Evolução gráfico-visual da mídia impressa brasileira



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

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GT História das Mídia Impressa

Coordenação: Prof. Luís Guilherme Tavares (NEHIB)

Evolução gráfico-visual da mídia impressa brasileira

Prof. Dr. José Ferreira Junior (professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão).

Resumo

A evolução gráfico-visual dos jornais brasileiros rumou, na segunda metade do século XX, para modificações morfológicas e conteudistas que até hoje influenciam a mídia impressa brasileira. Foram escolhidas duas matrizes teóricas para um tratamento analítico: a sintaxe da linguagem visual e a teoria da informação. Empreende-se um diálogo entre a matriz teórica e as ramificações no âmbito do contexto e no campo específico da história do jornalismo, acrescendo-se alguns aspectos concernentes à arquitetura urbana, à literatura, às artes plásticas e à poesia concreta. Percorre-se o trajeto evolutivo desde a reforma gráfica do Jornal do Brasil, elaborada pelo artista plástico Amílcar de Castro e jornalistas como Odylo Costa, filho, Jânio de Freitas, nos anos 50, chegando-se às contemporâneas capas-cartazes, elaboradas pelo paulistano Jornal da Tarde ou pelo Correio Braziliense de Brasília.

Palavras-Chave: Jornalismo, História e Design Gráfico

A programação visual das capas de periódicos diários — a primeira página de um jornal — é uma atividade rotineira; entretanto, conforme o projeto editorial da publicação, pode conter a cada dia um valor inusitado, assumindo uma importância capital para a prática jornalística em função de se colocar como o primeiro registro gráfico com o qual o leitor tem contato quando se depara com o conjunto visual da página impressa. Nessa “novidade” cotidiana, está incluído o elemento informacional, conceituação inerente à Teoria da Informação.

Cabe esclarecer a motivação que separa o entendimento do que seja “informação” no meio jornalístico e na formulação dos engenheiros Shannon e Weaver. Nesse último aspecto, tem-se uma medida estatística de possibilidades de opções, levando-se em conta um repertório de signos dados. Já, no âmbito jornalístico, “pode-se entender como qualquer coisa que seja passível de conhecimento público. Muitas vezes a notícia, analisada sob a luz da Teoria da Informação, não contém informação alguma, devido a sua redundância” (Henn, 1996, p. 33). No âmago de prática jornalística, todavia, está presente a idéia de informação, incorporada a elementos como a novidade e a surpresa, que, por sua vez, serão sempre submetidas a triagens, escolhendo-se um tema e rejeitando-se outro.

O pressuposto norteador dessa argumentação vai buscar sentido na concepção de que existe uma galvanização mestiça/híbrida na América Latina em geral, e, no Brasil, em particular. Amparado na perspectiva sistêmica e no elenco técnico-terminológico da proposição de sintaxe da linguagem visual, objetiva-se mapear e descrever os principais traços constitutivos das capas de jornais brasileiros, destacando-se os diários que tenham contribuído para o alargamento do repertório de signos que compõem a expressão gráfico-jornalística.

O esplendor imagético na sistematização da mestiçagem cultural, entabulada por Lezama Lima, para a América Latina, é um dos pilares de nossa análise, a qual comunga também com a crítica à crítica do pensamento frankfurtiano, estabelecida por Néstor Canclini, prudentemente otimista quanto ao potencial técnico-revolucionário dos meios massivos, posição esta a qual compartilham com pensadores europeus como Benjamim, Zumthor e Morin. No caso brasileiro, o exemplo mais emblemático está representado pela metáfora antropofágica do poeta Oswald de Andrade.

A questão urbana e suas conseqüências para o processo de expansão do complexo visual citadino, cuja imprensa faz parte, não pode deixar de ser mencionada, porque expõe as influências sofridas pelos design gráfico no plano da mídia impressa. Pretende-se dialogar com os enunciados teóricos fundamentados na Teoria da Informação e no modelo Sintaxe da Linguagem Visual, instituído por Donis Dondis, permeando-se a análise com a contribuição de Max Bense, Abraham Moles, Edgar Morin e Henri Atlan, na perspectiva de uma formulação sistêmica acerca das noções de ordenação e organização. Passa-se a conviver com os conceitos de simetria e assimetria.

