association (APA), limitando-se aos trabalhos publicados entre 2005 e 2011, n?o identificou nenhum trabalho

que apresentasse a mesma hip¨®tese deste estudo. Os trabalhos publicados neste per¨ªodo adotam modelos hier¨¢rquicos, no qual os cinco grandes tra?os se encontram

em um mesmo n¨ªvel de hierarquia. Esse tipo de estrutura pode ser verificado em v¨¢rios trabalhos que identificam os cinco grandes fatores, como os de Del Barrio,

Carrasco e Holgado (2006), Rantanen, Mets?pelto, Feldt,

Pulkkinen e Kokko (2007), Soto, John, Gosling e Potter

(2008). O modelo usual, que incorpora os cinco grandes

tra?os de personalidade em um mesmo n¨ªvel de hierarquia, tamb¨¦m ¨¦ adotado em pesquisas que sustentam a

presen?a de outros grandes fatores, al¨¦m dos cinco tradicionais (Saucier, 2009; Saucier, Georgiades, Tsaousis,

& Goldberg, 2005; Wang, Cui, & F. Zhou, 2005; X. Zhou,

Saucier, Gao, & Liu, 2009), e em pesquisas que sustentam n¨ªveis superiores ao n¨ªvel que cont¨¦m os cinco grandes tra?os (Anusic, Schimmack, Pinkus, & Lockwood,

2009; DeYoung, 2006; Rauthmann & Kolar, 2010;

Rushton & Irwing, 2008, 2009; Van der Linden, Te

Nijenhuis, & Bakker, 2010).

O modelo usual te¨®rico sobre a rela??o entre os cinco

fatores amplos (Baker et al., 2004; Costa & McCrae, 1992;

Goldberg, 1990, 1992; Hutz & C. H. S. S. Nunes, 2001;

Hutz et al., 1998; John, 1990; McCrae & John, 1992; C.

H. S. S. Nunes, 2000, 2007; C. H. S. S. Nunes & Hutz,

2007; Rabelo et al., 2009) refuta a hip¨®tese deste estudo

e postula que os cinco fatores s?o percebidos como isom¨®rficos, no sentido de n?o existir uma rela??o hier¨¢rquica entre eles. Todos est?o no mesmo n¨ªvel quanto ¨¤

explica??o da personalidade humana e s?o considerados

aspectos b¨¢sicos e fundamentais da personalidade. Os

cinco grandes tra?os da personalidade s?o interpretados

como cinco caracter¨ªsticas elementares da personalidade

humana, presentes em todas as culturas (Costa & Widiger,

1993; Paunonen, Zeidner, Engvik, Oosterveld, & Maliphant, 2000; Schmitt, Allik, McCrae, & Benet-Mart¨ªnez,

2007; Vittorio Caprara et al., 2000).

Segundo essa vis?o, em todas as culturas sempre se

procura saber se uma pessoa ¨¦: animada, energ¨¦tica ou

reservada e quieta (tra?o da Extrovers?o); d¨®cil, calorosa

ou fria e distante (tra?o da Socializa??o); focada, determinada ou inconstante (tra?o da Conscienciosidade); est¨¢vel ou inst¨¢vel psicologicamente (tra?o do Neuroticismo);

aberta e curiosa ou conservadora (tra?o de Abertura para

Experi¨ºncia).

Por sua vez, este artigo elabora um novo modelo, diferente do tradicional, onde alguns tra?os da personalidade s?o mais basais, ou seja, explicam os outros. Por meio

da intera??o din?mica entre tra?os basais, outros tra?os

podem emergir e se constituir. O primeiro n¨ªvel ¨¦ composto por tra?os de personalidade que s?o basais, ou seja,

explicam todos os outros tra?os. O segundo n¨ªvel ¨¦ formado por tra?os de personalidade explicados pelos de

primeiro n¨ªvel, e que explicam os de terceiro n¨ªvel em

diante. O terceiro n¨ªvel ¨¦ composto por tra?os de personalidade explicados pelos de primeiro e segundo n¨ªvel, e

