Bom dia - CAPE



FALA DO PROFESSOR MEL AINSCOW1

Bom dia. Desculpem, mas vou falar em inglês, então vocês terão que colocar seus fones de ouvido.

Vocês entenderam pela apresentação que tenho muitas e-milhas. É realmente um grande prazer estar aqui. Estive na conferência em Salamanca, onde surgiu a declaração de Salamanca sobre a qual estamos falando hoje. E acho que fez exatamente dez anos no mês passado. E não acho que nenhum de nós, que estávamos lá, percebemos quão significativo o evento era. E quão importante o documento seria para desenvolvimentos internacionais. E estar aqui no Brasil, em São Paulo, nesta maravilhosa conferência e ouvir os ilustres palestrantes que já falarem com tamanha paixão e compromisso em relação ao princípio de inclusão é para mim um sinal de que o trabalho que a Unesco realizou em Salamanca, na criação daquele diálogo teve um enorme impacto no mundo todo e é realmente um grande prazer estar aqui como parte da conferência.

O que quero fazer em minhas observações iniciais é na verdade desafiá-los a pensarem sobre onde se encontram aqui em São Paulo. Quero pedir-lhes para pensarem sobre os desenvolvimentos em seu sistema educacional, pois acho que foram muito rápidos. De vários modos, o Brasil é visto internacionalmente como um enorme caso de sucesso em termos da velocidade com que a educação foi disponibilizada a crianças em todo este enorme país. Então, vocês têm muito que comemorar aqui. Porém como em todos os países, incluindo o meu, existem ainda muito mais desafios a serem enfrentados, como ouvimos essa manhã dos distintos palestrantes.

Então em minhas observações iniciais, vou recorrer à experiência internacional para falar sobre a natureza da inclusão em educação. Vou particularmente pensar sobre quatro perguntas. Essas perguntas são questões sobre as quais acho que temos que refletir em qualquer sistema educacional, se desejamos progredir. Em primeiro lugar, o que queremos dizer com inclusão? O que queremos dizer com educação inclusiva? Acho que já tivemos algumas dicas úteis. Um dos palestrantes referiu-se à noção de inclusão como um princípio. Para todos nesta sala, quer sejamos os que definem políticas, quer sejamos gerentes, quer sejamos pais, ou um professor ou estejamos trabalhando em educação superior, tudo isso significa algo para todos nós. Se queremos fazer progresso, precisamos, todos nós, como vocês diriam aqui no Brasil, “vestir a camisa”. Ouvi nos últimos dias esta expressão sobre vestir a camisa. Acho que provavelmente está relacionada a futebol, mas não tenho certeza.

Vamos então dizer algo acerca da declaração de Salamanca. Publicada em 1994, após uma conferência de uma semana, na qual representantes de 92 governos, representantes que ocupavam cargos muito altos, e 25 organizações internacionais uniram-se para abordar a questão do que era o futuro do campo de educação especial. Agora, minha colega da Unesco enfatizou de modo correto que precisamos fazer esta pergunta no contexto da grande política das Nações Unidas de educação para todos. Acho que está absolutamente certa: trata-se essencialmente de educação para todos. E a discussão sobre educação inclusiva não deve ser separada dessa agenda mais ampla. E há um perigo de que seja assim porque estamos herdando de nosso passado uma experiência de termos sistemas educacionais paralelos: um sistema educacional geral e um sistema educacional separado que chamávamos de educação especial.

Salamanca está ligada ao ato de dizer: agora vamos unir isso. Vamos ver um trecho da declaração de Salamanca porque ela capta algumas idéias-chave que ouvimos na apresentação hoje de manhã. A primeira parte desse trecho não fala sobre escolas e educação, fala sobre sociedade. O argumento é que “o meio mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades receptivas, de construir uma sociedade inclusiva e alcançar educação para todos é através do desenvolvimento de escolas regulares”, uma frase que na verdade é emprestada da América do Norte. Para mim ela significa que a escola é o local da comunidade que a maioria das crianças freqüenta. O progresso que Salamanca defende é que devemos tornar essas escolas mais inclusivas, de modo a contribuir para o desenvolvimento de sociedades mais receptivas, democráticas. Isso nos lembra que nosso trabalho como educadores não se refere apenas a crianças, mas a adultos também. Está relacionado a preparar pessoas para construírem sociedades mais zelosas , mais receptivas, mais democráticas. E cada um de nós deve pensar sobre onde nos posicionamos como cidadãos em relação a esse tipo de filosofia.

