Bazar de Ritmos .com
José Guilherme de Araújo Jorge
Bazar de Ritmos
[pic]
1ª edição - 1935
Índice (Por ordem alfabética)
01 – A dor maior...
02 – A igrejinha de S. Sebastião
03 – A luz
04 – A outra voz...
05 – A paineira e o poente
06 – A uma artista
07 – Adivinha-se
08 – Adoração suprema
09 – Ante a estátua do Soldado Desconhecido
10 – Aurora
11 – Bazar de ritmos...
12 – Boa noite
13 – Bonecas... bonecos...
14 – Borboletas
15 – Carta a um amor do passado
16 – Cartas
17 – Cheguei tarde
18 – Chuva
19 – Cigarra morta
20 – Confidência amarga
21 – Depois...
22 – Derradeira inspiração
23 – Despertando
24 – Despetalando
25 – Destinos
26 – Digo que esqueço
27 – disseste
28 – Distração
29 – E os teus olhos assim...
30 – Ele me disse
31 – Eu...
32 – Eu abri os meus olhos
33 – Exaltação
34 – Exaltação do amor
35 – Exortação
36 – Fatalismo
37 – Filosofando
38 - Fraqueza
39 – Fugitivo
40 – Glorificação da dor
41 – Gotas
42 – História de um orgulho
43 – Incerteza
44 – Inutilidade
45 – Inutilmente
46 – Linda
47 – Linhas paralelas
48 – Mãe
49 – mas para que contar?
50 – Mas... sorriste!
51 – Meu primeiro amor
52 – Moleque
53 – Mosaico
54 – Música!
55 – Negativo
56 – Noite
57 – Noite de Junho
58 – Nuance
59 – O acordar da cidade
60 – O balão
61 – O destino de uma flor
62 – O meu poema sem nome
63 – O que eu amo em você
64 – O Verbo Amar
65 – Orgulhosa
66 – Paisagem...
67 – Paisagem do silêncio
68 – Partiste!... Voltarás?...
69 – Pontos finais
70 – Pôr do Sol
71 – Prisioneiro
72 – Psicologia
73 – Quadro
74 – Quadros de Verão
75 – Quando
76 – Razões
77 – Se...
78 – Ser ou não ser...
79 – Silenciosamente
80 – Soldado
81 – Sonhadores
82 – Sozinho
83 – Supremo Orgulho
84 – Tarde
85 – Tormentas
86 – Torpor...
87 – Tuas mãos
88 – Tudo... nada...
89 – Uma palavra a mais
90 - Vencido
A dor maior
Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...
A Igrejinha de S. Sebastião
(Em Rio Branco. capital do Estado do Acre)
Igrejinha pequena... bem pequena,
com sua torre branca para os céus
e um sino que batia ao vir da tarde
quando os olhos do dia se nublavam
e a noite desdobrava pelo espaço
os seus primeiros véus...
Igrejinha de S. Sebastião
onde num dia claro e muito azul,
todo cheio de sol
e para mim tão cheio de esperanças,
em meio aos vultos brancos das crianças
eu fiz minha primeira comunhão...
Vives comigo, em todas as lembranças,
como um símbolo antigo
e muito amigo
de um tempo que ficou longe demais...
Mas o tempo que passa e tudo vence
não consegue tirar-te da minha alma,
não consegue apagar-te dos meus olhos
nem da minha memória te desfaz...
Vejo bem tua torre para o céu
nos domingos
em meio ao povaréu
da minha cidade natal,
onde a alma da minha gente é clara como cristal...
Ainda escuto o teu sino no ar rolando,
badalando...
badalando...
Seus alegres Dlin-dlons
numa festa de sons
- ainda escuto o teu sino, como as crianças,
a pular e a brincar,
e que era eu muita vez que ia puxar
quando faltava o velho sacristão...
Igrejinha de S . Sebastião,
toda branquinha como um lírio branco,
às margens argilosas do barranco,
perto da praça e de um grande jardim
bonito como nenhum,
- onde havia um coreto e onde eu trepava
às quintas-feiras para ouvir a banda
que sempre começava:
- “tara-tchim!...”tara-tchim!...”tara-tchim!...
bum!...
Igrejinha de S . Sebastião,
rodeada de mangueiras e de sombras
c ao lado de uma ingàzeira,
onde eu, o sacristão e a molecada.
( aquele com a batina arregaçada...)
- fugindo aos raios do sol,
jogávamos futebol
depois da missa... pela tarde inteira...
Igrejinha da terra onde eu nasci,
perdida na distância
dos mais longínquos sertões,
erguendo para o azul a torre esguia,
sempre cheia de sinos e de crianças
nas minhas recordações...
Hoje, na minha vida tão mudada,
na minha alma descrente
e já cansada
és o vulto distante da ilusão,
toda branquinha como um lírio branco,
não às margens vermelhas do barranco,
mas no barranco do meu coração!...
A luz
Ela veio... (E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou... Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta...)
Que ela havia chegado, eu nem sabia...
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa... E há alegria...
Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?
E acabei por fazer a descoberta:
- ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!
ão quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, (e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...
A outra voz...
“Se te pertence a vida, se em verdade
muito mais do que andaste ainda terás,
se com a esponja da tua mocidade
apagas tudo o que deixas atrás,
- esquece essa tristeza e as horas más,
crê na alegria e na felicidade...”
E eu apenas falei:- pensa e verás
que essa tua alegria é falsidade...
Confesso que a tristeza me apavora,
- mas para que de mim se desintegre
só matando a minha alma, onde ela mora...
E... tristeza maior, sei que ainda existe,
é essa tristeza de fingir-se alegre
numa alegria duplamente triste!
A paineira e o Poente
Vai desmaiando a tarde ao longe, muito em calma,
atrás de uma paineira enfeitada e florida...
Esse poente é o meu Ser... a paineira, a minha alma,
e o quadro, uma visão do fim da minha vida...
....................................................................................
Imagino esse fim: - “os anos desfolhados
e as folhas na lembrança em turbilhão rolando...
- curvado, olhos sem luz, sozinho, vou passando
entre vagos perfis, distantes e apagados...”
“Silêncio... Solidão... Saudades ao redor...
No horizonte uma cruz, ponto final da estrada.
E eu passando sozinho a murmurar de cor
um verso derradeiro à minha alma cansada...”
“Nem um olhar sequer... No entanto, em minha vida
quantas mulheres tive ao meu lado e em meus braços...
- mas nenhuma, sincera, soube ser querida,
e é por isso que escuto apenas os meus passos...”
“Passaram uma a uma... E afinal como flores
deixei-as para trás nas estações de outrora...
Nesse tempo o meu peito era um buquê de amores,
meus olhos tinham luz... minha alma era sonora...”
“Nesse tempo eu sabia amar e fazer versos...
Quantos sonhos sonhei... Quantos lindos desejos...
E os poemas que compus e que deixei dispersos
eram feitos de amor... e pontuados de beijos...”
Eis como vejo tudo: - “o meu vulto curvado,
a cabeça branquinha assim como o algodão...
Para trás, uma estrada imensa: - o meu passado...
Para a frente, mais nada: - uma cruz sobre o chão...”
...................................................................................
A minha alma, no entanto, enfeitada há de estar,
florindo de lembranças e recordações,
e os seus ninhos de amor há de sempre ostentar
vazios, relembrando o tempo das canções...
E arrastando os meus pés, caminharei sorrindo,
findando esse destino errante e sonhador
..................................................................................
e o meu poente há de ser, como esse dia lindo
morrendo por trás de uma paineira em flor!...
A uma artista
Sinto inveja de ti, quando os segredos
da música, te pões a desvendar,
- quando tua alma brinca nos teus dedos
num teclado de lâminas de luar...
Ah!... Também eu quisera interpretar
as músicas do céu... dos arvoredos...
a voz do homem na terra, e a voz do mar
espumando a cantar os penedos...
Sinto inveja de ti, quando te vejo
a transformar tua alma em harmonias,
porque eu quisera - e era esse o meu desejo:
- do músico e do poeta, unir as rotas,
e se já escrevo em versos, em poesias,
falar no idioma universal das notas!...
Adivinha-se
Quando tu passas, sob o teu vestido
na ousadia das formas
advinha-se
- o desejo incontido,
- essa vontade,
da carne que se sente prisioneira
e que arrogantemente se rebela
em ânsias de liberdade....
Adivinha-se o desejo
da carne que não tarda a ser mulher...
- da semente que quer romper o chão...
- da flor que abre a corola ao sol
a espera
do louro pólen da fecundação!...
Adoração Suprema
Quando cerro os meus olhos, na minha grande noite
eternamente vejo a tua imagem,
tua doce figura
como uma silhueta de luz a recordas a sombra...
Se eu cerrasse os meus olhos neste instante a derradeira vez,
na última tarde da vida
e mandassem revelar depois minhas retinas,
veriam tua imagem refletida...
Por que eu hei de levar comigo essa imagem de luz
que ilumina a minha alma triste e enche o meu pensamento
quando cerro os meus olhos e medito...
Hei de levar-te dentro dos meus olhos tristes
quando a morte os vidrar,
e eles serão talvez para a tua imagem adorada e querida
o caixão de vidro da Branca de Neve morta, entre os anões da lenda,
que moram muito longe, muito alto,
num longínquo planalto,
num bosque encantado e feliz sobre uma rocha imensa de granito...
Hei de levar-te comigo, para que possas guiar meus passos
por entre as sombras que despencarão sobre as nossas cabeças
para além do infinito!
Ante a estátua do Soldado Desconhecido
Lá está... a glória o ergueu em pedestais
sobre o preito fictício dos altares...
- é o símbolo daqueles que aos milhares
transformaram-se em hordas de chacais...
Mentiram-lhe palavras por ideais
e ele destruiu seu lar e os outros lares,
- deixou crianças chorando sem ter pais,
corpos sem vida em todos os lugares!
Muita vez, perguntou-se: - aonde tu vais?
E outra voz respondeu: - segue! Não pares!
- seguiu!. .. E ao fogo da metralha, e ao gás
rolou na terra e despencou nos ares...
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Hoje - naquela estátua se consome,
a própria história não guardou seu nome
e a glória azinhavrou seu falso brilho...
