A XILOGRAVURA COMO ILUSTRAÇÃO DO TEXTO …



A xilogravura como ilustração do texto jornalístico:

uma análise do trabalho de João da Escóssia Nogueira

no jornal “O Mossoroense”, de 1902 a 1906

Cid Augusto da Escóssia Rosado

Aluno do mestrado em Estudos da Linguagem da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

1. Introdução

As xilogravuras de João da Escóssia Nogueira consolidam, em O Mossoroense, o espaço da imagem na imprensa do Rio Grande do Norte. Em 1901, quando o poeta Olavo Bilac (1996: 165) queixava-se da presença dos ilustradores nos jornais cariocas, dizendo “O lápis destronará a pena,” João da Escóssia fundava o O Echo, em Mossoró, cidade encravada em pleno semi-árido nordestino.

Não encontramos exemplares do O Echo, grafado por alguns autores como O Eco, para ajustar ao português contemporâneo, mas a xilogravura que ilustrava o frontispício desse veículo e os registros de historiadores sérios, a exemplo de Vingt-un Rosado (1940), Lauro da Escóssia (1991) e Luiz Fernandes (1998), comprovam que ele realmente circulou no início do século XX.

Aos 12 de julho de 1902, João reabriu o jornal fundado em 1872 pelo pai dele, Jeremias da Rocha Nogueira, contando este com a ajuda de José Damião de Souza Mello e Ricardo Vieira do Couto. O Mossoroense voltou às ruas diferente, seguindo as tendências da época[1]. Quem antes era “Semanario, político, commercial, noticiozo e anti jesuitico” tornou-se “Periodico, Humoristico e illustrado” (sic!).

A capa da primeira edição desse período traz na lateral esquerda do frontispício o rosto de Johannes Guttenberg, o homem que revolucionou o processo de comunicação impressa. No restante da folha, entre o cabeçalho e o rodapé, onde pode ser lida a frase “homenagem ao mártir da liberdade”, João imprimiu uma xilogravura com a imagem de Frei Miguelinho.

Outro detalhe é que João da Escóssia teria sido o introdutor da caricatura no Rio Grande do Norte e um dos responsáveis pelo fortalecimento da ilustração publicitária. As primeiras propagandas ilustradas em O Mossoroense, na segunda fase, são do Atelier Escóssia, empresa mantenedora do jornal. Algumas delas trazem o auto-retrato de João.

Até 1906, João da Escóssia produziu charges, caricaturas, retratos e ilustrações publicitárias, seguindo tendências do Centro-Sul. Os traços delgados e o efeito com a sombra produzindo nuanças enriquecedoras da imagem são características da obra desse artista que, apesar de sua relevante colaboração para o de- senvolvimento do jornalismo norte-rio-grandense, ainda não conquistou o espaço merecido na pesquisa da comunicação social.

No Atelier Escóssia eram confeccionadas, ainda, xilogravuras para rótulos de produtos diversos, inclusive de medicamentos. Esses rótulos, porém, não fazem parte de nossa pesquisa, que se concentra no trabalho de xilógrafo desenvolvido por João da Escóssia, em O Mossoroense, no período que vai de 1902 a 1906[2].

O ideal seria analisar o acervo até 1919, ano da morte do artista, pois há referências desencontradas acerca do período em que João da Escóssia parou de ilustrar O Mossoroense com a xilografia. Pelo menos três anos são mencionados: 1906, 1908 e 1919. No entanto, o arquivo de jornais do Museu Histórico Lauro da Escóssia encontra-se indisponível.

2. Metodologia

Utilizando o método histórico, que “consiste na investigação de fatos e acontecimentos ocorridos no passado para se verificar possíveis projeções de sua influência na sociedade contemporânea” (FACHIN, 2003: 38), buscamos demonstrar a importância de João da Escóssia na consolidação da imagem na imprensa do Rio Grande do Norte.

A pesquisa cumpriu as seguintes etapas: escolha e análise das referências bibliográficas, digitalização dos exemplares de jornal a serem estudados, consulta na Internet, a xilogravuristas e a estudiosos no assunto, seleção das xilogravuras e redação do texto.

