INSTRUÇÕES



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

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GT História da Mídia Sonora

Coordenação: Prof. Ana Baum (UFF)

Radionovela: cenas longe dos olhos

Autora: Eveline Alves

Co-autora: Wilma Morais [1]

Resumo: Este trabalho (site/paper) resgata a memória do rádio pernambucano contando a difusão da radionovela local desde sua produção, patrocínio, popularidade até os bastidores. Nele, aprofundamos a história de um gênero reunindo relatos de radialistas sobre o que e como faziam nas décadas de 40 a 60 do século passado, assim como fotos de época, perpetuando vozes, imagens e trechos de obras recentes. A produção brasileira teve em autores pernambucanos importantes produtores que adaptavam filmes para o núcleo produtor do Estado formado pelas Rádios Clube, Jornal do Commercio e Tamandaré. A escassez de bibliografia exigiu uma busca por depoimentos registrados nas falas e textos do site; as fotos passaram por um tratamento especial e foram recuperadas, virtualmente, dos estragos sofridos pela ação do tempo. O formato site permitiu a integração dos dados possibilitando o armazenamento de sons e imagens podendo ser acessado no . O paper conta sobre as fases da pesquisa e do desenvolvimento do próprio site que resgata, através de uma nova mídia, um antigo gênero radiofônico.

Palavras-chave: história do radio; memória sonora; radionovela pernambucana

INTRODUÇÃO

Mesmo com todos os avanços tecnológicos, o bombardeamento e o alarido das novas mídias, ainda não fomos capazes de esquecer os primórdios da comunicação. O rádio, ponto de partida para a mídia eletrônica de massa, ainda é, e será por muito tempo, um veículo indispensável no acesso à informação e ao lazer.

Mas, para continuarmos usufruindo de tão funcional veículo, se faz necessário resgatar e propagar suas origens. Como tudo começou? Como se deu a popularização? Como a “novidade” foi recebida pelos nossos antepassados? Todas essas informações são objetos de interesse não apenas de pesquisadores, mas de curiosos e amantes desse veículo tão simples, e ao mesmo tempo tão complexo.

Foi pensando nesse resgate que objetivamos mostrar como o radioteatro chegou e se instalou no Brasil, referendando a interpretação radiofônica, com destaque para a radionovela. Como produto de consumo popular, a radionovela marcou, além de uma época, várias gerações que cresceram acompanhando as histórias contadas pelo rádio.

Procuramos revelar como esse estilo de programa cresceu em todo o país – conseqüência do patrocínio de grandes empresas -, a popularidade que ganhou em Pernambuco, o sistema de produção e todo o processo de bastidores.

Recontando a história das radionovelas e seu sucesso na Era de Ouro do Rádio, conseguimos reunir em um site[2] , informações e fotos com os próprios radialistas da época, sobre o trabalho que se fazia nas décadas de 40 a 60, perpetuando assim, as vozes e imagens que marcaram tantas gerações. Reproduzimos também trechos de obras recentes como registro dos folhetins.

A pesquisa “Radionovela: cenas longe dos olhos”, aqui apresentada em CD e paper, conta mais uma etapa da história do rádio, a chegada deste estilo de programa no Brasil, o desenvolvimento em Pernambuco, e as curiosidades em torno da criação, produção e popularidade que alcançou.

METODOLOGIA

Resultado de um ano de trabalho que envolveu pesquisa, entrevistas, produção, redação, e tudo o que pudesse resultar numa obra de interesse plural para o público amante do rádio, e especificamente para pesquisadores, o trabalho foi projetado e desenvolvido a partir de um cronograma que o tornou dinâmico e eficaz.