A Segunda parte desse trecho da declaração fala mais especificamente, então, sobre o negócio da educação e o negócio das escolas, porque continua dizendo, “além disso, escolas regulares, com uma orientação inclusiva, poderão fornecer uma educação eficaz para a maioria das crianças, e melhorar a eficiência e em última instância, a relação custo benefício de todo o sistema educacional”. Agora, esse é um desafio real para nosso pensamento, e convido vocês a pensarem novamente onde se posicionam diante de tudo isso. Tomo isso como estar dizendo que podemos encontrar modos de tornar as escolas mais inclusivas, ou seja, torná-las capazes de apoiar a participação e aprendizagem de crianças que podem ser bastante vulneráveis, e que precisam de bastante atenção extra. Se conseguirmos fazer isso, o argumento é que as escolas serão melhores para todos.

Agora, qual é a sua posição? O que isso o faz pensar? Sei que em meu próprio país, se dissesse isso a um grupo de pessoas na rua, muitas delas iriam rir na minha cara. Muitas delas me diriam “isso é ridículo”. Se você vai ter crianças em uma sala de aula comum, você precisa de muita atenção extra. Você irá desviar atenção da maioria. Ficarão em desvantagem. Então, a idéia de juntar todos é simplesmente ridícula. Esse argumento é muito poderoso, tenho que admitir, em meu país e em outros países que visito. Então, estou pedindo que pensem sobre sua própria experiência, em seu próprio sistema de crenças.

Eu sei qual é minha posição. Não finjo ser neutro. Acredito que vocês todos perceberam isso. Sei que isso é verdadeiro. Sei que quando uma escola faz progresso real, na direção de se tornar inclusiva, as mudanças que faz no modo de pensar, nas políticas, nas práticas, nas relações a tornam um lugar melhor para todos, para todas as crianças, e, interessante, para todos os adultos que precisam trabalhar naquela escola, também. Sei que é possível, simplesmente porque já vi isso. Vi em muitos países. Vi esse tipo de progresso acontecendo em países economicamente ricos, e também vi progresso como esse em países muito pobres, como, por exemplo, em partes da África e partes da Ásia. Não quero fingir que é fácil. Certamente não estou sugerindo que seja algo que possa ser alcançado em dias, semanas, nem mesmo meses. Requer esforço sustentado no tempo. É necessário gerenciamento e liderança verdadeiramente hábeis para levar as pessoas a fazerem isso acontecer.

Agora, eu estava na conferência em Salamanca, como disse. Se vocês nunca foram a Salamanca, eu os estimulo a colocá-la em sua lista de visitas à Europa, porque é uma linda cidade medieval. Porém voltemos à conferência. As pessoas se divertiram, era junho, o céu estava azul. Todas as noites eram levadas para ótimos banquetes. Ouviam música flamenga. Beberam litros do ótimo vinho espanhol. Comeram a maravilhosa comida espanhola. Acreditem, na sexta-feira da conferência, aquelas pessoas assinariam qualquer coisa.

