As minhas férias - Instituto Camões

As minhas f?rias

As minhas f?rias foram em casa dos meus av?s. Todos os anos as minhas f?rias s?o l?. A casa dos meus av?s ? grande mas parece um bocadinho pequena. Tem umas escadas e uma cave e muito mais quartos que a nossa casa, mas tudo parece um bocadinho mais baixo e apertado. Uma vez ca? das escadas e n?o me magoei nem nada. Mas isso foi quando eu s? tinha cinco anos. Nessa altura eu n?o sabia escrever nem nada porque ainda estava na infantil e agora at? subo dois degraus de cada vez e as pessoas dizem que eu sou muito mexido. O meu av? at? me disse que eu era um super-her?i. Disse assim: ah, ?s tu, Filipe! Achei que era um super-her?i que nos tinha entrado em casa. O meu av? gosta muito de super-her?is ou pelo menos ? o que eu acho porque ele est? sempre a falar-me deles. ? mesa, quando os outros crescidos come?am a ter conversas diferentes assim mais s?rias e isso, o meu av? fica calado que nem um rato, que ? como diz a minha av?, e depois s? diz uma coisa ou outra quando lhe apetece ou quando se lembra de uma hist?ria divertida e ent?o d? gargalhadas muito altas, mas n?o altas como quando ?s vezes ralham alto connosco e sim altas de fazer uma esp?cie de c?cegas na nossa boca e termos de rir tamb?m e tamb?m alto como ele. As pessoas crescidas normalmente s?o diferentes. As pessoas crescidas normalmente n?o se riem ou riem-se de coisas que n?o t?m gra?a nenhuma, pelo menos eu n?o acho, e ?s vezes param mesmo de rir a meio do riso como se uma gargalhada fosse uma coisa feia ou um palavr?o muito mau. As pessoas crescidas n?o s?o nada como o meu av?. O meu av? ? assim mais redondo e ?s vezes at? parece que vai trope?ar e tudo. Mesmo quando est? calado ou a dormir na poltrona castanha o meu av? n?o ? nada s?rio e, como eu costumo dizer, isso ? muito positivo. As pessoas crescidas normalmente n?o s?o nada

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positivas. As pessoas crescidas normalmente s?o muito levantadas e direitas e fazem lembrar ?rvores daquelas que est?o sempre num conjunto de ?rvores e s?o muito iguais ?s outras todas, como os eucaliptos por exemplo. Um dia o meu pai foi comigo ? mata que ? como n?s chamamos a uma floresta que h? l? ao p? da casa dos meus av?s, para a? a uns 2 km ou 3 km, e mostrou-me o que eram eucaliptos. Disse assim: est?s a ver, Filipe? Isto aqui s?o eucaliptos. Eucaliptos. Mas nessa altura eu era muito pequenino e tinha mais ou menos quatro anos e por isso ainda n?o sabia dizer eucaliptos. Dizia de uma maneira diferente e engra?ada mas agora j? n?o me lembro. j? passou muito tempo porque isto foi quando eu ainda era um beb?. Aos seis anos ? a idade em que se fica mais crescido e eu j? estou quase a fazer sete por isso vou rebentar a escala e claro j? n?o sou um beb?.

Quando come?am as f?rias vamos de carro para casa dos meus av?s. E quando as f?rias acabam vimos para nossa casa tamb?m de carro, ? s? fazer o caminho todo ao contr?rio, mas por acaso ?s vezes parece mesmo que ? outra estrada e que n?o foi por ali que viemos e nessas alturas eu penso para onde ? que estamos a ir? Os meus av?s s?o os pais da minha m?e. Os pais do meu pai morreram antes de eu nascer ou ent?o quando eu era t?o pequeno que n?o me lembro das caras deles. Um tio meu tamb?m morreu h? pouco tempo e eu lembro-me muito bem da cara dele. A minha m?e disse-me que ele tinha subido para o c?u porque era uma pessoa boa e ent?o eu perguntei ? minha m?e o que ? que acontecia ?s pessoas que n?o eram t?o boas e a minha m?e disse-me que tamb?m iam para o c?u e depois eu ganhei coragem e perguntei-lhe e o que ? que acontece ?s m?s? E a minha m?e disse que todas iam para o c?u e eu aprendi isso. Deve ser bom estar no c?u e passar por cima dos autom?veis, principalmente quando est? muito tr?nsito e as pessoas j? est?o chateadas de estar ali. A minha av? diz: n?o se diz chateadas, dizse aborrecidas. Est? bem, Filipe? Est? bem, av?. A minha av? quer sempre que eu coma mais e ?s vezes ri-se de coisas que eu digo sem ser para rir e eu fico contente e depois volto a dizer essas coisas mas