explicam os tra?os do quarto n¨ªvel. O quarto n¨ªvel ¨¦ formado por tra?os explicados por elementos dos n¨ªveis

anteriores (Figura 2). Em suma, o modelo hier¨¢rquico

elaborado neste artigo postula que os tra?os de n¨ªvel

basal e suas intera??es s?o condi??o para a emerg¨ºncia

dos tra?os de n¨ªvel posterior, argumentando que essa

estrutura ocorre entre os cinco tra?os amplos do Big Five

(Figura 2).

O Problema da Medida

das Polaridades dos Tra?os

Todos os grandes tra?os do modelo Big Five possuem

duas polaridades. O tra?o Extrovers?o possui as polaridades Introvers?o e Extrovers?o; Neuroticismo apresenta as polaridades Estabilidade e Neuroticismo; Conscienciosidade ¨¦ formada pelas polaridades ¡°Inescrupulosidade¡± e Conscienciosidade; Abertura para Experi¨ºncia possui as polaridades ¡°Convencionalidade¡± e

Abertura; e o tra?o Socializa??o possui as polaridades

¡°Anti-sociabilidade¡± e Sociabilidade (Digman, 1996). Em

tese, poder-se-ia esperar que as polaridades dos grandes

tra?os fossem mensuradas de forma equilibrada e com

mesmo grau de valor, de modo que nenhuma das polaridades possu¨ªsse um n¨²mero muito maior de itens ou que

em nenhum dos tra?os uma das polaridades apresentasse, em sua maioria, itens valorados positivamente, enquanto a outra polaridade apresentasse itens valorados

negativamente. Apesar dessa expectativa, as evid¨ºncias

mostram o contr¨¢rio, ou seja, ¨¦ usualmente verificado o

desequil¨ªbrio das escalas ou itens das polaridades de um

tra?o. O tra?o neuroticismo, por exemplo, ¨¦ normalmente definido por adjetivos, frases ou escalas que expressam caracter¨ªsticas pessoais ou comportamentos

disfuncionais, desadaptativos ou psicopatol¨®gicos. A polaridade oposta do neuroticismo, que ¨¦ a estabilidade

psicol¨®gica, envolve adjetivos, frases ou escalas que

expressam caracter¨ªsticas pessoais ou comportamentos

funcionais e adaptativos de estabilidade emocional. Normalmente, escalas ou itens da polaridade estabilidade

psicol¨®gica n?o se encontram presentes nos instrumentos que aferem o Big Five, na mesma intensidade e frequ¨ºncia dos adjetivos, frases ou escalas do neuroticismo.

Essa condi??o torna dif¨ªcil a identifica??o das duas polaridades do tra?o, pois o desequ¨ªlibrio de escalas, adjetivos ou frases tende a possibilitar a identifica??o

emp¨ªrica via an¨¢lise fatorial de apenas uma polaridade

do tra?o, e a aglutinar a polaridade oposta dentro do

mesmo fator.

Al¨¦m do desequil¨ªbrio de indicadores, h¨¢ o problema

da atribui??o de valor aos tra?os, encontrada na maioria

dos instrumentos internacionais elaborados para mensurar o Big Five. Geralmente, em todos os cinco grandes

tra?os, uma polaridade ¨¦ valorada positivamente, enquanto

447

Psicologia: Reflex?o e Cr¨ªtica, 25 (3), 445-456.

a outra ¨¦ valorada negativamente. O Revised NEO Personality Inventory ([R-NEO-PI], Costa, McCrae, & J¨®nsson,

2002) avalia os tra?os Neuroticismo, Extrovers?o, Abertura para Experi¨ºncia, Sociabilidade e Conscienciosidade,

enfocando positivamente a polaridade presente no nome

destes tra?os, em detrimento do p¨®lo oposto presente em

cada tra?o. No entanto, pode-se perceber a exist¨ºncia de

uma exce??o: o Neuroticismo. Seu p¨®lo oposto ¨¦ a polaridade focada positivamente.

