Política, cultura e etnicidade:



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Política, cultura e etnicidade:

indagações sobre encontros intersocietários

Cláudia Pereira Gonçalves

2004

Antropologia em Primeira Mão é uma revista seriada editada pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Visa a publicação de artigos, ensaios, notas de pesquisa e resenhas, inéditos ou não, de autoria preferencialmente dos professores e estudantes de pós-graduação do PPGAS.

Universidade Federal de Santa Catarina

Reitor: Rodolfo Pinto da Luz. Diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas: João Lupi. Chefe do Departamento de Antropologia: Alicia N. González de Castells. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social: Rafael José de Menezes Bastos. Sub-coordenador: Márnio Teixeira Pinto.

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Catalogação na Publicação Daurecy Camilo CRB-14/416

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|Antropologia em primeira mão / Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade |

|Federal de Santa Catarina. —, n.1 (1995)- .— Florianópolis : UFSC / Programa de Pós |

|Graduação em Antropologia Social, 1995 - |

|v. ; 22cm |

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|Irregular |

|ISSN 1677-7174 |

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|1. Antropologia – Periódicos. I. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós |

|Graduação em Antropologia Social. |

Política, cultura e etnicidade:

indagações sobre encontros intersocietários

Cláudia Pereira Gonçalves[1]

Neste ensaio reúnem-se indagações sobre modalidades de relações que empreendem e envolvem índios e não índios, e questiona-se a capacidade analítica de abordá-las como encontro intersocietário. Na crítica de Eduardo Viveiros de Castro (1999) encontra-se uma formulação que expressa “o tamanho da pergunta”:

“… pode bem ser que o fato interétnico ‘presida’ à organização de um ‘grupo étnico’; mas nem toda sociedade indígena é um grupo étnico, nem todo grupo étnico é o tempo todo um grupo étnico, e nenhum grupo étnico é apenas um grupo étnico” (Viveiros de Castro 1999: 121).

Considerando a etnicidade como politização da cultura ou uso político da cultura[2], pensei encontrar nesta literatura a abrangência e os limites da adjetivação de relações e grupos como étnicos. O estudo revelou que a questão poderia ser melhor elucidada no diálogo entre teoria e etnografia. Assim, optei por construir uma “empiria” a partir das etnografias de Rafael José de Menezes Bastos (1996, 1985) e de Márnio Teixeira Pinto (2002). Estes autores apresentam abordagens distintas do que envolve grupos e relações étnicas, onde política e cultura estão contempladas com história e filosofia nativas[3].

O tratamento dado por Menezes Bastos (1996) ao encontro entre o chefe Txucahamãe Raoni e o músico Sting, despertou meu interesse para o termo “encontro” e as possibilidades de inclusão que ele abre. Mas se nesse caso o caraíba é um outro desejado (1996), há aquele em que o outro caraíba é um invasor (1985), retido com seu avião no Parque, e o etnólogo chamado a participar em parte da ação política[4]. Sobre a longa história empreendida pela Funai para contatar os Arara (Teixeira Pinto 2002), iniciado de forma sistemática em 1964 e só concluído entre 1981-1983, discuto a primeira fase (1964-1979) que reconta uma tragédia cósmica vivenciada quando o “branco ainda não tinha sido pacificado”. Nos três casos, o pouco uso do adjetivo étnico é relacional, e o tema do contato e das relações interétnicas ou intersocietárias são abordados no “sistema social xinguense” e no “sistema cultural arara”.

A não evidente separação do substativo e do adjetivo de um neologismo

A noção de etnia foi freqüentemente utilizada de maneira imprecisa junto a de povo, raça e nação. Entre os autores clássicos, somente Max Weber deu-lhe tratamento específico como conceito[5]. Mas, apesar de Weber [1922] ter indicado aspectos fundamentais das relações e ações etnicamente motivadas – a etnia não é “algo dado”, ela tem função política; a identidade étnica se constrói pela consciência da diferença entre grupos e expressa um ‘etnocentrismo’ –, a concepção de etnia que vai predominar durante muito tempo é a de uma unidade homogênea e discreta, com uma cultura, uma língua e uma psicologia específica (Taylor 1992). A “unidade étnica” passará a ser problematizada entre os anos 1950 e 1960, como uma das noções que participam da passagem do “não dito conceitual” a uma “frenética busca de definições” (Gossiaux 1997: 30). É neste período também que começa a desenvolver-se um entendimento gradual da existência de variação intracultural, e de que estrutura comunal, identidade individual e aceitação de normas culturais nem sempre coincidem (Zenner 1996).

O conceito de etnicidade surge em meados dos anos 1950, no domínio africano da antropologia social britânica, e na sociologia e na ciência política nos EUA (Poutignat e Streiff-Fenart 1998). Nesse contexto de pós-guerra e de descolonização do continente africano, inicia-se o que Jean Copans (1992) qualifica de “crítica política da antropologia”. Trata-se de um debate que vai tomar proporção internacional e atravessar os anos 1960, sobre a utilização do saber antropológico e as responsabilidades sociais e políticas dos antropólogos. Um marco de referência neste debate foi o artigo de Michel Leiris “L’ethnographe devant le colonialisme” (1950), por refletir a renovação de perspectiva introduzida por Max Glukman e Georges Balandier em relação às teorias funcionalistas e a-históricas até então predominantes.

O grande desenvolvimento dos estudos sobre etnicidade a partir de 1970, estaria ligado a um tipo de conflito e de reinvindicações qualificadas como “étnicas” que tomam corpo nas sociedades industriais e nas do Terceiro Mundo, e à influência exercida por Fredrik Barth (Poutignat e Streiff-Fenart 1998). Barth [1969] (1998) aborda os grupos étnicos como uma forma de organização social, sendo o traço fundamental destes a auto-atribuição ou a imputação por outros a uma categoria étnica. Para explorar os processos que envolvem a geração e a manutenção de grupos étnicos, Barth (1998) propõe a mudança de foco da história e constituição interna dos grupos para a delimitação social que os separa. É nessas fronteiras sociais onde estão os limites da relação nós/eles que se encontram os critérios de pertença, ou seja, tanto aquilo que define quem é ou não membro como o conjunto de regras que organiza a interação social nos contatos interétnicos.

Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart (1998) indicam que apesar de uma extensa produção bibliográfica sobre etnicidade, três ordens de problemas dificultariam o estabelecimento de uma teoria geral. Primeiro, duas maneiras de entender o fenômeno: para alguns, este seria um produto do desenvolvimento econômico, da expansão industrial capitalista, da formação e do desenvolvimento dos Estados-nação, e portanto, universalmente presente na época moderna; para outros, o conceito de etnicidade não designa novos fenômenos e sim fenômenos ocultados pela grade de análise dos pesquisadores da época anterior. Segundo, haveria confusão entre as acepções, às vezes no mesmo autor, que torna a etnicidade uma qualidade aferente ao grupo étnico, e aquela que o termo designa a existência dos próprios grupos étnicos. E por último, não há consenso se o fenômeno étnico seria um. Há tanto o entendimento de que se trata de “fenômenos diferentes” como de “diferentes manifestações do fenômeno”. Entretanto, uma base de aquisições constituiu o domínio da etnicidade: i) a atribuição categorial na dialética exógeno/endógeno que constitui o poder de nomear, pela qual os atores se identificam e são identificados pelos outros; ii) as fronteiras do nós/eles, produzidas e reproduzidas pelos atores que as manipulam no decorrer das interações sociais, que são mais ou menos estáveis e sua manutenção não depende da permanência de suas culturas; iii) a fixação de símbolos identitários, que codificam a crença na origem comum; e iv) a questão do “realce”, que abrange o conjunto de processos pelos quais os traços étnicos são destacados na interação social. Estas aquisições estariam associadas ao nome de Barth como um divisor de águas com o pensamento etnológico da época (as teorias da aculturação, da assimilação e da mudança cultural), apresentando o novo entendimento de que os grupos étnicos não constituem entidades discretas e homogêneas, e que tampouco o processo de modernização condena os vínculos étnicos ao desaparecimento.

Mas antes de Barth, em 1959, Roberto Cardoso de Oliveira inicia a pesquisa “Áreas de fricção interétnica no Brasil”. O projeto publicado em 1962 traz o conceito de “fricção interétnica”, com proposições de “um deslocamento do foco das relações de equilíbrio e das representações de consenso para as relações de conflito e para as representações de dissenso” (Cardoso de Oliveira [1993] 2000: 47), e que se observasse mais sistematicamente a sociedade nacional em sua interação com as etnias indígenas, como elemento de determinação da dinâmica do contato interétnico[6]. Inspirado na noção de “situação colonial” de Georges Balandier, ele diz que tal conceito é correlato ao de identidade étnica[7]. No artigo que Cardoso de Oliveira [1978] considera um post-scriptum de seu livro Identidade, Etnia e Estrutura Social (1976), esta correlação é explicitada. Comentando a obra Ethnicity: Theory and Experience (Glazer & Moynihan 1975), o etnólogo pondera que a despeito da multiplicidade de tópicos abordados nos estudos étnicos em geral, o foco dos mesmos é a etnia, terreno comum da teoria e da pesquisa das relações interétnicas. E que a temática daquela obra segue a mesma orientação de tratar as relações interétnicas nas suas mais variadas manifestações enquanto fenômenos de etnicidade: “identidade”, “estratégia na competição a recursos”, “caráter cultural” e “etnicidade e classe”. A etnia, como objeto de investigação, está identificada naqueles estudos pelo termo “etnicidade”, um neologismo que conota precisamente aquela realidade que o autor vem procurando desvendar em sua dupla dimensão, a de estrutura social e de identidade. Ao nível da estrutura social, os grupos de identidade minoritária possuem organizações próprias, diferenciadas ou não das sociedades nacionais em que se inserem. A identidade de caráter minoritário, está em oposição a uma identidade majoritária associada a grupos dominantes, geralmente instalados nos aparelhos de Estado, e à identidade desses não se aplicaria a noção de etnia. A etnia, uma representação social, ela mesma uma “relação” – pois só se revela como um dos termos de uma relação assimétrica –, está concentrada na identidade étnica, numa ideologia de caráter etnocêntrico, em cujo interior se condensam valores culturais mais expressivos do grupo minoritário, seja esse atual ou histórico. Para Cardoso de Oliveira ([1978] 1983), o conceito de etnia ou etnicidade, juntamente com o de identidade étnica, permite cobrir uma ampla variedade de um mesmo fenômeno[8].

Manuela Carneiro da Cunha [1979] considera infecunda a compreensão de etnicidade como ideologia, porque em seu sentido lato se aplica a qualquer conjunto de idéias. Analisando as implicações usuais da noção de ideologia, a etnóloga vai mostrando que a ela se associam as idéias de legitimação, de questionamento da autenticidade, de ilusório e falsa consciência de classe. Seu argumento é que a etnicidade é linguagem e forma de organização política. Enquanto linguagem, nela o irredutível é a cultura, mas não como algo dado, posto, e assim dilapidável, mas algo constantemente reinventado, recomposto, investido de novos significados. A etnicidade é linguagem, tanto no sentido de remeter a algo fora dela como naquele de permitir a comunicação, pois enquanto forma de organização política só existe em um meio mais amplo, e é esse meio que dá os quadros e as categorias dessa linguagem. Mas se a etnicidade pode ser melhor entendida como uma forma de organização política, essa perspectiva também implica que a etnicidade não difere de outras formas de definição de grupos do ponto de vista organizatório. O que a distingue é de ordem da retórica empregada para se demarcar enquanto grupo, invocando uma origem e uma cultura comuns em relação a uma assunção de fé ou de genealogias compartilhadas pelos grupos religiosos e de parentesco. Da mesma maneira que tais grupos, a etnicidade não seria uma categoria analítica mas uma categoria “nativa”, isto é, usada por agentes sociais para os quais ela é relevante.