Após o levantamento bibliográfico, passamos à localização de radiatores para a realização de entrevistas e garimpo de fotos, entre arquivos pessoais e públicos. As fotos obtidas com os radiatores são antigas e estavam em péssimo estado, devido a ação do tempo e de fatores climáticos. Para serem utilizadas no site , tiveram que ser trabalhadas em programas específicos para tratamento de imagem. Já as entrevistas realizadas foram decupadas e seus trechos mais significativos e coesos foram escolhidos para expressar o pensamento e a opinião dos radiatores – que também fizeram menção à dificuldade de resgatar a história das radionovelas em som e imagem, como comentou Jorge José:

“Presumo que a falta de cuidado na preservação da história do rádio pelos que atuaram naquele época tenha causado a escassez iconográfica legando aos que olham hoje pela janela da história apenas pouco mais de uma dúzia de fotos guardadas, certamente com muito zelo por um número reduzido de pessoas atentas a esse fato” ( Depoimento escrito pelo contra-regra Jorge José, em setembro de 2003)

A etapa de decupagem das entrevistas foi toda realizada na Associação de Rádios Populares de Pernambuco (ARPPE).

RADIONOVELA: CENAS LONGE DOS OLHOS

Um dos gêneros mais expressivos da Época de Ouro do Rádio, a radionovela fazia o ouvinte imaginar situações e ambientes, desenvolvendo sua capacidade de criar imagens. Sem contar com o apoio de imagens, os atores davam tudo de si nas interpretações, pois era o único meio de passar toda a emoção de uma “cena”.

Cada cena era peculiar a cada ouvinte. Cada um, da sua maneira, dava rostos e figurinos aos personagens, móveis e decorações às casas. Criavam seus próprios cenários, tendo, como único estímulo, a voz dos atores, e a sonoplastia da produção. Era a hora de criar cenas longe dos olhos.[3] (MORAIS: 1987)

Com sucesso absoluto, alcançando 80% de audiência, as histórias contadas eram ouvidas por todo canto. No Brasil, a novidade chegou na década de 40, quando se deu a chamada Época de Ouro. As novelas importadas aportaram, primeiramente, no Rio de Janeiro e São Paulo enquanto Pernambuco dava os seus primeiros passos na construção desse gênero com a radiofonização de filmes, que caracterizava, no entanto, o radioteatro.

A margem que separa o radioteatro da radionovela é muito tênue. Podemos dizer que todos os programas não jornalísticos, como os de auditório, humorísticos, adaptações de filmes ou contos literários faziam parte do radioteatro. As novelas também estavam incluídas nesse bojo. Enfim, tudo o que precisasse de interpretação pertencia a esse departamento, inclusive os “reclames”.

A radionovela era um elemento a mais dentro desse grande conjunto. Um elemento que se destacou mais que os demais por conta da sua dramaticidade e seu continuísmo ou seja, ela trazia a história seqüenciada, levada ao ar diariamente, durante alguns meses.

RADIONOVELA NO BRASIL

A chegada da radionovela no Brasil deu-se de uma forma no mínimo curiosa. Nada que tenha sido planejado, muito pelo contrário. Foi algo que surgiu naturalmente, com a evolução do rádio e a demanda do público. Porém, antigos radiatores e alguns pesquisadores não concordam entre si, e defendem pontos de vista diferente. Alguns dizem que o produto foi importado do México e de Cuba. Outros, que o movimento começou com a transmissão de peças teatrais e concertos, passando-se depois para as adaptações, já que, nem sempre, essas transmissões eram compreendidas sem as imagens.

Nós defendemos a tese de que os dois elementos contribuíram para a formação do gênero. As transmissões dos concertos e teatralização de histórias curtas ganharam mais fôlego com a chegada da idéia de se transmitir uma história seqüenciada de maior duração. Nesse mesmo tempo, chegavam, de outros países latinos, os scripts das novelas estrangeiras. Isso ajuda a confirmar que a estrutura dos folhetins veio de uma evolução não planejada.