Então, o que estou dizendo é que isso é retórica política. Esse não é o mundo real. E eu e vocês precisamos viver no mundo real, com todos os empecilhos e todos os problemas. Porém mesmo assim essa retórica política nos oferece um compromisso. Nos oferece um compromisso internacional de andar em uma direção inclusiva. O que tenho visto acontecer nesses dez anos, é que em muitos países, pessoas como nós, pessoas com compromisso, pessoas que querem ver um movimento no sistema, conseguiram usar as palavras de Salamanca, o espírito de Salamanca para se unirem e progredir. E é por isso que esta conferência aqui em São Paulo hoje é tão importante. Porém, claramente, temos que transformar essa retórica em prática, fazer as coisas acontecerem de fato. O privilégio que tive, à medida que fui acumulando todas as minhas e-milhas nos últimos anos, de visitar muitos países e trabalhar com muitos professores e formuladores de política, tentando tornar aquele conjunto de princípios em ação. E quero propiciar-lhes uma forma de pensar sobre seu próprio sistema aqui em São Paulo baseado naquele trabalho internacional.

Estou resumindo-o na forma de um diagrama, que quero mostrar. E à medida que eu o mostro, quero que pensem sobre onde se encontram atualmente em São Paulo, sobre o que precisa ser feito para as coisas evoluírem. E estou usando essa idéia da alavanca. Emprestei isso de um autor de livros para gerentes no comércio e indústria, o americano Peter Senge. E ele afirma que alavancas são coisas que puxamos, que levaram ao movimento. E uma alavanca eficaz é aquela que requer esforço mínimo para obter impacto máximo. E ele afirma que o problema são as pessoas entusiasmadas. E ele está pensando em gerentes de pessoal em empresas. Então estou pegando a idéia e colocando-a no campo da educação. Ele afirma que ‘o problema de pessoas muito entusiasmadas é que tendem a prestar atenção a fatores com menor alavancagem, e trabalham com muito afinco neles, porém não têm muito impacto. E ele disse que é necessário estar mais atento a análise dos próprios sistemas, para se achar onde está a alavancagem. E então os esforços são dirigidos para aquelas áreas. O que estou fazendo aqui, de forma rápida, é simplificar o que de fato é um assunto muito complicado, é tentar apontar para coisas que acredito, de acordo com minha experiência, que possuem alta alavancagem para mover um sistema educacional para uma direção inclusiva.

No centro do meu diagrama, coloco as escolas, escolas locais, escolas de bairro, no caso de vocês, escolas estaduais que atendem a maioria das crianças aqui em São Paulo. Salamanca sinaliza uma mudança profunda no modo de pensar. A Secretaria de Estado fez referência a esses paradigmas. A idéia dos paradigmas, como vocês sabem, são formas de pensar sobre as coisas que estamos tentando fazer. E podemos ver as coisas de formas diferentes.

A forma tradicional de pensar sobre dificuldades educacionais tem sido a de explicar os problemas das crianças em termos de suas características, e o contexto em que vivem. Isso tem sido denominado modelo de déficit. Procuramos as coisas que estão faltando para as crianças, e tentamos endireita-las. Essa é a forma de pensar do passado. É a forma de pensar que leva a segregação em nossos pensamentos e em nossas ações. O espírito de Salamanca é uma mudança de paradigma. Exige que expliquemos dificuldades educacionais, não em termos dos déficits das crianças, porém em termos das limitações do sistema que fornecemos atualmente. Seu enfoque não é nas crianças em si, mas no ambiente em que as crianças são educadas. Então o ambiente chave que temos que abordar é a sala de aula e o ensino e aprendizagem que ocorrem, e a organização da escola que circunda e influencia o que os professores conseguem fazer.

O motivo para eu me encontrar em São Paulo esta semana é que eu tive a sorte de estar trabalhando em parceria com a Maria Alice Perez do CAPE e sua equipe, juntamente com a minha colega Windys Ferreira, e com o apoio do Conselho Britânico, com um grupo de escolas para explorar o que é o princípio de Salamanca, esse novo paradigma. O que significa em termos práticos? E estou tendo a satisfação de poder reconhecer e saber que os colegas das oito escolas com as quais vamos trabalhar nos próximos dezoito meses estão aqui conosco nesta sala, porque acredito que essas escolas vão fazer algo muito interessante e um trabalho pioneiro que a Maria Alice e seus colegas vão poder usar para influenciar o modo de pensar em todo o sistema estadual nesse sentido.

