APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

negativa de crédito em razão de restrição constante no sistema interno do demandado. ilegalidade não caracterizada. Parte autora que permaneceu inadimplente por mais de dois anos. Quitação da dívida e solicitação de nova concessão de crédito. Negativa do réu. Abuso de direito não caracterizado. Faculdade do credor. Princípio da autonomia da vontade. Art. 421, CC.

DIREITO AO ESQUECIMENTO. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO QUE NÃO AUTORIZAM A APLICAÇÃO DO MESMO, COM O CONSEQÜENTE DEFERIMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL POSTULADA PELA PARTE. NEGATIVA DE CRÉDITO DECORRENTE DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. ART. 188, I, CC.

APELO DESPROVIDO.

|Apelação Cível |VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL |

|Nº 70072997711 (Nº CNJ: 0063886-70.2017.8.21.7000) |COMARCA DE SANTA MARIA |

|VANYA DA SILVA DE ATHAYDE |APELANTE |

|BANCO CSF S.A |APELADO |

|CARREFOUR COMERCIO E INDUSTRIA LTDA |APELADO |

|CARREFOUR COMERCIO E INDUSTRIA |APELADO |

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Altair de Lemos Júnior (Presidente) e Des. Cairo Roberto Rodrigues Madruga.

Porto Alegre, 26 de abril de 2017.

DES. JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC,

RELATOR.

RELATÓRIO

Des. Jorge Alberto Vescia Corssac (RELATOR)

VANYA DA SILVA DE ATHAYDE APELA DA SENTENÇA QUE, NOS AUTOS DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL AJUIZADA CONTRA BANCO CSF S/A E OUTROS, ASSIM JULGOU O PEDIDO:

“Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Vanya da Silva de Athayde em desfavor de Banco CSF S.A para DECLARAR inexigível a dívida de R$ 2.378,52 (dois mil trezentos e setenta e oito reais e cinquenta e dois centavos), referente ao cartão de crédito Carrefour – Private Label Card nº 51096250451100 e REJEITO o pedido indenizatório.

CONDENO a parte ré ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que fixo em R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), em atenção à natureza da causa e ao trabalho prestado, em observância ao artigo 85 do Código de Processo Civil.

CONDENO a parte autora ao pagamento do restante das custas processuais, bem como honorários de sucumbência fixados em R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), suspensa a exigibilidade de tais verbas, em razão da justiça gratuita.

Vedada a compensação de honorários conforme previsão no artigo 84, § 14, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Em razões recursais, narra que ao tentar renovar o cartão de crédito junto ao co-demandado e adquirir produto, foi informada de que estava inscrita no cadastro de inadimplentes “Recupera” – cadastro interno da parte ré, obstando a concessão de crédito. Refere que o débito que originou referida inscrição se encontra quitado sendo indevida a restrição. Aduz que as diligências realizadas visando à exclusão da anotação restam inexitosas, culminando com nova negativa de crédito pela ré e constrangimentos decorrentes da não aquisição de geladeira, bem que reputa essencial. Advoga que diante do descaso dos apelados à exclusão da restrição de crédito, resultando na negativa desmotivada de crédito, caracteriza-se o dano moral passível de reparação financeira. Requer o provimento do apelo, com a conseqüente condenação dos apelados ao pagamento de indenização.

Após as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte, vindo-me, por distribuição, conclusos para julgamento.

Cumpridas as formalidades legais.

É o relatório.

VOTOS

Des. Jorge Alberto Vescia Corssac (RELATOR)

ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Com fundamento no art. 1010, §3º, in fine, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos (cabimento e adequação, tempestividade, regularidade procedimental e formal, preparo, ausência de fato extintivo ou modificativo do direito de recorrer, legitimidade e interesse) recebo o apelo em ambos os efeitos.

Ausentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 933 do NCPC, passo ao exame do mérito.

DO MÉRITO

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º, incluiu expressamente a atividade bancária no conceito de serviço.

O entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranqüilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que, inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Mais precisamente com relação ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços, não só ao titular, pelo credenciamento e abertura de crédito, como também ao fornecedor pelo agenciamento de fregueses.

Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 8ª edição, Editora Atlas, pg. 405 e 406), assim refere, sobre o tema:

“(...) Embora não exista lei específica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram com o titular do cartão, bem como pertinente à natureza de sua responsabilidade”.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, assim como da administradora de cartão de crédito é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, respondendo, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes por defeitos/falhas decorrentes dos serviços que lhes presta.