O que se sabe ao certo é que, as primeiras novelas de longa duração radiofonizadas no Brasil foram a mexicana “Em Busca da Felicidade” e a cubana “O Direito de Nascer”, emitidas pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, e “A Predestinada” (1941), pela Rádio São Paulo. Foi também esta última emissora que, em 1947 transmitiu “Fatalidade”, de Oduvaldo Viana, a primeira novela genuinamente brasileira.

Os scripts importados eram traduzidos e distribuídos no Brasil para serem interpretados por atores brasileiros. Tendo as donas de casa como público alvo, as histórias exageravam no drama, sem deixar de lado a religião e o romance água com açúcar. Quando os autores brasileiros começaram a produzir esses temas diversificaram um pouco, dando-se maior ênfase ao regionalismo. Em Pernambuco, por exemplo, eram comuns histórias do sertão e da seca.

A popularização do rádio - que na década de 40 tornou-se um produto acessível e assumiu um caráter de entretenimento – foi o primeiro passo para a consolidação da radionovela. Para se ter uma idéia do sucesso alcançado, entre os anos de 1943 a 1945, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro transmitiu 116 novelas, confirmando a aceitação do povo à nova aposta – na época - da programação das rádios.

Tanta popularidade fez crescer a demanda da produção de novelas. Esperar os scripts de Cuba e México não era mais o suficiente. Era preciso iniciar a produção brasileira. Surgiram novos escritores, especializaram-se outros, como Maria Aparecida Menezes, Otávio Augusto Vampré, Hélio do Soveiral, Samuel Wainer, Santusi, Cardoso e Silva, Ivani Ribeiro, Amaral Gurgel, Janete Clair, Oduvaldo Viana, Dias Gomes, Fernando Luís da Câmara Cascudo, Cecília Meirelles, Avancinni, Mário Lago e Hélio Thys. Alguns escreviam novelas de rádio, outros, tinham seus romances adaptados.

Mesmo com a abrangência de temas, os autores brasileiros continuaram a insistir na antiga fórmula: o melodrama. Uma das novelas que marcou o estilo dramalhão foi “Madalena”, apresentada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

As novelas de cunho religioso também faziam muito sucesso. Exibidas às 18h, esses folhetins atraíam um público diversificado. No Brasil, o criador do gênero foi Ancelmo Domingos (Rádio Nacional do Rio de Janeiro) com a série “A Vida dos Santos”.

A Rádio São Paulo não ficou para trás e chegou a transmitir nove folhetins por dia. Após firmar-se como grande produtora, passou a ter, no seu cast (elenco), cerca de 200 atores. Entre os radiatores do eixo Rio - São Paulo podemos citar: Renato Murse, César Ladeira, Lima Duarte, Mário Lago, Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo, Henriqueta Brieba e Cordélia Ferreira, esta última considerada a primeira radiatriz.

RADIONOVELA EM PERNAMBUCO

Pesquisa feita pela Rede Globo aponta que, no Brasil, o radioteatro teve início na Rádio Clube de Pernambuco, em 1937, com a primeira história seriada: “Sinhazinha Moça”, adaptação de Luiz Maranhão do romance “Senhora de Engenho”, do historiador pernambucano Mário Sette.[4] A peça teve duração de uma semana com capítulos diários. Esta obra é, geralmente, confundida com o romance de Bernardo Guimarães, “Sinhá Moça”, adaptado há alguns anos pela Rede Globo de Televisão e emitido no horário das dezoito horas.

Pouco tempo depois, o radialista Luiz Maranhão adaptou “Mártir do Calvário”, peça clássica do teatro português sobre a vida de Cristo, também difundida pela Rádio Clube. As duas obras pertencem ao departamento de radioteatro, não fazendo, portanto, parte da lista de radionovelas da emissora.

