IDIOMA E ETNIA - FUJ



O IDIOMA TAMBÉM INDICA ETNIA E GEOGRAFIA

Se concordarmos de que a língua aproxima os povos e vai identificando caracteres homogêneos na cultura e na etnia, deslumbramos a hipótese de que somos realmente, através dos séculos, descendentes do mesmo idioma indo-europeu-ocidental que originou, respectivamente o Itálico, o Latim e o Românico. Como dizia o nosso poeta Olavo Bilac, a nossa linda flor do Lácio significava o esplendor de nosso idioma, nascido numa região da Itália onde viviam pastores. Destas línguas surge uma lista que abrange o romeno, o dalmático, o italiano, o sardo, rético, francês, provençal, catalão, espanhol e português... Provavelmente, destes povos, temos um pouco de cada um. É possível que viva numa região como a da cidade de Sorocaba, ou de Caxias do Sul, algumas famílias descendentes dos sardos, dalmáticos, godos ou sicambros...[1]

Prosseguindo na ilustração do texto, os historiadores nos auxiliam quando apresentam, para a Europa no ano 511d.C., um mapa dos chamados “reinos bárbaros” que tem muito a ver com o nosso tema. Naquela época, a divisão do continente era mais ou menos assim: Reino dos Visigodos (abrangendo também onde atualmente é parte da Espanha e Portugal); o Reino dos Ostrogodos (onde atualmente fica a Itália, Croácia, Eslovênia, Iugoslávia,); o Império Bizantino (Grécia, Macedônia, Bulgária); o Reino dos Vândalos (Costa norte africana, e as ilhas da Sardenha e Córsega); o Reino dos Burgundios; Reino dos Francos; Bávaros; Saxões; Turíngios; Gépidos e mais os Reinos da Galícia e os Bascos. E ainda existem para esta reflexão, os Lombardos e os Eslavos (búlgaros também entram nesta denominação), que de alguma forma ou de outra também contribuíram para a formação étnica daquele Continente. Dessas monarquias é que floresceram os grandes Estados Europeus. E segundo o Dicionário de História[2]:

“Visigodos. Povo germânico, um dos ramos dos godos que, após invadirem a Itália sob o comando de Alarico no século V, saquearam Roma e, mais tarde, passaram à Espanha, acabando por ali estabelecer um Estado poderoso, o denominado Reino de Toledo, temporariamente submetido ao Império Bizantino, que durou até o Século VIII, quando sucumbiu diante da conquista muçulmana”.

Sobre os Germanos, que poderiam ser os Alemães que conhecemos através da imigração ao Rio Grande do Sul, no início do século XIX, a teoria mais moderna indica que têm sua origem na Escandinávia, particularmente no Sul da Suécia e a Dinamarca atual. Numa etapa posterior houve a fusão deste grupo com populações nativas mais antigas e que, por sua vez, geraram os já citados germanos orientais (vândalos, borgúndios, ostrogodos, alamanis, hunos e visigodos). Esta etnia também compreendia os Cimbros, fortemente influenciados pelos Celtas, sem falar daquela população da antiga Prússia e dos Teutônicos.

Para outros autores, o grupo germânico divide-se em três ramos: setentrional, oriental e ocidental. Os idiomas do primeiro ramo, chamados nórdicos são: o sueco, o dinamarquês, o norueguês, e o islandês. Do ramo oriental, hoje completamente extinto, se conhece o gótico. Ao ramo ocidental pertenciam além do extinto Lombardo, o anglo-saxão - origem do inglês atual - o frisão, e o velho alemão. Estão, ainda, nesta linha lingüística, que aproximou etnias, o dialeto falado no noroeste da Alemanha, o holandes-flamengo e o alto-alemão.

-É quase impossível que destes povos não reste mais nenhum descendente,

não é?

Diz-se, com toda a razão, que em Hellás (Grécia), nasceu toda a cultura ocidental. E não são poucos os povos que têm sangue forjado nas ilhas gregas.

Os estudos mais recentes demonstram que povos indo-arianos, que viviam nas planícies do Rio Danúbio, penetraram na região helênica, a partir do segundo milênio antes de Cristo. Eram conhecidos como aqueus e submeteram os antigos moradores, conhecidos como pelasgos. Posteriormente, houve contato com cretenses. Com o crescimento de algumas cidades, criaram-se castas e surgiram os poderosos atenienses e espartanos. Homero deixou duas pistas para a origem da população da região: Ilíada e Odisséia.