Vendo-o, no entanto, com que imensa dor:
- quantas noivas dirão: - é o meu amor!
e quantas mães murmurarão: - meu filho!...
Aurora
Surgiste em minha vida como a aurora
surge no céu radiosa de esplendor,
- e a minha alma de errante sonhador
seguiu-te o vulto pelo mundo afora...
E como aquela flor que se enamora
da luz do sol, tal como aquela flor,
- acompanhei-te pelos céus, e agora
não te posso seguir no seu sol-pôr...
Partiste... Doloroso esse teu poente
que fez cair a noite da saudade
estrelando-a de angústias tristemente...
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Fiquei... tal como a flor ficou também...
- Ela à espera do sol, da claridade
e eu de uma Aurora que nunca mais vem!...
Bazar de ritmos
Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar
de ritmos, de sons, estranhos e diversos,
- onde canta a minha alma dentro dos meus versos
como num búzio canta e ecoa a voz do mar!
Quantos versos compus!... E que diversidade
de momentos... de estado de alma... nos meus sons!
- traduz bem um bazar, a minha mocidade
na confusão febril das suas sensações...
Sensações que são minhas, por meu Ser sentidas,
mesmo aquelas talvez mais rubras... mais bizarras...
- sinfonia de uma alma onde há notas perdidas
de violinos, pardais, pandeiros e cigarras!
Violinos, - nos meus poemas vagos, doloridos...
pardais, - nos meus trinados de alegria e amor...
pandeiros, - na cadencia ruim de meus sentidos,
e cigarras, nos versos cheios de calor!
Há dentro do bazar a estranha sinfonia
que escrevi para o mundo em toda orquestração,
- é a música da vida, um ser de cada dia
a desdobrar os "eus" da minha multidão...
Há ritmos que riem! Ritmos que gritam!
- vibrações como guizos finos e estridentes...
- emoções como sinos brônzeos e soturnos...
E, assim, nessa alternância, no meu Ser se agitam
- pedaços de rapsódias vivas e contentes...
- trechos emocionais e tristes de noturnos!...
Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar!
Há sonhos... ilusões... lembranças... e segredos...
Tudo isto para a vida criança vir comprar,
e insensível destruir meus últimos brinquedos!
Boa noite
Boa noite, meu amor, - diz boa noite, querida,
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,
a noite assim azul, cheia de luz, não vês?
Parece que nos chama e a sonhar nos convida...
O céu é aquela folha onde deixei perdida
a história de um amor, que te contei talvez,
- hoje, nela eu não creio, e tu também não crês,
- mas, para que falar nessa história esquecida?...
Boa noite, meu amor... Vê se sonhas também...
“Um castelo encantado... um país muito além
e um príncipe ao teu lado amoroso e cortês...”
Com o céu azul assim, talvez dormir consiga,
vou sonhar...vou sonhar contigo, minha querida,
vê se sonhas também comigo alguma vez!
Bonecas... bonecos...
I
Uma vez, apanhei a boneca mais rica,
a boneca mais rica e mais graciosa
que a minha prima tinha...
Na Corte, só formada de bonecas,
minha prima a julgava a mais formosa
e a elegera a rainha...
Foi certa vez - ainda me lembro bem,
era um garoto assim pelos seis anos
e por ouvir falar em coração,
quis ver se na boneca tão bonita
existiria um coração também.
E se isso quis saber
e se eu assim pensava,
era porque essa prima me mostrava
um boneco vestido de palhaço,
alegre e folgazão,
por quem - dizia ela muitas vezes -
tinha a boneca um grande amor oculto
e uma grande paixão.
Um dia, apanhei a boneca, e escondido
rasguei o seu vestido
e furando-a no peito com a tesoura,
vi, com surpresa, em vez de sangue humano
só pedaços de pano...
Não achei no seu corpo o que queria
e vendo que a boneca era vazia
e o boneco também,
o que senti na minha alma de criança
explicar já não sei,
- lembro-me apenas, e isso com certeza.
- tenho bem vivo ainda na lembrança -
que não achando os corações no peito
dos bonecos...
- chorei...
II
Hoje. .. vai bem distante esse episódio
nos sem-fins da memória,
e por certo talvez o esqueceria
se você não entrasse em minha vida
transformando o episódio numa história...
Em meu viver, você representou
o papel da boneca;
- eu, simplesmente,
fiz a criança de novo, e ingenuamente
mais uma vez a vida me enganou...
Ao descobrir, no entanto, o meu engano
vendo-a tão fútil
linda, mas vazia,
- já não chorei minha desilusão...
Mas fiz - com que tristeza!... - esta poesia,
invejando o destino dos bonecos
que nascem sem coração!
Borboletas
Aos casais... - ante a espessa ramaria
verde, e rendada ao sol deste verão
- livres, felizes, cheias de alegria
as borboletas pelos céus se vão...
Despreocupadas... pela floração
se perdem, numa inquieta correria...
- Onde foram?... e em que lugar estão?
Já não se vê o olhar que as perseguia...
Mas... de repente, voltam pelo espaço,
- trêmulas e amorosas de cansaço,
asas roxas e azuis coo violetas...
E invejoso pensei, vendo-as pelo ar:
- quem me dera nascer, viver e amar,
como aqueles casais de borboletas!
Carta a um amor do passado
Vou fazer este verso e o entregar. ao correio;
ele é a carta que escrevo a um amor do passado.
- Endereço não tem - e o meu maior receio
é que não chegue nunca e se perca no meio
da viagem, sem achar a quem foi destinado...
Escrevo-o muito embora - é que hoje necessito
recordar tempos bons quando eu era feliz,
- e ao pensamento vem enquanto assim medito,
um passado distante intérmino e infinito
que guardei para mim nas memórias que fiz...
Vou tentar, meu amor... (perdoa-me se ainda
quero chamar assim ao que não volta mais...)
- vou tentar revolver uma lembrança linda
que em meu peito não morre e em minha alma não finda
e ao meu viver de agora um sorriso me traz...
Não te lembras, bem sei... - não importa, no entanto,
tão feliz hás de ser que hás de julgar-me um tolo...
- mas eu que vivo sempre a amargar o meu pranto
que fiz da minha vida um grande desencanto
encontro na lembrança dele algum consolo...
.............................................................................
Mas, não... não devo mais procurar o romance
onde este amor ficou como uma flor sem vida...
Que a minha alma sozinha e plácida descanse
e guarde a flor que lembra uma indecisa nuance
- antes que ela desfolhe essa ilusão querida...
Não devo revolver cinzas quase apagadas
nem uma brasa extinta ao meu sopro atiçar...
Depois... a minha vida e a tua, hoje afastadas,
jamais hão de se unir: são folhas desgarradas
que nunca ao mesmo ramo hão de poder tornar...
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Perdoa-me portanto esta carta, se acaso
algum dia ela for parar em tuas mãos...
Ninguém sabe quem és... e assim, não faças caso,
ela é o raio de luz de uma ilusão no ocaso
e o sepulcro final dos meus desejos vãos...
Cartas
Vou correndo buscá-las - são tão leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
- por que as cartas que escreves custam tanto?
- por que demora tanto o que me escreves?
Não deves torturar-me assim, não deves!
- Do teu silêncio muita vez me espanto...
Mando-te longas cartas - e entretanto
como tuas respostas são tão breves!...
Recebes cartas minhas todo dia,
e elas não dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor... de coisas belas!
Tuas cartas... Mas dou-te o meu perdão,
- que me importa afinal ter razão,
se gosto tanto de esperar por elas!
Cheguei tarde
Cheguei tarde, bem sei... E após minha chegada
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido...
Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido,
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada...
Seguia-te outro vulto, - o alguém desconhecido
que primeiro encontraste em tua caminhada...
Partiste! ...E eras feliz, porque partiste amada,
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido...
Já não te vejo mais... Vai distante talvez...
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,
por onde tu partiste, um dia, certa vez...
Fiquei...Curtindo a dor de um destino atrasado...
- Sorrindo, por te ver feliz... Junto de alguém,
- chorando, por não ter mais cedo te encontrado!...
Chuva
Há tanto tempo que não chove assim!
O dia veste um céu triste e cinzento,
e ouço a chuva a cair como um lamento
no seu rumor monótono... sem fim...
Que estranha sensação de isolamento!
- Nem uma voz ouço ao redor de mim,
escuto apenas lá por fora, o vento
a desfolhar as flores no jardim...
Ninguém ao meu redor... ninguém me fala...
- e me deixo a ficar num tédio imenso,
na tóxica penumbra desta sala...
Que inquietude vazia há dentro de mim!
- Não sei se existo... não sei bem se penso...
Há tanto tempo não chove assim!
Cigarra morta
Vês... É uma cigarra morta, assas douradas
completamente roídas e estragadas,
levada pelas formigas...
Olhaste-me e eu te pude compreender...
Não diga nada, meu irmão, não digas,
- os poetas... as cigarras
não deviam morrer...
Confidência amarga
Ela veio, sentou-se ao meu lado e me disse
em palavras febris, sua história de amor...
Uma história comum, um sonho, uma tolice,
que fizera tão grande e amara com meiguice
a ponto de entregar seu coração em flor...
Falou-me sem sentir, em toda a sua vida
e no amor de alguém que a fez sofrer tão cedo...
Julgava-se infeliz... sozinha... incompreendida,
não sabia a razão por que fora esquecida,
e revelo-me assim seu íntimo segredo...
E cruzou seu olhar tão cheio de amargura
com o meu olhar surpreso, e num tom muito brando:
“... sei que você é um poeta e aqui estou à procura
de alguém para curar a minha desventura,
meu pobre coração abatido e sangrando...
...busquei-o sem cessar... aqui estou quase morte,
arrastando a minha alma após meu desengano,
venho da minha dor, bater à sua porta,
porque sei que você tem a voz que conforta
e pode compreender o sofrimento humano...
... conto-lhe o meu romance, a minha vida, e assim
faço-o meu confidente, e o chamo meu amigo...
- não me pergunte nunca as razões por que vim,
apenas sei dizer que escutei dentro em mim
alguém que me mandou aqui, pedir-lhe abrigo...
... confesso-me a você, é apenas confissão.
Não quero ser perdoada, e adoro os meus pecado,
espero uma palavra... um pouco de ilusão...
