O contrato de seguros nas relações de consumo



O contrato de seguro nas relações de consumo.

Autores:

Otávio Alexandre M. de O. Filho (acadêmico do curso de Direito da UNIFACS – Universidade Salvador);

Thiago Vianna Berenguer (acadêmico do curso de Direito da UNIFACS – Universidade Salvador).

Sumário: 1 Introdução. 2 Contrato de seguro e o código de defesa do consumidor. 3 O corretor de seguros e a venda das apólices. 4 Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo propõe-se a discutir a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Código Civil (no livro que trata especificamente dos contratos de seguro) nos contratos de seguros. Assim, a atividade securitária pode ser tratada como uma relação de consumo?

Um dos principais pontos envolvidos nos litígios envolvendo segurador e segurados é a questão das cláusulas limitativas dos direitos dos segurados. Muitas vezes estas cláusulas não vêm redigidas de acordo com o que determina o CDC.

Em diversos julgados percebe-se que os juízes têm entendido que a lei consumerista impera quando estamos diante de um litígio entre seguradora e segurado. Isso não deve acontecer. Como será visto o Código de Defesa do Cosumidor não revogou as regras sobre contrato de seguro contidas no Código Civil, apenas veio a igualar os sujeitos da relação contratual.

Desta forma, as cláusulas limitativas existentes nestes contratos são plenamente possíveis, desde que estejam em conformidade com o que determina o artigo 54 da Lei 8.078/90.

Além das cláusulas limitativas, existem outros assuntos polêmicos na relação seguradora e segurado. Dentre eles podemos citar a prescrição. Qual seria o prazo prescricional? O determinado pelo Código Civil ou pelo Código de defesa do Consumidor? Neste caso, tem que verificar se houve vício ou fato do produto (má prestação do serviço).

Questão não menos importante é a relação entre corretor de seguros, seguradora e segurados. Na maioria das vezes o corretor de seguros é tratado como se fosse um empregado, um preposto da seguradora. Porém, de acordo com o artigo 125 do Decreto-Lei 73/66, não existe vínculo empregatício entre corretor e segurador. Desta forma, o corretor é um representante do segurado perante as companhias seguradoras, promovendo, assim, os interesses daquele.

Por fim, pelas características inerentes aos contratos de seguros (aleatoriedade, risco, contrato de boa-fé) o magistrado tem que analisar cada caso concreto para não tornar o consumidor/segurado muito mais forte, acabando por derrubar a finalidade do Código de Defesa do Consumidor, que é igualar os sujeitos contratuais.

2 CONTRATO DE SEGURO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º traz a definição de serviço e nesta definição se inclui a atividade securitária. Assim, serviço é “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” (BRASIL, 1990, p. 919).

É importante, de logo, afirmar que a Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, não acabou com as características do contrato de seguro. Pelo contrário, o contrato de seguro permanece como um negócio jurídico particularizado e com o surgimento da lei consumerista esta só veio assegurar a efetividade das regras sobre seguros contidas no Código Civil (BERMUDES, 1997, p.98).

Dentre as normas contidas no Código de defesa do consumidor e que são aplicáveis aos contratos de seguros, podemos citar alguns artigos do referido diploma, como aos artigos 56; 51, incisos I a XVI e o artigo 54, que trata dos contratos de adesão.

Nas ações judiciais em que esteja discutindo cláusulas contratuais, a maiorias dos litígios envolvem as cláusulas que limitem o direito dos segurados/consumidores ou cláusulas limitativas.

Por vezes, o intérprete da norma consumerista, acha que em alguns momentos a citada lei restringe as cláusulas limitativas contidas em todos os contratos de seguro. Quando, em verdade, as cláusulas que delimitem as coberturas contratadas e a extensão dos riscos, são plenamente possíveis.

Neste sentido, Bermudes (1997, p. 101) afirma que:

Na minha intensa prática de patrocinador de causas de seguradoras, conquanto defrontando quadros dramáticos, ainda não encontrei razões de ordem jurídicas capazes de abalar a convicção de que o Código de Defesa do Consumidor não contém normas revogadoras das que permitem a limitação ou particularização dos riscos do seguro. Os argumentos usados em sentido contrário são, no mais das vezes, ou emocionais, quando acentuam contundentemente a gravidade de uma situação particular, ou simplórios e desgarrados do modelo econômico da Constituição, quando pretendem transformar as seguradoras em cumpridoras das obrigações do estado de proteger a saúde e seus jurisdicionados.