O processo de modificação gráfica nas capas dos jornais brasileiros, a partir da década de 1950, compõe um panorama que se estende até os dias de hoje, destacando-se a reforma gráfica, no Rio de Janeiro, do Jornal do Brasil, nos anos 50, comandada pelo artista plástico Amilcar de Castro, o projeto revistizado e exponencialmente visual do Jornal da Tarde em São Paulo e a performance visual contemporânea do Correio Braziliense, em cujo projeto gráfico evidenciam-se traços herdados de experiências anteriores.

A reforma do Jornal do Brasil começou pelo suplemento literário, mas, aos poucos, foi se espalhando pelo conjunto da publicação, chegando até a capa, cuja expressão gráfica consistia em nove colunas simetricamente dispostas com anúncios publicitários. Amílcar de Castro introduziu conceitos de assimetria na programação visual do Jornal do Brasil. No caso da primeira página, criou um “L” que mantinha a identidade visual anterior à reforma (os anúncios publicitários), deixando o restante da página com um visual assimétrico, composto por títulos, textos, fotos e principalmente valorizando o espaço em branco da página.

O Jornal da Tarde, desde os primeiros números, já sinalizou para o rompimento com o conceito de coluna, aproximando-se, ao longo de sua história, do conceito de capa-pôster ou capa-cartaz. O diário da capital paulista começou a circular em janeiro de 1966 e teve como uma de suas marcas características a programação visual ousada, na qual os próprios editores eram incentivados a desenhar as páginas de suas editorias. Contudo, foi na década de 80 que o Jornal da Tarde publicou suas capas mais expressivas e que se tornaram referências na mente dos leitores. Ficaram famosas as capas da campanha por eleições diretas da presidente da República em 1984. Por duas vezes, a primeira página do Jornal da Tarde foi ocupada quase exclusivamente com uma imagem visual. A primeira vez foi quando do registro do último comício da campanha realizado em São Paulo. A capa do JT se constituiu em uma foto do comício, sem manchete, título, texto. E a segunda aconteceu quando do dia seguinte à rejeição da emenda constitucional, por parte da Câmara dos Deputados. A capa foi uma enorme mancha preta com uma pequena legenda: “O País inteiro está decepcionado. Mas há um caminho: a negociação”. Essas capas aproximam o trabalho de programação visual de jornais dos efeitos estéticos produzidos pela publicidade e até pelas artes plásticas, principalmente, se tomarmos como parâmetros uma análise sistêmico-perspectivista, apontando para as combinações de materiais gráficos nas páginas dos periódicos diários.

Atualmente, o jornal que melhor representa essa tendência de rumar do ordenamento da página para algo mais orgânico é o jornal Correio Braziliense, editado em Brasília. Aproveitando a herança das reforma do Jornal do Brasil, do Jornal da Tarde (e obviamente de outros jornais editados no País e no exterior), o diário da capital federal, em algumas ocasiões, publica capas que ora se aproximam das capas-pôster do JT, ora lembram o hibridismo da solução gráfica que Amílcar de castro encontrou para o Jornal do Brasil na década de 50. O “L” do JB reaparece como recurso para introduzir informações que prestam serviço ao leitor. Um exemplo disso é a capa em que há o registro da morte do cantor norte-americano Frank Sinatra. Esses são exemplos de hibridez cultural e reaproveitamento de soluções gráfico-visuais que estão em consonância com a perspectiva de um continente rico em rearranjos artísticos e socialmente miscigenados.

Amálio Pinheiro, no rastro deixado pela formulação do teórico russo Tynianov sobre a estruturação das séries análogas à obra de arte, realoca as matrizes friccionais latino-aremicanas cujo projeto cultural se amplia na forma de engastes e tem como fundamento a exponencial exposição dos códigos analógicos (visual, gráfico, sonoro e oral). Para Pinheiro, os “processos civilizatórios têm o seu modo de conhecimento fundado numa especial relação material entre séries culturais concretas que constituem ao mesmo tempo relações entre sistemas e sub-sistemas de signos” (1999).

