UNIVERSIDADE NORTE DO PARANÁ



INTRODUÇÃO

Numa perspectiva histórica pode-se afirmar que o ensino de Língua Portuguesa revela-se como componente imprescindível para a “universalização da educação básica” ( PCN LÍNGUA PORTUGUESA, 1998, P.17 ) isso porque a linguagem, pela sua natureza, é transdisciplinar e renovadora das ações interativas do indivíduo dentro de qualquer área de estudo e vivência.

Na década de 60 e início da de 70 apareceram várias propostas de reformulação do ensino de Língua Portuguesa, no entanto, elas só enfocavam a necessidade de mudança no âmbito da metodologia, sem a preocupação de rever os conteúdos de ensino.

“Acreditava-se que valorizar a criatividade seria condição suficiente para desenvolver a eficiência da comunicação e expressão do aluno. Além disso, tais propostas se restringiam aos setores médios da sociedade, sem se dar conta das conseqüências profundas que a incorporação dos filhos das camadas pobres implicava”. (PCN LÍNGUA PORTUGUESA, 1998, P.17).

A gramática era o foco fundamental do ensino da língua devido à proximidade com a linguagem dos alunos que pertenciam a uma classe social que se aproximava muito da variedade “dita” padrão.

A partir da década de 80, um grupo de pesquisadores e professores iniciou uma série de pesquisas embasadas nos princípios da “Lingüística Geral” independente da tradição normativa e filosófica que norteava a prática educativa até então. Pretendeu-se, com isso, desencadear a reflexão e conseqüente mudança “para, pelo e no ensino de Língua Portuguesa” (GERALDI, 1993). Diversas teses foram levantadas, incorporadas e admitidas, pelo menos em teoria, pelas instâncias públicas oficiais. Dessa forma, a reflexão sobre diversos pontos contraditórios no ensino da língua, acarretou um esforço no sentido de revisar os pontos e as práticas pedagógicas que permeavam esse ensino. Houve então a tentativa, através de encontros não oficiais e organizados por grupos de professores descontentes com os encaminhamentos pedagógicos existentes até então na busca de uma orientação às ações para a melhoria e possível mudança de postura do professor com relação à noção de erro, a aceitação das variedades lingüísticas dos alunos, o privilégio à oralidade e a refacção de textos e possível utilização deles para o ensino da gramática textual. Podemos considerar toda essa movimentação como o embrião da adesão à concepção dialógica no ensino de língua.

Some-se a toda essa reflexão, a necessidade da incorporação pela escola das tecnologias (rádio, TV, computadores, internet), pois “as tecnologias estão no passado, no presente e estarão no futuro como armas humanas de desvendamento do universo natural e social. A problemática se encontra nas formas de seus usos e não nos fins de sua criação” (Proposta da área de Linguagens e Códigos e suas tecnologias para o Ensino Médio/Proem, 1998).

Atualmente, diversas instituições vêm incorporando às suas grades curriculares, novas teorias que dão suporte às mudanças necessárias ao ensino da Língua Portuguesa e conduzem esse ensino ao “uso”, à reflexão e consciência da realidade em que os alunos estão inseridos. Isso gera uma corrente de novas propostas e experimentos, onde se tenta a formação de uma nova visão do ensino de Língua Portuguesa, visão esta que busca a construção ativa do conhecimento do aluno, à consciência da ética, da cidadania e principalmente sua inserção como indivíduo crítico e competente no discurso oral e escrito.

A discussão sobre a necessidade de mudanças quanto ao ensino da Língua Portuguesa na escola é relativamente antiga. Já há algum tempo nota-se a ineficácia dos métodos utilizados em sala de aula, tanto no âmbito do ensino-aprendizagem, quanto na concepção de método de avaliação utilizado somente para verificar quantitativamente o desempenho do aluno deixando o fator qualitativo em segundo plano.

Mesmo assim, tais mudanças não caminham a passos largos como deveriam acontecer. Pensa-se que os problemas estão somente nos alunos enquanto seria muito mais sensato refletir se os problemas não estão em ambas as partes: alunos e professores.

