Noraldino de Mello Castro



Noraldino de Mello Castro

1908 - 1987

Iniciando a sessão de abertura da Reunião Plenária do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, no dia 6 de novembro de 1987, o Presidente Francisco Thiesen comunicou aos presentes a notícia da desencarnação de Noraldino de Mello Castro, que, como Vice-Presidente da União Espírita Mineira, durante anos sucessivos representou essa Entidade Federativa em todas as Reuniões do Conselho.

Embora espíritas convictos, certos de que, ao confrade, se tinham aberto as portas da libertação espiritual, e não da morte, que não existe, sentiram-se todos consternados com a noticia, sabendo que desde aí não mais teriam a presença simpática e amiga do companheiro de tantos anos de atividades em prol da Unificação e da união dos espíritas. A estreita ligação de Noraldino aos trabalhos do Espiritismo em geral, e do Conselho, em particular, ficou mais uma vez evidenciada na carta por ele escrita, na véspera, ao Presidente Thiesen, justificando-se pela ausência e enviando votos de paz e de um bom trabalho aos que, então, se reuniam. Incumbindo o Representante de Minas, confrade Pedro Valente, de fazer a prece final dessa fase dos trabalhos do dia, o Presidente mandou, antes, ler a referida carta. Todos, então, se comoveram ante a grandeza de alma do irmão ausente pelo corpo, mas que assim se fazia presente pelo espírito, e uma prece foi elevada em intenção de sua paz espiritual, acompanhada por todos em silêncio e com profundo sentimento de religiosidade.

Desencarnou Noraldino de Mello Castro em Belo Horizonte, no dia 5 de novembro de 1987, e “Reformador”, em sua edição de janeiro de 1988, já registrou devidamente o fato. Não obstante, desejamos lembrar ainda o inesquecível companheiro, escrevendo algo mais sobre sua vida, pelo muito que ele deu à família, à sociedade e, por fim, à Causa Espírita, indissociável, para ele, da Causa de Jesus. Para realizar esse intento, recorremos a seus familiares, especialmente sua esposa e seu filho, Dr. Honildo A. de Mello, residente em Brasília, e a quem muito agradecemos a solicitude com que nos prestou informações por via telefônica. O próprio Noraldino deixou alguns informes sobre sua vida, desde os mais tenros anos, em sucinta autobiografia, uma cópia da qual nos foi especialmente concedida pela bondade dos confrades da União Espírita Mineira, através das mãos amigas de José Martins Peralva.

Nasceu Noraldino no Estado de Minas Gerais, a 7 de novembro de 1908, na Fazenda Jaboticabal, em Posses de Monte Santo, um lugar que, passando à condição de Vila, emancipou-se sob o nome de Arari, mudando novamente de nome mais tarde para constituir hoje a Cidade de Itamogi, no Sul de minas. Foram seus pais o fazendeiro Venâncio Militão de Mello e D. Amaziles Castro de Mello, em cuja companhia viveu até os 10 anos, ajudando na lavoura, “em variados serviços – como ele mesmo diz -, inclusive até em venda de leite”. Só em 1918 pôde iniciar sua instrução primária, matriculando-se no Grupo Escolar “Campos do Amaral”, em São Sebastião do Paraíso, onde havia parentes seus, tendo concluído o curso primário em 1922, já com 14 anos. Ingressou no Ginásio “Paraiense” para fazer o curso secundário e, de 1926 a 1927, freqüentou também o Liceu Municipal de Muzambinho, mais ao sul de Itamogi. Muito auxiliado por seu avô materno, Noraldino sentia, entretanto, já com quase 20 anos, o desejo de começar a ganhar a vida por si mesmo. Prestou concurso para admissão ao Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais, tendo sido admitido ao emprego na Cidade de Alfenas, a 28 de agosto de 1928, com salário de duzentos mil reis, transferido 15 dias após para Varginha. Não era muito, mas contava ainda com o auxilio do avô. Este, porém, havia enfermado gravemente no começo de 1928 e veio a falecer, criando para ele a contingência de interromper os estudos por 3 anos. Passou a enfrentar, então, muitas dificuldades e ásperas lutas, como ele mesmo conta:

"Em princípio de 1929, seis meses após a minha estada em Varginha, o Banco transferiu-me para Juiz de Fora, onde permaneci até meados de 1930. Fiz amizades. Tive ensejo de, ao lado do grande amigo Rodolfo De Paoli, meu companheiro de quarto na pensão, de trabalhar com ele, sob a chefia do Sr. Dr. José de Magalhães Pinto, Procurador que seis meses depois veio para Belo Horizonte para o Banco da Lavoura de Minas Gerais S/A, atual Banco Real S/A. Sobrevindo a Revolução de 1930, houve grande impacto na vida econômica do País. O Banco dispensou os empregados que contavam menos de três anos de casa, e, entre eles, eu. Catastrófica explosão de material bélico aconteceu na Cidade de Além-Paraíba, que destruiu grande parte da cidade. Entre os prédios atingidos estava o da Agência do Banco Hipotecário. Fomos ali conduzidos pelo Gerente de Juiz de Fora, Sr. Julio Catelli, eu, Dario de Almeida, contador, e outros colegas. Ao regressar a Juiz de Fora, fui cientificado do que ocorria. O Gerente disse-me que pretendia pedir a minha permanência, mas, tomando conhecimento de que a medida era de caráter geral, não a solicitou. Vim para Belo Horizonte, pelas mãos de Rodolfo De Paoli e Romeu De Paoli. Aqui chegando visitei o Diretor da Imprensa Oficial, Dr. Noraldino Lima, sobrinho do meu avô. Perguntou-me o que iria fazer. Respondi que voltar a estudar. Uma semana depois mandou (...) chamar-me. E ofereceu-me trabalho no Banco de Crédito Predial (...). O Banco Hipotecário chamou-me mais tarde. Recusei o convite".

São palavras do próprio Noraldino, que o retratam limpidamente, tanto na sua simplicidade e humildade, quanto no seu brio e hombridade. Continua:

"Trabalhando no Banco novo, no emprego novo, com vários colegas, entre eles Waldemiro Magalhães Pinto, Francisco Andrade, procurei o Professor Alfredo Bressane, para com ele preparar-me para o vestibular da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Prestado o exame, passei com nota 7 e consegui fazer o curso, com auxilio do Banco, que me permitia freqüentar aulas. Ingressava no serviço à 10,20 min. da manhã.

Ao visitar Belo Horizonte (...) conheci na casa de Francelina, a Magnólia do Amaral, que veio a ser minha esposa no dia 15 de fevereiro de 1933, quando iniciava o 3o. ano da Faculdade de Direito. Comemoramos este ano (1983) os 50 anos de união, com a existência de 6 filhos e 11 netos.

Eis, pois, chegado o nosso caríssimo confrade à fase da sua vida em que assumiu perante a sua própria consciência, perante a sociedade e perante Deus o seríssimo compromisso da família, que ele soube honrar durante o resto de sua vida.  Já casado e trabalhando no Banco, continuou o seu estudo superior, formando-se por fim em Direito.

Montou, então, escritório de advocacia em fevereiro de 1935 e já em agosto de 1936 conseguia inscrever-se na Ordem dos Advogados. Teve pleno êxito no exercício de sua profissão, a tal ponto que, já em outubro de 1936, deixava o Banco de Crédito Predial. Dedicando-se exclusivamente à nova profissão, adquiriu recursos que lhe permitiram educar os filhos e, finalmente, organizar, em 1956, “com a participação só da família, a firma URBI ADMINISTRADORA LTDA.”. Plenamente vencedor na profissão, tornou-se muito respeitado e admirado. Em 1977, por iniciativa do Clube dos Advogados, presidido pelo Dr. Lucílio Tavares, recebeu o certificado de “Honra ao Mérito”, por destaque jurídico naquele ano.

Noraldino foi sempre muito atuante no meio social em que viveu. Além das Sociedades Espíritas ele ajudou a fundar muitas outras sociedades de assistência e beneficência à infância e à velhice, tendo participado dos Conselhos Deliberativos e na elaboração dos Estatutos de algumas delas. Quando ativo bancário, Noraldino ajudou a fundar o Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, tendo sido o seu segundo Presidente. Noraldino não teve grande envolvimento com a Política. Fez, entretanto, alguns ensaios nesse campo, como podemos ver pelo que ele mesmo conta:

"Em 1946 disputei, pelo Partido Republicano, a vereança. Não logrei eleger-me, mas fiquei como o segundo suplente (...). Preenchida a primeira suplência, ocorreu, então, que o Vereador Jorge Ferreira licenciou-se da Câmara. Tomei posse no final de 1949 (...).