Para ampliar a compreensão sobre o tema, dividimos o trabalho em duas partes: primeiro, situamos o leitor sobre o que é xilogravura (conceito, história e técnicas) e, em seguida, passamos às considerações sobre a vida e a obra de João da Escóssia.

3. Noção etimológica

Xilo vem do grego xýlon e significa madeira, tronco. No século XIX, surgiu a palavra xilografia, do francês xylographie que, por sua vez, deriva-se do grego xylographéo, escrito em madeira ou sobre madeira (Cf. CUNHA, 1997: 833). O termo xilogravura é catalogado apenas no século XX, como sendo a arte de se fazer gravuras em madeira ou a impressão obtida por meio dessa técnica.

4. Origem da xilogravura

A invenção da xilogravura é atribuída aos chineses, que a utilizavam para imprimir ideogramas: “Evoluiu-se, então, para a escrita fonética e, posteriormente, para a criação de alfabetos, onde cada símbolo representava um som. Os chineses, porém, não ultrapassaram a fase dos ideogramas" (Herskovits, 1986: 89).

Antonio Costella (1984: 35) reporta-se a historiadores que se referem ao uso da xilogravura, no mesmo período dos chineses, no Japão, na Índia, na Pérsia e na América Pré-colombiana.

Na Europa, conforme Herskovits (1986), a xilogravura surgiu no século XV para imprimir imagens de santos e cartas de baralho. Escultores e marceneiros preparavam as matrizes para impressão. Nesse período, os europeus descobriram os livros tabulares, pela produção dos quais se notabilizaram Alemanha, Bélgica e Holanda.

Em meados do século XVI, a xilogravura entra em decadência na Europa, passando a ser utilizada em publicações de caráter popular, como aconteceu no Brasil, onde a sua principal função ficou sendo ilustrar capas de cordel.

A imprensa levou a xilogravura para os países americanos de língua espanhola. Os colonizadores, que em 1539 montaram uma tipografia na Cidade do México, desejavam, por meio dessa arte, transmitir sua cultura ao povo da colônia.

5. A xilogravura no Brasil

No Brasil há duas vertentes da xilogravura, a indígena, que suscita controvérsias, e a européia, que é plenamente reconhecida. O pintor italiano Guido Boggiani, em viagem a Mato Grosso, em 1892, constatou que os nativos entalhavam figuras em pedaços de madeira e, com estes, carimbavam os próprios corpos (Cf. COSTELLA, 1984: 83). Pode ser, no entanto, que os indígenas não a tenham desenvolvido, mas sim aprendido a técnica com missionários portugueses, no século XVII.

As primeiras impressões de origem européia, em território brasileiro, foram feitas em Recife-PE, por volta de 1634 a 1640, durante a dominação holandesa (Cf. Hallewell, 1985: 10-12 e 549), e no Rio de Janeiro-RJ, por um português que imprimiu folhetos, sendo impedido de prosseguir o trabalho por ordem da Coroa lusitana.

A tipografia e a xilogravura só voltaram a ser utilizadas no Brasil, de modo oficial, a partir de 1808, com a chegada da Família Real e a instalação da Imprensa Régia, do Arquivo Militar e do Collegio das Fábricas, no Rio de Janeiro.

Há cultores da xilo artística, contudo a xilogravura continua viva no Brasil graças à literatura de cordel, que também chegou ao País pelas mãos dos colonizadores portugueses.

O uso da xilogravura como capa de folheto é recente. Os primeiros exemplares conhecidos são do fim do século XIX, embora seja interessante lembrar que a Imprensa Régia imprimiu, em 1815, várias histórias populares, ilustradas com toscas xilogravuras na capa, que até hoje são repetidas como clássicos do cordel, como é o caso da Princesa Magalona (Herskovits, 1986: 141).

Conforme Luyten (1983: 257): “O início da xilogravura popular na literatura de cordel se deve, sobretudo, à pobreza dos poetas e editores em encontrar clichês de retícula ou outros recursos gráficos para a ilustração das obras”.