- o poeta é um sacerdote, e a sua religião
manda-o para falar de amor aos desgraçados...”
E silenciou chorando. O seu rosto pendeu.
Mortas nas minhas mãos as suas mãos ficaram.
Num segundo, o silêncio a nós dois envolveu,
depois... sentindo a luz do seu olhar no meu,
- contei-lhe a minha história... e outras que me contaram...
Disse de cor também, versos que ainda nem fiz,
e cheguei a inventar contos que nem sei mais,
- com o tempo... o seu sofrer, lentamente desfiz,
e um dia... - ela de novo, erguendo-se feliz
agradeceu, partiu e não voltou jamais...
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Ela que me chegou triste como uma palma
curvada - vi seguir sorrindo outro caminho,
tão outra... tão feliz... tão mudada... tão calma
que nem reconheceu que eu lhe dera a minha alma,
o pouco que era meu...e que fiquei sozinho...
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...O destino é afinal, irônico e insensível,
tronou-me o confidente da mulher que amei...
E eu para a ver feliz... fiz-me feliz - é incrível...
Sufoquei meu amor... amarguei o impossível...
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Mas quando a vi partir, não pude mais, chorei...
Depois...
Há de ser desta vez... Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga...
E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo: “minha amiga,
quero ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com o que me diga...”
Penso assim... E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrado, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois...
Basta vê-la... e em minha alma acovardada,
- já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois!
Derradeira inspiração
Este é o último verso onde talvez
a tua imagem seja percebida,
- o instante derradeiro em que te vês
a inspirar o meu verso e a minha vida...
Guarda-o depois das linhas que tu lês
morrerás... e hás de ser sempre esquecida...
- não tornarei sequer uma só vez
a falar na lembrança mais querida...
Este é o último adeus que ainda te dou,
- termina aqui a imensa trajetória
que o teu destino sobre o meu traçou...
Daqui por diante... avançarei sozinho,
e nunca mais te encontrarás na história
dos versos que fizer em meu caminho!
Despertando
Escancaro as janelas para o dia
nessa manhã de sol, quente e sadia,
em toda a sua intensa claridade...
E a alma da sombra é expulsa, ante a alegria
da luz que em jorros o meu quarto invade...
..........................................................
E eu vendo luz... Pensei: - ah! Se eu pudesse
- essa minha alma tão sombria e triste,
abrir ao sol que lá por fora existe
dourando as cousas e tornando-as belas!...
..........................................................
E fiquei a pensar: - ah! Se eu pudesse
abrir minha alma aos céus como as janelas!...
Despetalando
Vou traçando estes versos displicentemente
......................................................................
A mão vai caminhando a esmo no papel
como um bêbedo andando pela rua
a acompanhar seus passos distraídos...
Vou traçando estes versos indolentemente...
e eles traduzem... vagos... preguiçosos
as saudades e os gozos
que ficaram ressoando em meus sentidos...
Arranco-os... são pedaços de mim mesmo
cheios de ti, de ti que estás presente
dentro do meu amor,
vou traçando-os assim, bem displicente,
a esmo,
- despetalando tudo o que a minha alma sente
como quem despetala alguma flor!...
Destinos
A alma do poeta é assim como límpida corrente
rolando sem parar,
transformando os seus sons constantemente
na alegria incontida de quem sente
cada vez mais, vontade de cantar...
E o poeta, - é esse rio a encantar a floresta
refletindo em seu seio o esplendor dessa festa
de milhares de flores aos cabelos das matas
presas e penduradas,
enfeitando os cipós e bordando as ramadas
que sobre as águas pendem vaidosas demais...
O rio é o poeta, - e a sua alma, a água cantante
que refletindo a vida e as flores, passa adiante
e vai seguindo sempre sem voltar jamais...
E como o rio de águas marulhando
que em espumas seu corpo vai sangrando
na corrente que passa ora inquieta, ora calma,
- o poeta vai também a sua alma arrastando
sobre as pedras da vida, a ferir-se e a cantar,
e solta então seus versos como bolhas de ar
arrebentando em sons e espuma à tona da alma!
Pensando bem, - o destino de um rio
é o destino da gente,
- e a vida vai rolando a nossa alma a cantar
como a água vai cantando a rolar na corrente!
Digo que esqueço
Creio que te esqueci... de agora em diante
já não há nada entre nós dois, não há,
- achaste-me orgulhoso e intolerante
e eu te achei menos fútil do que má...
Foi um momento só... foi um instante
essa nossa ilusão, e hoje, onde está
aquele amor inquieto e delirante?
- Bem que pensava: - é falso! morrerá!
Sinto apenas que tenha te adorado,
e que hoje sofra em vão, inutilmente
procurando apagar todo o passado...
Digo que esqueço... que não penso em ti!
- Mas não te esqueço nunca, e justamente
porque fico a pensar que te esqueci.
Disseste
“Olha a noite! Olha o céu! A tarde vai partindo!
Empurrou-a no além um vendaval de luz...
- nunca pude supor que o céu fosse tão lindo
e a noite luminosa assim, nunca supus.
Há em tudo encantamento! A minha alma é enlevada
numa felicidade em suspensão pelo ar...!”
Disseste...
E eu te fitei, mas não te disse nada
porque tinha os meus olhos só para te olhar...
.........................................................................................
“Escuta! Ouve o rumor que transborda dos ramos,
na orquestração feliz dos pássaros nos ninhos,
- quantos sons dentro da alma, alegres, nós levamos!
- quantos sons no arvoredo à borda dos caminhos!
Tudo é vida, é harmonia, é música encantada,
-que magia me embriaga, infinita e sem par!...”
Disseste...
E eu te escutei, mas não te disse nada
porque só tinha ouvidos para te escutar...
“Levanta as mãos! Apanha!... Estes galhos floridos
pesados como estão, radiantes, multicores,
parecem se ofertar aos teus braços, vencidos,
quando soltam pelo ar um punhado de flores...
Fazem sombra e enflorescem todo o vão da estrada!
Colhe-os. Pára um momento para os apanhar!...”
Disseste...
E eu continuei, e não te disse nada
porque só tinha braços para te enlaçar!
Distração
Ao meu lado: - ninguém...
O olhar vazio da janela aberta
como a órbita fria de uma estátua
por onde fito o além...
..........................................................................
O luar entra em meu quarto, suave,
tão de leve,
em seu alvor de neve,
que eu só o sinto presente, quando a sua luz
na pontinha dos pés, atravessando o quarto,
sobre na minha mesa e indiscreta vem ler
o derradeiro verso que compus...
Nesses momentos... longe...distraído
deixo em minha alma outra janela aberta
para o recreio do meu pensamento
e onde se vai, sozinha, debruçar
minha imaginação...
E existe um outro céu... E existe um outro luar
que a encontrando vazia
e me vendo sozinho,
vai entrando em minha alma tão mansinho
que os seus passos nem pisam pelo chão...
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Esqueço sempre essa janela aberta,
não sei se por querer, não sei por que...
Talvez eu goste desse luar tão leve
porque ele entra em minha alma como a imagem
da imagem de você...
Pela janela do meu pensamento,
nas horas de tristeza e solidão,
você chega em minha alma
tão de leve
que eu vejo a sua luz por mim passando
e nem ouço os seus passos pelo chão...
E os teus olhos assim...
Nos teus olhos existe uma tortura imensa,
uma sombra de noite entre vagos clarões,
essa expressão inquieta e incerta de quem pensa
e vive o terror das interrogações...
E ao tempo que se esvai, cada vez mais se adensa
a noite em teu olhar ocultando aflições...
Parece que morreste, ou que sofres da doença
terrível da loucura ou das meditações...
A tua alma parou... A tua alma tão moça
não é como a água viva em loucas enxurradas,
mas como a água parada e morta de uma poça...
E os teus olhos assim... lembram, nessa negrura,
duas janelas rindo, aos céus, escancaradas,
numa casa vazia abandonada e escura!
Ele me disse
”Se te pertence a vida, se em verdade
muito mais do que andaste ainda terás,
se com a esponja da tua mocidade
apagas tudo o que deixaste atrás,
- esquece essa tristeza e as horas más,
crê na alegria e na felicidade...”
..............................................................
E eu apenas falei: - pensa e verás
que essa tua alegria é falsidade...
Confesso que a tristeza me apavora,
- mas para que de mim se desintegre
só matando a minha alma, onde ela mora...
E... tristeza maior, sei que ainda existe,
é essa tristeza de fingir-se alegre
numa alegria duplamente triste!
Eu abri os meus olhos
Eu abri os meus olhos para a noite
e o céu se debruçou sobre minhas retinas...
Eu abri os meus olhos para a noite
e a claridade entrou pela minha alma escura
como gritos de festa...
-e a escuridão ao rasgou-me ante os punhais da luz
cravados na minha alma,
como as clareiras cravam lâminas de luz
no corpo da floresta...
Dos profundos mistérios do meu Ser
num estranho rumor de asas rufando
veio uma sombra que era luz na sombra
e que brotou do chão,
- veio... pousou nos meus olhos abertos
e voou buscando o céu que viu lá fora
batendo as asas da imaginação...
..............................................................................
Senti-me como a estátua de mim mesmo...
O meu corpo ficou como uma catedral
sonâmbula e vazia
onde se côa a luz mortiça dos vitrais...
E a minha alma fugiu
(pobre alma sonhadora !)
pelos raios de luz dos vitrais dos meus olhos,
- tal como foge sempre
na ilusão de subir e não pousar jamais!...
Eu...
Não vês? - vai por ali passando neste instante,
tem o rosto sulcado... e as feições contraídas...
É uma vida, talvez, contendo muitas vidas
num destino impreciso e eternamente errante...
Não fala com ninguém... É vago e extravagante...
No olhar cheio de luz andam visões perdidas,
- quando chora, em seu pranto há lágrimas sentidas,
e quando ri, seu riso é mordaz e arrogante...
Despreza todo mundo... Anda consigo, a sós,
- não há quem lhe conheça os segredos do olhar,
nem quem lhe tenha ouvido a verdadeira voz. . .
Vai passando em minha alma. . . e nela se escondeu...
Se por ele algum dia eu for te perguntar, responderás: -
“é um louco!...” E eu te direi: - “sou Eu!...”
Exaltação ao amor
Sofro, bem sei... Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar... colher a flor...
Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!
Nada me impedirá que seja meu,
se é fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...
Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor...
Se esse amor não puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!
Exaltação
Gosto de te entrever na penumbra sensual
morna e doce do leito,
com os olhos semicerrados
onde a tua alma foge como um sol no poente...
e os lábios entreabertos
onde tua alma aflora como sol nascente!...
Gosto de te entrever, despida e quase nua,
na carícia dos momentos silenciosos
cheios de ânsias,
gemidos
e suspiros nervosos...
quando teus seios brancos, brancos, da cor da lua,
ou como luas túmidas, talvez,
parecem quartos crescentes
fugindo do teu vestido
e anunciando o esplendor das luas cheias
despontando na sombra em completa nudez!
Gosto de te sentir a carne luminosa
quando, através do tato, eu te admiro e vejo
como uma mancha branca na penumbra,
uma estranha e envolvente nebulosa...
Uma estranha e envolvente nebulosa
que me abraça
me cega,
me alucina,
e põe na minha boca um gosto de desejo
e deixa na minha alma uma impressão divina...
Gosto de te sentir... de descobrir teu corpo
feito de leite e luar,
feito de carne e luz,
e entontecer meus olhos deslumbrados
e pousar os meus lábios excitados
sobre os bicos pequenos dos teus seios nus.
Gosto de te sentir tateando nos meus dedos,
enchendo as minhas mãos ansiosas e vazias
e infiltrando-se em mim... em minha alma... em meus nervos...
como a aragem que é a vida e a alma dos arvoredos...
E vem-me esta impressão, quando estamos unidos
completamente sós,
que misturamos todos os sentidos
e que somos, assim, como troncos fundidos,
pelo abraço amoroso e estreito dos cipós!
Gosto de te sentir bem junto, palpitante,
desabrochando desejos,
multiplicando emoções,
para ao contato ardente do teu corpo
esculturar-te inteiramente em minhas mãos - que loucas!
na escultura mental das minhas sensações!
E gosto de esquecer de mim mesmo e de tudo,
mergulhar o meu rosto em teus cabelos negros,
onde há a frescura da noite
e um cheiro de mato em flor,
e vendo um céu maior que o êxtase descerra
atingir o Infinito e despencar na Terra
vivendo a sensação de que morri de amor!..
Exortação
Sonha, poeta!... O sonho é o entorpecente,
o mais sublime tóxico do mundo,
a morfina ideal do teu viver...
- sonha um sonho infinito, azul, profundo,
indefinidamente,
e esquece a vida que tu tens presente
pela vida maior que há no teu Ser!
Esquece tudo, o próprio mundo esquece,
e esquece a tua vida, porque a tua vida
vale mais se a souberes fazer grande
e cada vez maior
na tua exortação...
Se o teu destino é estranho e é diferente,
se não nasceste igual a toda gente,
- ensina o canto livre e a vida nova
aos Prometeus da Razão!
Faze tu mesmo, o teu próprio Universo,
- tua terra
- teu céu
- tua vida
- teu verso...
E o Universo dos homens que te importa então?
Sê louco!... Que a loucura é essa subida
de pequenez restrita da verdade
à grandeza infinita da Ilusão!
O teu sonho não traz o pedestal na terra,
teu espírito é assim como um condor boiando
nos espaços azuis...
Sobe... devassa os céus, de lado a lado,
vê se existe algum poeta, além, por outros mundos,
esse poeta que à noite escreve com as estrelas,
não tendo ao solo acorrentado os pés!
Sonha, poeta!... Eu quero ver-te aflito
sacudir os teus braços na amplidão
a ferir com teus dedos o Infinito...
E ao baixar tuas mãos,
de novo ao vê-las,
hás de exclamar, tenho-as de ouro e lilás!
e olhando para o céu
verás o céu sangrando
de estrelas,
e as tuas mãos, a transbordar estrelas
assombrado verás!
Não trouxeste o destino de arrastar
a tua ânsia na terra
onde os homens pregados vão de rastros...
Solta a tua alma azul no espaço azul,
os teu sonhos semelham-se a bandeiras
fremindo ao vento no cordel dos mastros!
- vai brincar com os cometas sem destino
e conversar com os astros!
Sonha! Que este sonhar só bem te faz!
Sê sempre o mesmo:
Um louco!
Um incomum!
Não te sujeites a domínio algum,
e que o teu sonho não acabe mais!
Fatalismo
Se eu for contar, hão de sorrir talvez...
- é o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre...
Morreu... e que se apague de uma vez,
- que dele nada subsista ou sobre...
- onde a pureza e o amor?... se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.
Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado!
Que o guardem!... Para os ricos! Para os reis!
- o amor que eu quero não tem preço ao lado,
não tem correntes, nem conhece leis!
Filosofando
Interessante!...
Aquele passarinho
que pelo espaço imenso, incerto, adeja
não tem nada
porque nada deseja,
e no entanto tem tudo:
a terra verde é sua...
o céu azul é seu...
Interessante!...
Aquele passarinho
tem muito mais que eu!
Fraqueza
Entrei não sei por que na catedral sombria
muito alta... muito grande... e sonora... e vazia,
numa vaga penumbra entre imensos vitrais...
Distante... bem na sombra, os altos castiçais
pousados sobre o altar e segurando as velas
enfeitavam de luz as imagens mais belas...
Um silêncio profundo... Os seus passos ecoavam
sobre as lajes do chão, e os vultos que passavam
vez em quando ao meu lado eram sombras curvadas
de místicas talvez... de pobres desgraçadas...
No ambiente, um ar pesado e estranho, essa impressão
de suave morbidez que enche a alma e o coração
nos instantes de dor, de silêncio e tristeza...
Sussurros de orações... Muitas sombras de costas
recurvadas em prece, olhos baixos, mãos postas,
humilhadas na fé, ante os pés de Jesus...
Entrei na catedral cheia de sombra e luz
não sei por que, não sei... e senti na minha alma
uma paz interior... uma infinita calma
inundando o meu ser, fazendo-o sossegar...
e depois que saí... cheguei mesmo a invejar
dentro do meu descrer... dos sofrimentos meus
o destino de alguém que acredita num Deus...
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Um segundo depois sorria... Era a descrença...
que voltava a anunciar sua amarga presença...
Fugitivo
Sou moço, eu sei... Mas já vivi bastante...
Para a vida acordei cedo demais...
- Vou seguindo no entanto sempre adiante,
nunca voltando o rosto para trás...
Muita vez me interrogo: - aonde tu vais
ó caminheiro, em teu destino errante?
- Mas vou sempre avançando... e avanço mais
vendo o caminho se alongar distante...
Fugitivo da minha própria vida,
- ando atrás da ilusão que não se alcança
para esquecer uma ilusão perdida...
E hei de atingir essa felicidade...
- sempre seguindo os passos da esperança,
e fugindo às passadas da saudade!
Glorificação da dor
Sofro... Sinto que sofro... E esse Deus sofrimento
não consegue destruir o meu Ser triunfante...
Tenho a taça da dor entre as mãos, transbordante,
e hei de bebe-la inteira, aos poucos, sem lamento...
Sinto sede de dor... Saboreio o tormento
que envolve a minha alma e me incita a que cante...
- é sofrendo que avanço, a dor é o estimulante
para a minha ascensão aos céus, sem desalento...
Molho a pena em minha alma e rabisco estas rimas,
e tenho para mim, que as minhas obras-primas
se alguma vez na vida as conseguir compor,
serão filhas da dor... expressões do martírio
porque o artista é maior quando atinge o delírio
como o gênio é mais Gênio embriagado de dor!
Gotas
Na ponta de uma folha há uma gota indecisa,
vai crescendo, redonda, pequenina,
límpida e cristalina
como o esquife de um raio de luz...
De repente
a aragem tênue que passou
tremulou,
caiu...
E a gota pequenina sobre a terra fofa
desapareceu,
e o esquife de cristal partiu-se, e pelo espaço
livre, o raio de luz ressuscitou...
fugiu...
Eu conheço outra gota parecida:
a vida...
História de um orgulho
I
Conheci-a orgulhosa, a fronte erguida e altiva,
nessa expressão de império e superioridade,
- possuía uma atitude estranhamente viva
e a sua maior glória era fazer-se esquiva
ao domínio de alguém que a amasse de verdade
Gostava de saber-se amada - e o seu olhar
tinha então certa luz de incontida alegria,
- mas seu prazer maior, notava-se em seu ar
ousado - era o prazer de poder dominar,
já que nunca ao domínio se curvar sabia...
Linda, era inconstante, em suas afeições,
e quanta história ouvi falando em seus amores...
Culpavam-na da dor de muitos corações
que ela fizera encher de vagas ilusões
para os despetalar como se fossem flores...
Tinha sempre um sorriso a lhe bailar na boca,
num momento era criança e logo após, mulher...
- “É adorável...” dizia alguém, e um outro: - “É louca...”
Trazia uma atração que bem sei não é pouca,
e havia no seu todo um mistério qualquer...
II
Foi assim: no momento em que a encontrei
senti que seu olhar foi frio e displicente,
julgava-se rainha... E eu então como um rei
displicente também com o seu olhar cruzei
e falei-lhe num tom cortês e indiferente.
O tempo foi passando. A vida foi seguindo
o seu curso normal, e a encontrei muitas vezes...
Uma festa... um passeio... um chá... E um dia lindo
quando estávamos sós, ela estranhou sorrindo
que só me conhecesse apenas há dois meses...
Eu (nem sei mais por que...) - talvez por prevenção
tratava-a sempre bem - mas tudo o que dizia
tinha oculto um sentido incerto, onde a afeição
guardava quase sempre uma vaga expressão,
com um pouco de altivez e um pouco de ironia...
E concluí por fim, que na minha presença
ela não tinha mais o antigo ar superior...
Cerrava o seu olhar, assim como quem pensa,
e notei, muita vez, uma ternura imensa,
bem dentro da sua alma, a inundando de amor...
............................................................................
Uma tarde... nós dois, a sós, nos encontramos,
nos seus lábios havia a inquietação de uma ânsia,
nos seus olhos dois sóis... nos seus braços dois ramos,
- mudos... por muito tempo, unidos nós ficamos,
olhos longe no céu, perdidos na distância...
