HISTÓRIA, ARQUIVO E MEMÓRIA BREVES CONSIDERAÇÕES …

[Pages:5]HIST?RIA, ARQUIVO E MEM?RIA ? BREVES CONSIDERA??ES COM BASE NAS OBRAS DE ARLETTE FARGE

Paula Fernanda Monteiro Universidade Federal do Esp?rito Santo

Email: nandahistoria@

Resumo: Este trabalho tem como objetivo fazer algumas considera??es acerca do papel do historiador no manejo das fontes e da import?ncia do arquivo para guardar a mem?ria de um povo. Para isso, utilizei, sobretudo, os escritos da historiadora francesa contempor?nea Arlette Farge, extra?dos de suas obras voltadas para os comportamentos e identidades das classes populares no s?culo XVIII, mas que tamb?m trazem a quest?o da mem?ria e da escrita da Hist?ria.

Palavras-chave: arquivo ? mem?ria - Hist?ria

1. Introdu??o Arlette Farge ? uma historiadora francesa contempor?nea, professora na Escola de Estudos Avan?ados em Ci?ncias Sociais (?cole des Hautes ?tudes en Sciences Sociales), em Paris, e diretora de pesquisa do Centro Nacional de pesquisa cient?fica (Centre national de la recherche scientifique), especializada em estudos sobre a Fran?a do s?culo XVIII. Sua obra contempla em especial os comportamentos e identidades das classes populares nesse per?odo, as rela??es entre homens e mulheres e a escrita da Hist?ria. Especificamente sobre o assunto tratado nesse texto, buscou-se voltar o olhar para seus escritos sobre a import?ncia dos arquivos como local de se conhecer a mem?ria de

determinado per?odo e o papel do historiador em estabelecer a rela??o entre o passado e o presente. Como ela afirma em seu livro "Lugares para a Hist?ria", o historiador deve ser preocupar em fazer essa conex?o, estabelecer esses la?os, unir o estudo dos mortos ao tempo dos vivos (FARGE, 2015). Cuidando sempre para n?o incorrer no risco do anacronismo. N?o ? toa, Lucien Febvre chamou o anacronismo de "o pecado dos pecados". ? necess?rio compreender o passado sem recobri-lo com julgamentos modernos. Acerca dos pap?is do historiador, ela complementa mais a frente, nesse mesmo texto, que um outro tamb?m fundamental ? o de dar uma mem?ria para a sociedade.

2. Defini??o de arquivo

Segundo defini??o da pr?pria historiadora francesa no livro "o sabor do arquivo", ela afirma que arquivo ? um

Conjunto de documentos, quaisquer que sejam suas formas ou seu suporte material, cujo crescimento se deu de maneira org?nica, autom?tica, no exerc?cio das atividades de uma pessoa f?sica ou jur?dica, privada ou p?blica, e cuja conserva??o respeita esse crescimento sem jamais desmembr?-lo (FARGE, 2009, p. 10)

O arquivo, assim, constitui um conjunto de realidades que contribuir? ?s futuras gera??es para recordarem imagens de grupos socioculturais atrav?s de sua documenta??o. Sobre isso, Farge assinala que:

O arquivo ? uma brecha no tecido dos dias, a vis?o retra?da de um fato inesperado. Nele, tudo se focaliza em alguns instantes de vida de personagens comuns, raramente visitados pela hist?ria, a n?o ser que um dia decidam se unir em massa e construir aquilo que mais tarde se chamar? hist?ria. O arquivo n?o escreve p?ginas de hist?ria. (FARGE, 2009, p. 14)

Em seus estudos sobre o s?culo XVIII, Farge utiliza basicamente arquivos judiciais: anota??es dos observadores da pol?cia, relat?rios de inspetores e espias, processos contra os cr?ticos do rei com seus "maus discursos", pe?as judici?rias dos arquivos da Bastilha, opini?o dos s?ditos do rei no momento dos grandes acontecimentos e que est?o em fundos manuscritos; folhas volantes, cronistas e memorialistas, que escrevem da sua maneira o acontecimento. Tudo isso restitui palavras e falas sobre as quest?es p?blicas e do tempo. Esses arquivos do judici?rio se encontram no Arquivo Nacional,

na Biblioteca do Arsenal e na Biblioteca nacional. Sobre a import?ncia da conserva??o desses documentos, a historiadora francesa afirma que:

O arquivo sup?e o arquivista; uma m?o que coleciona e classifica, e embora o arquivo judici?rio seja, com toda evid?ncia, em todas as bibliotecas ou dep?sitos de arquivos departamentais, o mais "brutalmente" conservado (isto ?, simplesmente guardado em estado bruto, sem encaderna??o, sem capa, apenas reunido e atado como um feixe de palha), de certo modo est? preparado para um uso eventual (FARGE, 2009, P.11)

Interessa que a autora relata seu trabalho com esses arquivos de pol?cia, como um reencontro com a fala dos mais despossu?dos, dos que n?o sabiam escrever e dos quais se reencontra a pista de suas palavras proferidas e escritas atrav?s dos dossi?s de pol?cia (conservados sob forma manuscrita contendo processos verbais, investiga??es, interrogat?rios, testemunhos, acarea??es, etc.). E mesmo existindo a possibilidade da deturpa??o, o historiador deve saber distinguir o veross?mil e a mentira. ? poss?vel trabalhar com esses arquivos sem crer estar diante de uma realidade dada.

Segundo Farge, os dossi?s de arquivos, repletos de falas vivas e fortes, fazem ver a que ponto a popula??o vive durante o s?culo XVIII em sistema de intelig?ncia com aquilo que v?, sofre e escuta. A cada acontecimento, trata-se de guerra, pre?o do p?o, tratados diplom?ticos, vinda do rei...etc. falas que pronunciam definindo as formas de recep??o de uma popula??o ?vida de informa??es e que constr?i, muito r?pido, com seus pr?prios meio, o sentido daquilo que v?. Guardando ? mem?ria, projetando-se adiante, essa popula??o desenha, a golpes de palavras, trajetos da opini?o em que o julgamento sobre a coisa p?blica cria novas a??es, esperan?as ou inten??es.

Como explicita a historiadora: a descoberta do arquivo ? um man? que se oferece, justificando plenamente seu nome: fonte. E continua afirmando que:

O gosto pelo arquivo passa por um gesto artes?o, lento e pouco rent?vel, em que se copiam textos, peda?o por peda?o, sem transformar sua forma, sua ortografia, ou mesmo sua pontua??o. Sem pensar muito. Mas, pensando nisso o tempo todo. Como se ao faz?-lo, a m?o permitisse ao esp?rito tornar-se c?mplice e simultaneamente estrangeiro ao tempo e a estes homens que se contam (FARGE, 2009, p. 23)

3. Arquivo e mem?ria

Existem momentos hist?ricos que possuem vasta documenta??o, como por exemplo, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e outros onde h? grande dificuldade na

localiza??o de arquivos, seja pela dist?ncia temporal, seja por falta de registros que narram o fato.

O primeiro contato com o arquivo, faz com que o historiador se sinta transportado ao contexto que pesquisa. Para Farge

o arquivo petrifica esses momentos ao acaso e na desordem; aquele que o l?, que o toca ou que o descobre ? sempre despertado primeiramente por um efeito de certeza (...) O vest?gio deixado torna-se representa??es do real. Como se a prova do que foi o passado estivesse ali, enfim, definitiva e pr?xima (FARGE, 2009, p. 29)

Por?m, a autora enfatiza que a maneira de ler os documentos pela confiabilidade de informa??es palp?veis destitui de sentido tudo que n?o ? devidamente "verdadeiro", verific?vel.

4. Considera??es finais

A cada ?poca, o historiador se esfor?a para conciliar as exig?ncias da objetividade e a necessidade que tem de reinterpretar o passado ? luz do presente. Mas em face do que ?, em face do que vem, o que diz a hist?ria? No livro Lugares para a hist?ria, Farge reflete sobre a responsabilidade do historiador diante do presente: pensar o sofrimento, a crueldade, a viol?ncia, a guerra sem reduzi-los a fatalidades ? tamb?m querer explicar os dispositivos, os mecanismos de racionalidade que os fizeram nascer.

Como consta numa transcri??o na parede principal de uma das salas do Archivo del Terror, em Assun??o, no Paraguai, los archivos, materia y memoria, est?n llamados a ocupar un espacio relevante en la lucha contra la amnesia colectiva que afecta a nuestro pasado reciente o remoto.

Arquivos e museus podem assim ser considerados objetos da hist?ria, e n?o apenas como reposit?rios de fontes, contribuindo para a um questionamento cr?tico mais aprofundado da disciplina e da rela??o da hist?ria e mem?ria.

5. Refer?ncias Bibliogr?ficas

FARGE, A. Lugares para a Hist?ria. Lisboa: Teorema, 1999.

_________. O Sabor do Arquivo. S?o Paulo: EDUSP, 2009.

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