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normalmente ? segunda vez a minha av? j? se ri com menos vontade. A minha av? diz que eu sou muito engra?ado. Outras vezes diz que eu sou esperto mas n?o ca?o ratos. A minha av? n?o gosta nada de ratos mas est? sempre a falar neles. Na casa dos meus av?s n?o me deixam entrar na cave quando p?em veneno para os ratos em cima de folhas de jornal debaixo das mesas e dos arm?rios porque t?m medo que eu prove daquilo e me transforme num rato. Mas eu acho que ? tudo uma maluquice porque eu nunca vi nenhum rato. Devia ser engra?ado se eu um dia me transformasse num rato. Podia pregar sustos ? minha m?e e ao meu pai e principalmente ? minha av?. S? o meu av? ? que de certezinha n?o se ia assustar. Ia olhar para mim, fazer-me uma festa no p?lo, porque se eu fosse um rato em vez de cabelo tinha p?lo, e depois dizia-me: ah, ?s tu, Filipe! Achei que era um ratito que nos tinha entrado em casa. O meu av? diz que v? mal e tem uns ?culos e tudo mas ? tudo a fingir porque ele v? melhor at? do que todos da casa. At? v? coisas que mais ningu?m viu, como por exemplo o super-her?i que ele encontrou de noite na cozinha e que lhe contou que havia um menino chamado Filipe que estava a dormir e que ia ser tamb?m um super-her?i quando crescesse e ao almo?o o meu av? contou-me isto tudo e disse que o super-her?i tinha uma capa dourada e que saiu a voar pela janela e eu fiquei contente e nem me importei de estar a chover e a minha m?e n?o me deixar ir l? para fora. O barulho da chuva faz sono e quando eu n?o estou com sono isso ? mau, pelo menos eu n?o gosto nada. Mas nesse dia at? foi bom, porque o meu av? contou-me muitas hist?rias e depois eu fiz desenhos por causa das hist?rias que ele me contou e de outras coisas que eu pensei e imaginei. O meu av? sabe mais hist?rias que eu sei l? o qu?. A minha preferida ? a da barata moderna. Eu vou contar: era uma vez uma barata que era uma barata moderna. Eu n?o sabia o que ? que era moderna e o meu av? explicou-me que queria dizer que a barata andava de patins, mini-saia e ?culos escuros e no fim de cada frase dizia sempre oh yeah, como se estivesse a cantar. Um belo dia a barata foi apanhada numa banheira por uma senhora humana que queria tomar um

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duche e n?o gostava nada de baratas. A senhora humana olhou para ela e disse: j? para fora da minha banheira e da minha casa! Mas a barata, que como me contou o meu av? al?m de moderna era respondona, disse-lhe: n?o vou, esta casa ? tanto minha como tua. E a banheira tamb?m! A barata fez uma voz grossa e a senhora humana ficou zangada com as sobrancelhas em z? e a bufar como um touro malvado e sem saber o que fazer e saiu da casa-de-banho e foi buscar ajuda. Voltou com um senhor humano que era o marido. O marido olhou para a barata moderna, tirou o sapato e disse: isto resolve-se j?. Mas ao ver isto a mulher, que n?o gostava de baratas mas tamb?m era um bocadinho simp?tica, come?ou a gritar: n?o, n?o! Oh n?o! N?o a vais matar! N?o a vais matar! Vai-te embora! E o marido foi-se embora porque os gritos da mulher eram muito altos e muito fininhos. E no fim de contas a barata e a mulher passaram a dividir a banheira e passou o tempo e a mulher ficou um bocadinho mais moderna e a dizer oh yeah de vez em quando e a barata ficou muito agradecida por ela n?o ter deixado que o marido a matasse com a sola do sapato. O meu av? conta esta hist?ria e depois ?s vezes muda coisas e eu digo que n?o era assim e depois conto eu ao meu av? como ? que ? a hist?ria e ent?o depois ele conta-me a hist?ria outra vez mas como deve ser e ? muito engra?ado e n?o ? nada como as coisas que eu digo sem querer e que t?m gra?a da primeira vez e da segunda j? n?o.