A Itália, também é um exemplo de um mosaico de grupos humanos. Não é a História de um povo que tenha centralizado e absorvido os elementos que o constituem através de uma evolução contínua e, sim vários tipos de desenvolvimento estrutural. O século XII AC é o ponto de partida onde se fixaram hordas de invasores de diversas partes do Mundo Antigo: os ligúrios ocuparam a região maior do que a atual Ligúria; os vênetos; os povos itálicos, isto é, o ramo da população considerada “ariana” que penetrou na Europa com os Helenos, que também se denominavam Pelasgos. A este grupo pertencem os latinos, os sabinos e os sanitas. Posteriormente, acrescentaram-se aos gregos, os cartigineses e os gauleses.

A História da Itália guarda segredos e revelações constantes, à medida que os arqueólogos vão descobrindo e investigando regiões não muito conhecidas. Um exemplo é a misteriosa civilização dos Nurágues (monumentos antigos). Ela vivia na paisagem semi-árida da Sardenha há uns 3 mil anos antes de Cristo e estava lá num tempo que o metal estava começando a ser usado no Mediterrâneo ocidental. Esta “tribo” foi influenciada e transformada vagarosamente por outras velhas civilizações da Idade do Bronze do Oriente Próximo. Também receberam influências minóicas e micênicas devido ao comércio que mantinham com Creta. As estátuas e materiais encontrados na região provam o contato cultural com fenícios e cartaginenses. Logicamente, num período posterior esta ilha foi tomada pelos gregos e romanos em épocas diferentes. Pesquisadores modernos indicam que os nuragues, provavelmente, formavam uma unidade étnica definida, com raízes na primeira população pré-histórica da Sardenha. Incluem a lista os sherdos, com quem os filistinos e outros povos do mar estabeleceram relações no Egito nos séculos XII ou XIII antes de Cristo[3] . Poderemos imaginar, com todas as possibilidades estatísticas possíves, que alguns “italianos” fazem parte deste caldo genético.

Desde a queda do Império Romano até a Idade Moderna não tiveram os italianos nem independência, nem existência organizada como Nação (que ocorreu com a unificação em 1870). Roma, portanto, é o princípio e origem de sua História. Ela foi uma cidade que atraiu milhares de pessoas das mais variadas regiões, castas sociais e etnias, desde a época do chamado Império Romano, principalmente os Etruscos (ou Tirrenos). Portanto, até mesmo os gregos deixaram suas marcas pelo litoral da “bota”. Eram legiões de imigrantes que procuravam um centro de maior comércio. Oriundos da própria Europa, da África e Ásia, sem falar nos escravos brancos ou amarelos, pertencentes a povos “conquistados” e dominados pelos romanos.

A partir do Século V, a Europa assistiu às chamadas Invasões Bárbaras que se caracterizou por grandes migrações de grupos humanos, pacíficos ou não, que penetravam no território abrangente pelo Império Romano. Diga-se de passagem, que estes “bárbaros” não significavam, exclusivamente, hordas de guerreiros selvagens, mas todos aqueles que não falavam grego ou latim. Na verdade, segundo os historiadores, o que se constatou foi à interpenetração de duas civilizações: a romana e a germânica, conforme diz Azevedo[4]:

“Isto porque, de longa data (século II, AC) os romanos haviam tomado contato com os germanos. Quando estes, no século V, ultrapassaram as fronteiras do império romano, nem sempre o fizeram através de campanhas militares, mas mediante instalação pacífica de tribos inteiras ou ainda como colonos, com a obrigação de prestar serviço militar. O exército romano, particularmente, contou com vários germanos que, a serviço de Roma, comandaram tropas contra seus próprios compatriotas. Outros participaram da administração civil e até da família imperial, através de matrimônios e adoções”.

De 476 a 552, a região onde fica a Itália, foi devastada pelas lutas de conquistas dos Ostrogodos e Bizantinos. Em 568, depois da morte de Justiniano, chegaram os Lombardos[5], que era um povo nômade, semibárbaro, errante, predador e violento, originário da Escandinávia (sul da Suécia) e que também deixaram descendentes na Alemanha. Toda vez que os invasores permaneciam por um longo tempo, com toda a certeza ocorria uma “mistura” étnica.

Mais tarde, Gênova e Veneza se tornaram centros financeiros da Idade Média e de que, de alguma forma, patrocinaram os descobrimentos. Com uma frota de mercadores que comerciavam numa grande parte da Europa e do Oriente, fica fácil imaginar que numerosas famílias se formaram com um “pedacinho” de cada etnia que chegava àquelas metrópoles antigas. Mais visivelmente entre os mais pobres, marinheiros e soldados. O que ninguém ignorava, mas tentava sonegar informações, era de que a elite também tinha seus bastardos com outro padrão físico...