Ia a noite chegando... E entre clarões, o poente
era um lenço de adeus, colorido, a partir...
Nessa hora, junto a mim, senti seu rosto ardente,
e havia no seu corpo uma alma diferente
que não sabia mais negar... nem discutir...
Estreitei-a submissa... meiga... quase escrava...
a boca se entreabria úmida de desejo,
- pelos olhos, sua alma inteira se entregava
e enquanto a sua mão na minha desmaiava
desfaleceu vencida... e rendeu-se ao meu beijo...
III
Conheci-a orgulhosa, altiva e arrogante,
nesse estado de alguém que não sabe o que quer...
Hoje, tenho-a de encontro ao peito, terna e amante,
- maldizendo esse tempo em que foi dominante...
- bendizendo este tempo em que é apenas mulher!...
Incerteza
Desde a manhã tristonha em que partiste
que não posso pensar senão em ti,
tenho a louca impressão que te perdi
que nada mais entre nós dois existe...
Ao te ver a sorrir, como sorriste
no instante da partida, compreendi,
- que talvez, nunca mais voltes aqui...
- que hei de viver eternamente triste...
........................................................................
Por que tu me deixaste a duvidar?
Preferia mil vezes a certeza,
Já que um dia a certeza há de chegar...
Nem sabes a amargura que me invade,
- a vida que hoje levo, é uma tristeza,
um misto de tristeza e de saudades!
Inutilidade
Tenho vontade, as vezes, de sair da vida,
bato asas sofregamente
até que cansado jogo-me em mim mesmo
e desperto na queda da inutilidade...
Invejo o destino livre da fumaça,
tenho pena de mim,
tenho pena dos homens,
vendo aquele besouro a procurar espaço
e a bater na vidraça...
Inutilmente
Há de ser desta vez... Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga...
E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo: - “minha amiga,
quero, ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com que me diga...”
Penso assim... E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrando, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois...
Basta vê-la e em minha alma acovardada,
- já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois !
Linda
Intimamente sinto uma grande vontade
de não mais duvidar do que você me diz,
- de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz...
Quero crer... na inconstância e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que é meu o seu amor, só meu...
de mais ninguém...
Quero nessa ilusão - minha íntima esperança
transformar na feliz e invejável certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança...
Mas é inútil, bem sei... A dúvida não finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
não sei como confiar em quem nasceu tão linda!
Linhas paralelas
Compreendemo-nos sempre incompreendidos,
como dois orgulhosos, sempre assim,
- não gostava de ti... nem tu de mim...
afirmávamos ambos convencidos...
Isso dava-se outrora, em tempos idos,
antes do nosso amor chegar ao fim...
- hoje, depois de tanto orgulho, enfim,
nem somos vencedores nem vencidos...
Foi pouco tempo de namoro o nosso,
- não me esqueces no entanto totalmente,
como de todo te esquecer não posso...
Linhas iguais... Nascemos como um par
que, em paralelas, orgulhosamente
há de seguir sem nunca se encontrar!...
Mãe
Era pobre... infeliz... bem pequenino
tronou-se um revoltado - e, certa vez,
dormiu nas lajes frias de um xadrez
por andar pelas ruas sem destino...
Votou-lhe a sociedade onde se fez
o desespero e a dor - e ainda menino
por ter fome - roubou; fez-se assassino
em defesa legítima, talvez...
Acabou como um pobre encarcerado,
o mundo o desprezou - e ele, sozinho,
só teve um ser que lhe ficasse ao lado...
Olhos mortos... cansados... já sem brilho...
E uns lábios que diziam com carinho:
- assassino e ladrão... mas é meu filho!
Mas para que contar?
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso... um olhar...
- como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar...
Quando passas assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para a frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto... e vais seguindo displicentemente...
- eu penso com tristeza em tua hipocrisia...
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencido
e que um dia choraste... e que choraste um dia...
Mas para que contar?... Que sejas sempre assim!
E que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar para mim!...
Mas... sorriste!...
Quando ficaste nua... inteiramente nua...
vi-te como uma estátua em tua perfeição,
e não ousei me aproximar sequer...
......................................
Mas sorriste...
E o teu sorriso quebrou todo o “encanto”...
- Matou em mim o artista... e o homem despertou!
- Matou em ti a estátua... e surgiu a mulher!
Meu primeiro amor
O meu amor primeiro... o meu primeiro amor,
foi anseio, e viveu na incerteza de uma ânsia,
- botão que não se abriu... que não chegou a flor,
- um pedaço de céu, quase limpo e sem cor
perdido nos senfins azuis da minha infância...
Silhueta a se apagar, mas que o meu Ser divisa,
uma emoção feliz que nem foi emoção...
- nuvem leve a fugir aos impulsos da brisa,
tênue... vaga... sutil... bem distinta e imprecisa,
passando na memória do meu coração...
O meu primeiro amor, - um vulto que esqueci
num canto da lembrança a dormir empoeirado,
- um rosto que apagou porque nunca mais vi,
- um quadro que se esvai, e que deixei ali
esquecido no sótão velho de um passado...
Alma de uma ilusão pequenina e simplória
que se dissolve em mim... e aos poucos se desfaz...
parece outro destino, outra vida, outra história,
quando o tento arrancar das sombras da memória
tão longe... que ao lembrar-me... eu nem me lembro mais...
O meu primeiro amor... A primeira esperança
que abriu asas de sonho a procurar o além,
- hoje, é apenas lembrança a brincar na lembrança
levado na tristeza do que não se alcança,
na saudade de tudo o que nunca mais vem!
Pétala que entre um livro amarelou, perdida,
há muito tempo, há muito tempo... por alguém que o leu,
- e hoje, ao encontrá-la, seca e fenecida
no romance sem fim da minha própria vida
nem sei se quem a pôs entre as folhas fui eu...
O meu primeiro amor... O meu amor primeiro,
foi uma história azul dessas de; era uma vez;...
- uma história feliz... um conto verdadeiro
que um dia o meu Destino, um velho feiticeiro,
quis fazer mas não soube terminar talvez...
Minha glória primeira... e o meu maior desejo
de crescer, de subir, de explicar o Universo!
Passou... Foge de mim... mas ainda o sinto e o vejo,
- porque ele é a sensação do meu primeiro beijo
e a impressão imortal do meu primeiro verso!
Moleque
Eu fui moleque como ninguém!
Desde cedo andei nas ruas entre os bandos
dos filhos dos pobres,
andei descalço... e apanhei muitas surras
por faltar às lições...
Tinha orgulho de ser o mais ousado
e sempre o mais sabido,
e era tão atrevido
e malcriado
que muita vez soltava sem querer
uma gíria de feios palavrões...
Houve um tempo em que na rua em que eu morei
o nosso futebol
era a maior de todas as desgraças...
Que o dissessem as janelas que se abriam
em desaforos e ameaças
- e que eram apenas janelas,
pois já não tinham vidraças...
Do nosso grupo, todos se afastavam,
era o terror das mamães
que chamando os seus filhos, avisavam:
“- não quero ver vocês junto a moleques,
esses não servem para companhia...”
E quantas vezes não sorri, ouvindo
a mesma frase
que ao chegar em casa
para o moleque-mor, mamãe dizia...
Como me lembro desse velho tempo
eternamente criança em meu passado,
- como me lembro bem !
E ainda hoje sinto orgulho quando penso
no garoto que fui, tão malcriado,
moleque como ninguém!...
Mosaico
Cada verso que escrevo, vez em quando
retalho-o da minha alma, e assim um dia
terei a colcha imensa da poesia
que com a agulha do ideal vou costurando...
Um verso... um outro mais... e enfim um bando
de versos, e a minha alma - quandiria?
- com os pedaços da minha fantasia
vai de novo em meus livros se formando...
É o jogo de paciência do meu sonho,
que vou fazendo aos poucos, muito em calma,
com as pedrinhas dos versos que componho...
Solto-os... E embora os deixe assim dispersos,
vou desenhando a imagem da minha alma
sobre o estranho mosaico dos meus versos !
Música
Silêncio... Solidão... - sinto pelo ar que existe
em surdina, no céu, tempestuoso e cinzento,
- um ritmo... um compasso... um solo muito lento...
de uma obra de Chopin... nervosamente triste...
Repentinos clarões !... Lá pelo espaço se ouvem
entre a voz dos trovões e os sons das ventanias,
os brados de aflição... de estranhas sinfonias
lembrando a orquestração da “nona” de Beethoven...
Há música nos céus... Há música em minha alma...
Ficou na natureza um Liszt interpretando
a rapsódia de amor que enche a noite de calma...
Já não há no infinito as tormentas e o caos...
- O azul, traz de Mozart o tom sereno e brando,
e o arvoredo cicia as músicas de Strauss!...
Negativo
Me sinto como se estivesse dormindo
e sonhasse com a vida...
- como se tudo passasse ante meus olhos
numa corrida louca de sombras...
Minhas mãos são dois vultos decepados
dois seres estranhos de cinco pernas
dançando sobre o teclado a dança sonora do pensamento
Os sentidos são cinco caminhos dentro da noite
procurando o desconhecido
Meus olhos fugiram das órbitas,
ficaram boiando ante as minhas sugestões
como duas luas sem céu...
e eu vi com esse olhar de sombra das minhas órbitas vazias
o avesso das cousas e dos seres
um Universo negativo de sombras irreveladas...
Os homens são todos negros,
todos sombras negras que são brancas
no negro bem mais negro das paisagens negras....
Meus olhos estão me olhando com suas pupilas de lua
e estou olhando os meus olhos com meu olhar de estátua...
Vivo segundos de sugestão
de uma vida por dentro, feita em baixo relevo
como se a minha imagem imprecisa e distante,
estranha como um borrão de tinta
não se estivesse definido
nem se tivesse fixado sobre a realidade...
Me sinto como se estivesse desligado os sentidos
dos meus próprios sentidos,
como se estivesse dormindo
e sonhasse com a vida....
Noite de Junho
Escancaro a janela aos céus, de par em par...
Noite fria de junho. O céu negro e cinzento.
Lá na altura há balões tocados pelo vento
e há foguetes rasgando a amplidão, sem parar...
Sem querer... sem sentir... eu me ponho a pensar
e a saudade me invade o peito e o pensamento...