O presente trabalho pretende abordar as várias faces em que o processo ensino-aprendizagem se mostra mais desanimador: a falta de trabalho com a oralidade em sala, a leitura sem compreensão, a inibição na produção de textos. Na primeira parte o intuito é realizar uma panorâmica das ações educacionais no Brasil para situar a questão ensino/aprendizagem, em seguida pretende avaliar as questões que inibem o trabalho com a oralidade em sala de aula. Em seguida apresenta algumas considerações sobre a leitura/fruição e o papel das políticas públicas na divulgação e consolidação da atitude leitora em nosso país, correlacionando os eixos oralidade/leitura/produção de texto com o objetivo de formar cidadãos conscientes e não manipuláveis pelos fatos, discursos e situações dominadoras e massificadoras existentes neste mundo globalizado. Por fim pretende-se identificar e levantar pistas sobre a causa da aparente apatia e insegurança por parte dos alunos frente à produção de textos escritos, rastreando em diversos ensaios de autores da área, a causa de tal desânimo e/ou dificuldades sobre o ato de escrever..

PCNs: ANÁLISE DA INTENÇÃO DE DIVERSOS AUTORES

A perspectiva que se criou quanto ao uso e adoção das sugestões e orientações veiculadas pelo Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná e em seguida pelos Parâmetros Curriculares na área de Língua Portuguesa, leva a considerar a necessidade de mudanças significativas nesta área.

Primeiramente em nosso Estado, o Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná tentou propiciar condições e “preparar o terreno” para que essas mudanças principiassem na área de linguagem e ensino de Língua Portuguesa, permitindo uma visão mais voltada à realidade em que o aluno estava inserido e sugerindo a “desescolarização” e “desautomatização” do uso da linguagem na escola. Pôde-se observar que o texto do Currículo Básico e o teor que veiculou foi bem intencionado, no entanto, verificou-se seu mal-recebimento por grande parte de alguns profissionais. Vale dizer que, o discurso foi bem elaborado, mas o público não gostou, e pior “não usou”.

Com a LDB n.º 9394/96 (Leis de Diretrizes e Bases) e a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio retomou-se o discurso adormecido pelo desânimo e descaso da classe e tentou-se retomar e dinamizar novas formas de interação e uso da linguagem na prática de sala de aula.

“A linguagem humana é uma dádiva que nos foi dada. O que precisamos é ter as condições necessárias para que ela se desenvolva”. (TERRA, 1997). Partindo desse pressuposto, enfatiza-se a importância da linguagem na vida e sua conseqüente contribuição para o melhor desenvolvimento do indivíduo na sociedade. Sendo assim, por que o privilégio à “decoreba” nas aulas de Língua Portuguesa? O mesmo Ernani Terra cita um trecho do rap “Estudo Errado” de Gabriel, O Pensador, “Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi. Decoreba: esse é o método de ensino. Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino”.(TERRA, 1997). Bem se vê que há, embutida nesta perspectiva, uma razão política para que os alunos sejam tratados como amebas, pressupõe-se que desviando os alunos da aquisição das competências básicas para o domínio pleno da língua, seja no âmbito da leitura e compreensão de textos e discursos, seja na produção escrita para mostrar seu engajamento, a classe “dita” dominante (pois acredito que não será eternamente), ocupará um lugar que lhe permita deter grandiosas parcelas de poder sobre as classes desfavorecidas, perpetuando seu lucro e domínio. Poucos acreditam que a educação, mais especificamente a área de linguagens, seja um caminho para a diminuição das diferenças sociais e culturais que permeiam a sociedade.

Do panorama acima descrito podemos inferir que o privilégio ao ensino da metalinguagem é um dos grandes responsáveis pelo fracasso escolar de uma parcela considerável de alunos. Para esclarecer melhor recorreremos a Sírio Possenti , que conceitua a palavra gramática como um “conjunto de regras”, e tal expressão pode ser entendida como:

1. conjunto de regras que devem ser seguidas (gramática normativa);

2. conjunto de regras que são seguidas (gramática descritiva);

3. conjunto de regras que o falante da língua domina (gramática internalizada).