Era comum encontrar grandes mercadores, já com inúmeras gerações em Gênova e Veneza, provenientes da Espanha, Portugal, França, Inglaterra e região dos Flandres, da Turquia, Germânia e dos países escandinavos.

Um exemplo encontrado em nossa pesquisa é relacionado a João Baptista Garcia, citado pela historiadora Véra Lúcia Maciel Barroso[6], como um dos proprietários de navios que conduziram casais açorianos para Santa Catarina. Na documentação, ele é apontado como “genovês”. No entanto, a família Garcia, anteriormente, tinha negócios na Espanha, próximo a Sevilha. O que comprova a tese de que naquelas cidades italianas, muitas etnias já se encontravam e procriavam numa multiplicação apreciável.

As cidades concorrentes economicamente, Antuérpia e Amsterdã, tinham quase as mesmas influências. Portuárias, ricas no comércio e grande fluxo de imigrantes de onde se conclui que o caldo genético e genealógico era significativo.

Os Holandeses, que também tem papel importante na História de nosso País, principalmente no Nordeste com Maurício de Nassau, antigamente pertencia aos “Países Baixos” europeus. Seus primitivos habitantes formavam um amontoado de tribos bárbaras, entre os quais os Batavos e os Frísios. Eram povos rudes e guerreiros e que não se submeteram com facilidade às legiões de Júlio César. Posteriormente os francos dominaram alguns feudos.

Os belgas também têm participação neste “coquetel brasiliano”, quer com a ajuda do povoamento do Arquipélago dos Açores, quer na remessa de imigrantes ao Brasil. Na Bélgica também se fala o francês, holandês ou alemão como língua materna (todas com sotaque belga), mas a população toda se “sentem belgas”. Dentro do nosso enfoque, não confundir língua com etnia nem cidadania. Um wallon não se considera jamais um francês, um flamengo ou holandês. Mas eles sabem que muitas guerras aconteceram e muito sangue correu entre belgas e outros europeus só por causa desta diferença. Em relação às chamadas “línguas mortas”, Caio Júlio César comentava na sua obra sobre as guerras na Gália, cerca de 50 antes de Cristo, chamada de “Bello Gallico”, que a mesma estava dividida em três partes: em primeiro lugar a Belgae, depois a Aquitânia e a Gália propriamente dita. Ainda em seu comentarius primus ele afirma que todas as tribos belgas eram as mais bravas (horum omnium fortissimi sunt belgae).

Portanto, o que serve para os Belgas, de certa forma serve para quase todos. A forma de encarar a questão passa por toda uma cultura histórica e que as pessoas vão assumindo, ou não.

Como acontece com outros países, as diferenças históricas (seculares) criam rivalidades regionais na Bélgica. Considerado um País rico e desenvolvido, aparentemente tudo é paz e harmonia. Há muito tempo a nação corre o risco de se dividir em duas. Um país com população inferior à cidade de São Paulo vivem dois povos de origens e idiomas diferentes que não se suportam, embora as autoridades tentem encobrir a verdade dos fatos. A rivalidade entre as duas principais regiões, Flandres, no Norte, com população e idioma flamengo (semelhante ao holandês), e Valônia, no Sul, onde se fala o francês, não é novidade. Corre nas ruas versões populares sobre estas diferenças: “Somos duas nações e não temos nada em comum exceto um rei, chocolate e cerveja”... Na prática, existe um sentimento separatista entre os flamengos que alegam sustentar os valões. No outro lado, na Valônia, as críticas aos seus conterrâneos também fazem parte do folclore. Quando um Valão arrota, usa uma expressão bem irônica: “desculpe-me pelo sotaque flamengo”...

Até aonde irá parar estas diferenças (cicatrizes?) não se sabe. Fica bem claro que as origens étnicas e diferenças de idiomas entre populações de um mesmo país, com o tempo pode levar a estremismos como acontece em outras regiões da Europa.

Na Espanha, nada acontecia de forma diferente e os bascos muitas vezes tentaram sua independência. Raízes culturais e étnicas fazem parte do dia-a-dia do povo espanhol que também tem uma longa história de lutas e conquistas. Depois do Homem pré-histórico, vieram os Iberos, Tertéssios, Celtas, Lígures, Fenícios, Gregos, Cartagineses e Romanos. Após, os Godos de todos os tipos e, finalmente, os árabes, que, juntos, todos, constituem a massa étnica que foi moldada o povo espanhol. Os Visigodos, vencidos pelos Francos, também tem uma parcela significativa nesta “fórmula”.