Atente-se para o fato de que, o grande problema nos contratos de seguro, é a redação das cláusulas que limitam os direitos dos segurados. Muitas vezes estas cláusulas são redigidas de forma a dificultar o entendimento dos consumidores ou são confeccionadas em letras pequenas e que dificultem a sua visualização. Ou seja, as cláusulas limitativas continuam a existir, apenas deverão ser redigidas “[...] destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão” (BRASIL, 2005, p. 923).

Conforme verificado acima, é plenamente possível, por exemplo, a existência de cláusulas que excluem certos tipos de enfermidades ou que impliquem em negativa de indenização ao segurado que esteja conduzindo seu automóvel em estado de embriaguez.

Muito embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não proíba a existência de cláusulas limitativas, é importante apontar que não se devem confundir cláusulas limitativas com cláusulas abusivas.

As cláusulas limitativas são partes inerentes aos contratos de seguro, que por sua natureza implica em delimitação dos riscos a serem assumidos pelo segurador.

Assim, delimitações dos riscos assumidos, bem como a abrangência do referido contrato é permitida e em conformidade com o CDC. O que não pode ocorrer é a existência de cláusulas não condizentes com o contrato e que impliquem em estabelecer para o segurado obrigações iníquas, abusivas e que estejam em desacordo com a boa-fé contratual inerente a estes tipos de contratos. Caso assim não fosse poderia ensejar uma eventual cobertura securitária sem o respectivo pagamento do prêmio por parte do segurado (HUBER, DETTMER, 2004 apud KRIEGER FILHO, 2000, p.102).

Não é demais acrescentar que, pelo princípio da liberdade de contratar, não há nada de abusivo em o segurador recusar a segurar determinado bem ou assumir riscos que não lhe seja conveniente. Temos que lembrar que um dos princípios basilares do seguro e o mutualismo. Se o segurador passar a assumir todos os tipos de riscos sem analisar sua capacidade técnica ou viabilidade do negócio, estará pondo em risco o grupo de segurados como um todo.

Neste sentido, Cavalieri Filho (1997, p. 130) pontua que:

Uma das características que me parece fundamental é que àquela ‘cláusula abusiva’ não se confunde com a restritiva. “Restritiva é aquela que procura limitar as obrigações a serem assumidas pelo segurador. Ele pode, face ao princípio da liberdade de vontade, e que não foi alterado pelo Código de Defesa do Consumidor, dizer: ‘Não assumo esta obrigação, o meu cacife não chaga a tanto.’ Todos nós sabemos que isso ocorre no mundo do seguro dependendo da gravidade do risco e do montante da indenização. Faz-se até resseguro, co-seguro etc. Pode chegar ao ponto em que o segurador diga: ‘Eu não tenho mais condições de assumir este risco’. Logo, se não for permitido limitar o seu risco, isto é, limitar a sua obrigação, nós seremos obrigados a contratar, a ser o segurador universal.

Igualmente, Huber e Dettmer (2004 apud MORETI e SILVA, 2003), afirmam que:

[...]a própria natureza do contrato de seguro impõem a existência de cláusulas limitativas, pois ele se fundamenta na mutualidade e cálculo das probabilidades de delimitação dos riscos que serão cobertos para definir o valor de seu preço (prêmio) e da futura indenização. Desta forma, o contrato de seguro contém cláusulas que são limitativas dos riscos para viabilizar suas contratações e indenizações. Ainda, ratificam eles, o que já foi até então constatado, de que o CDC permite a inclusão de cláusulas limitativas de direito, desde de que tais cláusulas estejam necessariamente inseridas no contexto contratual na forma prevista no CDC.

Existem casos que o consumidor não está sendo prejudicado ou vítima da contratualidade operante. Há situações que até podem deixar o consumidor descontente, mas não por isso que alguma ilegalidade fora praticada contra ele.