Aconteceu, na época, um fato muito banal, mas que bem mostra a imensa capacidade de trabalho de nosso confrade: Após a solenidade de rotina da posse, um funcionário da Câmara diz-lhe que havia 14 processos para que os relatasse, e em seguida lhe pergunta se queria que os levasse ao seu Escritório ou se ele mesmo os levaria. Noraldino os levou e, no dia seguinte, os devolveu relatados e com os projetos de lei minutados. Mas o fato de os ter relatado de um dia para outro causou surpresa, foi levado ao conhecimento do então Prefeito Dr. Otacílio Negrão de Lima, e este o quis conhecer, logo confiando-lhe a organização e a chefia do Serviço Jurídico do Departamento de Bondes e Ônibus, onde trabalhou durante 4 anos, deixando o cargo com a sobrevinda da gestão Gianetti. Em 1953, novamente tentou eleger-se para Deputado Estadual, mas sem o conseguir. Não estava aí o signo de sua vida.

Esse foi o homem na sua feição puramente humana, social, política, profissional. Importa-nos agora considerar a vida desse homem em outra faceta, a em que se patenteia a qualidade de espírita convicto e operoso que foi o nosso inesquecível confrade. Noraldino não foi espírita de nascimento, ao contrário, sua família era católica, como a generalidade das famílias mineiras. E o era a tal ponto que um de seus irmãos dedicou-se ao sacerdócio, tornando-se padre da Igreja Católica. Entretanto, outro irmão seu, de nome Honildo, sofria de asma, que vinha angustiosamente resistindo aos tratamentos médicos habituais. Foi, então, a família aconselhada a recorrer ao Espiritismo. No Centro Espírita “Santa Therezinha”, de Belo Horizonte, foi providenciado um tratamento de cunho espiritual e, com isso, Honildo ficou bom. A partir daí, Noraldino pôs-se a pesquisar e começou a estudar a Doutrina dos Espíritos. A principio o fez em reuniões familiares, na própria casa. Depois uniu-se a Antonio Flores – conhecido espírita de Belo Horizonte – , e com ele fundou o Centro Espírita “Amor e Caridade”, do qual foi o primeiro Presidente. Pouco tempo depois ingressava na União Espírita Mineira. Nela exerceu os cargos de Orador e Conselheiro, dirigindo o seu Conselho Deliberativo durante 15 anos. Eleito Vice-Presidente em 1966, na vice-presidência permaneceu durante mais de 21 anos, até a sua desencarnação. Já em plena militância espírita participou o nosso confrade da memorável Reunião realizada em 1949 na Sede da Federação Espírita Brasileira, conhecida como a Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, e que culminou com a assinatura do documento que representava o Acordo de Unificação dos Espíritas e permanece até hoje conhecido como Pacto Áureo, denominação que lhe deu Lins de Vasconcelos, ao noticiar o fato em “Mundo Espírita”. Do Pacto Áureo surgiu o Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, com nova feição, reunindo mensalmente os Representantes das Entidades Federativas Estaduais no Rio de Janeiro. Passaram depois as Reuniões a ser anuais, até que quando foram criados os Conselhos Zonais, com o País dividido em 4 zonas, elas passaram a ser: de seis em seis meses as Zonais, e de dois em dois anos as Plenárias, estas reunindo os representantes de todas as zonas, agora já em Brasília, primeiro como Sede Seccional e depois como Sede Central da FEB. Noraldino foi membro efetivo do CFN nos últimos 15 anos, e compareceu com assiduidade nas suas Reuniões bem como nas das Zonais da 3a. Zona, representando a União Espírita Mineira, na qualidade de seu Vice-Presidente. Quando, com vistas à consolidação do Pacto Áureo e após o relevante feito da Caravana da Fraternidade, foram organizados os Simpósios Centro-Sulino, Nordeste, Norte e Centro-Oeste, respectivamente em Curitiba (1962), Salvador (1963), Belém (1964) e Goiânia (1965), culminando com a realização do Simpósio Nacional do CFN na Sede da FEB, em 1966, a todos esses encontros Noraldino compareceu, segundo o seu próprio testemunho autobiográfico. Mas não só aí ficaram as suas atividades espíritas. Extensa foi também a sua participação nos Congressos, fossem estaduais e regionais ou de âmbito mais extenso, nacional ou internacional. Em 1944 secretariou o 1o. Congresso Espírita Mineiro, e em 1952 o Segundo. Integrou a Comissão de Teses do Terceiro, em 1956. Compareceu a todos os Congressos de Escritores e Jornalistas Espíritas realizados no Brasil, em número de oito. Organizou o Terceiro, em Belo Horizonte e presidiu o Quinto, em Niterói. Participou de Congressos Espíritas Pan-Americanos no Rio de Janeiro, Buenos Aires, Mar Del Plata e México e de duas Regionais da CEPA, equivalentes às Prévias dos nossos Congressos.