O que estivemos discutindo com os colegas dessas oito escolas esta semana, é como melhorarmos o ensino para todas as crianças. Como preparamos aulas que sejam inclusivas? Como podemos utilizar os recursos disponíveis, particularmente os recursos humanos, para apoiar a participação e aprendizagem de toda criança pequena, reconhecendo que a diversidade é um recurso, que podemos usar a diferença para estimular nosso modo de pensar e fazer com que criemos novas formas de ensinar?

Então, vejo Salamanca como uma abordagem transformadora de escolas, transformadora de professores. E é claro, significa, como o Secretário Estadual explicou, que gerenciamento e liderança são a chave. Diretores de escola, assim como professores, são vitais ao desenvolvimento em direção a um sistema educacional mais inclusivo. E quanto maior o suporte para os professores, quanto mais ajuda com recursos receberem, e quanto maior o suporte que os líderes de escola tem, maior será a probabilidade de vermos sucesso concreto. Então, para mim, colocar Salamanca em ação se relaciona principalmente ao desenvolvimento das escolas, e um aprimoramento profundo das mesmas. Não é uma questão isolada, é a questão central que se refere a que tipo de escola queremos. Podemos falar mais sobre isso talvez no debate, porém esse é o argumento central sobre o qual quero que pensem.

Por ter trabalhado em muitos sistemas, entretanto, o que reconheço é que muito progresso pode ser feito no nível da escola, porém esse progresso sempre será influenciado por aquilo que está ocorrendo ao redor da escola. É por isso que precisamos trabalhar e pensar de forma sistêmica. Muito pode se conseguir no âmbito da escola, porém pode haver muita limitação no nível da escola, se o sistema por si não estiver puxando e empurrando na mesma direção. Em outras palavras, “tá todo mundo vestindo a camisa, nesse sentido?”

Então em termos de alavancagem, temos que examinar o que faz as coisas acontecerem em um sistema educacional. O que o meu diagrama está sugerindo é que existem duas áreas-chave que precisam ser revistas em qualquer sistema educacional. Uma é a questão dos princípios, “o que o sistema considera importante? Quais são as crenças que em que se apóiam todas as políticas dentro do sistema?

E em segundo lugar, na parte inferior do meu diagrama, “quais sistemas são usados para medir progresso? Que formas de avaliação são utilizadas?” Porque o que quero sugerir a vocês é que o que influencia o professor e a sala de aula são aqueles princípios e aqueles sistemas de medida; não só porque informam a comunidade, mas pelo que é considerado importante, o que é considerado qualidade. Então, a comunidade influencia o que a escola pode fazer, e é claro, a escola não pode ignorar sua comunidade.

E aí, no outro lado do meu diagrama, está a administração. Em seu caso a administração estadual de educação. As autoridades? Os formuladores de políticas? Também estão criando políticas de apoio que ajudam os líderes e professores de escola a caminharem na direção inclusiva? Estou sugerindo que a alavancagem que vocês precisam dentro do sistema, para trazer mudança, precisa estar centrada na discussão de princípios e na revisão de formas de avaliação.

No que diz respeito a princípios, isso nos leva de volta para a questão de como definimos inclusão. Já ouvimos várias definições esta manhã. São bastante semelhantes, porém existem diferenças de ênfase. Como já sugeri, quanto mais claro estiver o que queremos atingir, maior a probabilidade de termos a energia para andarmos de forma eficaz na direção adequada. Minha sugestão resulta de muita experiência em vários países: que é útil pensar sobre o princípio da inclusão e obter entendimento o mais detalhado possível, e orquestrar uma extensa discussão, na comunidade, na secretaria de educação, entre políticos, e aí, é claro, entre os profissionais nas escolas.