6. Confecção da xilogravura

Para se fazer uma xilogravura, o primeiro passo é a escolha da madeira e do estilo em que ela será cortada para confecção das matrizes. Os gravadores preferem espécies que resistam a um grande número de impressões e, ao mesmo tempo, sejam macias para o entalhamento. A mais popular é a imburana (ou umburana).

Há duas técnicas de corte dos troncos de árvore para produção de matrizes: ao fio e ao topo. Naquela o tronco é cortado paralelamente ao veio, gerando tábuas, e nesta o corte é feito de modo transversal, produzindo discos de madeira.

Cortada em blocos, a madeira é lixada. Os blocos geralmente têm dois centímetros de espessura, altura de um tipo móvel, para que se encaixem nas impressoras tipográficas. Depois do polimento, a matriz está pronta para ser talhada. Alguns fazem o desenho no papel e marcam a madeira a fim de cortá-la a partir do esboço.

Vencida mais essa etapa, é chegada a hora do tintamento. O xilógrafo passa tinta sobre a matriz com um rolo e a imprime, como se fosse um carimbo.

7. João da Escóssia e a xilogravura no O Mossoroense

João da Escóssia Nogueira, primeiro Escóssia de Mossoró, era o terceiro filho de Jeremias da Rocha Nogueira e Izabel Benigna da Cunha Viana que, antes dele, tiveram Cecília e Agar, vindo esta a morrer ainda criança. Cecília viveu sempre junto ao irmão e faleceu solteira com pouco mais de 30 anos de idade. A referência a “Escóssia de Mossoró” deve-se ao fato de nos Estados do Rio de Janeiro e do Ceará existirem pessoas com o mesmo sobrenome, mas sem parentesco com as homônimas mossoroenses (Cf. AUGUSTO, 2000: 279).

Na época do nascimento de João da Escóssia, ocorrido aos 27 de maio de 1873, fervia o litígio entre a Igreja Católica e a Maçonaria, guerra que em Mossoró veio a se acirrar menos de um mês depois com a instalação da Loja Maçônica 24 de Junho. Os “pedreiros livres” passaram a sofrer acusações diárias por parte do vigário Antonio Joaquim, que também era um dos chefes políticos locais. Jeremias, “homem livre e de bons costumes” [3], respondia com severidade no jornal O Mossoroense, de sua propriedade, em cujo frontispício, dos 26 de abril aos 8 de novembro de 1873, constou a epígrafe: “Semanario, político, commercial, noticiozo e anti jesuítico” (sic!).

Quando nasceu o filho de Jeremias, que possivelmente se chamaria João Batista da Rocha Nogueira, Antonio Joaquim não aceitou batizá-lo. Motivo alegado: o pai e o padrinho Targino Nogueira de Lucena eram maçons. Assim, o pai levou o rebento para a Loja Maçônica 24 de Junho, onde o batizaram simbolicamente com o nome daquele que acreditavam ser o patrono da Ordem Escocesa Antiga e Aceita, São João da Escócia. Daí, João da Escóssia Nogueira[4].

Dias após o seu nascimento, foi levado à Igreja Matriz de Santa Luzia a fim de receber as águas lustrais do batismo. Seria batizado com o nome de João Batista da Rocha Nogueira. Na época dessa cerimônia estava em evidência a luta entre a Igreja Católica e a Maçonaria, em nossa cidade seriamente fomentada através do jornal, que tinha o pai do neófito como diretor, pois era Jeremias da Rocha ‘homem de bons costumes’. O padrinho seria Targino Nogueira de Lucena, outro maçom, pelo que os dirigentes católicos rejeitavam batizar o inocente rebento de Jeremias. A providência não se fez esperar. Jeremias conduziu a criança à Loja Maçônica 24 de Junho, sendo ali batizada com o nome do patrono da Ordem Escocesa Antiga e Aceita - São João da Escóssia. Esta foi a solução lógica que deu origem à família Escóssia, hoje com centenas de descendentes radicados em vários Estados do País (ESCÓSSIA, 1978: 49).