- A luz dos foguetões, de momento a momento,
é um cometa sem rumo em difusão pelo ar...
A cidade está quieta... Os ruídos distanciados
dos fogos ; muito ao longe, espalham nostalgia
por sobre a placidez friorenta dos telhados...
E ao jogo dos balões que o céu todo acendeu,
vai passando em minha alma a visão fugidia
de um antigo S. João que há muito já morreu!...
Noite
Há na expressão do céu um mágico esplendor
e em êxtase sensual, a terra está vencida,
deixa enlaçar-te toda... A sombra nos convida,
e uma noite como esta é feita para o amor...
Assim... Fica em meus braços, trêmula e esquecida,
e dá-me do teu corpo esse estranho calor,
ao pólen que dá vida, em fruto faz-se a flor,
e o teu corpo é uma flor que não conhece a vida...
Há sussurros pelo ar... Há sombras nos caminhos...
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos...
Astros fogem no céu... ninguém mais pode vê-los...
procuram, para amar, a noite mais distante,
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!...
Nuance
O céu lembra uma taça fina de cristal
sobre o mundo emborcada,
e a tarde,
lá na beira do horizonte
(talvez a imagem seja um tanto louca)
parece a marca rubra de uma boca
sobre o cristal manchada...
O acordar da cidade
A aurora despontou berrante como um hurra!
Nas olheiras noturnas do horizonte
o dia abriu os olhos...
E o sol gritou mil raios estridentes
e assustou as estrelas boêmias
e embriagadas
que ainda ficavam pelo azul perdidas
.As montanhas respiram,
e enchendo os pulmões
arrebentaram nos peitos fortes as vestes das nuvens
A terra sorriu feliz - e a dentadura branca das areias
das suas praias sem fim
foi lavar com a espuma fresca e dentifrícia das ondas
Enfim, completamente nu sobre o horizonte,
o dia jogou o balde do sol cheio de luz
sobre a terra,
e acordou a alma da cidade
em suas algazarras e escarcéus...
E a cidade abriu as pálpebras das cortinas de aço,
bocejou com o apito das fábricas no espaço
- se espreguiçou -
e então se levantou
erguendo os braços longos dos arranha-céus!...
O balão
Azul e cor-de-rosa, amarelo e encarnado
- um palhaço de gás, feito em papel cetim...
Ei-lo pronto e já aceso, o bojo arredondado
não tarda há de ser erguer pela amplidão sem sim...
A criançada da rua ajoelha-se ao seu lado
e ele arqueja ao calor da chama carmesim...
Há vivas!... Alegria!... E pelo céu, listrado
de louros foguetões, ei-lo ascendendo enfim...
Vai subindo contente, sem parar, sem rumo,
até que num momento, entre as luzes bordadas
no céu, - cai desmaiado, em vômitos de fumo...
Então... Põe-se a descer sereno... De repente
as crianças de outra rua atiram-lhe pedradas...
.........................................................................
E o balão cai do céu como cai toda gente!...
O destino de uma flor
Era um lindo botão
aquele, o do meu jardim...
Para enfeitar a jarra da tua vaidade
tu o cortaste da roseira
sem necessidade,
- a roseira de uma alma que floresce em mim...
...........................................................................
E na jarra da tua vaidade
o botão foi se abrindo, e aos poucos se fez flor
ao sol de uma ilusão... e na felicidade
de enfeitar teu amor...
Foi assim,
que algum tempo viveu esplêndida e viçosa
a rosa,
até que foi cansando o teu olhar...
E ontem, quando a apanhaste para pôr uma outra,
- outro lindo botão no seu lugar,
depois que tanto tempo a deixaste esquecida:
- ao toque da tua mão
por encanto desfez-se em pétalas no chão
a flor da minha vida !
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E só tu, não soubeste ver naquela flor
o fim de um grande amor!
O meu poema sem nome
(Nietzscheano)
Nasci trazendo na alma estranha confusão
fujo às vezes da vida e não desejo a morte,
- adoro o meu silêncio... odeio a multidão...
e desespero achar quem me ame e me conforte
Há instantes em que sinto uma necessidade
de fugir... mas alguém me diz:- deveis conter-vos!
E é a custo que consigo em tão forte ansiedade
amarrar-me e prender-me com os meus próprios nervos...
Nessas horas preciso a presença da Ausência
e vivo onde outro alguém morreria de tédio,
- na solidão retorno à calma e à sã consciência
e encontro no silêncio o meu maior remédio
............................................................................
Tenho em Nietzsche um irmão... vejo-o se os olhos cerro,
- a cabeça entre as mãos convulsas, pensativo,
cérebro iluminado e aceso corno um ferro
vermelho, cor de brasa, incandescente e vivo!
Sinto-o, nas convulsões de uma tortura imensa,
incompreendido e só, num meditar profundo,
só sabendo que existe porque sofre e pensa,
e a abismar-se sozinho no seu próprio mundo. . .
Vejo-o, - seu ar não sei se é o de um viciado de ópio
seus olhos nada vêem... olham para o interior...
- e o Pensamento, é como estranho microscópio
por onde ele examina a sua própria dor...
Selvagem. . . quase louco, a buscar-se a si mesmo,
sem amores que o prendam, afeições que o domem,
- um Diógenes genial, a andar inquieto e a esmo,
na incansável procura do seu super-homem!
E' Nietzsche o meu irmão!... compreendo a sua fuga,
o seu egocentrismo e o seu isolamento;
- há instantes em que nada o "eu" do meu Ser subjuga,
e é cósmico e fantástico o meu sofrimento.. .
.......................................................................................
Procuro a solidão... busco-a porque preciso,
sem saber afinal as causas e as razões,
sentindo o coração no peito, como um guizo
bater, sacolejando as minhas pulsações...
Os instantes em que eu vejo como demônios
os homens, e sem crer, mostro-lhes sempre a cruz,
- e me quedo a escutar o rumor dos neurônios
que cada pensamento ao despertar produz...
Depois... tento fugir até dos próprios pés,
não quero ver ninguém... nem ouvir um conselho...
- certa vez blasfemei: - quem és? sim, tu quem és?
E era eu a me fitar ante o cristal do espelho...
Desde esse dia, odeio os espelhos e os aços,
quero estar só, bem só, nos instantes de fel,
- até que a morte faça o meu Ser em pedaços
como em pedaços fiz o meu espelho fiel...
0 ruído me enlouquece !... A multidão me assombra!
Adoro o meu silêncio de silêncios feito,
- às vezes me incomoda a minha própria sombra
e irrita-me o pular do corarão no peito...
Enfastio-me até... da própria companhia,
faz-me mal escutar minha respiração,
- e é tão grande... tão funda... essa obsessão doentia
que eu quisera existir como uma abstração!...
O que amo em você
O que eu amo em você - é esse seu ar de meiguice,
esse tom de falar com tanta suavidade,
é esse olhar de carinho inundado de luz
e de felicidade...
O que eu amo em você - são esses olhos mansos,
pedacinhos de um céu todo cheio de luar,
e as suas mãos pequenas como duas conchas
dessas que andam bordando a areia à flor do mar...
O que eu amo em você - é essa fragilidade
dos gestos, na inquietude viva do seu ser...
- é essa doçura meiga... esse sorriso brando
que aflora sem querer em seus lábios brincando
sem que eu possa entender...
O que eu amo em você - é essa graça tristonha
que às vezes você põe no que diz ou que faz,
a expressão indecisa e vaga de quem sonha,
que me prendeu quase insensivelmente
e não me solta mais...
O que eu amo em você - é essa inquieta beleza
que um momento está viva... e outro instante nublada...
É esse orgulho sutil que a torna ainda mais linda,
é tudo isso afinal, e é muito mais ainda
porque não disse nada...
O que eu amo em você - é essa facilidade
de me contrariar, de fazer quase sempre
aquilo que não quero e que você deseja
sem me magoar sequer,
- é essa maneira sua de pedir, graciosa,
é esse poder estranho - essa atração estranha
de saber ser bonita... e saber ser mulher!
O verbo amar
Te amei: - era de longe que eu te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente
sente, que a alma da gente faz escrava...
Te amava: - como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar... E te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava!
Te amo: - e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo... e eu, vou te amando...
Te amar é mais que um verbo, é a minha lei:
- e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!
Orgulhosa
O seu rosto parece em mármore talhado
e o perfil faz lembrar uma fibra antiga,
- É linda e orgulhosa... e é preciso que eu diga
que é esse orgulho talvez, que me deixa encantado.
Transparece em seu ar, um todo de nobreza
e na figura altiva há uma expressão qualquer
que empresta a essa arrogância ousada de mulher
um todo de mistério e exótica beleza...
Guarda interrogações em seu olhar sombrio,
e me fascina e atrai, por ser dessa maneira,
- não sei se no seu corpo há uma alma prisioneira
ou se é somente estátua, e o seu corpo é vazio...
Fiquei preso a essa altiva e estranha indiferença
- mas seu gesto orgulhoso acendeu-me o desejo
de uma vingança atroz... de uma esperança imensa...
E hei de dar meu viver, para tê-la vencida,
sem orgulho e mistério, a implorar o meu beijo,
- sentindo-se mulher... humilhada e possuída!
Paisagem do silêncio
Tenho a janela para os céus aberta,
e entre a renda dos ramos da mangueira,
- timidamente a luz do luar se esgueira
e anda na sombra, vagamente, incerta.
A noite está de estrelas recoberta
e a “via-láctea...” a esparramar-se, inteira,
- parece uma florida trepadeira
abrindo os astros na amplidão deserta...
Sob a sombra das árvores, - no chão,
as rodelas de luz, tremeluzindo,
lembram moedas de prata em profusão...
É profundo o silêncio... tudo em calma...
Chego a ter a impressão de estar ouvindo
o rumor dos meus sonhos na minha alma!...
Paisagem...
Desde cedo há o passar dos caminheiros
quando ainda longe vem a madrugada,
e nas sombras da noite sossegada
vão despertando os galos nos terreiros
Há ruídos de carroças nos caminhos
e ouve-se a voz do boiador cantando:
-” Ô!... Arisco!... Ô!...” E no ar,
de quando em quando
há o rumor dos primeiros passarinhos...
Abrindo sulcos... machucando o barro
sob a força dos bois, vencendo a terra,
as rodas gemem, e que angústia encerra
os gemidos das rodas de algum carro...