Ao reverem o sistema, existem várias coisas sobre as quais eu acho que vale a pena pensar em termos da forma em que vocês definem o conceito de inclusão. Em primeiro lugar, sugiro que é útil pensar em inclusão como um processo, e não um estado. Isto é, inclusão diz respeito a ir para frente em uma direção particular. Significa que, provavelmente, na prática, nunca haverá uma escola inclusiva. E digo isso porque crianças sempre acharão novos desafios. O que significa que teremos que repensar a natureza das práticas que usamos. Às vezes, visito escolas que considero bastante inclusivas, e, freqüentemente, falando com os professores dessas escolas, digo “Vim aqui porque vocês são uma escola inclusiva”. E muita vezes nessas escolas, os professores me dizem, “por favor não nos chame de escola inclusiva, estamos bastante comprometidos em ser inclusivos, mas sabemos que existem algumas crianças que ainda não sabemos como alcançar. Porém, ainda estamos procurando.” É um processo, uma jornada de contínua de capacitar as escolas para lidar com diversidade.

Trata-se de identificar e remover barreiras. Estou sugerindo um tipo diferente de linguagem aqui. Vamos nos afastar da linguagem do déficit, classificando crianças, referindo-se a crianças através de suas limitações. Vamos examinar o sistema e dizer, “quais são as barreiras que criamos? E quais barreiras podemos abordar?” As barreiras podem ser muitas, pode haver barreiras relacionadas ao prédio, como ouvimos aqui essa manhã, pode haver barreiras relacionadas ao currículo, pode haver barreiras relacionadas à avaliação do sistema, pode haver barreiras relacionadas ao nosso modo de pensar ou nossa atitude. Talvez algumas das maiores barreiras estejam em nossos pensamentos, as limitações de uma experiência anterior. Então, uma forma de caminhar na direção inclusiva é abordando as barreiras. Aí temos que pensar, “o que estamos tentando alcançar?” Podemos começar a olhar a inclusão em termos de uma série de camadas. Nos projetos em que trabalhamos achamos útil pensar em termos de três camadas: presença, participação e resultados.

Ser incluído em uma escola é estar presente, estar no diário de classe, saber que você tem um lugar, saber que você tem uma carteira para sentar. E grande parte do argumento sobre inclusão, particularmente em países mais ricos, tem sido sobre movimentar crianças. É quase como “se conseguimos colocar as crianças na escola, então isso é inclusão.” Porém isso aponta para a dificuldade de compreensão da idéia de inclusão. Você pode estar em uma escola, você pode estar sentado em uma sala de aula, mas pode não estar incluído. Você pode simplesmente estar sentado perdendo seu tempo. Então, temos que ir além da presença, e temos que ver o que está realmente acontecendo, temos que observar a participação. Quem é valorizado? Quem é acolhido? Que vozes são ouvidas?

Penso, por exemplo, em uma grande escola secundária na Inglaterra, onde eu e um colega passamos o dia recentemente, acompanhando algumas crianças durante sua rotina. Quando nos encontramos no fim do dia para comparar nossas anotações: ambos tinham tido uma experiência muito semelhante; nós dois havíamos encontrado alunos naquela escola que disseram que não era raro passarem o dia todo nas aulas sem nenhum professor chamá-los, uma vez sequer, pelo nome. E vocês estão pensando, “essas crianças se sentiam incluídas?” Levantavam de manhã, vestiam o uniforme, iam para a escola no ônibus escolar, atravessavam portão da escola com uma placa grande dando as boas vindas. E, mesmo assim, quando estavam na escola, as pessoas mais importantes da escola nem sabiam seus nomes.

O conceito de inclusão é sutil. Você pode estar presente e estar excluído. Então, temos que examinar os processos de uma escola. Porém, então acredito que temos que ir além, porque você pode estar presente, pode estar participando, porém pode não estar aprendendo. Então, sugiro que a principal meta da inclusão é a aprendizagem, o resultado. E, portanto, temos que enfocar todos os alunos, não somente alunos que sabemos ser particularmente vulneráveis, mas outros alunos que podem estar se sentindo marginalizados ou excluídos dentro da escola. Porém, é claro, sabemos que algumas crianças são particularmente vulneráveis, e precisamos ficar de olho nessas crianças, e nos certificarmos que não estão sendo marginalizadas, que não estão sendo excluídas, que não estão com baixo aproveitamento.