Observa-se que, a gramática trabalhada pela maioria dos professores é a normativa, ou seja, o conjunto de regras que devem ser seguidas e percebe-se, ao longo das descrições de suas aulas, que há uma preocupação acentuada dos professores com o “certo” e o “errado”, através das atividades de “corrija”, “refaça”, “passe para a linguagem padrão”, “faça como o modelo”.

Falando-se em gramática, percebe-se que através dos tempos ela se firmou, tradicionalmente, como a “ mola mestra” do ensino de Língua Portuguesa, e é a escola a responsável por essa visão equivocada.

Nas aulas de L.P., geralmente os professores preferem ensinar gramática a “ensinar”( ou melhor, criar condições para que os alunos consigam se expressar oralmente e por escrito) satisfatoriamente. Quando se diz “ se expressar oral e por escrito” cabe aqui uma explicação de ordem subjetiva, pois supõe-se que todo professor ao planejar suas atividades para o ano/bimestre, pergunte-se quais serão os objetivos pretendidos a serem alcançados pelos alunos . Se todo professor partir dessa indagação tão simples, obviamente vai perceber que, ao invés de ensinar a complicada gramática, numa situação de ensino que só privilegia a metalinguagem/nomenclatura gramatical, o ideal seria que ele propiciasse situações de uso e reflexão para e sobre a língua e a partir daí, todas as outras situações se apresentariam em acréscimo.

Cabe fazer, então, um aparte quanto ao uso da gramática. Esta deveria ser “usada”, diga-se bem, e não “ensinada”. O uso da gramática permite o aprimoramento e a análise dos fatos da língua e pode servir de amparo e base para que o aluno compare as diversas modalidades e variações lingüísticas, deveria ser utilizada para tirar dúvidas, fazer consultas, como hoje se usa o dicionário.

Outro fator preponderante para que o estudo da língua/linguagem se torne assíduo em detrimento do trabalho com a metalinguagem nas aulas de L.P. é a conscientização e aceitação, por parte dos professores, de que o aluno já traz para a sala de aula “um tipo de gramática internalizada” que é formada ao longo de suas experiências lingüísticas desde o nascimento, devendo assim, ser respeitada e utilizada na comparação com a gramática normativa. “As aulas de L.P. costumam se caracterizar pelo ensino do nome das coisas: aprendemos que tais palavras se chamam substantivos, outras adjetivos, outras advérbios, etc, deixando de lado um dos aspectos mais importante, que é o uso”.(TERRA, 1997, P. 57).

Percebe-se, assim, que na medida em que o professor privilegiar o “uso” da língua como efetivador de discursos dialógicos e partir de situações concretas do cotidiano da fala do aluno, o objetivo maior do ensino de Língua Portuguesa será concretizado, ou seja, o fim será atingido de modo que o aluno ao final do Ensino Fundamental ou Médio consiga se expressar satisfatoriamente tanto na língua oral quanto na escrita.

Num mundo eminentemente letrado como o de hoje em que os recursos audiovisuais estão cada vez mais desenvolvidos, cabe a formação de indivíduos aptos e competentes à prática da escrita, não se prendendo a artificialidade e o simulacro do processo que distanciam os alunos da apreensão do caráter dialógico da escrita, de seus usos e funções sociais e da visão da escrita como trabalho. O mau desempenho escrito dos alunos mantém estreita ressonância com o processo de ensino/aprendizagem a que eles foram submetidos.

“Quando se tomam como objeto de trabalho em sala de aula os processos de produção e leitura de textos, numa visão integrada dos mecanismos de criação da linguagem, não há mais lugar para um ensino centrado na descrição e prescrição de regras do enunciado, ensino em que só cabe ao aluno o reconhecimento passivo e inconseqüente de categorias estanques (as estruturas morfossintáticas analisadas em sala de aula e que nunca aparecem na redação, por exemplo). Pelo contrário, o ensino terá como foco a enunciação, os processos de significação resultantes das relações entre o texto e suas condições de produção, e aí caberão ao aluno o uso produtivo dos recursos e possibilidades do sistema lingüístico e a reflexão sobre eles.” ( COSTA VAL, 1992 P. 29-30).

