Veículos Elétricos e a evolução esperada Motores de ...



Veículos Elétricos Híbridos

e a Evolução dos seus Motores Térmicos

Jayme Buarque de Hollanda

Diretor Geral do INEE

No final do século passado começou uma revolução na tecnologia de acionamento com a entrada no mercado do Veículo Elétrico Híbrido (VEH).

No VEH, o acionamento das rodas é feito por um motor elétrico (M/G). Na versão mais simples (VEH-serial, Fig. 1), um motor de combustão interna (MCI) aciona um gerador (G), que gera a energia elétrica necessária. Quando a necessidade de energia do motor elétrico é inferior à capacidade do gerador o excedente é estocado em baterias. Ao contrário, quando a demanda por potência supera a capacidade do gerador (nas arrancadas), as baterias suprem a energia necessária. Um computador controla as operações, desligando ou ligando o MCI em função do estoque de energia das baterias. Gerencia, ainda, o freio regenerativo, que transforma o motor elétrico em gerador criando uma força que freia o carro ao mesmo tempo que produz energia elétrica que é estocada nas baterias para uso futuro.

Fig.1 Veículo Elétrico Híbrido Serial

As setas marrons indicam os fluxos de energia mecânica no VEH, as verdes

a energia elétrica e as tracejadas o fluxo de informação de medidas e controles.

Neste arranjo o MCI ou está desligado ou opera com rotação bem definida e atendendo à carga do gerador que não varia. Ou seja, trabalha na condição ótima para um MCI, quando é mais eficiente, emite menos poluentes e tem a vida prolongada. As necessidades de torque e rotação das rodas, que variam o tempo todo, são bem atendidas pelo motor elétrico que apresenta uma eficiência elevada nas diversas rotações, inclusive nas arrancadas do carro parado.

Embora ainda seja mais caro que o veículo convencional equivalente, o VEH tem grande aceitação por ser mais confortável, menos poluente e bem mais econômico. Estas são características importantes considerando os preços do petróleo e as pressões crescentes para reduzir as emissões veiculares razão pela qual seu uso vem crescendo muito.

O aumento das vendas de VEH vai, evidentemente, levar a um avanço das tecnologias eletro-eletrônicas embarcadas: gerador e motores, baterias, super capacitores, computadores, eletrônica de potência e software de controle. Uma conseqüência menos óbvia, porém, vai acontecer na evolução dos motores térmicos, com uma mudança radical do papel que o MCI deve desempenhar no novo acionamento.

Ao longo de mais de um século, a evolução dos MCI para uso automotivo nos legou, de uma dezena de ciclos possíveis, apenas os motores dos tipos Otto e Diesel. Como são vendidos dezenas de milhões de veículos por ano em um mercado muito competitivo, é interessante analisar como se deu esta “seleção de espécies” que resultou também no uso da gasolina e óleo diesel como principais combustíveis, o que também reforçou a opção por aqueles ciclos. Acredito que um dos principais fatores foi a capacidade destes motores se adaptarem ao tipo de acionamento dos veículos que ao longo de todos estes anos, se caracterizou pela existência de uma conexão mecânica direta entre os MCI e as rodas.

Neste caso, foi preciso conciliar a demanda das rodas por um acionamento com toque e rotação muito variáveis com a conveniência de operar o MCI com a rotação e torque de projeto acima de uma rotação mínima. Além disso, a potência máxima de veículos modernos tende a ser super dimensionada para atender a surtos de demanda.

A harmonização foi tornada possível com sistemas periféricos, notadamente a introdução da embreagem e a caixa de câmbio em série entre as rodas e o MCI. Nos últimos vinte anos, a micro-eletrônica e a informática também deram uma grande mão, permitindo introduzir controles sem os quais as emissões e o desempenho dos carros modernos não seria possível. Neste período, portanto, a história dos aperfeiçoamentos dos MCI, tem sido, em última análise, a busca de soluções de engenharia que contrariem a sua vocação natural para a regularidade, com câmaras de combustão especiais, sistemas de multiplicação das válvulas, variadas válvulas, desligamento de cilindros etc.

Com a chegada dos VEH a interligação entre as rodas e os MCI muda de forma radical, criando-se as condições para mudanças nestes motores. A primeira grande mudança é a redução da potência máxima. O MCI pode ter uma dimensão máxima bem menor pois basta que tenha uma potência média para gerar a energia requerida; as baterias fazem o papel de “pulmão”. No Prius I, por exemplo, o MCI tem potência máxima de 70 HP para um desempenho que, em um veículo convencional equivalente exigiria 110 HP. No ônibus Eletra (VEH fabricado no Brasil), um MCI de 80 HP atende um veículo que normalmente precisaria de um motor três vezes mais potente.

Como os MCI dos VEH operam em regime estacionário (ou estão parados), a engenharia, de agora em diante, deverá enfatizar a simplicidade e a eficiência do motor para que opere de forma ótima. A vantagem é que este esforço conta hoje com novos materiais e todo um arsenal de ferramentas tais como vários software de projetos e de laboratórios criados para trabalhar soluções mais complexas que buscam compatibilizar o comportamento “natural” dos MCI com os requisitos que são impostos pelo acionamento convencional.