Porém, Pernambuco foi um grande centro produtor de novelas, tão importante quanto o eixo Rio-São Paulo. Antes de começar a produzir, recebia os scripts e os radiofonizava sem alterações. Após o début dos escritores locais, isso mudou: o enredo dos folhetins passou a ser alterado de acordo com a receptividade do público. Por volta de 1947 Pernambuco iniciou sua própria produção, atingindo o auge entre as décadas de 50 e 60.

As três primeiras rádios pernambucanas - Clube de Pernambuco (pioneira), Jornal do Commercio e Rádio Tamandaré - foram as que mais produziram novelas no Estado. Todas contavam com grande cast de atores e produtores.

A programação da Rádio Clube chegou a contar com sete novelas diárias. O departamento de radioteatro era dirigido por Luiz Maranhão - considerado o pai do radioteatro -, Hélio Peixoto, Torres Filho e Clóvis Neves. Quem fazia a contra-regra era Geraldo Lopes, Arlindo Silva, e Pedro Alves.

A primeira novela brasileira que veio do Sul, transmitida pela Rádio Clube foi “Penumbra”, de Amaral Gurgel. Uma outra novela que também marcou época foi “Um Rosto na Vidraça”, do carioca Hélio do Soveiral. Escreviam ainda para a Clube, Luiz Maranhão e J. Austregésilo.

Além das novelas, a emissora contava com programas seriados, geralmente de aventura, como “Flama”, “O Vingador” e “Presídio de Mulheres”.

A Rádio Jornal do Commércio (RJC), que tinha no comando do seu departamento de radioteatro Geraldo Lopes, Djalma Miranda e Joel Pontes, levava ao ar, diariamente, dez novelas. Dois dos diretores, Geraldo e Djalma, dividiam ainda o trabalho de contra-regra com Brivaldo Franklin e João Moreno. A RJC chegou a ter 70 atores em seu cast.

Programas radiofonizados, como “Jóias da Literatura”, produzido por Osman Lins, adaptavam contos literários. Foi a Rádio Jornal que transmitiu um dos grandes sucessos entre os seriados de aventura: “Jerônimo, o herói do Sertão”, de Moisés Weltman. A série trazia a cada semana uma história diferente e ficou no ar durante cinco anos. Ainda entre os programas de aventura da emissora destaca-se “O Águia de Prata” e “O Anjo”.

A RJC tinha também programas montados com orquestras e narradores. Um que fez grande sucesso no gênero foi “Canaviais”, de Teófilo de Barros. Já “Luar do Sertão”, de Nelson Pinto, com direção de Geraldo Lopes, outro grande sucesso do rádio brasileiro, contava histórias sobre o homem nordestino e era exibido aos domingos às 19h30, com patrocínio do Biotônico Fontoura. “Rapsódia Nordestina”, de Luiz Maranhão Filho, também contava histórias do Nordeste.

A Rádio Tamandaré tinha, como novelista mais atuante, Luiz Maranhão Filho, que também fez adaptações de romances da literatura clássica e radiofonizou filmes. A emissora contava com um grupo de autores como Otávio Augusto Vampré e Cardoso e Silva, este último do Rio Grande do Sul, que enviavam scripts para serem gravados pelo elenco da emissora. Os outros escritores da rádio como Telga de Araújo, Severino Barbosa, Fernando Cascudo, Teixeira Filho, além do próprio Luiz Maranhão Filho, eram também produtores da casa.

A Tamandaré tinha um programa de radioteatro chamado “Cinema em Sua Casa”, que transmitia adaptações de filmes. Uma história diferente a cada vez que ia ao ar sendo o primeiro deles “Luzes da Ribalta”, de Charles Chaplin, adaptado por Luiz Maranhão Filho em 1956 e dirigido por Luiz Maranhão (pai), que atuou no papel principal. A rádio tinha sete novelas em sua programação. As de aventura eram radiofonizadas à tarde e depois de “A Hora do Brasil”, eram emitidas as mais dramáticas e de grande repercussão.

