Caso Aeroportos divide advogados e PGR



Caso Aeroportos divide advogados e PGR

MP pede 42 milhões de indemnização

— Cambaza encaixa seis crimes

— Munguambe dois e Pereira três

— Liberdade do antigo ministro de Guebuza questionada

— Advogados questionam qualidade da investigação da PGR

Francisco Carmona

O Ministério Público (MP) pede uma indemnização solidária de cerca de 42 milhões de meticais (perto de USD1,7 milhões) aos cinco arguidos em conexão com o caso Aeroportos de Moçambique, EP, soube o SAVANA de fontes próximas do processo. Trata-se dos arguidos António Munguambe, antigo ministro dos Transportes e Comunicações, Diodino Cambaza, PCA dos Aeroportos de Moçambique (ADM), Antenor Pereira, administrador dos ADM, António Bulande, ex- chefe do gabinete de Munguambe e Deolinda Matos, directora da S.M.S, uma empresa de prestação de serviços participada pelos Aeroportos e Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).

Para além daquele valor, o MP pede a devolução do polémico Audi A6 disponibilizado a António Munguambe pelos ADM, numa operação bastante controversa. O MP exige ainda a confiscação da residência sita na Rua Francisco Barreto, atribuída ao PCA, Diodino Cambaza. A apreensão e reversão a favor do Estado da casa atribuída a Francisco Simbine (jardineiro da empresa e antigo combatente) e o congelamento das contas bancárias dos arguidos são outras das exigências do MP.

Para alguns dos advogados envolvidos neste processo, que ainda promete fazer correr muita tinta, desde a prisão de apenas dois dos sete membros do Conselho de Administração (CA) que se criou um ambiente de suspeição sobre o trabalho da Procuradoria. Entendem que, pelo menos, em relação aos crimes de que são acusados Cambaza e Pereira, que têm por base deliberações do CA (são colegiais e não individuais), não percebem porquê os arguidos presos não beneficiam do regime que gozam os restantes membros dos ADM. Os advogados de defesa põem ainda em causa a qualidade da instrução do processo feito pela Procuradoria. Questionam o facto de Hermenegildo Mavale, antigo administrador do pelouro de Administração e Finanças, pessoa que, segundo eles, esteve por detrás de parte substancial dos crimes de que hoje são acusados os seus constituintes, não fazer parte do processo. Aliás, segundo eles, Mavale chegou a ser constituido arguido, mas estranhamente saltou do processo e responde agora na qualidade de declarante. Para os causídicos que temos estado a fazer referência, Mavale foi a garganta funda que alimentou toda esta novela tanto na imprensa, como nos órgãos da justiça. Passou de acusado para acusador.

Porém, em declarações ao SAVANA, esta terça-feira, Mavale nega tudo e fala em cabala, com o único propósito de o arrastar para um processo que não tem nada a ver com ele.

Mas de que são acusados os principais arguidos, nomeadamente, Diodino Cambaza, António Munguambe e Antenor Pereira no badalado processo conhecido por Caso Aeroportos de Moçambique?

Diodino Cambaza

Ao que apurámos, Diodino Cambaza, actualmente detido na Cadeia Civil de Maputo, é acusado de seis crimes.

O PCA dos ADM é acusado de autoria material de crime de desvio de bens, por, alegadamente, ter registado um imóvel situado na Francisco Barreto pertencente à empresa em seu nome pessoal, por ter comprado e oferecido uma casa a Francisco Simbine (Jardineiro), pessoa que, segundo o MP, é estranha à empresa ADM e por ter entregue a polémica viatura Audi A6, propriedade da empresa, a António Munguambe, até então ministro dos Transportes e Comunicações (MIC). Este ministério é a entidade governamental que tutela os ADM.

O MP acusa ainda Cambaza de um crime de desvios de fundos. Segundo o MP, o PCA assinou um contrato de compra e venda de um imóvel na Avenida Kim Il Sung em seu nome pessoal. Pagou a SISA sobre a mesma residência em seu nome, bem como requereu ao conservador do registo predial, o registo da casa em seu nome. SISA é basicamente um imposto imobiliário.