Noraldino interessou-se ainda pela educação da juventude. Ajudou na fundação do Colégio “O Precursor”, da União Espírita Mineira, bem como da União das Juventudes Espíritas de Minas, a segunda do Brasil.

Foi conferencista, jornalista e escritor. Colaborou em vários periódicos espíritas. “Reformador” já publicou os seguintes trabalhos seus: “A Imprensa Espírita em face da Lei”, na edição de abril de 1982; “União - Unificação”, valioso artigo que vale a pena reler na edição de maio de 1982; “A Mediunidade Curadora e a sua implicação em face da Lei” (Edição de agosto de 1982, pág. 240 a 243), trabalho que reputamos muito importante, porque ressalta os verdadeiros postulados da Doutrina Espírita. Antes, em maio de 1979, “Reformador” publicara escrito por ele, o “Necrológio” de Rubens Costa “Romanelli”. Nesse trabalho, em que revela sua afinidade, seu afeto e admiração pelo confrade colhido por infausto acidente de automóvel, apreciando “O Espírita – O Professor – O Escritor”, vê-se quão perto andaram, um do outro, Noraldino e Romanelli. Inscreveram-se ao mesmo tempo como sócios da União Espírita Mineira. Estiveram juntos na fundação do Colégio “O Precursor”, sendo Romanelli o seu primeiro Diretor-Pedagógico. Em 1939 fundaram juntos – Noraldino e Romanelli, e mais Eugênio Carlos Vaz Monteiro com Osmar Noronha Filho – a União das Juventudes Espíritas de Minas Gerais.

Noraldino de Mello Castro foi, sem dúvida, um dos grandes espíritas brasileiros. Originário de Minas, que tão grandes espíritas tem dado ao Brasil e ao Mundo, era mineiro legítimo, pelo corpo e pelo espírito, pelo jeito, pela fala, pela afetividade aprimorada, o trato simples e naturalmente fraterno; por tudo. Amou Minas como amou o Brasil. Amou o Espiritismo e o amou tanto que, muitas vezes, falando das coisas da Doutrina e do Movimento Espírita, emocionava-se e emocionando-se chorava. Foi inegavelmente um dos maiores propugnadores da Unificação e da União dos Espíritas. Quando da Reunião do Conselho Zonal da 4a. Zona, em São Paulo, nos dias 30 de setembro e 1o. e 2 de outubro de 1983, os que então ali se reuniam receberam, em pleno recinto dos trabalhos, com muita emoção e alegria, a visita dos confrades Carlos Jordão da Silva e Noraldino de Mello Castro, dois dos remanescentes do Pacto Áureo, o terceiro sendo, como se sabe, o Gen. Roberto Pedro Michelena, do Rio Grande do Sul. Ambos foram especialmente convidados pela USE-SP e, em clima informal e absolutamente fraterno, deu, “cada qual, o seu depoimento vivo de como ser passaram os acontecimentos que antecederam a realização da Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro (...)”. Falou primeiro Jordão, tocando em seguida a vez de Noraldino. Emocionado ele recorda ainda os Simpósios e a instituição das Zonais, “ressaltando a presente atuação do Conselho Federativo Nacional e a missão da FEB”, assim terminando:

“(...) o CFN está funcionando, realizando seus elevados objetivos, e Deus há de ajudar que nós consigamos com que o CFN seja um porta-voz a mais, não só dos espíritas do Brasil, mas dos espíritas do mundo inteiro, através do seu órgão central que é a FEB, a Casa de Ismael, e a Casa de Ismael é a nossa Casa”. 

“Nós temos as nossas Casas, nos nossos Estados, mas a Casa de Cúpula, a Casa onde irradiam as idéias, de onde irradia a diretriz, de onde irradia a orientação para os nossos trabalhos, essa há de ficar sempre no seu lugar certo.”

Foram palavras de fé e de esperança e um testemunho franco de fidelidade à FEB, que nos trazem à mente a imagem – como se estivesse vivo e falando – do próprio Noraldino.

Perdoem-nos os confrades deixar-nos também empolgar pelas emoções que nos dominam neste instante, quando relembramos tão admirado e querido companheiro, que soube aliar, à cultura e ao saber, a simplicidade e o amor fraternal. Paz, Noraldino, é o que te desejamos, e luz, muita luz para o teu nobre Espírito.

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