Observa-se, ainda hoje, a existência de preconceitos lingüísticos em relação à polêmica que se vem travando, em todo o país, quanto aos ensinos gramaticais nos níveis Fundamental e Médio.

Ouve-se, por exemplo, afirmações do tipo: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, “Eu não sei português”; “As pessoas sem instrução falam tudo errado”; “O certo é falar assim porque se escreve assim” ou ainda “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social” e outros preconceitos, que estão bem apresentados e explicados no livro “Preconceito Lingüístico, o que é e como”, de Marcos Bagno.

Referindo-se a essas questões BAGNO (1999, p.81) questiona: ” o que nós professores poderíamos fazer para reverter essa situação?”. Segundo ele, um primeiro passo é dar a boa notícia aos alunos de que eles já sabem português, não tanto para eles se conscientizarem disso, mas para que nós, professores, não nos esqueçamos dessa verdade. O segundo passo é uma simples troca de sílaba. Em vez de “rePEtir” alguma coisa, nós devemos “reFLEtir” sobre ela. Isto é, ele está propondo que a nossa atitude deva ser “investigativa, reflexiva e crítica” diante da ciência. Para isso, ele vai além, em seu livro “Pesquisa na Escola – o que é, como se faz” (2000, p. 67 e 84), propondo o uso da Pesquisa em Língua Portuguesa afirma que:

“Um dos fundamentos da boa ciência é investigar as regras e leis que provocam os fenômenos naturais, que fazem as coisas acontecerem. Só que no ensino da gramática, em vez de investigarmos as regras e as leis, nós simplesmente as entregamos prontas e acabadas para os alunos, que são obrigados a decora-las, sem terem percebido de modo mais palpável porque as coisas funcionam daquele jeito” ( p.67).

“ Vamos nos preparar melhor! “(...) “Muitas pessoas dirão que para fazer esse tipo de reflexão crítica da gramática tradicional é necessária uma formação específica, uma preparação rigorosa dentro da ciência da linguagem. E eu digo: é necessária sim! A formação dos nossos professores de Língua Portuguesa precisa ser feita de outro modo, sem recorrer tão desesperadamente à gramática tradicional como única tábua de salvação.”(p.84).

ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA FACE A FACE

Sabemos que há três eixos norteadores para o ensino/aprendizagem de Língua Materna que são: a oralidade, a leitura e a escrita. Espera-se que na prática educativa esses eixos sejam trabalhados de modo que possam realizar a construção do conhecimento do aluno na utilização de seu discurso, de forma fluida, eficaz e interativa.

ORALIDADE: NINGUÉM ACREDITA...

A linguagem oral, nas aulas de Língua Portuguesa, deveria ser a âncora para o aprimoramento de todas as outras atividades, pois é a partir dela que o aluno expressa seus desejos, seus valores e modo de vida. A troca, o diálogo, o discurso do indivíduo deveria ser melhor aproveitado em sala de aula para que o mundo entrasse verdadeiramente na escola, pois onde além da interação verbal, o mundo poderia ser melhor analisado do que dentro da comunidade escolar?

Quando se fala em oralidade, pressupõe-se o privilégio à linguagem que o aluno já traz de casa e o trabalho com a mesma no sentido de proporcionar ao educando situações em que ele a utilize naturalmente, mas refletindo sobre essa linguagem e comparando-a a norma padrão. Este privilégio, a posteriori, gerará condições para que o aluno utilize a fala em espaços públicos, possibilitará momentos de domínio pleno de cidadania através de seu uso competente e engajado, realizará, enfim o processo de ensino/aprendizagem preconizado por uma educação libertadora e democrática.

LEITURA: A CHAVE PARA A COMPREENSÃO DO MUNDO

Uma das práticas que mais contribuem para a aquisição da cultura por parte de um indivíduo é a da leitura. A convicção de que a leitura deve pautar-se no prazer é um pensamento recente dentro do processo escolar, pelo menos se observarmos este processo em seu desenvolvimento atual que mais cobra trabalhos sobre livros do que realmente incentiva o hábito da leitura.