João Pacheco de Oliveira (1998), tratando do fato social que nos últimos vinte anos vem se verificando no Nordeste, o da emergência de novas identidades étnicas ou de reinvenção de etnias já reconhecidas, considera que a dimensão territorial é estratégica para a reflexão da incorporação de populações etnicamente distintas em um Estado-nação. Não sendo nova na antropologia, a noção de “territorialização” lhe parece dotada da mesma qualidade heurística de “situação colonial” de Georges Balandier. A noção permite o tratamento dessa situação em que a demanda política por terras, aparece como um elemento de distintividade cultural: a delimitação de um território é o que permite o reconhecimento desses grupos como coletividades diferenciadas. A imagem da viagem de volta que ele propõe para o fenômeno, parece-lhe mais precisa que as decorrentes dos conceitos de “etnogênese” ou “emergência étnica”, “índios emergentes”, “novas etnicidades”, “diáspora”. Nela também está o seu entendimento da etnicidade: os processos políticos que devem ser analisados em circunstâncias específicas e as lealdades primordiais, supondo uma trajetória histórica determinada por múltiplos fatores e uma origem, e que apesar de ser uma experiência individual, está traduzida em saberes e narrativas aos quais vem se acoplar.

Uso político e politização da cultura, política e cultura constituem, portanto, fenômeno ou fenômenos e categorias, analítica e nativa igualmente. E sendo um ou outro ou os dois, eles podem ser identidade, ideologia, estrutura social, interação social, organização política, linguagem, resíduo cultural, forma de reivindicação cultural, forma importante de protestos eminentemente políticos, trajetória e territorialidade. A imbricação entre fenômenos e categorias enquadra-se na “reflexividade do conhecimento” (Giddens 1991), e a propósito, dois etnólogos caracterizam bem essa discussão:

“(…) hoje em dia, são os autóctones ou os indígenas que utilizam diretamente o discurso e os resultados da disciplina para a condução de seus combates políticos e “étnicos” (Copans 1996: 48).

“(…) enquanto o percurso dos antropólogos foi o de desmitificar a noção de “raça” e desconstruir a de “etnia”, os membros de um grupo étnico encaminham-se freqüentemente, na direção oposta, reafirmando a sua unidade e situando as conexões com a origem em planos que não podem ser atravessados ou arbitrados pelos de fora” (Pacheco de Oliveira 1998: 65).

Uma dúvida, o estudo até aqui não esclareceu: por que tratamos de relações interétnicas, se uma parte em relação não seria etnia, ou, para podermos a essa nos referir como tal, precisaríamos adjetivá-la de majoritária ou dominante?

Grupo étnico: a abrangência e o limite indígena

A crítica de Viveiros de Castro (1999) refere-se ao seguinte parágrafo em “O nosso groverno”: os Ticuna e o regime tutelar (1988):

“Na perspectiva analítica proposta por Barth, se inverte a postura tradicional, de que primeiro as unidades culturais são definidas e internamente organizadas, depois mantêm relações externas umas com as outras. O contato interétnico é, ao contrário, um fato constitutivo, que preside à própria organização interna e ao estabelecimento da identidade de um grupo étnico” (Pacheco de Oliveira 1988: 58).

Neste capítulo, o etnólogo está apresentando a fundamentação teórica com a qual ele busca elucidar as condições, o caráter e as conseqüências da implantação do processo de assistência e dominação de um grupo indígena, pelo aparato legal e administrativo reponsável pela sua tutela. Ele concebe o conjunto destas relações na noção de campo, ressaltando tratar-se de um instrumento metodológico. Uma particular constelação de atores em uma ação social, o campo intersocietário, ou campo de ação indigenista, é composto por ações, recursos (contextuais), táticas (intencionalidades), ideologias (mitologia e ideologia da tutela); supõe uma hierarquia relativamente aceita que unifica e dispõe os atores, e um padrão de legalidade (padrões de interação) que é fabricado pelos atores e tem como base a correlação de força entre eles. Os atores aqui envolvidos e tratados são: os brancos relacionados ao seringal (patrões, reponsável pelo barracão, outros trabalhadores, e os regionais) e os outros brancos (antropólogos, Nimuendajú e o próprio autor); os Ticuna na reserva em sua organização social (parentesco, as nações, os jovens anunciantes do fim do mundo, grupos vicinais, líder do grupo de vizinhança, autoridade familiar, o mediador índio nomeado pelo Serviço de Proteção ao Índio – SPI, os irmãos míticos criadores dos Ticuna); e funcionários do SPI (reserva, administração regional e nacional).

O contato interétnico como fato constitutivo do grupo étnico Ticuna faz sentido na situação de seringal, na reserva e no contexto urbano analisados, se pensada em termos do resultado da ação. Quanto ao processo vivido pelos Ticuna e analisado por Pacheco de Oliveira (1988) como “movimento salvacionista”, seja na mobilização que os aglutinou ou nos fluxos migratórios que a situação provocou, o fato constitutivo se torna impreciso ou ao menos parcial, pois as relações vividas pelos Ticuna eram cósmicas e não étnicas. Da mesma maneira, no artigo posterior em que Pacheco de Oliveira (1999) trata da associação de Nimuendajú à figura de Ipi, “etnopolítica” seria um termo apropriado para tratar de uma ação empreendida nesse tempo liminar, onde a ordem cotidiana está suspensa porque aquele com quem eles estão em relação não é o etnólogo, mas sim um dos heróis míticos?

Penso que, apesar da literatura tratar das fronteiras entre o nós/eles, há problemas quanto à delimitação, não só no espaço mas sobretudo no tempo, e de adesão a um grupo étnico. Afinal, seu limite é ou não dado pelas situações que o engendram? No caso indígena, uma vez grupo étnico, estende-se para todos os que não participaram daquela situação a denominação, e todos juntos constituem uma etnia? Se o problema é causado pela imbricação entre dimensões nativa e analítica, o resultado é um certo ar de “eterno presente etnográfico”, justamente quando se trata de um processo dinâmico.