Outra questão importante a ser levantada é a prescrição da ação proposta pelo segurado contra o segurador, ou vice e versa. Aplica-se a prescrição anual (do CC) ou de 5 (cinco) anos do CDC?

A questão reside em tratar-se de fato do produto ou de responsabilidade civil por inadimplemento contratual. Neste sentido, vejamos decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Ementa

CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. COBRANÇA DO VALOR SEGURADO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 27. PRESCRIÇÃO DE 5(CINCO) ANOS. INAPLICABILIDADE. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR FATO DE SERVIÇO. DESSEMELHANÇA COM A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRESCRIÇÃO ÂNUA. CÓDIGO CIVIL, ART. 178, § 6º, II. LEI DE INTRODUÇÃO. ART. 2º, § 2º. RECURSO ACOLHIDO.

EXTINÇÃO DO PROCESSO.

I - A ação de indenização do segurado contra a seguradora,

decorrente do contrato de seguro, prescreve em um ano, não tendo aplicação o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, dispondo essa norma a propósito da prescrição em cinco(5) anos nas ações de reparação de danos por fato de serviço, que não guarda relação com a responsabilidade civil decorrente do inadimplemento contratual.

II - Na linha do § 2º do art. 2º da Lei de Introdução, a lei nova,

no caso o Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer disciplina especial quanto à ação de reparação de danos por fato de serviço, aí incluindo os decorrentes das relações de consumo entre segurado e seguradora, não revogou o art. 178, § 6º, II do Código Civil, sendo esse dispositivo mais amplo, a englobar as demais ações entre segurado e seguradora.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Aldir Passarinho Júnior.

Resumo Estruturado

OCORRENCIA, PRESCRIÇÃO ANUA, AÇÃO JUDICIAL, RESPONSABILIDADE. CIVIL, DECORRENCIA, INADIMPLEMENTO, CONTRATO DE SEGURO, APLICAÇÃO, NORMA, CODIGO CIVIL, INAPLICABILIDADE, PRESCRIÇÃO, CINCO ANOS, PREVISÃO, CDC, NÃO CARACTERIZAÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, REPARAÇÃO DE DANOS, DECORRENCIA, FATO, SERVIÇO.

Processo REsp 232483 / RJ ; RECURSO ESPECIAL

1999/0087212-6, Processo, REsp 232483 / RJ; RECURSO ESPECIAL 1999/0087212-6, Relator(a) Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088), Órgão Julgador:T4 - QUARTA TURMA, Data do Julgamento 15/02/2000, Data da Publicação/Fonte DJ 27.03.2000 p. 113 (BRASIL, 2000).

Atente-se para o fato de que mesmo que o acórdão tenha sido proferido em 2000 e atualmente o Novo Código Civil esteja em vigor, à nova lei contém a mesma disposição quanto à prescrição relativa ao contrato de seguro:

ART. 206. PRESCREVE:

§ 1º EM 1(UM) ANO:

I – A PRETENSÃO DO SEGURADO CONTRA O SEGURADOR, OU A DESTE CONTRA AQUELE, CONTANDO O PRAZO:

A) PARA O SEGURADO, NO CASO DE SEGURO DE RESPONSABILIADADE CIVIL, DA DATA EM QUE É CITADO PARA RESPONDER À AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROPOSTA PELO TERCEIRO PREJUDICADO, OU DA DATA QUE A ESTE INDENIZA, COM A ANUÊNCIA DO SEGURADOR;

B) QUANTO AOS DEMAIS SEGUROS, DA CIÊNCIA DO FATO GERADOR DA PRETENSÃO; (BRASIL, 2005, p. 193)

Com este precedente jurisprudencial e com a permanência da prescrição de um ano pelo Novo Código Civil, já ficou confirmado que “[...] a pretensão do legislador em aplicar – nos casos de discussão de consumo propriamente dita, sem que haja a ocorrência de vícios ou fato do produto (má prestação do serviço) – o prazo prescricional de um ano” (HUBER, DETTMER, 2004).

O cerne da questão repita-se, é como as cláusulas limitativas são redigidas, neste sentido:

Preceitua o § 4º do art. 54 que ‘as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão’. No tocante ao seguro, em vez de impedir a limitação ou particularização do risco, que é da essência desse contrato, o § 4º do art. 54 às admite, condicionando-as, entretanto, às cláusulas elaboradas em consonância com o §3º e redigidas com destaque que lhes realce o conteúdo (BERMUDES, 1997, p. 102).