Faziam as direções das novelas: Hélio Peixoto, João Américo Pozzolli, Joel Pontes, Joméri Pozzolli, J. Austregésilo, Torres Filho e Albuquerque Pereira. Os contra-regras eram Jorge José e Evandro de Vasconcelos.

Entre os seriados de aventura faziam sucesso “As Aventuras do Capitão Corisco”, de Luiz Maranhão Filho e “Capitão Atlas”, de Péricles do Amaral, com Joméri Pozzolli, Marcos Macena e Evandro de Vasconcelos.

ÉPOCA DE OURO: a produção e os estilos

Em Pernambuco, a novela de rádio teve seu início por volta de 1947, e apogeu nos anos 50. As três emissoras que mais se dedicaram ao gênero - Clube, Jornal do Commercio e Tamandaré - foram também as que mais se projetaram na época.

As novelas tinham sucesso absoluto, com 80% de audiência. Ouvidas e comentadas por todos, em todos os lugares, foi um dos programas que mais contribuiu para a era de ouro do rádio. Na década de 50, no auge da produção, as emissoras chegaram a transmitir mais de 10 novelas diariamente, fazendo com que o departamento de radioteatro fosse o mais ativo dentro das emissoras. Em Pernambuco, entre 1945 e a década de 50, o rádio foi o maior disseminador da arte e da cultura, quer seja através da música, do teatro, do jornalismo ou dos dinâmicos programas de auditório. Primava-se pela qualidade do conteúdo tendo em seu elenco expressivos nomes da intelectualidade regional.

A produção

A produção de uma novela de rádio é, por si só, um espetáculo a parte. Com o script nas mãos, o diretor selecionava seu elenco e distribuía os papéis de acordo com o timbre de voz de cada ator. O método de escolha das personagens é argumentado na única ferramenta de expressão dos atores: a voz. Como única forma de expressar os sentimentos, a interpretação tinha que ser muito boa e as vozes convincentes, para transmitir toda a emoção das cenas. A atuação em radioteatro não era uma arte fácil. Era apenas a voz dos atores que os ouvintes tinham para imaginar situações, ambientes e personagens, desenvolvendo, cada um, sua capacidade de criação.

Para completar a cena, faltava apenas a ambientação mas só seria possível criar esse clima buscando outros recursos, porque as vozes não eram suficientes. Recorria-se então às figuras do sonoplasta e do contra-regra, responsáveis pelas inserções de músicas e ruídos, elementos fundamentais e indispensáveis nos estúdios do radioteatro. A contra-regra e a sonoplastia eram duas funções distintas: a primeira, o contra-regra, emitia sons ambiente e o sonoplasta fazia a pesquisa musical, usada como tema para as personagens.

Com os atores concentrados nos textos, restava ao contra-regra pesquisar e criar sons, necessários ao entendimento e veracidade das cenas. Para estar sempre com as mãos livres, os microfones eram espalhados por todo o estúdio, assim o profissional podia fazer uso do arsenal que dispunha para fabricar os sons.

As dificuldades técnicas da época não impediam o contra-regra de reproduzir sons quase reais, tudo de forma manual, com recursos simples e rústicos: quengas de coco, folhas de alumínio, papel celofane, pedras, cascalhos, chaves e alianças. Eram raras as vezes em que um contra-regra não conseguia obter um ruído. Mesmo que os ruídos não fossem exatamente o que eles esperavam, o envolvimento do público era tão forte, que dificilmente alguém notava a diferença.

Ainda no início da produção, os diretores escolhiam os atores adequados para cada personagem, de acordo com o timbre de voz. Alguns conseguiam fazer dois ou três papéis secundários numa só novela. Outros, se limitavam a apenas um estilo, adotando-o em quase todas as histórias.

Como havia muitas novelas de uma só vez, um ator não podia acumular dois papéis centrais, para não confundir o público. Os folhetins de rádio traziam, em seus enredos, três papéis centrais: o vilão, o galã e a mocinha. Existiam ainda papéis menores como os caipiras e comediantes.