Nas f?rias tamb?m vamos a outros lugares, como por exemplo ? vila. Na vila h? uma pra?a principal sem nada de especial e l? h? um caf? onde vamos sempre comprar p?o-de-l? e outras coisas, como biscoitos e bolos-de-arroz, e eu para mim pe?o guarda-chuvas ou cigarros de chocolate. Gosto mais dos guarda-chuvas porque s?o maiores e t?m mais chocolate mas os cigarros d?o mais estilo. ?s vezes chove na vila. Sa?mos de casa e o c?u est? cinzento e branco mas est? tudo seco e eu j? sei que quando chegarmos ? vila vai come?ar a chover porque ? sempre assim. Acho que ? porque o ch?o da vila ? feito de pedras grandes e a chuva faz l? um barulho a cair que parece mesmo feito para ser assim. A chuva ? quando uma nuvem choca com outra, que eu uma vez perguntei

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ao meu pai e ele disse-me. As pessoas mortas que est?o no c?u ? que devem passar o tempo a ver essas coisas das nuvens. Quando est?o nuvens eu percebo onde ? que as pessoas se seguram e p?em os p?s, porque podem p?r-se em cima das nuvens e n?s n?o as vemos porque estamos a olhar assim um bocadinho de baixo e elas est?o do outro lado, mas quando est? c?u azul n?o percebo muito bem, a n?o ser que estejam atr?s de um pano azul ou ent?o que fiquem invis?veis com superpoderes. Uma coisa que eu gosto na vila ? a papelaria onde o meu pai compra os jornais porque l? h? muitos livros de quadradinhos e ?s vezes o meu pai d?-me dois de uma vez. Na vila h? um rio e uma ponte e uma rua cheia de ?rvores. E agora h? umas casas novas que s?o feias, pelo menos ? o que a minha m?e acha porque elas t?m umas cores assim nada s?rias. Passamos sempre por elas quando sa?mos da vila de volta para nossa casa, quer dizer para casa dos meus av?s. Quando fica noite eu n?o tenho medo nem nada.

De noite tudo ? mais esquisito. Um dia acordei de noite e o quarto estava todo inclinado e eu era uma esp?cie de homem invis?vel. Levantei-me da cama e abri a porta sem os meus pais acordarem, mas tamb?m mesmo que acordassem n?o me viam porque eu estava todo transparente e invis?vel. Fui pelo corredor muito devagarinho. No corredor havia uma escurid?o e n?o se via nada. Eu sabia que a casa-debanho era no fundo ? esquerda mas de repente tudo estava diferente e agora eu j? estava um bocado sem saber o caminho e o pior ? que tamb?m j? n?o sabia voltar para tr?s para acordar a minha m?e. Parei e ent?o apareceram as moscas que costumam estar no vidro da janela da cozinha. Vinham sem fazer aquele barulho que normalmente fazem e eram maiores, do tamanho de passarinhos pequenos, e estavam muito chateadas e come?aram a ir contra a minha cara. Como eu estava invis?vel, elas n?o me deviam ver e ent?o chocavam contra a minha cara e as asas esquisitas delas faziam-me impress?o no nariz e nas pestanas e na boca. Estava tudo escuro e eu n?o conseguia sair dali. E depois as moscas fizeram um buraco na minha cara e come?aram a passar muitas,

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