O Five-Factor Personality Inventory (Hendriks et al.,

2002) mensura os mesmos tra?os do R-NEO-PI, mas substitui a nomenclatura Neuroticismo e Abertura para Experi¨ºncia por Estabilidade emocional e Autonomia, respectivamente. A presen?a de termos valorativos mant¨¦m-se

presente neste instrumento, assim como o predom¨ªnio de

indicadores de medida de uma polaridade em detrimento

da outra polaridade de um mesmo tra?o.

O Big Five Questionnaire (Barbaranelli & Caprara,

2002) trata a Extrovers?o como Energia, e a Sociabilidade como ¡°Amigabilidade¡±, al¨¦m de mensurar a Conscienciosidade, Estabilidade emocional e Abertura. Seus

termos s?o valorativos. Para definir o p¨®lo oposto de

Conscienciosidade, por exemplo, s?o usadas designa??es como descuidado, negligente, desorganizado, entre outras.

O Hierarchical Personality Inventory for Children

(Mervielde & De Fruyt, 2002) mensura Conscienciosidade, Extrovers?o, Estabilidade emocional e designa

para Sociabilidade e Abertura os termos Benevol¨ºncia e

Imagina??o, respectivamente. A falta de frases espec¨ªficas para as polaridades opostas presentes nos tra?os faz

com que essas polaridades sejam compreendidas apenas

como desempenho baixo nos tra?os medidos.

Apesar de ser um instrumento n?o verbal de medida, o

Five-Factor Nonverbal Personality Questionnaire (Paunonen & Ashton, 2002) apresenta os mesmos problemas

de valora??o e ¨ºnfase de indicadores em determinados

p¨®los dos tra?os. O Global Personality Inventory (Schmit,

Kihm, & Robie, 2002) ¨¦ um instrumento voltado especificamente para a medida de tra?os da personalidade em

sua rela??o com o mundo do trabalho. Ele tamb¨¦m valoriza determinadas polaridades em detrimento de outras.

O Traits Personality Questionnaire (Tsaousis, 2002) ¨¦

baseado no NEO-PI- R e por isso segue o mesmo padr?o

deste instrumento. O Big Five Marker Scales (Perugini

& Di Blas, 2002) tamb¨¦m segue a mesma tend¨ºncia.

Em decorr¨ºncia do problema apontado, o Invent¨¢rio

de Caracter¨ªsticas da Personalidade (ICP), inicialmente

chamado de Invent¨¢rio dos Adjetivos da Personalidade

(Pinheiro, Gomes, & Braga, 2009) foi utilizado neste estudo por um motivo especial. O ICP foi elaborado visando incorporar a perspectiva de n?o enfatizar determinadas polaridades dos tra?os amplos do Big Five. Al¨¦m disso, ele possui itens que aferem as duas polaridades de um

mesmo tra?o amplo de maneira relativamente equilibrada (Pinheiro et al., 2009). Seus tra?os s?o:

448

¡¤ Extrovers?o: Indiv¨ªduo expansivo, focado em valores externos. Mais ligado ao exterior que ao interior.

Comunicativo. Manifesta-se, geralmente, com liberdade e desenvoltura.

¡¤ Introvers?o: Indiv¨ªduo centrado, voltado para si mesmo. Prefere ficar com poucas pessoas. ? seletivo, ligado ¨¤s experi¨ºncias ¨ªntimas de si mesmo.

¡¤ Foco nas Rela??es Humanas: Indiv¨ªduo ligado ao

sentimento e ¨¤s emo??es dos outros. Procura compreender as opini?es alheias e enfatiza as rela??es

interpessoais.

¡¤ Foco no Objeto: Indiv¨ªduo focado na intera??o com

os objetos e n?o nas rela??es interpessoais. Os sentimentos e as rela??es humanas est?o subordinados ¨¤

a??o ou ¨¤ atividade que o indiv¨ªduo est¨¢ envolvido.