Ao diretor cabia reger todas essas personagens e não deixar passar os erros. Para isso existiam rigorosos ensaios antes das novelas irem ao ar. Em volta de uma mesa, os radiatores passavam o texto várias vezes para corrigir as falhas e a inflexão. O contra-regra também ensaiava junto com os atores. Mas nem todo esse aparato livrava os radialistas dos erros. Ao vivo, o risco era enorme. Por isso a atenção era redobrada, pois qualquer “baixo” (erro) atrapalhava o desenrolar da história.

Quando acontecia um desses imprevistos, o próprio elenco corrigia o erro. Tudo era feito de modo que o ouvinte não percebesse. Era comum usar a música para encobrir as falhas. Nesses casos, os atores eram orientados a seguir em frente para não chamar a atenção do ouvinte, e caso precisasse improvisar ou jogar um caco, tinham que dar a “deixa” (última palavra do script) para o próximo continuar.

Atores, diretores, produtores, sonoplastas, assistentes... As novelas de rádio tinham uma longa ficha técnica. Da produção à realização e transmissão eram mobilizadas, diariamente, cerca de 50 pessoas. Alguns desempenhavam, ao mesmo tempo, várias funções como ator, diretor e produtor.

Os atores faziam várias radionovelas por dia. Essa prática ajudava na hora de enxugar o cast, o que era feito com muito cuidado, para não correr o risco de misturar os personagens. Com o horário de trabalho indefinido, por conta das inúmeras novelas e outras funções que desempenhavam, como locução e narração de reclames, os atores passavam todo o dia na emissora.

Algumas pessoas chegaram a fazer parte dos elencos das três maiores rádios de Pernambuco. Isso acontecia devido a uma grande concorrência estabelecida entre elas, sempre oferecendo novas propostas salariais aos artistas.

As rádios tinham, de segunda a sexta-feira, de oito a 10 novelas diárias, variando de acordo com cada emissora. As novelas do horário nobre, transmitidas depois de “A Hora do Brasil” eram as de maior sucesso. De autores célebres e, geralmente, com enredos dramáticos, atraíam o maior público, e conseqüentemente, tinham os melhores patrocinadores. As novelas de aventura passavam por volta das 17h, e as religiosas, às 18 horas.

Cada folhetim durava em torno de meia hora diária, com intervalos comerciais. As novelas duravam de quatro a seis meses, tendo de 80 a 120 capítulos. Houve casos de novelas que ultrapassaram esse tempo por causa do grande sucesso que alcançaram, como a cubana “Ana Maria”, que durou cinco anos e “O Direito de Nascer”, transmitida por quase dois anos.

Os estilos

Direcionadas às donas de casa, a temática das novelas girava, na maioria das vezes, sobre histórias dramáticas. Tendência que mudou um pouco com o início da produção regional brasileira. Conhecido também como “Rádio Lágrimas”, esse tipo de novela sempre fazia sucesso, atingindo o grande público feminino.

Entretanto, outros estilos também atraíam o público, como as que adaptavam grandes romances da literatura. Havia ainda as de fundo histórico, que retratavam episódios da história do Brasil; as regionais, que falavam do homem do interior; as de aventura, dirigidas ao público infanto-juvenil e, finalmente, as novelas de cunho religioso que compunham o horário dedicado às histórias bíblicas, como a vida dos santos e contos de milagres.

“RECLAMES”

O patrocínio era a base que sustentava as novelas e seus grandes elencos. Grandes empresas como Gessy Lever, Colgate-Palmolive, Kolynos, Guaraná Fratelli Vita, Produtos Eucalol, Sidney-Ross (produtos Melhoral), Royal e Biotônico Fontoura viram, na radionovela, um filão para ampliar o mercado de consumo feminino.