Em “Etnologia dos índios misturados”, Pacheco de Oliveira (1998) faz uma ponderação ao comentar a clássica definição de grupo étnico dada por Barth, observando que é necessário refletir mais detidamente sobre o contexto intersocietário no qual se constituem grupos étnicos. O autor argumenta que não se trata de um contexto abstrato ou genérico que possa absorver todas as sociedades e suas diferentes formas de governo, e sim de uma interação que é processada dentro de um quadro político preciso, que tem seus parâmetros dados pelo Estado-nação.

Voltando ao argumento inicial, Viveiros de Castro (1999) está falando mais do que isso. Ao dizer que “nem toda sociedade indígena é um grupo étnico, nem todo grupo étnico é o tempo todo um grupo étnico, e nenhum grupo étnico é apenas um grupo étnico” (1999: 121), ele está falando dos outros outros e de pronomes cosmológicos (Viveiros de Castro 1996), apontando para relações entre sociedades com seres de ontologias diferentes, apesar de serem todos dotados de princípio de agência e de intencionalidades. Nestas relações, uma outra concepção de identidade e de alteridade orienta a posição do tu e do eles em relação ao eu e ao nós. Marcela S. Coelho de Souza (2002), citando Viveiros de Castro, indica que esta é a noção que, no pensamento ameríndio, o oposto da diferença não é a identidade e sim a indiferença. Assim, identidade/alteridade é uma relação entre diferença e indiferença: estabelecer uma relação é pôr a diferença ali onde a indiferenciação era suposta. Nas relações inter e intra grupais, ao nós podem se relacionar na posição eles os outros outros: mortos, espíritos, animais, plantas. O outro, no genérico um afim potencial, varia dependendo de sua posição: desde a rivalidade entre adversários que se relacionam, até à hostilidade entre inimigos que não se relacionam[9].

O que revela a “empiria”

Cenário 1: seqüestro de um avião por legítima defesa étnica

Menezes Bastos (1985) narra que no dia 2 de junho de 1983, um avião não autorizado pousou na pista do Posto Indígena Diauarum, Parque do Xingu. Considerada pelos xinguanos como um ato de violação a seu território, a justificativa do piloto, “curiosidade em conhecer a terra indígena”, foi entendida como pretensão de “turismo” em suas terras. Revoltados, os chefes e líderes Kayabí, Suyá e Yuruná decidiram então apreender o avião, até que a cúpula da Funai comparecesse ao Posto para receberem formalmente uma lista de reivindicações. Em 19 de junho, na qualidade de assessor do Presidente da Funai, o sertanista Cláudio Villas Boas vem tentar reaver a aeronave; mas este deixa o Xingu no dia seguinte apenas com o piloto incólume. O avião lá ficou durante setenta e seis dias. Com “slogans” e figuras pintadas, chegou à Brasília pilotado pelo funcionário da Funai Marco Terena.

Entre os desdobramentos do caso, destaca-se a represália da Funai com interrupção no abastecimento e a ameaça de substituição do responsável pela administração do Parque por um outro “linha dura”. A conversa do sertanista com índios Kayabí, Suyá e Yuruná no Posto Indígena Diauarum foi gravada, motivo do envolvimento do etnólogo no caso, que foi procurado por Payé Kayabí em Brasília no final do mês de junho, com o pedido de transcrição e divulgação pública do teor da fita magnetofônica (integralmente anexada no artigo). Os motivos do pedido dos líderes do qual Payé foi mensageiro eram o de tonar pública a nível nacional uma situação por eles vivida e considerada calamitosa, assim como “derrubar os Villas Boas” que, apesar de afastados oficialmente da admistração desde 1975, continuavam a exercer uma forte influência no Parque, intervindo sempre e sistematicamente “a favor do caraíba”.

A análise da conversação gravada desmitifica o sertanista como “amigo dos índios” e revela o afloramento, na consciência dos índios, de sua situação de explorados e dominados. A decisão de não devolver a aeronave é coerente com a própria pedagogia do sertanista, que pregava o enfrentamento ao caraíba invasor; sua vinda com pequenos presentes e pretensão de convencê-los a mudar de idéia é tanto ofensa como traição. Interpretando o episódio como uma ação política, calculada e eficaz, o etnólogo a qualifica como ato de legítima defesa étnica, em oposição radical à figura jurídica de “reação de situação”, que retira a responsabilidade de indígenas envolvidos com “civilizados” em ocorrências criminais por “alteração da consciência relativa” ou desajuste às normas da etnia dominante. “O que marca o de legítima defesa étnica … é a plenitude do uso da razão no sentido de adequação às normas de uma sociedade, em perigo e ameaça por uma outra. Aí está a sua legitimidade” (Bastos 1985:17).

A reivindicação de comparecimento da cúpula da Funai no Parque e o fato de gravarem a conversa com o sertanista, indicam que estava em curso a determinação de uma negociação política. Peça tão importante quanto a apreensão da aeronave, a fita magnetofônica foi parte do cálculo e da eficácia da ação, veículo da exposição da contradição, do paradoxo e do irrevelável: a retórica de uma pedagogia de enfrentamento com o caraíba, pois esta se dirigia ao caraíba pobre – posseiro, grileiro, garimpeiro –, a política indigenista de isolamento dos xinguanos e o privilégio de serviços sexuais das índias que o sertanista se outorgou. O ato não foi empreendido pela elite, os tradicionais habitantes do sul do Parque. E talvez, também a ela a ação tenha alguma mensagem, como teve para os etnólogos em geral, na medida em que os envolveu diretamente: trata-se do rompimento do pacto que vigorou até então, aquele em que “não existe a menor possibilidade de o índio participar de qualquer tipo de responsabilidade”, afirmação de Orlando Villas Boas colocada em epígrafe no artigo. Penso que aí está o seu poder: façanha inédita no indigenismo oficial, os índios conquistaram todos os quadros admistrativos do Parque.

Cenário 2: 1964 a 1979, erro de estratégia e tragédia

Teixeira Pinto (2002) relata que embora os Arara tenham sido o último grupo de língua carib a ser tutelado pela Funai, não há vestígios de que os brancos tenham sido vítimas tradicionais de suas guerras[10]. Em mais de cem anos de contato com a população regional das bacias dos rios Xingu e Iriri, o registro abrange não apenas conflitos, mas também trocas comerciais e encontros amistosos. O que transformou os inimigos ocasionais em vítmas preferenciais?