João da Escóssia foi jornalista, xilógrafo, chargista, caricaturista, tipógrafo, artista plástico, desenhista e cenarista de teatro. Ingressou na 24 de Junho como Lowton e depois se tornou maçom. Fundou o jornal O Echo, em 1901. Reabriu em 1902 o jornal fundado pelo pai dele, com uma inovação: as páginas agora eram ilustradas com gravuras, cujas matrizes – xilogravuras – o próprio João talhava em madeira, utilizando um simples canivete.

A respeito dessa que foi a segunda fase do O Mossoroense, ressurgido como “Periodico, humoristico e Illustrado”(sic!), sob o comando de João da Escóssia, com o apoio dos redatores Antonio Gomes e Alfredo Mello, destacamos:

Em 1901, o velho e glorioso órgão de nossa imprensa ressurgiu sob a capa d’O Eco, jornal humorístico, durando até 1902.

Marca este último ano, o início da 2ª fase d’O Mossoroense, aos 12 de julho. São seus novos redatores o coronel Antônio Gomes de Arruda Barreto e Alfredo de Souza Melo, filho de José Damião. Gerencia-o, com muita competência, o redator-xilógrafo João da Escóssia, que também é seu proprietário. Traz agora o intuito de prestar ‘serviços às letras, às artes, às ciências, às indústrias e ao desenvolvimento de todos os ramos da atividade humana’. Nesta segunda fase era quinzenal, passando-se em 1905 a publicar-se três vezes ao mês. Imprimia-o a Aurora Escossesa, depois Atelier Escóssia. Mais tarde seria semanal e em sua última etapa, bissemanal, saindo às quartas e aos domingos (ROSADO, 1940: 114).

O jornalista Lauro da Escóssia, filho de João da Escóssia, também atesta a existência do O Echo, mas fornece uma data diferente para sua fundação:

Aperfeiçoando-se na arte de xilogravura, João da Escóssia realizou o milagre da restauração da imprensa em Mossoró. Em princípio de 1900, além de engendrar e fazer funcionar com êxito um prelo de madeira, mandou à circulação ‘O Echo’, jornal de pequenas dimensões em evidência até princípios do ano seguinte, trazendo em seus seis números, ilustrações com clichês de madeira, desde o cabeçalho humorístico até cenas do cotidiano (ESCÓSSIA, 1991: 6).

Luiz Fernandes cita um texto, segundo ele transcrito do programa do O Mossoroense, no intuito de comprovar o “parentesco” entre esse e o O Echo:

Assim se denominou o primeiro jornal que, há trinta anos, mais ou menos, aqui saiu à publicidade, sendo seu proprietário e um dos redatores Jeremias da Rocha Nogueira, pai de João da Escóssia, redator-xilógrafo e também proprietário deste.

O primeiro O Mossoroense, por isso que era um jornal político, teve que imiscuir-se em lutas, criadas e alimentadas pelo acanhamento das idéias de então e predominante exagero das facções.

O segundo, sucessor do Eco, cuja publicidade parou, há poucos dias, para dar lugar a este jornal, apresenta-se como um jornal periódico, humorístico e ilustrado, e tem intuito de prestar, como puder, serviços às letras, às artes, às ciências, às indústrias e ao desenvolvimento de todos os ramos da atividade humana (FERNANDES, 1998: 134).

A reabertura do O Mossoroense traz a marca do segundo período da imprensa brasileira, que durou de 1880 a 1910 (Cf. BAHIA, 1990: 105). O jornal passa a ganhar dimensão de empresa e a política partidária não é mais a sua mola propulsora. Não há a agressividade dos primeiros anos. É a época em que os processos de composição e impressão passam a ser aprimorados, a caricatura[5] ganha espaço e cresce a consciência de que o objetivo do jornal é a notícia.