O SAVANA soube ainda que Cambaza é ainda acusado da autoria material de um crime de desvio de fundos. Diz, o MP, que Cambaza permitiu o pagamento de obras de reabilitação da sua própria residência no valor de 900 mil meticais com dinheiro da empresa (muitos PCA,s de empresas públicas trilharam por este caminho). Segundo a acusação do MP, Cambaza deixou que se transferisse oito mil dólares para a conta pessoal de António Munguambe, bem como o pagamento da 627.4 mil meticais para a reabilitação da casa oferecida ao jardineiro Francisco Simbine. Ao que o SAVANA apurou, Simbine é familiar de uma conhecida figura ligada ao poder político e ao desenvolvimento das comunidades. Este laço familiar, apurámos, terá sido determinante para a atribuição da referida residência a Simbine.

O MP diz ainda que o PCA da empresa ADM permitiu que se transferisse para a conta pessoal de Antenor Pereira, um dos administradores da empresa também detido na Cadeia Civil, 25 mil dólares. Deixou que se pagasse com fundos da empresa salários de António Bulande (arguido não preso no mesmo processo) por via da SMS, durante cerca de 30 meses, no valor de 542.4 mil meticais. A SMS é uma empresa fornecedora de serviços. É participada pelos Aeroportos de Moçambique (50%) e os remanescentes 50% são detidos pelas LAM. De acordo com o MP, Cambaza, que tinha um salário avaliado em 10 mil dólares (cerca de 250 mil meticais, no câmbio de 25 meticais/1 dólar) na qualidade de PCA (os administradores ganham USD7.5 mil), permitiu igualmente que se pagasse sem cobertura legal a Bulande, também por via da SMS, 15 mil dólares, numa altura em que não tinha nenhum vínculo com a empresa. Bulande era o chefe de gabinete de António Munguambe. Foi, segundo apurámos, transferido, sob proposta de Daniel Lampião, inspector do Ministério da Indústria e Comércio, ao então ministro Munguambe, para SMS como assessor. Em sua defesa, Cambaza diz que as remunerações e outros pagamentos efectuados a Bulande são da responsabilidade dos gestores da SMS. A SMS tem um CA, Direcção Geral e Conselho Fiscal. O CA é presidido por Maria João Coito, que também tem assento no Conselho de Administração dos ADM. A directora Geral é Deolinda Matos, que é arguida não presa no Caso Aeroportos. O Conselho Fiscal era dirigido por Hermenegildo Mavale, exonerado por alegada “incompatibilidade” com Cambaza na posição de administrador do pelouro de administração e finanças nos ADM.

O MP diz ainda que Cambaza deixou que se pagasse 25 mil dólares com fundos da mesma empresa a Joseldo Massango, figura estranha à empresa.

O MP acusa ainda Cambaza de autoria material de dois crimes de simulação. É que segundo o MP, o PCA declarou perante o conservador ter pago apenas 350 mil dólares pela casa da Avenida Francisco Barreto, quando efectivamente foram 550 mil dólares.

Cambaza, em sua defesa, diz que a residência foi negociada por USD 350 mil por tratar-se de uma casa inacabada, ao contrário do que deduz a acusação. Assim, acrescenta, foi assinado um contrato promessa de compra e venda entre o sr. Humberto e os ADM, representados pelo PCA e pela administradora Maria João Coito. Acrescenta que por se tratar de uma casa inacabada, a empresa ADM assinou um contrato de empreitada no valor de USD 200 mil.

“Daí que tenham sido pagos ao vendedor USD 550 mil, dos quais USD 350 mil correspondiam ao preço da casa e os restantes 200 mil aos trabalhos da empreitada que os ADM encarregou ao vendedor a conclusão da obra”, justifica.

O MP diz que Cambaza declarou no contrato de compra da casa da Kim Il Sung que foi adquirida por 450 mil dólares, sabendo, porém, que custou 850 mil dólares. O PCA dos ADM é igualmente acusado de um crime de declarações falsas. Diz a procuradoria que Cambaza declarou, no requerimento que mandou ao conservador do registo predial, que comprou a casa sita na Kim Il Sung por 475 mil dólares. Declarou ainda na guia para o pagamento da SISA que adquiriu por compra aos ADM o imóvel da Kim Il Sung.

Cambaza reconhece que a casa foi adquirida por USD 850 mil, mas atribui estas divergências de valores a erros cometidos pela Agência Imobiliária Algarve, entidade contratada pelos ADM para intermediar o processo de compra e venda com a gasolineira SHELL, proprietária da casa.