¡¤ Foco no Objetivo: Possui objetivo definido. Centrado

e focado em finalizar o objetivo. Planeja metas e as

persegue at¨¦ sua conclus?o.

¡¤ Abertura a Novas Experi¨ºncias: O indiv¨ªduo gosta

de procurar caminhos alternativos, pensar em novas

formas e maneiras de enfrentar um desafio. H¨¢ prazer em situa??es novas que envolvem estrat¨¦gias ainda n?o constru¨ªdas e consolidadas.

¡¤ Mutabilidade: Indiv¨ªduo sens¨ªvel ¨¤s suas emo??es.

Capaz de vivenciar bruscas mudan?as de humor.

¡¤ Estabilidade: Vivencia poucas varia??es de humor,

apresentando um padr?o relativamente constante.

Modelando as Hip¨®teses do Estudo

A hip¨®tese do presente trabalho contrap?e o modelo

te¨®rico atual (Costa, 1992; Costa & McCrae, 1992, 1995;

Digman, 1990, 1996; Fiske, 1994; Goldberg, 1992, 1993;

Goldberg & Digman, 1994; Hutz et al., 1998; C. H. S. S.

Nunes, 2007; C. H. S. S. Nunes & Hutz, 2006, 2007; M.

F. O. Nunes et al., 2010), no qual os cinco grandes tra?os

se encontram em um mesmo n¨ªvel de hierarquia. Defende-se um modelo alternativo, elaborado pelos autores

deste artigo. Nele, alguns tra?os amplos do Big Five s?o

mais basais e explicam outros. Esses dois modelos te¨®ricos s?o comparados empiricamente neste trabalho por

meio do m¨¦todo path analysis (Blunch, 2008). Ele

disponibiliza a compara??o de modelos te¨®ricos, permitindo escolher qual explica melhor os dados emp¨ªricos.

Por meio do path analysis, ¨¦ poss¨ªvel modelar cada um

dos dois modelos te¨®ricos, assim como incorporar na

modelagem as vari¨¢veis medidas e suas rela??es.

Os dois modelos a serem comparados possuem as

mesmas vari¨¢veis, ou seja, as oito polaridades medidas

pelo ICP. O primeiro modelo representa a proposta

tradicional que identifica os cinco grandes fatores em

um mesmo n¨ªvel de hierarquia. As oito polaridades se

correlacionam e est?o em mesmo n¨ªvel hier¨¢rquico. A

Figura 1 apresenta este modelo.

Gomes, C. M. A. & Golino, H. F. (2012). Rela??es Hier¨¢rquicas entre os Tra?os Amplos do Big Five.

Figura 1. Modelo n?o hier¨¢rquico e rela??es entre as vari¨¢veis (F. objeto = Foco no Objeto; F. Objetivo = Foco no Objetivo; F.

Rel. Hum. = Foco nas Rela??es Humanas).

O segundo modelo representa a proposta elaborada

pelos autores deste artigo. As polaridades de Extrovers?o,

Introvers?o e Estabilidade comp?em o primeiro n¨ªvel, o

mais basal de todos. As polaridades de Mutabilidade e

Foco no Objeto comp?em o n¨ªvel dois. S?o explicadas

por polaridades do n¨ªvel um e explicam polaridades dos

n¨ªveis posteriores. As polaridades Foco no Objetivo e

Foco nas Rela??es Humanas comp?em o n¨ªvel tr¨ºs, e a

vari¨¢vel Abertura a Novas Experi¨ºncias comp?e o n¨ªvel

quatro. A Figura 2 apresenta este modelo.

Figura 2. Modelo hier¨¢rquico de quatro n¨ªveis e rela??es entre as vari¨¢veis (F. objeto = Foco

no Objeto; F. Objetivo = Foco no Objetivo; F. Rel. Hum. = Foco nas Rela??es Humanas).

449

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