A Standard Propaganda, por exemplo, produziu “Em busca da Felicidade”, do cubano Leandro Blanco, com 300 capítulos. Esta novela foi ao ar em 1941 na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, emissora que, em 1955 chegou a transmitir 14 novelas.

Como eram multinacionais, essas empresas apresentavam a mesma novela em vários países, como foi o caso de “O Direito de Nascer” transmitida em Cuba, México, Colômbia, Bolívia e Brasil.

As agências de publicidade também tinham suas promoções a partir dos ouvintes que enviavam o rótulo do produto respondendo perguntas sobre o enredo. Uma novela que obteve muito sucesso com essa fórmula foi “O Maestro”, na Rádio Jornal, patrocinada pela empresa Eucalol. Essas promoções utilizadas também no início da televisão, continuam até hoje, em alguns programas de variedades.

O FIM

Anos 50: a Tv chega para abalar as sólidas estruturas do, até então, único veículo eletrônico, o rádio. A novidade tomou para si grande parte do elenco radiofônico. Com a diminuição do tempo dedicado ao rádio, os atores precisaram se adaptar, e as novelas passaram a ser gravadas. A partir de 1960 elas vinham gravadas do sul e eram distribuídas por todo o país.

A nova tendência trazia uma desvantagem: não era permitido cometer erros, porque tornava a produção muito onerosa. Com o advento da fita de rolo, que podiam ter as gravações corrigidas, o trabalho tornou-se mais fácil. Pernambuco começou a gravar novelas nos anos 60, distribuindo então para todo o Nordeste.

No Estado, a chegada da TV dividiu o elenco do rádio. Uma parte continuou no radioteatro, a outra migrou para o novo veículo. Mas este não foi o único motivo da derrocada da radionovela. Outro fator que contribuiu muito para o fim dos folhetins foi a implantação de uma nova programação nas emissoras, eminentemente musical. Na década de 70 já havia poucas novelas, mesmo no sul do país.

A nova programação era mais dinâmica e barata. A ordem era cortar custos e lucrar mais. Como custava caro manter um cast no rádio, ainda nos anos 60 começaram as demissões.

O RECOMEÇO

Em Pernambuco alguns radialistas gravaram peças e adaptaram romances com o intuito de deixar registrado o sucesso da Época de Ouro do Rádio. Escreveram e gravaram os radialistas Luiz Maranhão Filho, Alberto Lopes e Hugo Martins. Este último reuniu radiatores das três emissoras pernambucanas, para registrar suas vozes numa adaptação da vida de Cristo.

Com direção de Geraldo Lopes, “O Homem de Nossas Vidas” deu aos atores a oportunidade de relembrar o sucesso das novelas de rádio. Dividida em cinco capítulos, o folhetim foi transmitido pela Rádio Universitária FM durante nove anos, durante a Semana Santa. Gravada em 1990 e estreada no dia 13 de abril de 92, contou com a participação de 86 artistas.

CONCLUSÃO

O rádio como mídia, teve sua importância épica e funcional, à medida que propôs e cumpriu o papel de formador de opinião e opção de lazer, o que faz, com competência, ainda hoje, apesar das novas tecnologias e do avanço de outras mídias, como a internet.

Se estabelecermos uma comparação entre as duas mídias veremos que a internet é para nós, o que o rádio era para nossos antepassados, nas décadas de 30 a 60. De uma forma mais romântica, mais amena e mais equilibrada - é bem verdade - os ouvintes do rádio desfrutavam da “modernidade”, como nós fazemos, exatamente, em dias atuais.

Para cada época, sua importância, seu estilo, suas inovações. Não podemos, pois, aqui, julgar que uma ou outra mídia seja mais ou menos importante, atrativa ou interativa.

O que se tem de concreto é que o rádio, no seu auge, revelou uma empatia e uma popularidade num grau extremo, nunca vista até então, sendo assim a primeira mídia eletrônica de massa.