António Munguambe

António Munguambe, antigo ministro dos Transportes e Comunicações, é acusado de dois delitos, nomeadamente um crime continuado de desvio de fundos e na forma de encobridor e outro de desvio de bem, também na forma de encobridor. No primeiro crime, Munguambe, que aguarda os passos subsequentes do processo em liberdade, é acusado de receber e usar oito mil dólares, dinheiro proveniente dos ADM. Ao que apurámos junto de fontes internas daquela empresa pública, o pedido de Munguambe terá sido levado ao CA pelo então administrador do pelouro de administração e Finanças, Hermenegildo Mavale. Afiançaram-nos que antes mesmo do CA deliberar, Mavale decidiu transferir o valor para a conta de Munguambe. O valor foi transferido para a conta 62.24.076.10.2 detida por António Munguambe no BCI. A ordem de transferência foi assinada por Hermenegildo Mavale e pelo director da área, Ernesto Chaúma.

O SAVANA abordou, esta terça-feira, o então administrador Mavale, uma das peças-chave que, segundo os advogados de defesa, esteve por detrás do chamado caso Aeroportos, responsabilizando os factos a um grupo de trabalhadores. Recorde-se que este caso veio à superfície depois de Mavale ter sido exonerado do cargo que exercia nos ADM e substituído por Antenor Pereira. Contudo, em declarações ao SAVANA, Mavale nega tudo e diz que a deliberação para a transferência daquele valor foi tomada pelo CA.

“Durante uma reunião do CA, o PCA disse que tinha que se pagar uma bolsa de estudos do filho do ministro que estava a estudar na RAS. Antes havia sido deliberado que a empresa podia pagar bolsas de filhos dos trabalhadores da empresa ADM e do Ministério dos Transportes e Comunicações. Foi assim que tudo aconteceu”, explicou. Precisou que na qualidade de administrador da área financeira, executou a ordem dentro das suas competências.

Ainda no crime continuado de desvio de fundos na forma de encobridor, Munguambe é acusado de ter recebido 25 mil dólares, dinheiro transferido da conta de Antenor Pereira.

No crime de desvio de bem na forma de encobridor, Munguambe é acusado de ter recebido e usufruído da viatura Audi A6. Ao que soubemos, Munguambe já devolveu a viatura, encontrando-se neste momento parqueada nos Aeroportos de Moçambique. Esta viatura custou aos cofres dos ADM cerca de 2,1 milhões de meticais. A mesma foi comprada na Tecnicar, Lda. A ordem de pagamento foi assinada pelo então administrador Hermenegildo Muvale. Questionado pelo SAVANA sobre este facto, Mavale aceitou, sem vacilar, dar as devidas explicações. Contou que também numa das reuniões do CA, o PCA deu uma ordem de que se devia comprar carros para os membros do Conselho de Administração dos ADM e para o ministro António Munguambe.

“Os carros foram comprados e um foi entregue ao ministro. Não foi da minha iniciativa comprar carro para o ministro. A única vez que vi e falei com o ministro Munguambe foi no dia da tomada de posse”, argumentou. Mas na questão do polémico carro, Cambaza responsabiliza Mavale. No entanto, reconhece que esta questão foi abordada numa das sessões do CA, mas foi executada pelo administrador Mavale.

“Não existe nenhuma autorização emitida pelo arguido Diodino Cambaza”, defende-se Cambaza, via advogados.

Antenor Pereira

Antenor Pereira, administrador financeiro dos ADM, é acusado de dois crimes, nomeadamente desvio de fundos e autoria material de crime de falsas declarações.

Quanto ao crime de desvio de fundos, o MP acusa Antenor Pereira de ter transferido da conta da empresa para a sua conta pessoal cerca de 25 mil dólares, valor que posteriormente viria a transferir para a conta de Munguambe.

Em sua defesa, Antenor diz que se tratou de um empréstimo feito à empresa Aeroportos de Moçambique destinado a tratar um assunto de interesse pessoal. Acrescenta que tal empréstimo foi feito ao Fundo Social existente na empresa para socorrer todos os trabalhadores e não apenas ao arguido Antenor Pereira. Diz que o valor em causa já foi devolvido na totalidade aos ADM em Setembro de 2008, mas reconhece que foi com algum atraso, facto que, segundo alega, tem acontecido com outros trabalhadores.