Por fim, não podemos deixar de comentar o disposto no art. 47 do CDC. O aludido artigo determina que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (BRASIL, 2005, p. 922).

Assim, segundo Bermudes (1997, p. 104):

Não se pode, entretanto, ser aplicada como se ela houvesse emprestado conteúdo jurídico ao apelo publicitário do dístico ‘o freguês sempre tem razão’. Portanto, não se interprete essa regra como um mandamento de que se componham as lides emergentes das relações jurídicas apanhadas pelo Código, inclusive as do seguro, invariavelmente do modo mais propício ao consumidor. Exageros que a experiência diária documenta justificam esta ponderação. Interpretem-se as cláusulas contratuais do modo mais favorável ao consumidor, na para se compensar uma desigualdade econômica com uma desigualdade jurídica. Esse entendimento parece incompatível com os princípios dos art. 170 da Constituição da República.

Desta forma, com o advento do Código de defesa do Consumidor o que o legislador buscou foi um equilíbrio entre as partes em uma relação de consumo (fornecedor e consumidor). Acontece que aconteceu o inverso: o CDC não conseguiu colocar os consumidores e fornecedores num mesmo patamar, acabando por conferir uma força maior ao consumidor, ou seja, o consumidor passou a ser hipersuficiente, terminando por desequilibrar a relação consumerista (PINTO, 1997, p. 119).

3 O CORRETOR DE SEGUROS E A VENDA DAS APÓLICES

Uma questão que não pode deixar de ser tratada é a relação jurídica entre o corretor de seguros e o segurado. De início, cumpre chamar atenção que o corretor de seguros, ao contrário do que muitos pensam, não é funcionário do segurador, e sim, representante do segurado perante as companhias de seguros.

A atividade do corretor (aqui de modo geral sem especificar corretor de seguros, imóveis, etc) é regida pelo CC nos artigos 722 a 728. No art. 722 está a definição do contrato de corretagem:

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas (BRASIL, 2005, p. 216)

O artigo 122 do Decreto Lei nº 73/66 delimita o conceito de corretor de seguros, conforme transcrição abaixo:

Art 122. O corretor de seguros, pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as Sociedades Seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado (BRASIL, 1966).

Ou seja, o corretor de seguros “é um mediador entre as partes: seguradora e segurado” e esta mediação “faz com que as diferenças entre as partes (segurado e seguradora) sejam diminuídas” (BERTASI, 2005, p. 35).

Quando uma pessoa decide contratar um seguro, caso queira fazer da forma correta, necessariamente precisará do auxílio de um corretor de seguros para promover seus interesses perante a companhia seguradora.

Note-se que, para exercer sua função, o corretor de seguros recebe uma remuneração por parte do cliente que contrata os seus serviços. Mas, importante frisar, segundo determina o artigo 124 do Decreto Lei 73/66, que “as comissões de corretagem só poderão ser pagas a corretor de seguros devidamente habilitado” (BRASIL, 1966).

Mas seria o corretor um preposto da seguradora?

Sobre o corretor de seguros, Venosa (2004, p. 409) assevera que:

Não é um preposto da seguradora; pode assinar a proposta em nome do segurado e para tal ao necessita de mandado escrito, bastando o oral. Sob esse prisma, o art. 775 do atual código observa que ‘os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.’ O sentido de agente, no dispositivo, é mais amplo do que o de corretor, e a situação concreta deve ser examinada. De qualquer forma, há que se ter o agente, aqui, como um preposto do segurador.

Como o corretor de seguros pode ser caracterizado como preposto da seguradora se este está legalmente impedido de manter qualquer relação laboral com as Sociedades Seguradoras?

Atente-se que para o art. 722, transcrito no início deste tema, o contrato é de corretagem quando ”[...] uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”, ou seja, corretor é aquele que só tem relação de dependência com o seu mandatário (no caso o segurado).

No caso dos corretores de seguros, estes, além de serem impedidos por lei de ter qualquer vínculo com a sociedade seguradora (art. 125, Decreto-Lei 73/66), caso tivesse alguma relação laboral com as companhias de seguros, estriamos diante de uma descaterização do contrato de corretagem.