A Capital Madri tem muitas histórias que merecem destaque. O nome mourisco de Majrít foi mencionado pela primeira vez no ano de 932, por Ramiro II. Mas os madrilenhos afirmam que a cidade foi fundada por Mohammed I, filho de Sbderraman II, por volta do ano de 850 de nossa era. Já a histórica Toledo foi conquistada por Marcus Fulvius, no ano de 193 antes de Cristo, tornando-se colônia romana. Até o século VI foi residência oficial da corte visigoda, passando depois para o domínio árabe e novamente para os espanhóis. Outra região espanhola, a Andaluzia tem matizes étnicas importantes. Na época da invasão romana, ela tinha 42 cidades principais, das quais 38 eram totalmente romanas. Aos poucos, porém, todas foram influenciadas pelos árabes. E, finalmente, não podemos esquecer dos bascos que até hoje se inspiram em ideais de independência, justamente porque falam um dialeto diferente dos madrilenhos, por exemplo.

Portanto, cabe aqui ressaltar que num estudo avançado de Genealogia, importante e significativo é passar pela História das Cidades, principalmente aquelas mais antigas e que tiveram influência na divulgação da Arte e da Cultura. Mesmo porque, muitos argentinos e gaúchos brasileiros podem ter uma ascendência justamente nessas cidades. Dependendo do tempo, o pesquisador encontrará vestígios de sua família antiga em Jericó, Ur, Uruk, Nipur, Nínive, Tróia, Mênfis... Quem sabe, pode-se começar com a história da cidade natal ou daquelas em que vivemos, passando pelo Estado e pelo País...

Voltando à Espanha: numa determinada época, por volta de 1540, por exemplo, muitos franceses ingressaram no território castelhano e aí fixaram residência. Eram protestantes fugindo de perseguições sistemáticas que só terminariam em 1752-1753. Fernand Braudel[7] discorre sobre o assunto:

“A investigação histórica revela a amplitude, há pouco tempo desconhecida, da emigração francesa para os países ibéricos. Está provada tanto por levantamentos estatísticos como pelas insistentes notas dos viajantes. Em 1654, o cardeal de Retz mostrou-se extremamente surpreso por ouvir toda a gente falar a sua língua em Saragoça, onde há uma infinidade de artesãos franceses. Dez anos mais tarde, é Antônio de Brunel quem se espanta com o número prodigioso de gavachos (é o epíteto pejorativo dados aos franceses) que se encontram em Madri, 40 mil, calcula ele, que ‘se disfarçam de espanhóis e se fazem passar por valões, franco-condenses ou lorenos, para esconderem que são franceses e evitar serem varridos como tais’. São eles que fornecem à capital espanhola os seus artesãos, os seus carregadores, os seus adeleiros, atraídos pelos salários altos e pelos lucros a auferir. É, sobretudo, o caso dos pedreiros e operários da construção civil. Mas há também uma invasão dos campos: sem os camponeses provenientes da França, as terras espanholas teriam ficado muitas vezes incultas. Esses pormenores indicam uma emigração abundante, permanente, socialmente variada.”

No caso dos franceses, não poderemos esquecer da Bretanha. De lá partiram as expedições que invadiram o Brasil no período colonial, entre 1555 a 1711, sob o comando de Villegagnon, La Ravardière e Duguay-Trouin. Nessa península a noroeste da França, que se projeta entre o oceano Atlântico e a Mancha, ligando-se largamente ao continente, entre a Normandia, o Anjou e a Vendéia, nasceu um dos maiores autores de literatura ficcional: Júlio Verne. Para esta obra, interessa[8], nem que seja, superficialmente, a origem do povo bretã. Essa região iniciou o povoamento ainda na Idade do Bronze, onde houve também um caldeamento de populações autóctones. Nessa época, mercadores (?) oriundos do Norte e também do Mediterrâneo iam àquelas terras em busca de estanho. Isso talvez explique o nascimento precoce da metalurgia, com o aparecimento da Idade do Ferro. O povo dos venetos, já conhecidos pelos gregos e cartagineses, era um grupo poderoso e comerciava com os celtas do outro lado do canal da Mancha. A Bretanha francesa, então denominada Armórica, recebeu, por sua vez, o nome de Britannia Minor, ao tempo da conquista romana, em 57 antes de Cristo. Ali, César fundou cinco cidades que correspondiam às cinco nações existentes, com seus respectivos povos: Condate (Rennes), capital dos redons; Fanum Martis (Corseul), dos curiosólitos; Vorganium (Carhaix), dos osismios; Dariaritum (Vannes), dos Venetos; e Condevincum (Nantes), dos namnetos. No século VI, a Bretanha é dominada pelos francos, e até Carlos Magno pouco se sabe sobre o destino desses povos que também foram “evangelizados” por missionários do País de Gales.