Os ciclos Otto e Diesel devem continuar a prestar bons serviços, mas novos nomes vão surgir. Na verdade este processo já começou a acontecer. Os VEHs mais vendidos, Prius (Toyota) e Escape (Ford), usam um MCI com ciclo Atkinson que era, há até pouco, apenas uma curiosidade. Patenteado em 1882, este ciclo é semelhante ao Otto a menos da engenhosa geometria de interligação da biela com o virabrequim. Esta permite que ele seja mais eficiente que o Otto com a mesma dimensão tendo, no entanto, uma potência menor.

Fig. 3 Ciclo Atkinson

Motor em que os quatro tempos ocorrem em uma única rotação do virabrequim. Sobre o ciclo Otto, tem a vantagem de ter uma expansão maior do que a compressão, o que lhe permite aproveitar melhor a energia dos gases e ter uma eficiência maior.

O que seria indesejável no veículo convencional (menor potência) e condenou o ciclo Atkinson a ser uma peça de museu por cem anos torna-se uma virtude no VEH onde a ênfase recai sobre a eficiência. Os fabricantes não hesitaram em usá-lo, pois podem aproveitar a tecnologia Otto dominada e, ao mesmo tempo, caminham no sentido da maior eficiência, a coisa que mais interessa agora.

Nos próximos anos, outras novidades vão acontecer pois a nova arquitetura permite um grande número de combinações dependendo da ênfase dada aos MCI e às baterias. O conceito de VEH Honda (“Insight”), por exemplo, difere muito do usado pela Toyota. A Daimler-Chrysler está desenvolvendo uma “Sprinter” VEH do tipo “plug-in”. Neste modelo, a capacidade de armazenamento de energia elétrica (baterias) é bem maior do que a usada nos VEH atuais. Quando estacionado, este veículo também pode ser carregado a partir da rede elétrica, tirando proveito do fato do custo da energia elétrica por km ser bem inferior ao do combustível líquido.

Ainda na linha das novidades, há alguns ônibus (Awkland, Nova Zelândia) e um caminhão (EPRI, EUA) do tipo VEH, que usam como acionamento primário uma micro-turbina de tamanho mínimo cujo gerador é montado no eixo da turbina. Este ciclo (Bryton) cujo motor roda a 100 mil RPM não teria normalmente aplicação no mundo automotivo.

Fig. 4 Micro-turbina a gás

Minha intuição diz que motores rotativos se adaptam melhor ao acionamento de um gerador elétrico, também rotativo, operando em condições estáveis. Quem sabe um motor Wankel? Nos anos 60 a 80, a Mazda vendeu mais de 300 mil carros com este motor muito leve e com poucas partes móveis. Seu uso diminuiu, quando a tecnologia, ainda muito nova, não conseguiu atender os níveis de emissão e a eficiência, exigidos depois da crise do petróleo. A Mazda voltou a fabricar os esportivos RX-8 com este motor e acaba de anunciar um VEH com motor Wankel que pode usar gasolina e hidrogênio como combustíveis. Um passeio pela Internet mostra que há um intenso trabalho de renascimento deste MCI rotativo e de variantes dele.

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Fig.2 Motor Wankel.

O rotor (vermelho) ao virar, no sentido horário, se afasta e se aproxima da parede externa (preta). O combustível (azul) e oxigênio à esquerda são aspirados e comprimidos até a região onde o volume é mínimo, quando a vela detona a explosão que impele o rotor. Os gases (cinza) são expelidos à esquerda.

A revolução causada pelo VEH não deve parar na evolução dos motores térmicos que acionam o gerador. No VEH, é possível imaginar ainda o uso de geradores acionados por motores que transformam o calor diretamente em movimento. Com isto se aproveita a energia dos gases de escape e do calor do bloco do motor que, em um veículo leve convencional (ciclo Otto), contém mais de três quartos da energia original do combustível. No veículo convencional esta energia é simplesmente dissipada no meio ambiente.

No escape do motor de ciclo Otto, os gases resultantes da combustão têm uma quantidade de energia maior que a mecânica produzida para acionar o gerador. Por ter temperatura elevada pode acionar uma turbina que por sua vez alimentaria um gerador auxiliar, entregando mais energia elétrica às baterias. Isto pode ser obtido adaptando a tecnologia convencional dos motores “turbinados”. Neles, a turbina aciona uma bomba, comprimindo o ar admitido na câmara de combustão e aumentando a potência do MCI, ainda que com sacrifício de 3 a 4% da eficiência. A conversão da energia dos gases em energia elétrica pode ser feita com elevada eficiência e energia elétrica assim produzida pode ser da ordem de grandeza da energia do gerador principal!