João da Escóssia esculpia xilogravuras, com madeira cortada ao fio, para ilustrar o jornal fundado pelo pai dele, sendo alguns desenhos copiados ou inspirados em ilustrações publicadas em revistas do Sul do Brasil. Chama a atenção dos especialistas, a fineza do traço nos trabalhos desse artista que produzia xilogravuras com base em temas diversos: paisagens, caricaturas, charges satirizando ocorrências políticas, cenas históricas e cotidianas. Ele também fazia carimbos e rótulos para medicamentos e ilustrava propagandas do jornal.

Na segunda palestra do I Ciclo de Conferências e Estudos Mossoroenses, em agosto de 1958, o jornalista e escritor Jaime Hipólito Dantas assim se expressou:

De João da Escóssia, pode-se dizer, primeiro que tudo, que se tratava de um artista de primeira ordem. Era um admirável xilógrafo, com uma capacidade simplesmente extraordinária para retratar, em madeira, com o auxílio de um mero canivete, figuras do seu tempo ou de outras épocas, como ainda objetos, fatos ou alegrias para a ilustração de notícias ou reportagens.

A arte do xilógrafo João da Escóssia estaria a merecer um estudo à parte por um entendido na matéria. Como se explicar que um homem do interior, sem qualquer estudo especializado, haja chegado a dominar com tal perfeição a arte, não tão fácil, da xilogravura? Possuía o artista o senso da observação dos detalhes mais diminutos. Parecia ser ágil, sutil e penetrante. Uma vocação, sem dúvida, de puro retratista, que a província, na pequenez das suas proporções, no incolor da sua vida no princípio do século, não pode devidamente valorizar (DANTAS, 1958: 33).

Na antologia Literatura de Cordel, organizada por José de Ribamar Lopes e publicada pelo Banco do Nordeste, é reconhecido o pioneirismo de João da Escóssia que, na região nordestina, segundo Ribamar, antecipou-se até aos ilustradores de capas de folhetos de cordel:

Qualquer esforço sério de pesquisa não pode ignorar que na primeira década deste século, quando os primeiros romances em versos eram editados sistematicamente sem ilustrações, por Leandro Gomes de Barros, um jornal do interior do Rio Grande do Norte, O Mossoroense, já utilizava a xilogravura para destacar as notícias, a publicidade ou os artigos assinados mais importantes de sua edição. As gravuras publicadas rotineiramente em O Mossoroense, um dos três mais antigos jornais em circulação no Brasil, eram talhadas pelo próprio diretor e proprietário, João da Escóssia, que se dedicou a esse trabalho no período que vai de 1902 até sua morte, no ano de 1919 (LOPES, 1994: 61).

A pesquisadora Mariza Araújo (2000: 35) também afirma que Escóssia antecipou-se aos ilustradores de capas de cordel, com as xilogravuras publicadas no O Mossoroense no início do século XX: “No início do século XX, o jornal O Mossoroense, do Rio Grande do Norte, foi o primeiro periódico brasileiro a usar a xilogravura, para ilustrar novelas, propagandas e artigos, passando depois para os folhetos de cordel”.

O gravador Aucides Sales (1999: 1-4), especialista em Teoria das Artes Plásticas pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), afirma que em 1889, nas primeiras edições do A República, foram publicadas charges que podem ter sido feitas em xilogravuras, mas admite que, devido à falta de informações sobre a técnica e a autoria dos trabalhos, a primazia fica com João da Escóssia, no O Echo.

Consultando o acervo do A República disponível no Instituto Histórico e Geográfico do RN, encontramos algumas ilustrações, possivelmente gravadas em metal, como a de Pedro Velho, a de uma casa (no anúncio da venda de uma casa no município de Ceará Mirim) e de instrumentos musicais na propaganda do “Grande concerto vocal e instrumental”, no salão da Intendência natalense (Cf. A República, 1889: nº 1, p. 3, e nº 47, pp. 3 e 4).

Sales afirma também que xilógrafos anônimos ajudaram a ilustrar o O Mossoroense. O autor de A Xilogravura Potiguar aponta 1906 como o ano em que, a partir de uma reforma gráfica, o jornal deixou de circular ilustrado. Para Lauro da Escóssia (1991:10), “Todos os números do O Mossoroense circulados entre 1902 a 1908, aproximadamente, atestam o valor da arte e seu executor” [6].