Esta pequena incursão sobre a História dos bretões também serve como aditiva a toda questão levantada sobre os povos mais primitivos que, de um modo ou do outro, também fazem parte da grande Árvore Genealógica dos Ocidentais.

Lendo os livros de História, sabemos que a Península Ibérica (Portugal e Espanha) foi dominada pelos mouros por quase 800 anos. Fica muito difícil imaginar que, nestes oito séculos, os árabes não deixassem inúmeros descendentes “em parceria” com os primitivos habitantes daquele território europeu. Some-se a isto que os escravos africanos eram numerosos em Portugal na época das grandes viagens marítimas. Alguns cronistas falavam que, em Lisboa, por exemplo, havia mais negros do que brancos. Também seria infantilidade acreditarmos que não houvesse crianças mestiças correndo pelas vielas estreitas do cais do porto...

Os ibéricos tinham uma formação multiétnica antes de ser utilizada a expressão “Lusitânia”. Bascos, aquitanos e caucasianos se embrenharam na península por muitos anos, deixando gerações que foram se integrando a outras que estavam por lá e outras que foram chegando. Além de gregos, os fenícios tiveram uma contribuição significativa na origem do idioma e do povo português. José Verdasca, um dos maiores estudiosos sobre o nosso idioma, destaca[9]:

“Aos fenícios, talvez os primeiros comerciantes a chegar à Lusitânia, no final do II milênio AC, e que ali estabeleceram feitorias, devemos a introdução da escrita entre os turdetanos do Algarve; e a influência dessa civilização voltou a fazer-se sentir, quase um milênio depois, através dos cartagineses, nacionais da colônia (Cartago) fundada por naturais da cidade de Tiro, que falavam um dialeto fenício, o púnico”.

É consenso geral de que os lusos receberam o sangue de celtas, suevos, vândalos e godos. Judeus e hebreus somam-se a este caldo e, isto tudo, muitos séculos antes de Cabral chegar na Bahia. Carlos Xavier Paes Barreto em sua obra já citada, aponta a influência étnica de Portugal por intermédio da Espanha:

“Parte integrante do território romano, a Península Ibérica, dele recebeu os remanescentes dos jaspigos, pelasgos, italiotes, ulcanos, ligures, fenícios, gregos e cartagineses, acrescidos dos bárbaros, mongóes, alanos, vândalos e árabes e, ainda, de mouros, semitas, egípcios, judeus, frígios e das gentes da Dalmácia, Tíbia e Germânia, que, segundo Durand, formaram o grupo étnico do cosmopolitismo do país dos césares. Entroncaram-se com reis godos, através dos Leovigidos, Recaredos e Pedro de Cantábria, misturados com monarcas andaluzos, ostrogodos, franceses e australianos. Vieram os asturianos, depois transformados em aragoneses, navarrenses e castelhanos, com os Pelágios, Afonsos, Fruelas e Ramiros”.

Quando os portugueses, já bem “misturados”, descobriram e povoaram o arquipélago dos Açores, não havia um português puro (leva tempo para “apurar” o sangue, mesmo em sociedades fechadas e xenófobas). Mesmo porque, franceses, espanhóis e holandeses também chegaram àquelas ilhas a partir de 1450 e, em pouco tempo, cruzaram com os chamados portugueses do Continente. Nas ilhas chegaram franceses, holandeses, flamencos, ingleses e espanhóis. Em 200 anos já havia uma considerável miscigenação no Fayal, Ilha Terceira, Ilha do Pico e na Ilha de São Miguel, origem de milhares de pessoas que vieram para o Brasil na primeira metade do século XVIII.

No período de 1748 até 1760[10], aproximadamente, os casais de número começaram a chegar na costa catarinense e mais tarde ao Rio Grande do Sul e definiu-se como açorianos, já que originários há várias gerações das Ilhas. Assim, ficava mais fácil identificar a região materna dessas pessoas. Olhando-se o mapa mundi descobre-se que a distância entre o Continente Europeu e o Arquipélago dos Açores é de cerca de mil quilômetros! Nos séculos XV, XVI e XVII formou-se um povo diferenciado. Ilhéus, pescadores, pequenos agricultores, habitantes que vez por outra acordavam com terremotos e ataques de corsários, trançaram costumes e formas de viver diferentes de conterrâneos continentinos. Até mesmo o “sotaque” e o linguajar eram um pouco diferentes daqueles portugueses que viviam na Corte.