Ancorada no pressuposto de que o sujeito adquire a atitude leitora através da mediação de algo ou alguém, Arnold Hauser diz que “ o êxito da mediação entre os distintos tipos e modos de recepção levam em conta uma série de pressuposições naturais e psicológico-biográficas. A transformação de um leitor ignorante em um expert exige não somente uma larga educação que toma toda sua juventude, mas também uma mudança de personalidade que pode ou não acontecer apesar da melhor vontade e do maior esforço. A influência do mediador não vai diretamente de pessoa a pessoa, mas através de uma série de fatos objetivos ou reificados, naturais ou convencionais e institucionais.” Dessa forma, podemos formular uma política educacional que ajudaria muito no processo de aquisição de leitura dentro da escola que é a adoção, por parte do professor, do compromisso de tornar-se um mediador da leitura. Não só o professor de Língua Portuguesa, mas todos os profissionais da educação.

Fundamentalmente, o ato de ler perpassa várias leituras: a de palavras, imagens, sons. “A leitura do mundo precede a leitura das palavras”, já dizia o grande mestre Paulo Freire. Lê-se por diversos motivos e de diversas maneiras: “em pé, sentado, sozinho, em grupo, em voz alta, em voz baixa ...” ( Manguel, ) As práticas da leitura são incontáveis.

Emmanuel Fraisse em Leitura Estudantil: emergência de uma questão, propõe uma reflexão conjunta entre a sociologia da família e a sociologia da leitura sobre a tensão existente entre as práticas herdadas (grifo meu) ou a ausência delas e os comportamentos estudantis face ao livro e à leitura.

Percebe-se que o hábito da leitura incentivado desde “tenra idade”, traz grandiosos benefícios ao aluno e quando de sua inserção no mundo escolar tais benefícios ampliam-se pela competência leitora já existente.

A leitura define-se, então, como parte fundamental, senão a mais importante, do processo de aquisição de habilidades e competências na produção do discurso. É ela que abre as comportas da imaginação e de forma prazerosa traz aos leitores fatos, situações, ensinamentos que o ajudam a melhorar seu desempenho lingüístico e textual. Deve-se proporcionar ao aluno situações em que ele possa se interessar pela leitura, tomando o cuidado de não “forçar” a leitura, causando assim uma espécie de repúdio gratuito à mesma. É necessário que se encontre um ponto de equilíbrio no que concerne à leitura, articulando as várias posturas diante do texto como: “a leitura busca de informações; a leitura estudo do texto; a leitura do texto-pretexto; a leitura fruição do texto” (GERALDI, 1984). Na busca desse meio termo, pode-se citar o último item, leitura como fruição de texto como sendo o menos privilegiado no trabalho em sala de aula. “Com leitura – fruição de texto estou pretendendo recuperar de nossa experiência uma forma de interlocução praticamente ausente das aulas de Língua Portuguesa: o ler por ler, gratuitamente. E o gratuitamente aqui não quer dizer que tal leitura não tenha um resultado. O que define este tipo de interlocução é o” desinteresse “pelo controle do resultado”.(GERALDI, 1984, P. 86).

ESCRITA: UMA VOZ QUE PERMANECE

Roger Chartier aborda em seu livro “As Práticas da Escrita” dados levantados sobre a aquisição e o desenvolvimento da escrita nos séculos XVI, XVII e XVIII. Afirma que a partir da evolução da imprensa é que houve maior desenvolvimento da prática da escrita pela sociedade. Contudo, as taxas de analfabetos eram enormes, pois o critério usado para considerar uma pessoa alfabetizada era simplesmente o de saber assinar o nome, coisa que dificilmente mostra a realidade do grau de alfabetização do indivíduo.

O que se percebe é que a evolução da sociedade permitiu, de modo geral, a ampliação das práticas da escrita. Um exemplo pertinente foi a Reforma Luterana que abriu espaço para a democratização da leitura através da Bíblia. Conseqüentemente o aumento das práticas da escrita cresceram , pois sabe-se que uma decorre naturalmente da outra. Pressupõe-se que a transição da leitura à escrita realizou-se através do registro do dia-a-dia das pessoas, o que constitui-se numa prática constante da época. Um outro fator determinante foi a ampliação do número de mulheres leitoras e sua relação com a escrita de cartas, bilhetes e até poesias, contribuindo para o aumento de escritores.