O Decreto lei nº 73/66 é bem claro ao afirmar que os corretores de seguro não poderão exercer ou aceitar cargos que configurem relação de emprego com as sociedades seguradoras, vejamos:

Art 125. É vedado aos corretores e seus prepostos:

a) aceitar ou exercer emprêgo de pessoa jurídica de Direito Público;

b) manter relação de emprêgo ou de direção com Sociedade Seguradora.

Parágrafo único. Os impedimentos dêste artigo aplicam-se também aos Sócios e Diretores de Emprêsas de corretagem. (BRASIL, 1966, grifo nosso).

Talvez a grande questão seja tão controversa devido à expressão “representantes” empregada no artigo 775 do Código Civil. Segundo o art. 775, “os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem” (BRASIL, 2002, p 69).

Imperioso ressaltar, que, na maioria das vezes, o corretor de seguros é uma pessoa jurídica. Mas existem, também, pessoas contratadas pelas seguradoras para atenderem seus clientes e comercializarem seus produtos. No primeiro caso, o corretor seria sim, um representante do segurado, e não da companhia seguradora, pois este não tem nenhuma relação de subordinação com o segurador.

Não obstante o art.775, terá que ser analisado pelo Magistrado, quando estiver diante de um litígio, cada caso de forma individualizada, para saber ou não se o corretor atuou de forma negligente, com imperícia, omissão, causando prejuízo ao segurado, bem como analisar quem realmente casou a lesão ao demandante da ação

É importante esclarecer que o Decreto Lei 73/66 prevê punições aos corretores que venham a causar danos a seus clientes/consumidores, conforme previsão contida nos artigos 126,127 e 128 do decreto supracitado:

Art 126. O corretor de seguros responderá civilmente perante os segurados e as Sociedades Seguradoras pelos prejuízos que causar, por omissão, imperícia ou negligência no exercício da profissão.

Art 127. Caberá responsabilidade profissional, perante a SUSEP, ao corretor que deixar de cumprir as leis, regulamentos e resoluções em vigor, ou que der causa dolosa ou culposa a prejuízos às Sociedades Seguradoras ou aos segurados.

Art 128. O corretor de seguros estará sujeito às penalidades seguintes:

a) multa;

b) suspensão temporária do exercício da profissão;

c) cancelamento do registro (BRASIL, 1966).

Mas o que vem sendo notado é uma certa tendência dos julgados em determinar que em todos os casos o corretor é em preposto da seguradora, talvez por força do artigo 775 do Código Civil, conforme julgado abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 432.829 - RS (2001/0192264-2), RELATOR : MINISTRO BARROS MONTEIRO, AGRAVANTE : BRADESCO SEGUROS S/A, ADVOGADO : GERALDO NOGUEIRA DA GAMA E OUTROS, AGRAVADO: TELMA TECHQN MEGDESSIAN HELDVADJIAN E OUTROS, ADVOGADO : ROSMARY MARCKS PAVEZI E OUTRO

DECISÃO

Vistos, etc.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto de decisão que inadmitiu recurso especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional.

Recorre Bradesco Seguros S/A contra o v. Acórdão recorrido, assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO. AÇÃO DE COBRANÇA. NEGATIVA DA SEGURADORA AFASTADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM SENTENÇA CONDENATÓRIA.

Proposta enviada pelo segurado à seguradora, com o pagamento da primeira parcela do prêmio, sem qualquer ressalva da seguradora, torna obrigatório o cumprimento da obrigação. Demais disso, a falsificação da assinatura na proposta recebida pela seguradora e que deu ensejo à emissão da apólice, viciou o ato. Corretor, figura obrigatória na intermediação do contrato de seguro, por força de lei aproxima-se mais de uma síntese de preposto da seguradora do que de mandatário do segurado.

Honorários advocatícios. Sua fixação entre 10% e 20% é imposição legal/processual quando a sentença é condenatória.