Então, em termos de alavancagem, no âmbito do sistema, e certamente no nível da escola, eu sugeriria que a tarefa de liderança é desenvolver, com o tempo, um entendimento profundo do o que queremos dizer e o que estamos tentando alcançar. Definir nossos princípios. Mas, aí vamos à parte inferior do meu diagrama, a questão da medida. O sistema da Inglaterra tem alguns…, como o Secretário do Estado referiu, é um sistema que coloca enorme ênfase na medida de progresso, das crianças, das escolas. E os jornais publicam os resultados dos exames. E as escolas são classificadas como tabelas de times de futebol. E os pais precisam escolher em que escola querem por seus filhos. E, é claro, os pais querem que seus filhos vão às escolas no alto da tabela de classificação, e assim por diante. Então, o que aprendemos na Inglaterra, e em muitos outros países, é que no que diz respeito à educação, o que é medido, acontece. O que medimos sinaliza o que consideramos importante. Então, se medimos de forma estreita aquilo que consideramos como aprendizagem, teremos experiências de aprendizagem estreitas, porque será aí que os professores colocarão sua atenção.

Então, sabemos que medida em educação tem alta alavancagem. Então, precisamos rever os sistemas de avaliação. Precisamos rever o que testamos e o que examinamos. Precisamos rever o que é inspecionado quando o supervisor da secretaria de educação vai às escolas. E acho que temos que ligar a medida dos sistemas ao nosso princípio. O erro que fizemos, em muitos países, é que temos valorizado aquilo que conseguimos medir. O que precisamos fazer agora, enquanto educadores, é virar isso de ponta cabeça, e temos que aprender a medir aquilo que valorizamos.

Então, nos sistemas com os quais estou trabalhando no momento, inclusive no no Reino Unido, estamos revendo os sistemas de avaliação educacional, e nos dizemos “que tipos de dados temos? E é possível melhorar estes dados?” E descobrimos que, certamente na Inglaterra, as escolas e sistemas escolares possuem muitos dados sobre colocação, sobre presença. Sabem quem está matriculado na escola, mais ou menos sabem quem freqüenta todos os dias, sabem da pontualidade das crianças na escola e aulas. Então, temos bons dados nesta área.

Quanto à participação, entretanto, praticamente nenhum sistema escolar que conheço possui dados nessa área, porque é difícil de medir. Só iremos entender participação coletando vários tipos de provas, vários tipos de dados, e, particularmente, precisamos ouvir a voz das crianças. Uma lição que aprendi com toda minha experiência internacional, é que o segredo de tornar-se mais inclusivo é aprender como compreender escolas, compreender o ensino e a aprendizagem como é vivido pelas crianças, porque isso desafiará nosso pensamento. Então, precisamos olhar para nossos sistemas de dados e dizermos “é possível colher evidências sobre participação?”, e particularmente, “podemos colher evidências melhores das crianças?” E então, é claro, precisamos rever os sistemas que usamos para avaliações e provas.

Então, voltando ao meu diagrama, o que estou sugerindo é que para fazer o sistema avançar, precisamos de liderança no âmbito da escola, precisamos de uma ênfase no ensino e aprendizagem, precisamos de um debate na comunidade, e na secretaria de educação, entre os que definem políticas, quanto a quais são os princípios que iremos usar para dirigir as políticas de nosso sistema escolar. E então acho que temos que olhar o que usamos para medir desempenho.