Hoje em dia não é tão simples. A escrita decorre da necessidade de comunicação, ou melhor, da interação. Sabe-se que o ato de se expressar exige uma elaboração contínua, que aos poucos vai-se aperfeiçoando, a medida que vão esgotando os recursos expressivos mais imediatos. Isso requer um conhecimento profundo da língua, que, por sua vez, se renova a cada enunciação. Dessa forma, após o início da universalização do ensino, com a adoção de posturas mais includentes em sala de aula, o trabalho na escola é o ponto de partida para a aquisição da capacidade de escrever. O professor tornou-se o mediador que facilitará o acesso ao escrito e à escritura. Mas, será que ele vem desenvolvendo seu trabalho como o esperado?

A escrita é imortal. Ao escrever, uma parcela da pessoa adquire um caráter de eterno. Ao escrever, o hoje, que amanhã será passado, continuará sendo.

“O ensino de Língua Portuguesa tem sido fortemente dirigido para a escrita, chegando mesmo a se preocupar mais com a aparência da escrita do que com o que ela realmente faz e representa”.(CAGLIARI, 1999, p.96)

Nas séries iniciais, especificamente na alfabetização, percebe-se que a maior preocupação dos professores é que o aluno aprenda a escrever. O equívoco é que a maioria dos docentes tem como objetivo que a criança ao final de um ano de alfabetização saiba escrever, mas escrever de tudo e não simplesmente iniciar um processo longo e completo que é o ato de apropriar-se de todos os requisitos julgados necessários à aquisição da escrita.

Essa visão imediatista é um grande empecilho à aquisição competente da escrita, pois verifica-se a pressa nas atividades, sempre com a preocupação de se chegar ao final, sem se preocupar com o processo e conseqüente qualidade.

Ainda de acordo com LUIZ CARLOS CAGLIARI, “alguns métodos de alfabetização ensinam a escrever pela escrita cursiva, chegando mesmo a proibir a escrita de forma. A razão que alegam freqüentemente é que a criança que aprende a escrever com letras de forma tem que aprender depois a faze-lo com letras cursivas e isso representa o dobro do trabalho, sendo inconveniente porque pode levar a criança a confundir esse dois modos de escrever”. (CAGLIARI, 1999, p.97)

O autor afirma que tal argumento é falso e sem sentido, porque a escrita de forma é muito mais fácil de reproduzir do que a cursiva. Rebate ainda afirmando que é a escrita de forma que aparece nos jornais, livros, revistas, enquanto que a escrita cursiva é de uso particular e sujeita ao modo de cada um escrever. Além do mais, a escrita cursiva demanda um domínio perfeito das formas de traçado e para quem ainda está no início das atividades para a aquisição da leitura e escrita ela se torna extremamente dificultosa.

O que se vê é um privilégio exagerado ao ensino da escrita cursiva enquanto o ideal seria propiciar ao aluno momentos de reflexão sobre as práticas da escrita, sobre seu uso e papel que ocupa na sociedade.

Talvez quando o foco se descentralizar da motricidade e da aparência das letras e projetar-se na utilidade que a escrita tem, os alunos das séries iniciais passem do atual estado de apatia em relação a escrita para um estágio onde a necessidade e o prazer de escrever utilizem um espaço maior.

Em vista de todas essas considerações, a escrita competente é vista como o objetivo a que se quer chegar. Supõe-se que o sonho de todo professor seja que seu aluno redija de forma esclarecida, competente e engajada. Diversas formas de se trabalhar a escrita vêm sendo desenvolvidas e descobertas interessantes estão aparecendo. A refacção de textos é o que mais se propala ultimamente embasada na concepção do processo de revisão/leitura/reescrita contínuas do texto como forma eficiente na aquisição de habilidades desta prática. Daí decorrem várias possibilidades de se trabalhar com o texto como: a prática de análise lingüística, a prática de análise morfossintática, a análise do discurso, elementos de coerência e coesão, entre outros.