RECURSO DA SEGURADORA IMPROVIDO. PROVIDO PARCIALMENTE O DOS AUTORES." (Fl. 154)

Tocante aos arts. 1.432, 1.433, 1.434, e 1.460, do Código Civil, a

solução do litígio decorreu da convicção formada pelo Tribunal a quo em face dos elementos fáticos existentes nos autos. Rever a decisão recorrida importaria necessariamente no reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal (Súmula 7-STJ).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo.

Publique-se. Intime-se.Brasília, 29 de maio de 2002. Min.: Barros Monteiro (BRASIL 2002).

Saliente-se, que a responsabilidade do corretor de seguros começa desde a assinatura da proposta até o final da cobertura securitária. O corretor tem o dever de cuidar para que a cobertura contratada seja atendida e que o segurado receba a indenização securitária em caso de sinistro. (BERTASI, 2005, P. 35).

Para isso o corretor deve: ser prudente e diligente ao executar a atividade de mediação, prestar informações sobre o andamento do negócio (informar a segurança, riscos, alterações de valores etc), atualização de coberturas e endossos. Enfim, a atividade do corretor vai perdurar durante toda a vigência da apólice e sua atividade diligente permitirá que não ocorra a incidência do disposto no art. 765 do Código Civil, implicando em negativa de cobertura securitária. (BERTASI, 2005, p. 35).

Depois de demonstrado que o corretor de seguros não é, e nem poderia, ser um preposto/funcionário das companhias de seguro, cabe trazer a distinção entre agente e corretor de seguros. Esta diferença é muito importante, pois em determinadas situações o consumidor vai até a sede da seguradora para fazer um contrato de seguros e pensa que está diante de um corretor de seguros, quando, em verdade está diante de um agente da seguradora.

O art. 710 do CC conceitua contrato de agenciamento:

Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos.

Deste modo, se o consumidor contrata um seguro por meio de um corretor, este será um intermediário contratado pelo segurado, mediante mandato, não sendo, portanto, funcionário ou preposto da seguradora. E no exercício deste mandato, caso ocorram falhas na prestação do serviço, o corretor será responsabilizado civilmente (MARTINS, 2006)

Porém, se o segurado decidir realizar o seu contrato de seguro por meio de uma pessoa que trabalha nas dependências da companhia de seguros, estaremos diante de um funcionário (desde que devidamente identificado) ou de um agente que trabalha para a seguradora. Nestes casos, a responsabilidade será direta em relação à seguradora (MARTINS, 2006).

Por fim, cabe ainda um questionamento: o segurado, que foi assistido por um corretor de seguros, em caso de uma demanda judicial, será considerado hipossuficiente?

Sobre o questionamento Martins (2002, p. 141):

A intermediação no contrato de seguro, com respaldo na legislação vigente, é fator preponderante na verificação da responsabilidade que emerge da falha da prestação do serviço. Neste conseguinte, o consumidor-segurado perde a condição de hipossuficiente que lhe empresta o Código de Defesa do Consumidor, quando assistido por um corretor na comercialização do negócio.

Ou seja, o segurado-consumidor, quando assistido por um corretor de seguros (regulamente habilitado para exercer tal função), passa a conhecer todas as peculiaridades do contrato que está firmando com a Companhia Seguradora. Portando, deixando sua condição de hipossuficiente por está assessorado por um técnico.

4 CONCLUSÃO

O contrato de seguro é um negócio jurídico, composto por um conjunto de pessoas que contribuem para um fundo comum, no intuito de se precaver de prejuízos que podem ocorrer ou não. Em uma simples análise é a transferência de um risco previsto em contrato, mediante pagamento de uma quantia pecuniária (prêmio) para o segurador que irá ressarcir o dano sofrido pelo bem segurado.

Sob a ótica da lei de proteção aos consumidores, a atividade securitária é tida como um serviço, conforme o art. 3, § 2º. O Código de Defesa do Consumidor não acabou com as características essências do contrato de seguro. Este negócio permanece particularizado e a legislação consumerista contribui para a efetividade de suas regras.

O CDC, como o próprio nome já diz, tem como função principal proteger os consumidores, tentando compensar juridicamente a desigualdade entre o consumidor e fornecedor. Acontece que, atualmente, o CDC tem sido mal interpretado sendo conferido uma força maior as consumidores de forma a ultrapassar a isonomia que a lei busca, ficando o consumidor “hipersuficiente” diante do fornecedor.