Reza o art. 14 do CDC:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Trata-se de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, consoante doutrina de Sérgio Cavaliere Filho “ (...) todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade e executar determinados serviços. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor (de produtos e serviços) e não do consumidor”.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o nexo causal, enunciadas no §3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso concreto, a causa de pedir da pretensão indenizatória fundamenta-se, essencialmente, na negativa de crédito à autora em razão de restrição em cadastro interno da demandada e os supostos constrangimentos sofridos em razão do fato.

Desde já adianto que a situação retro delineada não configura defeito na prestação de serviços, abuso de direito ou mesmo ato ilícito por parte dos apelados capaz de ensejar a reparação pretendida.

Veja-se que a parte autora possuía débito junto ao réu no valor total de R$ 2.378,52 que, em razão de acordo extrajudicial firmado entre as partes, foi quitado pela quantia de R$ 951,41 em 19.08.2013, fl. 23. A negativa de crédito em questão teria ocorrido na data de 24.01.2015, fl. 27, em razão de a autora constar no cadastro interno da ré denominado “Recupera”.

O princípio da autonomia da vontade estabelece a liberdade contratual das partes, ou seja, confere-lhes a faculdade de se vincularem a um contrato, adquirindo, então, direitos e obrigações, estando prevista no art. 421 do Código Civil de 2002, que assim dispõe: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Referido princípio, não obstante, sofre limitações, evidenciando seu caráter relativo. Dentre as limitações está a faculdade de contratar e de não contratar. Caio Mário da Silva Pereira explica: “Vigora a faculdade de contratar e de não contratar, isto é, o arbítrio de decidir, segundo os interesses e conveniências de cada um, se e quando estabelecerá com outrem um negócio jurídico-contratual.”, in PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Vol. 3, 12ª edição, Editora Forense, p. 22).

Nesse norte, o princípio da autonomia da vontade autoriza a negativa do réu quanto à pretensão de nova contratação com a autora. Isso porque a concessão de crédito constitui faculdade do credor cuja recusa não enseja reparação pecuniária.

Assim a jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESTRIÇÃO INTERNA. NEGATIVA DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Agravo Retido interposto pelo autor. Indeferimento de prova oral. Não há falar em cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pedido de oitiva das rés, quando o julgador entender que se trata de diligência desnecessária e que os elementos constantes do processo são suficientes para o exame do mérito, sendo, portanto, prescindível a produção de prova oral, ex vi legis do art. 130 do CPC/1973. Na hipótese, não prospera o recurso intentado, pois referida prova se revela desnecessária, na medida em que os elementos contidos nos autos, são suficientes ao deslinde da causa. Da Revelia. A revelia dos réus Fininvest e Hipermercado BIG foi reconhecida pelo juízo sentenciante, o que não enseja, de qualquer sorte, a automática procedência do pedido, como pretende a parte autora. Os efeitos da revelia ensejam apenas presunção relativa de veracidade dos fatos narrados à exordial. Em que pese tenho sido o réu revel, o juiz não fica impedido de apreciar as provas dos autos, e julgar a demanda de acordo com o seu livre convencimento. Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva. Os réus Magazine Luiza e WMS Supermercados do Brasil S/A. são legitimiados para figurar no polo passivo da presente ação indenizatória, conforme aplicação da Teoria da Aparência - Hipermercado BIG e Hipercard -segundo a qual deve permanecer como parte na demanda aquele que figurava para o consumidor como sendo o contratante. Empresas do mesmo conglomerado econômico - Magazine Luiza S/A e Banco Itaucard S/A - o que também enseja a responsabilidade solidária. Do Mérito. Ação indenizatória cujo fundamento é a negativa de crédito decorrente de alegada restrição negativa interna no sistema dos réus. É cediço o entendimento de que denominados sistemas têm por finalidade avaliar o perfil do consumidor a partir de sua capacidade de crédito e/ou de contrair dívida, não se configurando como um registro negativo, sendo apenas uma ferramenta que pode ou não ser contratada pelo lojista para auxiliar na análise de concessão de crédito. Não se tratando de um cadastro negativo, não há falar em ilegalidade no agir das demandadas quanto à manutenção desta espécie de sistema ou cadastro. Ademais, é sabido que a concessão do crédito é uma faculdade do comerciante e não um direito do consumidor. Afora isso, a simples negativa de crédito, por si só, não gera direito à indenização por dano moral, o qual só é reconhecido quando demonstrada a conduta ofensiva aos direitos de personalidade daquele que o alega, situação inocorrente no caso em tela. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70069241461, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Martin Schulze, Julgado em 31/05/2016)

De outro lado, ao exercer tal faculdade, o fornecedor não pode ferir direitos da personalidade do consumidor ou violar normas do Código de Defesa do Consumidor, em especial, a regra constante no art. 43, §5º, deste Diploma Legal:

“Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

(...)