Se considerarmos a tarefa de escrever, por exemplo do ponto de vista de um escritor já reconhecido na literatura, veremos que o seu manuscrito (minimizando a utilização das tecnologias) apresenta vários aspectos como, o que dizer, a quem dizer, como dizer. Ao escrever profissionalmente, raras vezes este autor realiza tais tarefas sozinho. Assim que põe no papel o que quer dizer a seus eventuais leitores, verá seu texto, ainda em versão preliminar, ser submetido a uma série de profissionais: leitores críticos, que analisarão relevância e adequação, a preparadores de originais, que promoverão eventuais ajustes na redação, a revisores, que farão uma varredura nos originais para localizar e corrigir possíveis deslizes no uso da norma; a coordenadores editoriais, que planejarão a composição futura que o texto terá ao ser impresso. Bem desigual é a tarefa do aluno. Espera-se que ele coordene sozinho todo esse aspecto.

Pensar em atividades para ensinar a escrever é, inicialmente, identificar os múltiplos aspectos envolvidos na produção de textos, para propor atividades seqüenciadas, que reduzam parte da complexidade da tarefa no que se refere tanto ao processo de redação quanto ao de refacção.

A refacção de textos faz parte da escrita, pois durante a elaboração de um texto, se relêem trechos para prosseguir a redação, se reformulam passagens. Um texto pronto será sempre produto de sucessivas versões. Tais procedimentos devem ser ensinados e podem ser aprendidos. Somente a mudança de paradigmas até então considerados imutáveis, conseguirá dar conta da situação que hoje se apresenta na escola, ou seja, o fato do ensino sobrepujar o uso, o equívoco do fim pelo processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infelizmente podemos observar que a prática da leitura, da oralidade e da escrita em sala de aula não é o que deveria ser. O professor talvez “amarrado” pelo programa, ou pior ainda, por ele mesmo não cultivar o hábito de ler e escrever, torna a prática da leitura superficial e a produção de textos mecânica e escolarizada, fazendo com que elas percam seu sentido de utilidade, de sonho e de prazer.

“Entre os alunos há incerteza e ansiedade: devem conformar-se com um modelo prefixado de bom aluno, que só escuta, que obedece atento, dócil, disciplinado, e por esses méritos, é avaliado. As qualidades de espírito crítico e reflexão são deixadas nas “introduções” e “proclamações de princípio”, sem inspirar uma prática efetiva, quando não são apagadas e subjugadas pela repressão do mestre”. (FRANCHI, 1990, p.XII)

Aprendizagem de Língua, no sentido lato da palavra deveria significar “viagem”. Uma viagem em que a descoberta de maneiras diferentes de comunicação abrissem horizontes do conhecimento ao aluno, lhe despertasse o prazer de criar ambientes inovadores para viver.

Ao professor caberia a tarefa de propiciar situações em que esta aprendizagem correspondesse à expectativa do aluno, mas, “a escola reflete , dessa maneira, em seu próprio seio, as contradições inerentes ao sistema capitalista: nascida dele, para sua manutenção, contribui ao mesmo tempo para seu enfraquecimento”. ( FRANCHI, 1990, p. XVI).

Como a língua é produzida socialmente, isto é, no cotidiano ela se desenvolve, numa sociedade como a brasileira, que por sua dinâmica econômica e política, divide e individualiza as pessoas, isola-as em grupos, distribui a miséria entre a maioria e concentra os privilégios nas mãos de poucos, pode-se afirmar que a escrita e a leitura não poderiam deixar de ser, entre outras coisas, também a expressão dessa mesma situação.

Acredita-se que ambas sejam expressões de poder, nem se duvida disso, o que se percebe, porém, é que esse poder, para não dizer privilégio, está concentrado nas mãos de poucos e é daí que se origina a concepção de classe dominante e classe dominada. Equivocadamente, imagina-se que as pessoas que dominam a arte da leitura e da escrita são as que são “mais inteligentes ou mais espertas”. Ledo engano... o que realmente existe é uma nação miserável que exclui os futuros leitores e escritores de maneira tão brusca que, antes deles se formarem, já acham que nunca irão conseguir compreender as diversas formas de expressão realizadas através da leitura ou escrever de acordo com a norma, dita culta, que alguém um dia achou que era a melhor!