Um dos xilogravuristas que teriam ajudado a João da Escóssia chama-se Francisco Meneleu e reside em Fortaleza (Cf. SALES, 1999: 1). Vale salientar que, posteriormente, Sales verificou, pela idade, que Meneleu não poderia ter contribuído com João da Escóssia.

Na região Nordeste, além do controverso caso do A República, outra referência que encontramos acerca de um jornal ilustrado com xilografia antes do O Mossoroense é feita pelo Barão de Studart. Segundo ele, o O Cancão, impresso em Baturité-CE, circulou em 1891 com caricaturas xilográficas abertas em cajazeira (Cf. CARVALHO, s/a: 10).

Dezenas de xilogravuras do O Mossoroense acabaram destruídas. Apenas algumas foram conservadas, copiadas e colecionadas em dois álbuns, um feito por Lauro da Escóssia Filho e outro por Maria Lúcia da Escóssia, netos de João da Escóssia.

Segundo o pesquisador Anchieta Fernandes, João da Escóssia foi o primeiro caricaturista do Rio Grande do Norte. Diz ele:

João da Escóssia, precursor - iniciamos mesmo com o homem que, até provas em contrário, pode ser considerado o introdutor do gênero caricatura na imprensa do Estado: João da Escóssia Nogueira (...). Com o auxílio de um simples canivete perfurava e rasgava pedaços de madeira (cajazeiras, preferencialmente), onde punha em relevo os traços dos seus desenhos e caricaturas. Seu pioneirismo, aliás, já vinha de antes, do ano de1901, quando fez circular o primeiro órgão humorístico ilustrado da zona oeste, o jornal o “Echo”, que imprimia num pequeno prelo que fabricara.

...

Do ponto de vista estético, uma obra classificável, no mínimo, como correta. Descontadas as influências de estilo dos caricaturistas que eram seus contemporâneos, a sua técnica tinha um virtuosismo próprio, aproveitada admiravelmente para desenhos clássicos ou caricaturados, cuidando de colocar os detalhes necessários a retratar o facies urbano ou sócio-antropomorfo da Mossoró daquele tempo. E os seus trabalhos de xilógrafo lembravam zincografia. Plenas de movimento e plasticidade, suas figuras, seus personagens em caricaturas ou em retratos sérios (não-caricaturados, ou o monumento da Estátua da Liberdade, ou as pracinhas, ou os campos do sertão, ou os túmulos barrocos dos cemitérios imaginários - tudo sugeria a qualidade gráfica de um artista que lia e colecionava revistas como O Malho, Careta, Fon-Fon, Ilustração Brasileira, entre outras (ESCÓSSIA, 1991: 9).

João foi um homem preocupado com o futuro intelectual das novas gerações. Em 1901, inscreveu-se junto a outros cidadãos para prestar auxílio ao Colégio Sete de Setembro, fundado aos 7 de setembro de 1900 pelo professor Antônio Gomes de Arruda Barreto, que transferiu sua escola da Paraíba para Mossoró a convite do farmacêutico Jerônimo Rosado. Escóssia era, no dizer de Barreto (1982:12), “... amador extremo da instrução, por cujo progresso grandemente se empenha”.

Casou-se com Noemi Dulcila de Souza, posteriormente Noemi da Escóssia, com quem teve 12 filhos. Ele faleceu aos 14 de dezembro de 1919. Além de patrono de uma rua no bairro Nova Betânia, em Mossoró, o seu nome aparece no frontispício de um dos templos maçônicos da cidade, a Loja João da Escóssia, fundada aos 15 de maio de 1967, por um grupo de 13 obreiros oriundos do quadro da Loja 24 de Junho.

Quando morreu, João da Escóssia já usava cadeira de rodas há cerca de 9 anos, depois de um início de paralisia. Chegou a viajar ao Rio de Janeiro para tratamento na clínica do Dr. Henrique Roxo. Também lhe eram freqüentes inchaços e fortes dores na mão direita, justamente a que imprimia força no canivete para fazer as xilogravuras.