Não raras vezes, em ações judiciais que estejam discutindo cláusulas contratuais, o CDC é interpretado como se as normas contidas nos artigos 757 a 802 tivessem sido revogadas pela lei consumerista. A grande prova da interpretação incorreta do CDC estar no entendimento de alguns magistrados sobre as cláusulas limitativas contidas nos contratos de seguro. Muitas vezes, cláusulas que delimitem as coberturas contratadas, abrangência do contrato e, até mesmo, cláusulas que excluem certas enfermidades, são tidas como abusivas. Observe que o próprio CDC, em seu art. 54,§ 4º, permite que existam cláusulas limitativas do direitos dos consumidores, desde que estejam redigidas em destaque e que seja de fácil intelecção.

Assim, os magistrados têm que analisar as ações de forma a diferenciar cláusulas abusivas (que são cláusulas não condizentes com o contrato e que impliquem em estabelecer para o consumidor/segurado obrigações iníquas, abusivas e em desacordo com a boa-fé) de cláusulas restritivas sob pena de ferir o princípio da liberdade de contratar, bem como, inviabilizar toda a atividade securitária que se fundamenta na análise dos riscos assumidos para que as contratações e indenizações sejam viáveis.

Fazendo uma interpretação correta do CDC demandas em que os seguradores são obrigados a pagar cirurgias estéticas sem previsão de cobertura para estes procedimentos, indenizar segurado que teve objeto furtado do seu automóvel em frente ao seu condomínio (quando a apólice contratada somente indeniza furtos ocorridos nas garagens do condomínio), indenizar segurado por lucros cessantes sem previsão contratual, deixarão de existir colocando consumidores e fornecedores, realmente, num mesmo patamar jurídico e econômico, atendendo as finalidades do CDC.

Interpretar o CDC de forma a conferir “super-poderes” aos consumidores, como nas palavras do Advogado Sérgio Bermudes (1997, p, 101), seriam argumentos “[...] no mais das vezes, ou emocionais, quando acentuam contundentemente a gravidade de uma situação particular, ou simplórios e desgarrados do modelo econômico da Constituição[...]”.

Para firmar um contrato de seguro, o pretenso segurado deverá procurar um corretor de seguros (pessoa física ou jurídica) ou um agente autorizado do segurador. O corretor é o intermediário autorizado por lei a promover os interesses dos segurados perante as seguradoras. Para exercer sua função, o corretor de seguros recebe uma remuneração paga pelo cliente que contrata seus serviços, porém para receber sua comissão, o corretor deverá ser legalmente habilitado para exercer sua atividade, de acordo com o que preceitua o art. 124 do Decreto-Lei 73/66.

Saliente-se que o corretor não é preposto ou empregado da seguradora, ao contrário do que já foi decidido pelo STJ. Determina o art. 125 do Decreto-Lei 73/66, que o corretor não poderá aceitar exercer ou manter relação empregatícia com as sociedades seguradoras, tendo em vista que estas não possuem nenhum contrato de trabalho com os corretores, não paga nenhum tipo de remuneração a estes profissionais e o corretor é quem assina a proposta em nome do segurado.

Cumpre destacar por fim, que existe uma diferença entre contratos de corretagem (art. 722 do CC) e de agenciamento (art. 710 do CC). Nos casos de contratos de corretagem, o corretor obriga-se representar os interesses do contratante dos seus serviços (segurado) perante a sociedade seguradora, sem ter qualquer vínculo (quer seja de prestação de serviços ou qualquer outra dependência) com o segurador. Diferente do que ocorre com os agentes, que são pessoas que à conta de outra (seguradora), mediante retribuição desta promovem a realização de negócios. Normalmente os agentes trabalham nas dependências da seguradora, recebendo uma remuneração desta. Desta maneira, ocorrendo algum problema na prestação do serviço ou na venda do produto pelos agentes, a responsabilidade será da seguradora. Pó outro lado, nos casos em que os corretores agirem com imprudência, omissão e negligência a responsabilidade será somente destes sem configurar nenhum tipo de culpa para a seguradora, que apenas responderá pelos fatos do seu serviço.

REFERÊNCIAS

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