Com efeito, têm-se a inteligibilidade e a confirmação do pressuposto basilar deste trabalho, o qual se funda no entendimento de que a civilização “solar” das Américas já tem consigo um calor cultural irradiante, trazendo, nas suas inter-relações culturais a base informacional, sendo possível encontrá-la em grande parte das produções artísticas, de cuja apropriação vão se valer de modo criativo ou apenas massivo os meios de comunicação.

Num apanhado genérico, podem ser acolhidas, dentro de um alinhavo aberto e parcial, algumas séries com as quais há um efetivo diálogo entre a visualidade gráfica da mídia impressa e as manifestações científicas e culturais que se desenvolvem paralelamente à engrenagem diária dos jornais.

Enumerem-se algumas séries decisivas para as conexões aqui levantas:

• A vocação para a prática antropofágica de absorver, ao mesmo tempo eliminando detritos indesejáveis, as influências culturais externas que por aqui aportam, confere aos povos que habitam o continente latino-americano uma permanente capacidade de aparelhamento sensório. Isto é, consegue-se conviver e redirecionar os meios de comunicação, dos quais o jornal faz parte. Há uma ligação aqui bem forte com séries próximas dos códigos com os quais opera o jornal;

• A série urbana está contemplada na justaposição de signos em um ambiente tensivo, no qual se confrontam as imposições da ordem político-econômica e a exuberante paisagem que exige um tratamento adequado aos componentes macro e micro visuais. A página do jornal, exposta em banca, se insere no contexto dos pequenos itens que compõem o desenho visual urbano, cuja referência de diálogo permutativo mais forte são o outdoor, o cartaz de parede, a publicidade colada a pára-brisas traseiros de ônibus e tantos outros expedientes usados para veicular mensagens em espaços públicos, às vezes, até, chegando-se à saturante poluição visual;

• Na série não apenas vizinha, mas sobretudo co-participante do projeto jornalístico, o design gráfico, como se viu, alimenta-se e retroalimenta-se do que há de mais interessante e inovador, ganhando ênfase a assimetria, vinda desde os tempos da reforma gráfica do Jornal do Brasil, com o “mondrianista” Amilcar de Castro — não menosprezando as experiências anteriores —, passando por todas as tendências gráficas de jornais convencionais (ou mesmo alternativos). Ressalta-se, sobretudo, o arrojo de publicações como Jornal da Tarde, cuja radicalização formal e consolidado conservadorismo político seguem a tradição cultural latina em que as instituições asseveram por um lado e os artífices, às vezes, até mesmo sem plena consciência, apontam para outro, no qual está sobrepujança técnico-construtiva. Impasse tensivo e criativo aos quais muitos jornalistas ainda não se deram conta, presos que estão à crônica retórica sobre a concentração da propriedade dos meios de comunicação em torno de uma dúzia de famílias na realidade brasileira.

• Por fim, o diálogo com a série jornalística em si, cujo fator preponderante é a trajetória dos veículos. De uma verbalização escrita repudiadora do suporte da linguagem, chegou-se à panacéia visual (em função também da policromia) cuja presença não distingue mais quem, há uma década, não ousaria mais que uma ligeira assimetria em suas capas. O sucesso da programação visual do Correio Braziliense aponta para essa nova fase, trazendo, como se demonstrou, sinais de um alfabeto visual inerente nas primeiras páginas, e não somente nelas. Num resumo rápido, encontram-se desde uma simetria ordenadora e quase absoluta (Jornal do Brasil pré-reforma, por exemplo) até níveis de entropia máxima (um único signo como alfabeto) como no exemplo da capa do Jornal da Tarde do dia seguinte à rejeição da emenda das eleições diretas para presidente em 1984. Em meio a esses pólos, muitos continentes alfabéticos devem se constituir, pressentindo-se, para o caso brasileiro, uma tendência para as composições mais orgânicas do que ordenadas.

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