É interessante o estudo desta epopéia açoriana, pois não foram considerados imigrantes tendo em vista que, na época, eram cidadãos portugueses. E eles chegaram também ao Maranhão, Pará, Pernambuco e Paraná[11].

Estas indicações são meramente exploratórias e têm o único objetivo de ajudar na reflexão sobre o tema, tornando mais interessante a discussão sobre a formação étnica de alguns grupos que vieram para a América, mais precisamente para o nosso País. É, sem dúvida, o início de um pensamento profundo sobre os seres humanos, um quebra-cabeça antropológico, que, para os leigos, torna-se de difícil compreensão.

-E é bem possível que muitos leitores deste modesto ensaio, poderiam ser descendentes destes povos mencionados. Ou não? De que planeta então viriam?

Sabe-se que muita gente não tem noção da origem de seus ancestrais, e não tem a mínima preocupação em saber, principalmente se alguma mágoa profunda sobre um antepassado específico, criou barreiras psicológicas e existenciais. Outros, porque a Luz do Conhecimento não chegou até eles, ou porque estava muito cara, ou gostam da escuridão. O acesso a este complicado sistema científico também passa pela Democracia e pela luta contra a exclusão ao Ensino e à Educação.

Finalmente, as expressões: “sou descendente de italiano”, “português”, “açoriano” ou “alemão” não se inclui no espírito deste ensaio. Uma melhor forma seria: “sou descendente de italianos desde 1870”, “sou descendente de portugueses desde 1450”; “sou descendente da Alemanha, da região da Bavária, desde 1830”, ou “também sou descendente de...”.

No caso específico de um brasileiro, nascido no Brasil, cidadão com todos os direitos políticos e garantias constitucionais, poderia até se usar: “também tenho ancestrais portugueses, índios, negros de 1500 para cá, não sabendo de onde eram meus ancestrais antes desta data”.

Dentro do próprio território nacional existe a cidade e o Estado natal. E, regionalmente, algumas denominações são incorporadas ao patrimônio pessoal, com aceitação geral, como carioca, paulista, gaúcho, pantaneiro, serrano, potiguar, pêlo-duro (mistura de português com índio, ou português com africano) etc.

Assim, o autor também criou uma escala genealógica que “mistura” todas estas particularidades e que indica de onde vieram alguns ancestrais, e pode servir de modelo para outras pessoas, abandonando o estilo tradicional de apresentar árvores. É uma maneira de ver com outros olhos o nosso passado:

Tenho um pouco do sangue

português, indígena,

espanhol, holandês, francês,

africano, açoriano,

paulista, paranaense, catarina,

germano, italiano,gaúcho, serrano,

pêlo-duro,

BRASILEIRO !

Observando centenas de “árvores de costados” de personalidades brasileiras, verifica-se a presença de um universo significativo de expressões utilizadas neste capítulo, em termos de regiões onde ancestrais comuns viveram. Trata-se de uma árvore genealógica, não de nomes e sobrenomes, mas de outros significados que indicam etnias, grupos sociais, regiões, continentes, idiomas e culturas. Pode-se navegar com a imaginação (única máquina do tempo disponível no momento) e encontrar nossos ancestrais em latitudes e longitudes diferentes, desde as estepes da África, da Mongólia, da Galiléia, das Ilhas gregas, das margens do Tejo e do Danúbio, dos sertões de Piratininga ou de um lugarejo que não aparece no mapa, chamado Juá[12]. Não é impossível que apareça um cidadão que poderá repetir a seguinte escala, sem nenhum nome ou sobrenome:

Tenho uma costela em cada canto do mundo.

Sou um produto globalizado,

em termos étnicos e genéticos.

Meus ancestrais são fenícios, armênios, galileus,

visigodos, mouros, celtas, franceses, tiroleses, romanos,

lusos, castelhanos, flamencos, prussianos, germanos,

libaneses, muçulmanos, cristãos, judeus, japoneses,

olmecas, maias, tupiniquins, guaranis, carijós, angolanos,

baianos, bandeirantes, tropeiros,

paranaenses, lageanos, lagunenses,

gaúchos, missioneiros, serranos, colonos, caxienses, brasileiros.

Faço parte de uma Nação onde todos

são filhos de Deus.