O contexto deste período é o de construção da Transamazônica, cortando ao meio o território Arara, para lá trazendo gente, máquinas e a exploração econômica intensiva da região. A “pacificação” dos índios era uma urgente necessidade, e a Funai inicia uma tentativa sistemática de contato. As ações não eram em si violentas, apenas muito determinadas em encontrar os Arara a qualquer custo: gente surgindo de várias direções, seguindo os passos dos índios, localizando as aldeias, esperando pelos caminhos, forçando o encontro. Os Arara atacavam a tal ponto que a Frente de Atração da Funai tinha que ser desativada, e tempos depois reiniciava as tentativas de aproximação. O fato é que não se sabia ao certo a identidade do grupo que se perseguia na floresta, e não se cogitava que pudessem ser os Arara, já que estes haviam sido considerados extintos.

Entre as hipóteses levantadas, oficializou-se aquela de que se tratava de um subgrupo kayapó, e confiou-se ao sertanista Afonso Alves da Cruz a direção dos trabalhos por sua experiência, proficiência na língua e auxiliares índios. Mas com os Kayapó, os Arara descrevem uma longa e particular história de conflitos, diferenciada daqueles que tinham com outros povos da Amazônia. A tradicional guerra de tocaia, cuja finalidade era a captura de mulheres e de “troféus humanos” (ossos, dentes, e principalmente, a cabeça dos inimigos mortos), não era a prática dos Kayapó. A deles era uma “guerra de conquista” ou mesmo de “extermínio”, na qual faziam contatos prévios amistosos e voltavam depois, quando já não se esperava mais o confronto, para um ataque rápido e devastador sobre as aldeias.

A comovente história de quinze anos de fugas e perambulações dos Arara só pode ser compreendida na tragédia inaugural, fundante do Cosmos, como relata Teixeira Pinto (2002 : 409):

No incício de tudo, só havia o céu e a água que o circundava. Entre eles, uma pequena casca recobria o céu e servia de assoalho a seus habitantes. No interior do céu viviam as estrelas que todos eram, no tempo em que ainda constituíam a boa humanidade. Cohabitavam com a divindade Akuanduba, quem controlava a boa ordem das coisas e o comedimento dos atos fazendo soar uma pequena flauta. Além do céu, no exterior da casca do mundo, só coisas ruins e “espíritos maléficos”. Um dia, o mau comportamento de uns causou uma grande briga que fez a casca do mundo romper-se, e de lá caíram todos. Porém, muitos deles foram aos poucos recolocados no céu pelas várias aves da família dos psitacídeos, e voltaram a ser estrelas. Mas muitos também foram deixados abandonados pelas araras sob os pedaços da “casca do céu” caídas sobre as águas.

O autor, chamando a atenção para a ontologia dos Arara que diferencia os vários tipos de seres, explica que em oposição aos verdadeiros humanos “abandonados” pelas araras, os ukaranmã, estão os udot, “inimigos” genéricos que se diferenciam em subclasses: uma de “gente” propriamente dita, que são ora aliados ocasionais ora inimigos reais, e os udotpeem, os seres que parecem gente mas com os quais só se conseguem estabelecer relações belicosas, pois, apesar de suas evidentes semelhanças, não se confundem com os seres humanos propriamente ditos; eles são as formas mutantes dos “espíritos maléficos” originais.

Nas classificações sociocosmológicas dos Arara, os Kayapó se originam numa daquelas linhas que descendem dos “espíritos maléficos”, os seres que, em função da briga no céu, ganharam de Akuanduba a capacidade de se transformarem em “inimigos de fato”, fugindo do “lado de fora do mundo” para cima das “cascas do céu” que agora bóiam sobre as águas. Assim, a estratégia da Frente em forçar o encontro fazendo uso da língua e de ajudantes Kayapó, fizeram com que toda ela fosse percebida como mais um castigo da divindade, mais “inimigos” mandados contra aqueles que quebraram a “casca do céu”. A recusa do contato constituía uma ação comum de sobrevivência, como uma resistência perene contra os castigos divinos. E compreende-se que os brancos passassem a ser associados aos “inimigos” tradicionais.

Em 1979, a direção dos trabalhos é assumida pelo sertanista Sydney Possuelo. A nova estratégia que ele imprimiu à Frente, só permitiu o contato porque se amoldou ao sistema cultural arara, inserido na própria ordenação do mundo depois da “tragédia inicial”, onde relações que começam com um conflito se resolvem por meio de uma espécie de “contrato” da convivência sobre os valores da reciprocidade, da solidariedade e da cooperação.

Cenário 3: o desejado encontro do outro

Menezes Bastos (1996) analisa o encontro de Raoni e Sting em seus respectivos universos socioculturais, sob o tema ‘musicalidade e ambientalismo’. O autor trata da música popular como codificadora da ideologia individualista-universalista do sistema das nações-Estado, e do sistema indígena xinguense, onde a música se evidencia em sua ligação com a política. A problemática situa-se nas modalidades de relações vigentes entre os níveis local e global dos fenômenos socioculturais, vista sob o ângulo temporal-histórico. E o que propicia o encontro, empiricamente casual, é que o outro se constitui em valor que orienta a mutualidade da procura dos personagens. Sting, católico, nascido e criado num mundo protestante, membro do movimento rock, em continuidade com a geração de John Lennon no entendimento que “o sonho acabou”: a luta contra o Estado não deve ser feita fora dele, “a demanda da terra sem males de dentro da terra com males” (Menezes Bastos 1996: 164) encontra na Amazônia, ‘Eldorado’ e ‘jardim antropológico’, uma causa a ser cantada para o mundo ocidental. Raoni, chefe Txukahamãe em busca de preeminência no universo xinguano via xamanismo (instituição de guerra, onde a música faz parte), “caçador de caraíba” vivendo um conflito político local. É a abordagem processual-articulatória, mas não abolidora de um enfoque estrutural, que permite entender a busca intencional do “caraíba”, mostrando que “o que se passa no Alto Xingu é uma longa história cujos nexos presentes constituem a estrutura possível de sua representação” (Menezes Bastos 1996: 151).