O fato de a escola encarar a educação como problema cultural ou pedagógico e esquecer de que é também um problema social, faz com que os alunos tornem-se apáticos, inseguros, e pior ainda, faz com que grande parte deles acredite que toda a educação seja assim, instrumento de poder que serve somente para uma pequena porcentagem de felizardos.

A necessidade de movimentos que propiciem reflexão para agilizar mudanças é um pequeno passo para a obtenção de progresso nesta área, porém a mesmice e a falta de coragem de correr riscos, aliados a uma política educacional que desprivilegia a profissão de professor e é a grande causa da desmotivação presente na área, são apenas alguns dos empecilhos que barram a busca pela qualidade da educação neste país.

DESABAFAR É PRECISO...: “UM RELATO NÃO MUITO DIFERENTE DOS DA MAIORIA DOS PROFESSORES QUE LUTAM POR UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE”.

Às vezes, quando chego em casa depois de um dia estafante de trabalho (como gostaria de dizer “gratificante”), reflito sobre os acontecimentos, analiso-os e dessas reflexões, colho algumas considerações importantes.

Acredito que a realidade que permeia a vida de grande parte de nossos alunos seja muito diferente da nossa. Em primeira mão é o que me ocorre, pois é muito comum numa aula de Língua Portuguesa estarem presentes (como adoraria poder dizer Língua Brasileira, bem brasileira mesmo!) o desinteresse e a apatia (essa é a palavra que para mim, melhor traduz a situação).

Tento ser uma professora ouvinte, democrática, instigo a oralidade em meus alunos, “peço feed-back”, oriento, chamo a atenção para os detalhes da leitura, da escrita, direciono as inferências, faço intertextos, debates, simulo e provoco situações de interação verbal e escrita... São tantas as situações! As únicas coisas que faltam eu fazer “ é trabalhar nua, ou me vestir de palhaça ( esta última já tomando corpo em minha mente)”.

Contudo, a cultura de modo geral, não existe. A alienação é gritante. Eles parecem não terem o mínimo de esperança. É isso mesmo. Falta esperança. Eles não acreditam que as coisas possam melhorar com a melhora das condições intelectuais deles mesmos. Eles não acreditam que uma é decorrência da outra. A auto-estima deles é muito deficiente.

A culpa... E me pergunto de quem é a culpa? Do sistema é a primeira resposta que me ocorre. Dos pais é a segunda. De nós mesmos, professores, é a terceira.

O “ balde de água fria” que todos os dias tomo em sala de aula, não é de graça. Também é decorrência. Decorrência de um sistema falido, excludente, falacioso, antiético e corrupto. É decorrência de um sistema que não dá chance às minorias, que na mesma proporção em que privilegia a classe dita dominante, rechaça a classe dita dominada. É, ainda decorrência, de uma classe de profissionais que têm em mãos crianças e jovens vindos dessa situação social e econômica caóticas e que, de quebra, é extremamente mal remunerada, mal vista, mal respeitada, e tantos males e males que seria impossível enumerar aqui.

Mesmo assim, há alguns que vêem a luz no fim do túnel. Há os que lutam contra a maré, contra o pessimismo, contra o impossível, o intransponível e o incomensurável.

Quando chego em casa, depois de um dia exaustivo (poderia ser festivo, só para rimar) penso em tudo isso e agora escrevendo esse desabafo ( e me perdoem todas as oralidades e redundâncias) porque é um desabafo, chego a conclusão mais lógica: a profissão de professor, não é profissão, é uma missão. Mas não uma missão para professores eucaliptos, como diria Rubem Alves, e sim uma missão para educadores jequitibás.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜISTICA APLICADA

ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA: OS EIXOS “FORA DOS EIXOS”

Silvia Regina Nunes

Maringá

Setembro/2003

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜISTICA APLICADA

ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA: OS EIXOS “FORA DOS EIXOS”

Silvia Regina Nunes

Artigo apresentado à professora

Sonia Aparecida Lopes Benites 

para fins de avaliação na disciplina

de Teorias Lingüísticas.

Maringá

Setembro/2003

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