Outro exemplo é apresentado adiante, na qual é organizada uma Genealogia dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, RS. Vê-se o Município mais antigo e todos os desdobramentos ocorridos, em diversas ocasiões, por emancipação política. Até os dias de hoje, foram criados mais de 70 novos municípios a partir de Santo Antônio, e que são considerados filhos, netos e bisnetos... Na prática, quase todas as cidades brasileiras têm um histórico semelhante, tendo em vista que em 500 anos, muitas vezes foram efetuadas novas divisões territoriais. No caso específico deste antigo município gaúcho, com esta árvore, é simbolizada dignamente a união das pessoas e das cidades. O espírito que integra regiões, a partir da sua geografia e de seus descendentes, denominados povoados, vilas ou cidades, traduz uma mensagem que o leitor, até agora, tem pressentido. Esta visão, relativamente ao “Quadrante Patrulhense” vem de encontro, também, ao aspecto conceitual de Família, abordado anteriormente.[13] O termo “neto de Rio Pardo”, por exemplo, não se encontram nos livros de grande parte dos historiadores (já que não se encaixam no time que defende a Família como esteio forte de uma sociedade).

Caxias do Sul, conhecida inicialmente, como “Campo dos Bugres”, centro da região de colonização italiana, tem duas histórias: uma, que começa com os imigrantes em 1875, e, outra, iniciada por volta de 1780. A explicação é de que cerca de 51% do atual território, antes da chegada dos colonos italianos, pertencia a São Francisco de Paula (que se emancipou de Santo Antônio da Patrulha em 1878), e os primeiros povoadores já tinham chegado às localidades de Criúva, Vila Seca, Vila Oliva e Fazenda Souza (hoje distritos de Caxias), no início do Século XIX.

Infelizmente, estes dados não sensibilizam a elite pensante da cidade. Inclusive, esqueceram totalmente o filho de açorianos, Antonio Machado de Souza, que na metade do século XIX, antes da chegada do primeiro imigrante, “descobriu” o Campo dos Bugres, a partir de uma expedição que partiu do atual Município de Montenegro e chegou na parte serrana do atual Município de Caxias, onde ficam hoje os Distritos de Criúva e Vila Seca.

Com o passar do tempo, a chamada “Pérola das Colônias” anexou novas áreas, mas também perdeu algumas, como aquelas pertencentes hoje aos municípios de Farroupilha e Flores da Cunha. É um processo de divisão territorial que sempre aconteceu, não só no Brasil, mas em todos os Países.

Somando-se a estes detalhes, atualmente, a maioria da população caxiense tem uma formação étnica diferente daquela que iniciou o processo de colonização e povoamento da região. Em todas as publicações, sites do Governo Municipal ou de setores privados, programações turísticas e outros meios de divulgação, informam apenas sobre a História dos Imigrantes. Como a “outra” História é esquecida, concluí-se que a maioria das pessoas, que não têm nada a ver com a Imigração, não recebe informações de “sua História”. Isto também pode ser considerado “exclusão”. A História é contada apenas para uma parte da população...

O assunto deve ser aprofundado, pois muitos fatos de nossa vida, às vezes, passam despercebidos porque a mídia conduz a idéia do que deve ou não deve ser discutido. Por exemplo: esta omissão em não ser contada parte da história (ou toda ela) está relacionada à tão badalada CIDADANIA (que também é usada nos discursos vazios de alguns políticos). Assim, é necessário abordar, pelo menos, um conceito importante do que entendemos do que é ser cidadão ou o que é cidadania. Recentemente, Jaime Pinsky[14] garimpou por esta área e deixou gravadas algumas impressões que podem ajudar:

“Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais... Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que seu sentido varia no tempo e espaço. É muito diferente ser cidadão na Alemanha, nos Estados Unidos ou no Brasil (para não falar nos países em que a palavra é tabu), não apenas pelas regras que definem quem é ou não titular da cidadania (por direito territorial ou de sangue), mas também pelos direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão em cada um dos Estados-nacionais contemporâneos. Mesmo dentro de cada Estado-nacional , o conceito e a prática da cidadania vem se alterando ao longo dos últimos 200 ou 300 anos. Isso ocorre tanto em relação a uma abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para a sua população (por exemplo, pela maior ou menor incorporação dos imigrantes à cidadania), ao grau de participação política de diferentes grupos (o voto da mulher, do analfabeto), quanto aos direitos sociais, à proteção social oferecida pelos Estados aos que dela necessitam “.