Ambas, estrutura e história, referem-se à articulação de uma etiqueta - uma ética e uma estética, tanto legislação como diplomacia - dos xinguanos prototípicos, ao xamanismo e ao saber ritual; também à instituição do “homem eminente” (Dreyfus 1993)[11], com sua clientela e parentela via aldeia, como o local do político, ou se queremos, do poder; e ainda ao outro, como valor em sua fartura material e inesgotabilidade espiritual. Menezes Bastos (1996) data o caraíba desejado na situação de penúria e beligerância na área em torno dos anos 1940. Para o etnólogo, a representação do “caraíba” no Alto Xingu parte do reconhecimento do poder estupendo desse “outro”, um poder como o do mamaíe (potência extrema, “espírito”), a ser tentativamente controlado. E esta lhe parece ser a chave de leitura desta busca intencional: “a procura de um poder incontrastavelmente forte, na demanda de seu controle sagaz” (Menezes Bastos 1996: 155).

Na problemática de abertura do seu artigo, a das formas de interconexão entre o nível local, regional e mundial dos fenômenos histórico-sócio-culturais, a equação que define o encontro dos personagens é a do “caçador de Eldorado caça porém do caçador de caraíba”:

“o encontro colonial constitui uma “relação de contradição” mesmo que o colonizador nele se faça presente – como não parece ser o caso de Sting – através de um personagem cuja modalidade de representação sobre o selvagem se caracterize como idílica, filantrópica ou humanitária… mesmo que esta modalidade de representação intente saltar ao nível de uma ideologia/utopia na direção da aliança política interétnica – como parece ser o caso de Sting” (Menezes Bastos 1996: 168-169).

A diferença que os separa - no universo de um, o homem eminente é um fazedor de guerra, no do outro, um fazedor de paz -, e que eventuais intersecções podem apagar, é no entanto uma dualidade essencial e irredutível: a metáfora é um gol de futebol contra uma equipe de basquete.

Encontro colonial: confronto e desencontro

A “empiria” construída com estes cenários mostra que as relações dependem “de quem está do lado de lá e com quais intenções”, e o étnico é relativo a uma situação e a um ponto de vista dentro dela. Sobre o roubo do avião, o que é o étnico? Este não remete aos grupos tribais separadamente. O adjetivo refere-se ao sistema social como um todo, e o ato de defesa se dirige assim, também ao território onde a sociedade se realiza. Poderíamos dizer que os Arara contituem um grupo étnico? E o que justificaria esta rotulação para o entendimento desse desencontro? As frustradas tentativas de contato no período em discussão se qualificada de interétnica seria apenas do ponto de vista dos funcionários da Frente da Funai, já que para os Arara eles não eram nem gente. Intersocietário, seria mais preciso. Mas, se o contato entre seres de ontologias diferentes é possível, só o desencontro é desejável. Na utopia política entre Raoni e Sting, a aliança interétnica refere-se às relações com a “sociedade xinguana”, configurada pela articulação dos grupos xinguanos. Neste “universo movente de fronteiras abertas” (Menezes Bastos 1996: 151), o ‘étnico’ parece um termo que se reporta a um sentido último, que eventualmente mobiliza a sociedade. E sociedade, para o autor, “um sistema político e simbólico ritual” (id.: 148), pode evidenciar-se com maior rendimento como construto teórico que cabe ao observador produzir no diálogo com a realidade nativa.

Uma qualidade a ressaltar das abordagens de Menezes Bastos e de Teixeira Pinto, é a de mostrar a conjunção entre tempo real e tempo estrutural, sendo que um caso ilumina o outro. Nos encontros não desejados, a atuação do indigenismo oficial, mais que a divergência de interpretações entre as partes, aponta para a metáfora do gol de futebol contra uma equipe de basquete: o caso Arara é exemplar nesse jogo absurdo. Prof. Rafael Bastos, propõe os termos “armistício” e “irredutível” para falar do conjunto dessas relações. Contrários à noção de “campo” (Pacheco de Oliveira 1988) – existiria um campo onde se joga futebol contra basquete? –, estes exprimem a idéia de pacto, que como tal pode e foi rompido na ação do seqüestro do avião, e construído com a Frente da Funai quando esta reorientou sua estratégia, mesmo se sem o saber, incorporando o que não se reduz. Ambas foram ações políticas de defesa da sobrevivência contra inimigos. Os inimigos, uns mais temporários do que os outros, foram rendidos, sendo os Arara e os grupos xinguanos os vencedores que impuseram os termos do novo acordo.

Uma antropologia de encontros intersocietários?

Examinando a aliança entre indígenas e ambientalistas, Beth Conklin e Laura Graham (1995) argumentam como as idéias ocidentais contribuíram primeiro para reforçar e mais tarde para enfraquecer a ecopolítica como veículo para alcançar metas indígenas de autodeterminação. As lutas dos líderes Raoni e Paiakã fazem parte desse argumento, e notícias posteriores mostram que ambos estão muito bem articulados para realização de seus projetos. O chefe Paiakã, com o setor madereiro nacional (Ricardo 2000: 505), e o chefe Raoni recebido por Jacques Chirac em 2000, que apoiou a criação do Instituto de ecodesenvolvimento para as reservas kayapó no Parque Xingu (id.: 504). Vale ressaltar que tais alianças, temporárias ou pontuais, têm aberto, aqui e ali, avenidas aéreas, eletrônicas e digitais para os índios, com as quais eles estão tecendo uma rede de relações como sujeitos contemporâneos. Em torno da palavra “projeto”, outros encontros, como as experiências sociais de comunicação e expressão, apontam para uma confluência de interesses entre índios e não índios, onde a mutualidade da procura mantém-se pela mutualidade de descobertas. Este é o caso do Vídeo nas Aldeias (VnA)[12], ao qual proponho aqui uma breve reflexão como encontro intersocietário.