8. Conclusão

Os estudos em torno da xilogravura de João da Escóssia em O Mossoroense merecem – e precisam – ser aprofundados para dirimir dúvidas acerca do período exato em que o jornal circulou com ilustrações xilográficas e para esclarecer a partir de quando e o quanto outros xilógrafos contribuíram com o jornal.

É preciso também investigar para estabelecer a época em que Escóssia começou a produzir gravuras em madeira. Referimo-nos aqui ao O Echo e ao O Mossoroense, mas o apuro da técnica leva-nos a acreditar que o artista iniciou a produção de suas peças ainda no século XIX, antes desses periódicos.

O estilo de João da Escóssia, apesar de haver ficado bem definido, carece de um estudo comparativo de maior monta, para determinar as influências predominantes, as diferenças e as características entre o trabalho dele e o de outros gravadores que atuavam, sobretudo na imprensa, entre 1902 e 1906.

Estamos convictos, no entanto, de que este trabalho cumpre o objetivo de trazer a arte de João da Escóssia para ser discutida pela comunidade científica, que certamente não perderá a oportunidade de aprofundar a pesquisa em torno de tão importante tema para a História do jornalismo norte-rio-grandense.

9. Referências bibliográficas

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___________. Natal, n° 16, 14.10.1889, p.4.

___________. Natal, n° 47, 2.5.1889, p.4.

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TÁVORA, Araken. Pedro II através da caricatura. Rio de Janeiro: Bloch, 1975.

ANEXOS

AMOSTRA DE XILOGRAVURAS

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[1] A segunda fase da imprensa brasileira, de 1880 a 1910, é marcada por uma série de avanços nos métodos de composição e impressão e pela publicação crescente de caricaturas.

[2] Vale salientar que, mesmo nesse período, o arquivo está incompleto. Alguns exemplares foram destruídos pela ação do tempo e dos homens.

[3] Pedreiro livre e homem livre e de bons costumes são expressões que designam o maçom.

[4] Paulo Evaristo Arns, em Santos e Heróis do Povo, não menciona São João da Escócia e, curiosamente, hoje a própria Maçonaria reconhece que esse santo não existe (Cf. CAMINO, 2ª ed: 50).

[5] Araken Távora (1975: 8) informa que a publicação da primeira caricatura do Brasil se deu aos 14 de dezembro de 1837, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. O autor, Manuel de Araújo Porto Alegre, foi o discípulo preferido de Debret.

[6] O texto entre aspas está sem assinatura na capa do caderno especial de aniversário do O Mossoroense, aos 17 de outubro de 1972. Em A arte admirável de João da Escóssia, p.10, ele é atribuído a Lauro.

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FIGURA 8 – xilogravura com propaganda de João da Escóssia. (Foto: Luciano Léllys).

O Mossoroense, nº 39, 15.1.1904: frontispício novo retratando, da esquerda para a direita, o Mercado Central de Mossoró, uma caixa-d’água construída e o Edifício Rocha construído por Delmiro Rocha na Praça da Independência. A xilogravura principal alude ao ano recém-iniciado.

O Mossoroense, nº 15: no século XVIII, RN e CE iniciaram a briga que ficou conhecida como “Questão de Grossos”. A pendenga só foi resolvida em 1915, quando o RN, cujo advogado era Ruy Barbosa, confirmou no STJ o direito sobre Tibau e Grossos.

O Mossoroense, nº 46, 29.4.1904: a caveira e a foice sobre a Bandeira e a Constituição brasileiras representam a miséria e a fome que a seca traz para o Nordeste do País.

O Mossoroense, nº 50, 16.6.1904: o sonho da estrada de ferro continua inspirando o artista.

O Mossoroense, nº 99, 13.4.1906: a expressão do Cristo demonstra a profundi-dade e a riqueza de detalhes da obra de João da Escóssia.

O Mossoroense, nº 60, 29.11.1904: imagem de Nossa Senhora da Conceição, representando a crença das “massas incultas” no socorro dos céus para acabar com o drama da seca.

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