Na frescura das matas orvalhadas
onde lampejam pirilampos no ar
vão se apagando as curvas das estradas
que se somem na noite a caminhar...
Pausadamente pelos céus ecoa,
numa impressão de indefinível mágoa,
o coá-coá de algum sapo de lagoa
que mora à beira de uma poça d'água...
Pelo alto... entre as estrelas aos cardumes
o Cruzeiro adormece para o Sul,
e as estrelas parecem vaga-lumes
mortos, num leito de veludo azul...
Empalidece todo o espaço exangue!
- e as estrelas feridas, apagadas,
fazem lembrar gotículas de sangue
à luz do sol nascente coaguladas...
De repente decide-se a batalha:
o horizonte da sombra se reduz!
E a granada do sol rompe e estraçalha
o azul dos céus numa explosão de luz!...
Partiste!... Voltarás?...
I
Dei-te tudo que tinha - era bem pouco,
sei bem que era bem pouco o que te dei,
- devia compreender como era louco
todo o sonho de amor que idealizei...
Quando passaste à minha porta, um dia,
a procura de um pouco de calor,
ofertei-te a minha alma, então vazia,
- e a minha alma se encheu toda de amor...
Aquela noite... - como vai distante!
- sentindo-te em meus braços, infeliz,
ao teu ouvido, como um terno amante,
disse-te coisas que ninguém mais diz...
Senti-te reviver... Dei-te outra vida...
Muitas horas velei teu sono - e assim,
com palavras de amor, adormecida,
tu te apoiaste a noite inteira em mim...
Quando o céu se tingiu com o vir da aurora,
eu, cansado, talvez... adormeci...
ouvindo o canto dos pardais lá fora...
Ao despertar... - senti a tua ausência ...
E desde então eu nunca mais te vi,
nem cruzaste jamais minha existência !...
II
Hoje tenho a minha alma diferente,
uma alma triste que não sei se é a minha,
- e o que sinto, bem sei - e o que ela sente
é a dor imensa de se achar sozinha...
Na saudade infinita que a consome
não tem ninguém à sua cabeceira,
e vai morrendo a murmurar um nome
numa prece de amor, que é a derradeira...
Vai dizendo o teu nome com tristeza,
e eu sofro... e tenho pena de a escutar.
- porque a vejo morrer, tendo a certeza,
tendo a certeza que ainda vais voltar...
Fiquei só Tu deixaste-me sozinho,
mas sentirás a falta dos meus braços,
e hás de voltar ansiosa de carinho...
No teu andar por essa vida em fora,
- ha de a saudade dirigir teus passos
para a pousada onde estiveste outrora...
Voltarás... E por certo arrependida
baterás novamente à minha porta,
a mesma, onde uma vez foste acolhida...
Baterás... E ninguém há de atender...
É que a minha alma, então, já estará morta,
- cansada de esperar... e de sofrer!...
Pontos finais
Todo o teu corpo é um poema
que não teria fim
na arrogância das linhas e das formas
túmidas e sensuais,
- se a natureza, sábia, não pusesse
nos pontos culminantes de teus seios
dois pontinhos finais!...
Pôr de Sol
(Aquarelas)
Pelo vão da janela escancarada
Tenho os olhos pousados no horizonte,
até que atrás da terra o luar desponte
na noite só de estrelas pontilhada...
Lá embaixo - como a fita de uma estrada
sob a arcada mourisca de uma ponte
as águas cristalinas de uma fonte
são o espelho da tarde iluminada...
Há chilreios na sombra do arvoredo
e no ouvido das árvores passando
o vento diz baixinho algum segredo...
Multiplicam-se as sombras nas quebradas.
e as nuvens lembram na distância, um bando
de pétalas de luz, ensangüentadas!
Prisioneiro
Nunca tive ninguém para entender
o meu chorar... o sofrimento meu...
Alguém que suavizasse o meu viver
onde um resto de vida se perdeu...
Ninguém pôde jamais me compreender,
porque a minha alma estranha já nasceu...
Vivo sozinho dentro do meu Ser
no cárcere infinito do meu “eu”!...
Adoro esse Universo em que me abismo
quando encontro ao meu lado a solidão
na mesma cela onde a sofrer eu cismo...
Sou desse mundo à parte, prisioneiro!
E a prisão onde vivo, é urna prisão
em que o preso é o seu próprio carcereiro!...
Psicologia
Foi hoje que notei: - em nosso face a face
encontrei teu olhar, e assim como se deve
fazer em tal momento, um cumprimento leve
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse...
Foi hoje que notei: - tu passas orgulhosa
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo,
- voltaste o rosto até, assim como quem posa
e foste indelicada a um teu sincero amigo...
Perdôo-te... É que sinto o quanto me adoraste,
do contrario, farias como eu faço, enquanto
não nego um cumprimento ao ver que tu passaste...
Ainda sofres, bem sei... És tolinha demais...
- foi tanto o teu amor, e o teu amor é tanto
que ao passares por mim nem cumprimentas mais!
Quadro
Pelo vão da janela escancarada
tenho os olhos pousados no horizonte,
até que atrás da serra o luar desponte
na noite só de estrelas pontilhada...
Lá embaixo, - como a fita de uma estrada
sob a arcada mourisca de uma ponte
as águas cristalinas de uma fonte
são o espelho da tarde iluminada...
Há chilreios na sombra do arvoredo
e no ouvido das árvores, passando,
o vento diz baixinho algum segredo.
Multiplicam-se as sombras nas quebradas,
e as nuvens lembram na distância, um bando
de pétalas de luz, ensangüentadas!
Quadros de Verão
(Aquarelas líricas)
I
Céu limpo. Na alvorada cor de sangue
as estrelas se afundam
e vão perdendo a luz como pupilas baças...
Tudo é luz de repente!... E o céu azul... azul...
de ouro todo se encheu,
nem um vulto lembrando o desenho das nuvens
como errantes fumaças...
A terra é verde... o mar é verde... é verde a vida
que desponta em botões arrebentando a terra...
- algazarram em bandos loucos, como folhas
levadas pelo vento em escarcéus
nas estradas sem fim, os pássaros, que os ninhos
trocaram pelas sombras dos caminhos
e pelas amplas vastidões dos céus...
Salpicando as campinas... sobre os campos
as borboletas de asas multicores
confundem-se com as flores,
- e que estranha e que linda confusão!...
(As borboletas, como flores vivas,
fazem roda pelo ar,
- e as flores - lembram mortas borboletas
que deixaram as asas pelo chão
e não puderam nunca mais voar!...)
II
As horas rolam... passa o dia... e a tarde
não tarda vai fazendo o céu violeta
- e o calor não sufoca... e o sol não arde...
O poente faz lembrar uma palheta
de exótico pintor,
e o céu, é um quadro cheio de poesia,
é como um poema de policromia
que poeta algum jamais pôde compor!
Há de novo algazarra pelos ramos,
estranhas algazarras
que enchem de sons as árvores inquietas...
e a música e o zizio das cigarras
nas milhares de estrídulas fanfarras
ocultas na ramaria,
espalham pelos céus a orquestração
da sinfonia verde do verão
ao fim de cada dia !...
III
Noite alta... pelas matas sossegadas
os vaga-lumes surgem nas ramadas
como brotos de luz!
No espaço... vão voltando novamente
as estrelas, e em pouco todo o céu
vibra... palpita... e entre clarões transluz...
Luz no céu... luz na terra... E nos tranqüilos
ermos das sombras, sob as copas verdes,
onde o luar raramente se desata,
- há os ruídos - quase música, - dos grilos
que respondem às últimas cigarras
na quietude da mata...
Como um rebanho feito de algodão
as nuvens se amontoam lentamente,
e lentamente, tal como um rebanho,
que entre a relva dos astros caminhasse,
aos poucos vão fugindo... vão fugindo
num canto da amplidão...
A Lua ora se esconde... ora aparece
entre o rebanho imenso... e faz lembrar
uma poça no céu, cheia de prata,
onde os cordeiros todos, vez em quando,
vão de novo os setor pêlos pratear...
IV
Calor... não se balança uma ramagem
nem uma vibração
- cigarras... borboletas... passarinhos
pirilampos... estrelas... muita luz!
E no verde de toda natureza
os quadros... e as paisagens de verão
- que eu para os versos, sem querer transpus!...
Quando
Quando o pano das pálpebras cair
sobre o palco fechado das retinas
que já não podem ver,
e onde passaram todos os bonecos
e fantoches, que em vida me ajudaram
na pantomima estranha do meu Ser...
Quando as últimas luzes se extinguirem
após os derradeiros obstáculos,
e ficarem vazias minhas órbitas
como os grandes anfiteatros silenciosos
depois dos espetáculos...
Quando sobre o meu peito as minhas mãos de cera
gélidas se entrelaçarem
já sem vida,
como que se despedindo mutuamente
na última despedida...
Quando dentro da rocha do meu peito
o coração morrer... não pulsar mais,
e ficar enterrado no meu corpo
como os diamantes no interior da terra,
- trocando a sua vida humana e triste
pela vida feliz dos minerais...
Quando sobre os meus lábios entreabertos
ficar sorrindo um último sorriso,
- esse mesmo sorriso das estátuas
e dos corpos que uma alma já não tem...
Que ninguém chore ao meu redor!... Ninguém!
Mais razões haveria para o pranto
no instante em que no mundo despertei!...
E quem chorou? Ninguém chorou!
- no entanto
que ridículas festas me fizeram,
até parece que nascia um rei!
Que ao vir portanto o derradeiro dia,
o fim do meu penoso despertar,
- que haja música, risos e alegria
e que eu, apenas eu, tenha o direito
de, ao deixá-los na vida, interiormente
no meu sorriso à morte,
soluçar...
Razões
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso... um olhar...
- como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar...
Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto... e vais seguindo displicentemente...
- eu penso com tristeza em tua hipocrisia...
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste... e que choraste um dia...
Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!...
Se...
Se eu pudesse parar a minha vida
e dar eternidade a um só momento,
se eu não tivesse o meu destino preso
ao destino das coisas nos espaços...
Se eu pudesse destruir todas as leis
e dentro do Universo que se move
para meu mundo:
havia de escolher esse segundo
em que Você estivesse nos meus braços!