Nesta modalidade, engendrada por uma prática que poderia ser qualificada como ‘descolonizadora’, o outro, um caraíba desejado, é antes de mais nada um projeto e sua linguagem[13]. Encontro não casual, a iniciativa dos grupos indígenas de ingresso no VnA tem antecedentes no bojo das relações construídas com indigenistas ao longo das últimas duas décadas, e na própria repercussão do Projeto junto ao público indígena. As experiências envolvem um contexto social de produção indígena com não índios, “realizadores nativos” que constróem um produto e que assinam sua autoria, uma ONG-escola que desenvolveu pedagogia própria para formar profissionais e que coloca os produtos de seus alunos em circulação para diferentes públicos. Os realizadores são indicados por sua comunidade, e o captar em imagens, daquilo que se quer contar, mobiliza ao menos a aldeia na qual acontece. O produto vídeo, enquanto liguagem, imaginação e inventividade, é construído com rigor de objeto artístico (luz, cor, textura, foco, enquadramento, ângulos), e visa uma comunicação estética. Em comum, estes produtos revelam que em sua realização houve um ‘corpo a corpo’ com uma realidade recortada para uma narração, em uma relação intencional e de cumplicidade entre observador e observados.

Há poucos trabalhos antropológicos sobre as experiências de produção audiovisual indígena no país. Em parte, talvez, porque estes produtos são ainda mal conhecidos; mas sobretudo porque, investigar o que acontece para fora e além dos quadros de suas imagens, requer acesso aos contextos onde as imagens são captadas e aquele onde elas são editadas. Entretanto, identifico nestas experiências questões que estão no debate etnológico contemporâneo. Entre estas, começando pelos realizadores indígenas, estamos diante de um “nativo relativo” que produz narrativas fílmicas de caráter “auto-etnográfico”. Pode haver aí uma importante questão de epistemologia política (Viveiros de Castro 2002), se queremos levar a sério a indagação “o que a antropologia deve teoricamente aos povos que estuda?” (Viveiros de Castro 1999: 153). Nas aldeias, como se dá o processo de construção social de um autor face a conhecimentos e práticas que são de autoria coletiva? Poderíamos correlacionar os papéis do realizador e do xamã, na medida em que eles são produtores de saberes com os seus fazeres, têm competências conferidas socialmente, são iniciados para a profissão, e ambos, sujeito contemporâneo e especialista tradicional, transitam em vários mundos, propondo imagens destes mundos e para estes mundos? Para a etnologia dos grupos, estes produtos podem ser tratadas como documento etnográfico? Quais são os interesses que mantém indigenistas e profissionais da comunicação num projeto de co-produção de mídia indígena?

A abordagem das experiências do VnA como encontro intersocietário, pode reunir contribuições da disciplina para explorar temas clássicos como os da alteridade e da identidade, da relação entre observador e observado, das ações indigenista e indígena, nesta modalidade de relações que empreendem, envolvem e relacionam índios e não índios em um projeto de produção audiovisual. Nesta abordagem, “política” e “cultura” podem ser privilegiados como instrumentos analíticos das relações entre sujeitos (formadores, realizadores, “aldeias”) e objetos (pedagogia, vídeos, públicos). Conceitos formadores da disciplina na sua busca em adquirir conhecimento sobre os outros (Patrick Menget 1992; Marc Abélès 1992), e que não se misturam numa mesma abordagem (Eric Wolf 1998), eles comparecem como categorias nativas, dos índios e dos não índios envolvidos no processo, e também imbricados: o que é do âmbito da cultura que não é um projeto político e o que é política que não se utiliza de uma objetivação da cultura, pode ser investigado nos contextos etnográficos onde os vídeos são produzidos.

Penso que no momento da emergência do conceito de etnicidade, o foco estava na identidade, o que poderia relacionar-se ao fato de que a antropologia estava buscando afirmar a sua identidade, com o lugar recém-adquirido na história das ciências (Menget 1992). O que é perceptível agora está indicado nos autores trabalhados neste artigo que, brincando com seus títulos, poderia compor algo como: “nos descaminhos da identidade, índios misturados no nosso governo pacificando o branco e fabricando parentes com pronomes cosmológicos”. Nesses termos, como equacionar o tema da alteridade no campo da etnicidade?

O Globo Repórter sobre o kuarup de Orlando Villas Boas, traz dados a esta indagação. Uma direção de fotografia de padrão cinematográfico apresenta belas imagens de uma aldeia no Parque Xingu, onde estão presentes familiares do falecido e índios com ornamentos rituais e pintura corporal. As cenas são marcadamente solenes, e os familiares estão visivelmente emocionados. O caráter de “imagem perfeita” do ritual como um todo me foi revelado porque tive a oportunidade de assistir uma espécie de “making off” do evento. Realizadores Kuikúro, alunos do Vídeo nas Aldeias, jovens tímidos ou talvez apenas muito educados na “etiqueta xinguana”, eles registraram de perto cenas de outros jovens no acampamento em que estavam como convidados dos Yawalapití, e do ritual, as cenas de lutas que envolviam seus campeões. De longe, com um recurso pouco utilizado nos trabalhos do Vídeo nas Aldeias, o zoom, eles captaram toda a parafernália de fios, cabos, geradores, gente de diferentes emissoras de televisão atropelando-se e invadindo os ritos para captar uma cena, ruídos, e muita poeira levantando.

As imagens do Globo Repórter me fazem refletir sobre a intencionalidade dos índios na construção de uma imagem de si que alimenta espectadores não índios. As imagens de Maricá e de Takumã Kuikúro mostram que com proximidades e distâncias calculadas, interessa à banda de nativos do lado de cá e do lado de lá, o querer aprender com as observações dos observados sobre seus observadores. Mas, e qual seria o tamanho de suas perguntas?

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ANTROPOLOGIA EM PRIMEIRA MÃO

Títulos publicados

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4. WERNER Dennis. A Ecologia Cultural de Julian Steward e seus desdobramentos, 1995.