§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.”

Referido dispositivo legal traduz o denominado “direito ao esquecimento”. Configura-se como uma nova figura de proteção aos direitos da personalidade, retirando seu fundamento de validade na cláusula geral da dignidade da pessoa humana, princípio norteador do atual sistema jurídico.

Embora inicialmente restrito ao âmbito penal, as Cortes Superiores tem reconhecido sua aplicabilidade no processo civil, em especial nas ações em que há aparente colisão entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade.

No caso concreto, sua aplicabilidade se refere ao armazenamento de informações pertinentes ao consumidor por tempo indeterminado obstando que uma dívida prescrita ou quitada continue a gerar efeitos extrajudiciais. Visualiza-se, pois, que o objetivo principal do direito ao esquecimento é a compreensão do alcance e limite temporal que as informações sobre um indivíduo possuem, sendo analisado de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

Na situação dos autos, veja-se que a autora restou inadimplente em relação à dívida que gerou a restrição por mais de dois anos (fls. 53-54). Soma-se a essa circunstância, o curto lapso temporal entre a quitação daquela dívida e o novo pedido de crédito (pouco mais de um ano).

Nesse norte, tenho que o invocado direito ao esquecimento não se sobrepõe à autonomia da vontade contratual, o qual autoriza o réu a não contratar, afastando a ilegalidade ante o permissivo do art. 188, I, CC. Insere-se, ainda, na excludente de responsabilidade a que alude o art. 14, §3º, I, CDC.

Aliás, no ponto, bem analisado pela sentença hostilizada, cujos fundamentos, por oportuno, transcrevo:

“(...) Desse modo, o desinteresse do fornecedor em conceder crédito àquele que já esteve inadimplente (contando com várias inscrições negativas em curto período, conforme a fl. 53), e que só deixou essa situação após obter a remissão de parte muito expressiva de sua dívida (mais da metade), não constitui ato ilícito.

Não se pode banalizar e desvirtuar1 a construção do direito ao esquecimento como uma forma de “reabilitação” instantânea do (ex-)inadimplente.

Aquele que reiteradamente violou a confiança depositada em si pela concessão de crédito há de reconquistá-la por meio do diligente, pontual e (também) reiterado adimplemento das obrigações futuras, reconstruindo a sua imagem de “bom pagador”; até que o faça, é lícito aos fornecedores negarem-lhe crédito a partir de critérios ou sistemas de análise do histórico de crédito.

Portanto, à falta de ato ilícito, não se reconhece a responsabilidade civil neste caso concreto. (...)

1O objetivo original da construção teórica, primeiro acolhida pela Corte Europeia de Direito Humanos, é de tutelar o direito fundamental à privacidade em sua quarta “concepção” (direito à autodeterminação informativa) e, nisso, não é instituto simples ou singelo. A própria necessidade de construir uma concepção plural de privacidade, a permitir a distinção objetiva de dados “sensíveis” e dados públicos ou de interesse público – a coibir o uso dos instrumentos de tutela da autodeterminação informativa para a tutela de aspectos da vida social ou pública do indivíduo – é apenas o primeiro dos problemas sobre os quais se têm debruçado aquela Corte e o parlamento europeu. Em princípio, o controle sobre dados públicos ou de interesse público – como históricos de crédito – pressupõe a identificação de que o dado não serve mais a seu propósito original ou que sua manutenção tornou-se incompatível com outros direitos fundamentais (pela mudança do estado das coisas ou pela simples passagem do tempo, em qualquer caso). Não se admite, porém, que a privacidade tutele o que Richard Posner identifica como “comportamento econômico egoísta”: a intenção de ocultar informações desabonadoras de todo tipo e preservar apenas as que aprazem.

De todo o exposto, a manutenção da improcedência do pedido indenizatório é medida que se impõe.

ISSO POSTO, nego provimento ao apelo.

Mantenho a sucumbência arbitrada na sentença.

DES. CAIRO ROBERTO RODRIGUES MADRUGA - DE ACORDO COM O(A) RELATOR(A).

DES. ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR (PRESIDENTE) - DE ACORDO COM O(A) RELATOR(A).

DES. ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR - PRESIDENTE - APELAÇÃO CÍVEL Nº 70072997711, COMARCA DE SANTA MARIA: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO"

Julgador(a) de 1º Grau: LUCIANO BARCELOS COUTO

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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