Ser ou não ser...
I
Às vezes fico triste... É profundo esse tédio
que intoxica a minha alma e não sei de onde vem...
Meu coração é assim como um presídio imenso
onde há milênios vivo em sombras, sem ninguém...
Nem um ruído de passos que se arrastem,
leves como os passos dos monges dentro dos conventos...
Nem um canto de folhas ao sabor da aragem
nem o menor rumor de asas soltas aos ventos...
A escuridão fechou-se dentro de si mesma
e a solidão correu de si mesma, e fugiu!
O silêncio morreu no esquife do silêncio
e em silêncio, o seu próprio enterro conduziu ...
................................................................................
Na escuridão total do meu próprio homicídio
quando tu me apareces nessa escuridão,
vens... para me lembrar que vivo num presídio,
como um raio de luar que iluminando a cela
reflete da janela as grades sobre o chão...
II
Trazes-me essa ânsia vaga e inútil dos que sofrem...
Lembras-me o meu viver de enclausurado e monge...
Depois... quando te vais... E me encontro mais só
como te sinto na alma cada vez mais longe!
Há em mim esta tortura dos que já cansaram
de andar, e não desejam procurar um fim...
Se há sombras que ainda vivem dentro de minha alma
nas brumas de meu tédio há fantasmas de esplim...
Sou o homem primitivo que ao meu Ser voltou,
a fonte de água pura onde ninguém bebeu,
sou o irmão de Ariel, que sobrevive anônimo
porque o outro de há muito o mundo já perdeu...
Para ser bem sincero, eu não sei quem sou eu...
Silenciosamente
Seguimos assim, juntos, felizes,
Juntos, felizes, pela vida a fora...
- Tu, no silêncio em que mais coisas dizes!
- Eu, no silêncio em que me encontro agora!
Meu passo há de seguir por onde pises!
E a tua mão, que em minha mão demora,
há de, com o tempo, até criar raízes,
unindo vida a vida, hora por hora...
Seguiremos assim, como bem poucos,
bendizendo na nossa trajetória
os que souberam como nós ser loucos...
Loucos de amor, ébrios de amor - seguindo
para um mundo de sonhos, para a glória
do silêncio que vamos repartindo!
Soldado
Por um momento treme... Ao seu lado sibila
o tiro cego... a bala inconsciente e voraz...
Dilatam-se-lhe os globos turvos da pupila:
quer pensar... quer fugir!... Mas já é tarde demais...
Pensa na sua vida, antes bela, tranqüila,
no campo verde, ao sol... nas farturas da paz...
E o combate!... ao seu lado, homens postos, em fila,
hão de semear a morte... e deixá-la pra trás...
Pensa por um momento em seu lar, em seu filho.
Receia ser covarde... E o dedo no gatilho
aperta, a perguntar-se em transe: que fazer?
Nesse instante, ouve um grito de comando no ar...
E apercebe-se então, autômato, a avançar,
que somente um direito lhe assiste: morrer...
Sonhadores
Há um cigarro a sonhar sobre o cinzeiro...
E eu vejo fugir seus sonhos
nas finas fitas azuis
da fumaça a subir pelo ar brincando...
Há um cigarro a sonhar - e ao vento que entra
pela janela aberta,
brilha um fogo em sua alma, e ele se acende
à proporção que em cinzas vai ficando...
...................................................................
Noutro cinzeiro eu sou como o cigarro abandonado
junto a uma janela aberta para o mundo,
sonhando fumaça azul que sobe no ar...
E o meu grande prazer... é, ao vento do destino,
que entra na minha vida,
- sentir essa volúpia que a minha alma sente
de se ir assim queimando, aos poucos... lentamente,
a sonhar... a sonhar...
Sozinho
Já tenho o eu destino há muito desvendado.
hei de ser sempre só... já não sei querer bem...
- depois que me prendi no amor... fui desprezado,
e hoje quero ser livre e não amar ninguém...
Começo um novo mundo. É estranho o meu passado,
e sigo para frente, olhos fitos no além...
- Sem Ter o que buscar, eu mesmo, desolado,
muita vez me pergunto: - a quem procuro? a quem?
Felizmente estou só... e ninguém me diz nada...
- há apenas uma luz na distância vazia
fugindo, e vai ficando mais vazia a estrada...
É tanta a solidão que ela mesma se assombra,
e enquanto se afasta a luz que ainda me guia
quer fugir de meus pés a minha própria sombra!
Supremo orgulho
Nunca soube pedir...Nunca soube implorar...
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta,
- há um brilho que incendeia o meu altivo olhar
de crente superior... de indiferente asceta...
Minha fronte, jamais, eu soube curvar
na atitude servil de uma existência abjeta...
Ninguém é mais que eu!... Ninguém... e este meu ar
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta...
Sou pobre - mas riqueza alguma há igual à minha,
- a mulher que eu amar terá a glória suprema
de um dia se sentir maior que uma rainha....
Terá a glória de saber o seu nome
perpetuado por mim nas estrofes de um poema,
desses que a História guarda e o Tempo não consome!
Tarde
Hora roxa da tarde... hora em que a alma sente
uma vontade louca de fugir da gente...
..................................................................
É a hora em que a alegria e a saudade
andam juntas no céu de lado a lado...
- até pareço vê-las...
A saudade da luz que vai fugindo,
levando um dia lindo,
e a alegria da noite que ergue os braços negros
por traz dos montes que se vão minguando
pelo infinito, a mancheias jogando
um turbilhão de turbilhões de estrelas!
Hora de acolhimento e de vagas tristezas,
hora de retornar...
Ao arvoredo voltam pelos céus em bando,
felizes, os passarinhos;
voltam também, mas nem sempre felizes,
os homens para o lar...
Todos voltam... os homens como os pássaros,
a noite volta... o luar também não tarda,
Há de vir novamente...
Mas o dia partiu ... Mas a luz teve fim...
Hora rosa da tarde... E eu sinto que a minha alma
incompreendidamente
sente um desejo louco de fugir de mim!...
Tormentas
Ouço lá fora o ruído da tormenta
e através do emabaciado da vidraça
- vejo um clarão que as nuvens despedaça
ao rimbombar de uma explosão violenta...
Há uma luta de massa contra massa
na amplidão que rasga e se arrebenta,
- e o vento chora, e o vento geme, e o vento passa,
e o vento grita, e o vento brada, e o vento venta...
E eu só... sozinho... este meus versos faço...
- Que bem me faz ver os clarões no além
como nervos de luz brechando o espaço...
E o que sinto - ninguém, certo, advinha,
só eu mesmo, talvez, porque sei bem
que ante essa outra tormenta esqueço a minha!
Torpor
Saíste neste instante...
Ainda há pelo ar suspenso
o perfume sutil que havia em teus cabelos,
e o leito ainda transpira as carícias de amor,
Deixaste-me sozinho...
E enquanto, a sós, eu penso,
sinto na minha boca esse sabor intenso
dos beijos que tu dás. . . E não posso esquecê-los
porque vive em meu corpo ainda o teu calor...
.........................................................................
Lá fora. . . num bocejo a tarde se espreguiça
e o dia se derrama pelo azul no poente...
Vagamente... no quarto, entra uma luz mortiça
que se vai apagando progressivamente...
As cousas vão fugindo entre a sombra que desce,
vão perdendo os perfis... dissolvendo-se no ar...
- no céu, há o misticismo errante de uma prece
e a terra em oração, recurvada, parece,
ante um Deus que estrebucha em sangue sobre o altar!...
............................................................................................
Cerro os olhos... No ambiente há amorosos cansaços...
Vem a noite... e abre o olhar dos astros nos espaços...
Tuas mãos
Estávamos os dois... sonhando... distraídos...
- completamente esquecidos...
.......................................................................
Nas minhas, tuas mãos, pequenas, delicadas,
deixava-as por querer, juntas, abandonadas,
nessa atitude de desejos vãos...
E eu sentindo-as assim, pensei - (linda mentira)...
- que para as tuas mãos a tua alma fugira
só para se sentir também nas minhas mãos...
Tudo... nada...
É isso mesmo a vida, - eu que tenho ao meu lado
a espera do primeiro gesto
mulheres que desprezo e que me tem paixão,
- imploro o teu amor, de joelhos, desprezado...
- És feliz, dizem uns; és querido e admirado;
outros dizem; - no entanto, eu sinto o coração
vazio, e ninguém sabe que em minha alma estão
presos, - um grande amor e um sonho imensurado...
- Podes ter aos teus pés o mundo e o que quiseres;
afirmam-me... E eu sorrio, amargurado e mudo
ante a oferta de amor de inúmeras mulheres...
Tanta cousa!... E a minha alma triste e amargurada!
- Que me adianta esse amor, esse mundo, isso tudo,
Se Tudo para mim, sem teu amor, é o Nada!...
Uma palavra a mais
Não devia mais existir nada entre nós dois,
- tudo já terminou... tudo ficou pra trás...
Este verso, no entanto, a minha alma o compôs
no desejo incontido e vão de sofrer mais!...
O destino entre nós - um dia - se interpôs
e eu vi que num segundo um sonho se desfaz...
Fora tudo ilusão ! E um segundo depois,
acordado, senti ter sonhado demais...
Já não posso negar ter tido um grande amor,
- foi ele que, ao partir, deixou minha alma inquieta,
a transformar em verso o sofrimento e a dor...
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Uma palavra a mais... Um verso a mais somente...
- ao desgraçado amor que um dia me fez poeta
e ensinou a minha alma a dizer o que sente!...
Vencido
Bem que te quis dizer as palavras mais duras,
gritar que te desprezo... que te odeio enfim...
fingir que já não tenho um mundo de tortura
no mundo de aflições que sinto dentro de mim...
Bem que quis te ocultar as minhas desventuras,
escarnecer da dor que ao meu viver deu fim,
relembrar a sorrir as tuas falsas juras
e ofender-te, e magoar-te, e me vingar assim...
Bem que tudo tentei. Mas nada consegui.
E maldigo-me agora, e sofro, e desespero,
porque não soube odiar... porque não te ofendi...
Foste cruel... Entretanto, em meu tormento atroz,
- foge-me a própria vida se esquecer te quero...
- se te quero ofender, falta-me a própria voz!
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