Tudo isso soa muito técnico, porém, na verdade, minha experiência tem sido que o progresso, no que tange a inclusão, não é tão técnico e muito mais social. Tem a ver com pessoas aprendendo a conviver, aprendendo a conviver com a diferença, aprendendo como aprender com a diferença. Está relacionado a aprender de modo interdependente (esta citação foi tirada de um livro-texto de psicologia). Falamos sobre pessoas apreendendo de modo interdependente, e quando digo pessoas, quero dizer professores, quero dizer crianças, quero dizer pais, quero dizer os que fazem as políticas. Quanto mais unidos trabalham os integrantes de um grupo para realizar uma tarefa, mais importam-se uns com os outros. Quanto mais os integrantes importam-se uns com os outros, mais trabalham para realizar a tarefa. Quanto mais os integrantes de uma grupo trabalham juntos para realizar uma tarefa, mais competência social e ajuda psicológica obterão. É isso que é inclusão. Tem a ver com valorizar a diversidade, usar diversidade como pesquisa. É sobre pessoas fazendo coisas acontecerem.

Uma pequena estória para terminar. Estou trabalhando em um projeto com alguns de meus colegas de Manchester na África. E no ano passado, visitei uma vila no norte da Zâmbia, em uma área muito isolada. Quando meus colegas e eu chegamos, depois de atravessarmos a mata, fomos saudados pelos líderes da comunidade dessa vila. Estavam todos nos esperando. E nos levaram para um passeio pela vila, que ficava em uma clareira na floresta. E havia pequenas construções com telhados de palha. E nos explicaram que algumas daquelas construções eram casas, e algumas delas eram salas de aula. E estavam interligadas; não havia uma escola separada. Então nos levaram em uma caminhada até o rio no limite da vila onde haviam construído um forno. E nesse forno, pessoas da comunidade estavam fazendo tijolos de barro. E os líderes explicaram que esses tijolos eram para construir novas casas e novas salas de aula, porque queriam ter mais professores, e queriam que a educação estivesse mais disponível para as crianças daquela comunidade.

E me fez pensar, intrigou-me como alguém de uma comunidade muito rica, que tem todas as vantagens da tecnologia: na verdade, as vezes, não vemos o óbvio. E vi isso ali, naquela vila em Zâmbia. O que é obvio é: se queremos escolas de verdade para todas as crianças, podemos tê-las. Sabemos o suficiente para torná-las realidade. A questão é “temos a vontade coletiva para fazer isso acontecer?”

Muito obrigado.

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1.

▪ Master em Educação , PHD, Professor de Educação da Universidade de Manchester.

▪ Consultor para a UNESCO, UNICEF e Save the Children.

▪ Membro do Comitê de Avaliação do Currículo Nacional.

▪ Co-diretor da Rede de pesquisa do ESRC, “Understanding and Developing Inclusive Practices in Schools” (“Compreendendo e Desenvolvendo Práticas Inclusivas nas Escolas”).

▪ Projetos de Pesquisa em comparações internacionais do desenvolvimento da educação inclusiva; melhoria escolar em escolas secundárias; o papel das LEAs (Agências Educacionais Locais) no apoio à melhoria escolar.

▪ Colaboração regional em relação a políticas para portadores de necessidades especiais.

▪ Desenvolvimento do “Índice da Educação Inclusiva”.

▪ Envolvido em projetos de pesquisa-ação em Portugal, Romênia e Espanha.

▪ Membro do corpo editorial do “International Journal of Inclusive Education” (“Jornal Internacional da Educação Inclusiva”) e do “European Journal of Special Needs Education” (“Jornal Europeu da Educação para Portadores de Necessidades Especiais”).

▪ Experiências internacionais: Austrália, Áustria, Bahrain, Bósnia, Canadá, Chile, China, Eire, França, Grécia, Ghana, Guyana, Hong Kong, Hungria, Iceland, Itália, Índia, Japão, Jordânia, Kenya, Laos, Malasya, Malta, Holanda, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Palestina, Portugal, Porto Rico, Romênia, Singapura, Espanha, África do Sul, Tailândia, Turquia, Estados Unidos, Uganda, Vietnam e Zimbabwe.

▪ Autor de diversas obras, entre elas: “Understanding the Development of Inclusive Schools” (“Entendendo o Desenvolvimento de Escolas Inclusivas”).

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Divulgação autorizada pelo autor.

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