Ousadamente, tento exprimir alguns complementos à brilhante definição exposta por Pinsky. A partir da expressão que cidadania não é uma definição estanque, ratifico a posição de que as pessoas têm o direito de conhecer a sua história e, no mínimo, mais aquela relacionada ao grupo social em que vive ou a sua região. Justamente porque a sua identidade individual deve estar ligada a sua identidade nacional (ou coletiva). Nesta fronteira, há o que chamamos de sentimento pátrio. Torcer e sofrer pela seleção de futebol é o que a maioria deve estar pensando, mas a questão é mais profunda, pois envolve uma consciência extraordinária de compreensão sobre o meio em que se vive, apalpando-o, analisando-o, contribuindo para aperfeiçoá-lo.

Sentir saudades ou louvar os feitos passados não é crime. Saudar os bons projetos de vida que estão sendo implantados e ter esperança que no futuro outras pessoas também realizem tarefas de ajudar a Humanidade é um sentimento que une tempos e gerações diferentes, com princípios iguais.

Se não querem saber[15] da genealogia das famílias que moram num rincão distante, (que pode ser da família toda do leitor), é porque estão reduzindo esta população a um nível de insignificância. Pois, embora não tenham pensado nisto, elas fazem parte da grande família brasileira. E neste contexto, a história destas famílias não deve ser estratificada no sentido de quem é ou foi mais importante. Logicamente, não somos ingênuos, de que, ao analisarmos o perfil sócio-econômico dos compatriotas, vislumbramos as barreiras, os preconceitos e a exclusão social de quem não teve oportunidade de galgar posições mais favoráveis na pirâmide dos direitos (regalias) constitucionais. A verdadeira cidadania passa, então, pela inclusão da história de cada um, sendo ele rico ou pobre, culto ou não. Pois todos contribuem para a História de todos.

Nota: Na página seguinte a Genealogia dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, como exposta na Coleção Raízes. É uma forma inédita de demonstrar um “outro tipo de família”. Assim, fica ampliado o conceito já exposto. Cidade irmã, cidade co-irmã, cidade parente... Outros municípios brasileiros deveriam seguir este grande exemplo de família.

São Francisco de Paula é filho de Santo Antônio da Patrulha.

Bom Jesus, é neto,

Arroio do Sal e Cotiporã, são bisnetos.

Então, sendo assim, por esta ótica,

o Brasil é filho de Portugal.

Quem seriam os avós?

[pic]

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[1] Vide o livro do autor, A Grande Nação, Porto Alegre, EST Edições, 2002, onde é apresentado um “exercício genealógico” com duas árvores de costados de Anita Garibaldi e Sandra Maria Schmith Alves. Interpretando a amostra apresentada, vários ancestrais pertenciam a povos antigos que foram esquecidos.

[2] AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Op. Cit.

[3] O autor, nestas breves linhas, procura apenas indicar a complexidade do assunto quando estudamos a origem mais remota dos povos e das Nações.

[4] AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Op. Cit, pág. 237.

[5] A Lombardia atual compreende as províncias de Bérgamo, Brescia, Como, Cremona, Mântua, Milão, Pavia, Sondrio e Varese.

[6] BARROSO, Véra Lucia Maciel Barroso (Org.). A presença açoriana em Santo Antônio da Patrulha e no Rio Grande do Sul. 2ª Ed. Porto Alegre: EST Edições, 1997. (Pesquisa de Moacyr Domingues)

[7] BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

[8] Leitura feita da “Revista Mensal de Cultura ENCICLOPÉDIA”, n° 51, Julho. São Paulo: Bloch, 1971.

[9] VERDASCA, José. A Língua de Camões, São Paulo: Ibrasa, 1995.

[10] Na verdade, como se verá adiante, os açorianos, independentemente se eram ou não “casais de número”, foram chegando continuamente ao Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Colônia do Sacramento a partir de 1732 (e até 1800).

[11] No Capítulo intitulado Memorial Açoriano são apresentadas amostras de açorianos chegados aos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Sergipe, Maranhão e Pará, em várias épocas.

[12] Juá, Distrito de São Francisco de Paula (RS), pertencente ao espaço geográfico conhecido como Cima da Serra.

[13] Esta é uma idéia que deveria ser imitada por outros Municípios pois ajuda a fundamentação de projetos de confraternização e brasilidade.

[14] PINSKY, Jaime, (Org.), PINSKY, Carla Bassanezi (org.). História da Cidadania. 2ª Edição, São Paulo: Contexto, 2003.

[15] A insinuação aqui depositada é no sentido de que existe uma elite que não se preocupa com o que o povo pensa. Ou seja, existe um sistema dominador, não só do ponto de vista econômico mas também em ditar regras sociais e de pensamento. Anteriormente já tinha esposado conceito semelhante.

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