5. GROSSI Miriam Pillar. Mapeamento de Grupos e Instituições de Mulheres/de Gênero/Feministas no Brasil, 1995.

6. GROSSI Mirian Pillar. Gênero, Violência e Sofrimento - Coletânea, Segunda Edição 1995.

7. RIAL Carmen Silvia. Os Charmes dos Fast-Foods e a Globalização Cultural, 1995.

8. RIAL Carmen Sílvia. Japonês Está para TV Assim como Mulato para Cerveja: lmagens da Publicidade no Brasil, 1995.

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11. LANGDON, E Jean. Performance e Preocupações Pós-Modernas em Antropologia 1996.

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[1] Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (p_gclaudia@.br). Este artigo é uma versão adaptada do texto apresentado como quesito do processo de qualificação em 2003, campo temático “política, cultura e etnicidade”. Agradeço ao Professor Theophilos Rifiotis por sua contribuição a esta adaptação, e ao parecerista anônimo da Revista por suas sugestões.

[2] Aplicamos o conceito nos termos de Marshall Sahlins (1997), a organização da experiência e da ação humana por meios simbólicos. O uso do termo política refere-se à ação política, no sentido destacado por João Pacheco de Oliveira, “por seus fins serem assumidos por indivíduos (ou grupos) como relevantes para a coletividade e serem perseguidos de modo relativamente consistente em uma seqüência articulada de atos (processos)” (1988: 9-10).

[3] Durante o processo de qualificação fui beneficiada pelas discussões de vários colegas. Agradecimentos especiais ao Prof. Rafael Bastos, à Ana Maria Orlando, à Rita de Cássia Oenning da Silva e à Simone Pereira Gonçalves. A expressão “qual é o tamanho da pergunta?” é de Marcos Pellegrini, a quem dedico esta tentativa de resposta.

[4] “Os índios xinguanos, habitantes tradicionais do Alto Xingu, habitam sua parte sul: Kamayurá, Awetí (Tupi); Waurá, Mehináku, Yawalapití (Aruak); Kalapálo, Kuikúro, Nahukwá-Matipúhy (Karib); e Trumaí. Os do norte: Kayabí, Yuruná (Tupi); Suyá, Txukahamãe, Krenakore (Gê) e Txicão (Karib). A expressão xinguense procura aqui rotular, por inteiro, todos esses grupos tribais. ‘Caraíba’ é o termo xinguano para ‘civilizado” (Menezes Bastos 1985, Nota 10: 18).

[5] Para Weber [1922] (1991), o grupo étnico se define pela crença numa origem comum, e não numa origem de fato como a “comunidade de sangue” do clã. Fundada em hábitos e costumes, a crença justifica tanto a atração entre grupos por uma afinidade de origem quando estes são semelhantes, como uma repulsa pela heterogeneidade de origem quando contrários. Esta crença pode tornar-se uma força criadora de comunidades, especialmente as políticas, sendo que toda comunidade política costuma despertar a crença na comunhão étnica. A comunhão étnica tem por conteúdo valores comparáveis aos que organizam a honra estamental, sendo alçado à dignidade os que dela comungam e menosprezados os valores estrangeiros. Pela gama de fenômenos heterogênos que abarca, Weber conclui que o coletivo étnico “é completamente inútil para toda investigação realmente exata” (1991: 275).

[6] “Chamamos de “fricção interétnica” o contato entre grupos tribais e segmentos da sociedade brasileira, caracterizado por seus aspectos competitivos e, no mais das vezes, conflituais, assumindo esse contato proporções “totais”, isto é, envolvendo toda a conduta tribal e não-tribal que passa a ser moldada pela situação de fricção interétnica” (Cardoso de Oliveira [1993] 2000: 46).

[7] Cardoso de Oliveira [1993] 2000, Nota 11: 46.

[8] O então neologismo de etnia recebeu desenvolvimento nos seus trabalhos posteriores (refiro-me em especial ao artigo de 1996), vindo para dentro mesmo da disciplina como conceito para tratamento da antropologia entendida como uma subcultura ocidental, produtora de categorias pelas antropologias metropolitanas e de conceitos pelas antropologias periféricas, estilos diferenciados pela pretensão à universalidade das primeiras.

[9] Marcela S. Coelho de Souza (2002) trabalha com dados provenientes de vinte grupos jê, e nesses, o outro tem posições relacionáveis, que variam conforme o contexto.

[10] “(…) entre meados e final dos anos 70 pelo menos quatro foram os brancos que capturados pelos Arara tiveram mãos, pés, vísceras e cabeças cortadas. O esquartejamento do “inimigo” tomado em batalha, tem o sentido de impedir que seu corpo se transforme, após a morte, em outros tantos seres maléficos” (Teixeira Pinto 2002: 414).

[11] Big men ameríndios, os “homens eminentes” são fazedores de guerra e não de paz como os melanésios. Levando guerra e mercadorias a seus inimigos, eles dirigiam várias centenas de homens recrutados em suas parentelas e clientelas, e todos os grupos, de bom grado ou não participavam desses grandes movimentos periódicos, que desciam ou subiam os rios, de norte a sul (de Guadalupe ao Médio Orenoco, de Caiena ao Amazonas), de leste a oeste e vice-versa. (Dreyfus 1993: 24-25).

[12] Idealizado por Vincent Carelli e Virgínia Valadão, o projeto tem início em 1987 no Centro de Trabalhos Indigenista de São Paulo (CTI), onde desenvolve uma importante história de parcerias profissionais na aliança política com diferentes grupos indígenas. A partir de 1998, o VnA passa a priorizar a formação de realizadores indígenas, e em 2000 constitui-se em associação civil sem fins lucrativos com sede em Olinda (PE). Dos cinqüenta títulos do catálogo do VnA, 13 são de autoria de realizadores indígenas formados pelo Projeto.

[13] Constituem alguns exemplos deste tipo de prática a “apropriação vídeo” pelos Kayapó (Tuner 1993), e com o recurso do vídeo “a preparação para o contato” dos Zoé (Gallois e Carelli 1995) e a “retirada do isolamento” dos Enawenê Nawê (Valadão 1999).

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