Na outra ponta do fio, temos a internet, com capacidades mais amplas e maior alcance. E é justamente essa amplitude e capacidade que justifica a escolha da internet para “traduzir” o material pesquisado, dando oportunidade para que pesquisadores e amantes do rádio possam conhecer um pouco mais sobre a história desse veículo que causou tanto fascínio, através de fotos e entrevistas com artistas da Época de Ouro do Rádio.

Senão a internet, que outro meio nos possibilitaria total integração de fotos, textos e entrevistas? Caso usássemos o próprio rádio como veículo, perderíamos as imagens. Se optássemos pela televisão, teríamos um documentário básico, com entrevistas e imagens estáticas, que ainda assim, não teria o mesmo alcance. No caso de impresso, perderíamos as riquíssimas declarações dos radialistas. Dessa forma, o rádio assume, portanto, mais uma etapa no processo de evolução da mídia.

O resgate da história do rádio tem ainda a importância de trazer, para a atualidade, informações sobre a sociedade da época, seu estilo de vida e seus pensamentos. A forma como eram conduzidas as histórias, que na medida que começavam a ser escritas nas distintas regiões levavam em conta a preferência e o desejo do público, também mostrava as afinidades e preferências dos ouvintes, revelando os desejos de uma sociedade até então ávida de interatividade com o meio.

Apesar de resgatar e registrar apenas uma parte da história do rádio, destacamos a importância dessa época e desse corpus por nós trabalhado, reconhecendo que é preciso conhecermos o passado para entendermos o presente, e assim, moldarmos o futuro.

Referências Bibliográficas:

ORTIZ, Renato; BORELLI, Sílvia Helena Simões, RAMOS, José Mário Ortiz (1991). Telenovela:História e Produção. 2ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense.

VIZEU, Carlos Alberto. Vídeo-Rádio no Brasil: 1992 a 1990. Realização: Teletape.

Supervisão: Artplan Publicidade, Apoio Cultural Banco do Brasil.

ALVES, Eveline et alii. (1993).Contribuição para a História do Rádio em Pernambuco:

Radionovela. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Radialismo/UFPE, Recife.

MATTELART, Michèle & Armand (1989). O Carnaval das Imagens: A Ficção na TV.

Ed. Brasiliense, São Paulo.

LIMA, André Luís de et alii. (1992).Contribuição para a História do Rádio em Pernambuco, Recife.

MORAIS, Wilma. (1987). Sonoras Imagens. Dissertação de mestrado, PUC/SP. 104 págs.

MARANHÃO FILHO, Luís (1991). Memória do Rádio. Ed. Jangada, Recife.

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[1] Eveline Alves, Jornalista e Radialista-UFPE e Wilma Morais Professora Doutora- UFPE

[2] O site foi planejado pelo web designer Carlos Magno, e a montagem da página foi feita no Laboratório de Hipermídia da UFPE (Virtus) pelos web masters, Bernardo Queiroz e Dalton Galvão. O trabalho está em rede e pode ser acessado através do endereço virtus.ufpe.br/novosite/historiadoradio .

[3] Morais, Wilma, 1987. Sonoras Imagens. Dissertação de Mestrado, PUC, SP, 104,págs. Essa questão da criação de imagens a partir da manipulação de sons foi por muito tempo levantada e discutida pelos estudiosos da Comunicação principalmente quando se dedicaram a entender o fenômeno radiofônico do século passado que imprimia sim, uma realidade provocada pela imaginação. Parece incrível mas continuamos discutindo o rádio, em pleno século XXI. De fato, o rádio não morreu . Ele está sendo resgatado porém com características distintas das do século anterior.

[4] A informação foi dada em entrevista à pesquisadora pelo professor Luiz Maranhão Filho (UFPE), mas ele não precisa a data. Já a adaptação foi feita pela Rede Globo de Televisão e a novela foi ao ar no horário das dezoito horas.

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