O empréstimo beneficiou Munguambe

Mas nas suas investigações, o SAVANA apurou que houve de facto um empréstimo avaliado em 25 mil dólares, solicitado por Pereira. O dinheiro foi retirado do Fundo Social da empresa, uma prática que já tem barbas brancas. Mas, segundo o MP, este valor, após ter sido transferido para a conta de Pereira, transitou, no dia seguinte, para a conta de António Munguambe. Mas como é que isso se deu? Questionámos, uma das nossas fontes. A mesma afiançou-nos que, numa conversa travada entre Pereira, Cambaza e Munguambe, este último terá solicitado um empréstimo de 25 mil dólares aos ADM, pedido recusado, sob alegação de que o antigo ministro não era funcionário da empresa. No entanto, Pereira terá se oferecido para solicitar o empréstimo em seu nome. Efectivamente, Pereira solicitou os 25 mil dólares, através de um documento que dirigiu ao PCA da empresa. O empréstimo foi autorizado. A respectiva transferência foi feita para a conta de Pereira. No dia seguinte após a transferência, os 25 mil dólares foram drenados para a conta de António Munguambe. Neste emaranhado todo, o MP fala de fraude com o objectivo claro de delapidar a empresa. Mas os advogados contra-atacam e falam em empréstimo, uma figura com existência legal.

“Não interessa para que fim foi usado o dinheiro. Na verdade foi um empréstimo feito por Pereira dentro das regras da empresa e o dinheiro já foi devolvido na totalidade. A palavra fraude que o MP usa não é chamada para este processo”, argumentou um dos causídicos de defesa quando abordado pelo SAVANA.

Outros crimes

Ainda no crime de desvio de fundos, o MP acusa Pereira de ter permitido que fossem pagas facturas no valor de 54 mil meticais emitidas pela SMS referentes aos serviços não fornecidos.

Neste caso, Antenor Pereira diz que a direcção financeira da empresa tem a responsabilidade de verificar se os documentos apresentados para o pagamento seguiram ou não todas as regras. Posto isto, acrescenta, a direcção financeira efectua o pagamento.

“Foi isto que aconteceu”, sublinha.

No crime de autoria material de falsas declarações, o MP diz que Pereira declarou na guia para o pagamento da SISA, que o imóvel sito na Kim Il Sung foi adquirido por 425 mil dólares, enquanto que, no entender da acusação, foi por 850 mil dólares.

Nesta crime, Pereira defende-se referindo que a empresa foi induzida em erro pela imobiliária Algarve encarregue pela compra. Na celebração da escritura pública, a referida agência declarou o valor 425 mil dólares, facto que, acrescenta, escapou à atenção da empresa dada a confiança depositada naqueles serviços. Acrescentam que detectado o erro, a situação foi corrigida através de uma empresa de advogados, pagando-se o valor real.

Enquanto isso, Luís Carlos, advogado de Antenor Pereira, através de documentos remetidos ao tribunal e à própria procuradoria e que o SAVANA teve acesso, mostra-se indignado pelo facto de ainda não ter sido despachado o seu pedido de liberdade provisória que já havia sido feito muito antes da acusação e mesmo depois desta.

O causídico considera não haver razões para a não concessão da liberdade provisória já que Pereira afirma que juntou toda a documentação que eventualmente poderia ainda querer reunir como prova, nomeadamente, o empréstimo de USD 25 mil, o valor do SISA rectificado e a questão do pagamento de facturas correspondentes a 54 mil meticais a SMS.

Luís Carlos diz ainda que, mesmo existindo essa suspeita por parte do MP, existem medidas de coação que poderiam ser-lhe impostas para não perturbar o prosseguimento da instrução.

Mavale arguido?

Segundo documentação na posse do SAVANA, Mavale foi constituido arguido por haver fortes indícios de ter participado no crime de desvios de fundos nos Aeroportos de Moçambique. Os advogados de defesa dos arguidos detidos em conexão com este caso dizem que estranhamente Hermenegildo Mavale saltou do processo e responde agora na qualidade de declarante. Mas em declarações ao SAVANA, Mavale nega que em algum momento tenha sido constituido arguido. O SAVANA exibiu-lhe o mandado para a notificação assinado pela escrivã Guilhermina Macuácua a 13 de Novembro de 2008. De seguida, Mavale confirmou que efectivamente recebeu um mandado vindo da Procuradoria da República da Cidade de Maputo a notificá-lo para uma audição em auto de perguntas acompanhado do seu advogado. Só que, conta Mavale, no dia seguinte, após acusar a recepção do referido mandado, recebe um telefonema da PRC a referir que houve um engano e ele devia ser ouvido como declarante e não arguido.

SAVANA – 16.01.2009

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