A recuperação da energia do calor dos blocos, onde a água de resfriamento circula com temperaturas abaixo de 100ºC é mais problemática. Teoricamente pode ser aproveitada com máquinas de ciclo Stirling. Também inventada no século retrasado (1816), teve poucas aplicações práticas mas uma consulta à Internet revela um grande interesse por ela.

Fig.5 Motor Stirling

O calor do externo (vermelho embaixo), expande o gás (azul) em um cilindro que é resfriado no regenerador (verde) e em outro cilindro. Um engenhoso mecanismo transforma o calor em movimento mecânico neste que é o ciclo, teoricamente, o mais eficiente para converter calor em energia mecânica.

Para completar, acredito que a revolução do VEH não vá se restringir ao mundo dos transportes. Quando estacionado - o que para os veículos de uso individual acontece 90% do tempo - ele pode ser ligado à rede elétrica do imóvel e desempenhar funções complementares ao sistema elétrico. Isto, no entanto, tem tantos desdobramentos e conseqüências que deve ser motivo para todo um novo artigo.

No tempo, como podem evoluir estas previsões ?

É sempre difícil falar de mudanças como esta que rompe paradigmas de um modo tão forte em uma indústria tão solidamente ancorada em uma tradição centenária.

A reação inicial nestes casos é da indiferença ou minimização.

De um lado, há uma novidade com todas as fragilidades e incertezas das coisas novas e, de outro, um sistema bem ancorado e ainda com diversas possibilidades de melhoria sobretudo no que diz respeito à eficiência.

A primeira reação do sistema existente foi tratar a novidade como uma curiosidade sem grande futuro. Esta atitude permaneceu até 2003, quando se verificou que o novo veículo era um sucesso e várias montadoras anunciaram o lançamento de VEHs. Neste momento, há um grande esforço para aumentar a eficiência dos motores Otto, uma forma de esticar a vida do acionamento direto. Tecnologias como a injeção direta (aumenta a eficiência e o torque), uso de materiais mais leves e com menos atritos e desligamento de alguns cilindros são citados como possibilidades concretas.

Na outra ponta, vale lembrar que em 1998 foram vendidos 19 mil carros VEH no Japão e em 2005 as vendas no mundo ultrapassaram 300 mil: há mais de 500 mil veículos em circulação e a fila para comprar um VEH nos Estados Unidos é de seis meses. A penetração de mercado nos EUA, em 2005 de 1,5%, embora ainda modesta, cresce com grande dinâmica, pois era de apenas 0,4% há dois anos. Os VEH já passaram dos estágios iniciais da “learning curve”, e vão conquistando os transportes públicos. Em NY a frota está mudando para a nova tecnologia e, no Brasil, há 40 ônibus fabricados com tecnologia nacional e oferecidos por dois fabricantes brasileiros.

Nos estudos que temos conduzido, tudo indica que se trata de uma realidade irreversível cuja importância vai crescer com as escalas de produção trazendo algumas modificações importantes difíceis de prever. Tome-se, por exemplo, as baterias, um item fundamental para os VEs em geral. Como os fabricantes de baterias para automóveis convencionais trabalham com margens pequenas, eles pouco investiram nas baterias de tração que precisam de capacidade, peso e preços baixos. Na última década, o desenvolvimento nesta área foi feito por empresas como a Panasonic para atender o mercado dos “lap-tops” e celulares que evoluíram de forma perceptível em dez anos. Pois é ela quem desenvolve a bateria do Prius e este fator é tão importante para a Toyota, fabricante do Prius, que ela acaba de comprar o controle acionário da Panasonic.

Enfim, é esperar para ver. Se um vaticínio for necessário, creio que o fenômeno será rápido e bem visível na virada da próxima década e acho que trará profundas modificações na tradicional indústria. Mas isto seria motivo para outro artigo!

Para mais informações:

|Informação |URL |Observações |

|Ciclo Stirling | |Apresenta os diversos tipos e faz uma introdução teórica a |

| | |estes motores. Há muitas variantes e um grande número de sites|

| | |com informações |

|Microturbinas e VEH | |

| |article=156 | |

|VEH | |Há um grande número de SITES sobre o tema sendo de se destacar |

| | |o portalVE, desenvolvido pelo INEE |

|HEV Plug-inn | artigo do EPRI descreve a tecnologia do Sprinter da Daimler e|

| |I_Journal/2005-Fall/1012885_PHEV.pdf |faz interessante análise sobre a evolução dos VE e de |

| | |tecnologias específicas como a das baterias de íon de lítio. |

|Motor rotativo - | |

|Wankel |s_Wankel/wankel.html | |

|Ligação carro-rede | |O assunto hoje está sendo liderado pela Universidade de |

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O acionamento Elétrico Híbrido muda a função do motor de combustão interna nos veículos, privilegiando motores mais simples e eficientes. Isto interrompe uma linha de tendência que, por mais de um século, evoluiu com base em soluções que contrariavam a forma natural de operar destes motores, com ritmo e torque bem definidos.

Rotor

Com-

pressor

Gerador

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